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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
LINO JOSÉ DE SOUZA CHÍXARO
EXIGIBILIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS E LEGITIMAÇÃO ORDINÁRIA NA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Recife – PE 2006
LINO JOSÉ DE SOUZA CHÍXARO
EXIGIBILIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS E LEGITIMAÇÃO ORDINÁRIA NA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito do Recife / Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco como requisito para obtenção do grau de Mestre. Área de concentração: Direito Público Linha de Pesquisa: Neoconstitucionalismo: Direitos Fundamentais. Justiça e Processos Constitucionais. Orientador: Prof. Dr. João Maurício Leitão Adeodato.
Recife – PE
2006
Ficha Catalográfica
(Catalogação na fonte realizada pela Biblioteca Central / UFAM)
C543e
Chíxaro, Lino José de Souza
Exigibilidade dos direitos sociais e legitimação ordinária na Ação Civil Pública / Lino José de Souza Chíxaro. - Recife: UFPE, 2006.
101 F. Dissertação de Mestrado – Centro de Ciências
Jurídicas/Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2006.
1. Judicialidade 2. Legitimidade 3. Direito 4. Justiça I.Título
CDU 342.7(043.3)
Para Denise, Bruna e Júlia.
��� ������� ��� � �� ������ ����� �������������������������������������������������������������������������� BOBBIO, NORBERTO. A Era dos Direitos. São Paulo: Campus, 1992.
RESUMO
CHÍXARO, Lino José de Souza. Exigibilidade dos direitos sociais e legitimação ordinária
na Ação Civil Pública. 2006. 101 fls. Dissertação de Mestrado – Centro de Ciências
Jurídicas/Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.
Este trabalho tem por objetivo, em primeiro plano, reforçar o argumento acerca da efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais na ordem jurídica brasileira. A partir de uma retrospectiva dos direitos humanos na ordem jurídica nacional e internacional, evidencia-se que a consagração desses direitos constitui uma etapa evolutiva do constitucionalismo clássico, de cunho liberal, para o constitucionalismo moderno, de perfil nitidamente socializante. Passo seguinte, o estudo aborda a questão da exigibilidade dos direitos sociais, haja vista a força normativa e a auto-aplicabilidade da Constituição Federal, inclusive pela recepção dos documentos jurídicos internacionais de que o Brasil é signatário. Definindo os direitos sociais, econômicos e culturais como interesses individuais homogêneos indisponíveis, a questão da sua judicialidade é tratada no âmbito da legislação instrumental que disciplina o processo coletivo, a Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), em cuja abordagem se fazem críticas ao critério por ela adotado no tocante à legitimidade, pois torna exclusiva a legitimação extraordinária ou autônoma de instituições e associações civis e exclui a postulação ordinária inerente aos próprios titulares do direito. Sustenta-se que a legitimação extraordinária exclusiva é injurídica, uma vez que não encontra respaldo na teoria da personalidade, que confere inalienabilidade ao direito subjetivo do titular do direito material. Também é sustentada a tese da inconstitucionalidade da exclusão dos legitimados ordinários, posto que, no caso dos direitos homogêneos indisponíveis, há uma nítida coincidência do interesse coletivo e do individual, não havendo razão jurídica plausível para afastar o direito à jurisdição dos seus próprios titulares, especialmente porque o acesso à justiça constitui direito fundamental da pessoa humana. Por essas razões, o trabalho propugna pelo acesso à justiça de pessoas e grupos de indivíduos que, mesmo não reunidos em organizações formais, tenham eventualmente interesses e necessidades sociais convergentes.
Palavras-chave: Judicialidade. Justiça. Direito. Legitimidade.
ABSTRACT
CHÍXARO, Lino José de Souza. The exigibility of social rights and ordinary legitimation
in the public civil action. 2006. 101 fls. Dissertação de Mestrado – Centro de Ciências
Jurídicas/Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.
This work has for objective, in the foreground, to reforce the effectiveness of the social, economic and cultural rights in the Brazilian legal order. From a retrospective of the human rights in the national and international legal order, it is proven that the establishment of these rights constitutes an evaluative stage from the classic constitutionalism, of liberal nature, to the modern constitutionalism, of clear socialization profile. The study also approaches the question of the liability of the social rights, in the view of the normative force and the auto-applicability of the Federal Constitution, including the reception of international legal documents of which Brazil is signatory. Defining the social, economic and cultural rights as unavailable homogeneous individual interests, the question of its judicial Dade is treated in the scope of the instrumental legislation that disciplines the collective process, Law 7,347/85 (Law of the Public Civil action), whose approach is criticized here concerning its legitimacy, for it turns exclusive the extraordinary or independent legitimation of institutions and civil associations and excludes the inherent usual postulation to the own holders of the right. It is also supported that the exclusive extraordinary legitimation thesis is not legal, once it doesn’t find endorsement in the theory of the personality, which confers inalienability to the subjective right, of the citizen who holds the material right. Also the thesis of the unconstitutionality of the ordinary legitimated exclusion is supported, although, in the case of the unavailable homogeneous rights, there is a clear coincidence between the collective and the individual interests, existing no reasonable legal motive to the right to remove jurisdiction from its own holders, especially because the access to justice constitutes a basic right of the human being. For these reasons, the work advocates the access to justice of people and groups of individuals that, even if not congregated in formal organizations, have eventual convergent interests and social necessities.
Key-word: Judiciality. Justice. Right. Legitimation.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................... 01
1 AS GARANTIAS SOCIAIS NO CONTEXTO DO DIREITO INTERNACIONAL. 08
1.1 Síntese da evolução histórica dos Direitos Humanos...................................................... 08
1.2 O Garantismo Social como nova tendência do Constitucionalismo............................... 10
1.3 A crise do positivismo: os Direitos Sociais na dimensão da dignidade humana e a
necessidade de sua proteção efetiva.....................................................................................
14
2 OS DIREITOS SOCIAIS NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO.............. 21
2.1 Direitos Sociais: da marginalidade à normatividade formal........................................... 21
2.2 Os Direitos Sociais coletivos na Constituição Federal: o salto axiológico.................... 26
2.3 A Questão da incorporação à ordem jurídica nacional dos Direitos Sociais tutelados
internacionalmente: reforço ao argumento da sua exigibilidade.........................................
28
3 PRESSUPOSTOS DE EXIGIBILIDADE DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS
NO BRASIL CONTEMPORÂNEO..................................................................................
30
3.1 Pressuposto sociológico: a massificação da exclusão social.......................................... 30
3.2 Pressuposto político: a erradicação da pobreza como devir da República.................... 33
3.3 Pressupostos jurídico-filosóficos: a perspectiva meta-individual do direito
contemporâneo....................................................................................................................
38
3.4 Pressuposto jurídico: a efetividade dos direitos fundamentais sociais.......................... 40
4 TUTELA DOS DIREITOS SOCIAIS.......................................................................... 45
4.1 A classificação dos Direitos Sociais segundo a sua exigibilidade................................ 45
4.2 A proteção dos Direitos Sociais pelo Judiciário: a separação dos poderes, a reserva
do possível e o mínimo existencial......................................................................................
46
4.3 A heterovinculação dos poderes e o papel do Judiciário na proteção dos Direitos
Sociais..................................................................................................................................
52
4.4 A tarefa do Judiciário na proteção do conceito substancial de Democracia.................. 56
5 A POSTULAÇÃO METAINDIVIDUAL DOS DIREITOS SOCIAIS....................... 63
5.1 A classificação dos Direitos Sociais como interesses individuais homogêneos
indisponíveis.........................................................................................................................
63
5.2 Exigibilidade-legitimidade dos Direitos Sociais: análise crítica dos critérios de
legitimação vigentes.............................................................................................................
64
5.3 A representatividade adequada no Direito Comparado: a Class Action e o litígio de
interesse público...................................................................................................................
70
5.4 A dimensão substancial do Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição: o acesso à
justiça como Direito Fundamental inalienável....................................................................
73
5.5 A questão do conceito de sujeitos de Direitos: por uma legitimação individual ou
litisconsorcial nas ações coletivas........................................................................................
78
CONCLUSÃO: OS TITULARES DE DIREITO COMO SUJEITOS DE DIREITO. 81
REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 86
INTRODUÇÃO
Na abertura do Simpósio Nacional sobre os Direitos do Homem, realizado em 1967,
em Turim, Norberto Bobbio anteviu um dos grandes dilemas do Direito contemporâneo, ao
afirmar que o “problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não era
mais de fundamentá-los, e sim de protegê-los”.
Sem meias palavras, o pensador italiano foi ao cerne da questão, ao declarar que:
[...] o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los.1
A presente dissertação insere-se nessa linha de preocupação, pois, além de reforçar o
argumento acerca da exigibilidade dos direitos sociais, econômicos e culturais, tem por objeto
específico refletir sobre a legitimação da sociedade para o procedimento coletivo instituído
pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública – LACP), posto que a
atual sistemática estabelece óbices processuais para que os cidadãos possam acionar a
jurisdição na defesa daqueles direitos.
O ponto central, portanto, é refletir sobre o modelo atual. A crítica dá-se basicamente
sobre o critério que a LACP adotou para definir a representatividade adequada da sociedade,
que, nesse caso, incide apenas sobre instituições ou pessoas jurídicas que atuam
autonomamente ou por substituição processual.
1 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. São Paulo: Campus, 1992. p. 25.
O trabalho demonstrará que a adoção desse critério em caráter exclusivo é 1)
inconstitucional, porque fere o princípio da inafastabilidade da jurisdição, aqui compreendido
como uma garantia fundamental; e 2) injurídico, na medida em que desconsidera a teoria da
personalidade, que assegura aos titulares de direitos a legitimação ordinária (e originária) para
a defesa dos seus interesses, independentemente dos legitimados extraordinários.
O ponto de vista defendido neste trabalho tem, portanto, uma clareza lógica, no
sentido de se contrapor ao critério de legitimação rigorosamente estabelecido na LACP, a
qual, ao definir os legitimados não ordinários como únicos detentores da via postulatória,
veda que a pessoa natural ou o litisconsórcio destas possam propor ação coletiva
reivindicatória de direitos sociais.
O presente estudo tem uma razão de ser concreta. Hoje, quase cem por cento das ações
coletivas relacionadas à proteção dos direitos sociais são viabilizadas pelo Ministério Público
e, embora essa estatística reflita a ascensão institucional do MP após a redemocratização,
traduz também a inibição da sociedade para ela própria manejar o espaço judicial. Um dos
empecilhos é exatamente a exclusão das pessoas naturais do rol dos legitimados para a ação
coletiva, cuja proposição depende da existência dos chamados grupos intermediários2 formais,
organizações não governamentais que demandam farta burocracia e elevados custos para
existirem juridicamente3.
Inicialmente e com o objetivo de permitir ao leitor melhor compreensão do tema,
convém esclarecer que não se abordarão os direitos sociais relativos ao trabalhador, tendo em
vista que o controle judicial de tais garantias se dá por meio do processo trabalhista individual
ou coletivo, ou, ainda, pelas instâncias corporativas.
2 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: juizados especiais e ação civil pública. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 92. 3 A estatística mencionada neste parágrafo foi constatada mediante pesquisa realizada por Paulo Cezar Pinheiro Carneiro e é abordada na obra de que trata a nota de rodapé n. 2.
O ponto de reflexão será sobre os direitos sociais relativos à educação, à saúde e à
assistência social (as garantias previdenciárias têm regime jurídico próprio), estes últimos
tratados pela Constituição Federal como direitos relativos à seguridade social.
Como parte da doutrina e da jurisprudência4 ainda resiste à idéia da efetividade, da
exigibilidade e da judicialidade dos direitos sociais constitucionais, entendeu-se oportuna e
necessária uma digressão histórica acerca desses direitos, de modo a facilitar a compreensão
de que esses pressupostos – sem os quais não se poderia falar de titularidade de direito e de
legitimação – decorrem da assimilação, pelo novo pacto constituinte de 1988, de conteúdos
normativos internacionais, sobretudo os contemporâneos ao pós-guerra.
Para tanto, iniciar-se-á a abordagem com uma retrospectiva dos direitos humanos na
ordem jurídica internacional, para evidenciar que a consagração dos direitos econômicos,
sociais e culturais constitui uma etapa evolutiva do constitucionalismo clássico, de cunho
liberal, para o constitucionalismo moderno, de perfil nitidamente socializante.
O passo seguinte será sobre os direitos sociais na concepção jurídica contemporânea,
fortemente influenciada pelas conseqüências do pós-guerra e do neocolonialismo, quando as
mais absurdas violações à dignidade humana influenciaram no discurso de negação do
racionalismo positivista e quando também os direitos humanos são concebidos com base na
noção de integralidade, indivisibilidade, inalienabilidade e progressividade.
Como não poderia deixar de ser, o trabalho abordará a evolução das garantias sociais
no constitucionalismo brasileiro, explicitando que, na perspectiva histórica e sociológica, a
herança escravocrata e latifundiária influenciou no pensamento jurídico do Império e da
4 Refiro-me genericamente aos doutrinadores mais dogmáticos que justificam a não eficácia das normas constitucionais através de institutos auto-referentes, de que são exemplos clássicos os conceitos de “normas constitucionais programáticas”, “normas constitucionais de eficácia contida” etc., como também à forte tendência que ainda existe no judiciário, que resistem à exigibilidade dos direitos sociais, sob o argumento da não auto-aplicabilidade dos preceitos constitucionais correlatos, em detrimento às novas concepções hermenêuticas, que defendem o princípio da normatividade constitucional.
República Velha, que negou reconhecimento e até marginalizou socialmente o exercício
desses direitos.
Nesse caminho evolutivo, verificar-se-á que os direitos sociais só passam a integrar a
ordem jurídica, e ainda muito timidamente, na Constituição de 1934, muito menos como um
pacto político pioneiro, e, sim, como um arranjo da antiga oligarquia para manter-se no poder.
Este estudo evidencia, também, que as Constituições seguintes, não obstante terem
recepcionado garantias sociais dos indivíduos, eram extremamente indolentes no sentido da
sua efetividade, incrustando na cultura jurídica nacional a forte sensação de insinceridade
constitucional, o que se explica pela impermeabilidade do patrimonialismo e do autoritarismo,
muito marcantes na história da vida política nacional.
Contudo, e até para servir de argumento central deste estudo, tratar-se-á da
radicalidade democrática que inspirou a Constituição de 1988, para demonstrar que o seu
texto é fortemente inspirado na teoria da justiça social, consagrada pelo Pacto Internacional
sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, e pela Declaração sobre o Direito
ao Desenvolvimento, de 1986, ambos das Nações Unidas.
Por motivos históricos, a teoria da justiça social consolidou-se internacionalmente
como o pensamento constituinte de uma nova mentalidade de Estado, advinda da mitigação
dos dogmas liberais, em cujo contexto o Direito assume papel preponderante na proteção e
fruição dos direitos sociais, elevando-se o interesse social acima dos interesses individuais e
até mesmo dos públicos (estatais), o que reforça consideravelmente o sentido da sua
exigibilidade jurídica no plano interno das nações.
Do exame da Constituição de 1988 em cotejo com esses documentos jurídicos
internacionais, também é possível extrair a consagração dos critérios de imediatidade e
progressividade na fruição dos direitos sociais pela via jurisdicional.
A imediatidade nasce como um contraponto ao formalismo positivista, pois impõe que
os Estados nacionais confiram efetividade imediata a certos direitos sociais, mitigando a
hermenêutica dogmática que os tratava (e ainda os trata em certa parte) como fruições de
natureza programática (?), de que é exemplo a teoria da eficácia das normas constitucionais.
A progressividade, por seu turno, impõe-se como um princípio de realidade, de modo a
adequar a norma às dificuldades orçamentárias dos países subdesenvolvidos e possibilitar que
outras categorias de direitos sejam prestados progressivamente.
Com a intenção de melhor contextualizar o tema e para evitar uma análise meramente
doutrinária e dogmática, tomou-se à liberdade de apresentar pressupostos extralegais de
exigibilidade dos direitos sociais.
Recorre-se à questão da massificação da exclusão social como fenômeno sociológico e
seu potencial lesivo em termos de desintegração da institucionalidade democrática, para
discorrer sobre a ética da prioridade dos direitos sociais coletivos.
Utiliza-se o objetivo político da República de promover o bem comum, para consagrar
o compromisso político do País para com a ordem internacional, no sentido da proteção dos
direitos humanos quanto à perspectiva da sua inalienabilidade e integralidade.
Discorre-se sobre a interdependência social nas sociedades complexas
contemporâneas, para justificar o deslocamento do ethos jurídico da perspectiva individual
para a visão metaindividual, com o que se entende encontrar justificação filosófica para a
exigibilidade dos direitos sociais.
Enfim, já num sentido mais estrito, ressalta-se a efetividade dos direitos fundamentais
sociais com base na teoria da normatividade dos princípios constitucionais, de modo a
respaldar juridicamente o argumento da exigibilidade dos direitos sociais no Brasil
contemporâneo.
Capítulo especial é reservado aos aspectos jurídicos concernentes à tutela judicial dos
direitos sociais, levando-se em conta os mecanismos legais de que se dispõe, com base numa
visão crítica acerca da (in)adequação dos nossos instrumentos procedimentais, de perfil
liberal-formalista, sobretudo no que tange à tutela dos direitos coletivos, como já aqui
abordado.
Em razão da precariedade dos instrumentos procedimentais hoje disponíveis no
sistema jurídico nacional, optou-se por explorar as possibilidades de adequação de mediante
o exercício de exegese que lhe permita mais flexibilidade aplicativa e maior instrumentalidade
concreta, com o propósito declarado de alargar o horizonte da legitimidade ativa aos cidadãos
e, portanto, ampliar concretamente a efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais
previstos na Carta da República.
Embora pareça simples, na prática judicial o problema ganha contornos complexos.
Tome-se como exemplo corriqueiro, contudo ilustrativo, a necessidade de uma determinada
comunidade local acionar a jurisdição objetivando ampliar a oferta de ensino fundamental,
negada no espaço político.
Nesse caso, havendo a inércia do Ministério Público e inexistindo associação civil
formalmente constituída, tal como exige a LACP, estarão os titulares do direito material (a
comunidade como um todo) impedida de exercer o direito subjetivo, frustrando-a de usufruir
direito social garantido constitucionalmente.
De outro modo, se a mesma comunidade pretender a anulação de uma despesa
administrativa que entender lesiva ao interesse público educacional, como por exemplo, a
aquisição de fardamento em vez de livros didáticos, apenas um ou mais cidadãos podem
manejar a jurisdição, fazendo-o em nome de toda a sociedade, por via da ação popular.
A contradição é visível, pois se é possível que cidadãos sejam substitutos processuais
na defesa de interesses difusos, que são amplos e atingem indeterminadamente o tecido social,
constitui um paradoxo intransponível proibi-los de postular os próprios direitos, que são
homogêneos, embora divisíveis individualmente.
Essa visão não condiz com a ordem natural das coisas, pois o Direito, por sua função
ontológica, não pode contemplar tal anomalia, tal imperfeição lógica, a ponto de obstar que o
titular natural de um direito, e de um direito tão relevante como o da educação, possa pelo
menos postulá-lo no espaço judicial.
O presente trabalho pretende, com efeito, superar esse dilema. Para tanto propõem seja
aceita a legitimação das pessoas, ou de grupos de pessoas, para a postulação dos direitos
sociais, econômicos e culturais no âmbito da LACP, mesmo que esta negue, por exclusão, tal
legitimidade.
O argumento incontestável que para tanto se apresenta encontra respaldo no próprio
sistema jurídico-constitucional, que assegura o acesso pleno da cidadania à jurisdição, quanto
mais em se tratando de direito inerente à dignidade humana, que é apoiado por normas
constitucionais auto-aplicáveis e por vasto acervo histórico e normativo internacional, daí a
razão do resgate histórico do constitucionalismo.
Vale dizer: os direitos sociais, econômicos e culturais são de tamanha grandeza no
sentido humano e de vasta dimensão social, que ganham a dimensão jurídica da
fundamentalidade, não podendo ser mitigados por regras instrumentais motivadas por
orientação dogmática.
Por isso é que, ao final, propugna-se pela tese da viabilidade da legitimação individual
ou litisconsorcial popular, que será assegurada por exercício hermenêutico não tão elástico,
uma vez que será a própria normatividade sistêmica da ordem constitucional que fornecerá
elementos para tal posicionamento, como alhures demonstrado neste trabalho.
Só assim será possível resolver essa aparente contradição jurídica no âmbito do
processo coletivo.
1 AS GARANTIAS SOCIAIS NO CONTEXTO DO DIREITO INTERNACIONAL
1.1 Síntese da evolução histórica dos Direitos Humanos
As idéias mais compatíveis com a noção de um direito social rudimentar surgiram na
Carta Magna de 1215, da tensão entre os interesses econômicos do baronato inglês e o
absolutismo de João Sem Terra, de que é exemplo ilustrativo o princípio de que o governo daí
por diante deveria significar algo mais do que o domínio arbitrário de qualquer homem, e o
costume e a lei deveriam erguer-se acima do próprio rei.
Uma reflexão mais acurada dessa disposição fornece algumas conclusões importantes,
tais como:
• Apesar do contexto desfavorável, próprio da cultura absolutista, o postulado
constitucional persegue a segurança jurídica ao indicar a lei e os costumes como
fontes objetivas de tutela das relações entre o poder e a sociedade;
• Contudo, a noção de princípio é bastante sugestiva, ao recomendar ao governo um
significado, que é o de respeito ao homem enquanto sujeito de direitos,
inimaginável no período precedente.
Muito mais adiante, já no século XVIII, tendo os movimentos filosóficos iluministas
como precursores, dois marcos históricos unem novamente a política e o direito em nome de
postulados humanistas.
As Revoluções Americanas (1776) e Francesa (1789), ambas de cunho libertário e
nacionalista, concebem as respectivas Declarações dos Direitos do Homem e dão marcha
efetiva à era dos direitos do homem, concebidos como tal para protegê-lo do próprio Estado.
É fundamental essa abordagem, para demonstrar que, na era moderna, os direitos
humanos nasceram com as revoluções nacionalistas e se consolidaram como postulados do
indivíduo em desfavor desse mesmo poder estatal, a partir de quando nasce a idéia da
dimensão humana do Estado, o povo. Contudo, os documentos constitucionais que
expressam essa tendência eram essencialmente compromissários em relação às fruições
sociais, fixando-se basicamente na garantia dos direitos civis clássicos, de cunho liberal.
Embora o constitucionalismo dos séculos XVIII e XIX sejam praticamente omissos
em termos de direitos sociais, sua importância reside, dentre outros, no fato de incorporar à
ordem jurídica incipiente a racionalidade do Iluminismo, ferramenta que seria indispensável
para a consolidação de um Direito auto-referente e positivo, por via do qual foi possível
estabelecer importantes paradigmas jurídicos ligados às garantias civis clássicas, porta pela
qual os direitos sociais, econômicos e culturais ingressariam no período subseqüente.
Melhor explicando, essa racionalidade, herdada da ruptura filosófica iluminista,
passaria a ser nos períodos subseqüentes o engenho, o germe nos quais e a partir dos quais
seriam formuladas as criticas à concepção teológica do passado e permitidas as possibilidades
para o nascimento dos conceitos de igualdade jurídica, participação política, liberdade
econômica, secularização do poder, humanização penal, etc., todos eles indispensáveis para
configuração do constitucionalismo social dos períodos seguintes.
Especialmente no século XIX, com a consolidação do capitalismo europeu, esse
racionalismo jurídico exerceria papel fundamental, pois as tensões entre o capital e o trabalho
possibilitaram uma produção jurídica menos opressiva, fundada nos conceitos iluministas
clássicos, fato que muito contribuiu para que as garantias sociais pudessem ser contempladas
como direitos subjetivos.
1.2 O Garantismo Social como nova tendência do Constitucionalismo
O garantismo social só se sedimenta no constitucionalismo moderno com as teorias
políticas socialdemocratas e socialistas, de que são exemplos marcantes, no primeiro caso, a
Constituição de Weimar de 1919 e, no segundo, a Constituição Mexicana de 1917 e a
Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador da Rússia de 1918.
É oportuno lembrar, por dever de justiça para com a História, que, antes mesmo dessas
Constituições socializantes, a Carta francesa de 1848, repositária dos movimentos
revolucionários utópicos, já trouxera alguns fragmentos de direitos que se podem definir
como humano-sociais, ao preconizar o “direito ao ensino primário gratuito, à educação
profissional e à igualdade das relações entre patrão e empregado”5.
Como se percebe, somente no século XX, os direitos sociais passam a ser garantidos
constitucionalmente e, mais, assumem o status de direitos fundamentais sob a proteção do
Estado, em franca oposição ao liberalismo capitalista.
Exposição de Bobbio nesse sentido é oportuna:
Da crítica das doutrinas igualitárias contra a concepção e a prática liberal do Estado é que nasceram as exigências de direitos sociais, que transformaram profundamente o sistema de relações entre o indivíduo e o Estado e a própria organização do Estado, até mesmo nos regimes que se consideram continuadores, sem alterações bruscas, da tradição liberal do século XIX.6
5 CF. FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas Públicas: a responsabilidade do administrador e o Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 31. 6 BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. p. 42 et seq.
É importante destacar que tanto a proteção dos direitos sociais, quanto a sua elevação
à categoria de direito fundamental devem ser analisadas, levando-se em conta a forte carga
ideológica que as inspirou. Não seria exagero afirmar, portanto, que muitos desses direitos se
situavam no plano da ideologia, do idealismo.
Todavia, Wolkmer7 faz justiça, ao constatar que a Constituição alemã é a que mais
traduz “a modernidade e extensão de objetivos que transcendem ao próprio espírito
socializante” daquela época, o que lhe confere uma posição bem mais avançada em termos de
normatividade, próprio do modelo socialdemocrata em emergência, quando já se percebe a
separação entre os direitos civis e as garantias sociais.
Questão que não pode passar despercebida é a de que os direitos sociais nasceram no
contexto europeu como um contraponto ao movimento socialista que rondava o continente.
Tal fato é fundamental para explicar um certo compromisso político-institucional quanto a sua
eficácia, que, incipiente de início, se tornou progressivamente real pela luta dos movimentos
sociais e corporativos no curso da evolução histórica. O passo seguinte foi a sua pacificação
em termos normativos.
O Estado assume, então, papel preponderante na produção jurídica8, pois a ele cabe, a
partir de então, a incumbência de ser o esteio e, ao mesmo tempo, o regulador do modelo
capitalista.
No contexto de tensão entre os interesses econômicos em conflito – tendo de um lado
a expansão do capitalismo industrial e do outro a ascensão do movimento operário – a história
vê o surgimento de duas concepções também opostas de Estado, com a consolidação da
Rússia socialista. Nesse período, há uma grande produção jurídica mundial, visando a
7 WOLKMER, Antonio Carlos. Constitucionalismo e Direitos Sociais no Brasil. São Paulo: Acadêmica, 1989. p. 19 et seq. 8 Conforme MARTINS, Vinício C., no artigo Estado de Direito Social. Disponível em: <www1.jus.com.br> p. 3. Acesso em: 28 nov. 2005.
responder às expectativas desse novo agente social, o proletariado, notadamente em face das
projeções catastróficas da Segunda Grande Guerra.
Ilustram a lista a Proclamação das Quatro Liberdades, de 1941, de Roosevelt, que
contempla o direito das pessoas de não passarem necessidade e de não sentirem medo; A
Declaração das Nações Unidas, de 1942; as conclusões da Conferência de Moscou, de 1943;
de Dumbarton Oaks, de 1944 e de São Francisco, de 1945, todas com forte tendência para a
justiça social.
Aqui se consolida, na história jurídica internacional, a passagem do direito
individual, de que era portador o liberalismo clássico, para o direito social, nitidamente ligado
à ordem econômica, uma vez que a força do trabalho passa a ser vista como um novo
componente das relações de produção9.
O garantismo social expresso nesses novos ordenamentos constitucionais respondem
ao novo contexto político-econômico, pois entra em crise o modelo liberal, passando a
sociedade a exigir um Estado mais atuante em termos de satisfação das expectativas sociais.
É nesse período que se sedimenta o garantismo como destacada corrente do
pensamento jurídico e quando se estrutura a concepção acerca das dimensões dos direitos, que
seriam muito importantes para a consolidação da noção de exigibilidade dos direitos sociais.
A chamada teoria garantista, cujo representante mais destacado é Luigi Ferrajoli, surge
então como uma resposta à lacuna que existia (e ainda existe) entre a produção jurídica
abstrata do Estado e a efetividade prática dessas normas, inserindo na discussão a questão da
essência, sem a qual a norma não pode ser considerada válida.
O pensamento de Ferrajoli tem dupla importância na compreensão da exigibilidade
dos direitos sociais.
9 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 285 et seq.
Primeiro, porque considera que a validade do direito não decorre apenas da satisfação
dos procedimentos formais legislativos e judiciais, entendendo indispensável que exista o
elemento substancial, ou seja, conteúdos, valores etc., que devem ser extraídos dos direitos
fundamentais.
Nesse sentido, os direitos fundamentais passam a balisar, a presidir, a inspirar a
validade da norma, compreensão que é muito importante para conferir aos direitos sociais o
seu caráter de fundamentalidade, tirando-os da dimensão meramente material para a
espiritual, entendida esta como tradução da dignidade humana.
O segundo ponto importante do pensamento do autor é a noção de que o garantismo só
pode ser realmente aferido em face do universo observado. Se a análise se prende apenas o
campo normativo, ter-se-á uma medida, mas se a reflexão incidir sobre a aplicabilidade
prática da norma, certamente a medida será outra bem menor.
Essa nova concepção foi indispensável para que o fenômeno jurídico ganhasse uma
face mais real, menos auto-referente, com o que foi possível acrescentar ao universo
doutrinário uma referência original e peculiar, que é a realidade concreta acerca aplicação das
leis numa determinada comunidade. Isto contribuiu em muito para a crítica ao modelo
normativista inerte, lançando mais argumento sobre a necessidade de proteção das garantis
sociais10.
Nesse período, quando se consolida o Estado do Bem-estar social, é que se sedimenta
aquilo que Bobbio mais tarde chamaria de direitos de segunda geração, nos quais os sujeitos
de direitos estão inseridos num contexto social e assim devem ser vistos. Com efeito, o
exercício desses direitos não depende da omissão do Estado, como é o caso das liberdades
10 FERRAJOLI, Luigi. O Direito como sistema de garantias. In: OLIVEIRA JR., José Alcebíades de (Org.). O novo em Direito e política. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 100 e seguinte. MAIA, Alexandre. O garantismo jurídico de Luigi Ferrajoli: notas preliminares. Disponível em <www.jusnavegandi.com.br>. Acesso em 28 nov. 2005.
civis clássicas. Muito ao contrário, estão vinculados sine qua non à ação positiva estatal, o
que reforça mais ainda a idéia da exigibilidade dos direitos sociais, econômicos e culturais.
1.3 A crise do positivismo: os Direitos Sociais na dimensão da dignidade humana e a
necessidade de sua proteção efetiva
É no século XX que o positivismo se ergue como o veículo científico da produção
jurídica do Estado intervencionista, embora esse mesmo positivismo auto-referente e
racionalista não tenha acompanhado as mudanças drásticas ocorridas na segunda metade do
século.
Utilizando-se como exemplo o holocausto e a brutalidade do neocolonialismo,
verifica-se que não poderia haver maior desmistificação da racionalidade e do idealismo
positivista. A violência e o preconceito colocaram em xeque a própria condição humana, do
que resultou a incorporação, no discurso jurídico-político, de conceitos espirituais como a
dignidade, a solidariedade, e abriu-se o horizonte para o devir da justiça além do campo
social, mas na perspectiva do homem enquanto homem, na sua dignidade essencial, marca dos
novos direitos meta-individuais.
Embora o normativismo kelsiano tenha sido um salto significativo em relação ao
direito natural, é forçoso reconhecer que o fenômeno jurídico no período pós-guerra já não
podia encontrar fundamentação e legitimação apenas nos seus pressupostos lógico-formais,
como defendido pelo autor.
Kelsen deixa bastante claro que a sua Teoria Pura do Direito “não leva a ordem
jurídica positiva a uma ‘ordem superior’ – algo como uma ordem moral ou um direito
natural”11. A pretexto de afastar qualquer influência do idealismo sobre a sua teoria da
dogmática, o fundador da escola normativista termina também por mitigar a importância de
outras ordens superiores que viriam a surgir como contraponto ao sofrimento humano, que
não eram naturais, mas inerentes ao conceito de humanidade.
Kelsen parece que não percebeu o conteúdo aberto dos princípios e direitos
fundamentais.
Essas ordens morais superiores, que viriam a gerar uma nova hermenêutica, baseada
nos princípios fundamentais, apareceram com nitidez na Declaração Universal dos Direitos do
Homem, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948,
que instituiu uma ordem internacional fundada na humanidade do homem, misto de culpa e
irresignação.
Em que pesem os indícios do prenúncio da guerra fria, a consciência coletiva
internacional legou uma Declaração Universal significativamente avançada, e respondeu à
barbárie racionalista com o princípio jurídico da inalienabilidade dos direitos civis, políticos,
econômicos, sociais e culturais, de importância capital para o constitucionalismo, que viria a
instituir-se no pós-guerra.
Flávia Piovesan afirma que a junção desses direitos sob o pálio da inalienabilidade foi
indispensável para a compreensão de que:
[...] sem a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias formais, enquanto sem a realização dos direitos civis e políticos, ou seja, sem a efetividade da liberdade entendida em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos, sociais e culturais carecem de verdadeira significação12.
11 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 23. 12 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional. São Paulo: Max Limonad.1997. p. 161 et seq.
Outra concepção igualmente relevante e bastante expressiva no texto da Declaração
Universal é a de que os:
[...] direitos humanos são uma unidade interdependente e indivisível, no sentido de que o bem-estar individual resulta, em parte, de condições econômicas, sociais e culturais, bem como da visão de que o governo tem obrigação de garantir adequadamente tais condições para todos os indivíduos13.
A Declaração é, por isso, categórica ao instituir uma enorme lista de garantias sociais
e, entre elas, cabe destacar o direito à qualidade de vida, à saúde, à educação e a proteção à
maternidade e à infância, à invalidez, à velhice, entre outros.
Todavia, somente em meados da década de 1960, é que a Declaração foi
regulamentada, por via do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e
do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, conferindo-se normatividade real a essas
categorias de direitos.
Merece destaque o fato de o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais ter recepcionado o princípio da progressividade, segundo o qual os Estados-
membros deveriam adotar medidas com vistas a alcançar progressivamente a plena
concretização dos direitos nele previstos, mediante a mobilização do máximo de recursos
possível.
Esse princípio será fundamental para a compreensão da exigibilidade dos direitos
sociais nos países subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil, conforme se verificará em
capítulo próprio deste estudo, mas a sua justificação deriva, em verdade, das dificuldades de
reconstrução da Europa, arrasada após a Segunda Guerra Mundial.
Outro documento inovador do ponto de vista da proteção dos direitos sociais é a
Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, de 1986, pois, ao mesmo tempo em que
13 LIMA JR., Jaime Benvenuto. Os Direitos humanos, econômicos, sociais e culturais. Rio de Janeiro: São Paulo: Renovar, 2001. p. 30.
reafirma os pactos anteriores, recorre ao conceito de desenvolvimento integral, reconhecendo
que a pessoa humana é o sujeito central desse processo e essa política de desenvolvimento
deveria assim fazer do ser humano o principal participante e beneficiário.
Mais uma vez, aqui se faz notar algumas preocupações precípuas das Nações Unidas.
Em primeiro lugar, porque assegura que a igualdade de oportunidade para o desenvolvimento
é uma prerrogativa tanto das nações quanto dos indivíduos, responsabilizando os Estados-
membros quanto à promoção e proteção dos direitos sociais da pessoa humana e confere
inalienabilidade ao direito ao desenvolvimento.
Contudo, o mais importante dessa Declaração em termos jurídicos é o estabelecimento
de que o direito ao desenvolvimento dos indivíduos é um direito humano, cuja proteção há de
ser considerada com toda a sua força de normatividade e obrigatoriedade.
A questão da exigibilidade dos direitos sociais ganha relevância jurídica inegável com
o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, também denominado de Protocolo de San Salvador,
de 1988, pois, a partir dele, há uma nítida distinção entre os direitos de realização progressiva
e os de exigibilidade imediata, com o que certas garantias passam a ser exigíveis com integral
força normativa.
Este Pacto é importante em termos jurídicos porque concebe os direitos sociais com
forte dose de reserva legal e garante expressamente aos indivíduos importantes direitos
relacionados à segurança social, à saúde, ao meio ambiente sadio, à alimentação, à educação,
à proteção à família, à criança, aos idosos e aos deficientes, entre outros.
O Protocolo Adicional também é de grande importância para a compreensão de que as
garantias sociais
[...] constituem um todo indissolúvel que encontra sua base no reconhecimento da dignidade da pessoa humana, pela qual exigem uma tutela e promoção permanente com o objetivo de alcançar sua vigência plena, sem que jamais se possa justificar a violação de uns em aras da realização de outros14.
Isso significa que os Estados-partes reconhecem e assumem a obrigação de promover
os direitos sociais, de acordo com o grau de desenvolvimento de cada um, mas com o máximo
de recursos disponíveis, conferindo aos indivíduos o direito de exigi-los, ainda que
progressivamente, no limite da capacidade orçamentária do poder público.
Como é fácil perceber, a exigibilidade dos direitos sociais não se centra na discussão
do direito em si, posto que já reconhecido e positivado, porém na forma de sua fruição, de
acordo com a capacidade financeira do Estado, assim cabe ressaltar que, em nível
internacional, o Estado-parte também pode ser compelido a cumprir as disposições do
Protocolo, mediante o sistema de petições previsto na Convenção Americana de Direitos
Humanos.
Nesse sentido, o Protocolo é bastante elucidativo:
Os Estados-partes só poderão estabelecer restrições e limitações ao gozo e exercício dos direitos estabelecidos no presente Protocolo mediante leis promulgadas com o objetivo de preservar o bem-estar geral dentro de uma sociedade democrática, na medida em que não contradigam o propósito dos mesmos15.
Vale dizer que os direitos sociais só podem ser restringidos se o seu exercício
comprometer o bem-estar geral e desde que tal situação seja demonstrada em lei no sentido
estrito.
Mas a história não evoluiu linearmente! A derrocada do mundo soviético e, com ele, a
sucumbência da ideologia socialista trouxeram um reflexo sobre o qual o mundo jurídico
ainda não refletiu devidamente, visto que, com o fim do chamado socialismo real, ruiu o
14 A declaração de princípio consta do Protocolo de San Salvador, 1988. Disponível em: <www.onu-brasil.org.br>. Acesso em: 28 mar. 2006. 15 Idem.
ponto de tensão ideológica entre o ocidente e o leste europeu e, com ele, a expectativa de um
estado paternalista, unívoco e hegemônico na consecução do bem comum.
A utopia da supremacia da política como meio de satisfação do bem-estar deixa de
existir e com ela morre a sujeição dos homens à noção de massa. Essa mudança de
paradigma resgata a idéia do cidadão no campo político e social e, no âmbito jurídico, reforça
a dimensão do homem como sujeito de direitos, capaz de exigir do Estado providências de
natureza social, econômica e cultural.
Floresce aqui, também, a forte tendência de que o Direito pode ser um instrumento de
transformação social, como pondera Vinício C. Martinez, para quem nesse contexto histórico
o Direito passa a merecer uma significação social mais ampla, haja vista ser uma significativa
expressão regulatória e protetiva dos direitos humanos16.
É conveniente registrar que esses eventos históricos, aqui utilizados como
paradigmáticos na evolução do pensamento jurídico-constitucional da modernidade, tiveram
alcance internacional, daí por que influenciaram significativamente a cultura normativa dos
Estados nacionais (ocidentais, especialmente), sendo fundamentais para a compreensão do
universalismo jurídico dessa época.
Resultou daí que o constitucionalismo pós-moderno buscou incorporar, de modo geral,
os principais postulados que caracterizam cada época: as liberdades clássicas, do pensamento
liberal; as garantias sociais, do socialismo e da social-democracia; e os direitos fundamentais
da pessoa humana, herança do pensamento pós-estruturalista da contemporaneidade.
A perspectiva social confunde-se com a perspectiva humana, esta, agora, não mais
enredada no paradigma do liberalismo, tampouco da massificação socialista. Viu-se a
fundação de uma nova utopia que vem impregnando o constitucionalismo contemporâneo,
16 MARTINS, Vinício C. Estado Democrático de Direito Social. Disponível em: <www.jusnavegandi.com.br>. Acesso em: 31 mar. 2006.
com a ascensão dos conceitos de solidariedade, no horizonte da coletividade, e de dignidade,
no horizonte da individualidade.
Essa digressão histórica bem demonstra que, tal como Gomes Canotilho17 se referiu à
Constituição portuguesa pós-salazarista de 1976, também nós, brasileiros, não estivemos
sós.
A consagração da exigibilidade dos direitos sociais, econômicos e sociais decorre da
expansão axiológica dos princípios gerais do Direito Internacional contemporâneo, que
impregnaram a normatividade constitucional do País, notadamente a partir do pacto
constituinte de 1988, como uma espécie de condição inerente ao próprio Estado de Direito
recém-inaugurado.
Melhor dizendo, a forte dimensão conferida pela nossa ordem jurídica aos direitos
sociais coletivos e à sua efetividade decorre da abertura dessa mesma ordem ao Direito
Internacional, pois, como anota Celso Lafer, os princípios incorporados ao constitucionalismo
nacional “estão bem próximos dos que basicamente regem, de acordo com o Direito
Internacional Público, ex vi do art. 2.º da Carta da ONU, a comunidade internacional”18.
17 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2002. p. 217 et seq. 18 LAFER, Celso. A Internacionalização dos Direitos Humanos. São Paulo: Manole, 2005. p. 11 et seq.
2 OS DIREITOS SOCIAIS NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO
2.1 Direitos Sociais: da marginalidade à normatividade formal
Inicialmente, é indispensável registrar que, por conta da herança colonial escravocrata,
que perdurou como estigma durante o modelo republicano latifundiário e autoritário, a
questão social no Brasil sempre foi tratada pelo pensamento conservador dominante como
uma transgressão à ordem.
Cerqueira Filho aborda esse tema com singeleza e rara profundidade, demonstrando
que todos esses ranços culturais, notadamente aqueles justificadores da discriminação racial,
empurraram a questão social no Brasil para a ilegitimidade, ligados à idéia de anarquia, de
conjuração, de desrespeito e desestabilização do sistema19.
A plausibilidade dessa constatação é inequívoca e se expressa de forma nítida na
Constituição Republicana de 1891, cujo texto é absolutamente omisso em relação aos direitos
sociais da população, que assumem a condição de inexistência e de vazio jurídico.
Essa idéia preconceituosa explica por que nos custou muito entender a
correspondência entre os direitos sociais e os direitos humanos.
A noção jurídica rudimentar dos direitos sociais no Brasil só surge, então, com ruptura
das novas elites emergentes com a República Velha e o coronelismo autoritário. Influenciada
19 CERQUEIRA FILHO, Gilásio. A questão social no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. p. 60 et seq.
pela pressão da chamada Revolução Constitucionalista de 1932, a Constituição de 1934, pela
primeira vez, introduz normas sobre a ordem econômica e social.
Como se vê, foi muito tardia a influência das concepções socializantes da Europa no
constitucionalismo brasileiro. Além de tardia, a influência foi fragmentária. Os direitos sociais
não tinham a marca da luta pela emancipação e pela justiça social. O Estado intervencionista
dessa década e seguintes cumpria o seu papel de coordenação do novo modelo econômico
emergente, mas faltava no contexto a classe operária, o que se explica pelo precário estágio de
desenvolvimento industrial do País.
Os direitos sociais no Brasil nascem, portanto, com a marca do paternalismo do
Estado populista, por isso se restringiam apenas a algumas garantias laborais e
previdenciárias, ao lado de direitos políticos igualmente tênues e sempre no plano individual.
Somente com a Carta de 34 se introduz, no sistema constitucional, o direito ao
trabalho e a proteção à velhice e à invalidez, o que demonstra o atraso da mentalidade
jurídico-política de então, especialmente em questões que já haviam sido constitucionalizadas,
no continente americano, na Carta Mexicana do início do século, que, há quase duas décadas,
já dedicara atenção especial ao que denominou de “prevision social”20, sistema de fruições
destinado aos trabalhadores e aos cidadãos em geral.
Contudo, a modernidade emergente do Estado brasileiro não resistiu ao modelo
político oligárquico, que se descuidou de empreender as mudanças na sua estrutura
socioeconômica, no ensino e na atenção à saúde, bem como a reforma fundiária, fato que
muito contribuiu para o inexpressivo grau de consciência emancipadora da população, que
perdura até os dias atuais.
Essa dubiedade entre normatividade x efetividade é assim abordada por Wolkmer:
20 Vide por exemplo o Capitulo I, da Carta Magna brasileira de 1934, que trata dos direitos fundamentais e o art. 123, da Carta Magna Mexicana, que especificamente, cuida “Del Trabajo y de Prevision Social”. Disponível em: < www.dhnet.org.br>. Acesso em: 23 dez. 2005.
Chega-se à conclusão de que o texto de 34 demonstra, nos parâmetros de seu hibridismo, o entreabrir de uma complexa ambigüidade onde, de um lado, parece tratar-se de um pacto político verdadeiramente pioneiro e avançado, de outro, a ilusão de um conteúdo que não transmite exatamente a nova roupagem. Quando se constata que isso é igualmente um recurso da antiga ordem oligárquica para manter-se no poder, o efeito de sua novidade acaba perdendo seu valor21.
Parece que a ideologia da insinceridade constitucional, legada do golpe imperial à
Constituinte de 1823, lançou marcas profundas no novo constitucionalismo.
Entretanto, à guisa de síntese, é inegável que a expansão capitalista como fator
econômico, o movimento constitucionalista revolucionário como fator político e a edição da
Carta de 34 como produção jurídica foram capitais para colocar o problema social na ordem
do dia, tirando-o da marginalidade22. Mais que isso, é forçoso reconhecer que, com esse novo
marco constitucional, os direitos sociais ganham os primeiros contornos de direitos coletivos,
paradoxalmente a partir de uma visão paternalista e distorcida da função estatal.
Embora a análise desse período seja eminentemente política (fugindo um pouco do
objetivo deste estudo), crê-se ser importante empreendê-la em poucas palavras, como forma
de explicar o quanto – mais uma vez – a Constituição foi eficaz como instrumento de
violência do poder, por um lado; e como quimera, em termos de efetividade dos direitos civis
e sociais, por outro, reforçando-se na consciência jurídica do País a chamada ilusão
constitucional.
Na ditadura varguista, a luta pelos direitos sociais assume outra feição cruel, na
medida em que é confundida com postulados políticos anarcocomunistas, o que, de um lado,
aprofunda a crise da sua efetividade no marco jurídico, mas, de outro, aumenta a tensão entre
os segmentos sociais organizados e o Estado autoritário.
Paradoxalmente, é no Estado Novo que se desencadeiam dois fenômenos de
significativa importância para a disseminação dos problemas sociais e, conseqüentemente, de
21 WOLKMER, Antonio Carlos. Constitucionalismo e Direitos Sociais no Brasil. São Paulo: Acadêmica, 1989. p. 130. 22 LIMA JR., Jaime Benvenuto. Os Direitos humanos, econômicos, sociais e culturais. Rio de Janeiro: São Paulo: Renovar, 2001. p. 52.
políticas públicas tendentes a minimizá-los, abrindo caminho para a exigibilidade dos direitos
sociais gerais, como se verá a seguir.
A política de substituição das importações lançou as bases da industrialização
brasileira e, como conseqüência, gerou um expressivo e irrefreável processo de urbanização
do País. Nesse período e por conta da necessidade de melhorar o padrão da mão-de-obra
nacional, o ensino sofreu investimentos maciços. A educação foi estimulada e ampliada,
garantindo-se escolas de qualidade à população.
É nesse período também que a demanda por moradia, saúde e demais serviços
públicos passa a constituir necessidade básica, fato que contribuiu significativamente para a
formação de uma certa consciência em torno da sua exigibilidade, limitada porém ao campo
da institucionalidade, até mesmo porque a ditadura tratava com violência os movimentos
sociais.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, começaram no País os movimentos pela
redemocratização e, com eles, uma extraordinária recomposição dos princípios
constitucionais, com a reformulação de Constituições existentes ou promulgações de outras
(Itália, França, Alemanha, Iugoslávia, Polônia...), que influenciaram a reconstitucionalização
do Brasil23.
A Constituição de 1946, resultante desse processo histórico, resgatou de certo modo o
ideário da Carta de 34, consagrando direitos civis fundamentais, como o da liberdade e o da
igualdade perante a lei, restaurando os postulados do liberalismo clássico e refundando a
noção de inviolabilidade dos direitos humanos.
Mas a sua melhor contribuição para o constitucionalismo foi, sem dúvida, uma certa
tendência, ainda que não manifestamente declarada, para tornar eficazes alguns direitos
sociais, o que se explica pela visão humanista que se contrapunha aos horrores da guerra.
23 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 81.
O ensino oficial, patrocinado pelo Estado, passa a ser assegurado gratuitamente em
todos os níveis para quem provasse insuficiência de recursos, assim como foi garantida a
assistência educacional em favor de alunos necessitados, para propiciar-lhes condições de
eficiência escolar, legitimando o acesso dos excluídos à fruição de tais direitos em face do
poder público.
Foi também assegurado o direito de greve, que, embora limitado ao campo sindical,
seria fundamental para incorporar nas lutas laborais reivindicações de caráter geral, sobretudo
nos anos 50 e 60, especialmente porque a Constituição obrigava as empresas a proporcionar
ensino primário aos empregados e a seus filhos.
Outro ponto que se considera importante registrar é o da expressa proteção ao
desempregado, uma inovação que inaugurou no constitucionalismo a noção de compensação
social do Estado em face da exclusão resultante do desemprego urbano.
O constitucionalismo do período ditatorial, especialmente nas décadas de 60 e 70,
embora mantendo e até ampliando as garantias sociais, de que é exemplo a noção de função
social da propriedade e a sua limitação para efeito de reforma agrária, contribuiu muito pouco
em termos de efetividade dos seus princípios, quanto mais dos direitos sociais deles
constantes.
Contudo, entende-se que a contribuição negativa foi realmente grande em termos de
cultura constitucionalista, na medida em que faz repetir na história, pela força das armas, o
desrespeito à ordem constitucional democrática, reinstituindo a noção da insinceridade
constitucional no que tange aos direitos fundamentais, sem abrir mão dessa mesma ordem
para violar as liberdades públicas.
Além disso, entende-se que a ideologia da segurança nacional, muito presente nas
Constituições de 67 e 69, aumentou consideravelmente a cultura jurídica de que a
Constituição deve estar a serviço do Estado e da governabilidade, não do seu componente
humano. A doutrina e a jurisprudência brasileiras desse período distorcem o positivismo e, em
nome dele, negam efetividade aos princípios constitucionais e aumentam mais ainda a idéia
da ilusão constitucional.
Entretanto, os movimentos políticos de resistência democrática fazem uso dos
postulados constitucionais para a defesa dos direitos civis, sobretudo no campo das liberdades
individuais e encontram amparo em algumas instâncias judiciais (até mesmo no Superior
Tribunal Militar), o que de certo modo mantém viva a idéia de supremacia da Constituição,
fato que não será desprezível para a retomada do Estado Democrático de Direito.
Porém, a fruição dos direitos sociais enquanto direito subjetivo não encontra respaldo
jurídico-político nesse período, mas a sua negação se confunde com a luta cívica em torno dos
direitos humanos e passa a fazer parte da agenda política da redemocratização.
Mais recentemente, após um longo período de arbítrio político, fundado na hipertrofia
estatal e na legalidade autoritária, o Brasil explodiu em termos de intenção democrática, que
se expressou de forma evidente no propósito de proteger a sociedade desamparada, mediante
normas constitucionais edificadoras da cidadania perdida e da dignidade esquecida.
Como talvez não ocorrera em nação alguma do Planeta, a Constituição pátria fez
verdadeira profissão de fé quanto aos direitos sociais dos trabalhadores e dos cidadãos em
geral, especialmente em relação aos mais vulneráveis: as crianças, os idosos, os deficientes e a
família de modo geral.
2.2 Os Direitos Sociais coletivos na Constituição Federal: o salto axiológico
O artigo 6º da Carta Federal é exemplo nítido da preocupação do constituinte para
assegurar, genericamente, uma ampla gama de direitos sociais conferidos aos cidadãos, entre
os quais se pode destacar o direito à educação, à saúde, à moradia e ao lazer, a proteção da
infância e da maternidade, a assistência aos desamparados.
O Título VIII da Constituição é aberto com a norma programática de que a “ordem
social [...] tem como objetivo o bem-estar e a justiça social”24, para, em seguida, determinar
ao poder público que universalize a seguridade e a assistência social, que garanta o acesso
universal e igualitário aos serviços de saúde e ao sistema educacional, enfim, que ofereça
proteção integral aos brasileiros.
Os deficientes mereceram proteção especial, como se verifica das normas do artigo
203, V, da Constituição Federal, que lhes assegura assistência social, assim como os artigos
208, III, 227 e 244, que impõem ao Estado garantir-lhes educação especial e programas de
integração social.
A legislação infraconstitucional cuidou de instituir, dentre outros, o Sistema Único de
Saúde, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o Estatuto da Criança e do Adolescente e,
mais recentemente, o Estatuto do Idoso, todos com forte conteúdo protetivo, do que se conclui
que o País efetivamente dispõe de normas legais que asseguram abstratamente direitos sociais
de relevância inequívoca para a inclusão social e o exercício dos postulados básicos da
cidadania.
Contudo, o mais importante a ressaltar na Constituição de 1988 é o fato da mesma
pretender superar o fenômeno histórico da ilusão constitucional, estabelecendo, como se viu,
considerável grau de eficácia às normas definidoras dos direitos sociais, conferindo-lhes
dimensão de imponibilidade.
Essa noção de eficácia é importante seja para permitir o acionamento da jurisdição,
tanto no plano individual quanto coletivo, seja ainda, e muito significativamente, para impedir
24 CF/88, art. 193 et seq.
que normas infraconstitucionais venham a mitigar o direito a tais fruições positivas por parte
do Estado, sob pena de inconstitucionalidade25.
2.3 A questão da incorporação à ordem jurídica nacional dos Direitos Sociais tutelados
internacionalmente: reforço ao argumento da sua exigibilidade
Insta ressaltar que, antes de se fazer um exame acerca dos aspectos normativos da
Constituição Federal em termos de direitos humanos sociais, se torna indispensável examinar
a dinâmica da relação jurídica entre a ordem internacional dos direitos humanos sociais e o
Direito nacional, quanto a saber como os acordos e tratados se incorporam ao direito interno e
como são harmonizados do ponto de vista hermenêutico.
O entendimento do Supremo Tribunal Federal, construído antes do advento do novo
pacto constitucional, é de que os tratados e acordos internacionais se incorporam no Direito
nacional com status paritário ao da norma infraconstitucional, que a doutrina denomina de
sistema monista nacionalista26.
No tocante aos direitos humanos sociais, cremos que a posição do STF é inconciliável
com a nova realidade constitucional. Uma exegese mediana do § 2º do artigo 5º, combinado
com o art. 4º, II, todos da Constituição Federal, levar-nos-á à conclusão de que a prevalência
dos direitos humanos se expressa de uma forma tridimensional, a saber:
• Pela fundamentalidade dos direitos positivados na própria Constituição;
• Pela fundamentalidade daqueles direitos que decorrem dos princípios por ela
adotados; e 25 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 1991. p. 250. 26 O tema é abordado com profundidade por REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 104 et seq.
• Finalmente, pela fundamentalidade daqueles direitos decorrentes dos tratados
internacionais.
Isso significa que as normas relativas a direitos humanos sociais, previstos em tratados
de que o Brasil seja parte, são normas constitucionais. O sistema mudou, então, para o
monismo internacionalista, que entendemos aplicável apenas quando a norma internacional
versar sobre direitos humanos sociais.
Desse modo, todos os direitos previstos nos acordos e tratados de que o país é parte,
uma vez submetidos ao sistema procedimental de controle e formalização, passam a
incorporar-se à ordem constitucional interna, cuja exigibilidade e judicialidade dependerão da
dimensão subjetiva, que lhes é conferida pela ordem jurídica internacional.
A esse respeito, o comentário de Celso Lafer é esclarecedor:
Entendo que os tratados internacionais de direitos humanos anteriores à Constituição de 1988, aos quais o Brasil aderiu e que foram validamente promulgados, inserindo-se na ordem jurídica interna, têm a hierarquia de normas constitucionais, pois foram como tais formalmente recepcionadas pelo § 2º. do art. 5º. Não só pela referência nele contida aos tratados, como também pelo dispositivo que afirma que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem os decorrentes do regime e dos princípios por ele adotados27.
27 LAFER, Alberto Filippi Celso. Presença de Bobbio, a América espanhola, Brasil, península ibérica. São Paulo: UNESP, 2005.
3 PRESSUPOSTOS DE EXIGIBILIDADE DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS NO
BRASIL CONTEMPORÂNEO
3.1 Pressuposto Sociológico: a massificação da exclusão social
O colonialismo brasileiro incrustou na sociedade pátria um perfil profundamente
excludente, como demonstra a história nacional. Contudo, é no século XX que se desenvolve
e se consolida o mais expressivo evento sociológico, ou seja, a massificação profunda da
exclusão social.
A expansão do capitalismo industrial, no período de 1950 a 1970, foi acompanhada da
rápida e descontrolada urbanização, o que permitiu um movimento rumo à estruturação do
mercado de trabalho, mas a sociedade salarial, consolidada nos países desenvolvidos, não foi
estabelecida no País, pois as reformas clássicas do capitalismo – agrária, tributária, social e
outras – não foram realizadas concomitantemente28.
Resultou daí uma sociedade apartada entre os incluídos pelo mercado de trabalho
organizado, que dispõe de fruições sociais ofertadas pelo próprio sistema de emprego
(cidadania regulada)29, de que são exemplos o próprio salário, os benefícios previdenciários,
os ganhos complementares na área de alimentação, transporte, e outros, e os excluídos,
despossuídos do progresso econômico e de cidadania social.
28 SCHIFFER, Sueli Terezinha Ramos; DEÁK, Csaba (orgs.). O Processo de Urbanização no Brasil. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2004. 29 Idem.
Mesmo após décadas de tentativas, o Brasil não vem obtendo êxito na luta contra a
profunda desigualdade social, que se expressa por meio da miséria generalizada e da crescente
violência urbana e rural e, com freqüência, violam o Estado de Direito Democrático.
Recentemente, a Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e a Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP lançaram o Atlas da Exclusão Social no
Brasil30, segundo o qual apenas duzentos municípios brasileiros, dentre o total de 5.507,
apresentam padrão de vida adequado, o que leva à conclusão de que a exclusão social é uma
realidade que se apresenta no País inteiro.
Os números revelados pelo Atlas demonstram uma situação de verdadeira calamidade
social: 42% dos municípios brasileiros experimentam grave situação de exclusão social, e
25% da população vivem em condições precárias de habitação, com baixa renda, sem
emprego formal e baixo acesso à educação.
A pesquisa revela um dado extremamente importante, que é o aumento crescente da
violência urbana, expressa pelo número estarrecedor dos homicídios, dos crimes sexuais e
delitos contra o patrimônio, cuja causa mais pertinente é o agudo abismo social existente entre
ricos e desfavorecidos, que coexistem em franca contradição social e em evidente oposição
em termos de perspectiva de vida.
É importante mencionar que o Atlas da Exclusão Social é um documento bem mais
abrangente que o Índice de Desenvolvimento Humano, usado pela Organização das Nações
Unidas – ONU, em razão dos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos.
O IDH leva em conta apenas os fatores de longevidade, educação e renda, enquanto o Atlas
incorporou na sua metodologia questões ligadas à qualidade de vida, tais como a violência,
grau de desigualdade, nível de escolaridade, emprego formal e outros.
30 POCHMANN, M.; AMORIM, R. (org.). Atlas da exclusão social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003.
Levando-se em conta esses novos fatores humanos e sociais, evidencia-se, no Brasil,
uma tendência evolutiva do processo de exclusão, pois a percentagem de excluídos aumentou
de 42,6%, na década de 80, para 47,3%, na década de 9031.
Dado revelador, de grande interesse ao objeto do presente estudo, é a escalada
incontrolável da violência, que atenta contra os direitos humanos, entre eles, o principal, a
vida, conspurcando a institucionalidade e transgredindo a ordem jurídica vigente. Nos anos
80, o índice de homicídios no País era de 11,7 por 100 mil habitantes; elevou-se para 26,5 nos
anos 2000, significando que a taxa de criminalidade violenta simplesmente dobrou em duas
décadas32.
Outro fator de registro indispensável para subsidiar o argumento que se pretende
empreender neste estudo é a manutenção, nas três décadas passadas, do elevado índice de
desemprego, na faixa dos 21%, demonstrando que parcela significativa da população não
dispõe de garantias sociais próprias da cidadania regulada pelo mercado de trabalho formal e,
portanto, carece de condições dignas de vida.
É lógico perceber que a grave crise de renda/violência se aprofundou
consideravelmente nos anos 90, período em que houve uma implementação do pensamento e
da política neoliberais, que foi hegemônica em relação aos princípios norteadores da república
contemporânea, proposta de forma substantiva pelo pacto constituinte, muito embora nesse
período tenha havido melhorias importantes nas áreas de saúde e educação, com a instituição,
pela via constitucional, do Sistema Único de Saúde – SUS e do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento Ensino Fundamental – FUNDEF, ambos de caráter universalista e
progressivo.
31 O Atlas demonstra que à criminalidade violenta gerada pela exclusão social aliou-se um outro importante fator criminógeno, que é o crime organizado. Em muitos locais as falanges criminosas substituem as próprias funções estatais de segurança e especialmente de assistência social, pondo em risco a própria utilidade do Estado Democrático de Direito. 32 Os dados foram demonstrados em pesquisa realizada pela organização não-governamental Viva Rio, em convênio com o Ministério da Justiça, disponível em: <www.vivario.org.br>. Acesso em: 04 abr. 2006.
Essa contradição é fundamental para demonstrar que existem direitos sociais
constitucionais realmente efetivados, no entanto existem outros, igualmente importantes,
relegados a plano secundário.
Isto decorre da visão distorcida de que as chamadas políticas públicas se situam
apenas no campo restrito da discricionariedade político-administrativa e só ganham sentido de
eficácia se e quando se transformam em ação governamental, sem que nada se possa fazer no
campo da judicialidade.
Essa forma de interpretar o ordenamento constitucional é uma herança pesada, que
vem desde a crise de 1823 e perdurou na história do nosso constitucionalismo durante muito
tempo. Trata-se de uma “crise constituinte que aflige os países subdesenvolvidos ou em
desenvolvimento, cujos sistemas políticos se mostram impotentes para manter a
Constituição”33 naquilo que diz respeito ao seu componente mais frágil, o povo, constituindo
uma ameaça à própria legitimidade da democracia formal.
3.2 Pressuposto político: a erradicação da pobreza como devir da República
Não é preciso recorrer à História para verificar que a Constituição Brasileira de 1988 é
paradigmática, uma espécie de acerto de contas com o autoritarismo e a ambigüidade
presentes ora em uma, ora em outra carta constitucional.
O preâmbulo é uma profissão de fé em relação ao futuro:
33 BONAVIDES, Paulo. O Poder Judiciário e a Democracia. Política Democrática, Brasília, n. 1, 2001.
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social [...].
Celso Ribeiro Bastos anota que os preâmbulos constitucionais, embora sem conteúdo
normativo, têm a função de “facilitar o processo de absorção da Constituição pela
comunidade. São palavras pelas quais o constituinte procura fincar a legitimidade do
Texto”34.
Sem pretender ingressar na discussão sobre a natureza jurídica dos preâmbulos
constitucionais, que para alguns heterodoxos chega mesmo a ter força normativa, é bom ver
que eles não podem ser analisados como mera formalidade. Entendemos que o conteúdo é
essencialmente político e expressa o compromisso como devir, não no sentido reflexivo,
muito ao contrário, e, sim, no sentido do exercício dos direitos assegurados na Constituição.
Essa compreensão é reforçada com apoio na História. Os preâmbulos das
Constituições contemporâneas não podem ser analisados com os olhos voltados para o
passado, pois o cunho estritamente formalista das constituições modernas é típico da
concepção individualista da modernidade, ao contrário da era contemporânea, em que o
direito constitucional ressurge comprometido com a realização humana na perspectiva
coletiva.
Esse aspecto é ressaltado por José Afonso da Silva, quando afirma que a Carta de
1988 “É a Constituição Cidadã [...] porque teve ampla participação popular na sua elaboração
e especialmente porque se volta decididamente para a plena realização da cidadania [...]”35,
fato que lhe confere uma espécie de legitimidade extraordinária, além daquela advinda da
própria Constituinte.
34 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 141-142. 35 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 344.
O que pretendeu a Nação, por conseguinte, não foi apenas conformar um novo Estado
Democrático, mas sim um Estado Democrático de Direito, sedimentado na coexistência entre
os direitos civis do constitucionalismo clássico e as garantias sociais que os completam.
Nesse sentido, parece evidente que o constituinte propôs mudanças paradigmáticas
para o presente e desafios substantivos para o futuro, no que diz respeito às liberdades
públicas e à justiça social.
Em primeiro lugar, porque conferiu fundamentalidade tanto aos direitos civis quanto
aos direitos sociais, fato inusitado na história do nosso constitucionalismo; em segundo,
porque considerou esses direitos e garantias imutáveis (cláusulas pétreas), senão por um novo
consenso político36, por último, porque não logrou exaurir a lista de direitos sociais,
contemplando outros que visem à melhoria da condição social da população37.
A partir dessas singularidades, é forçoso reconhecer que o consenso político que
constituiu a República adotou intencionalmente a teoria da justiça social como um dos seus
fundamentos, projetando o bem de todos como um dos seus objetivos precípuos.
Embora tudo isso pareça óbvio agora, é fundamental rememorar o nosso passado
constitucional, para demonstrar o quanto essa mudança de concepção é radical no
constitucionalismo brasileiro.
Aliás, quando a Constituição Federal enuncia os fundamentos da ordem social, ela o
faz de modo categórico e expresso, nos seguintes termos: “Art. 193. A ordem social tem como
base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça social”. Trata-se, como se
vê, de princípio constitucional impositivo, do que resulta a obrigação de cumprimento.
E essa radicalidade, advinda do consenso representativo, constitui o pressuposto
político que justifica a exigibilidade dos direitos sociais no Brasil, ainda que dentro de uma
perspectiva progressiva, pois é projeto do Direito, e do Direito Constitucional Contemporâneo
36 Art. 60, § 4.º da CF/88. 37 Art. 7.º, caput, da CF/88.
em especial, ser “[...] a um só tempo o reflexo de uma sociedade e o projeto de atuar sobre
ela. Afinal, se o Direito é uma realidade social, é também uma teoria ativa da sociedade, uma
avaliação do que existe, cuja meta é determinar o que deverá existir”38.
Com a adoção da teoria da justiça social, torna-se desnecessário repisar que a
Constituição Federal de 1988 conferiu ao componente humano do Estado, o povo, dupla
qualidade, isto é, de cidadão com direitos e deveres próprios da comunidade jurídico-política,
e também de sujeito de direitos, num sentido mais profundo que aquele da tradição
rousseauniana, na medida em que tomou o povo não apenas como elemento constitutivo do
Estado, mas o dotou de capacidade exercitante na esfera de direito público39.
Como elemento constitutivo do Estado, mas o dotou de capacidade exercitante na
esfera de direito público40.
Entenda-se: A qualidade subjetiva de uma comunidade, no caso a comunidade
nacional brasileira, é essencial para a unidade do Estado, pois essa unidade só será plena se o
sentido de povo for explicitado mediante normas que lhe assegure direitos subjetivos, que, no
sistema clássico, eram os de não-submissão ao Estado, e, no direito contemporâneo, são o do
exercício das prerrogativas fundamentais do ser humano.
Ora, ao entender que a democracia é, no mundo contemporâneo, o regime político
fundado na soberania popular e no respeito aos direitos humanos (entendidos na sua dimensão
integral de inviolabilidade da dignidade da pessoa), parece óbvio que a completude do Estado
Democrático de Direito só se aperfeiçoa com o respeito aos direitos sociais (ou pelo menos
com a sua reivindicação).
Como afirmou Bobbio, o fundamento da democracia como oponente das autocracias é
o reconhecimento da “pessoa”, que é, ao mesmo tempo, moral e pessoal-social, portanto
38 ASSIER-ANDRIEU, Louis. O Direito nas Sociedades Humanas. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 11. 39 Sobre o tema, ver DALLARI, Dalmo. Elementos da Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 1989. 40 Idem.
indivisível, fenômeno que empresta sentido à vinculação dos estados democráticos com o
respeito aos direitos fundamentais, aí incluídas, necessariamente, as garantias sociais41.
Concorda-se com Clèmerson Merlin Clève, quando afirma que a Constituição pátria:
[...] antes de surpreendentes mudanças pelas quais passou o mundo ultimamente, motivo pelo qual as condições estruturais para a realização do discurso constitucional igualmente mudaram (de modo veloz),... mas que de qualquer modo ficou acertado naquele momento que o Estado seria instrumento da comunidade republicana brasileira para a construção da sociedade livre, justa e solidária42.
Em termos normativos, a Constituição Federal se expressa com ênfase quanto à
concepção contemporânea da justiça social, como justificadora da democracia, ao definir que
o Estado Democrático de Direito tem como fundamento, dentre outros, a cidadania e a
dignidade da pessoa humana43. Além disso, projeta um futuro substantivo, ao estabelecer que
a República tem por objetivo construir uma sociedade livre, justa e solidária, como também
erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos44.
Outro aspecto jurídico-político igualmente relevante é o compromisso que a República
assume com a comunidade internacional no sentido da prevalência dos direitos humanos e da
cooperação para o progresso da humanidade45.
Essa concepção, ligando os direitos humanos às relações internacionais, é uma
demonstração inequívoca de que a Nação não apenas se filiava ao pensamento inspirador dos
tratados e pactos do pós-guerra, mas também reconhecia seus conteúdos normativos, que, no
contexto transnacional, já tinham há muito sedimentado as noções de integralidade,
inalienabilidade e progressividade dos direitos fundamentais, como foi observado no Capítulo
anterior.
41 BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 501 et seq. 42 CLÈVE, Clèmerson Merlin. O desafio de efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais. Disponível em: <www.mundojuridico.adv.br> Acesso em: 22 nov. 2005. 43 Art. 1.º da CF/88. 44 Art. 3.º da CF/88. 45 Art. 4.º da CF/88.
Em suma, o pensamento prevalente no consenso constituinte era o da integração do
País ao contexto das relações internacionais, cujos documentos, também recepcionados pela
Constituição Federal, tinham por objetivo a inviolabilidade dos direitos humanos,
econômicos, sociais e culturais.
3.3 Pressupostos jurídico-filosóficos: a perspectiva metaindividual do Direito Contemporâneo
O liberalismo clássico, fundado na perspectiva individualista, dominou a cena política
e jurídica dos séculos XIX e XX, período em que o mundo vê nascer e se consolidar a ordem
capitalista, mas os movimentos socializantes do início do século passado puseram na ordem
do dia internacional a noção de direitos sociais, como já abordamos.
Contudo, somente na segunda metade do século XX, com o final da Grande Guerra,
um novo paradigma se impõe, com a redescoberta da dignidade essencial do ser humano,
agora não mais na perspectiva ideológica do direito natural ou do positivismo, mas sim com
base em um novo racionalismo, fundado na razão humanizada.
O homem não se tornou melhor após os horrores da guerra, contudo é indisfarçável
que a culpa pela violência da guerra o fez perceber a necessidade de haver uma
ressignificação da ética humana.
Essa mea culpa aparece indelével, por exemplo, na Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948, quando considera que o “[...] desprezo e desrespeito pelos direitos do
homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade”46, ou,
ainda, quando reafirma a fé nos direitos do homem.
46 Cf. Preâmbulo da Declaração Universaldos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: <www.onu-brasil.org.br>. Acesso em: 07 abr. 2006.
Ao grafar a expressão Humanidade com H maiúsculo, a consciência internacional
quis, por assim dizer, conferir a ela o conceito de sujeito, ultrajada que foi pela barbárie de
uma outra humanidade, esta certamente com h minúsculo. Ao invocar a FÉ nos direitos
humanos, não esconde o esforço para conferir à dignidade humana valor transcendental.
Essa evocação à culpa permeia todas as décadas. Até mesmo na Declaração sobre o
Direito ao Desenvolvimento de 1986, instituída em um contexto internacional já marcado pela
distensão, é perceptível a repulsa à violência, agora expressa pelo horror ao colonialismo, ao
neocolonialismo, ao apartheid, cuja eliminação era contributo para o desenvolvimento de “[...]
grande parte da humanidade”47.
Aliás, já em 1975, a Igreja advertia que:
Na era contemporânea, entre os vários sinais dos tempos, não pode passar para segundo plano a crescente atenção que em todas as partes do mundo se dá aos direitos do homem, seja devido à consciência cada vez mais sensível e profunda que se forma nos indivíduos e na comunidade em torno de tais direitos ou à contínua e dolorosa multiplicação das violações desses direitos48.
Isso demonstra um inquestionável deslocamento do ethos do direito internacional
rumo à humanidade, sobre a qual repousará uma forte carga axiológica, que lhe atribui ao
mesmo tempo essencialidade (no sentido de profundidade), universalidade e pluralidade (no
sentido de alcance), paradigmas que haverão de influenciar com muita densidade os
documentos jurídicos nacionais.
Na contemporaneidade, percebe-se, como afirma Bobbio, a aproximação forçada (este
último termo) das duas tradições do direito, o liberal e o social, “[...] formando juntas um
único desenho em defesa do homem, que compreende os três bens supremos da vida, da
liberdade e da segurança social”49, que podemos traduzir como direito à qualidade de vida.
47 Cf. Preâmbulo da Declaração sobre o Direito ao desenvolvimento, 1986. Disponível em: <www.onu-brasil.org.br>. Acesso em 07 abr. 2006. 48 Cf. BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 220. 49 Ibidem, p. 220.
É de se notar, portanto, que a qualidade de vida depende de exigibilidade e da fruição
dos direitos sociais, que encontra plena justificação na pós-jusfilosofia, na medida em que,
numa perspectiva coletiva, promove a edificação da cidadania preconizada pela ordem
jurídica internacional, sem a qual não se alcançará o estágio de desenvolvimento necessário,
tampouco a primazia dos direitos humanos, tal como colimada nessa mesma ordem.
Cabe aqui uma intercorrência necessária. Vive-se hoje numa sociedade complexa, com
elevado grau de interdependência social, onde já não cabe a idéia do homem autárquico50.
Nesse tipo de organização social, as necessidades humanas não afetam apenas o indivíduo,
mas os grupos sociais e a sociedade. Disso resulta que a sociedade só será viável do ponto de
vista do seu desenvolvimento com a perspectiva de satisfação das necessidades dos
indivíduos.
Isso é fundamental para reforçar a intenção do constituinte, o que dá sentido jurídico-
político para a realização dos direitos sociais, ainda que progressivamente.
3.4 Pressuposto jurídico: a efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais
A exigibilidade dos direitos sociais tem ligação indissociável com a teoria
constitucional, porque essas garantias, ainda que tomadas sob a perspectiva progressiva, como
é de se realizar no Brasil, são absolutamente necessárias para a legitimação do Estado
Democrático de Direito.
No caso brasileiro, a Constituição Federal não faz distinção entre a natureza jurídica
dos direitos sociais e dos direitos civis clássicos. Muito ao contrário, reúne-os na mesma
50 ROBLES, Gregório. Os Direitos Fundamentais e a ética na sociedade atual. São Paulo: Manole, 2005. p. 35.
posição de fundamentalidade, do que se conclui que o comando normativo do § 1º do seu art.
5º, segundo o qual as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata, aplicam-se em relação aos direitos prestacionais.
Parece correto o entendimento de Clèmerson Merlin Clève, ao afirmar que há um grau
de determinidade maior nos chamados direitos de defesa, o que implica a sua aplicação mais
imediata, pois isso impede que o “Estado venha a obstaculizar do direito pelo cidadão, um
direito que poderia desde logo ser exercido não fosse a atuação desconforme ou
inconstitucional do Estado”51.
O fato de ser possível o exercício imediato dos direitos fundamentais da pessoa
humana, uma vez que não dependem de fruição material do Estado, mas apenas da prestação
jurisdicional, não autoriza mitigar a efetividade das garantias sociais, que será apenas mais
difícil, mas complexa, como resta óbvio.
No caso dos países subdesenvolvidos, de que é exemplo o Brasil, a exigibilidade e a
efetividade dessas garantias sociais se acham muito prejudicadas em razão da inércia do
Estado, seja por omissão da instância política, seja também pela falta de recursos
orçamentários.
A questão, por conseguinte, não se situa mais no campo da axiologia pura, pois o
direito está posto e seu exercício expressamente autorizado pela Constituição, porém no
âmbito do como e do quando efetivá-lo, como realizá-lo.
Cumpre frisar, todavia, que esta concepção não tem validade absoluta, pois existem
garantias sociais de postulação muito mais difícil, quase impossível, na medida em que
derivadas de recomendação constitucional, que aponta para um futuro longínquo.
Isso problematiza, contudo não anula o argumento da exigibilidade e da efetividade
das garantias sociais. Como se sabe, o Brasil é signatário dos tratados examinados no Capítulo
51 Cf. CLÈVE, Clèmerson Merlin. O desafio de efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais. Disponível em: <www.mundojuridico.adv.br> Acesso em: 22 nov. 2005. p. 6.
primeiro deste trabalho, sendo forçoso reconhecer que a ordem jurídica pátria incorporou os
postulados da fundamentalidade, inalienabilidade e integralidade dos direitos humanos e,
ainda, o da progressividade dos direitos sociais, que se erige oportuno como conceito
material e instrumental, visando à realização desses direitos.
A Constituição Federal é expressiva quando define os principais direitos sociais,
econômicos e culturais de que são detentores todos os indivíduos.
Ao analisar a questão da efetividade do direito à educação no âmbito do nosso
constitucionalismo contemporâneo, Pinto Ferreira52 ressalta que a mesma está indissociada da
noção de acionabilidade (judicialidade):
O direito à educação necessita ter eficácia. Sendo considerado como um direito público subjetivo do particular, ele consiste na faculdade que tem o particular de exigir do Estado o cumprimento de determinadas prestações. Para que fosse cumprido o direito à educação, seria necessário que ele fosse dotado de eficácia e acionabilidade [...]. O objetivo perseguido pelo legislador constituinte, em tema de educação infantil, especialmente se reconhecido que a Lei Fundamental da República delineou, nessa matéria, um nítido programa a ser implementado mediante adoção de políticas públicas conseqüentes e responsáveis – notadamente aquelas que visem a fazer cessar, em favor da infância carente, a injusta situação de exclusão social e de desigual acesso às oportunidades de atendimento em creche e pré-escola -, traduz meta cuja não-realização qualificar-se-á como uma censurável situação de inconstitucionalidade por omissão imputável ao Poder Público53.
O Supremo Tribunal Federal, por via do Recurso Extraordinário 436.996-6/São Paulo,
de que foi Relator o Ministro Celso de Mello, assegurou plena efetividade do art. 208, IV, da
Constituição Federal, garantindo a universalidade do direito à educação pré-escolar, para tanto
recorrendo ao princípio da efetividade dos direitos sociais54.
O entendimento do STF é paradigmático, uma vez que ressalta o dever jurídico (e
não apenas político) do Estado em relação aos direitos sociais, econômicos e culturais,
abrindo-se um horizonte efetivo para a sua judicialidade. Eis o teor da ementa do Acórdão:
53 FERREIRA, Pinto. Educação e Constituinte. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 127, p. 170, 1995. 53 Idem, p. 171-173. 54 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 436.996-6/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 03/02/06. Disponível em: <www.mp.sp.gov.br>. Acesso em: 11 abr. 2006.
RECURSO ESTRAORDINÁRIO – CRIANÇA ATÉ SEIS ANOS DE IDADE – ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA – EDUCAÇÃO INFANTIL – DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV) – COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO – DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) – RECURSO IMPROVIDO. – A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (cf, art. 208, IV). – Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito de alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das “crianças de zero a seis anos de idade” (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. – A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da administração pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. – Os municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) – não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento de crianças em creches (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. – Embora resida, primariamente, nos poderes legislativo e executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em base excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos jurídico-políticos que sobre eles incidem em caráter mandatório – mostra-se apta a comprometer a eficácia a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional55.
Tal como a educação, o direito à seguridade social também possui forte carga
normativa, uma vez que deferido constitucionalmente sob o pálio da universalidade, da
distributividade e da relevância pública, esta última especialmente aplicável ao sistema de
saúde, que passa a ter também caráter de integralidade.
Tais normas constitucionais garantem à cidadania o direito subjetivo de reclamar
ações e políticas no espaço da institucionalidade judicial, sobretudo a partir do princípio da
eficiência a que está obrigada a Administração Pública.
55 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 436.996-6/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 03/02/06. Disponível em: <www.mp.sp.gov.br>. Acesso em: 11 abr. 2006.
A efetividade das normas constitucionais que asseguram o direito à saúde também já
tem guarida no Supremo Tribunal Federal. O Ministro Celso de Mello, rompendo com um
certo dogmatismo da Corte, recorre ao conceito de eficácia jurídico-social das normas
constitucionais concernentes aos direitos sociais, econômicos e culturais:
Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde, em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante56.
56 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n° 267.612, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 23/08/00. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 5 jan. 2006.
4 TUTELA DOS DIREITOS SOCIAIS
4.1 A classificação dos Direitos Sociais segundo a sua exigibilidade
A linguagem dos direitos57 e dos direitos sociais em especial há muito se tornou
comum e, hoje, é bastante incrustada no mundo político, mas também é fato que o debate se
tornou denso e inquietante no espaço jurídico, seja acadêmico, seja institucional.
Antes de se abordar a questão da exigibilidade dos direitos sociais perante o poder
jurisdicional, é conveniente estabelecer alguns parâmetros conceituais, de modo a permitir
melhor compreensão do tema.
Para tanto, deve-se recorrer à doutrina corrente58, que recomenda fazer distinção clara
entre a dimensão objetiva e a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais de natureza
social, com base na exegese teleológica das próprias normas constitucionais.
No primeiro caso, estar-se-á diante de normas constitucionais compromissárias, sem
um grau significativo de autorização para a sua exigibilidade; no segundo, sim, há o direito
posto e, ao mesmo tempo, uma forte carga autorizativa no sentido do exercício da demanda
judicial.
57 CITTADINO, Giselle. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1998. p. 11 et seq. 58 MARIONI, Luis Guilherme. O Direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Disponível em: <www.jusnavegandi.com.br/doutrina>. Acesso em: 7 jan. 2006. No qual o autor cita como fonte nacional a doutrina de SCARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. e como fonte do direito lusitano, a doutrina de José Carlos Vieira de Andrade. Os direitos fundamentais (na Constituição Portuguesa de 1976).
A doutrina criou, em razão disso, uma outra distinção com objetivo semelhante, que
define como direitos prestacionais originários aqueles com dimensão subjetiva apoiada na
própria Constituição, e como direitos prestacionais derivados aqueles cuja satisfação
depende necessariamente da tutela legal instituidora da política pública que os implementará,
haja vista a generalidade com que são tratados em nível constitucional.
Os direitos prestacionais originários, portanto, podem ser exigidos pelos cidadãos
ou grupos sociais, seja com fundamento apenas na Constituição, seja com base na combinação
desta com a norma regulamentadora de conteúdo especificador. Pode-se mencionar, dentre
outros, o direito à saúde, ao ensino fundamental e à assistência social, pois tais garantias se
expressam como obrigação do poder público e direito subjetivo dos cidadãos.
O entendimento é de que há uma certa distinção entre os direitos subjetivos públicos e
os interesses juridicamente protegidos, em que aqueles guardam precisa noção de nexo de
imputação jurídica que liga o titular ao Estado59.
4.2 A proteção dos Direitos Sociais pelo Judiciário: a questão da separação dos poderes, da
reserva do possível e do mínimo existencial
Feitas essas considerações, surge, então, uma indagação precípua que, como já se
afirmou alhures, antecede e condiciona o objetivo final deste trabalho, que é saber se é
possível a tutela judicial, com vistas à proteção dos direitos sociais, considerando o princípio
59 APPIO, Eduardo. Controle judicial das políticas públicas no Brasil. Curitiba: Juruá, 2005. p. 83, remetendo ao pensamento de REIS, Antonio E. Perez. As normas constitucionais programáticas e o controle do Estado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 163.
da separação dos Poderes e a competência do Poder Executivo para a direção superior da
administração pública60.
Canotilho adota uma posição pragmática, ao entender que a efetivação dos direitos
sociais está condicionada à reserva do possível, expressão usada para definir os empecilhos
de ordem material e jurídico-operativa para a realização do direito reclamado61.
Trata-se, como se vê, de uma sistematização doutrinária do entendimento esposado
pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, que adotou, em julgamento
paradigmático, o entendimento de que o Estado não está obrigado a efetivar todas as
exigências sociais, senão aquelas que se situam dentro de um limite básico.
Para a definição deste limite básico, é necessário um exercício axiológico com base no
caso concreto, em cujo âmbito se perquirirá se a exigibilidade é ética, ou seja, se é realmente
necessária; se é possível, levando-se em conta as disponibilidades materiais e a capacidade
operativa do poder público; e, finalmente, se é juridicamente plausível, no sentido de não
invadir o campo da discricionariedade administrativa.
Para desatar o nó competencial, parte da doutrina construiu o argumento de que a
jurisdição só pode conferir efetividade prática ao que chama de mínimo existencial, ou seja,
àqueles direitos de necessidade básica dos indivíduos, umbilicalmente ligados à noção de
dignidade humana, por meio de cujo princípio é superado qualquer eventual conflito de
competência entre os Poderes, pois esse litígio dogmaticamente diminui diante de um dos
fundamentos do Estado contemporâneo, lógica que se explica por si só62.
60 Art. 84, II, da CF/88. 61 CANOTILHO, Joaquim José Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra, 1991. p. 131. 62 BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 114 et seq.
Gustavo Amaral63 discrepa desse pensamento, pois entende ilógico que possam existir
direitos exigíveis sob a cláusula do mínimo existencial, enquanto outros são negados em
razão da reserva do possível, com o que se estaria enredando o direito num discurso
unidimensional, fundado apenas numa perspectiva fática e não nas características ônticas da
necessidade humana.
Ressalta-se a importância de esclarecer que o pensamento do autor deve ser
interpretado no contexto da obra, que trata das dificuldades experimentadas pela jurisdição
diante do dilema da vida e da morte, do sofrimento e da cura, enfim, dos dramas humanos, em
confronto com a reserva do possível.
Logo, isso parece explicar por que no seu entendimento não deve preponderar o
mínimo existencial ligado apenas à noção de cidadania social, pois esses casos dramáticos e
complexos não estão cingidos à noção de mínimos básicos, sendo absolutamente necessário
perquirir sobre valores ônticos peculiares à condição humana.
O mencionado jurista argumenta no sentido de que a escassez de recursos deve ser
analisada como condicionante relativa para todos os direitos fundamentais, sugerindo um
exame aberto do problema e levando em conta o aspecto financeiro, conjugado com
postulados éticos e políticos.
Ingo Wolfgang Sarlet64 tece crítica contundente à forma acrítica como se importou a
teoria da reserva do possível do constitucionalismo alemão, demonstrando que, do ponto de
vista normativo, há uma grande diferença entre a Constituição germânica e a brasileira,
invocando, para tanto, o disposto no § 1º do art. 5.º da Carta Magna, que confere dimensão
subjetiva incontroversa às prestações sociais.
63 AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez & Escolha: em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 26 et seq. 64 SARLET, Ingo Wolfgang. A Constituição concretizada: construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 311 et seq.
Segundo esse autor, a persistir o argumento, dar-se-ia ao Estado o direito de alegar e
provar a insuficiência de recursos até mesmo para os mínimos existenciais, daí que o mais
coerente é a ponderação defendida por Robert Alexy, conferindo-se efetividade aos direitos
sociais quando estes prevalecerem sobre os demais óbices fático-jurídicos.
Partindo do princípio da necessidade de otimização dos direitos fundamentais, tanto na
dimensão social, quanto jurídica, Sarlet toma a dignidade humana e seus consectários como
critérios referenciais, como o fio condutor para a melhor solução dos casos concretos.
A questão é realmente intrincada e nunca será resolvida pelo uso da lógica formal,
porque o componente ético-humano será sempre uma estimativa a ser considerada.
Importante contribuição foi dada por Robert Alexy, para quem os direitos
fundamentais são de tal maneira relevantes que não estão sujeitos apenas à decisão da esfera
legislativa, daí que a melhor interpretação é aquela em que há a ponderação de princípios,
previamente estabelecidos pelo consenso jurídico-político, refletido no texto constitucional65.
Embora não direcionado especificamente para o tema dos direitos sociais em relação
aos mínimos existenciais, inclusive porque apresentada ainda na metade de século passado,
acredita-se conveniente acrescentar a este apanhado a concepção vitalista de Luis Recaséns
Siches, criador do método interpretativo, que denominou de lógica do humano e do
razoável.
Entende-se importante porque esse método incorpora ao exercício axiológico valores
relacionados com a justiça, as liberdades fundamentais e a dignidade da pessoa humana, sem
todavia olvidar a segurança, a ordem e a paz geral, o que parece muito adequado para a
realidade latino-americana.
65 ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Trad. Ernesto Garzóns Valdés. Madri: CEC, 1997. p. 494-495.
La lógica de lo humano o de lo razonable és uma razón impregnada de putos de vista estimativos, de critérios de valorización, de pautas axiológicas, que además leva a sus espaldas como allecionamiento las ensinanzas recebidas de la experiência, de la experiência própria o de la experiência de próximo através de la história66.
Novamente ressalta-se o pensamento de Recaséns, com expressa e justa menção ao
estudo empreendido nesse sentido por Luis Fernando Coelho, porque a sua
[...] principal preocupação é a conciliação da objetividade dos valores jurídicos, com a historicidade dos valores jurídicos, a qual decorre de cinco fatores: a mutabilidade da realidade social; a diversidade de obstáculos para materializar um valor em determinada situação; a experiência quanto à adequação de meios para materializar um valor; as prioridades emergentes das necessidades sociais, em função dos acontecimentos históricos; e a multiplicidade dos valores67.
Já em meados do século passado, Recaséns abordara as duas questões em debate neste
tópico do trabalho, isto é, os obstáculos para materializar um valor (reserva do possível) e as
prioridades emergentes das necessidades sociais (mínimos sociais), temas que até hoje não
foram pacificados pela doutrina contemporânea.
Ou seja, já em meados do século passado Recaséns abordara as duas questões em
debate neste tópico do trabalho, isto é, os obstáculos para materializar um valor (reserva do
possível) e as prioridades emergentes das necessidades sociais (mínimos sociais), temas que
até hoje não foram pacificados pela doutrina contemporânea.
Embora tenha sempre valorizado as questões atinentes à reserva do possível e até
mesmo à governabilidade, o Supremo Tribunal Federal adotou ultimamente uma posição
bastante clara quanto a assimilar o conceito de mínimos sociais.
Pelo que se observa do teor do recentíssimo julgado que ora é transcrito, está em curso
na nossa Corte Constitucional um importante processo mudança de concepção, que tende a
incorporar à visão judicial os valores humanistas assentados na Constituição Federal,
66 SICHES, Luis Recaséns. Tratado General de Filosofia Del Derecho. México: Porrúa, 1970. p. 642 et seq. 67 COELHO, Luis Fernando. Lógica jurídica e interpretação das leis. São Paulo: Forense, 1981. p. 211 et seq.
reforçando sobremaneira a idéia de efetividade, exigibilidade e judicialidade dos direitos
sociais:
Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado — e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico —, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado68.
É importante destacar que essa nova concepção do Supremo Tribunal Federal decorre,
em grande parte, da judicialidade promovida em torno da busca de tratamento para os
portadores do vírus HIV, que remonta desde a década de 90 e que findou por estabelecer
novos parâmetros de política pública nesse sentido.
Os julgados a seguir transcritos mostram com clareza o processo evolutivo de que se
cogitou:
O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular — e implementar — políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. O direito à saúde — além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas — representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconseqüente. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política — que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro — não pode converter-se em promessa
68 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF nº 45, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 04/05/04. Disponível em : <www.stf.gov.br>. Acesso em: 3 dez. 2005.
constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. [...]. O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF69. Doente portadora do vírus HIV, carente de recursos indispensáveis à aquisição dos medicamentos de que necessita para seu tratamento. Obrigação imposta pelo acórdão ao Estado. Alegada ofensa aos arts. 5º, I, e 196 da Constituição Federal. Decisão que teve por fundamento central dispositivo de lei (art. 1º da Lei 9.908/93) por meio da qual o próprio Estado do Rio Grande do Sul, regulamentando a norma do art. 196 da Constituição Federal, vinculou-se a um programa de distribuição de medicamentos a pessoas carentes, não havendo, por isso, que se falar em ofensa aos dispositivos constitucionais apontados70.
4.3 A heterovinculação dos poderes e o papel do Judiciário na proteção dos Direitos Sociais
Com base nesses dois referenciais, isto é, da concepção substancial de justiça e da
essencialidade da proteção dos direitos sociais, tem-se que a exigibilidade desses direitos é a
pedra filosofal para a concretude do processo de legitimação do Estado Democrático de
Direito, o que resulta não apenas num ideário, mas numa tarefa que exige a
heterovinculação71 dos Poderes constituídos.
Crê-se ser fundamental anotar que o constituinte de 1988 deu um voto de confiança ao
Poder Judiciário, chamando-o a essa heterovinculação em relação aos direitos humanos, pois
deu ênfase tanto aos postulados que lhe conferem independência administrativa e financeira,
quanto ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, que impede à legislação a possibilidade
69 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 271.286-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 24/11/00. Disponível em : <www.stf.gov.br>. Acesso em: 15 nov. 2006. 70 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 242.859, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 17/09/99. Disponível em : <www.stf.gov.br>. Acesso em: 10 nov. 2006. 71 CLÈVE, Clèmerson Merlin. O desafio de efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais. Disponível em: <www.mundojuridico.adv.br> Acesso em: 22 nov. 2005. p. 10.
de mitigar o amplo acesso à justiça, entendido este acesso na sua dupla dimensão:
possibilidade do ingresso e certeza do desfecho decisório.
O princípio da inafastabilidade da jurisdição não pode ser visto apenas como uma
garantia ao devido processo legal, mas especialmente como uma garantia à justiça, ainda que
desamparada de fundamento legal stricto sensu, autorizando a jurisdição a lançar mão de
conteúdos éticos e morais de dimensão jurídica.
No que pertine a esse tema, torna-se imperioso esclarecer que o constituinte escoimou
da nova ordem constitucional a possibilidade de a lei exigir o esgotamento da via
administrativa como requisito da tutela judicial, tal como previsto na Carta de 67.
Essa nova concepção retira do Estado a função de autotutela ou autodefesa em relação
aos administrados, resquício deturpado do contratualismo, deixa evidente o compromisso
constitucional com a separação dos Poderes e torna irrestrito o acesso à jurisdição na
postulação dos direitos subjetivos.
Ao Judiciário foi conferida, por conseguinte, a função geral de controle da
institucionalidade e da sociedade.
Essa resolução do poder constituinte estabelece um marco paradigmático, no sentido
de tornar também evidente que ao Judiciário competia não apenas tutelar a litigiosidade
social, mas também questões relativas a prestações do Estado para com a sociedade, que
passam a obedecer aos princípios da impessoalidade e da moralidade, todos com forte carga
axiológica.
Importa reconhecer, por conseguinte, que a Constituição Federal conferiu ênfase à
função comum de controle jurisdicional, independentemente do sistema de controle interno e
externo.
Essa conclusão advém, como se vê, no sentido genérico, do princípio da
inafastabilidade da jurisdição, que se explica por si só, mas se torna cristalina com a exegese
do inciso II do art. 129 da Carta Federal, que expressamente confere ao Ministério Público –
que haverá de valer-se do poder jurisdicional, logicamente – a função de “zelar pelo efetivo
respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados
nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia” (sem grifos no
original).
Também merece destaque o explícito propósito do constituinte de subsidiar o
Ministério Público de procedimento legal para a consecução dessa função comum de controle,
constitucionalizando a ação civil pública como mecanismo de proteção dos direitos coletivos
e difusos, sem, entretanto, garantir monopólio à instituição, posto que tal função também
poderia ser exercida pelos cidadãos e por grupos sociais72.
Além disso, a Constituição pôs à disposição da sociedade os princípios da tutela
jurisdicional coletiva73, propiciando instrumental inovador da satisfação das demandas de
segmentos sociais, e, repita-se, conferiu fundamentalidade aos direitos sociais e deixou
evidente a sua auto-aplicabilidade.
Mais seria desnecessário para se perceber que o constituinte projetou ao Poder
Judiciário a missão de realizar a concepção substancial de justiça, eis que tal missão constitui
fator indispensável de equilíbrio da democracia.
Não obstante a forte carga retórica, Paulo Bonavides acerta quando afirma que:
72 Vide art. 129, III, e seu § 1.º, da CF/88. 73 Vide Art. 5.º, XXI, e art. 8.º, III, da CF/88.
A idade dos direitos fundamentais e do constitucionalismo da liberdade atribuiu ao Judiciário papel de destaque, não raro de hegemonia e preeminência, que o liga inapartavelmente ao futuro da democracia, enquanto expressão, síntese e substância de quatro gerações de direitos, cuja concretude, garantia e universalidade, arrimada a elementos constitucionais de proteção, nunca poderá, amanhã, prescindir da intervenção eficaz e, se necessário, criativa do aparelho judiciário, como concretizador bem-sucedido dos sobreditos direitos, nomeadamente os das três derradeiras gerações que dele dependem. Isto – advirta-se – não há de levar ao malsinado “governo de juízes”, forma de todo ilegítima, mas há de significar, sem dúvida, necessidade de referendar novo contrato social, cujos pactuários não poderão deixar de admitir que um Judiciário forte é a primeira salvaguarda da democracia.74
Todas essas considerações ganham relevo no constitucionalismo brasileiro
contemporâneo, com a edição da Emenda Constitucional 19, de 1998, que introduziu na
Constituição Federal o princípio da eficiência da administração pública, por via do qual a
discricionariedade administrativa deixa o ethos da formalidade típica do modelo liberal
clássico para adentrar o campo material, na perspectiva da solução ótima75 pretendida pelo
Estado Social de Direito, que, num país subdesenvolvido, pode ser traduzida como a melhor
solução possível numa determinada época.
Estar-se-á convicto, por outro lado, de que a evolução e a ampliação do conceito de
cidadania remetem à noção de soberania, no sentido de que, sem aquela, esta estará
necessariamente conspurcada, daí que o primado do respeito aos direitos da pessoa humana é
questão insuperável nas democracias contemporâneas, ainda que tal primado tenha uma
dimensão progressiva.
É óbvio que a jurisdição não substitui a administração, já que a Constituição outorgou
a elas funções distintas. Os juízes não governam, mas, como salienta Martonio Mont’Alverne
Barreto Lima76, “[...] atualmente a governabilidade do país passa pelo Poder Judiciário, seja
através do controle de constitucionalidade das leis editadas, seja através das ações coletivas
que visam impor ao Estado o cumprimento de seus deveres sociais”.
74 MELO, Celso Bandeira. O Poder Judiciário e a Democracia. Revista Política Democrática, Brasília, p. 139, [s.d.]. 75 MELO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 232. 76 LIMA, Martonio Mont´Alverne Barreto. Teoria da Constituição: estudos sobre o lugar da política no Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p. 209 et seq.
Esse fenômeno é muito mais comum nos países subdesenvolvidos ou em
desenvolvimento, já que as políticas públicas, situadas originalmente no campo da
discricionariedade político-administrativa, são geralmente implementadas com base na
normatividade constitucional e legal, de cunho transformista.
No Brasil, isso se explica historicamente, seja pela necessidade de ser reforçada na
sociedade a retórica política do devir de justiça social, em contraponto à legalidade autoritária
precedente, que sobrevalorizava o Estado em detrimento dos direitos humanos, seja também
pela idéia, hoje bastante difundida, de que o Estado Democrático de Direito é um processo
que deve ser continuamente realizado.
Por tudo quanto foi exposto, entende-se que a exigibilidade dos direitos sociais não
guarda tanta controvérsia na perspectiva da teoria do direito, que tem como um de seus
fundamentos a efetividade.
Contudo, a função de controle comum conferida ao ente judicial é necessariamente
complexa, sobretudo nos países subdesenvolvidos, carecedores de recursos materiais para a
implementação de políticas públicas voltadas para o objetivo colimado na norma
transformadora.
4.4 A tarefa do Judiciário na proteção do conceito substancial de Democracia
Não há dúvida quanto ao controle pela via preventiva e avaliativa, que se dá mediante
a tutela dos atos administrativos. Hoje a doutrina já não situa esse controle apenas no campo
da estrita legalidade formal, pois o princípio da eficiência administrativa faculta ao julgador
indagar sobre a adequação dos serviços públicos, na perspectiva dos estados ideais a serem
alcançados77.
Por convicção jurídica e até mesmo por impraticabilidade fática, afasta-se desde logo a
idéia de que o poder jurisdicional possa imiscuir-se no controle da formulação das políticas
públicas, pois se entende que tal função é ontologicamente afeta à instância política, em
perfeita observância ao sistema de democracia procedimental.
Entretanto, todos os argumentos aqui apresentados levam à certeza de que a execução
dessas políticas pode ser objeto de tutela judicial, na medida em que, como afirma Eduardo
Appio, ao Judiciário cabe, na democracia contemporânea, zelar pela “[...] proteção de um
conceito substancial de democracia, a partir da isonomia entre os cidadãos, prevista na
Constituição Federal de 1988”78.
Bobbio ressalta essa questão de forma bastante pragmática, afirmando que os direitos
humanos (na sua integralidade) não podem ser confiados sine die à vontade política, pois o
direito se desfigura sem a noção de obrigação79.
Como, então, exercer esse controle?
Desde logo, convém deixar indiscutível a perfeita noção de que a administração
pública, mesmo em se tratando de direitos sociais, culturais e econômicos reclamados pelo
cidadão, deve obedecer ao princípio da legalidade, visto que ela é fundamental para a noção
de sujeição do Estado à ordem jurídica.
Todavia, como deveras já foi aqui anotado, constitui característica intrínseca,
ontológica e indissolúvel do Estado contemporâneo a noção de efetividade e eficácia
constitucionais. Tomando isso como sucedâneo, parece inegável que os direitos sociais
conferidos pelo constituinte podem receber duas classificações para efeito didático:
77 Cf. BARROSO, Luis Roberto. O começo da história: a nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito Brasileiro. Revista Interesse Público, Porto Alegre, n. 19, p. 51 et seq., 2003. 78 BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 137. 79 Idem, p. 82 et seq.
• Direitos emergenciais e de fruição imediata, com recursos vinculados: aqueles
que foram tratados de modo especialíssimo pelo constituinte, com base na constatação da sua
necessidade como pressuposto da construção da cidadania e para os quais se aplica a ética da
prioridade urgente, que se consubstancia pela expressa vinculação constitucional de receitas
orçamentárias.
São exemplos dessa categoria de direitos os relacionados ao ensino fundamental e à
saúde, cabendo destacar que o sentido de prioridade é de tal monta que pode autorizar a
intervenção federal nos entes incumbidos da execução das respectivas políticas, como medida
de força, visando ao cumprimento das metas estabelecidas nos programas correlatos80.
Isso é significativo do ponto de vista da teoria constitucional, porque a própria
Constituição admite a quebra do princípio da autonomia81, ínsito no sistema federativo, em
razão do descumprimento de normas que visem à proteção de direitos sociais, deslocando a
dimensão de soberania para o componente humano do Estado.
A dimensão subjetiva de tais direitos é incontroversa, pois a própria Constituição
Federal estabelece que a saúde e a educação são direito de todos e dever do Estado82.
• Direitos prioritários de fruição progressiva, com recursos não- vinculados:
aqueles garantidos pela Constituição de forma expressa, dependentes ou não de lei, que
também têm forte dimensão subjetiva, todavia limitados às disponibilidades da receita
pública, ou seja, condicionados à reserva do possível.
O exemplo clássico dessa categoria de direitos é a assistência social, de cujo gênero
são espécies a proteção à família, à maternidade, à infância e adolescência, à velhice e a
portadores de deficiência.
80 Art. 34, VII, e, da CF/88. 81 Art. 25 da CF/88. 82 Arts. 196 e 205 da CF/88.
A fruição dessa categoria de direitos mediante a intervenção judicial é mais complexa
porque se tem sempre de enfrentar o dilema normatividade x faticidade, entendida esta última
como a noção de possibilidade material, que tem influência significativa na sua satisfação.
Parte da doutrina contemporânea tem usado o argumento de que, nesses casos, a
satisfação dos direitos sociais deverá sempre ser conjugada com o princípio do orçamento83.
Sem embargo de sua fundamentação dogmática, fundada na exegese sistêmica da
Constituição, a opinião mais comum é a de que essa posição se apresenta frágil diante da
complexidade dos fatos, sobretudo se aplicada no contexto de um país subdesenvolvido.
Em primeiro lugar, porque o Brasil ainda adota o modelo do orçamento-programa, de
natureza autorizativa, próprio do Estado intervencionista e empreendedor do passado, fundado
na racionalidade tecnocrática do planejamento paternalista e unívoco do ente estatal, que se
expressa pelas disposições da Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964.
Com as mudanças introduzidas na Constituição Federal de 1988, percebe-se, porém,
uma tendência de o constituinte aproximar as normas de natureza orçamentária à noção de
política pública, que passam agora a ter conteúdos mais finalísticos, como o de reduzir as
desigualdades inter-regionais com base no critério populacional (renda per capita), índice
que traduz, nas nações subdesenvolvidas, a injustiça social.
Outro ponto importante nesse mesmo sentido é a expressa proibição do uso dos
recursos do orçamento da seguridade social – destinados à satisfação dos direitos à saúde e à
assistência social – para a cobertura de outras necessidades do orçamento geral, o que reforça
a noção de prioridade.
Infelizmente, três fenômenos têm mitigado essa prioridade.
83 APPIO, Eduardo. Controle Judicial das Políticas Públicas no Brasil. Curitiba: Juruá, 2005. p. 170.
O primeiro dá-se na formulação da proposta orçamentária, com a definição de
dotações orçamentárias pro forma, que atendem ao requisito da legalidade formal, fundada
na razão tecnocrática, mas insuficientes para a satisfação dos direitos da seguridade social.
O segundo é a desvinculação orçamentária, que permite aos poderes públicos ampla
margem de manobra no orçamento, geralmente por via de norma regulamentar de hierarquia
inferior e emanada do Poder Executivo. Esse fenômeno desvirtua os mecanismos
procedimentais de formulação legislativa, mitiga o princípio da programação orçamentária e,
via de conseqüência, a concreção das políticas públicas na perspectiva progressiva.
O terceiro é o contingenciamento das disponibilidades financeiras do orçamento,
eufemismo que, na prática, significa a não-aplicação pura e simples de despesas previstas, que
se explica pela fragilidade dos mecanismos de controle democráticos próprios dos países
subdesenvolvidos e constituem grave fator de descontinuidade do planejamento estrutural84,
com forte influência na redução dos investimentos sociais.
Abra-se um parêntese para demonstrar que a gestão orçamentária no Brasil, à parte as
vinculações constitucionais, ainda guarda estreita ligação com a cultura da discricionariedade
autoritária, fundada na legalidade e não na legitimidade e profundamente incrustada na
burocracia estatal.
Daí por que se entende ser importante, em termos de pedagogia constitucionalista, um
esforço doutrinário, visando a encontrar mecanismos jurídicos que contribuam para uma visão
normativa menos dogmática em termos de orçamento público.
Essas idiossincrasias obedecem à lógica dos arranjos da governabilidade e são,
portanto, pura casuística normativa que se institucionalizou burocraticamente num contexto
histórico de profundo divórcio para com a institucionalidade legitimada.
84 A expressão é de SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 713.
Trata-se, pois, do “jeitinho brasileiro”, para o qual o orçamento existe, mas pode não
existir de verdade, pelo menos em relação aos segmentos sociais mais vulneráveis, que não
atuam como grupos de pressão no espaço democrático.
Mecanismos alternativos, a exemplo do orçamento participativo, constituem um
esforço no sentido de tornar eficaz o controle social na formulação das políticas públicas, mas
ainda se situam residualmente na esfera política, sem liame algum com a juridicidade.
Por outro lado, o rigor técnico-burocrático das normas orçamentárias, que são
aplicadas em todas as esferas da Federação, gerou um fenômeno interessante: o da
padronização. Paradoxalmente, esse fenômeno se tornou um fato positivo, uma vez que
possibilitou a distribuição técnica dos recursos, ainda que parcos, para todas as atividades-fim
do Estado, o que lhe confere ampla multifuncionalidade jurídico-operacional.
Em assim sendo, é fácil perceber que o orçamento brasileiro é flexível e
multifuncional, características que possibilitam a exigibilidade dos direitos sociais em razão
da omissão estatal, com base numa visão jurisdicional construtiva.
Esse argumento, ainda que sujeito às críticas mais contundentes, vem revelando-se
viável na prática jurídica do País, seja por meio de ajustamentos de condutas, mediadas pelo
Ministério Público, seja por composições judiciais em que são partes segmentos sociais e a
administração pública (sobretudo aquelas de âmbito local), em que se percebe razoável grau
de aceitabilidade e eficácia dessa função de controle de políticas públicas.
A favor da eficácia desses procedimentos coletivos, contam inúmeros fatores:
a) a ampla publicidade influencia a opinião pública e diminui o nível de frieza
burocrática do agente político implicado;
b) a administração pública faz-se representar pelo agente político responsável pela
política pública demandada, o que implica flexibilidade administrativa, consciência das
necessidades sociais, senso humano nas decisões e comprometimento público;
c) a comunidade social interessada interage e torna-se co-responsável pela política
pública a ser implementada, aumentando a consciência sobre a importância da governança
social;
d) os órgãos com essas funções de controle e intermediação legitimam a sua
autoridade, com o que se legitima a estatalidade, a oficialidade, a normatividade e o espaço
jurídico.
Têm-se, portanto, alguns importantes conceitos que ajudarão a formular uma
concepção própria acerca da exigibilidade dos direitos sociais no Brasil.
5 A POSTULAÇÃO METAINDIVIDUAL DOS DIREITOS SOCIAIS
5.1 A classificação dos Direitos Sociais como interesses individuais homogêneos
indisponíveis
A doutrina já pacificou o entendimento acerca da distinção entre os chamados
interesses metaindividuais ou transindividuais, de cujo gênero são espécies os interesses
difusos, os coletivos e os individuais homogêneos85.
No que pertine ao objeto do presente trabalho, nenhum interesse maior há no estudo
dos interesses difusos e coletivos. Os primeiros contêm a particularidade de serem indivisíveis
e os segundos, de serem limitados a um grupo, segmento ou categoria, não guardando
similitude com as fruições sociais exigíveis do Estado-administração.
Com efeito, é de se ressaltar que os direitos sociais, de que é titular a cidadania,
constituem os chamados direitos individuais homogêneos indisponíveis, que têm fato gerador
comum, na maioria das vezes, ditado pela omissão do Poder Público ou pela ineficiência dos
seus serviços.
Afasta-se, desde logo, a possibilidade de a comunidade provocar a jurisdição, visando
à proteção dos interesses individuais homogêneos disponíveis, pois, da sua natureza de
disponibilidade, faz predominar o interesse privado, podendo as partes livremente agir,
pactuar e dispor, se assim lhes convier.
85 MILARÉ, Edis. A Ação Civil Pública na nova ordem constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 27-28.
Contudo – e aqui reside o ponto mais importante desta reflexão –, os direitos
individuais homogêneos também podem ser indisponíveis, pois, a respeito deles, não se pode
transigir em razão da forte carga de interesse público de que se revestem. Possuem a
dimensão de fundamentalidade, por expressa determinação constitucional, ao mesmo tempo
em que têm forte repercussão sobre toda a coletividade86.
São exemplos de interesses individuais homogêneos indisponíveis o direito à vida, à
dignidade, à saúde, à educação, à habitação, à assistência social, entre outros, e devem ser
protegidos por políticas públicas gerais ou setoriais, de modo a garantir o que o constituinte
denominou de seguridade social.
Portanto, é de fácil compreensão que os direitos sociais, objeto do estudo desta
dissertação, se incluem entre os chamados interesses individuais homogêneos indisponíveis,
estando assim classificados como interesses coletivos.
5.2 Exigibilidade-legitimidade dos Direitos Sociais: análise crítica dos critérios de legitimação
vigentes
A exigibilidade de um direito, como parece óbvio, só alcança a dimensão concreta em
face da possibilidade real de existência prática desse mesmo direito, que se expressa pelo seu
efetivo exercício e posterior fruição, inclusive no que concerne à judicialidade.
Trata-se de um imperativo na teoria e na prática dos direitos humanos, haja vista que
as declarações de direitos, as constituições e as leis em todo o contexto mundial deixam de
86 PINHO, Humberto Dalla Bernardina. A natureza jurídica do Direito Individual homogêneo e sua tutela pelo Ministério Público como forma de acesso à Justiça. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
possuir qualquer significação prática se não houver possibilidade de efetiva aplicação de suas
normas.
É cediço que os direitos sociais correspondem a um prolongamento das garantias
individuais, que se erigem indispensáveis no mundo contemporâneo, com base na constatação
de que a pessoa, além de ser dotada de qualidades únicas e singulares, também é merecedora
do direito de participação na comunidade, especialmente em sociedades complexas como a
brasileira, marcadas pela interdependência humana.
Nesse contexto, parece razoável reivindicar que a ciência jurídica confira importância
ao tema da legitimidade no âmbito da exigibilidade dos direitos coletivos, deslocando-o da
dogmática positivista, que privilegia a legitimação formal, para a concepção jusnaturalista,
que prestigia a legitimação material, a fim de permitir o exercício real dos direitos conferidos
no plano jurídico.
A Constituição Federal, em seu art. 129, III, combinado com o seu §1.º,
expressamente autoriza que “terceiros” possam promover a Ação Civil Pública, visando à
proteção de interesses coletivos e deixando à lei ordinária a função regulamentadora quanto à
forma do exercício da demanda.
Por sua vez, a Lei nº 7.347/85, que disciplina a Ação Civil Pública, contemplou as
matérias específicas, objeto do procedimento coletivo, entre elas, as relativas ao meio
ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística, aos bens e direitos de valor artístico, histórico,
turístico e paisagístico, não deixando também de incluir “qualquer outro interesse difuso ou
coletivo” (artigo 1.º, V).
No tocante à legitimidade da sociedade para a reivindicação e o exercício dos direitos
sociais coletivos, a Lei nº 7.347/85 sofreu inúmeros percalços, que merecem os
esclarecimentos necessários, de modo que se supere qualquer confusão hermenêutica acerca
da questão.
O art. 5º, II, da LACP, com a redação que lhe deu o art. 111 do Código de Defesa do
Consumidor de 1990, conferia legitimidade para que as associações – pré-constituídas e afins
com a matéria em deslinde – acionassem o espaço jurisdicional, visando à proteção de
“qualquer outro interesse difuso ou coletivo”, por meio do procedimento público civil.
Todavia, o parágrafo único do art. 88 da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994,
modificou a redação do mencionado dispositivo da LACP, dele retirando a expressão antes
transcrita e gerando, no primeiro momento, intensa digressão doutrinária, quanto a saber se as
associações tinham ou não perdido a capacidade postulatória para a defesa de outros
interesses coletivos, que não aqueles relativos aos temas específicos, presentes na redação
posterior (que se exaurem nas matérias relativas ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem
econômica, à livre concorrência, ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico).
Com base numa exegese sistêmica e principiológica, a doutrina majoritária aponta no
sentido de que, mesmo em face da alteração de que se cogitou,
[...] o princípio continua em vigor porque estes outros interesses difusos ou coletivos são objeto de proteção da lei, conforme a LACP, em seu art. 1º, IV. Assim, podem os estatutos da associação civil ou sindicato conter a previsão de que uma das finalidades institucionais da entidade seja a defesa de outros interesses difusos ou coletivos, para fins de que trata a legitimação para a causa regulada na norma sob análise87.
Ademais, o art. 210, III, do Estatuto da Criança e do Adolescente, e o art. 86, IV, do
Estatuto do Idoso, indicam como legitimados ativos ad causam para as ações que versem
acerca de direitos difusos e coletivos as associações com interesses afins, esta última
superveniente à Lei nº 8.884/94 (que alterou a LACP), podendo as duas ser aplicadas
subsidiariamente nos demais casos.
87 NÉRY, Nelson et al. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante em vigor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 1532.
Superada a dúvida hermenêutica, impõe-se ponderar que a nova sistemática
nitidamente optou pelo modelo de legitimação extraordinária (substituição processual) ou de
legitimação autônoma para a condução do processo, seja no plano institucional, por meio do
Ministério Público, seja no âmbito social, por meio das associações civis, desprestigiando,
contudo, a legitimação ordinária, como se a primeira excluísse a segunda, o que, na prática,
inviabiliza que consórcios interpessoais não-formais possam provocar a jurisdição para a
satisfação de suas necessidades materiais.
São inegáveis, por conseguinte, os avanços advindos da Lei da Ação Civil Pública na
área procedimental.
Em primeiro lugar, em razão do próprio objeto nela contido, ou seja, a tutela dos
interesses metaindividuais, antes só possível e com conteúdo muito restrito, à ação popular,
inclusive no tocante à universalização do poder de tutela, ante à ampliação dos efeitos da
coisa julgada.
Em segundo lugar, porque institui mecanismos de solução heterodoxa da demanda,
mediante ajustamentos de conduta que propiciam mais mobilidade de ação ao poder
jurisdicional, permitindo incorporar à demanda conceitos antes improváveis, como a solução
progressiva da satisfação material, a tutela avaliativa e outros, inaugurando na prática forense
uma nova concepção instrumental do processo, baseada na solução mais razoável.
Nesse sentido, a Ação Civil Pública ampliou consideravelmente a noção de
legitimidade processual e acesso à justiça, já há muito reclamados por Cappelletti, pois a
litigiosidade contida88 constitui um fenômeno que põe em descrédito a utilidade do espaço
jurídico-institucional, ameaçando até mesmo o sistema de resistência social legítimo.
A judicialização dos direitos sociais reveste-se de inegável complexidade, porque
muitas vezes a tutela não tem por objeto o direito em si, mas a sua forma e o seu tempo de
88 WATANABE, K. et. al. Juizado especial de pequenas causas: Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. p. 23.
satisfação. Com efeito, tornou-se imprescindível compatibilizar essa judicialização, com forte
carga e implicação sociais, aos ditames dos meios procedimentais mais abrangentes e
eficazes.
Todavia, essa nova legislação adotou o princípio da substituição processual ou da
condução autônoma do processo opes legis, legitimando apenas instituições e associações
para a busca do interesse social a ser tutelado, de cunho oficialista, o que se explica pela
época em que a Lei da Ação Civil Pública foi editada, quando ainda não se dispunha de
princípios, preceitos e normas constitucionais atinentes aos direitos humanos e à dignidade da
pessoa, inspirados nos novos documentos jurídicos internacionais de 1986 e 1988, já
amplamente comentados neste trabalho.
Tal opção, em que pese o fato de ser avançada para a época, não é inteiramente
compatível com as exigências da sociedade complexa de hoje, em que grupos e redes sociais
interagem incessantemente com o espaço institucional, mediante mecanismos procedimentais
empíricos e primários, que não se coadunam com as exigências formais do processo judicial
tradicional.
Kasuo Watanabe parece resignar-se diante do critério de legitimação adotado pelo
sistema brasileiro, argumentando que “algumas experiências vividas no campo da ação
popular, que tem sido utilizada, com alguma freqüência como instrumento político de pressão
e até de vindita, serviram também para o perfilhamento da opção legislativa”89.
O argumento é conservador, pois nada impede também possam as associações ser
instrumentos de interpostos interesses, até com maior ênfase, na medida em que substituem o
autor ideológico da demanda.
Ademais, parece de todo insustentável justificar a exclusão dos ordinariamente
legitimados pela simples razão de que alguns possam vir a usar indevidamente a demanda,
89 WATANABE, Kasua et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 638.
sabido que um eventual desvirtuamento da causa de pedir está sujeito ao poder geral de tutela
da jurisdição, que pode espancá-lo quando da aferição da representatividade adequada.
Nesse sentido, é mais coerente a posição de Ada Pellegrini, co-autora da proposta
legislativa de proteção aos direitos difusos e coletivos, que critica o critério de identificação
da representatividade adequada adotado pelo legislador em 1985, lembrando que a idéia
original era confiar ao juiz (opes judicis) e não à lei (opes legis) a escolha dos legitimados
para as ações coletivas, a quem se atribuía o exame discricionário da adequação e da
capacidade do portador do interesse90.
Também não parece prosperar a idéia de que a legitimação individual possa fragilizar
a jurisdição em face de maior probabilidade de abandono ou desistência da ação e, portanto,
da frustração da expectativa do direito pela sociedade. Para suprir essa possibilidade, bastaria
que se instituíssem mecanismos de legitimação ativa subsidiária a qualquer co-legitimado,
sem falar que a norma também poderia conferir ao Ministério Público a função de fiscal da lei
nessa circunstância, o que, de resto, já está genericamente previsto na LACP (art. 5º, §§ 3º e
1º).
Portanto, é notório que o Legislativo adotou uma posição conservadora, pois não
vislumbrou a essência da complexidade e da dinâmica sociais próprias da redemocratização
do País, inibindo, ainda hoje, a litigiosidade de que pode ser titular a cidadania.
A crítica torna-se ainda mais consistente quando se constata que, em verdade, o
sistema brasileiro não permite a aferição da representatividade adequada, já que a
adequação só pode ser mensurada materialmente, não por critérios formais preestabelecidos –
no nosso caso, o de tempo de constituição da entidade e sua afinidade com o objeto da causa,
que, por serem unicamente objetivos, nada significam em termos de adequação para conduzir
o processo.
90 Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do Direito Processual. São Paulo: Forense Universitária, 1990.
5.3 A representatividade adequada no Direito Comparado: a Class Action e o litígio de
interesse público
O pragmatismo norte-americano optou pela teoria da representatividade adequada da
coletividade, encontrando na class action veículo procedimental apropriado e fundamental
para a defesa dos direitos civis, na medida em que amplia o acesso ao Judiciário do indivíduo
ou indivíduos interessados na representação da coletividade, sem, entretanto, vulgarizar o
processo, já que a legitimidade adequada é verificada pelo próprio órgão julgador.
A esse respeito, Pedro da Silva Dinamarco esclarece que:
Em qualquer dessas demandas, a jurisprudência exige a presença simultânea de sete requisitos, quatro deles expressamente previstos na alínea a da mencionada Regra: 1) haver uma classe; 2) o candidato a representante da classe ser um membro dela; 3) a classe ser tão numerosa que a reunião de todos os membros (ainda que por meio de litisconsórcio) seja impraticável; 4) haver questões de fato ou de direito comuns a todos os membros da classe representada; 5) os pedidos ou defesas dos litigantes serem idênticos aos pedidos ou defesas da própria; 6) estar configurada a representatividade adequada, ou seja, o autor deve ser capaz de defender adequadamente os interesses dos membros da classe que estejam ausentes no processo; e, finalmente, 7) estar configurada alguma das hipóteses contidas nas alíneas b.1, b.2 ou b.3”91.
Embora a class action refira a controvérsia relativa a interesses específicos de
segmentos, é notório que a idéia da maior eficácia do procedimento coletivo, que já vem do
Bill of Peace do século XVII, inspirou fortemente os redatores da LACP, sem, contudo,
incorporar o critério judicial da representatividade adequada, o que, reitere-se, constituiu um
ponto de inflexão, ditado pela cultura processualística de então.
91 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 125.
No âmbito da sociedade civil, Helen Hershkoff e Aubrey McCutcheon92 relatam a
existência, em diversos países da América Latina, Ásia, África, Oriente Médio e Leste
Europeu, do Litígio de interesse Público, por via do qual os grupos sociais e indivíduos
buscam a satisfação de direitos civis e sociais e, mais que isso, a mudança social como
conseqüência, pois como constatam: “[...] o litígio pode ajudar a promover o enraizamento de
novos princípios constitucionais, assim como promover o aumento da consciência pública
sobre os direitos humanos e encorajar aqueles que tenham reivindicações legais a avançar
com elas”93.
Para demonstrar o quanto a doutrina vem preocupando-se com o tema, transcrever-se-
á, abaixo, a título de mera intercorrência ilustrativa, a seguinte tese:
Sugerimos a inserção, na Constituição Federal, no capítulo relativo aos direitos sociais (art. 6º da CF), do mandado de garantia social, com a redação que ora indicamos: É instituído o mandado de garantia social, destinado a fazer consagrar, respeitar, manter ou restaurar, preventiva ou repressivamente, os direitos sociais previstos, explícita ou implicitamente, na Constituição Federal, contra atitudes ativas ou omissas do poder público ou de particulares, para os quais não exista remédio próprio94.
Questão intrincada diz respeito ao fato de a tradição formalista ter conferido ao
legislador a tarefa de definir os legitimados para a postulação dos direitos coletivos,
cristalizando e autarquizando a iniciativa do processo, já que a relevância do pedido não será
mensurada por quem sente a necessidade de satisfação da prestação social, mas por quem o
examina com base em de critérios jurídicos auto-referentes, pois a ação civil pública terá de
submeter-se a todos os pressupostos jurídicos formais construídos na perspectiva privatista.
Os organismos sociais têm limitação de tempo de existência para a postulação, mas o
pior obstáculo é a submissão deles à normatividade instrumental extremamente complexa do
92 GOLUB, Stephen et al. Caminhos para a Justiça: uma perspectiva internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 341 e seguintes. 93 Idem, p. 343. 94 SARAIVA, Paulo Lopes. Direito, Política e Justiça na Contemporaneidade. Campinas: Edicamp, 2002. p. 125.
processo civil brasileiro, no qual é inquestionável a supremacia da forma em detrimento do
mérito, além de terem de enfrentar a teia por vezes impenetrável da burocracia judiciária.
Alysson Leandro Mascaro, em que pese sua posição sempre radical na crítica aos
anteparos legalistas do Direito Brasileiro, tem razão quando compreende que:
A institucionalização de direitos metaindividuais – difusos, coletivos, individuais homogêneos – corresponde a um momento de consolidação de direitos sociais na democratização, e a construção de arenas processuais metaindividuais é a possibilidade de escoamento judicial de demandas que estavam se legitimando em face do direito substantivo, mas que ainda não encontraram repercussão imediata no direito adjetivo95.
Parece óbvio, portanto, que a complexidade envolvendo a satisfação dos direitos
sociais exige uma radical mudança de concepção, que importa flexibilizar tanto quanto
possível o rigor formalista do processo e privilegiar a oralidade, a publicidade efetiva, a
mediação como busca do resultado justo e razoável, que poderá ser progressivo e evolutivo e
com o qual será possível humanizar o processo e o Direito.
A Constituição Federal preconiza a judicialização dos conflitos sociais a fim de
permitir a satisfação de interesses e direitos. Em que pese toda a sorte de entraves
burocráticos, isso tem sido possível por meio da figura dos sindicatos, das organizações
sociais não-governamentais e dos próprios cidadãos de maneira individual, que, após várias
batalhas no cenário político, começaram a buscar, por meio de impetração de medidas
judiciais, a intermediação jurisdicional.
Todavia, como ainda não se alcançou o desejável nível de organização social, é
comum notar que a comunidade nem sempre dispõe de representatividade oficial que lhe
permita a substituição processual e a provocação da função geral de controle exercida pela
jurisdição.
95 MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito e Filosofia Política. São Paulo: Atlas, 2003. p. 78 et seq.
Tal fato mitiga o acesso à justiça e diminui consideravelmente a perspectiva de
efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais previstos na ordem constitucional,
reacendendo a noção de insinceridade constitucional e fragilizando o próprio Estado de
Direito Democrático.
Que fazer, então?
Como o objetivo deste trabalho é, declaradamente, acenar com uma nova perspectiva
instrumental, visando à proteção efetiva dos direitos sociais meta-individuais, entendo que é
necessário “pescar pérolas” na própria Lei da Ação Civil Pública, como se verá adiante.
Como vimos, as garantias sociais, econômicas e culturais têm inequívoco amparo
legal e constitucional, o que lhes garante normatividade e exigibilidade inquestionáveis. Tais
garantias constituem direitos subjetivos, que podem ser exercidos por qualquer cidadão ou
grupos sociais, posto que gravados pelo caráter da fundamentalidade, da universalidade e
da integralidade e, em alguns casos, da absoluta prioridade.
O problema é que a judicialização desses direitos está hoje à mercê do Ministério
Público e das organizações sociais oficiais, sendo que estas só se legitimam após um ano de
existência formal, de modo que dificultam o acesso dos cidadãos e dos grupos sociais ao
espaço jurídico-institucional.
5.4 A dimensão substancial do Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição: o acesso à justiça
como Direito Fundamental inalienável
O modelo hoje vigente, como se observa, inibe a efetividade constitucional e, de resto,
exclui considerável parcela de titulares de direitos da fruição material com que se
comprometeu o Estado, o que parece não se adaptar ao princípio fundamental da
inafastabilidade da jurisdição.
Manoel Antônio Teixeira Filho relata que
o princípio da inafastabilidade da jurisdição possui profundas raízes históricas e representa uma espécie de contrapartida estatal ao veto à realização, pelos indivíduos, de justiça por mãos próprias (exercício arbitrário das próprias razões, na peculiar dicção do Código Penal - art. 345); mais do que isso, ela é uma pilastra de sustentação do Estado de Direito96.
Esses aspectos são um importante suporte para orientar e justificar uma interpretação
otimizada do princípio, como se pretende a seguir.
Ao determinar, em seu art. 5º, XXXV, que a lei não pode excluir da apreciação
judicial qualquer lesão ou ameaça a direito, a Constituição Federal foi expressa no sentido de
vetar qualquer mecanismo que impeça o cidadão de postular em juízo.
Por ser norma de hierarquia superior e também porque fundada numa nova concepção
de direito, na qual há nítida prevalência da perspectiva humana, a norma constitucional não
pode ser analisada apenas pelo seu viés conteudista, no sentido restrito de impedir que
determinada matéria possa escapar ao controle judicial.
Mais que isso! Por se tratar de uma regra de otimização, de uma garantia fundamental
da pessoa humana, a interpretação mais coerente e consistente que se pode dar à regra é a de
que ninguém pode ser excluído de ter sua demanda apreciada judicialmente.
Portanto, havendo interesse de agir, o sujeito de direito pode acionar o poder da
jurisdição, não se admitindo que regras de legitimação de natureza processual possam de
alguma forma impedir o exercício do jus postulandi, sob pena de insuperável
inconstitucionalidade.
96 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. A Sentença no Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 1996. p. 36-37.
É certo que a legitimação extraordinária prevista para as ações coletivas tem por
escopo conferir organicidade e eficácia ao procedimento, mas é inevitável considerar
inconstitucional a norma que simplesmente impede o direito de ação aos legitimados
originários.
Razões de ordem ontológica fragilizam qualquer argumento no sentido de mitigar ou
impedir o direito à jurisdição, na medida em que, como parece óbvio, é inerente à pessoa do
interessado o exercício desse direito, se e quando lhe aprouver.
Todavia, não parece viável condenar a substituição processual em si mesma. Como
mecanismo de política judicial, o instituto é consentâneo com a instrumentalidade que se
espera do processo, o que se justifica em face da natureza das ações coletivas, marcadas pela
homogeneidade dos interesses em questão.
O que não parece razoável no caso brasileiro é o estabelecimento de regras de
legitimação sine qua non, ou seja, de exigências que não podem eventualmente ser superadas
no plano fático, pois aí, então, o Direito estará afastando-se do princípio da realidade e, por
todas as razões, impossibilitando o exercício de um direito material.
Não se discute que à lei infraconstitucional cabe definir a forma de como serão
praticados os atos do procedimento, estabelecendo pressupostos e condições para o acesso
válido à institucionalidade jurisdicional. Não se pode aceitar, todavia, que a função
organizativa da regulamentação constitua óbice intransponível a esse acesso, pois estar-se-ia
violando o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição.
Com esse enfoque, imagine-se o simples exemplo de uma pequena comunidade que
quer pleitear das instituições competentes medidas urgentes em relação à falta de
abastecimento de água de um determinado bairro. Pela falta de uma associação constituída há
mais de um ano, não terá essa comunidade direito à jurisdição?... Por qualquer ângulo que se
possa observar a questão, até mesmo a mais conservadora dogmática, haverá de responder
negativamente.
Trata-se de uma pseudo-racionalidade abstrata, na medida em que – sendo norma de
conteúdo meramente instrumental e tendo sua aplicação direcionada para esse fim – pode ela,
em contato com a realidade prática da vida social, funcionar em sentido inverso, a ponto de
conspurcar do real interessado o direito subjetivo à ação.
Os processualistas contemporâneos insistem com razão na idéia de que a jurisdição
não é uma entidade metafísica dissociada da realidade, pois, com a sua criação, o Estado
pretendeu “garantir que as normas de direito substancial contidas no ordenamento jurídico
efetivamente conduzam aos resultados enunciados, ou seja: que se obtenham, na experiência
concreta, aqueles precisos resultados práticos que o direito material preconiza”97.
É evidente que há inexorável prevalência do princípio constitucional sobre a norma
regulamentadora, por isso torna-se plausível que a solução da hipótese seja resolvida com
base no princípio da proporcionalidade, este decorrente da opção política do legislador
constituinte ao estabelecer o estado democrático de direito.
O dilema pode também ser solucionado no restrito campo da processualística,
aplicando-se os critérios de legitimação da ação popular, posto que, nesta, o cidadão é
legitimado para a defesa de interesses difusos os mais relevantes, inclusive de ordem político-
administrativa e financeira do Estado, razão pela qual nenhuma incongruência há em que esse
mesmo cidadão postule em causa própria direitos sociais, que constituem a própria finalidade
da organização estatal, ainda que extensiva a outros titulares do direito.
A jurisprudência brasileira, salvo melhor juízo, ainda não enfrentou essa questão
específica da legitimação de pessoa ou grupos de pessoas naturais para as causas de natureza
coletiva, todavia tem mitigado o rigor formalista, ao admitir, por exemplo, em nome da
97 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo et al. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 116.
prevalência do interesse social, que seja dispensado o requisito da pré-constituição da
associação representativa.
Julgando o Recurso Especial 520.454/PE, o Superior Tribunal de Justiça acolheu o
voto do Ministro Barros Monteiro e declarou que “presente o interesse social evidenciado pela
dimensão do dano e apresentando-se relevante o bem jurídico a ser protegido, pode o juiz
dispensar o requisito da pré-constituição superior a um ano da associação autora da ação”98.
O STJ também tem sido flexível quanto a admitir como legitimadas para a Ação Civil
Pública associações que não sejam constituídas exclusivamente para a defesa de interesses
específicos, com o que alargou o alcance da norma legal e possibilitou o maior acesso da
comunidade nacional ao espaço jurisdicional.
Os casos de que se cuida, embora circunscritos a questões relativas à capacidade
postulatória, demonstram uma evidente tendência da jurisprudência no sentido de ampliar à
sociedade o direito à litigiosidade coletiva, sempre que o bem jurídico a ser tutelado seja
relevante do ponto de vista humano, aplicando-se, para tanto, a técnica da prevalência do
interesse social.
Nesse sentido, é de se defender o ponto de vista de que a função jurisdicional pode
admitir pessoa ou pessoas naturais como legitimadas para postular direitos coletivos através
da ACP, desde que demonstrada a inexistência de associação civil que atenda às exigências
previstas na referida norma, pois só assim será possível conferir ao processo a condição de
instrumento efetivo para a realização dos direitos coletivos.
98 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF nº 45, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 04/05/04. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 3 dez. 2006.
5.5 A questão do conceito de sujeitos de Direitos: por uma legitimação individual ou
litisconsorcial nas ações coletivas
Antonio Gidi critica o sistema de legitimação extraordinária adotado pela Lei da Ação
Civil Pública e afirma que o titular primeiro da lide coletiva é a própria comunidade ou
coletividade titular do direito material99, máxima que torna no mínimo impróprio impedir o
direito subjetivo de pessoas ou grupos de pessoas naturais na defesa de suas garantias.
Parece claro que o legislador brasileiro, ao excluir das pessoas naturais o direito
subjetivo à ação, foi discricionário e desconsiderou quase um século de existência da teoria da
personalidade jurídica, para a qual a pessoa é sinônimo de sujeito de direitos.
É óbvio que a evolução doutrinária não aceita mais a exclusividade da teoria da
personalidade no campo da postulação. Admite-se, hoje, a substituição processual, a condução
autônoma do processo e, mais recentemente, a capacidade de ser dos entes despersonalizados,
pois “a capacidade de ser parte é a qualidade atribuída a todos os entes que possam tornar-se
titulares das situações jurídicas integradas na relação processual”100.
A questão que se coloca como relevante – e interessa de forma específica a esta
reflexão – é a de que o argumento jurídico, que serve para quebrar a exclusividade da pessoa
como sujeito de direitos, não se presta, todavia, a excluí-la.
A pessoa natural, como resta demasiadamente óbvio, constitui o sujeito de direito
originário e, por excelência, a ela se destinam as normas materiais e, por conseguinte, a ela se
atribui a legitimação processual ordinária. 99 GIDI, Antonio. A coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 36. 100 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 282. Vol. 2.
Vale dizer: na legitimação não-ordinária – compreendendo os casos de substituição
processual, de autonomia para condução do processo e a legitimação extraordinária
propriamente dita – há apenas a capacidade postulatória, enquanto na legitimação ordinária há
esta capacidade e, mais ainda, a titularidade do direito.
Essas características conferem ao indivíduo uma legitimação otimizada, ontológica,
natural que, só em casos excepcionais, podem ser mitigados, geralmente por fatos ligados à
incapacidade civil da pessoa, decorrentes do caráter protetivo do direito, não de orientação
excludente.
É bom notar que os direitos sociais, econômicos e culturais, como já aqui abordado,
constituem interesses individuais homogêneos indisponíveis, o que importa afirmar que são
direitos de conotação híbrida, na medida em que pertencem à coletividade em geral, porém
dizem respeito à individualidade especificamente (não são difusos), o que reforça o
argumento em favor da legitimação ordinária.
É oportuno lembrar que os cidadãos, individualmente ou por intermédio de
litisconsórcio, podem manejar a ação popular. Nesse caso, agem como legitimados
extraordinários, como verdadeiros substitutos processuais em defesa do interesse de toda a
coletividade ou até mesmo da Administração Pública, configurando uma atividade bem mais
complexa que a defesa do seu próprio interesse.
Portanto, é no mínimo incongruente que o ordenamento legal brasileiro confira
representatividade adequada para que cidadãos – de quem se exige apenas o exercício de seus
direitos políticos – postulem a defesa de interesses difusos da sociedade, entretanto lhe
neguem o direito de representarem a si próprios enquanto titulares de direito.
Parece pouco razoável que a completude e a lógica do sistema jurídico sejam
mitigadas, a ponto de permitir tamanha anomalia, importando mencionar que, no caso da ação
popular, a provisão judicial tem efeito erga omnes, o que o legislador confiou ao legitimado
pessoa natural prerrogativa de representar a sociedade como um todo.
A legislação brasileira operou um corte abrupto e extravagante, pois o legislador não
percebeu que, dentre as exigências para a existência da capacidade processual, a primeira é a
capacidade de ser parte, condição essa que não pode aleatoriamente ser retirada da pessoa
natural.
Portanto, não é possível aceitar, à luz da teoria geral do direito, que a norma brasileira
exclua as pessoas naturais do rol dos legitimados para a ação coletiva que vise a reivindicar
direitos sociais, econômicos e culturais.
CONCLUSÃO: OS TITULARES DE DIREITO COMO SUJEITOS DE DIREITO
Dizer que a Constituição Federal de 1988 é produto do seu tempo soa como uma
grande obviedade. Mas esse ponto de partida é fundamental para explicar uma de suas
melhores e mais interessantes características, o internacionalismo, que se pauta pelo princípio
da prevalência dos direitos humanos.
Trata-se de um compromisso jurídico-moral assumido perante a comunidade das
nações, mas, antes de tudo, é uma recepção coerente e proposital da ordem jurídica
internacional, sobretudo do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
de 1966, das Nações Unidas, que, na década de 80, teve sua importância principiológico-
normativa resgatada em razão do fim da guerra-fria.
Desse documento, recolheu o princípio segundo o qual o “[...] reconhecimento da
dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e
inalienáveis constitui fundamento da liberdade, da justiça e da paz no Mundo”101.
A Constituição também sofreu inegável influência da Declaração sobre o Direito ao
Desenvolvimento de 1988, das Nações Unidas, com base no qual o texto nacional constrói a
sua teoria da justiça social e incorpora os princípios da inalienabilidade, da integralidade, da
indivisibilidade e da progressividade dos direitos sociais.
101 O texto consta do Preâmbulo do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, sociais e culturais, 1966. Disponível em: <www.onu-brasil.org.br>. Acesso em: 09 abr. 2006.
A Constituição estabelece de forma expressa que um dos fundamentos basilares da
República é a dignidade da pessoa humana102 e consagra como um dos seus precípuos
objetivos construir uma sociedade livre, justa e solidária, e promover o bem de todos103.
Por outro lado, confere fundamentabilidade aos direitos sociais e declara-os auto-
aplicáveis, ao mesmo tempo em que refunda a ordem social:
a) garantindo educação fundamental e saúde gratuita e, universalmente, vinculando
disponibilidades orçamentárias para as respectivas políticas públicas; e
b) especificando outras garantias de proteção à família, à maternidade, à criança e
ao adolescente, à velhice e às pessoas portadoras de deficiência.
Enfim, desloca a ordem constitucional e o serviço público do Estado para o seu
componente humano, o povo, reconhecendo nele o sujeito central do processo de
desenvolvimento104 e, com isso, que a igualdade de oportunidade para o desenvolvimento é
um direito tanto das nações quanto dos indivíduos.
O exercício hermenêutico fundado no princípio da normatividade dos princípios
constitucionais permitirá perceber que os direitos sociais têm foro jurídico de exigibilidade,
ainda mais se se compreender que, além de realidade social, o Direito é uma teoria ativa da
sociedade, cuja finalidade é determinar o que deverá ser105.
Nesse sentido, como já dito aqui, a decisão do Supremo Tribunal Federal (RE
436.996-6/SP) não apenas reforça, mas praticamente define uma nova concepção naquela
Corte, no sentido de minimizar as limitações dogmáticas e alargar o direito à jurisdição na
defesa de direitos sociais positivos, na medida em que mitiga o poder discricionário da
administração em matéria envolvendo garantias fundamentais.
102 Art. 1.º, III, da CF/88. 103 Art. 3.º, I e IV, da CF/88 104 A expressão consta do Preâmbulo da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, 1986. 105 ASSIER-ANDRIEU, Louis. O Direito nas sociedades humanas. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
A questão, portanto, é saber como e quando esses direitos devem ser tutelados e
protegidos em face da omissão estatal e como a exigibilidade por ser instrumentalizada.
Este estudo demonstrou que, à luz da Constituição vigente, a exigibilidade dos direitos
sociais obedece aos critérios da imediatidade e da progressividade, este último inteiramente
adequado à realidade econômico-financeira e operativa do Estado brasileiro.
De exigibilidade imediata são os direitos à educação e à saúde, uma vez que o poder
público não pode negá-los, haja vista a vinculação de recursos considerados suficientes para a
implementação dos respectivos programas.
De exigibilidade progressiva – mas de conteúdo não menos justificável – são os
demais direitos relativos à seguridade, cuja exigibilidade tem forte dimensão subjetiva,
portanto igualmente exigíveis, embora limitados às disponibilidades financeiras do poder
público, sem desconsiderar, no entanto, os chamados mínimos existenciais.
Nesse caso, a exigibilidade não pode mais ser dimensionada como categoria política e
ganha foro de juridicidade substantiva, de forma que cabe à jurisdição o poder geral de tutela,
com a inovação de que pode também ter a função avaliativa, com base na dimensão geral de
sua função de controle.
Para a satisfação positiva desses direitos, o ordenamento jurídico brasileiro ainda não
dispõe de instrumentalidade procedimental adequada. A Ação Civil Pública, que é anterior à
Constituição de 1988, inibe a ação dos grupos e segmentos sociais legitimados e interessados
em agir, visto que é fundada em pressupostos típicos do processo de perfil liberal, autárquico,
rígido e oficialista.
O Direito comparado permite-nos vislumbrar a possibilidade de incorporar à cultura
jurídico-processual pátria, de cunho eminentemente formalista, mecanismos procedimentais
fundados na lógica da instrumentalidade de resultado.
São exemplos disso a class action norte-americana, que permite ao indivíduo
representar um grupo ou segmentos sociais, cuja legitimidade, de cunho material e não
processual, é verificada pela própria instância julgadora, permitindo flexibilidade, agilidade e
maior acesso à justiça.
Experiências outras existem nos países subdesenvolvidos, como é o caso do litígio de
interesse público, que, mesmo na dimensão inicialmente individual, pode merecer relevância
pública, a ponto de alcançar a dimensão social ou grupal e possibilitar ampla
instrumentalidade, agilidade e economicidade processuais.
Para tanto, demonstrou-se a necessidade da intervenção dos próprios titulares dos
direitos sociais na esfera judicial, uma vez que o binômio da exigibilidade-legitimidade
formal, hoje vigente, não atende com eficiência às necessidades da sociedade contemporânea.
O trabalho é concluído com a tese de que a regra de legitimação prevista no artigo 5º,
I, da Lei nº 7.347/85, que garante acesso à justiça apenas às organizações sociais formais com
um ano de existência, contraria a normatividade e a dimensão principiológica constitucionais,
uma vez que cerceia o acesso à justiça sem plausibilidade jurídica às pessoas e grupos de
pessoas naturais, confrontando-se com o princípio da inafastabilidade jurisdicional, que dever
ser interpretado não apenas do ponto de vista do direito, mas também do direito ao seu
exercício.
As normas de legitimação extraordinária ou de condução autônoma do processo –
conferidas apenas ao Ministério Público e às associações formais constituídas há mais de um
ano – não excluem o jus postulandi ordinário, uma vez que não se pode subtrair do titular do
direito o acesso à jurisdição e cabe ao Poder Judiciário, por meio da função interpretativa,
superar o empecilho procedimental e garantir às pessoas e grupos de pessoas que tenham
interesses jurídicos eventualmente convergentes o direito inalienável à prestação
jurisdicional.
Para tanto, basta que se use o conteúdo normativo do art. 5º, XXXV, da Constituição
Federal, que confere ao titular do direito lesado o acesso à tutela da jurisdição, desde que
demonstre interesse de agir, conforme estatuem os artigos 2.º e 3.º do Código de Processo
Civil, um dos corolários da teoria da personalidade.
Ressalte-se, em reforço ao argumento, que a nossa ordem jurídica contempla a
possibilidade da legitimação de pessoas naturais no exercício de seus direitos políticos para a
defesa de interesses difusos da sociedade. É o caso, por exemplo, da ação popular que vise à
proteção do patrimônio público.
Ora, se um cidadão ou um grupo de cidadãos pode conduzir autonomamente demanda
de tamanha complexidade e dimensão, inclusive com efeito erga omnes, é fácil concluir que
nada obsta a que esse mesmo cidadão possa reivindicar direito de que é titular, sob pena de
incongruência que viola o princípio hermenêutico da integração.
Assim, é de todo plausível que a função interpretativa conferida ao poder jurisdicional
solucione a lacuna, permitindo que, mesmo não mencionados expressamente na LACP,
possam os cidadãos ter acesso à justiça na postulação de interesses que lhes são próprios.
Enfim, da reflexão analítica aqui exposta, é plausível chegar à conclusão sintética de
que a legitimação extraordinária (substituição processual ou condução autônoma do
processo), prevista na Lei da Ação Civil Pública, especialmente no art. 5º, I, não exclui a
legitimação ordinária, que pode ser operada pelos titulares do direito, no caso as pessoas
naturais.
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