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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO LINO JOSÉ DE SOUZA CHÍXARO EXIGIBILIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS E LEGITIMAÇÃO ORDINÁRIA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA Recife – PE 2006

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Page 1: Disserta o de Mestrado Lino Ch xaro 2006 vers o corrigida ... · de uma retrospectiva dos direitos humanos na ordem jurídica nacional e ... 1.1 Síntese da evolução histórica

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

LINO JOSÉ DE SOUZA CHÍXARO

EXIGIBILIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS E LEGITIMAÇÃO ORDINÁRIA NA

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Recife – PE 2006

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LINO JOSÉ DE SOUZA CHÍXARO

EXIGIBILIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS E LEGITIMAÇÃO ORDINÁRIA NA

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito do Recife / Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco como requisito para obtenção do grau de Mestre. Área de concentração: Direito Público Linha de Pesquisa: Neoconstitucionalismo: Direitos Fundamentais. Justiça e Processos Constitucionais. Orientador: Prof. Dr. João Maurício Leitão Adeodato.

Recife – PE

2006

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Ficha Catalográfica

(Catalogação na fonte realizada pela Biblioteca Central / UFAM)

C543e

Chíxaro, Lino José de Souza

Exigibilidade dos direitos sociais e legitimação ordinária na Ação Civil Pública / Lino José de Souza Chíxaro. - Recife: UFPE, 2006.

101 F. Dissertação de Mestrado – Centro de Ciências

Jurídicas/Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2006.

1. Judicialidade 2. Legitimidade 3. Direito 4. Justiça I.Título

CDU 342.7(043.3)

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Para Denise, Bruna e Júlia.

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��� ������� ��� � �� ������ ����� �������������������������������������������������������������������������� BOBBIO, NORBERTO. A Era dos Direitos. São Paulo: Campus, 1992.

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RESUMO

CHÍXARO, Lino José de Souza. Exigibilidade dos direitos sociais e legitimação ordinária

na Ação Civil Pública. 2006. 101 fls. Dissertação de Mestrado – Centro de Ciências

Jurídicas/Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.

Este trabalho tem por objetivo, em primeiro plano, reforçar o argumento acerca da efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais na ordem jurídica brasileira. A partir de uma retrospectiva dos direitos humanos na ordem jurídica nacional e internacional, evidencia-se que a consagração desses direitos constitui uma etapa evolutiva do constitucionalismo clássico, de cunho liberal, para o constitucionalismo moderno, de perfil nitidamente socializante. Passo seguinte, o estudo aborda a questão da exigibilidade dos direitos sociais, haja vista a força normativa e a auto-aplicabilidade da Constituição Federal, inclusive pela recepção dos documentos jurídicos internacionais de que o Brasil é signatário. Definindo os direitos sociais, econômicos e culturais como interesses individuais homogêneos indisponíveis, a questão da sua judicialidade é tratada no âmbito da legislação instrumental que disciplina o processo coletivo, a Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), em cuja abordagem se fazem críticas ao critério por ela adotado no tocante à legitimidade, pois torna exclusiva a legitimação extraordinária ou autônoma de instituições e associações civis e exclui a postulação ordinária inerente aos próprios titulares do direito. Sustenta-se que a legitimação extraordinária exclusiva é injurídica, uma vez que não encontra respaldo na teoria da personalidade, que confere inalienabilidade ao direito subjetivo do titular do direito material. Também é sustentada a tese da inconstitucionalidade da exclusão dos legitimados ordinários, posto que, no caso dos direitos homogêneos indisponíveis, há uma nítida coincidência do interesse coletivo e do individual, não havendo razão jurídica plausível para afastar o direito à jurisdição dos seus próprios titulares, especialmente porque o acesso à justiça constitui direito fundamental da pessoa humana. Por essas razões, o trabalho propugna pelo acesso à justiça de pessoas e grupos de indivíduos que, mesmo não reunidos em organizações formais, tenham eventualmente interesses e necessidades sociais convergentes.

Palavras-chave: Judicialidade. Justiça. Direito. Legitimidade.

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ABSTRACT

CHÍXARO, Lino José de Souza. The exigibility of social rights and ordinary legitimation

in the public civil action. 2006. 101 fls. Dissertação de Mestrado – Centro de Ciências

Jurídicas/Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.

This work has for objective, in the foreground, to reforce the effectiveness of the social, economic and cultural rights in the Brazilian legal order. From a retrospective of the human rights in the national and international legal order, it is proven that the establishment of these rights constitutes an evaluative stage from the classic constitutionalism, of liberal nature, to the modern constitutionalism, of clear socialization profile. The study also approaches the question of the liability of the social rights, in the view of the normative force and the auto-applicability of the Federal Constitution, including the reception of international legal documents of which Brazil is signatory. Defining the social, economic and cultural rights as unavailable homogeneous individual interests, the question of its judicial Dade is treated in the scope of the instrumental legislation that disciplines the collective process, Law 7,347/85 (Law of the Public Civil action), whose approach is criticized here concerning its legitimacy, for it turns exclusive the extraordinary or independent legitimation of institutions and civil associations and excludes the inherent usual postulation to the own holders of the right. It is also supported that the exclusive extraordinary legitimation thesis is not legal, once it doesn’t find endorsement in the theory of the personality, which confers inalienability to the subjective right, of the citizen who holds the material right. Also the thesis of the unconstitutionality of the ordinary legitimated exclusion is supported, although, in the case of the unavailable homogeneous rights, there is a clear coincidence between the collective and the individual interests, existing no reasonable legal motive to the right to remove jurisdiction from its own holders, especially because the access to justice constitutes a basic right of the human being. For these reasons, the work advocates the access to justice of people and groups of individuals that, even if not congregated in formal organizations, have eventual convergent interests and social necessities.

Key-word: Judiciality. Justice. Right. Legitimation.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................... 01

1 AS GARANTIAS SOCIAIS NO CONTEXTO DO DIREITO INTERNACIONAL. 08

1.1 Síntese da evolução histórica dos Direitos Humanos...................................................... 08

1.2 O Garantismo Social como nova tendência do Constitucionalismo............................... 10

1.3 A crise do positivismo: os Direitos Sociais na dimensão da dignidade humana e a

necessidade de sua proteção efetiva.....................................................................................

14

2 OS DIREITOS SOCIAIS NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO.............. 21

2.1 Direitos Sociais: da marginalidade à normatividade formal........................................... 21

2.2 Os Direitos Sociais coletivos na Constituição Federal: o salto axiológico.................... 26

2.3 A Questão da incorporação à ordem jurídica nacional dos Direitos Sociais tutelados

internacionalmente: reforço ao argumento da sua exigibilidade.........................................

28

3 PRESSUPOSTOS DE EXIGIBILIDADE DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS

NO BRASIL CONTEMPORÂNEO..................................................................................

30

3.1 Pressuposto sociológico: a massificação da exclusão social.......................................... 30

3.2 Pressuposto político: a erradicação da pobreza como devir da República.................... 33

3.3 Pressupostos jurídico-filosóficos: a perspectiva meta-individual do direito

contemporâneo....................................................................................................................

38

3.4 Pressuposto jurídico: a efetividade dos direitos fundamentais sociais.......................... 40

4 TUTELA DOS DIREITOS SOCIAIS.......................................................................... 45

4.1 A classificação dos Direitos Sociais segundo a sua exigibilidade................................ 45

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4.2 A proteção dos Direitos Sociais pelo Judiciário: a separação dos poderes, a reserva

do possível e o mínimo existencial......................................................................................

46

4.3 A heterovinculação dos poderes e o papel do Judiciário na proteção dos Direitos

Sociais..................................................................................................................................

52

4.4 A tarefa do Judiciário na proteção do conceito substancial de Democracia.................. 56

5 A POSTULAÇÃO METAINDIVIDUAL DOS DIREITOS SOCIAIS....................... 63

5.1 A classificação dos Direitos Sociais como interesses individuais homogêneos

indisponíveis.........................................................................................................................

63

5.2 Exigibilidade-legitimidade dos Direitos Sociais: análise crítica dos critérios de

legitimação vigentes.............................................................................................................

64

5.3 A representatividade adequada no Direito Comparado: a Class Action e o litígio de

interesse público...................................................................................................................

70

5.4 A dimensão substancial do Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição: o acesso à

justiça como Direito Fundamental inalienável....................................................................

73

5.5 A questão do conceito de sujeitos de Direitos: por uma legitimação individual ou

litisconsorcial nas ações coletivas........................................................................................

78

CONCLUSÃO: OS TITULARES DE DIREITO COMO SUJEITOS DE DIREITO. 81

REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 86

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INTRODUÇÃO

Na abertura do Simpósio Nacional sobre os Direitos do Homem, realizado em 1967,

em Turim, Norberto Bobbio anteviu um dos grandes dilemas do Direito contemporâneo, ao

afirmar que o “problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não era

mais de fundamentá-los, e sim de protegê-los”.

Sem meias palavras, o pensador italiano foi ao cerne da questão, ao declarar que:

[...] o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los.1

A presente dissertação insere-se nessa linha de preocupação, pois, além de reforçar o

argumento acerca da exigibilidade dos direitos sociais, econômicos e culturais, tem por objeto

específico refletir sobre a legitimação da sociedade para o procedimento coletivo instituído

pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública – LACP), posto que a

atual sistemática estabelece óbices processuais para que os cidadãos possam acionar a

jurisdição na defesa daqueles direitos.

O ponto central, portanto, é refletir sobre o modelo atual. A crítica dá-se basicamente

sobre o critério que a LACP adotou para definir a representatividade adequada da sociedade,

que, nesse caso, incide apenas sobre instituições ou pessoas jurídicas que atuam

autonomamente ou por substituição processual.

1 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. São Paulo: Campus, 1992. p. 25.

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O trabalho demonstrará que a adoção desse critério em caráter exclusivo é 1)

inconstitucional, porque fere o princípio da inafastabilidade da jurisdição, aqui compreendido

como uma garantia fundamental; e 2) injurídico, na medida em que desconsidera a teoria da

personalidade, que assegura aos titulares de direitos a legitimação ordinária (e originária) para

a defesa dos seus interesses, independentemente dos legitimados extraordinários.

O ponto de vista defendido neste trabalho tem, portanto, uma clareza lógica, no

sentido de se contrapor ao critério de legitimação rigorosamente estabelecido na LACP, a

qual, ao definir os legitimados não ordinários como únicos detentores da via postulatória,

veda que a pessoa natural ou o litisconsórcio destas possam propor ação coletiva

reivindicatória de direitos sociais.

O presente estudo tem uma razão de ser concreta. Hoje, quase cem por cento das ações

coletivas relacionadas à proteção dos direitos sociais são viabilizadas pelo Ministério Público

e, embora essa estatística reflita a ascensão institucional do MP após a redemocratização,

traduz também a inibição da sociedade para ela própria manejar o espaço judicial. Um dos

empecilhos é exatamente a exclusão das pessoas naturais do rol dos legitimados para a ação

coletiva, cuja proposição depende da existência dos chamados grupos intermediários2 formais,

organizações não governamentais que demandam farta burocracia e elevados custos para

existirem juridicamente3.

Inicialmente e com o objetivo de permitir ao leitor melhor compreensão do tema,

convém esclarecer que não se abordarão os direitos sociais relativos ao trabalhador, tendo em

vista que o controle judicial de tais garantias se dá por meio do processo trabalhista individual

ou coletivo, ou, ainda, pelas instâncias corporativas.

2 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: juizados especiais e ação civil pública. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 92. 3 A estatística mencionada neste parágrafo foi constatada mediante pesquisa realizada por Paulo Cezar Pinheiro Carneiro e é abordada na obra de que trata a nota de rodapé n. 2.

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O ponto de reflexão será sobre os direitos sociais relativos à educação, à saúde e à

assistência social (as garantias previdenciárias têm regime jurídico próprio), estes últimos

tratados pela Constituição Federal como direitos relativos à seguridade social.

Como parte da doutrina e da jurisprudência4 ainda resiste à idéia da efetividade, da

exigibilidade e da judicialidade dos direitos sociais constitucionais, entendeu-se oportuna e

necessária uma digressão histórica acerca desses direitos, de modo a facilitar a compreensão

de que esses pressupostos – sem os quais não se poderia falar de titularidade de direito e de

legitimação – decorrem da assimilação, pelo novo pacto constituinte de 1988, de conteúdos

normativos internacionais, sobretudo os contemporâneos ao pós-guerra.

Para tanto, iniciar-se-á a abordagem com uma retrospectiva dos direitos humanos na

ordem jurídica internacional, para evidenciar que a consagração dos direitos econômicos,

sociais e culturais constitui uma etapa evolutiva do constitucionalismo clássico, de cunho

liberal, para o constitucionalismo moderno, de perfil nitidamente socializante.

O passo seguinte será sobre os direitos sociais na concepção jurídica contemporânea,

fortemente influenciada pelas conseqüências do pós-guerra e do neocolonialismo, quando as

mais absurdas violações à dignidade humana influenciaram no discurso de negação do

racionalismo positivista e quando também os direitos humanos são concebidos com base na

noção de integralidade, indivisibilidade, inalienabilidade e progressividade.

Como não poderia deixar de ser, o trabalho abordará a evolução das garantias sociais

no constitucionalismo brasileiro, explicitando que, na perspectiva histórica e sociológica, a

herança escravocrata e latifundiária influenciou no pensamento jurídico do Império e da

4 Refiro-me genericamente aos doutrinadores mais dogmáticos que justificam a não eficácia das normas constitucionais através de institutos auto-referentes, de que são exemplos clássicos os conceitos de “normas constitucionais programáticas”, “normas constitucionais de eficácia contida” etc., como também à forte tendência que ainda existe no judiciário, que resistem à exigibilidade dos direitos sociais, sob o argumento da não auto-aplicabilidade dos preceitos constitucionais correlatos, em detrimento às novas concepções hermenêuticas, que defendem o princípio da normatividade constitucional.

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República Velha, que negou reconhecimento e até marginalizou socialmente o exercício

desses direitos.

Nesse caminho evolutivo, verificar-se-á que os direitos sociais só passam a integrar a

ordem jurídica, e ainda muito timidamente, na Constituição de 1934, muito menos como um

pacto político pioneiro, e, sim, como um arranjo da antiga oligarquia para manter-se no poder.

Este estudo evidencia, também, que as Constituições seguintes, não obstante terem

recepcionado garantias sociais dos indivíduos, eram extremamente indolentes no sentido da

sua efetividade, incrustando na cultura jurídica nacional a forte sensação de insinceridade

constitucional, o que se explica pela impermeabilidade do patrimonialismo e do autoritarismo,

muito marcantes na história da vida política nacional.

Contudo, e até para servir de argumento central deste estudo, tratar-se-á da

radicalidade democrática que inspirou a Constituição de 1988, para demonstrar que o seu

texto é fortemente inspirado na teoria da justiça social, consagrada pelo Pacto Internacional

sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, e pela Declaração sobre o Direito

ao Desenvolvimento, de 1986, ambos das Nações Unidas.

Por motivos históricos, a teoria da justiça social consolidou-se internacionalmente

como o pensamento constituinte de uma nova mentalidade de Estado, advinda da mitigação

dos dogmas liberais, em cujo contexto o Direito assume papel preponderante na proteção e

fruição dos direitos sociais, elevando-se o interesse social acima dos interesses individuais e

até mesmo dos públicos (estatais), o que reforça consideravelmente o sentido da sua

exigibilidade jurídica no plano interno das nações.

Do exame da Constituição de 1988 em cotejo com esses documentos jurídicos

internacionais, também é possível extrair a consagração dos critérios de imediatidade e

progressividade na fruição dos direitos sociais pela via jurisdicional.

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A imediatidade nasce como um contraponto ao formalismo positivista, pois impõe que

os Estados nacionais confiram efetividade imediata a certos direitos sociais, mitigando a

hermenêutica dogmática que os tratava (e ainda os trata em certa parte) como fruições de

natureza programática (?), de que é exemplo a teoria da eficácia das normas constitucionais.

A progressividade, por seu turno, impõe-se como um princípio de realidade, de modo a

adequar a norma às dificuldades orçamentárias dos países subdesenvolvidos e possibilitar que

outras categorias de direitos sejam prestados progressivamente.

Com a intenção de melhor contextualizar o tema e para evitar uma análise meramente

doutrinária e dogmática, tomou-se à liberdade de apresentar pressupostos extralegais de

exigibilidade dos direitos sociais.

Recorre-se à questão da massificação da exclusão social como fenômeno sociológico e

seu potencial lesivo em termos de desintegração da institucionalidade democrática, para

discorrer sobre a ética da prioridade dos direitos sociais coletivos.

Utiliza-se o objetivo político da República de promover o bem comum, para consagrar

o compromisso político do País para com a ordem internacional, no sentido da proteção dos

direitos humanos quanto à perspectiva da sua inalienabilidade e integralidade.

Discorre-se sobre a interdependência social nas sociedades complexas

contemporâneas, para justificar o deslocamento do ethos jurídico da perspectiva individual

para a visão metaindividual, com o que se entende encontrar justificação filosófica para a

exigibilidade dos direitos sociais.

Enfim, já num sentido mais estrito, ressalta-se a efetividade dos direitos fundamentais

sociais com base na teoria da normatividade dos princípios constitucionais, de modo a

respaldar juridicamente o argumento da exigibilidade dos direitos sociais no Brasil

contemporâneo.

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Capítulo especial é reservado aos aspectos jurídicos concernentes à tutela judicial dos

direitos sociais, levando-se em conta os mecanismos legais de que se dispõe, com base numa

visão crítica acerca da (in)adequação dos nossos instrumentos procedimentais, de perfil

liberal-formalista, sobretudo no que tange à tutela dos direitos coletivos, como já aqui

abordado.

Em razão da precariedade dos instrumentos procedimentais hoje disponíveis no

sistema jurídico nacional, optou-se por explorar as possibilidades de adequação de mediante

o exercício de exegese que lhe permita mais flexibilidade aplicativa e maior instrumentalidade

concreta, com o propósito declarado de alargar o horizonte da legitimidade ativa aos cidadãos

e, portanto, ampliar concretamente a efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais

previstos na Carta da República.

Embora pareça simples, na prática judicial o problema ganha contornos complexos.

Tome-se como exemplo corriqueiro, contudo ilustrativo, a necessidade de uma determinada

comunidade local acionar a jurisdição objetivando ampliar a oferta de ensino fundamental,

negada no espaço político.

Nesse caso, havendo a inércia do Ministério Público e inexistindo associação civil

formalmente constituída, tal como exige a LACP, estarão os titulares do direito material (a

comunidade como um todo) impedida de exercer o direito subjetivo, frustrando-a de usufruir

direito social garantido constitucionalmente.

De outro modo, se a mesma comunidade pretender a anulação de uma despesa

administrativa que entender lesiva ao interesse público educacional, como por exemplo, a

aquisição de fardamento em vez de livros didáticos, apenas um ou mais cidadãos podem

manejar a jurisdição, fazendo-o em nome de toda a sociedade, por via da ação popular.

A contradição é visível, pois se é possível que cidadãos sejam substitutos processuais

na defesa de interesses difusos, que são amplos e atingem indeterminadamente o tecido social,

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constitui um paradoxo intransponível proibi-los de postular os próprios direitos, que são

homogêneos, embora divisíveis individualmente.

Essa visão não condiz com a ordem natural das coisas, pois o Direito, por sua função

ontológica, não pode contemplar tal anomalia, tal imperfeição lógica, a ponto de obstar que o

titular natural de um direito, e de um direito tão relevante como o da educação, possa pelo

menos postulá-lo no espaço judicial.

O presente trabalho pretende, com efeito, superar esse dilema. Para tanto propõem seja

aceita a legitimação das pessoas, ou de grupos de pessoas, para a postulação dos direitos

sociais, econômicos e culturais no âmbito da LACP, mesmo que esta negue, por exclusão, tal

legitimidade.

O argumento incontestável que para tanto se apresenta encontra respaldo no próprio

sistema jurídico-constitucional, que assegura o acesso pleno da cidadania à jurisdição, quanto

mais em se tratando de direito inerente à dignidade humana, que é apoiado por normas

constitucionais auto-aplicáveis e por vasto acervo histórico e normativo internacional, daí a

razão do resgate histórico do constitucionalismo.

Vale dizer: os direitos sociais, econômicos e culturais são de tamanha grandeza no

sentido humano e de vasta dimensão social, que ganham a dimensão jurídica da

fundamentalidade, não podendo ser mitigados por regras instrumentais motivadas por

orientação dogmática.

Por isso é que, ao final, propugna-se pela tese da viabilidade da legitimação individual

ou litisconsorcial popular, que será assegurada por exercício hermenêutico não tão elástico,

uma vez que será a própria normatividade sistêmica da ordem constitucional que fornecerá

elementos para tal posicionamento, como alhures demonstrado neste trabalho.

Só assim será possível resolver essa aparente contradição jurídica no âmbito do

processo coletivo.

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1 AS GARANTIAS SOCIAIS NO CONTEXTO DO DIREITO INTERNACIONAL

1.1 Síntese da evolução histórica dos Direitos Humanos

As idéias mais compatíveis com a noção de um direito social rudimentar surgiram na

Carta Magna de 1215, da tensão entre os interesses econômicos do baronato inglês e o

absolutismo de João Sem Terra, de que é exemplo ilustrativo o princípio de que o governo daí

por diante deveria significar algo mais do que o domínio arbitrário de qualquer homem, e o

costume e a lei deveriam erguer-se acima do próprio rei.

Uma reflexão mais acurada dessa disposição fornece algumas conclusões importantes,

tais como:

• Apesar do contexto desfavorável, próprio da cultura absolutista, o postulado

constitucional persegue a segurança jurídica ao indicar a lei e os costumes como

fontes objetivas de tutela das relações entre o poder e a sociedade;

• Contudo, a noção de princípio é bastante sugestiva, ao recomendar ao governo um

significado, que é o de respeito ao homem enquanto sujeito de direitos,

inimaginável no período precedente.

Muito mais adiante, já no século XVIII, tendo os movimentos filosóficos iluministas

como precursores, dois marcos históricos unem novamente a política e o direito em nome de

postulados humanistas.

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As Revoluções Americanas (1776) e Francesa (1789), ambas de cunho libertário e

nacionalista, concebem as respectivas Declarações dos Direitos do Homem e dão marcha

efetiva à era dos direitos do homem, concebidos como tal para protegê-lo do próprio Estado.

É fundamental essa abordagem, para demonstrar que, na era moderna, os direitos

humanos nasceram com as revoluções nacionalistas e se consolidaram como postulados do

indivíduo em desfavor desse mesmo poder estatal, a partir de quando nasce a idéia da

dimensão humana do Estado, o povo. Contudo, os documentos constitucionais que

expressam essa tendência eram essencialmente compromissários em relação às fruições

sociais, fixando-se basicamente na garantia dos direitos civis clássicos, de cunho liberal.

Embora o constitucionalismo dos séculos XVIII e XIX sejam praticamente omissos

em termos de direitos sociais, sua importância reside, dentre outros, no fato de incorporar à

ordem jurídica incipiente a racionalidade do Iluminismo, ferramenta que seria indispensável

para a consolidação de um Direito auto-referente e positivo, por via do qual foi possível

estabelecer importantes paradigmas jurídicos ligados às garantias civis clássicas, porta pela

qual os direitos sociais, econômicos e culturais ingressariam no período subseqüente.

Melhor explicando, essa racionalidade, herdada da ruptura filosófica iluminista,

passaria a ser nos períodos subseqüentes o engenho, o germe nos quais e a partir dos quais

seriam formuladas as criticas à concepção teológica do passado e permitidas as possibilidades

para o nascimento dos conceitos de igualdade jurídica, participação política, liberdade

econômica, secularização do poder, humanização penal, etc., todos eles indispensáveis para

configuração do constitucionalismo social dos períodos seguintes.

Especialmente no século XIX, com a consolidação do capitalismo europeu, esse

racionalismo jurídico exerceria papel fundamental, pois as tensões entre o capital e o trabalho

possibilitaram uma produção jurídica menos opressiva, fundada nos conceitos iluministas

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clássicos, fato que muito contribuiu para que as garantias sociais pudessem ser contempladas

como direitos subjetivos.

1.2 O Garantismo Social como nova tendência do Constitucionalismo

O garantismo social só se sedimenta no constitucionalismo moderno com as teorias

políticas socialdemocratas e socialistas, de que são exemplos marcantes, no primeiro caso, a

Constituição de Weimar de 1919 e, no segundo, a Constituição Mexicana de 1917 e a

Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador da Rússia de 1918.

É oportuno lembrar, por dever de justiça para com a História, que, antes mesmo dessas

Constituições socializantes, a Carta francesa de 1848, repositária dos movimentos

revolucionários utópicos, já trouxera alguns fragmentos de direitos que se podem definir

como humano-sociais, ao preconizar o “direito ao ensino primário gratuito, à educação

profissional e à igualdade das relações entre patrão e empregado”5.

Como se percebe, somente no século XX, os direitos sociais passam a ser garantidos

constitucionalmente e, mais, assumem o status de direitos fundamentais sob a proteção do

Estado, em franca oposição ao liberalismo capitalista.

Exposição de Bobbio nesse sentido é oportuna:

Da crítica das doutrinas igualitárias contra a concepção e a prática liberal do Estado é que nasceram as exigências de direitos sociais, que transformaram profundamente o sistema de relações entre o indivíduo e o Estado e a própria organização do Estado, até mesmo nos regimes que se consideram continuadores, sem alterações bruscas, da tradição liberal do século XIX.6

5 CF. FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas Públicas: a responsabilidade do administrador e o Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 31. 6 BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. p. 42 et seq.

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É importante destacar que tanto a proteção dos direitos sociais, quanto a sua elevação

à categoria de direito fundamental devem ser analisadas, levando-se em conta a forte carga

ideológica que as inspirou. Não seria exagero afirmar, portanto, que muitos desses direitos se

situavam no plano da ideologia, do idealismo.

Todavia, Wolkmer7 faz justiça, ao constatar que a Constituição alemã é a que mais

traduz “a modernidade e extensão de objetivos que transcendem ao próprio espírito

socializante” daquela época, o que lhe confere uma posição bem mais avançada em termos de

normatividade, próprio do modelo socialdemocrata em emergência, quando já se percebe a

separação entre os direitos civis e as garantias sociais.

Questão que não pode passar despercebida é a de que os direitos sociais nasceram no

contexto europeu como um contraponto ao movimento socialista que rondava o continente.

Tal fato é fundamental para explicar um certo compromisso político-institucional quanto a sua

eficácia, que, incipiente de início, se tornou progressivamente real pela luta dos movimentos

sociais e corporativos no curso da evolução histórica. O passo seguinte foi a sua pacificação

em termos normativos.

O Estado assume, então, papel preponderante na produção jurídica8, pois a ele cabe, a

partir de então, a incumbência de ser o esteio e, ao mesmo tempo, o regulador do modelo

capitalista.

No contexto de tensão entre os interesses econômicos em conflito – tendo de um lado

a expansão do capitalismo industrial e do outro a ascensão do movimento operário – a história

vê o surgimento de duas concepções também opostas de Estado, com a consolidação da

Rússia socialista. Nesse período, há uma grande produção jurídica mundial, visando a

7 WOLKMER, Antonio Carlos. Constitucionalismo e Direitos Sociais no Brasil. São Paulo: Acadêmica, 1989. p. 19 et seq. 8 Conforme MARTINS, Vinício C., no artigo Estado de Direito Social. Disponível em: <www1.jus.com.br> p. 3. Acesso em: 28 nov. 2005.

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responder às expectativas desse novo agente social, o proletariado, notadamente em face das

projeções catastróficas da Segunda Grande Guerra.

Ilustram a lista a Proclamação das Quatro Liberdades, de 1941, de Roosevelt, que

contempla o direito das pessoas de não passarem necessidade e de não sentirem medo; A

Declaração das Nações Unidas, de 1942; as conclusões da Conferência de Moscou, de 1943;

de Dumbarton Oaks, de 1944 e de São Francisco, de 1945, todas com forte tendência para a

justiça social.

Aqui se consolida, na história jurídica internacional, a passagem do direito

individual, de que era portador o liberalismo clássico, para o direito social, nitidamente ligado

à ordem econômica, uma vez que a força do trabalho passa a ser vista como um novo

componente das relações de produção9.

O garantismo social expresso nesses novos ordenamentos constitucionais respondem

ao novo contexto político-econômico, pois entra em crise o modelo liberal, passando a

sociedade a exigir um Estado mais atuante em termos de satisfação das expectativas sociais.

É nesse período que se sedimenta o garantismo como destacada corrente do

pensamento jurídico e quando se estrutura a concepção acerca das dimensões dos direitos, que

seriam muito importantes para a consolidação da noção de exigibilidade dos direitos sociais.

A chamada teoria garantista, cujo representante mais destacado é Luigi Ferrajoli, surge

então como uma resposta à lacuna que existia (e ainda existe) entre a produção jurídica

abstrata do Estado e a efetividade prática dessas normas, inserindo na discussão a questão da

essência, sem a qual a norma não pode ser considerada válida.

O pensamento de Ferrajoli tem dupla importância na compreensão da exigibilidade

dos direitos sociais.

9 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 285 et seq.

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Primeiro, porque considera que a validade do direito não decorre apenas da satisfação

dos procedimentos formais legislativos e judiciais, entendendo indispensável que exista o

elemento substancial, ou seja, conteúdos, valores etc., que devem ser extraídos dos direitos

fundamentais.

Nesse sentido, os direitos fundamentais passam a balisar, a presidir, a inspirar a

validade da norma, compreensão que é muito importante para conferir aos direitos sociais o

seu caráter de fundamentalidade, tirando-os da dimensão meramente material para a

espiritual, entendida esta como tradução da dignidade humana.

O segundo ponto importante do pensamento do autor é a noção de que o garantismo só

pode ser realmente aferido em face do universo observado. Se a análise se prende apenas o

campo normativo, ter-se-á uma medida, mas se a reflexão incidir sobre a aplicabilidade

prática da norma, certamente a medida será outra bem menor.

Essa nova concepção foi indispensável para que o fenômeno jurídico ganhasse uma

face mais real, menos auto-referente, com o que foi possível acrescentar ao universo

doutrinário uma referência original e peculiar, que é a realidade concreta acerca aplicação das

leis numa determinada comunidade. Isto contribuiu em muito para a crítica ao modelo

normativista inerte, lançando mais argumento sobre a necessidade de proteção das garantis

sociais10.

Nesse período, quando se consolida o Estado do Bem-estar social, é que se sedimenta

aquilo que Bobbio mais tarde chamaria de direitos de segunda geração, nos quais os sujeitos

de direitos estão inseridos num contexto social e assim devem ser vistos. Com efeito, o

exercício desses direitos não depende da omissão do Estado, como é o caso das liberdades

10 FERRAJOLI, Luigi. O Direito como sistema de garantias. In: OLIVEIRA JR., José Alcebíades de (Org.). O novo em Direito e política. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 100 e seguinte. MAIA, Alexandre. O garantismo jurídico de Luigi Ferrajoli: notas preliminares. Disponível em <www.jusnavegandi.com.br>. Acesso em 28 nov. 2005.

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civis clássicas. Muito ao contrário, estão vinculados sine qua non à ação positiva estatal, o

que reforça mais ainda a idéia da exigibilidade dos direitos sociais, econômicos e culturais.

1.3 A crise do positivismo: os Direitos Sociais na dimensão da dignidade humana e a

necessidade de sua proteção efetiva

É no século XX que o positivismo se ergue como o veículo científico da produção

jurídica do Estado intervencionista, embora esse mesmo positivismo auto-referente e

racionalista não tenha acompanhado as mudanças drásticas ocorridas na segunda metade do

século.

Utilizando-se como exemplo o holocausto e a brutalidade do neocolonialismo,

verifica-se que não poderia haver maior desmistificação da racionalidade e do idealismo

positivista. A violência e o preconceito colocaram em xeque a própria condição humana, do

que resultou a incorporação, no discurso jurídico-político, de conceitos espirituais como a

dignidade, a solidariedade, e abriu-se o horizonte para o devir da justiça além do campo

social, mas na perspectiva do homem enquanto homem, na sua dignidade essencial, marca dos

novos direitos meta-individuais.

Embora o normativismo kelsiano tenha sido um salto significativo em relação ao

direito natural, é forçoso reconhecer que o fenômeno jurídico no período pós-guerra já não

podia encontrar fundamentação e legitimação apenas nos seus pressupostos lógico-formais,

como defendido pelo autor.

Kelsen deixa bastante claro que a sua Teoria Pura do Direito “não leva a ordem

jurídica positiva a uma ‘ordem superior’ – algo como uma ordem moral ou um direito

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natural”11. A pretexto de afastar qualquer influência do idealismo sobre a sua teoria da

dogmática, o fundador da escola normativista termina também por mitigar a importância de

outras ordens superiores que viriam a surgir como contraponto ao sofrimento humano, que

não eram naturais, mas inerentes ao conceito de humanidade.

Kelsen parece que não percebeu o conteúdo aberto dos princípios e direitos

fundamentais.

Essas ordens morais superiores, que viriam a gerar uma nova hermenêutica, baseada

nos princípios fundamentais, apareceram com nitidez na Declaração Universal dos Direitos do

Homem, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948,

que instituiu uma ordem internacional fundada na humanidade do homem, misto de culpa e

irresignação.

Em que pesem os indícios do prenúncio da guerra fria, a consciência coletiva

internacional legou uma Declaração Universal significativamente avançada, e respondeu à

barbárie racionalista com o princípio jurídico da inalienabilidade dos direitos civis, políticos,

econômicos, sociais e culturais, de importância capital para o constitucionalismo, que viria a

instituir-se no pós-guerra.

Flávia Piovesan afirma que a junção desses direitos sob o pálio da inalienabilidade foi

indispensável para a compreensão de que:

[...] sem a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias formais, enquanto sem a realização dos direitos civis e políticos, ou seja, sem a efetividade da liberdade entendida em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos, sociais e culturais carecem de verdadeira significação12.

11 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 23. 12 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional. São Paulo: Max Limonad.1997. p. 161 et seq.

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Outra concepção igualmente relevante e bastante expressiva no texto da Declaração

Universal é a de que os:

[...] direitos humanos são uma unidade interdependente e indivisível, no sentido de que o bem-estar individual resulta, em parte, de condições econômicas, sociais e culturais, bem como da visão de que o governo tem obrigação de garantir adequadamente tais condições para todos os indivíduos13.

A Declaração é, por isso, categórica ao instituir uma enorme lista de garantias sociais

e, entre elas, cabe destacar o direito à qualidade de vida, à saúde, à educação e a proteção à

maternidade e à infância, à invalidez, à velhice, entre outros.

Todavia, somente em meados da década de 1960, é que a Declaração foi

regulamentada, por via do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e

do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, conferindo-se normatividade real a essas

categorias de direitos.

Merece destaque o fato de o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais ter recepcionado o princípio da progressividade, segundo o qual os Estados-

membros deveriam adotar medidas com vistas a alcançar progressivamente a plena

concretização dos direitos nele previstos, mediante a mobilização do máximo de recursos

possível.

Esse princípio será fundamental para a compreensão da exigibilidade dos direitos

sociais nos países subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil, conforme se verificará em

capítulo próprio deste estudo, mas a sua justificação deriva, em verdade, das dificuldades de

reconstrução da Europa, arrasada após a Segunda Guerra Mundial.

Outro documento inovador do ponto de vista da proteção dos direitos sociais é a

Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, de 1986, pois, ao mesmo tempo em que

13 LIMA JR., Jaime Benvenuto. Os Direitos humanos, econômicos, sociais e culturais. Rio de Janeiro: São Paulo: Renovar, 2001. p. 30.

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reafirma os pactos anteriores, recorre ao conceito de desenvolvimento integral, reconhecendo

que a pessoa humana é o sujeito central desse processo e essa política de desenvolvimento

deveria assim fazer do ser humano o principal participante e beneficiário.

Mais uma vez, aqui se faz notar algumas preocupações precípuas das Nações Unidas.

Em primeiro lugar, porque assegura que a igualdade de oportunidade para o desenvolvimento

é uma prerrogativa tanto das nações quanto dos indivíduos, responsabilizando os Estados-

membros quanto à promoção e proteção dos direitos sociais da pessoa humana e confere

inalienabilidade ao direito ao desenvolvimento.

Contudo, o mais importante dessa Declaração em termos jurídicos é o estabelecimento

de que o direito ao desenvolvimento dos indivíduos é um direito humano, cuja proteção há de

ser considerada com toda a sua força de normatividade e obrigatoriedade.

A questão da exigibilidade dos direitos sociais ganha relevância jurídica inegável com

o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, também denominado de Protocolo de San Salvador,

de 1988, pois, a partir dele, há uma nítida distinção entre os direitos de realização progressiva

e os de exigibilidade imediata, com o que certas garantias passam a ser exigíveis com integral

força normativa.

Este Pacto é importante em termos jurídicos porque concebe os direitos sociais com

forte dose de reserva legal e garante expressamente aos indivíduos importantes direitos

relacionados à segurança social, à saúde, ao meio ambiente sadio, à alimentação, à educação,

à proteção à família, à criança, aos idosos e aos deficientes, entre outros.

O Protocolo Adicional também é de grande importância para a compreensão de que as

garantias sociais

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[...] constituem um todo indissolúvel que encontra sua base no reconhecimento da dignidade da pessoa humana, pela qual exigem uma tutela e promoção permanente com o objetivo de alcançar sua vigência plena, sem que jamais se possa justificar a violação de uns em aras da realização de outros14.

Isso significa que os Estados-partes reconhecem e assumem a obrigação de promover

os direitos sociais, de acordo com o grau de desenvolvimento de cada um, mas com o máximo

de recursos disponíveis, conferindo aos indivíduos o direito de exigi-los, ainda que

progressivamente, no limite da capacidade orçamentária do poder público.

Como é fácil perceber, a exigibilidade dos direitos sociais não se centra na discussão

do direito em si, posto que já reconhecido e positivado, porém na forma de sua fruição, de

acordo com a capacidade financeira do Estado, assim cabe ressaltar que, em nível

internacional, o Estado-parte também pode ser compelido a cumprir as disposições do

Protocolo, mediante o sistema de petições previsto na Convenção Americana de Direitos

Humanos.

Nesse sentido, o Protocolo é bastante elucidativo:

Os Estados-partes só poderão estabelecer restrições e limitações ao gozo e exercício dos direitos estabelecidos no presente Protocolo mediante leis promulgadas com o objetivo de preservar o bem-estar geral dentro de uma sociedade democrática, na medida em que não contradigam o propósito dos mesmos15.

Vale dizer que os direitos sociais só podem ser restringidos se o seu exercício

comprometer o bem-estar geral e desde que tal situação seja demonstrada em lei no sentido

estrito.

Mas a história não evoluiu linearmente! A derrocada do mundo soviético e, com ele, a

sucumbência da ideologia socialista trouxeram um reflexo sobre o qual o mundo jurídico

ainda não refletiu devidamente, visto que, com o fim do chamado socialismo real, ruiu o

14 A declaração de princípio consta do Protocolo de San Salvador, 1988. Disponível em: <www.onu-brasil.org.br>. Acesso em: 28 mar. 2006. 15 Idem.

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ponto de tensão ideológica entre o ocidente e o leste europeu e, com ele, a expectativa de um

estado paternalista, unívoco e hegemônico na consecução do bem comum.

A utopia da supremacia da política como meio de satisfação do bem-estar deixa de

existir e com ela morre a sujeição dos homens à noção de massa. Essa mudança de

paradigma resgata a idéia do cidadão no campo político e social e, no âmbito jurídico, reforça

a dimensão do homem como sujeito de direitos, capaz de exigir do Estado providências de

natureza social, econômica e cultural.

Floresce aqui, também, a forte tendência de que o Direito pode ser um instrumento de

transformação social, como pondera Vinício C. Martinez, para quem nesse contexto histórico

o Direito passa a merecer uma significação social mais ampla, haja vista ser uma significativa

expressão regulatória e protetiva dos direitos humanos16.

É conveniente registrar que esses eventos históricos, aqui utilizados como

paradigmáticos na evolução do pensamento jurídico-constitucional da modernidade, tiveram

alcance internacional, daí por que influenciaram significativamente a cultura normativa dos

Estados nacionais (ocidentais, especialmente), sendo fundamentais para a compreensão do

universalismo jurídico dessa época.

Resultou daí que o constitucionalismo pós-moderno buscou incorporar, de modo geral,

os principais postulados que caracterizam cada época: as liberdades clássicas, do pensamento

liberal; as garantias sociais, do socialismo e da social-democracia; e os direitos fundamentais

da pessoa humana, herança do pensamento pós-estruturalista da contemporaneidade.

A perspectiva social confunde-se com a perspectiva humana, esta, agora, não mais

enredada no paradigma do liberalismo, tampouco da massificação socialista. Viu-se a

fundação de uma nova utopia que vem impregnando o constitucionalismo contemporâneo,

16 MARTINS, Vinício C. Estado Democrático de Direito Social. Disponível em: <www.jusnavegandi.com.br>. Acesso em: 31 mar. 2006.

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com a ascensão dos conceitos de solidariedade, no horizonte da coletividade, e de dignidade,

no horizonte da individualidade.

Essa digressão histórica bem demonstra que, tal como Gomes Canotilho17 se referiu à

Constituição portuguesa pós-salazarista de 1976, também nós, brasileiros, não estivemos

sós.

A consagração da exigibilidade dos direitos sociais, econômicos e sociais decorre da

expansão axiológica dos princípios gerais do Direito Internacional contemporâneo, que

impregnaram a normatividade constitucional do País, notadamente a partir do pacto

constituinte de 1988, como uma espécie de condição inerente ao próprio Estado de Direito

recém-inaugurado.

Melhor dizendo, a forte dimensão conferida pela nossa ordem jurídica aos direitos

sociais coletivos e à sua efetividade decorre da abertura dessa mesma ordem ao Direito

Internacional, pois, como anota Celso Lafer, os princípios incorporados ao constitucionalismo

nacional “estão bem próximos dos que basicamente regem, de acordo com o Direito

Internacional Público, ex vi do art. 2.º da Carta da ONU, a comunidade internacional”18.

17 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2002. p. 217 et seq. 18 LAFER, Celso. A Internacionalização dos Direitos Humanos. São Paulo: Manole, 2005. p. 11 et seq.

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2 OS DIREITOS SOCIAIS NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO

2.1 Direitos Sociais: da marginalidade à normatividade formal

Inicialmente, é indispensável registrar que, por conta da herança colonial escravocrata,

que perdurou como estigma durante o modelo republicano latifundiário e autoritário, a

questão social no Brasil sempre foi tratada pelo pensamento conservador dominante como

uma transgressão à ordem.

Cerqueira Filho aborda esse tema com singeleza e rara profundidade, demonstrando

que todos esses ranços culturais, notadamente aqueles justificadores da discriminação racial,

empurraram a questão social no Brasil para a ilegitimidade, ligados à idéia de anarquia, de

conjuração, de desrespeito e desestabilização do sistema19.

A plausibilidade dessa constatação é inequívoca e se expressa de forma nítida na

Constituição Republicana de 1891, cujo texto é absolutamente omisso em relação aos direitos

sociais da população, que assumem a condição de inexistência e de vazio jurídico.

Essa idéia preconceituosa explica por que nos custou muito entender a

correspondência entre os direitos sociais e os direitos humanos.

A noção jurídica rudimentar dos direitos sociais no Brasil só surge, então, com ruptura

das novas elites emergentes com a República Velha e o coronelismo autoritário. Influenciada

19 CERQUEIRA FILHO, Gilásio. A questão social no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. p. 60 et seq.

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pela pressão da chamada Revolução Constitucionalista de 1932, a Constituição de 1934, pela

primeira vez, introduz normas sobre a ordem econômica e social.

Como se vê, foi muito tardia a influência das concepções socializantes da Europa no

constitucionalismo brasileiro. Além de tardia, a influência foi fragmentária. Os direitos sociais

não tinham a marca da luta pela emancipação e pela justiça social. O Estado intervencionista

dessa década e seguintes cumpria o seu papel de coordenação do novo modelo econômico

emergente, mas faltava no contexto a classe operária, o que se explica pelo precário estágio de

desenvolvimento industrial do País.

Os direitos sociais no Brasil nascem, portanto, com a marca do paternalismo do

Estado populista, por isso se restringiam apenas a algumas garantias laborais e

previdenciárias, ao lado de direitos políticos igualmente tênues e sempre no plano individual.

Somente com a Carta de 34 se introduz, no sistema constitucional, o direito ao

trabalho e a proteção à velhice e à invalidez, o que demonstra o atraso da mentalidade

jurídico-política de então, especialmente em questões que já haviam sido constitucionalizadas,

no continente americano, na Carta Mexicana do início do século, que, há quase duas décadas,

já dedicara atenção especial ao que denominou de “prevision social”20, sistema de fruições

destinado aos trabalhadores e aos cidadãos em geral.

Contudo, a modernidade emergente do Estado brasileiro não resistiu ao modelo

político oligárquico, que se descuidou de empreender as mudanças na sua estrutura

socioeconômica, no ensino e na atenção à saúde, bem como a reforma fundiária, fato que

muito contribuiu para o inexpressivo grau de consciência emancipadora da população, que

perdura até os dias atuais.

Essa dubiedade entre normatividade x efetividade é assim abordada por Wolkmer:

20 Vide por exemplo o Capitulo I, da Carta Magna brasileira de 1934, que trata dos direitos fundamentais e o art. 123, da Carta Magna Mexicana, que especificamente, cuida “Del Trabajo y de Prevision Social”. Disponível em: < www.dhnet.org.br>. Acesso em: 23 dez. 2005.

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Chega-se à conclusão de que o texto de 34 demonstra, nos parâmetros de seu hibridismo, o entreabrir de uma complexa ambigüidade onde, de um lado, parece tratar-se de um pacto político verdadeiramente pioneiro e avançado, de outro, a ilusão de um conteúdo que não transmite exatamente a nova roupagem. Quando se constata que isso é igualmente um recurso da antiga ordem oligárquica para manter-se no poder, o efeito de sua novidade acaba perdendo seu valor21.

Parece que a ideologia da insinceridade constitucional, legada do golpe imperial à

Constituinte de 1823, lançou marcas profundas no novo constitucionalismo.

Entretanto, à guisa de síntese, é inegável que a expansão capitalista como fator

econômico, o movimento constitucionalista revolucionário como fator político e a edição da

Carta de 34 como produção jurídica foram capitais para colocar o problema social na ordem

do dia, tirando-o da marginalidade22. Mais que isso, é forçoso reconhecer que, com esse novo

marco constitucional, os direitos sociais ganham os primeiros contornos de direitos coletivos,

paradoxalmente a partir de uma visão paternalista e distorcida da função estatal.

Embora a análise desse período seja eminentemente política (fugindo um pouco do

objetivo deste estudo), crê-se ser importante empreendê-la em poucas palavras, como forma

de explicar o quanto – mais uma vez – a Constituição foi eficaz como instrumento de

violência do poder, por um lado; e como quimera, em termos de efetividade dos direitos civis

e sociais, por outro, reforçando-se na consciência jurídica do País a chamada ilusão

constitucional.

Na ditadura varguista, a luta pelos direitos sociais assume outra feição cruel, na

medida em que é confundida com postulados políticos anarcocomunistas, o que, de um lado,

aprofunda a crise da sua efetividade no marco jurídico, mas, de outro, aumenta a tensão entre

os segmentos sociais organizados e o Estado autoritário.

Paradoxalmente, é no Estado Novo que se desencadeiam dois fenômenos de

significativa importância para a disseminação dos problemas sociais e, conseqüentemente, de

21 WOLKMER, Antonio Carlos. Constitucionalismo e Direitos Sociais no Brasil. São Paulo: Acadêmica, 1989. p. 130. 22 LIMA JR., Jaime Benvenuto. Os Direitos humanos, econômicos, sociais e culturais. Rio de Janeiro: São Paulo: Renovar, 2001. p. 52.

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políticas públicas tendentes a minimizá-los, abrindo caminho para a exigibilidade dos direitos

sociais gerais, como se verá a seguir.

A política de substituição das importações lançou as bases da industrialização

brasileira e, como conseqüência, gerou um expressivo e irrefreável processo de urbanização

do País. Nesse período e por conta da necessidade de melhorar o padrão da mão-de-obra

nacional, o ensino sofreu investimentos maciços. A educação foi estimulada e ampliada,

garantindo-se escolas de qualidade à população.

É nesse período também que a demanda por moradia, saúde e demais serviços

públicos passa a constituir necessidade básica, fato que contribuiu significativamente para a

formação de uma certa consciência em torno da sua exigibilidade, limitada porém ao campo

da institucionalidade, até mesmo porque a ditadura tratava com violência os movimentos

sociais.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, começaram no País os movimentos pela

redemocratização e, com eles, uma extraordinária recomposição dos princípios

constitucionais, com a reformulação de Constituições existentes ou promulgações de outras

(Itália, França, Alemanha, Iugoslávia, Polônia...), que influenciaram a reconstitucionalização

do Brasil23.

A Constituição de 1946, resultante desse processo histórico, resgatou de certo modo o

ideário da Carta de 34, consagrando direitos civis fundamentais, como o da liberdade e o da

igualdade perante a lei, restaurando os postulados do liberalismo clássico e refundando a

noção de inviolabilidade dos direitos humanos.

Mas a sua melhor contribuição para o constitucionalismo foi, sem dúvida, uma certa

tendência, ainda que não manifestamente declarada, para tornar eficazes alguns direitos

sociais, o que se explica pela visão humanista que se contrapunha aos horrores da guerra.

23 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 81.

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O ensino oficial, patrocinado pelo Estado, passa a ser assegurado gratuitamente em

todos os níveis para quem provasse insuficiência de recursos, assim como foi garantida a

assistência educacional em favor de alunos necessitados, para propiciar-lhes condições de

eficiência escolar, legitimando o acesso dos excluídos à fruição de tais direitos em face do

poder público.

Foi também assegurado o direito de greve, que, embora limitado ao campo sindical,

seria fundamental para incorporar nas lutas laborais reivindicações de caráter geral, sobretudo

nos anos 50 e 60, especialmente porque a Constituição obrigava as empresas a proporcionar

ensino primário aos empregados e a seus filhos.

Outro ponto que se considera importante registrar é o da expressa proteção ao

desempregado, uma inovação que inaugurou no constitucionalismo a noção de compensação

social do Estado em face da exclusão resultante do desemprego urbano.

O constitucionalismo do período ditatorial, especialmente nas décadas de 60 e 70,

embora mantendo e até ampliando as garantias sociais, de que é exemplo a noção de função

social da propriedade e a sua limitação para efeito de reforma agrária, contribuiu muito pouco

em termos de efetividade dos seus princípios, quanto mais dos direitos sociais deles

constantes.

Contudo, entende-se que a contribuição negativa foi realmente grande em termos de

cultura constitucionalista, na medida em que faz repetir na história, pela força das armas, o

desrespeito à ordem constitucional democrática, reinstituindo a noção da insinceridade

constitucional no que tange aos direitos fundamentais, sem abrir mão dessa mesma ordem

para violar as liberdades públicas.

Além disso, entende-se que a ideologia da segurança nacional, muito presente nas

Constituições de 67 e 69, aumentou consideravelmente a cultura jurídica de que a

Constituição deve estar a serviço do Estado e da governabilidade, não do seu componente

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humano. A doutrina e a jurisprudência brasileiras desse período distorcem o positivismo e, em

nome dele, negam efetividade aos princípios constitucionais e aumentam mais ainda a idéia

da ilusão constitucional.

Entretanto, os movimentos políticos de resistência democrática fazem uso dos

postulados constitucionais para a defesa dos direitos civis, sobretudo no campo das liberdades

individuais e encontram amparo em algumas instâncias judiciais (até mesmo no Superior

Tribunal Militar), o que de certo modo mantém viva a idéia de supremacia da Constituição,

fato que não será desprezível para a retomada do Estado Democrático de Direito.

Porém, a fruição dos direitos sociais enquanto direito subjetivo não encontra respaldo

jurídico-político nesse período, mas a sua negação se confunde com a luta cívica em torno dos

direitos humanos e passa a fazer parte da agenda política da redemocratização.

Mais recentemente, após um longo período de arbítrio político, fundado na hipertrofia

estatal e na legalidade autoritária, o Brasil explodiu em termos de intenção democrática, que

se expressou de forma evidente no propósito de proteger a sociedade desamparada, mediante

normas constitucionais edificadoras da cidadania perdida e da dignidade esquecida.

Como talvez não ocorrera em nação alguma do Planeta, a Constituição pátria fez

verdadeira profissão de fé quanto aos direitos sociais dos trabalhadores e dos cidadãos em

geral, especialmente em relação aos mais vulneráveis: as crianças, os idosos, os deficientes e a

família de modo geral.

2.2 Os Direitos Sociais coletivos na Constituição Federal: o salto axiológico

O artigo 6º da Carta Federal é exemplo nítido da preocupação do constituinte para

assegurar, genericamente, uma ampla gama de direitos sociais conferidos aos cidadãos, entre

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os quais se pode destacar o direito à educação, à saúde, à moradia e ao lazer, a proteção da

infância e da maternidade, a assistência aos desamparados.

O Título VIII da Constituição é aberto com a norma programática de que a “ordem

social [...] tem como objetivo o bem-estar e a justiça social”24, para, em seguida, determinar

ao poder público que universalize a seguridade e a assistência social, que garanta o acesso

universal e igualitário aos serviços de saúde e ao sistema educacional, enfim, que ofereça

proteção integral aos brasileiros.

Os deficientes mereceram proteção especial, como se verifica das normas do artigo

203, V, da Constituição Federal, que lhes assegura assistência social, assim como os artigos

208, III, 227 e 244, que impõem ao Estado garantir-lhes educação especial e programas de

integração social.

A legislação infraconstitucional cuidou de instituir, dentre outros, o Sistema Único de

Saúde, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o Estatuto da Criança e do Adolescente e,

mais recentemente, o Estatuto do Idoso, todos com forte conteúdo protetivo, do que se conclui

que o País efetivamente dispõe de normas legais que asseguram abstratamente direitos sociais

de relevância inequívoca para a inclusão social e o exercício dos postulados básicos da

cidadania.

Contudo, o mais importante a ressaltar na Constituição de 1988 é o fato da mesma

pretender superar o fenômeno histórico da ilusão constitucional, estabelecendo, como se viu,

considerável grau de eficácia às normas definidoras dos direitos sociais, conferindo-lhes

dimensão de imponibilidade.

Essa noção de eficácia é importante seja para permitir o acionamento da jurisdição,

tanto no plano individual quanto coletivo, seja ainda, e muito significativamente, para impedir

24 CF/88, art. 193 et seq.

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que normas infraconstitucionais venham a mitigar o direito a tais fruições positivas por parte

do Estado, sob pena de inconstitucionalidade25.

2.3 A questão da incorporação à ordem jurídica nacional dos Direitos Sociais tutelados

internacionalmente: reforço ao argumento da sua exigibilidade

Insta ressaltar que, antes de se fazer um exame acerca dos aspectos normativos da

Constituição Federal em termos de direitos humanos sociais, se torna indispensável examinar

a dinâmica da relação jurídica entre a ordem internacional dos direitos humanos sociais e o

Direito nacional, quanto a saber como os acordos e tratados se incorporam ao direito interno e

como são harmonizados do ponto de vista hermenêutico.

O entendimento do Supremo Tribunal Federal, construído antes do advento do novo

pacto constitucional, é de que os tratados e acordos internacionais se incorporam no Direito

nacional com status paritário ao da norma infraconstitucional, que a doutrina denomina de

sistema monista nacionalista26.

No tocante aos direitos humanos sociais, cremos que a posição do STF é inconciliável

com a nova realidade constitucional. Uma exegese mediana do § 2º do artigo 5º, combinado

com o art. 4º, II, todos da Constituição Federal, levar-nos-á à conclusão de que a prevalência

dos direitos humanos se expressa de uma forma tridimensional, a saber:

• Pela fundamentalidade dos direitos positivados na própria Constituição;

• Pela fundamentalidade daqueles direitos que decorrem dos princípios por ela

adotados; e 25 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 1991. p. 250. 26 O tema é abordado com profundidade por REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 104 et seq.

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• Finalmente, pela fundamentalidade daqueles direitos decorrentes dos tratados

internacionais.

Isso significa que as normas relativas a direitos humanos sociais, previstos em tratados

de que o Brasil seja parte, são normas constitucionais. O sistema mudou, então, para o

monismo internacionalista, que entendemos aplicável apenas quando a norma internacional

versar sobre direitos humanos sociais.

Desse modo, todos os direitos previstos nos acordos e tratados de que o país é parte,

uma vez submetidos ao sistema procedimental de controle e formalização, passam a

incorporar-se à ordem constitucional interna, cuja exigibilidade e judicialidade dependerão da

dimensão subjetiva, que lhes é conferida pela ordem jurídica internacional.

A esse respeito, o comentário de Celso Lafer é esclarecedor:

Entendo que os tratados internacionais de direitos humanos anteriores à Constituição de 1988, aos quais o Brasil aderiu e que foram validamente promulgados, inserindo-se na ordem jurídica interna, têm a hierarquia de normas constitucionais, pois foram como tais formalmente recepcionadas pelo § 2º. do art. 5º. Não só pela referência nele contida aos tratados, como também pelo dispositivo que afirma que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem os decorrentes do regime e dos princípios por ele adotados27.

27 LAFER, Alberto Filippi Celso. Presença de Bobbio, a América espanhola, Brasil, península ibérica. São Paulo: UNESP, 2005.

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3 PRESSUPOSTOS DE EXIGIBILIDADE DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS NO

BRASIL CONTEMPORÂNEO

3.1 Pressuposto Sociológico: a massificação da exclusão social

O colonialismo brasileiro incrustou na sociedade pátria um perfil profundamente

excludente, como demonstra a história nacional. Contudo, é no século XX que se desenvolve

e se consolida o mais expressivo evento sociológico, ou seja, a massificação profunda da

exclusão social.

A expansão do capitalismo industrial, no período de 1950 a 1970, foi acompanhada da

rápida e descontrolada urbanização, o que permitiu um movimento rumo à estruturação do

mercado de trabalho, mas a sociedade salarial, consolidada nos países desenvolvidos, não foi

estabelecida no País, pois as reformas clássicas do capitalismo – agrária, tributária, social e

outras – não foram realizadas concomitantemente28.

Resultou daí uma sociedade apartada entre os incluídos pelo mercado de trabalho

organizado, que dispõe de fruições sociais ofertadas pelo próprio sistema de emprego

(cidadania regulada)29, de que são exemplos o próprio salário, os benefícios previdenciários,

os ganhos complementares na área de alimentação, transporte, e outros, e os excluídos,

despossuídos do progresso econômico e de cidadania social.

28 SCHIFFER, Sueli Terezinha Ramos; DEÁK, Csaba (orgs.). O Processo de Urbanização no Brasil. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2004. 29 Idem.

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Mesmo após décadas de tentativas, o Brasil não vem obtendo êxito na luta contra a

profunda desigualdade social, que se expressa por meio da miséria generalizada e da crescente

violência urbana e rural e, com freqüência, violam o Estado de Direito Democrático.

Recentemente, a Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e a Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP lançaram o Atlas da Exclusão Social no

Brasil30, segundo o qual apenas duzentos municípios brasileiros, dentre o total de 5.507,

apresentam padrão de vida adequado, o que leva à conclusão de que a exclusão social é uma

realidade que se apresenta no País inteiro.

Os números revelados pelo Atlas demonstram uma situação de verdadeira calamidade

social: 42% dos municípios brasileiros experimentam grave situação de exclusão social, e

25% da população vivem em condições precárias de habitação, com baixa renda, sem

emprego formal e baixo acesso à educação.

A pesquisa revela um dado extremamente importante, que é o aumento crescente da

violência urbana, expressa pelo número estarrecedor dos homicídios, dos crimes sexuais e

delitos contra o patrimônio, cuja causa mais pertinente é o agudo abismo social existente entre

ricos e desfavorecidos, que coexistem em franca contradição social e em evidente oposição

em termos de perspectiva de vida.

É importante mencionar que o Atlas da Exclusão Social é um documento bem mais

abrangente que o Índice de Desenvolvimento Humano, usado pela Organização das Nações

Unidas – ONU, em razão dos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos.

O IDH leva em conta apenas os fatores de longevidade, educação e renda, enquanto o Atlas

incorporou na sua metodologia questões ligadas à qualidade de vida, tais como a violência,

grau de desigualdade, nível de escolaridade, emprego formal e outros.

30 POCHMANN, M.; AMORIM, R. (org.). Atlas da exclusão social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003.

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Levando-se em conta esses novos fatores humanos e sociais, evidencia-se, no Brasil,

uma tendência evolutiva do processo de exclusão, pois a percentagem de excluídos aumentou

de 42,6%, na década de 80, para 47,3%, na década de 9031.

Dado revelador, de grande interesse ao objeto do presente estudo, é a escalada

incontrolável da violência, que atenta contra os direitos humanos, entre eles, o principal, a

vida, conspurcando a institucionalidade e transgredindo a ordem jurídica vigente. Nos anos

80, o índice de homicídios no País era de 11,7 por 100 mil habitantes; elevou-se para 26,5 nos

anos 2000, significando que a taxa de criminalidade violenta simplesmente dobrou em duas

décadas32.

Outro fator de registro indispensável para subsidiar o argumento que se pretende

empreender neste estudo é a manutenção, nas três décadas passadas, do elevado índice de

desemprego, na faixa dos 21%, demonstrando que parcela significativa da população não

dispõe de garantias sociais próprias da cidadania regulada pelo mercado de trabalho formal e,

portanto, carece de condições dignas de vida.

É lógico perceber que a grave crise de renda/violência se aprofundou

consideravelmente nos anos 90, período em que houve uma implementação do pensamento e

da política neoliberais, que foi hegemônica em relação aos princípios norteadores da república

contemporânea, proposta de forma substantiva pelo pacto constituinte, muito embora nesse

período tenha havido melhorias importantes nas áreas de saúde e educação, com a instituição,

pela via constitucional, do Sistema Único de Saúde – SUS e do Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento Ensino Fundamental – FUNDEF, ambos de caráter universalista e

progressivo.

31 O Atlas demonstra que à criminalidade violenta gerada pela exclusão social aliou-se um outro importante fator criminógeno, que é o crime organizado. Em muitos locais as falanges criminosas substituem as próprias funções estatais de segurança e especialmente de assistência social, pondo em risco a própria utilidade do Estado Democrático de Direito. 32 Os dados foram demonstrados em pesquisa realizada pela organização não-governamental Viva Rio, em convênio com o Ministério da Justiça, disponível em: <www.vivario.org.br>. Acesso em: 04 abr. 2006.

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Essa contradição é fundamental para demonstrar que existem direitos sociais

constitucionais realmente efetivados, no entanto existem outros, igualmente importantes,

relegados a plano secundário.

Isto decorre da visão distorcida de que as chamadas políticas públicas se situam

apenas no campo restrito da discricionariedade político-administrativa e só ganham sentido de

eficácia se e quando se transformam em ação governamental, sem que nada se possa fazer no

campo da judicialidade.

Essa forma de interpretar o ordenamento constitucional é uma herança pesada, que

vem desde a crise de 1823 e perdurou na história do nosso constitucionalismo durante muito

tempo. Trata-se de uma “crise constituinte que aflige os países subdesenvolvidos ou em

desenvolvimento, cujos sistemas políticos se mostram impotentes para manter a

Constituição”33 naquilo que diz respeito ao seu componente mais frágil, o povo, constituindo

uma ameaça à própria legitimidade da democracia formal.

3.2 Pressuposto político: a erradicação da pobreza como devir da República

Não é preciso recorrer à História para verificar que a Constituição Brasileira de 1988 é

paradigmática, uma espécie de acerto de contas com o autoritarismo e a ambigüidade

presentes ora em uma, ora em outra carta constitucional.

O preâmbulo é uma profissão de fé em relação ao futuro:

33 BONAVIDES, Paulo. O Poder Judiciário e a Democracia. Política Democrática, Brasília, n. 1, 2001.

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Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social [...].

Celso Ribeiro Bastos anota que os preâmbulos constitucionais, embora sem conteúdo

normativo, têm a função de “facilitar o processo de absorção da Constituição pela

comunidade. São palavras pelas quais o constituinte procura fincar a legitimidade do

Texto”34.

Sem pretender ingressar na discussão sobre a natureza jurídica dos preâmbulos

constitucionais, que para alguns heterodoxos chega mesmo a ter força normativa, é bom ver

que eles não podem ser analisados como mera formalidade. Entendemos que o conteúdo é

essencialmente político e expressa o compromisso como devir, não no sentido reflexivo,

muito ao contrário, e, sim, no sentido do exercício dos direitos assegurados na Constituição.

Essa compreensão é reforçada com apoio na História. Os preâmbulos das

Constituições contemporâneas não podem ser analisados com os olhos voltados para o

passado, pois o cunho estritamente formalista das constituições modernas é típico da

concepção individualista da modernidade, ao contrário da era contemporânea, em que o

direito constitucional ressurge comprometido com a realização humana na perspectiva

coletiva.

Esse aspecto é ressaltado por José Afonso da Silva, quando afirma que a Carta de

1988 “É a Constituição Cidadã [...] porque teve ampla participação popular na sua elaboração

e especialmente porque se volta decididamente para a plena realização da cidadania [...]”35,

fato que lhe confere uma espécie de legitimidade extraordinária, além daquela advinda da

própria Constituinte.

34 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 141-142. 35 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 344.

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O que pretendeu a Nação, por conseguinte, não foi apenas conformar um novo Estado

Democrático, mas sim um Estado Democrático de Direito, sedimentado na coexistência entre

os direitos civis do constitucionalismo clássico e as garantias sociais que os completam.

Nesse sentido, parece evidente que o constituinte propôs mudanças paradigmáticas

para o presente e desafios substantivos para o futuro, no que diz respeito às liberdades

públicas e à justiça social.

Em primeiro lugar, porque conferiu fundamentalidade tanto aos direitos civis quanto

aos direitos sociais, fato inusitado na história do nosso constitucionalismo; em segundo,

porque considerou esses direitos e garantias imutáveis (cláusulas pétreas), senão por um novo

consenso político36, por último, porque não logrou exaurir a lista de direitos sociais,

contemplando outros que visem à melhoria da condição social da população37.

A partir dessas singularidades, é forçoso reconhecer que o consenso político que

constituiu a República adotou intencionalmente a teoria da justiça social como um dos seus

fundamentos, projetando o bem de todos como um dos seus objetivos precípuos.

Embora tudo isso pareça óbvio agora, é fundamental rememorar o nosso passado

constitucional, para demonstrar o quanto essa mudança de concepção é radical no

constitucionalismo brasileiro.

Aliás, quando a Constituição Federal enuncia os fundamentos da ordem social, ela o

faz de modo categórico e expresso, nos seguintes termos: “Art. 193. A ordem social tem como

base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça social”. Trata-se, como se

vê, de princípio constitucional impositivo, do que resulta a obrigação de cumprimento.

E essa radicalidade, advinda do consenso representativo, constitui o pressuposto

político que justifica a exigibilidade dos direitos sociais no Brasil, ainda que dentro de uma

perspectiva progressiva, pois é projeto do Direito, e do Direito Constitucional Contemporâneo

36 Art. 60, § 4.º da CF/88. 37 Art. 7.º, caput, da CF/88.

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em especial, ser “[...] a um só tempo o reflexo de uma sociedade e o projeto de atuar sobre

ela. Afinal, se o Direito é uma realidade social, é também uma teoria ativa da sociedade, uma

avaliação do que existe, cuja meta é determinar o que deverá existir”38.

Com a adoção da teoria da justiça social, torna-se desnecessário repisar que a

Constituição Federal de 1988 conferiu ao componente humano do Estado, o povo, dupla

qualidade, isto é, de cidadão com direitos e deveres próprios da comunidade jurídico-política,

e também de sujeito de direitos, num sentido mais profundo que aquele da tradição

rousseauniana, na medida em que tomou o povo não apenas como elemento constitutivo do

Estado, mas o dotou de capacidade exercitante na esfera de direito público39.

Como elemento constitutivo do Estado, mas o dotou de capacidade exercitante na

esfera de direito público40.

Entenda-se: A qualidade subjetiva de uma comunidade, no caso a comunidade

nacional brasileira, é essencial para a unidade do Estado, pois essa unidade só será plena se o

sentido de povo for explicitado mediante normas que lhe assegure direitos subjetivos, que, no

sistema clássico, eram os de não-submissão ao Estado, e, no direito contemporâneo, são o do

exercício das prerrogativas fundamentais do ser humano.

Ora, ao entender que a democracia é, no mundo contemporâneo, o regime político

fundado na soberania popular e no respeito aos direitos humanos (entendidos na sua dimensão

integral de inviolabilidade da dignidade da pessoa), parece óbvio que a completude do Estado

Democrático de Direito só se aperfeiçoa com o respeito aos direitos sociais (ou pelo menos

com a sua reivindicação).

Como afirmou Bobbio, o fundamento da democracia como oponente das autocracias é

o reconhecimento da “pessoa”, que é, ao mesmo tempo, moral e pessoal-social, portanto

38 ASSIER-ANDRIEU, Louis. O Direito nas Sociedades Humanas. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 11. 39 Sobre o tema, ver DALLARI, Dalmo. Elementos da Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 1989. 40 Idem.

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indivisível, fenômeno que empresta sentido à vinculação dos estados democráticos com o

respeito aos direitos fundamentais, aí incluídas, necessariamente, as garantias sociais41.

Concorda-se com Clèmerson Merlin Clève, quando afirma que a Constituição pátria:

[...] antes de surpreendentes mudanças pelas quais passou o mundo ultimamente, motivo pelo qual as condições estruturais para a realização do discurso constitucional igualmente mudaram (de modo veloz),... mas que de qualquer modo ficou acertado naquele momento que o Estado seria instrumento da comunidade republicana brasileira para a construção da sociedade livre, justa e solidária42.

Em termos normativos, a Constituição Federal se expressa com ênfase quanto à

concepção contemporânea da justiça social, como justificadora da democracia, ao definir que

o Estado Democrático de Direito tem como fundamento, dentre outros, a cidadania e a

dignidade da pessoa humana43. Além disso, projeta um futuro substantivo, ao estabelecer que

a República tem por objetivo construir uma sociedade livre, justa e solidária, como também

erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos44.

Outro aspecto jurídico-político igualmente relevante é o compromisso que a República

assume com a comunidade internacional no sentido da prevalência dos direitos humanos e da

cooperação para o progresso da humanidade45.

Essa concepção, ligando os direitos humanos às relações internacionais, é uma

demonstração inequívoca de que a Nação não apenas se filiava ao pensamento inspirador dos

tratados e pactos do pós-guerra, mas também reconhecia seus conteúdos normativos, que, no

contexto transnacional, já tinham há muito sedimentado as noções de integralidade,

inalienabilidade e progressividade dos direitos fundamentais, como foi observado no Capítulo

anterior.

41 BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 501 et seq. 42 CLÈVE, Clèmerson Merlin. O desafio de efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais. Disponível em: <www.mundojuridico.adv.br> Acesso em: 22 nov. 2005. 43 Art. 1.º da CF/88. 44 Art. 3.º da CF/88. 45 Art. 4.º da CF/88.

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Em suma, o pensamento prevalente no consenso constituinte era o da integração do

País ao contexto das relações internacionais, cujos documentos, também recepcionados pela

Constituição Federal, tinham por objetivo a inviolabilidade dos direitos humanos,

econômicos, sociais e culturais.

3.3 Pressupostos jurídico-filosóficos: a perspectiva metaindividual do Direito Contemporâneo

O liberalismo clássico, fundado na perspectiva individualista, dominou a cena política

e jurídica dos séculos XIX e XX, período em que o mundo vê nascer e se consolidar a ordem

capitalista, mas os movimentos socializantes do início do século passado puseram na ordem

do dia internacional a noção de direitos sociais, como já abordamos.

Contudo, somente na segunda metade do século XX, com o final da Grande Guerra,

um novo paradigma se impõe, com a redescoberta da dignidade essencial do ser humano,

agora não mais na perspectiva ideológica do direito natural ou do positivismo, mas sim com

base em um novo racionalismo, fundado na razão humanizada.

O homem não se tornou melhor após os horrores da guerra, contudo é indisfarçável

que a culpa pela violência da guerra o fez perceber a necessidade de haver uma

ressignificação da ética humana.

Essa mea culpa aparece indelével, por exemplo, na Declaração Universal dos Direitos

Humanos de 1948, quando considera que o “[...] desprezo e desrespeito pelos direitos do

homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade”46, ou,

ainda, quando reafirma a fé nos direitos do homem.

46 Cf. Preâmbulo da Declaração Universaldos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: <www.onu-brasil.org.br>. Acesso em: 07 abr. 2006.

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Ao grafar a expressão Humanidade com H maiúsculo, a consciência internacional

quis, por assim dizer, conferir a ela o conceito de sujeito, ultrajada que foi pela barbárie de

uma outra humanidade, esta certamente com h minúsculo. Ao invocar a FÉ nos direitos

humanos, não esconde o esforço para conferir à dignidade humana valor transcendental.

Essa evocação à culpa permeia todas as décadas. Até mesmo na Declaração sobre o

Direito ao Desenvolvimento de 1986, instituída em um contexto internacional já marcado pela

distensão, é perceptível a repulsa à violência, agora expressa pelo horror ao colonialismo, ao

neocolonialismo, ao apartheid, cuja eliminação era contributo para o desenvolvimento de “[...]

grande parte da humanidade”47.

Aliás, já em 1975, a Igreja advertia que:

Na era contemporânea, entre os vários sinais dos tempos, não pode passar para segundo plano a crescente atenção que em todas as partes do mundo se dá aos direitos do homem, seja devido à consciência cada vez mais sensível e profunda que se forma nos indivíduos e na comunidade em torno de tais direitos ou à contínua e dolorosa multiplicação das violações desses direitos48.

Isso demonstra um inquestionável deslocamento do ethos do direito internacional

rumo à humanidade, sobre a qual repousará uma forte carga axiológica, que lhe atribui ao

mesmo tempo essencialidade (no sentido de profundidade), universalidade e pluralidade (no

sentido de alcance), paradigmas que haverão de influenciar com muita densidade os

documentos jurídicos nacionais.

Na contemporaneidade, percebe-se, como afirma Bobbio, a aproximação forçada (este

último termo) das duas tradições do direito, o liberal e o social, “[...] formando juntas um

único desenho em defesa do homem, que compreende os três bens supremos da vida, da

liberdade e da segurança social”49, que podemos traduzir como direito à qualidade de vida.

47 Cf. Preâmbulo da Declaração sobre o Direito ao desenvolvimento, 1986. Disponível em: <www.onu-brasil.org.br>. Acesso em 07 abr. 2006. 48 Cf. BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 220. 49 Ibidem, p. 220.

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É de se notar, portanto, que a qualidade de vida depende de exigibilidade e da fruição

dos direitos sociais, que encontra plena justificação na pós-jusfilosofia, na medida em que,

numa perspectiva coletiva, promove a edificação da cidadania preconizada pela ordem

jurídica internacional, sem a qual não se alcançará o estágio de desenvolvimento necessário,

tampouco a primazia dos direitos humanos, tal como colimada nessa mesma ordem.

Cabe aqui uma intercorrência necessária. Vive-se hoje numa sociedade complexa, com

elevado grau de interdependência social, onde já não cabe a idéia do homem autárquico50.

Nesse tipo de organização social, as necessidades humanas não afetam apenas o indivíduo,

mas os grupos sociais e a sociedade. Disso resulta que a sociedade só será viável do ponto de

vista do seu desenvolvimento com a perspectiva de satisfação das necessidades dos

indivíduos.

Isso é fundamental para reforçar a intenção do constituinte, o que dá sentido jurídico-

político para a realização dos direitos sociais, ainda que progressivamente.

3.4 Pressuposto jurídico: a efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais

A exigibilidade dos direitos sociais tem ligação indissociável com a teoria

constitucional, porque essas garantias, ainda que tomadas sob a perspectiva progressiva, como

é de se realizar no Brasil, são absolutamente necessárias para a legitimação do Estado

Democrático de Direito.

No caso brasileiro, a Constituição Federal não faz distinção entre a natureza jurídica

dos direitos sociais e dos direitos civis clássicos. Muito ao contrário, reúne-os na mesma

50 ROBLES, Gregório. Os Direitos Fundamentais e a ética na sociedade atual. São Paulo: Manole, 2005. p. 35.

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posição de fundamentalidade, do que se conclui que o comando normativo do § 1º do seu art.

5º, segundo o qual as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação

imediata, aplicam-se em relação aos direitos prestacionais.

Parece correto o entendimento de Clèmerson Merlin Clève, ao afirmar que há um grau

de determinidade maior nos chamados direitos de defesa, o que implica a sua aplicação mais

imediata, pois isso impede que o “Estado venha a obstaculizar do direito pelo cidadão, um

direito que poderia desde logo ser exercido não fosse a atuação desconforme ou

inconstitucional do Estado”51.

O fato de ser possível o exercício imediato dos direitos fundamentais da pessoa

humana, uma vez que não dependem de fruição material do Estado, mas apenas da prestação

jurisdicional, não autoriza mitigar a efetividade das garantias sociais, que será apenas mais

difícil, mas complexa, como resta óbvio.

No caso dos países subdesenvolvidos, de que é exemplo o Brasil, a exigibilidade e a

efetividade dessas garantias sociais se acham muito prejudicadas em razão da inércia do

Estado, seja por omissão da instância política, seja também pela falta de recursos

orçamentários.

A questão, por conseguinte, não se situa mais no campo da axiologia pura, pois o

direito está posto e seu exercício expressamente autorizado pela Constituição, porém no

âmbito do como e do quando efetivá-lo, como realizá-lo.

Cumpre frisar, todavia, que esta concepção não tem validade absoluta, pois existem

garantias sociais de postulação muito mais difícil, quase impossível, na medida em que

derivadas de recomendação constitucional, que aponta para um futuro longínquo.

Isso problematiza, contudo não anula o argumento da exigibilidade e da efetividade

das garantias sociais. Como se sabe, o Brasil é signatário dos tratados examinados no Capítulo

51 Cf. CLÈVE, Clèmerson Merlin. O desafio de efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais. Disponível em: <www.mundojuridico.adv.br> Acesso em: 22 nov. 2005. p. 6.

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primeiro deste trabalho, sendo forçoso reconhecer que a ordem jurídica pátria incorporou os

postulados da fundamentalidade, inalienabilidade e integralidade dos direitos humanos e,

ainda, o da progressividade dos direitos sociais, que se erige oportuno como conceito

material e instrumental, visando à realização desses direitos.

A Constituição Federal é expressiva quando define os principais direitos sociais,

econômicos e culturais de que são detentores todos os indivíduos.

Ao analisar a questão da efetividade do direito à educação no âmbito do nosso

constitucionalismo contemporâneo, Pinto Ferreira52 ressalta que a mesma está indissociada da

noção de acionabilidade (judicialidade):

O direito à educação necessita ter eficácia. Sendo considerado como um direito público subjetivo do particular, ele consiste na faculdade que tem o particular de exigir do Estado o cumprimento de determinadas prestações. Para que fosse cumprido o direito à educação, seria necessário que ele fosse dotado de eficácia e acionabilidade [...]. O objetivo perseguido pelo legislador constituinte, em tema de educação infantil, especialmente se reconhecido que a Lei Fundamental da República delineou, nessa matéria, um nítido programa a ser implementado mediante adoção de políticas públicas conseqüentes e responsáveis – notadamente aquelas que visem a fazer cessar, em favor da infância carente, a injusta situação de exclusão social e de desigual acesso às oportunidades de atendimento em creche e pré-escola -, traduz meta cuja não-realização qualificar-se-á como uma censurável situação de inconstitucionalidade por omissão imputável ao Poder Público53.

O Supremo Tribunal Federal, por via do Recurso Extraordinário 436.996-6/São Paulo,

de que foi Relator o Ministro Celso de Mello, assegurou plena efetividade do art. 208, IV, da

Constituição Federal, garantindo a universalidade do direito à educação pré-escolar, para tanto

recorrendo ao princípio da efetividade dos direitos sociais54.

O entendimento do STF é paradigmático, uma vez que ressalta o dever jurídico (e

não apenas político) do Estado em relação aos direitos sociais, econômicos e culturais,

abrindo-se um horizonte efetivo para a sua judicialidade. Eis o teor da ementa do Acórdão:

53 FERREIRA, Pinto. Educação e Constituinte. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 127, p. 170, 1995. 53 Idem, p. 171-173. 54 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 436.996-6/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 03/02/06. Disponível em: <www.mp.sp.gov.br>. Acesso em: 11 abr. 2006.

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RECURSO ESTRAORDINÁRIO – CRIANÇA ATÉ SEIS ANOS DE IDADE – ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA – EDUCAÇÃO INFANTIL – DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV) – COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO – DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) – RECURSO IMPROVIDO. – A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (cf, art. 208, IV). – Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito de alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das “crianças de zero a seis anos de idade” (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. – A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da administração pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. – Os municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) – não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento de crianças em creches (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. – Embora resida, primariamente, nos poderes legislativo e executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em base excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos jurídico-políticos que sobre eles incidem em caráter mandatório – mostra-se apta a comprometer a eficácia a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional55.

Tal como a educação, o direito à seguridade social também possui forte carga

normativa, uma vez que deferido constitucionalmente sob o pálio da universalidade, da

distributividade e da relevância pública, esta última especialmente aplicável ao sistema de

saúde, que passa a ter também caráter de integralidade.

Tais normas constitucionais garantem à cidadania o direito subjetivo de reclamar

ações e políticas no espaço da institucionalidade judicial, sobretudo a partir do princípio da

eficiência a que está obrigada a Administração Pública.

55 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 436.996-6/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 03/02/06. Disponível em: <www.mp.sp.gov.br>. Acesso em: 11 abr. 2006.

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A efetividade das normas constitucionais que asseguram o direito à saúde também já

tem guarida no Supremo Tribunal Federal. O Ministro Celso de Mello, rompendo com um

certo dogmatismo da Corte, recorre ao conceito de eficácia jurídico-social das normas

constitucionais concernentes aos direitos sociais, econômicos e culturais:

Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde, em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante56.

56 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n° 267.612, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 23/08/00. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 5 jan. 2006.

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4 TUTELA DOS DIREITOS SOCIAIS

4.1 A classificação dos Direitos Sociais segundo a sua exigibilidade

A linguagem dos direitos57 e dos direitos sociais em especial há muito se tornou

comum e, hoje, é bastante incrustada no mundo político, mas também é fato que o debate se

tornou denso e inquietante no espaço jurídico, seja acadêmico, seja institucional.

Antes de se abordar a questão da exigibilidade dos direitos sociais perante o poder

jurisdicional, é conveniente estabelecer alguns parâmetros conceituais, de modo a permitir

melhor compreensão do tema.

Para tanto, deve-se recorrer à doutrina corrente58, que recomenda fazer distinção clara

entre a dimensão objetiva e a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais de natureza

social, com base na exegese teleológica das próprias normas constitucionais.

No primeiro caso, estar-se-á diante de normas constitucionais compromissárias, sem

um grau significativo de autorização para a sua exigibilidade; no segundo, sim, há o direito

posto e, ao mesmo tempo, uma forte carga autorizativa no sentido do exercício da demanda

judicial.

57 CITTADINO, Giselle. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1998. p. 11 et seq. 58 MARIONI, Luis Guilherme. O Direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Disponível em: <www.jusnavegandi.com.br/doutrina>. Acesso em: 7 jan. 2006. No qual o autor cita como fonte nacional a doutrina de SCARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. e como fonte do direito lusitano, a doutrina de José Carlos Vieira de Andrade. Os direitos fundamentais (na Constituição Portuguesa de 1976).

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A doutrina criou, em razão disso, uma outra distinção com objetivo semelhante, que

define como direitos prestacionais originários aqueles com dimensão subjetiva apoiada na

própria Constituição, e como direitos prestacionais derivados aqueles cuja satisfação

depende necessariamente da tutela legal instituidora da política pública que os implementará,

haja vista a generalidade com que são tratados em nível constitucional.

Os direitos prestacionais originários, portanto, podem ser exigidos pelos cidadãos

ou grupos sociais, seja com fundamento apenas na Constituição, seja com base na combinação

desta com a norma regulamentadora de conteúdo especificador. Pode-se mencionar, dentre

outros, o direito à saúde, ao ensino fundamental e à assistência social, pois tais garantias se

expressam como obrigação do poder público e direito subjetivo dos cidadãos.

O entendimento é de que há uma certa distinção entre os direitos subjetivos públicos e

os interesses juridicamente protegidos, em que aqueles guardam precisa noção de nexo de

imputação jurídica que liga o titular ao Estado59.

4.2 A proteção dos Direitos Sociais pelo Judiciário: a questão da separação dos poderes, da

reserva do possível e do mínimo existencial

Feitas essas considerações, surge, então, uma indagação precípua que, como já se

afirmou alhures, antecede e condiciona o objetivo final deste trabalho, que é saber se é

possível a tutela judicial, com vistas à proteção dos direitos sociais, considerando o princípio

59 APPIO, Eduardo. Controle judicial das políticas públicas no Brasil. Curitiba: Juruá, 2005. p. 83, remetendo ao pensamento de REIS, Antonio E. Perez. As normas constitucionais programáticas e o controle do Estado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 163.

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da separação dos Poderes e a competência do Poder Executivo para a direção superior da

administração pública60.

Canotilho adota uma posição pragmática, ao entender que a efetivação dos direitos

sociais está condicionada à reserva do possível, expressão usada para definir os empecilhos

de ordem material e jurídico-operativa para a realização do direito reclamado61.

Trata-se, como se vê, de uma sistematização doutrinária do entendimento esposado

pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, que adotou, em julgamento

paradigmático, o entendimento de que o Estado não está obrigado a efetivar todas as

exigências sociais, senão aquelas que se situam dentro de um limite básico.

Para a definição deste limite básico, é necessário um exercício axiológico com base no

caso concreto, em cujo âmbito se perquirirá se a exigibilidade é ética, ou seja, se é realmente

necessária; se é possível, levando-se em conta as disponibilidades materiais e a capacidade

operativa do poder público; e, finalmente, se é juridicamente plausível, no sentido de não

invadir o campo da discricionariedade administrativa.

Para desatar o nó competencial, parte da doutrina construiu o argumento de que a

jurisdição só pode conferir efetividade prática ao que chama de mínimo existencial, ou seja,

àqueles direitos de necessidade básica dos indivíduos, umbilicalmente ligados à noção de

dignidade humana, por meio de cujo princípio é superado qualquer eventual conflito de

competência entre os Poderes, pois esse litígio dogmaticamente diminui diante de um dos

fundamentos do Estado contemporâneo, lógica que se explica por si só62.

60 Art. 84, II, da CF/88. 61 CANOTILHO, Joaquim José Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra, 1991. p. 131. 62 BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 114 et seq.

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Gustavo Amaral63 discrepa desse pensamento, pois entende ilógico que possam existir

direitos exigíveis sob a cláusula do mínimo existencial, enquanto outros são negados em

razão da reserva do possível, com o que se estaria enredando o direito num discurso

unidimensional, fundado apenas numa perspectiva fática e não nas características ônticas da

necessidade humana.

Ressalta-se a importância de esclarecer que o pensamento do autor deve ser

interpretado no contexto da obra, que trata das dificuldades experimentadas pela jurisdição

diante do dilema da vida e da morte, do sofrimento e da cura, enfim, dos dramas humanos, em

confronto com a reserva do possível.

Logo, isso parece explicar por que no seu entendimento não deve preponderar o

mínimo existencial ligado apenas à noção de cidadania social, pois esses casos dramáticos e

complexos não estão cingidos à noção de mínimos básicos, sendo absolutamente necessário

perquirir sobre valores ônticos peculiares à condição humana.

O mencionado jurista argumenta no sentido de que a escassez de recursos deve ser

analisada como condicionante relativa para todos os direitos fundamentais, sugerindo um

exame aberto do problema e levando em conta o aspecto financeiro, conjugado com

postulados éticos e políticos.

Ingo Wolfgang Sarlet64 tece crítica contundente à forma acrítica como se importou a

teoria da reserva do possível do constitucionalismo alemão, demonstrando que, do ponto de

vista normativo, há uma grande diferença entre a Constituição germânica e a brasileira,

invocando, para tanto, o disposto no § 1º do art. 5.º da Carta Magna, que confere dimensão

subjetiva incontroversa às prestações sociais.

63 AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez & Escolha: em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 26 et seq. 64 SARLET, Ingo Wolfgang. A Constituição concretizada: construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 311 et seq.

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Segundo esse autor, a persistir o argumento, dar-se-ia ao Estado o direito de alegar e

provar a insuficiência de recursos até mesmo para os mínimos existenciais, daí que o mais

coerente é a ponderação defendida por Robert Alexy, conferindo-se efetividade aos direitos

sociais quando estes prevalecerem sobre os demais óbices fático-jurídicos.

Partindo do princípio da necessidade de otimização dos direitos fundamentais, tanto na

dimensão social, quanto jurídica, Sarlet toma a dignidade humana e seus consectários como

critérios referenciais, como o fio condutor para a melhor solução dos casos concretos.

A questão é realmente intrincada e nunca será resolvida pelo uso da lógica formal,

porque o componente ético-humano será sempre uma estimativa a ser considerada.

Importante contribuição foi dada por Robert Alexy, para quem os direitos

fundamentais são de tal maneira relevantes que não estão sujeitos apenas à decisão da esfera

legislativa, daí que a melhor interpretação é aquela em que há a ponderação de princípios,

previamente estabelecidos pelo consenso jurídico-político, refletido no texto constitucional65.

Embora não direcionado especificamente para o tema dos direitos sociais em relação

aos mínimos existenciais, inclusive porque apresentada ainda na metade de século passado,

acredita-se conveniente acrescentar a este apanhado a concepção vitalista de Luis Recaséns

Siches, criador do método interpretativo, que denominou de lógica do humano e do

razoável.

Entende-se importante porque esse método incorpora ao exercício axiológico valores

relacionados com a justiça, as liberdades fundamentais e a dignidade da pessoa humana, sem

todavia olvidar a segurança, a ordem e a paz geral, o que parece muito adequado para a

realidade latino-americana.

65 ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Trad. Ernesto Garzóns Valdés. Madri: CEC, 1997. p. 494-495.

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La lógica de lo humano o de lo razonable és uma razón impregnada de putos de vista estimativos, de critérios de valorización, de pautas axiológicas, que además leva a sus espaldas como allecionamiento las ensinanzas recebidas de la experiência, de la experiência própria o de la experiência de próximo através de la história66.

Novamente ressalta-se o pensamento de Recaséns, com expressa e justa menção ao

estudo empreendido nesse sentido por Luis Fernando Coelho, porque a sua

[...] principal preocupação é a conciliação da objetividade dos valores jurídicos, com a historicidade dos valores jurídicos, a qual decorre de cinco fatores: a mutabilidade da realidade social; a diversidade de obstáculos para materializar um valor em determinada situação; a experiência quanto à adequação de meios para materializar um valor; as prioridades emergentes das necessidades sociais, em função dos acontecimentos históricos; e a multiplicidade dos valores67.

Já em meados do século passado, Recaséns abordara as duas questões em debate neste

tópico do trabalho, isto é, os obstáculos para materializar um valor (reserva do possível) e as

prioridades emergentes das necessidades sociais (mínimos sociais), temas que até hoje não

foram pacificados pela doutrina contemporânea.

Ou seja, já em meados do século passado Recaséns abordara as duas questões em

debate neste tópico do trabalho, isto é, os obstáculos para materializar um valor (reserva do

possível) e as prioridades emergentes das necessidades sociais (mínimos sociais), temas que

até hoje não foram pacificados pela doutrina contemporânea.

Embora tenha sempre valorizado as questões atinentes à reserva do possível e até

mesmo à governabilidade, o Supremo Tribunal Federal adotou ultimamente uma posição

bastante clara quanto a assimilar o conceito de mínimos sociais.

Pelo que se observa do teor do recentíssimo julgado que ora é transcrito, está em curso

na nossa Corte Constitucional um importante processo mudança de concepção, que tende a

incorporar à visão judicial os valores humanistas assentados na Constituição Federal,

66 SICHES, Luis Recaséns. Tratado General de Filosofia Del Derecho. México: Porrúa, 1970. p. 642 et seq. 67 COELHO, Luis Fernando. Lógica jurídica e interpretação das leis. São Paulo: Forense, 1981. p. 211 et seq.

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reforçando sobremaneira a idéia de efetividade, exigibilidade e judicialidade dos direitos

sociais:

Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado — e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico —, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado68.

É importante destacar que essa nova concepção do Supremo Tribunal Federal decorre,

em grande parte, da judicialidade promovida em torno da busca de tratamento para os

portadores do vírus HIV, que remonta desde a década de 90 e que findou por estabelecer

novos parâmetros de política pública nesse sentido.

Os julgados a seguir transcritos mostram com clareza o processo evolutivo de que se

cogitou:

O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular — e implementar — políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. O direito à saúde — além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas — representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconseqüente. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política — que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro — não pode converter-se em promessa

68 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF nº 45, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 04/05/04. Disponível em : <www.stf.gov.br>. Acesso em: 3 dez. 2005.

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constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. [...]. O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF69. Doente portadora do vírus HIV, carente de recursos indispensáveis à aquisição dos medicamentos de que necessita para seu tratamento. Obrigação imposta pelo acórdão ao Estado. Alegada ofensa aos arts. 5º, I, e 196 da Constituição Federal. Decisão que teve por fundamento central dispositivo de lei (art. 1º da Lei 9.908/93) por meio da qual o próprio Estado do Rio Grande do Sul, regulamentando a norma do art. 196 da Constituição Federal, vinculou-se a um programa de distribuição de medicamentos a pessoas carentes, não havendo, por isso, que se falar em ofensa aos dispositivos constitucionais apontados70.

4.3 A heterovinculação dos poderes e o papel do Judiciário na proteção dos Direitos Sociais

Com base nesses dois referenciais, isto é, da concepção substancial de justiça e da

essencialidade da proteção dos direitos sociais, tem-se que a exigibilidade desses direitos é a

pedra filosofal para a concretude do processo de legitimação do Estado Democrático de

Direito, o que resulta não apenas num ideário, mas numa tarefa que exige a

heterovinculação71 dos Poderes constituídos.

Crê-se ser fundamental anotar que o constituinte de 1988 deu um voto de confiança ao

Poder Judiciário, chamando-o a essa heterovinculação em relação aos direitos humanos, pois

deu ênfase tanto aos postulados que lhe conferem independência administrativa e financeira,

quanto ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, que impede à legislação a possibilidade

69 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 271.286-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 24/11/00. Disponível em : <www.stf.gov.br>. Acesso em: 15 nov. 2006. 70 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 242.859, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 17/09/99. Disponível em : <www.stf.gov.br>. Acesso em: 10 nov. 2006. 71 CLÈVE, Clèmerson Merlin. O desafio de efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais. Disponível em: <www.mundojuridico.adv.br> Acesso em: 22 nov. 2005. p. 10.

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de mitigar o amplo acesso à justiça, entendido este acesso na sua dupla dimensão:

possibilidade do ingresso e certeza do desfecho decisório.

O princípio da inafastabilidade da jurisdição não pode ser visto apenas como uma

garantia ao devido processo legal, mas especialmente como uma garantia à justiça, ainda que

desamparada de fundamento legal stricto sensu, autorizando a jurisdição a lançar mão de

conteúdos éticos e morais de dimensão jurídica.

No que pertine a esse tema, torna-se imperioso esclarecer que o constituinte escoimou

da nova ordem constitucional a possibilidade de a lei exigir o esgotamento da via

administrativa como requisito da tutela judicial, tal como previsto na Carta de 67.

Essa nova concepção retira do Estado a função de autotutela ou autodefesa em relação

aos administrados, resquício deturpado do contratualismo, deixa evidente o compromisso

constitucional com a separação dos Poderes e torna irrestrito o acesso à jurisdição na

postulação dos direitos subjetivos.

Ao Judiciário foi conferida, por conseguinte, a função geral de controle da

institucionalidade e da sociedade.

Essa resolução do poder constituinte estabelece um marco paradigmático, no sentido

de tornar também evidente que ao Judiciário competia não apenas tutelar a litigiosidade

social, mas também questões relativas a prestações do Estado para com a sociedade, que

passam a obedecer aos princípios da impessoalidade e da moralidade, todos com forte carga

axiológica.

Importa reconhecer, por conseguinte, que a Constituição Federal conferiu ênfase à

função comum de controle jurisdicional, independentemente do sistema de controle interno e

externo.

Essa conclusão advém, como se vê, no sentido genérico, do princípio da

inafastabilidade da jurisdição, que se explica por si só, mas se torna cristalina com a exegese

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do inciso II do art. 129 da Carta Federal, que expressamente confere ao Ministério Público –

que haverá de valer-se do poder jurisdicional, logicamente – a função de “zelar pelo efetivo

respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados

nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia” (sem grifos no

original).

Também merece destaque o explícito propósito do constituinte de subsidiar o

Ministério Público de procedimento legal para a consecução dessa função comum de controle,

constitucionalizando a ação civil pública como mecanismo de proteção dos direitos coletivos

e difusos, sem, entretanto, garantir monopólio à instituição, posto que tal função também

poderia ser exercida pelos cidadãos e por grupos sociais72.

Além disso, a Constituição pôs à disposição da sociedade os princípios da tutela

jurisdicional coletiva73, propiciando instrumental inovador da satisfação das demandas de

segmentos sociais, e, repita-se, conferiu fundamentalidade aos direitos sociais e deixou

evidente a sua auto-aplicabilidade.

Mais seria desnecessário para se perceber que o constituinte projetou ao Poder

Judiciário a missão de realizar a concepção substancial de justiça, eis que tal missão constitui

fator indispensável de equilíbrio da democracia.

Não obstante a forte carga retórica, Paulo Bonavides acerta quando afirma que:

72 Vide art. 129, III, e seu § 1.º, da CF/88. 73 Vide Art. 5.º, XXI, e art. 8.º, III, da CF/88.

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A idade dos direitos fundamentais e do constitucionalismo da liberdade atribuiu ao Judiciário papel de destaque, não raro de hegemonia e preeminência, que o liga inapartavelmente ao futuro da democracia, enquanto expressão, síntese e substância de quatro gerações de direitos, cuja concretude, garantia e universalidade, arrimada a elementos constitucionais de proteção, nunca poderá, amanhã, prescindir da intervenção eficaz e, se necessário, criativa do aparelho judiciário, como concretizador bem-sucedido dos sobreditos direitos, nomeadamente os das três derradeiras gerações que dele dependem. Isto – advirta-se – não há de levar ao malsinado “governo de juízes”, forma de todo ilegítima, mas há de significar, sem dúvida, necessidade de referendar novo contrato social, cujos pactuários não poderão deixar de admitir que um Judiciário forte é a primeira salvaguarda da democracia.74

Todas essas considerações ganham relevo no constitucionalismo brasileiro

contemporâneo, com a edição da Emenda Constitucional 19, de 1998, que introduziu na

Constituição Federal o princípio da eficiência da administração pública, por via do qual a

discricionariedade administrativa deixa o ethos da formalidade típica do modelo liberal

clássico para adentrar o campo material, na perspectiva da solução ótima75 pretendida pelo

Estado Social de Direito, que, num país subdesenvolvido, pode ser traduzida como a melhor

solução possível numa determinada época.

Estar-se-á convicto, por outro lado, de que a evolução e a ampliação do conceito de

cidadania remetem à noção de soberania, no sentido de que, sem aquela, esta estará

necessariamente conspurcada, daí que o primado do respeito aos direitos da pessoa humana é

questão insuperável nas democracias contemporâneas, ainda que tal primado tenha uma

dimensão progressiva.

É óbvio que a jurisdição não substitui a administração, já que a Constituição outorgou

a elas funções distintas. Os juízes não governam, mas, como salienta Martonio Mont’Alverne

Barreto Lima76, “[...] atualmente a governabilidade do país passa pelo Poder Judiciário, seja

através do controle de constitucionalidade das leis editadas, seja através das ações coletivas

que visam impor ao Estado o cumprimento de seus deveres sociais”.

74 MELO, Celso Bandeira. O Poder Judiciário e a Democracia. Revista Política Democrática, Brasília, p. 139, [s.d.]. 75 MELO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 232. 76 LIMA, Martonio Mont´Alverne Barreto. Teoria da Constituição: estudos sobre o lugar da política no Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p. 209 et seq.

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Esse fenômeno é muito mais comum nos países subdesenvolvidos ou em

desenvolvimento, já que as políticas públicas, situadas originalmente no campo da

discricionariedade político-administrativa, são geralmente implementadas com base na

normatividade constitucional e legal, de cunho transformista.

No Brasil, isso se explica historicamente, seja pela necessidade de ser reforçada na

sociedade a retórica política do devir de justiça social, em contraponto à legalidade autoritária

precedente, que sobrevalorizava o Estado em detrimento dos direitos humanos, seja também

pela idéia, hoje bastante difundida, de que o Estado Democrático de Direito é um processo

que deve ser continuamente realizado.

Por tudo quanto foi exposto, entende-se que a exigibilidade dos direitos sociais não

guarda tanta controvérsia na perspectiva da teoria do direito, que tem como um de seus

fundamentos a efetividade.

Contudo, a função de controle comum conferida ao ente judicial é necessariamente

complexa, sobretudo nos países subdesenvolvidos, carecedores de recursos materiais para a

implementação de políticas públicas voltadas para o objetivo colimado na norma

transformadora.

4.4 A tarefa do Judiciário na proteção do conceito substancial de Democracia

Não há dúvida quanto ao controle pela via preventiva e avaliativa, que se dá mediante

a tutela dos atos administrativos. Hoje a doutrina já não situa esse controle apenas no campo

da estrita legalidade formal, pois o princípio da eficiência administrativa faculta ao julgador

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indagar sobre a adequação dos serviços públicos, na perspectiva dos estados ideais a serem

alcançados77.

Por convicção jurídica e até mesmo por impraticabilidade fática, afasta-se desde logo a

idéia de que o poder jurisdicional possa imiscuir-se no controle da formulação das políticas

públicas, pois se entende que tal função é ontologicamente afeta à instância política, em

perfeita observância ao sistema de democracia procedimental.

Entretanto, todos os argumentos aqui apresentados levam à certeza de que a execução

dessas políticas pode ser objeto de tutela judicial, na medida em que, como afirma Eduardo

Appio, ao Judiciário cabe, na democracia contemporânea, zelar pela “[...] proteção de um

conceito substancial de democracia, a partir da isonomia entre os cidadãos, prevista na

Constituição Federal de 1988”78.

Bobbio ressalta essa questão de forma bastante pragmática, afirmando que os direitos

humanos (na sua integralidade) não podem ser confiados sine die à vontade política, pois o

direito se desfigura sem a noção de obrigação79.

Como, então, exercer esse controle?

Desde logo, convém deixar indiscutível a perfeita noção de que a administração

pública, mesmo em se tratando de direitos sociais, culturais e econômicos reclamados pelo

cidadão, deve obedecer ao princípio da legalidade, visto que ela é fundamental para a noção

de sujeição do Estado à ordem jurídica.

Todavia, como deveras já foi aqui anotado, constitui característica intrínseca,

ontológica e indissolúvel do Estado contemporâneo a noção de efetividade e eficácia

constitucionais. Tomando isso como sucedâneo, parece inegável que os direitos sociais

conferidos pelo constituinte podem receber duas classificações para efeito didático:

77 Cf. BARROSO, Luis Roberto. O começo da história: a nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito Brasileiro. Revista Interesse Público, Porto Alegre, n. 19, p. 51 et seq., 2003. 78 BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 137. 79 Idem, p. 82 et seq.

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• Direitos emergenciais e de fruição imediata, com recursos vinculados: aqueles

que foram tratados de modo especialíssimo pelo constituinte, com base na constatação da sua

necessidade como pressuposto da construção da cidadania e para os quais se aplica a ética da

prioridade urgente, que se consubstancia pela expressa vinculação constitucional de receitas

orçamentárias.

São exemplos dessa categoria de direitos os relacionados ao ensino fundamental e à

saúde, cabendo destacar que o sentido de prioridade é de tal monta que pode autorizar a

intervenção federal nos entes incumbidos da execução das respectivas políticas, como medida

de força, visando ao cumprimento das metas estabelecidas nos programas correlatos80.

Isso é significativo do ponto de vista da teoria constitucional, porque a própria

Constituição admite a quebra do princípio da autonomia81, ínsito no sistema federativo, em

razão do descumprimento de normas que visem à proteção de direitos sociais, deslocando a

dimensão de soberania para o componente humano do Estado.

A dimensão subjetiva de tais direitos é incontroversa, pois a própria Constituição

Federal estabelece que a saúde e a educação são direito de todos e dever do Estado82.

• Direitos prioritários de fruição progressiva, com recursos não- vinculados:

aqueles garantidos pela Constituição de forma expressa, dependentes ou não de lei, que

também têm forte dimensão subjetiva, todavia limitados às disponibilidades da receita

pública, ou seja, condicionados à reserva do possível.

O exemplo clássico dessa categoria de direitos é a assistência social, de cujo gênero

são espécies a proteção à família, à maternidade, à infância e adolescência, à velhice e a

portadores de deficiência.

80 Art. 34, VII, e, da CF/88. 81 Art. 25 da CF/88. 82 Arts. 196 e 205 da CF/88.

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A fruição dessa categoria de direitos mediante a intervenção judicial é mais complexa

porque se tem sempre de enfrentar o dilema normatividade x faticidade, entendida esta última

como a noção de possibilidade material, que tem influência significativa na sua satisfação.

Parte da doutrina contemporânea tem usado o argumento de que, nesses casos, a

satisfação dos direitos sociais deverá sempre ser conjugada com o princípio do orçamento83.

Sem embargo de sua fundamentação dogmática, fundada na exegese sistêmica da

Constituição, a opinião mais comum é a de que essa posição se apresenta frágil diante da

complexidade dos fatos, sobretudo se aplicada no contexto de um país subdesenvolvido.

Em primeiro lugar, porque o Brasil ainda adota o modelo do orçamento-programa, de

natureza autorizativa, próprio do Estado intervencionista e empreendedor do passado, fundado

na racionalidade tecnocrática do planejamento paternalista e unívoco do ente estatal, que se

expressa pelas disposições da Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964.

Com as mudanças introduzidas na Constituição Federal de 1988, percebe-se, porém,

uma tendência de o constituinte aproximar as normas de natureza orçamentária à noção de

política pública, que passam agora a ter conteúdos mais finalísticos, como o de reduzir as

desigualdades inter-regionais com base no critério populacional (renda per capita), índice

que traduz, nas nações subdesenvolvidas, a injustiça social.

Outro ponto importante nesse mesmo sentido é a expressa proibição do uso dos

recursos do orçamento da seguridade social – destinados à satisfação dos direitos à saúde e à

assistência social – para a cobertura de outras necessidades do orçamento geral, o que reforça

a noção de prioridade.

Infelizmente, três fenômenos têm mitigado essa prioridade.

83 APPIO, Eduardo. Controle Judicial das Políticas Públicas no Brasil. Curitiba: Juruá, 2005. p. 170.

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O primeiro dá-se na formulação da proposta orçamentária, com a definição de

dotações orçamentárias pro forma, que atendem ao requisito da legalidade formal, fundada

na razão tecnocrática, mas insuficientes para a satisfação dos direitos da seguridade social.

O segundo é a desvinculação orçamentária, que permite aos poderes públicos ampla

margem de manobra no orçamento, geralmente por via de norma regulamentar de hierarquia

inferior e emanada do Poder Executivo. Esse fenômeno desvirtua os mecanismos

procedimentais de formulação legislativa, mitiga o princípio da programação orçamentária e,

via de conseqüência, a concreção das políticas públicas na perspectiva progressiva.

O terceiro é o contingenciamento das disponibilidades financeiras do orçamento,

eufemismo que, na prática, significa a não-aplicação pura e simples de despesas previstas, que

se explica pela fragilidade dos mecanismos de controle democráticos próprios dos países

subdesenvolvidos e constituem grave fator de descontinuidade do planejamento estrutural84,

com forte influência na redução dos investimentos sociais.

Abra-se um parêntese para demonstrar que a gestão orçamentária no Brasil, à parte as

vinculações constitucionais, ainda guarda estreita ligação com a cultura da discricionariedade

autoritária, fundada na legalidade e não na legitimidade e profundamente incrustada na

burocracia estatal.

Daí por que se entende ser importante, em termos de pedagogia constitucionalista, um

esforço doutrinário, visando a encontrar mecanismos jurídicos que contribuam para uma visão

normativa menos dogmática em termos de orçamento público.

Essas idiossincrasias obedecem à lógica dos arranjos da governabilidade e são,

portanto, pura casuística normativa que se institucionalizou burocraticamente num contexto

histórico de profundo divórcio para com a institucionalidade legitimada.

84 A expressão é de SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 713.

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Trata-se, pois, do “jeitinho brasileiro”, para o qual o orçamento existe, mas pode não

existir de verdade, pelo menos em relação aos segmentos sociais mais vulneráveis, que não

atuam como grupos de pressão no espaço democrático.

Mecanismos alternativos, a exemplo do orçamento participativo, constituem um

esforço no sentido de tornar eficaz o controle social na formulação das políticas públicas, mas

ainda se situam residualmente na esfera política, sem liame algum com a juridicidade.

Por outro lado, o rigor técnico-burocrático das normas orçamentárias, que são

aplicadas em todas as esferas da Federação, gerou um fenômeno interessante: o da

padronização. Paradoxalmente, esse fenômeno se tornou um fato positivo, uma vez que

possibilitou a distribuição técnica dos recursos, ainda que parcos, para todas as atividades-fim

do Estado, o que lhe confere ampla multifuncionalidade jurídico-operacional.

Em assim sendo, é fácil perceber que o orçamento brasileiro é flexível e

multifuncional, características que possibilitam a exigibilidade dos direitos sociais em razão

da omissão estatal, com base numa visão jurisdicional construtiva.

Esse argumento, ainda que sujeito às críticas mais contundentes, vem revelando-se

viável na prática jurídica do País, seja por meio de ajustamentos de condutas, mediadas pelo

Ministério Público, seja por composições judiciais em que são partes segmentos sociais e a

administração pública (sobretudo aquelas de âmbito local), em que se percebe razoável grau

de aceitabilidade e eficácia dessa função de controle de políticas públicas.

A favor da eficácia desses procedimentos coletivos, contam inúmeros fatores:

a) a ampla publicidade influencia a opinião pública e diminui o nível de frieza

burocrática do agente político implicado;

b) a administração pública faz-se representar pelo agente político responsável pela

política pública demandada, o que implica flexibilidade administrativa, consciência das

necessidades sociais, senso humano nas decisões e comprometimento público;

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c) a comunidade social interessada interage e torna-se co-responsável pela política

pública a ser implementada, aumentando a consciência sobre a importância da governança

social;

d) os órgãos com essas funções de controle e intermediação legitimam a sua

autoridade, com o que se legitima a estatalidade, a oficialidade, a normatividade e o espaço

jurídico.

Têm-se, portanto, alguns importantes conceitos que ajudarão a formular uma

concepção própria acerca da exigibilidade dos direitos sociais no Brasil.

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5 A POSTULAÇÃO METAINDIVIDUAL DOS DIREITOS SOCIAIS

5.1 A classificação dos Direitos Sociais como interesses individuais homogêneos

indisponíveis

A doutrina já pacificou o entendimento acerca da distinção entre os chamados

interesses metaindividuais ou transindividuais, de cujo gênero são espécies os interesses

difusos, os coletivos e os individuais homogêneos85.

No que pertine ao objeto do presente trabalho, nenhum interesse maior há no estudo

dos interesses difusos e coletivos. Os primeiros contêm a particularidade de serem indivisíveis

e os segundos, de serem limitados a um grupo, segmento ou categoria, não guardando

similitude com as fruições sociais exigíveis do Estado-administração.

Com efeito, é de se ressaltar que os direitos sociais, de que é titular a cidadania,

constituem os chamados direitos individuais homogêneos indisponíveis, que têm fato gerador

comum, na maioria das vezes, ditado pela omissão do Poder Público ou pela ineficiência dos

seus serviços.

Afasta-se, desde logo, a possibilidade de a comunidade provocar a jurisdição, visando

à proteção dos interesses individuais homogêneos disponíveis, pois, da sua natureza de

disponibilidade, faz predominar o interesse privado, podendo as partes livremente agir,

pactuar e dispor, se assim lhes convier.

85 MILARÉ, Edis. A Ação Civil Pública na nova ordem constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 27-28.

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Contudo – e aqui reside o ponto mais importante desta reflexão –, os direitos

individuais homogêneos também podem ser indisponíveis, pois, a respeito deles, não se pode

transigir em razão da forte carga de interesse público de que se revestem. Possuem a

dimensão de fundamentalidade, por expressa determinação constitucional, ao mesmo tempo

em que têm forte repercussão sobre toda a coletividade86.

São exemplos de interesses individuais homogêneos indisponíveis o direito à vida, à

dignidade, à saúde, à educação, à habitação, à assistência social, entre outros, e devem ser

protegidos por políticas públicas gerais ou setoriais, de modo a garantir o que o constituinte

denominou de seguridade social.

Portanto, é de fácil compreensão que os direitos sociais, objeto do estudo desta

dissertação, se incluem entre os chamados interesses individuais homogêneos indisponíveis,

estando assim classificados como interesses coletivos.

5.2 Exigibilidade-legitimidade dos Direitos Sociais: análise crítica dos critérios de legitimação

vigentes

A exigibilidade de um direito, como parece óbvio, só alcança a dimensão concreta em

face da possibilidade real de existência prática desse mesmo direito, que se expressa pelo seu

efetivo exercício e posterior fruição, inclusive no que concerne à judicialidade.

Trata-se de um imperativo na teoria e na prática dos direitos humanos, haja vista que

as declarações de direitos, as constituições e as leis em todo o contexto mundial deixam de

86 PINHO, Humberto Dalla Bernardina. A natureza jurídica do Direito Individual homogêneo e sua tutela pelo Ministério Público como forma de acesso à Justiça. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

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possuir qualquer significação prática se não houver possibilidade de efetiva aplicação de suas

normas.

É cediço que os direitos sociais correspondem a um prolongamento das garantias

individuais, que se erigem indispensáveis no mundo contemporâneo, com base na constatação

de que a pessoa, além de ser dotada de qualidades únicas e singulares, também é merecedora

do direito de participação na comunidade, especialmente em sociedades complexas como a

brasileira, marcadas pela interdependência humana.

Nesse contexto, parece razoável reivindicar que a ciência jurídica confira importância

ao tema da legitimidade no âmbito da exigibilidade dos direitos coletivos, deslocando-o da

dogmática positivista, que privilegia a legitimação formal, para a concepção jusnaturalista,

que prestigia a legitimação material, a fim de permitir o exercício real dos direitos conferidos

no plano jurídico.

A Constituição Federal, em seu art. 129, III, combinado com o seu §1.º,

expressamente autoriza que “terceiros” possam promover a Ação Civil Pública, visando à

proteção de interesses coletivos e deixando à lei ordinária a função regulamentadora quanto à

forma do exercício da demanda.

Por sua vez, a Lei nº 7.347/85, que disciplina a Ação Civil Pública, contemplou as

matérias específicas, objeto do procedimento coletivo, entre elas, as relativas ao meio

ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística, aos bens e direitos de valor artístico, histórico,

turístico e paisagístico, não deixando também de incluir “qualquer outro interesse difuso ou

coletivo” (artigo 1.º, V).

No tocante à legitimidade da sociedade para a reivindicação e o exercício dos direitos

sociais coletivos, a Lei nº 7.347/85 sofreu inúmeros percalços, que merecem os

esclarecimentos necessários, de modo que se supere qualquer confusão hermenêutica acerca

da questão.

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O art. 5º, II, da LACP, com a redação que lhe deu o art. 111 do Código de Defesa do

Consumidor de 1990, conferia legitimidade para que as associações – pré-constituídas e afins

com a matéria em deslinde – acionassem o espaço jurisdicional, visando à proteção de

“qualquer outro interesse difuso ou coletivo”, por meio do procedimento público civil.

Todavia, o parágrafo único do art. 88 da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994,

modificou a redação do mencionado dispositivo da LACP, dele retirando a expressão antes

transcrita e gerando, no primeiro momento, intensa digressão doutrinária, quanto a saber se as

associações tinham ou não perdido a capacidade postulatória para a defesa de outros

interesses coletivos, que não aqueles relativos aos temas específicos, presentes na redação

posterior (que se exaurem nas matérias relativas ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem

econômica, à livre concorrência, ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e

paisagístico).

Com base numa exegese sistêmica e principiológica, a doutrina majoritária aponta no

sentido de que, mesmo em face da alteração de que se cogitou,

[...] o princípio continua em vigor porque estes outros interesses difusos ou coletivos são objeto de proteção da lei, conforme a LACP, em seu art. 1º, IV. Assim, podem os estatutos da associação civil ou sindicato conter a previsão de que uma das finalidades institucionais da entidade seja a defesa de outros interesses difusos ou coletivos, para fins de que trata a legitimação para a causa regulada na norma sob análise87.

Ademais, o art. 210, III, do Estatuto da Criança e do Adolescente, e o art. 86, IV, do

Estatuto do Idoso, indicam como legitimados ativos ad causam para as ações que versem

acerca de direitos difusos e coletivos as associações com interesses afins, esta última

superveniente à Lei nº 8.884/94 (que alterou a LACP), podendo as duas ser aplicadas

subsidiariamente nos demais casos.

87 NÉRY, Nelson et al. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante em vigor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 1532.

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Superada a dúvida hermenêutica, impõe-se ponderar que a nova sistemática

nitidamente optou pelo modelo de legitimação extraordinária (substituição processual) ou de

legitimação autônoma para a condução do processo, seja no plano institucional, por meio do

Ministério Público, seja no âmbito social, por meio das associações civis, desprestigiando,

contudo, a legitimação ordinária, como se a primeira excluísse a segunda, o que, na prática,

inviabiliza que consórcios interpessoais não-formais possam provocar a jurisdição para a

satisfação de suas necessidades materiais.

São inegáveis, por conseguinte, os avanços advindos da Lei da Ação Civil Pública na

área procedimental.

Em primeiro lugar, em razão do próprio objeto nela contido, ou seja, a tutela dos

interesses metaindividuais, antes só possível e com conteúdo muito restrito, à ação popular,

inclusive no tocante à universalização do poder de tutela, ante à ampliação dos efeitos da

coisa julgada.

Em segundo lugar, porque institui mecanismos de solução heterodoxa da demanda,

mediante ajustamentos de conduta que propiciam mais mobilidade de ação ao poder

jurisdicional, permitindo incorporar à demanda conceitos antes improváveis, como a solução

progressiva da satisfação material, a tutela avaliativa e outros, inaugurando na prática forense

uma nova concepção instrumental do processo, baseada na solução mais razoável.

Nesse sentido, a Ação Civil Pública ampliou consideravelmente a noção de

legitimidade processual e acesso à justiça, já há muito reclamados por Cappelletti, pois a

litigiosidade contida88 constitui um fenômeno que põe em descrédito a utilidade do espaço

jurídico-institucional, ameaçando até mesmo o sistema de resistência social legítimo.

A judicialização dos direitos sociais reveste-se de inegável complexidade, porque

muitas vezes a tutela não tem por objeto o direito em si, mas a sua forma e o seu tempo de

88 WATANABE, K. et. al. Juizado especial de pequenas causas: Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. p. 23.

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satisfação. Com efeito, tornou-se imprescindível compatibilizar essa judicialização, com forte

carga e implicação sociais, aos ditames dos meios procedimentais mais abrangentes e

eficazes.

Todavia, essa nova legislação adotou o princípio da substituição processual ou da

condução autônoma do processo opes legis, legitimando apenas instituições e associações

para a busca do interesse social a ser tutelado, de cunho oficialista, o que se explica pela

época em que a Lei da Ação Civil Pública foi editada, quando ainda não se dispunha de

princípios, preceitos e normas constitucionais atinentes aos direitos humanos e à dignidade da

pessoa, inspirados nos novos documentos jurídicos internacionais de 1986 e 1988, já

amplamente comentados neste trabalho.

Tal opção, em que pese o fato de ser avançada para a época, não é inteiramente

compatível com as exigências da sociedade complexa de hoje, em que grupos e redes sociais

interagem incessantemente com o espaço institucional, mediante mecanismos procedimentais

empíricos e primários, que não se coadunam com as exigências formais do processo judicial

tradicional.

Kasuo Watanabe parece resignar-se diante do critério de legitimação adotado pelo

sistema brasileiro, argumentando que “algumas experiências vividas no campo da ação

popular, que tem sido utilizada, com alguma freqüência como instrumento político de pressão

e até de vindita, serviram também para o perfilhamento da opção legislativa”89.

O argumento é conservador, pois nada impede também possam as associações ser

instrumentos de interpostos interesses, até com maior ênfase, na medida em que substituem o

autor ideológico da demanda.

Ademais, parece de todo insustentável justificar a exclusão dos ordinariamente

legitimados pela simples razão de que alguns possam vir a usar indevidamente a demanda,

89 WATANABE, Kasua et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 638.

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sabido que um eventual desvirtuamento da causa de pedir está sujeito ao poder geral de tutela

da jurisdição, que pode espancá-lo quando da aferição da representatividade adequada.

Nesse sentido, é mais coerente a posição de Ada Pellegrini, co-autora da proposta

legislativa de proteção aos direitos difusos e coletivos, que critica o critério de identificação

da representatividade adequada adotado pelo legislador em 1985, lembrando que a idéia

original era confiar ao juiz (opes judicis) e não à lei (opes legis) a escolha dos legitimados

para as ações coletivas, a quem se atribuía o exame discricionário da adequação e da

capacidade do portador do interesse90.

Também não parece prosperar a idéia de que a legitimação individual possa fragilizar

a jurisdição em face de maior probabilidade de abandono ou desistência da ação e, portanto,

da frustração da expectativa do direito pela sociedade. Para suprir essa possibilidade, bastaria

que se instituíssem mecanismos de legitimação ativa subsidiária a qualquer co-legitimado,

sem falar que a norma também poderia conferir ao Ministério Público a função de fiscal da lei

nessa circunstância, o que, de resto, já está genericamente previsto na LACP (art. 5º, §§ 3º e

1º).

Portanto, é notório que o Legislativo adotou uma posição conservadora, pois não

vislumbrou a essência da complexidade e da dinâmica sociais próprias da redemocratização

do País, inibindo, ainda hoje, a litigiosidade de que pode ser titular a cidadania.

A crítica torna-se ainda mais consistente quando se constata que, em verdade, o

sistema brasileiro não permite a aferição da representatividade adequada, já que a

adequação só pode ser mensurada materialmente, não por critérios formais preestabelecidos –

no nosso caso, o de tempo de constituição da entidade e sua afinidade com o objeto da causa,

que, por serem unicamente objetivos, nada significam em termos de adequação para conduzir

o processo.

90 Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do Direito Processual. São Paulo: Forense Universitária, 1990.

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5.3 A representatividade adequada no Direito Comparado: a Class Action e o litígio de

interesse público

O pragmatismo norte-americano optou pela teoria da representatividade adequada da

coletividade, encontrando na class action veículo procedimental apropriado e fundamental

para a defesa dos direitos civis, na medida em que amplia o acesso ao Judiciário do indivíduo

ou indivíduos interessados na representação da coletividade, sem, entretanto, vulgarizar o

processo, já que a legitimidade adequada é verificada pelo próprio órgão julgador.

A esse respeito, Pedro da Silva Dinamarco esclarece que:

Em qualquer dessas demandas, a jurisprudência exige a presença simultânea de sete requisitos, quatro deles expressamente previstos na alínea a da mencionada Regra: 1) haver uma classe; 2) o candidato a representante da classe ser um membro dela; 3) a classe ser tão numerosa que a reunião de todos os membros (ainda que por meio de litisconsórcio) seja impraticável; 4) haver questões de fato ou de direito comuns a todos os membros da classe representada; 5) os pedidos ou defesas dos litigantes serem idênticos aos pedidos ou defesas da própria; 6) estar configurada a representatividade adequada, ou seja, o autor deve ser capaz de defender adequadamente os interesses dos membros da classe que estejam ausentes no processo; e, finalmente, 7) estar configurada alguma das hipóteses contidas nas alíneas b.1, b.2 ou b.3”91.

Embora a class action refira a controvérsia relativa a interesses específicos de

segmentos, é notório que a idéia da maior eficácia do procedimento coletivo, que já vem do

Bill of Peace do século XVII, inspirou fortemente os redatores da LACP, sem, contudo,

incorporar o critério judicial da representatividade adequada, o que, reitere-se, constituiu um

ponto de inflexão, ditado pela cultura processualística de então.

91 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 125.

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No âmbito da sociedade civil, Helen Hershkoff e Aubrey McCutcheon92 relatam a

existência, em diversos países da América Latina, Ásia, África, Oriente Médio e Leste

Europeu, do Litígio de interesse Público, por via do qual os grupos sociais e indivíduos

buscam a satisfação de direitos civis e sociais e, mais que isso, a mudança social como

conseqüência, pois como constatam: “[...] o litígio pode ajudar a promover o enraizamento de

novos princípios constitucionais, assim como promover o aumento da consciência pública

sobre os direitos humanos e encorajar aqueles que tenham reivindicações legais a avançar

com elas”93.

Para demonstrar o quanto a doutrina vem preocupando-se com o tema, transcrever-se-

á, abaixo, a título de mera intercorrência ilustrativa, a seguinte tese:

Sugerimos a inserção, na Constituição Federal, no capítulo relativo aos direitos sociais (art. 6º da CF), do mandado de garantia social, com a redação que ora indicamos: É instituído o mandado de garantia social, destinado a fazer consagrar, respeitar, manter ou restaurar, preventiva ou repressivamente, os direitos sociais previstos, explícita ou implicitamente, na Constituição Federal, contra atitudes ativas ou omissas do poder público ou de particulares, para os quais não exista remédio próprio94.

Questão intrincada diz respeito ao fato de a tradição formalista ter conferido ao

legislador a tarefa de definir os legitimados para a postulação dos direitos coletivos,

cristalizando e autarquizando a iniciativa do processo, já que a relevância do pedido não será

mensurada por quem sente a necessidade de satisfação da prestação social, mas por quem o

examina com base em de critérios jurídicos auto-referentes, pois a ação civil pública terá de

submeter-se a todos os pressupostos jurídicos formais construídos na perspectiva privatista.

Os organismos sociais têm limitação de tempo de existência para a postulação, mas o

pior obstáculo é a submissão deles à normatividade instrumental extremamente complexa do

92 GOLUB, Stephen et al. Caminhos para a Justiça: uma perspectiva internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 341 e seguintes. 93 Idem, p. 343. 94 SARAIVA, Paulo Lopes. Direito, Política e Justiça na Contemporaneidade. Campinas: Edicamp, 2002. p. 125.

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processo civil brasileiro, no qual é inquestionável a supremacia da forma em detrimento do

mérito, além de terem de enfrentar a teia por vezes impenetrável da burocracia judiciária.

Alysson Leandro Mascaro, em que pese sua posição sempre radical na crítica aos

anteparos legalistas do Direito Brasileiro, tem razão quando compreende que:

A institucionalização de direitos metaindividuais – difusos, coletivos, individuais homogêneos – corresponde a um momento de consolidação de direitos sociais na democratização, e a construção de arenas processuais metaindividuais é a possibilidade de escoamento judicial de demandas que estavam se legitimando em face do direito substantivo, mas que ainda não encontraram repercussão imediata no direito adjetivo95.

Parece óbvio, portanto, que a complexidade envolvendo a satisfação dos direitos

sociais exige uma radical mudança de concepção, que importa flexibilizar tanto quanto

possível o rigor formalista do processo e privilegiar a oralidade, a publicidade efetiva, a

mediação como busca do resultado justo e razoável, que poderá ser progressivo e evolutivo e

com o qual será possível humanizar o processo e o Direito.

A Constituição Federal preconiza a judicialização dos conflitos sociais a fim de

permitir a satisfação de interesses e direitos. Em que pese toda a sorte de entraves

burocráticos, isso tem sido possível por meio da figura dos sindicatos, das organizações

sociais não-governamentais e dos próprios cidadãos de maneira individual, que, após várias

batalhas no cenário político, começaram a buscar, por meio de impetração de medidas

judiciais, a intermediação jurisdicional.

Todavia, como ainda não se alcançou o desejável nível de organização social, é

comum notar que a comunidade nem sempre dispõe de representatividade oficial que lhe

permita a substituição processual e a provocação da função geral de controle exercida pela

jurisdição.

95 MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito e Filosofia Política. São Paulo: Atlas, 2003. p. 78 et seq.

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Tal fato mitiga o acesso à justiça e diminui consideravelmente a perspectiva de

efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais previstos na ordem constitucional,

reacendendo a noção de insinceridade constitucional e fragilizando o próprio Estado de

Direito Democrático.

Que fazer, então?

Como o objetivo deste trabalho é, declaradamente, acenar com uma nova perspectiva

instrumental, visando à proteção efetiva dos direitos sociais meta-individuais, entendo que é

necessário “pescar pérolas” na própria Lei da Ação Civil Pública, como se verá adiante.

Como vimos, as garantias sociais, econômicas e culturais têm inequívoco amparo

legal e constitucional, o que lhes garante normatividade e exigibilidade inquestionáveis. Tais

garantias constituem direitos subjetivos, que podem ser exercidos por qualquer cidadão ou

grupos sociais, posto que gravados pelo caráter da fundamentalidade, da universalidade e

da integralidade e, em alguns casos, da absoluta prioridade.

O problema é que a judicialização desses direitos está hoje à mercê do Ministério

Público e das organizações sociais oficiais, sendo que estas só se legitimam após um ano de

existência formal, de modo que dificultam o acesso dos cidadãos e dos grupos sociais ao

espaço jurídico-institucional.

5.4 A dimensão substancial do Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição: o acesso à justiça

como Direito Fundamental inalienável

O modelo hoje vigente, como se observa, inibe a efetividade constitucional e, de resto,

exclui considerável parcela de titulares de direitos da fruição material com que se

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comprometeu o Estado, o que parece não se adaptar ao princípio fundamental da

inafastabilidade da jurisdição.

Manoel Antônio Teixeira Filho relata que

o princípio da inafastabilidade da jurisdição possui profundas raízes históricas e representa uma espécie de contrapartida estatal ao veto à realização, pelos indivíduos, de justiça por mãos próprias (exercício arbitrário das próprias razões, na peculiar dicção do Código Penal - art. 345); mais do que isso, ela é uma pilastra de sustentação do Estado de Direito96.

Esses aspectos são um importante suporte para orientar e justificar uma interpretação

otimizada do princípio, como se pretende a seguir.

Ao determinar, em seu art. 5º, XXXV, que a lei não pode excluir da apreciação

judicial qualquer lesão ou ameaça a direito, a Constituição Federal foi expressa no sentido de

vetar qualquer mecanismo que impeça o cidadão de postular em juízo.

Por ser norma de hierarquia superior e também porque fundada numa nova concepção

de direito, na qual há nítida prevalência da perspectiva humana, a norma constitucional não

pode ser analisada apenas pelo seu viés conteudista, no sentido restrito de impedir que

determinada matéria possa escapar ao controle judicial.

Mais que isso! Por se tratar de uma regra de otimização, de uma garantia fundamental

da pessoa humana, a interpretação mais coerente e consistente que se pode dar à regra é a de

que ninguém pode ser excluído de ter sua demanda apreciada judicialmente.

Portanto, havendo interesse de agir, o sujeito de direito pode acionar o poder da

jurisdição, não se admitindo que regras de legitimação de natureza processual possam de

alguma forma impedir o exercício do jus postulandi, sob pena de insuperável

inconstitucionalidade.

96 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. A Sentença no Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 1996. p. 36-37.

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É certo que a legitimação extraordinária prevista para as ações coletivas tem por

escopo conferir organicidade e eficácia ao procedimento, mas é inevitável considerar

inconstitucional a norma que simplesmente impede o direito de ação aos legitimados

originários.

Razões de ordem ontológica fragilizam qualquer argumento no sentido de mitigar ou

impedir o direito à jurisdição, na medida em que, como parece óbvio, é inerente à pessoa do

interessado o exercício desse direito, se e quando lhe aprouver.

Todavia, não parece viável condenar a substituição processual em si mesma. Como

mecanismo de política judicial, o instituto é consentâneo com a instrumentalidade que se

espera do processo, o que se justifica em face da natureza das ações coletivas, marcadas pela

homogeneidade dos interesses em questão.

O que não parece razoável no caso brasileiro é o estabelecimento de regras de

legitimação sine qua non, ou seja, de exigências que não podem eventualmente ser superadas

no plano fático, pois aí, então, o Direito estará afastando-se do princípio da realidade e, por

todas as razões, impossibilitando o exercício de um direito material.

Não se discute que à lei infraconstitucional cabe definir a forma de como serão

praticados os atos do procedimento, estabelecendo pressupostos e condições para o acesso

válido à institucionalidade jurisdicional. Não se pode aceitar, todavia, que a função

organizativa da regulamentação constitua óbice intransponível a esse acesso, pois estar-se-ia

violando o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição.

Com esse enfoque, imagine-se o simples exemplo de uma pequena comunidade que

quer pleitear das instituições competentes medidas urgentes em relação à falta de

abastecimento de água de um determinado bairro. Pela falta de uma associação constituída há

mais de um ano, não terá essa comunidade direito à jurisdição?... Por qualquer ângulo que se

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possa observar a questão, até mesmo a mais conservadora dogmática, haverá de responder

negativamente.

Trata-se de uma pseudo-racionalidade abstrata, na medida em que – sendo norma de

conteúdo meramente instrumental e tendo sua aplicação direcionada para esse fim – pode ela,

em contato com a realidade prática da vida social, funcionar em sentido inverso, a ponto de

conspurcar do real interessado o direito subjetivo à ação.

Os processualistas contemporâneos insistem com razão na idéia de que a jurisdição

não é uma entidade metafísica dissociada da realidade, pois, com a sua criação, o Estado

pretendeu “garantir que as normas de direito substancial contidas no ordenamento jurídico

efetivamente conduzam aos resultados enunciados, ou seja: que se obtenham, na experiência

concreta, aqueles precisos resultados práticos que o direito material preconiza”97.

É evidente que há inexorável prevalência do princípio constitucional sobre a norma

regulamentadora, por isso torna-se plausível que a solução da hipótese seja resolvida com

base no princípio da proporcionalidade, este decorrente da opção política do legislador

constituinte ao estabelecer o estado democrático de direito.

O dilema pode também ser solucionado no restrito campo da processualística,

aplicando-se os critérios de legitimação da ação popular, posto que, nesta, o cidadão é

legitimado para a defesa de interesses difusos os mais relevantes, inclusive de ordem político-

administrativa e financeira do Estado, razão pela qual nenhuma incongruência há em que esse

mesmo cidadão postule em causa própria direitos sociais, que constituem a própria finalidade

da organização estatal, ainda que extensiva a outros titulares do direito.

A jurisprudência brasileira, salvo melhor juízo, ainda não enfrentou essa questão

específica da legitimação de pessoa ou grupos de pessoas naturais para as causas de natureza

coletiva, todavia tem mitigado o rigor formalista, ao admitir, por exemplo, em nome da

97 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo et al. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 116.

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prevalência do interesse social, que seja dispensado o requisito da pré-constituição da

associação representativa.

Julgando o Recurso Especial 520.454/PE, o Superior Tribunal de Justiça acolheu o

voto do Ministro Barros Monteiro e declarou que “presente o interesse social evidenciado pela

dimensão do dano e apresentando-se relevante o bem jurídico a ser protegido, pode o juiz

dispensar o requisito da pré-constituição superior a um ano da associação autora da ação”98.

O STJ também tem sido flexível quanto a admitir como legitimadas para a Ação Civil

Pública associações que não sejam constituídas exclusivamente para a defesa de interesses

específicos, com o que alargou o alcance da norma legal e possibilitou o maior acesso da

comunidade nacional ao espaço jurisdicional.

Os casos de que se cuida, embora circunscritos a questões relativas à capacidade

postulatória, demonstram uma evidente tendência da jurisprudência no sentido de ampliar à

sociedade o direito à litigiosidade coletiva, sempre que o bem jurídico a ser tutelado seja

relevante do ponto de vista humano, aplicando-se, para tanto, a técnica da prevalência do

interesse social.

Nesse sentido, é de se defender o ponto de vista de que a função jurisdicional pode

admitir pessoa ou pessoas naturais como legitimadas para postular direitos coletivos através

da ACP, desde que demonstrada a inexistência de associação civil que atenda às exigências

previstas na referida norma, pois só assim será possível conferir ao processo a condição de

instrumento efetivo para a realização dos direitos coletivos.

98 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF nº 45, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 04/05/04. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 3 dez. 2006.

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5.5 A questão do conceito de sujeitos de Direitos: por uma legitimação individual ou

litisconsorcial nas ações coletivas

Antonio Gidi critica o sistema de legitimação extraordinária adotado pela Lei da Ação

Civil Pública e afirma que o titular primeiro da lide coletiva é a própria comunidade ou

coletividade titular do direito material99, máxima que torna no mínimo impróprio impedir o

direito subjetivo de pessoas ou grupos de pessoas naturais na defesa de suas garantias.

Parece claro que o legislador brasileiro, ao excluir das pessoas naturais o direito

subjetivo à ação, foi discricionário e desconsiderou quase um século de existência da teoria da

personalidade jurídica, para a qual a pessoa é sinônimo de sujeito de direitos.

É óbvio que a evolução doutrinária não aceita mais a exclusividade da teoria da

personalidade no campo da postulação. Admite-se, hoje, a substituição processual, a condução

autônoma do processo e, mais recentemente, a capacidade de ser dos entes despersonalizados,

pois “a capacidade de ser parte é a qualidade atribuída a todos os entes que possam tornar-se

titulares das situações jurídicas integradas na relação processual”100.

A questão que se coloca como relevante – e interessa de forma específica a esta

reflexão – é a de que o argumento jurídico, que serve para quebrar a exclusividade da pessoa

como sujeito de direitos, não se presta, todavia, a excluí-la.

A pessoa natural, como resta demasiadamente óbvio, constitui o sujeito de direito

originário e, por excelência, a ela se destinam as normas materiais e, por conseguinte, a ela se

atribui a legitimação processual ordinária. 99 GIDI, Antonio. A coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 36. 100 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 282. Vol. 2.

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Vale dizer: na legitimação não-ordinária – compreendendo os casos de substituição

processual, de autonomia para condução do processo e a legitimação extraordinária

propriamente dita – há apenas a capacidade postulatória, enquanto na legitimação ordinária há

esta capacidade e, mais ainda, a titularidade do direito.

Essas características conferem ao indivíduo uma legitimação otimizada, ontológica,

natural que, só em casos excepcionais, podem ser mitigados, geralmente por fatos ligados à

incapacidade civil da pessoa, decorrentes do caráter protetivo do direito, não de orientação

excludente.

É bom notar que os direitos sociais, econômicos e culturais, como já aqui abordado,

constituem interesses individuais homogêneos indisponíveis, o que importa afirmar que são

direitos de conotação híbrida, na medida em que pertencem à coletividade em geral, porém

dizem respeito à individualidade especificamente (não são difusos), o que reforça o

argumento em favor da legitimação ordinária.

É oportuno lembrar que os cidadãos, individualmente ou por intermédio de

litisconsórcio, podem manejar a ação popular. Nesse caso, agem como legitimados

extraordinários, como verdadeiros substitutos processuais em defesa do interesse de toda a

coletividade ou até mesmo da Administração Pública, configurando uma atividade bem mais

complexa que a defesa do seu próprio interesse.

Portanto, é no mínimo incongruente que o ordenamento legal brasileiro confira

representatividade adequada para que cidadãos – de quem se exige apenas o exercício de seus

direitos políticos – postulem a defesa de interesses difusos da sociedade, entretanto lhe

neguem o direito de representarem a si próprios enquanto titulares de direito.

Parece pouco razoável que a completude e a lógica do sistema jurídico sejam

mitigadas, a ponto de permitir tamanha anomalia, importando mencionar que, no caso da ação

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popular, a provisão judicial tem efeito erga omnes, o que o legislador confiou ao legitimado

pessoa natural prerrogativa de representar a sociedade como um todo.

A legislação brasileira operou um corte abrupto e extravagante, pois o legislador não

percebeu que, dentre as exigências para a existência da capacidade processual, a primeira é a

capacidade de ser parte, condição essa que não pode aleatoriamente ser retirada da pessoa

natural.

Portanto, não é possível aceitar, à luz da teoria geral do direito, que a norma brasileira

exclua as pessoas naturais do rol dos legitimados para a ação coletiva que vise a reivindicar

direitos sociais, econômicos e culturais.

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CONCLUSÃO: OS TITULARES DE DIREITO COMO SUJEITOS DE DIREITO

Dizer que a Constituição Federal de 1988 é produto do seu tempo soa como uma

grande obviedade. Mas esse ponto de partida é fundamental para explicar uma de suas

melhores e mais interessantes características, o internacionalismo, que se pauta pelo princípio

da prevalência dos direitos humanos.

Trata-se de um compromisso jurídico-moral assumido perante a comunidade das

nações, mas, antes de tudo, é uma recepção coerente e proposital da ordem jurídica

internacional, sobretudo do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

de 1966, das Nações Unidas, que, na década de 80, teve sua importância principiológico-

normativa resgatada em razão do fim da guerra-fria.

Desse documento, recolheu o princípio segundo o qual o “[...] reconhecimento da

dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e

inalienáveis constitui fundamento da liberdade, da justiça e da paz no Mundo”101.

A Constituição também sofreu inegável influência da Declaração sobre o Direito ao

Desenvolvimento de 1988, das Nações Unidas, com base no qual o texto nacional constrói a

sua teoria da justiça social e incorpora os princípios da inalienabilidade, da integralidade, da

indivisibilidade e da progressividade dos direitos sociais.

101 O texto consta do Preâmbulo do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, sociais e culturais, 1966. Disponível em: <www.onu-brasil.org.br>. Acesso em: 09 abr. 2006.

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A Constituição estabelece de forma expressa que um dos fundamentos basilares da

República é a dignidade da pessoa humana102 e consagra como um dos seus precípuos

objetivos construir uma sociedade livre, justa e solidária, e promover o bem de todos103.

Por outro lado, confere fundamentabilidade aos direitos sociais e declara-os auto-

aplicáveis, ao mesmo tempo em que refunda a ordem social:

a) garantindo educação fundamental e saúde gratuita e, universalmente, vinculando

disponibilidades orçamentárias para as respectivas políticas públicas; e

b) especificando outras garantias de proteção à família, à maternidade, à criança e

ao adolescente, à velhice e às pessoas portadoras de deficiência.

Enfim, desloca a ordem constitucional e o serviço público do Estado para o seu

componente humano, o povo, reconhecendo nele o sujeito central do processo de

desenvolvimento104 e, com isso, que a igualdade de oportunidade para o desenvolvimento é

um direito tanto das nações quanto dos indivíduos.

O exercício hermenêutico fundado no princípio da normatividade dos princípios

constitucionais permitirá perceber que os direitos sociais têm foro jurídico de exigibilidade,

ainda mais se se compreender que, além de realidade social, o Direito é uma teoria ativa da

sociedade, cuja finalidade é determinar o que deverá ser105.

Nesse sentido, como já dito aqui, a decisão do Supremo Tribunal Federal (RE

436.996-6/SP) não apenas reforça, mas praticamente define uma nova concepção naquela

Corte, no sentido de minimizar as limitações dogmáticas e alargar o direito à jurisdição na

defesa de direitos sociais positivos, na medida em que mitiga o poder discricionário da

administração em matéria envolvendo garantias fundamentais.

102 Art. 1.º, III, da CF/88. 103 Art. 3.º, I e IV, da CF/88 104 A expressão consta do Preâmbulo da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, 1986. 105 ASSIER-ANDRIEU, Louis. O Direito nas sociedades humanas. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

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A questão, portanto, é saber como e quando esses direitos devem ser tutelados e

protegidos em face da omissão estatal e como a exigibilidade por ser instrumentalizada.

Este estudo demonstrou que, à luz da Constituição vigente, a exigibilidade dos direitos

sociais obedece aos critérios da imediatidade e da progressividade, este último inteiramente

adequado à realidade econômico-financeira e operativa do Estado brasileiro.

De exigibilidade imediata são os direitos à educação e à saúde, uma vez que o poder

público não pode negá-los, haja vista a vinculação de recursos considerados suficientes para a

implementação dos respectivos programas.

De exigibilidade progressiva – mas de conteúdo não menos justificável – são os

demais direitos relativos à seguridade, cuja exigibilidade tem forte dimensão subjetiva,

portanto igualmente exigíveis, embora limitados às disponibilidades financeiras do poder

público, sem desconsiderar, no entanto, os chamados mínimos existenciais.

Nesse caso, a exigibilidade não pode mais ser dimensionada como categoria política e

ganha foro de juridicidade substantiva, de forma que cabe à jurisdição o poder geral de tutela,

com a inovação de que pode também ter a função avaliativa, com base na dimensão geral de

sua função de controle.

Para a satisfação positiva desses direitos, o ordenamento jurídico brasileiro ainda não

dispõe de instrumentalidade procedimental adequada. A Ação Civil Pública, que é anterior à

Constituição de 1988, inibe a ação dos grupos e segmentos sociais legitimados e interessados

em agir, visto que é fundada em pressupostos típicos do processo de perfil liberal, autárquico,

rígido e oficialista.

O Direito comparado permite-nos vislumbrar a possibilidade de incorporar à cultura

jurídico-processual pátria, de cunho eminentemente formalista, mecanismos procedimentais

fundados na lógica da instrumentalidade de resultado.

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São exemplos disso a class action norte-americana, que permite ao indivíduo

representar um grupo ou segmentos sociais, cuja legitimidade, de cunho material e não

processual, é verificada pela própria instância julgadora, permitindo flexibilidade, agilidade e

maior acesso à justiça.

Experiências outras existem nos países subdesenvolvidos, como é o caso do litígio de

interesse público, que, mesmo na dimensão inicialmente individual, pode merecer relevância

pública, a ponto de alcançar a dimensão social ou grupal e possibilitar ampla

instrumentalidade, agilidade e economicidade processuais.

Para tanto, demonstrou-se a necessidade da intervenção dos próprios titulares dos

direitos sociais na esfera judicial, uma vez que o binômio da exigibilidade-legitimidade

formal, hoje vigente, não atende com eficiência às necessidades da sociedade contemporânea.

O trabalho é concluído com a tese de que a regra de legitimação prevista no artigo 5º,

I, da Lei nº 7.347/85, que garante acesso à justiça apenas às organizações sociais formais com

um ano de existência, contraria a normatividade e a dimensão principiológica constitucionais,

uma vez que cerceia o acesso à justiça sem plausibilidade jurídica às pessoas e grupos de

pessoas naturais, confrontando-se com o princípio da inafastabilidade jurisdicional, que dever

ser interpretado não apenas do ponto de vista do direito, mas também do direito ao seu

exercício.

As normas de legitimação extraordinária ou de condução autônoma do processo –

conferidas apenas ao Ministério Público e às associações formais constituídas há mais de um

ano – não excluem o jus postulandi ordinário, uma vez que não se pode subtrair do titular do

direito o acesso à jurisdição e cabe ao Poder Judiciário, por meio da função interpretativa,

superar o empecilho procedimental e garantir às pessoas e grupos de pessoas que tenham

interesses jurídicos eventualmente convergentes o direito inalienável à prestação

jurisdicional.

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Para tanto, basta que se use o conteúdo normativo do art. 5º, XXXV, da Constituição

Federal, que confere ao titular do direito lesado o acesso à tutela da jurisdição, desde que

demonstre interesse de agir, conforme estatuem os artigos 2.º e 3.º do Código de Processo

Civil, um dos corolários da teoria da personalidade.

Ressalte-se, em reforço ao argumento, que a nossa ordem jurídica contempla a

possibilidade da legitimação de pessoas naturais no exercício de seus direitos políticos para a

defesa de interesses difusos da sociedade. É o caso, por exemplo, da ação popular que vise à

proteção do patrimônio público.

Ora, se um cidadão ou um grupo de cidadãos pode conduzir autonomamente demanda

de tamanha complexidade e dimensão, inclusive com efeito erga omnes, é fácil concluir que

nada obsta a que esse mesmo cidadão possa reivindicar direito de que é titular, sob pena de

incongruência que viola o princípio hermenêutico da integração.

Assim, é de todo plausível que a função interpretativa conferida ao poder jurisdicional

solucione a lacuna, permitindo que, mesmo não mencionados expressamente na LACP,

possam os cidadãos ter acesso à justiça na postulação de interesses que lhes são próprios.

Enfim, da reflexão analítica aqui exposta, é plausível chegar à conclusão sintética de

que a legitimação extraordinária (substituição processual ou condução autônoma do

processo), prevista na Lei da Ação Civil Pública, especialmente no art. 5º, I, não exclui a

legitimação ordinária, que pode ser operada pelos titulares do direito, no caso as pessoas

naturais.

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