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    IV Simpsio Nacional e III Internacional de Estudos Celtas eGermnicos. UFMA, 5 a 8 de outubro de 2010.

    RealizaoGrupo Brathair de Estudos Celtas e Germnicos

    NEVE: Ncleo de Estudos Vikings e Escandinavos

    CoordenaoPro. Dr. Johnni Langer (UFMA)

    Proa. Ms. Luciana de Campos (UFMA)

    Comisso OrganizadoraProa. Dra. Adriana Zierer (UEMA)Fernanda Rosete da Silva (UFMA)

    Gracielly Ferreira Nogueira (UFMA)Kellyenne Silveira Souza (UFMA)

    Danillo Sergio da rindade Soleiro (UFMA)Zuleide exeira (UFMA)

    Denise Reis Mendes (UFMA)Priscila Corra (UFMA)

    Jairo Muniz (UFMA)

    Comisso cientficaProa. Dra. Adriana Zierer (UEMA)

    Pro. Dr. lvaro Bragana Jnior (UFRJ)Pro. Dr. Joo Lupi (UFSC)

    Proa. Dra. Adriene Baron acla (UFF)Proa. Dra. Arlete Mota (UFRJ)

    Pro. Dr. Moizs Romanazi orres (UFSJ)Pro. Dr. Johnni Langer (UFMA)

    Proa. Ms. Luciana de Campos (UFMA)

    ApoioDepartamento de Histria UFMADepartamento de Histria UEMA

    FAPEMA

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    A religiosidade dos celtas e germanos: anais do IV Simpsio

    Nacional e III Internacional de Estudos Celtas e

    Germnicos/Johnni Langer; Luciana de Campos (orgs.).So Lus: UFMA/Grfica Santa Clara, 2010.

    ISSN: 217589480X

    1. Histria antiga. 2. Histria medieval. I. Langer, Johnni.

    II. Campos, Luciana de. III. Grupo Brathair de Estudos

    Celtas e Germnicos. IV. Universidade Federal do

    Maranho. V. tulo.

    CDU: 931

    CDD: 930

    ndices para catlogo sistemtico:1. Idade Mdia: Histria: 940.12. Antiguidade: Histria: 940.03. Civilizaes antigas: Cultura: 390.0938

    4. Civilizaes medievais: Cultura: 292.0902

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    APRESENAO

    O estudo da religiosidade antiga e medieval vem se destacandona produo acadmica nas ltimas dcadas, intensificada pelasperspectivas que concebem sua utilizao para entendermos com maisproundidade as interaes sociais e a relao entre as mais diversaseseras, sejam polticas, institucionais, econmicas e culturais. Alis,a prpria definio de cultura vem sendo atrelada a um reerencialeminentemente religioso: Junto a capacidade de produzir e transmitircultura, a experincia religiosa a marca mais distintiva da humanidade

    (Pedro Funari, As religies que o mundo esqueceu, 2009).Os estudos envolvendo mitologia e religiosidade constituemalguns dos principais eixos investigativos sobre os povos celtas egermnicos. As reflexes sobre teoria do mito, presentes de maneiramuito contundente na academia ocidental desde o Oitocentos, sempreprivilegiou o material advindo dos povos europeus pr-cristos, sejacom os pioneiros da Psicologia, Antropologia e da Histria. Maisrecentemente, as investigaes da cultura material, da lingstica, da

    literatura e da antropologia cultural alargaram os horizontes temticose as problematizaes deste tema, confluindo para o campo da histriadas religiosidades, denotando enfim, uma nova maneira de perceberos significados scio-culturais das ormas de crenas dos celtas egermanos, da Antiguidade ao fim do medievo.

    Os artigos reunidos nesta coletnea correspondem a algunsdos trabalhos apresentados durante o IV Simpsio Nacional e IIIInternacional de Estudos Celtas e Germnicos, realizado na UFMA de

    5 a 8 de outubro de 2010. Envolvendo desde a perspectiva da culturamaterial e da Arqueologia at aos estudos de literatura e mitologiamedieval, os artigos demonstram um amplo espectro de possibilidadespara as investigaes da religiosidade dos celtas e germanos. Passandopor ontes literrias, epigrficas, documentos polticos, filolosficose iconogrficos, a presente obra permite ao leitor um contato com asmais amplas perspectivas de investigaes a respeito de alguns dospovos mais importantes para a ormao da Europa Ocidental.

    Johnni Langer e Luciana de Campos (UFMA)

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    SUMRIO:PrefcioEstudos Celtas:- Os Glatas de So Paulo eram celtas?Joo Lupi .................................................................................................9- O ritual sacrificial de humanos e de animais entre os CeltasSilvana rombetta ................................................................................24- Oppida celtibricos: algumas consideraes sobre os assentamen-tos pr-romanos na Pennsula Ibrica.Irmina Doneux Santos ........................................................................42

    - Mitologia e Religiosidade celta: proposta de interpretao a partirdo pensamento de Carl Gustav Jung.Ftima Lobo .........................................................................................58- A viso do diabo nA demanda do santo GraalAdriana Zierer .................................................................................... 88

    Estudos germnicos:

    - Saberes romanos: a religiosidade germnica em Csar e citoArlete Jos Mota ............................................................................... 101- O Conceito de Universal em John Duns ScotMoiss Romanazzi orres ................................................................ 111- De Imperador dos ltimos Dias a Anticristo O papel escatol-gico e a demonizao poltica dos imperadores germnicos (1152-1250).Vinicius Cesar Dreger de Araujo.................................................... 122

    - A cristianizao da Escandinvia nas sagas islandesasJohnni Langer .................................................................................... 143- Discusses etimolgicas e religiosas sobre os berserkir e os ulfenarPablo Gomes de Miranda ...................................................................................................................................................................................165- Breve anlise de dois poemas lricos anglo-saxnicos sob a perspec-tiva da tradio oral pr-crist

    Joo Bittencourt de Oliveira ............................................................176

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    OS GLAAS DE SO PAULO ERAM CELAS?

    Pro. Dr. Joo Lupi (UFSC/Brathair)

    1. A questo que despertou nosso interesse pela resposta pergunta:se os glatas a quem se dirigia So Paulo eram celtas? a seguinte: supondoque a Epstola se destina aos cristos celtas que o apstolo conhecia ser queela nos ensina algo a respeito desses mesmos celtas? Contra esta hiptese, aprimeira resposta oi negativa: estes glatas da Epstola no eram celtas. Porma investigao valeria a pena porque ela nos instigou a procurar saber algo maissobre os glatas da sia, e deste modo colocar mais uma pedra, importante, no

    mosaico de povos celtas que tem sido construdo pela revista Brathair, e nossimpsios e colquios do grupo. No temos ainda um panorama completo dospovos celtas, mas uma boa parte dos vestgios dos portadores da cultura celta joram abrangidos e reportados por ns, desde os primrdios da Idade do Ferro:helvcios, lusitanos, belgas, galegos, escotos, bretes, galeses e outros. O queconhecermos dos glatas da sia pode ajudar a entender o que sabemos dosceltas ocidentais: preencher lacunas, confirmar dados duvidosos. Por exemplo:qual a origem dos druidas, e se todos os celtas tinham druidas Estrabo dizque sim, porm isso no oi confirmado. Mas h indcios consistentes, e muitos

    comentaristas os vem como positivos, de que entre os glatas aos quais se di-rigia o Apstolo havia celtas, e portanto precisamos conhecer melhor no s ahistria e cultura desse povo, que uniu a Europa sia Menor, mas tambm aprpria Epstola e seus comentadores.

    2. Num certo dia do ano 335 a.C. Alexandre chefiava um exrcito desoldados macednios nas montanhas dos Balcs. Os celtas que habitavam essaregio no alto Danbio, estavam admirados com a ousadia do jovem mace-dnio de vinte e um anos que entrara em suas terras, e alguns chees oram

    visit-lo. Na conversa de um deles com Alexandre estava presente o amigoPtolomeu, o que depois oi ara; trinta anos mais tarde, quando redigiu, ouditou, em Alexandria a biografia do seu amigo, Ptolomeu ainda se recordavada rase que o celta proeriu: no temos medo de nada a no ser que o cu caiasobre as nossas cabeas (Herm 35). Porm Alexandre, deixando os celtas e osBalcs, dirigiu-se para Oriente. Quando finalmente o seu imprio, dividido eenraquecido, j no oerecia resistncia, os celtas invadiram a Macednia ea Grcia, atacaram o Santurio de Delos, recuaram, e depois dirigiram-se rcia, onde acamparam sob as muralhas da rica cidade de Bizncio (279). Parano ser perturbada pelos seus ataques a cidade oereceu-lhes um bom tributo e

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    consentiu que os celtas se instalassem do outro lado do brao de mar que, pelasriquezas nele desembarcadas, ficou conhecido como o Saco ouCorno de Ouro(Xrisokeras). Convidados pelo rei da Bitnia, Nicomedes, envolvido em guerra

    civil, os celtas atravessaram o Bsoro e logo comearam sua obra guerreira;porm alguns preeriram ficar no Corno de Ouro e usuruir das riquezas deBizncio; at hoje esse lugar conhecido como o bairro de Glata, onde osturistas iam visitar a ponte Glata (que unia o centro da cidade ao bairro, e queoi destruda por um incndio), e onde a orre Glata oi reconstruda vriasvezes. A existiu um palcio, ou Saray, no cruzamento de avenidas em rente aoatual Consulado da Gr-Bretanha, e nesse lugar nasceu o clube de utebol Ga-latasaray. Na sua migrao para oriente esse bairro oi o ltimo remanescentepacfico da passagem dos glatas.

    3. Depois de saquearem a Macednia e a rcia passaram sia e todosos reinos ficavam ansiosos para que eles passassem para outros vizinhos; e elesestavam to prontos a servir como mercenrios que nenhum exrcito naquelesdias parecia prescindir de um contingente de tropas celtas (Mahaffy 76 84).Eram vistos como invencveis, mas como estavam prontos para combater emtodos os lados muitas vezes se neutralizavam uns aos outros. E assim, depoisque Nicomedes da Bitnia os contratou, as razias em pouco tempo fizeram dosceltas o terror da sia Menor. Sua violncia era uma ameaa para a civilizaohelenstica. Nas suas incurses os celtas encheram os coraes com uma novaespcie de terror ao ponto de inspirar em Prgamo um novo estilo de esculturadramtica. As narrativas acerca da crueldade selvagem dos glatas so assus-tadoras, pois desrespeitavam todas as normas da guerra civilizada: deixavamos mortos insepultos, roubavam todos os tmulos antigos, chacinavam e rap-tavam, e at comiam os filhos dos gregos (Mahaffy ib); nenhum personagemdas lendas homricas era to terrvel. Os glatas podiam dominar nas batalhas,mas no conheciam outro uso da vitria que no osse a pilhagem e a rapina

    sem propsito. Estes brbaros do norte no tinham respeito por homens nempor deuses, pela idade nem pelo sexo, por juramentos nem promessas, nemtinham sentido de honra ou de misericrdia(Mahaffy ib).

    Para os povos da sia Menor eles deviam parecer um flagelo divino,um espinho na carne que infligia uma dor insuportvel. Sua presena provoca-va no s dio e medo mas tambm o anseio pela chegada de algum salvadorque pudesse livrar o mundo civilizado dessa maldio (Herm 45). Por issoAntoco III oi cognominado Soter, o Salvador, por t-los derrotado (em 227a.C).

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    Mas os romanos que os submeteram logo dominaram toda a Anatliae rapidamente se tornaram saqueadores, que em menos de uma gerao fica-ram brutais; oram os romanos que dois sculos antes na Pennsula Ibrica no

    respeitaram palavra, nem honra, nem deuses e dominaram e massacraram oslusitanos duas vezes, valendo-se da traio. Portanto h que considerar estasdescries da brutalidade celta/glata como obedecendo a um estilo liter-rio que sempre representa os invasores como brbaros violentos, que comemcriancinhas; e como os relatos das batalhas so eitos pelos generais ou seusassessores quanto mais se representar os adversrios como terrveis maior sero mrito de quem os derontou, quer tenha perdido quer tenha ganhado a bata-lha: se ganhou, a vitria grande, se perdeu, a derrota mnima. Alm disso asprprias esculturas de Prgamo, especialmente a do gauls moribundo (que um glata) e a do suicdio do glata, mostram a tragdia do vencido e o al-vio do vencedor; as esculturas exprimem, de orma pungente, o sorimento e agrandeza desse povo, que os asiticos temiam e admiravam (Herm 45).

    Sobre o modo de vida dos celtas da Anatlia temos poucas inormaes,a maior parte provenientes de Estrabo e Plnio: havia um governo colegiado,composto por um conselho de representantes de cada reino ou regio (4 porregio, mais tarde s um); acima deste conselho havia uma assemblia de 300membros que se reunia anualmente no bosque sagrado, o nemeton ou drune-meton. E pouco mais os autores antigos nos contam. Porm, desde a dcada de1950 uma equipe de arquelogos do Museu da Pennsylvania, liderada inicial-mente por Rodney S. Young realizou excavaes em Gordion, que pertencia rea glata, e encontrou tmulos, e evidncias de sacricios do tipo celta,inclusive com vtimas humanas. Contudo uma descrio geral da cultura celtada Anatlia antes de sua incorporao ao Imprio Romano ainda est por azer;e a provvel influncia celta na cultura popular da Anatlia central poucoconhecida.

    4. Vem agora a nossa primeira pergunta: a Epstola de So Paulo aosGlatasdirigia-se a esses celtas? Comecemos pelo estudo do texto, e para co-nhecer o seu contedo vamos azer dela um breve sumrio, destacando algunspontos que nos parecem de maior interesse para o nosso objetivo.

    - captulo 1: Paulo apstolo (enviado) no pelos homens, nem atravsdos homens, mas por meio de (di) Jesus Cristo e por Deus Pai que o ressusci-tou de entre os mortos, com todos os irmos que esto comigo, s comunidadesda Galcia: que a graa esteja convosco e a paz que vem de Deus nosso Pai e do

    Senhor Jesus Cristo, que se entregou pelos nossos pecados a fim de nos arran-

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    car deste mundo de maldade, segundo a vontade de Deus nosso Pai, a quem aglria pelos sculos, assim seja. Me admiro de que to depressa abandonastesaquele que vos chamou pela graa (de Cristo), e que (o trocastes) por outro

    Evangelho (Gl 1, 1-6). Paulo diz e repete: h s um Evangelho de Jesus Cristo,que ele revelou e que no vem dos homens. Paulo, que oi judeu e perseguiu oscristos no tem mais nada a ver com o judasmo, pois recebeu uma revelaodivina, que lhe chegou diretamente; permaneceu apenas duas semanas junto dePedro, confirmando o que tinha recebido, nem conheceu ento as comunida-des crists da Judia (Gl 1, 7-24) portanto no oi com eles que aprendeu o quepregava de Cristo, mas o recebeu do prprio Cristo.

    - captulo 2: em diversas ocasies Paulo rejeitou a submisso s prticas

    judaicas, pois no seu entender a salvao est apenas na em Jesus Cristo, enisso ele ora aprovado pelos apstolos; mas tendo visto as hesitaes de Pedroe de iago chamou a ateno deles, insistindo em que os cristos vindos dopaganismo no deviam ser obrigados a cumprir as normas da Lei dos judeus.Deixei a Lei dos judeus, diz ele, para viver para Deus: vivo, mas no sou maiseu, Cristo vive em mim (...) se a justia se obtivesse pela Lei Cristo teria morri-do em vo (2, 1-21) .

    - captulo 3. glatas sem juzo, quem que vos eneitiou? (3,1)

    Comearam to bem as vossas comunidades segundo o Esprito, diz ele, porqueagora perder o juzo e tornar a viver segundo a carne? Deus ez a promessa aAbrao, que estendeu a toda a sua descendncia, que somos ns. Se durantealgum tempo a promessa ficou sob o domnio da Lei de Moiss oi depois su-perada por Cristo: nele todos so a herana de Abrao, e j no h judeus nempagos, nem escravo nem livre, pois todos so um s (3, 1-29).

    - captulo 4: aqueles que crem em Cristo no so mais escravos de obri-gaes, mas so livres na . Quem no conhece o verdadeiro Deus escravode deuses que no existem; mas depois que o conhecestes, diz ele, como podeisvoltar atrs e ser escravos de coisas inconsistentes e sem poder? No deveisvos submeter s normas que so regidas pelos dias, meses, estaes e anos, edesabaa: Perdi tempo convosco. A primeira vez que Paulo lhes anunciou oEvangelho estava doente, mas oi recebido com alegria e dedicao. Paulo sequeixa amargamente do erro dos glatas e diz que, como no pode ir v-los nosabe o que azer. E compara a herana de Abrao com os seus filhos, um quenasceu da escrava Agar, e esse submetido Lei, e outro que nasceu da esposaSara, e esse livre (4, 1-31).

    - captulo 5: Quem oi libertado por Cristo no deve voltar ao jugo an-

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    terior. Quem acha que ser justo ou salvo por ser circuncidado e por praticara Lei cai em desgraa, pois s o Esprito que liberta na a na caridade. Osrutos do Esprito Santo e da caridade so: a ajuda mtua, a alegria, a paz, a

    pacincia, mas os que vivem segundo a carne porque se desviaram da verdadevivem na desordem, se mordem e devoram uns aos outros, e se destroem; osrutos dessa vida so: ornicao, impureza, obscenidades, idolatria, eitiaria,inimizades, dios, disputas, invejas, clera, cime, divises, rivalidades, bebe-deiras, comilanas e coisas semelhantes (5, 1-26).

    - captulo 6: ermina com uma longa exortao, cujo tema nico : osirmos devem ajudar-se mutuamente, sem se cansar de azer o bem, e para issono preciso ser circuncidado.

    O tema da Epstola claro: quem tem em Cristo est livre das obri-gaes do judasmo, no precisa delas para ser salvo. Por seu lado a situaodos cristos glatas bem definida: oram evangelizados por Paulo, aceitarama em Cristo, mas, logo depois (to depressa abandonastes), enganados porpregadores judaizantes, comearam a adotar a circunciso e outras obrigaesdos judeus. A nossa questo : os glatas a quem Paulo pregou eram judeus queretornaram s prticas da Lei, ou eram pagos que, depois de serem cristos,adotaram idias judaizantes? No primeiro caso, se eram judeus no podiam ser

    glatas celtas; mas se eram pagos podia ser que ossem celtas. Ora Paulo d a entender que o uso de rituais judaicos um retorno,

    uma volta atrs, e vrias vezes diz explicitamente voltar atrs (palin), parecen-do, pois, dirigir-se a judeus, e no a pagos. Mas num contexto doutrinrio, eno literal, no esse o entendimento das rases, pois tanto os pagos como osjudeus so escravos e vivem ora da verdade; s os cristos so livres e vivemde verdade, porque vivem em Cristo. Portanto voltar atrs no quer dizer umretorno de judeus ao judasmo, mas o abandono da liberdade da verdadeira.Mais ainda, h outras aluses e rases que s podem ser bem entendidas sese reerirem aos glatas tnicos: reere-se aos pagos convertidos, ou cristosvindos do paganismo, que no devem ser obrigados Lei dos judeus (2,14); dizque antes eles oram pagos e eram escravos de alsos deuses (4,8); as estas ecelebraes segundo os dias, meses, estaes e anos (4,10) seriam mais prpriasde pagos vivendo ritos agrrios do que de judeus da dispora desenraizadosda terra; reere-se circunciso como uma prtica que ora introduzida entre osglatas recentemente (5,2) e no como um costume que os judeus observavamsempre.

    Portanto os glatas era gentios, isto , no judeus, mas ser que eram

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    celtas? Em alguns trechos da Epstola parece que estamos a ver os celtas queconhecemos de outras descries: glatas sem juzo, no se mordam uns aosoutros, parem de lutar uns contra os outros, no se destruam entre irmos,

    deixem-se de bebedeiras e comezainas, larguem a eitiaria e a idolatria (Herm,43 desta opinio).

    5. emos ainda, porm, o problema crucial: ser que So Paulo este-ve nas terras dos glatas celtas, no centro da Anatlia? No cil decidir: osbigraos de So Paulo, e os comentrios ao livro dosAtos dos Apstolose daEpstola aos Glatasdesenham os itinerrios do apstolo com relativa unani-midade, mas encontram muitas dificuldades para definir alguns detalhes; e hlacunas nas inormaes acerca de comunidades que ele undou. Os indcios

    que podiam decirar os itinerrios nem sempre so claros, como a passagemnosAtosdos Apstolos(18,23) que diz que, para confirmar os discpulos, Paulopercorreu, na terceira misso, o territrio glata e a Frigia; o prprio Paulo, naEpstola aos Corntios(1 Cor 16, 3), escrita depois da dos Glatas, menciona asigrejas do sul da Galcia, mas no as do norte,

    Outro testemunho vem do apstolo Pedro, que na sua primeira Epstolase dirige aos cristos do Ponto, Galcia, Capadcia, sia e Bitna (1 Pe 1,1)isto , s regies do norte da Anatlia; se a Galcia citada por Pedro neste

    contexto geogrfico ele no est alando da Provncia Romana do sul, mas dasua parte norte, a Galcia celta, onde haveria cristos - evangelizados por Paulo.Estes textos nos deixam com a probabilidade de os glatas da Epstola seremceltas, mas no com a certeza. Antes de voltar aos textos do Novo estamentovejamos os argumentos vindos do mundo civil a respeito das designaes ge-ogrficas.

    Nas inscries helensticas e romanas distingue-se a Galcia da Pisdiae da Licaonia, ou da Isuria, portanto quando se nomeia a Galcia seria pro-priamente dita a terra originria dos celtas. E, posteriormente, os deocumentosquando se reerem Galcia como Provncia romana dizem expressamente: aprovncia Galtica (Viard, 10), ou a Galcia e regies vizinhas, ou ainda des-crevem cada uma dessas reas includas na Provncia. H apenas um texto decito que atribui a esse termoglataso sentido amplo (observao de Viard,que se encontra confirmada por Schlier, p.13). ambm as assemblias pro-vinciais se mantiveram separadas e a assemblia da Licaonia ou do Ponto noaziam parte da Galcia. Para o povo da regio central os romanos mantinhamo nome de galo-gregos.

    Portanto o testemunho dos textos civis da poca de Paulo parece incli-

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    nar-se a avor da denominao da Galcia como reerindo-se regio celta, masno um testemunho definitivo.

    luz destas indicaes analisemos os itinerrios constantes dos Atosdos Apstolos. Na segunda viagem diz-se que ele oi Frgia e Msia, e pensouem ir Bitnia: nesse caso ele passou pela Galcia dos tolistobages. Se entre aFrigia e a Msia tivessem ido Galcia do Sul o texto o teria dito, pois era oterritrio mais conhecido; a Galcia a que se reere a narrativa portanto acltica ocidental. Na terceira viagem diz que oi s regies superiores: anoo-terik mree; meros parte, vez, mas no plural regio; anooterik superior,ou elevado, ou regio do interior, ora a regio montanhosa da Frgia fica nasterras dos tolistobages. Kinder e Hilgemann (1964 vol.1, p.106) vo mais longe

    e desenham o itinerrio por terras de Ancira (terra dos tectosages) e da Capa-dcia, percorrendo portanto quase toda a Galcia celta; Drane (p.32) tambmdesenha o itinerrio de Antioquia a eso pelo norte.

    Passemos aos comentaristas da Epstola. A carta (epstola) oi escritaentre 52 e 56, e boa parte dos comentadores da Epstola (como Bligh e Allan)acha pouco provvel que houvesse comunidades crists entre os celtas da Ana-tlia quando Paulo a escreveu; esta a opinio de muitos estudiosos da Epstolae da vida de So Paulo. Examinemos, porm, a questo mais em detalhe.

    Desde o incio do cristianismo inmeros telogos comentaram a Eps-tola aos Glatas; entre os comentaristas mais conhecidos esto: Agostinho, Pe-lgio, Jernimo, eodoro de Mopsuesta, Joo Crisstomo, eodoreto... e maistarde oms de Aquino, Lutero, Calvino, etc. Entre os nossos contemporneos,que tambm se contam em muitas dezenas, talvez centenas, so raros os quededicam, em suas respectivas introdues, mais de duas pginas a tentar escla-recer quem seriam os provveis destinatrios da carta, se os glatas celtas donorte, se os glatas provinciais do sul.

    Entre alguns dos mais antigos comentrios Epstola aos Glatas esto de Joo Crisstomo, que oi Patriarca de Constantinopla; quando ainda erajovem e residia em Antioquia, redigiu, por volta de 395, uma homilia sobre aEpstola, mas nela no h nenhuma reerncia que nos permita identificar osseus vizinhos glatas. Jernimo tambm redigiu um comentrio, sobre o qualalaremos mais adiante.

    O testemunho mais explcito vem-nos do principal exegeta da Reormaprotestante, Joo Calvino, que no incio do seu comentrio Epstola diz (se-

    guimos a ortografia constante na traduo):

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    bem notrio em que partes da sia viviam os glatas e quais eram asronteiras do seu pas. Historiadores, porm, no concordam quanto ao lugarde sua origem. geralmente concordante que eramgalli(guerreiros), de onde

    veio seu nomegallos-gregos; mas de que parte da Glia vieram ainda menosclaro. Estrabo pensava que os tectosages tinham vindo da Gallia Narbonenses,e que os demais eram celtas; e quase todos seguiram essa direo. Mas, comoPlnio coloca os ambianii entre os tectosages, e concorda-se que eram aliadosaos tolistobogii, que viviam nas proximidades do Reno, penso ser mais provvelserem eles os belgas da parte superior do Reno para quem olha para o CanalIngls. Os tolistobogii habitavam a parte que agora se chama Cleves e Brabant.Acredito que o equvoco originou-se do seguinte: um grupo de tectosages queempreendera uma invaso na Gallia Narbonenses conservou seu prprio nomee o imprimiu ao pas que ocuparam. Isso sugerido por Ausonius, que diz:Ainda para os teutosages, cujo nome original era belgas. Pois ele os chamabelgas e diz que oram primeiramente chamados teutosages e mais tarde tecto-sages. Quando Csar coloca os tectosages na Floresta Hercyniana, considero talato como um resultado de sua migrao, e isso, de ato, transparece do contex-to (Calvino, 1998, 13) e Calvino prossegue comentando as opinies de Plnioe a submisso dos glatas ao poder romano. E passa evangelizao dessesglatas: Nos dias de Paulo, os glatas encontravam-se sob o domnio romano.

    Ele os instrura fielmente no genuno evangelho (...) (ib. 14). Portanto Calvinoduvida sobre a interpretao dos textos romanos que localizam os tectosages eseus aliados na Glia, mas no duvida de que esses gauleses, ou, mais provavel-mente, belgas, agora na sia, eram os discpulos de So Paulo.

    Passando aos comentaristas mais recentes: Schlier (13-14) considerandoestas e outras circunstncias escreveu: A designao de Os Glatasera eviden-temente costumeira apenas em reerncia aos habitantes da regio da Galciae no se estendia aos da Licaonia, da Pisdia, da Isuria etc.. Portanto quando

    Paulo diz (Gal 3,1) os glatas reere-se queles que levam esse nome, e noaos habitantes do Sul da provncia Romana, pois teria dito os licanios ou osda Pisdia. Viard (ib p.10) analisando os paralelismos com Epstolas anteriores(Corntios) e posteriores (Romanos) conclui: udo concorre, pois, para mantera opinio tradicional segundo a qual os destinatrios da Epstola aos Glatasso os glatas propriamente ditos e s eles. Em reerncia mais recente Lhr-mann afirma: A antiga tese, de que as comunidades em questo so as do sulno mais se sustenta. Alm disso parece que Paulo no seria o nico missio-nrio cristo na sia, e que outros, talvez gnsticos, ou judeus, teriam pregado

    na Galcia. Enfim, se alguns comentaristas so de parecer que os destinatrios

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    da Epstola no eram os glatas celtas, mas, como vimos, h argumentos con-trrios, h tambm, como Dunn (p.7) quem afirme que no h argumentosdecisivos a avor de nenhuma opinio. Para nosso desconorto ficamos sem

    saber se nestas investigaes houve algum tipo de progresso, pois Viard (1964)diz que a opinio tradicional a de que os destinatrios da carta eram os celtas,e Lhrmann (2001) diz que a tese contrria que a antiga.

    Outros comentaristas contemporneos da Epstola so de parecer avo-rvel tese celta dos glatas de So Paulo: a Bblia do Instituto Ponticio (1967,p.1457) adverte que, apesar de que no se diz explicitamente nos Atos dosApstolos que Paulo tenha undado congregaes crists na Galcia celta, amaioria dos intrpretes modernos pensa que os glatas da presente epstola se-

    jam os setentrionais da Galcia estritamente dita. Menos numerosos, mas node menor autoridade, so os que se decidem pela parte meridional da Galciaromana. E Mateos (1978, p.533) igualmente cauteloso, afirma: a carta pareceser dirigida aos glatas propriamente ditos, isto , s diversas comunidades noespecificadas da Galcia do norte.

    6. Se entre os destinatrios da Epstola havia glatas celtas ento os gla-tas teriam sido os primeiros celtas a se organizarem em comunidades crists,muito antes dos gauleses e quatro sculos antes dos irlandeses. Porm a conti-

    nuidade do cristianismo entre os glatas no muito bem conhecida, e apenaspodemos por agora indicar alguns personagens e testemunhos que iniciem ouorientem uma pesquisa mais completa. Em 366 o jovem dlmata Jernimo, en-to com 17 anos, passeou pela Glia e ficou algum tempo em casa de seu amigoBonsio na cidade de reveris (residncia imperial de Valentiniano I); as des-cries que mais tarde ele ar (Contra JovinianoII, 7 em Fremantle 394) acercados povos e costumes que conheceu antasiosa, e horripilante. Por isso h queter cuidado com o que ele diz dos glatas no precio ao seu comentrio Epis-tola de So Paulo (Fremantle 496b-498a), onde ele recorda essa viagem. Diz

    Jernimo que os glatas so uma tribo de gauleses, curta de inteligncia, masorte na , e em lugar nenhum o Amen ressoa to poderoso, como um trovoespiritual, como quando eles azem tremer os templos dos dolos. E afirma quenaqueles tempo (387) odos sabem, to bem como eu, quantos cismas rasga-ram e despedaaram Ancira, capital da Galcia, e quantas dierentes doutrinasalsas a destroem. No vou, explicar os catargios, os ofitas, os bordoritas, eos maniqueus, porque estes so nomes conhecidos e desgraados. Mas quemouviu alar, seja em que parte or do Imprio Romano, dos passalorrincitas, dosascodrobes, dos artotiritas e outras esquisitices de que mal sei dizer os nomes?E os vestgios dessas loucuras antigas duram at hoje. Falta dizer uma coisa,

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    para completar o que anunciei ao princpio. Os glatas, tal como todo Orien-te, alam grego, mas a lngua deles quase igual dos reveros, em que pesealgumas alteraes introduzidas pelo contato com a lngua grega. Jernimo

    no conheceu a Galcia ( a no ser talvez de passagem) mas conheceu a Gliae reveris, e o que diz a esse respeito pode ser tido como vlido, o que nos levaa supor que sua afirmao sobre o tumulto das heresias na Galcia era verda-deiro. Passado apenas um sculo da misso de Paulo Galcia a cristandade oiali palco de agitaes montanistas, pois entre 156 e 172 diundiu-se pela siaMenor a doutrina de Montano: originrio de Frigia, ele apresentava-se comoproeta carismtico que dizia ter recebido vises e revelaes e anunciava umaNova Era do Esprito Santo. Atribua s mulheres papel especial na Igreja, etinha Maximila e Priscila como suas proetizas; o montanismo atingiu rapi-damente a Galcia, onde, segundo o relato de Eusbio na Histria da Igreja(5,16,4) um bispo oi l em misso para reduzir a heresia. Disse esse bispo: Hpouco tempo visitei Ancira na Galcia e encontrei a Igreja local ensurdecidacom o barulho desta nova loucura, que no proecia, como eles dizem, masalsa proecia (...). anto quanto ui capaz, e com a ajuda do Senhor, alei muitosdias na igreja acerca destas coisas e respondi a todos os argumentos que elesapresentavam. A assembleia ficou muito contente e confirmada na verdade.

    Mais tarde os personagens que nos so conhecidos, seus escritos e as tra-mas em conclios deram a razo a Jernimo: mais do que outras regies do cris-tianismo a Galcia era terreno rtil para todo tipo de antasias religiosas, oucom pouco undamento teolgico, e seus lderes enrolavam-se em armadilhasintelectuais quando tentavam descobrir solues novas. Assim oi com vriosdos bispos de Ancira durante as disputas sobre a divindade de Cristo contra osarianos, como oi mais tarde na questo iconoclasta: diversos bispos de Ancira Marcelo, Baslio o antigo e Baslio o novo, acabaram depostos e desterradospelos conclios porque queriam salvar a mas no entendiam a ortodoxia e

    emitiam opinies que os demais bispos no aceitavam. Em muitos aspectos pontuais o cristianismo da Galcia lembra as ou-tras aces do cristianismo que conhecemos melhor: o irlands e o gauls, mas preciso cautela e maior estudo para afirmar que o cristianismo dos glatas eratipicamente celta, pois podem ser meras coincidncias, e em muitos casos soquestes gerais, comuns a todo o mundo cristo em transio do paganismopara a nova . Mas, sendo interessante lanar hipteses e sugestes que orien-tem novas pesquisas, podemos reparar: na atrao, por vezes ousada e antasio-sa, por doutrinas estranhas e exticas; na dificuldade com questes doutrinais,acilmente se enredando no emaranhado de idias; no carter impulsivo das

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    maniestaes e decises; na liberdade sexual ( o conclio de Ancira de 314teve que chamar a ateno para o adultrio com a cunhada); na consagrao debispos por apenas dois bispos; na existncia de penitenciais. Neste aspecto vale

    a pena deter-nos um pouco numa peculiaridade, por ser muito caractersticae de certo modo atrevida, que se encontra entre os monges irlandeses, e causaadmirao que j existisse na Galcia. Os monges celtas irlandeses tinham porcostume convidar virgens para dormir debaixo do seu teto, a fim de provar emostrar sua capacidade de resistir s tentaes da carne; evidentemente Romaproibiu essa prtica. Mas o Cnone 19 do conclio de 314 de Ancira diz textu-almente: Se alguma pessoa que consagrou a sua virgindade no cumprir seusvotos seja considerada dgama (bgama sucessiva). Alm disso proibimos asmulheres que vivem como virgens de co-habitar com homens como irmos.Ora essa prtica no parece que osse rara, porque Joo Crisstomo, quan-do j era Patriarca de Constantinopla (397), e portanto com jurisdio sobre aGalcia, escreveu duas cartas sobre o problema das virgens subintroductae, ousyneisaktoi, que viviam com os monges debaixo do mesmo teto *. Este tema, emuitos outros, merecem uma ateno mais cuidadosa.

    A permanncia da cultura celta muito para alm da helenizao e daromanizao no nos deve admirar, pois se na Europa de hoje, com cerca dequinze a vinte sculos de cristianismo, ainda possvel encontrar evidentespresenas das culturas celtas, no de estranhar que os glatas, mesmo acul-turados, depois de apenas trs a quatro sculo sculos tivessem mostrado quecontinuavam celtas. Vale a pena pesquisar mais sobre os glatas, nossos paren-tes distantes e esquecidos, mas celtas como muitos de ns.

    Mas h muitas dificuldades a enrentar nesse estudo: a Galcia, sub-metida primeiro a Prgamo e depois a Roma, adotou parte dos costumes deseus dominadores; atacada pelos godos (260-270), a regio oi sucessivamentedevastada, conquistada e retomada por rabes, bizantinos, mongis e turcos

    desde a primeira conquista rabe de Ancara, o que levou ao empobrecimento edespovoamento da regio. Ao ser elevada a capital do pas em 1923 Ancara eraum pequeno povoado, e ainda hoje em torno dela no h cidades por muitosquilmetros, nem monumentos (a no ser os rgios e os hititas) ou paisagensque atraiam os turistas, e os prprios guias no estimulam a visita Galcia.Ancara no tem museus com colees da Galcia celta.

    * (subintroductae: introduzidas sorrateiramente;syneisaktos: que entroujunto; Liddell & Scott azem um adendo em latim: sociatrices, pudicas vel absti-

    nentes, mais geralmente: a governanta da casa do proco).

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    O RIUAL SACRIFICIAL DE HUMANOS E DE ANIMAIS ENRE OSCELAS

    Silvana rombetta (doutora em Arqueologia pelo MAE/USP).

    Uma breve palavra sobre os diversos grupos celtas

    Atualmente a arqueologia, as ontes textuais e a lingustica possibili-tam aos estudiosos contemporneos um maior conhecimento sobre os gruposceltas. A anlise conjunta destas categorias evidencia a existncia de povos

    celtas que, comumente, ocupavam regies como a Glia, Bretanha, norte daItlia, parte da Hispnia e tambm, mais ao leste, a Galtia.

    A arqueologia undamental para a compreenso do modo de vidadestas populaes, uma vez que as ontes textuais que mencionam os celtasoram escritas, principalmente, por gregos e romanos. As tradies celtas eramem sua maior parte transmitidas oralmente e embora houvesse druidas aptos aler e escrever em grego, os ensinamentos no eram redigidos.

    O termo celta (Keltoi eGalataeiem grego e Celtae e Galli em latim) oi

    introduzido pelos gregos e romanos. Porm, no podemos afirmar que estaspopulaes consideravam-se enquanto integrantes de um mesmo grupo. Deacordo com GREEN (1996), embora os gregos se reerissem a estes povos uti-lizando o termo celta, bem sabido que Herdoto e Cesar aziam menes adierentes grupos no obstante os denominassem pelo mesmo nome. Os celtasno possuam uma identidade tnica enquanto um grupo nico e homogneo.Embora os vrios grupos da Europa tenham tido traos comuns em termos deestrutura social, religio e cultura material, havia uma enorme variabilidadeentre os mesmos. Os escritores da Antiguidade parecem reconhecer nesses gru-pos traos comuns, porm, necessrio questionar em que medida tradiescomuns podem ser observadas na cultura material e no idioma. As evidnciaslingusticas anteriores ao perodo romano so escassas, pois o norte da Europano era letrado durante a maior parte do primeiro milnio a.C. e quando aescrita oi adotada no mundo celta ela utilizou mais comumente o grego ou olatim. As primeiras evidncias lingusticas celtas aparecem em inscries mo-netrias e em documentos da Antiguidade Clssica que contm nomes de loca-lidades celtas. ais documentos sugerem que no perodo da ocupao romana

    (final do sculo I a.C.), lnguas celtas eram aladas na Bretanha, norte da Itlia,

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    Glia, Espanha e na parte leste da Europa.

    Em termos arqueolgicos, os povos celtas esto geralmente relaciona-

    dos ao uso do erro (isto seria um trao distintivo em relao a outros gruposlocais). No obstante, o mais provvel que os povos denominados celtas exis-tissem desde a Idade do Bronze ardio e no se deve pensar, portanto, que osceltas apareceram repentinamente na metade do primeiro milnio a.C. O maisprovvel que os grupos que viviam na Europa, devido ao contato cultural,tornaram-se celtas ao longo do tempo.

    rataremos neste texto mais especificamente dos grupos celtas exis-tentes na Glia e na Bretanha, locais onde a presena dos druidas (sacerdotesque atuavam enquanto mediadores do ato sacrificial) pode ser atestada.

    Os druidas, os rituais e sacricios

    Os druidas pertenciam camada mais alta da populao, possuindoum statussemelhante ao dos cavaleiros. Eles aziam papel de juzes, adivinhos,astrnomos e de mediadores entre os homens e os deuses possuindo, portantoum papel essencial nos ritos sacrificiais.

    Sacricios realizados durante os estivais (tais como Beltain, Imbolc)ou durante perodos de turbulncia social, requeriam ritos especficos para quea graa osse alcanada: a imolao de uma vtima humana ou animal devia se-guir passos pr-determinados, de acordo com a intencionalidade do sacricio.Havia desde rituais nos quais as vtimas eram imoladas em homenagem a umdeus visando uturos benecios para a comunidade, at o auto-sacricio, noqual o prprio sacerdote era morto tendo em vista estabelecer uma comunica-o com os deuses no Outro Mundo. A necessidade de prticas rituais especfi-cas de acordo com cada estividade e com o propsito do sacricio, juntamente

    com a descoberta de uma srie de objetos arqueolgicos relacionados unosacrificial aponta, sem sombra de dvida, para a existncia de indivduos in-cumbidos de exercer este ritual. Os druidas eram os encarregados de presidiros atos sacrificiais e, muitas vezes, nem sempre era possvel distinguir clara-mente os limites entre seu poder poltico e sua atividade religiosa. Fossem ouno alguns druidas possuidores de maior prestgio poltico do que outros emcomunidades celtas, o certo que o ato sacrificial exigia que o indivduo por eleresponsvel soubesse manejar o instrumental especfico para a ocasio. Objetosarqueolgicos como bastes nos quais o convolvulus(trepadeira cujas sementes

    tinham propriedades alucingenas) aparece representado, evidenciam a exis-

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    tncia de objetos apropriados para ocasies ritualsticas.

    No se pode esquecer, no entanto, que as prticas sacrificiais varia-

    ram no decorrer do tempo e tambm de uma localidade para outra. De acordocom MNIEL (1992), o sacricio assumiu diversas ormas tanto nos aspectosmateriais quanto simblicos modificando-se de acordo com os limites geogr-ficos e cronolgicos. Embora MNIEL refira-se ao sacricio animal realizadoem santurios gauleses, a variao do ato do sacricio no espao e no tempo verificada no exame de dierentes povos e culturas. A variabilidade tambmest presente nos propsitos do sacricio e nas escolhas das vtimas sacrificiais,sejam elas humanas ou animais.

    O sacricio animal

    As ontes textuais e materiais atestam de modo indubitvel a prticado sacricio animal. De um modo geral, os ossos de animais encontrados empoos, cavernas e santurios nos quais os rituais eram eetuados, revelam a pre-dominncia de animais domsticos ao invs de animais selvagens. O intuitoseria o de oerecer aos deuses espcies de grande valor para a vida dos huma-nos: o co (companheiro na caa), o cavalo (smbolo de poder e status), o boi

    (subsistncia da comunidade). O animal durante o ato sacrificial poderia serqueimado inteiro, o que representaria, em termos prticos, uma grande perdapara a comunidade ou ser morto e ter seu corpo cortado em metades parteseria destinada aos deuses (queimada ou enterrada) e o restante (comumente asmelhores partes) seriam consumidas pelos sacrificadores e pela comunidade. Osacricio animal no qual a comunidade partilhava a carne servia ao propsitoda comunho entre os indivduos do mesmo grupo sendo importante para areafirmao da ordem social.

    Em outros casos, os sacricios animais destinavam-se a beneficiarindiretamente o grupo social. Plnio (Historia Natura,XVI.246) descreve umimportante sacricio animal que estava relacionado cura da inertilidade rea-lizado na Glia e para o qual era utilizado o visgo, planta parasita do carvalho,rvore que era sagrada para os celtas:

    O visgo raro e, quando encontrado, colhido com grande cerimnia e,particularmente, no sexto dia da lua...Saudando a lua com uma palavra nativaque significa curando todas as coisas, eles preparam um ritual de sacricio e umbanquete ao p da rvore e trazem dois bois brancos cujos cornos so amarrados

    pela primeira vez nesta ocasio. Um sacerdote, vestido de branco, sobe na rvore

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    e com uma oice dourada corta o visgo, o qual cai num manto branco. Depois,finalmente, eles matam as vtimas, rogando ao deus o benecio para aquele que orequer. Eles acreditam que o visgo misturado na bebida d ertilidade a qualquer

    ser vivo no rtil e que ele um antdoto contra todos os malesEste sacricio muito provavelmente destinava-se a propiciar a ertili-

    dade de uma pessoa importante na comunidade (como a esposa de um cheelocal) que necessitaria gerar uma descendncia para assegurar a perpetuaodo poder e a consequente coeso social do grupo. Quanto utilizao do vis-go, ele tambm era empregado para a cura da insnia, presso alta e tumoresmalignos.

    O propsito do sacricio animal tambm podia evidenciar claras in-tenes polticas. ROSS (1996), descreve a esta do boi na Irlanda (tarb eis),cujo intuito era determinar o correto sucessor para o reino de ara. O boi eraritualmente morto e o druida ingeria sua carne e o caldo no qual o animaltinha sido cozido. Os druidas cantavam a palavra da verdade sobre ele e, emseus sonhos ele deveria ver o homem mais adequado para ser o rei. Algumasvezes o sacerdote tinha que ser coberto com o couro do animal sacrificado.Uma imagem que se reporta ao ritual sacrificial de bovinos aparece claramenteno caldeiro de Gundestrup (sculo V a.C.). Na representao, trs enormes

    bois surgem acima das figuras de trs guerreiros (acompanhados por ces) queenfiam espadas nas gargantas dos animais. O imenso tamanho dos bois emcomparao com o dos homens sugere o carter divino da representao dosanimais. No obstante, HA (1989) visualiza nesta composio um sacriciono qual h somente imagens divinas: os bois seriam, na verdade, os touros a-tdicos cujas mortes deveriam ser executadas pelos discuros (em nmero detrs e no de dois devido s caractersticas da representao um touro paracada discuro). Em todo caso, seja uma representao com imagens humanase divinas ou somente divinas, o sacricio do animal aparece enquanto um ato

    ligado religiosidade celta.As prticas sacrificiais de bovinos revelam a ora de sua permann-

    cia na medida em que se verifica sua modificao e incorporao ao mundocristo. Em perodos bastante posteriores, mesmo condenados pela Igreja,sacricios de tal gnero eram realizados. ROSS (1996), menciona o DigwallPresbytery Records(agosto de 1778), no qual descrito o sacricio bovino queocorria na Esccia e que oi praticado at o final do sculo dezoito. A prticatinha lugar no Monte de Augusto, na ilha de Inis Maree. A ilha era consagrada

    ao santo Maelrubha e a cerimnia consistia no sacricio de bois ao santo pela

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    comunidade local.

    O sacricio bovino bem como o de outros animais claramente re-

    gistrado no santurio de Gournay (Glia). Este local sagrado oi erigido nosculo IV a. C. no oppidumde Bellovaci e a grande quantidade de ossos e a or-ganizao do espao evidenciam rituais intensos e organizados. O propsito dogrande poo central (protegido por um teto) era o de receber os corpos de bois,os quais eram deixados no local durante seis meses para a decomposio de suacarne. Depois deste perodo, os ossos eram removidos e colocados ao lado dosrestos de cavalos, porcos e carneiros numa vala echada ao redor do santurio.O exame dos ossos dos porcos e carneiros (estes em maior nmero) sugeremque os mesmos oram esquartejados e consumidos para propsitos estivos.

    Quanto aos cavalos, no possvel saber com certeza se os mesmosoram sacrificados ou se j estavam mortos na poca da deposio. MNIEL(1992) sugere a hiptese de que os cavalos talvez pertencessem a guerreiros,uma vez que o santurio possui uma grande quantidade de armas danificadas.Embora os cavalos tenham igualmente sorido uma primeira decomposio(porm, no em um local to especial e protegido quanto o gado), o tratamentodado aos ossos diere do que era aplicado aos bois. O gado, na verdade, eratratado de um modo mais complexo. A anlise dos ossos revelou que o bois

    tinham idade avanada e quando vivos oram colocados para executar traba-lhos pesados (puxar carroas ou arar a terra). A execuo ritual dos bois seguiapassos precisos: cada animal era morto com um golpe de machado na nuca edepositado no poo. Aps a decomposio do corpo, parte do esqueleto era le-vado para ora do santurio e outra parte permanecia no recinto. Alm disso, osesqueletos recebiam um peculiar tratamento: antes de sua deposio na entradado santurio, as mandbulas ineriores eram removidas e as cabeas soriamgolpes de espada que talhavam o ocinho.

    A presena de armas deliberadamente danificadas (atestando a morteritual dos objetos, na qual eles perdem sua uno e so retirados do mundohumano mas conservam seu valor enquanto oerenda ao divino), de ossos deindivduos do sexo masculino e dos esqueletos de trs mulheres que oram de-positados perto do osso central (que podem ter sido sacerdotisas1do templo)

    1 H controvrsias sobre a existncia de mulheres druidas. Estrabo (Geografia,VII 2,3) descreve um rito no qual as mulheres realizavam o ato principal da execuoritual de prisioneiros militares entre os Cimbros. Embora este grupo no seja celta, Green

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    tornam Gournay um stio particularmente importante para o estudo dos sacri-cios humanos e animais.

    De modo similar, no santurio de Ribemont (Glia), oram encontra-dos ossos humanos e de equinos, bem como armas danificadas que, em conjun-to, denotam a prtica sacrificial. Ribemont particularmente conhecido pelapresena de dois ossurios compostos por partes dos esqueletos de homens e decavalos. GREEN (2002), menciona que cada ossurio deveria conter os restosde aproximadamente 200-250 indivduos com idade inerior a quarenta anos.Os ossos dos cavalos tambm so muito requentes e encontram-se misturadosaos dos humanos. O santurio possui uma grande ossa (trs metros de largurapor dois metros de proundidade) e os ossos nela presentes comprovam que

    um grande nmero de animais oram consumidos no local. De acordo comMNIEL (1992), o animal mais consumido era o porco (cerca de 75%), seguidodo carneiro (23%). Ossos de bovinos aparecem de orma pouco significativa naossa cerca de 5%.

    As armas depositadas em Ribemont (sculo II a.C.) so semelhantess encontradas em Gournay e tal ato sugere a hiptese de que estes santurioseram locais onde existiam rituais marciais que incluiam a deposio de mi-lhares de armas e escudos propositadamente danificados ao lado de cavalos e

    bois sacrificados e restos de banquetes. Os ossos de dierentes tipos de animais,principalmente porcos e carneiros, revelam que no existiam somente ritos deagradecimento s oras divinas pela vitria do exrcito ou que buscavam odom e o contra-dom no oerecimento de uma vida aos deuses e a consequenteboa sorte na batalha. Os banquetes que tinham lugar no santurio, afirmavama comunho entre os individuos da comunidade. O exame dos ossos de porcose carneiros revelam que as ossadas oram depositadas nas valas aps a carne tersido consumida pelos presentes, sem que houvesse um tratamento dierenciadodos esqueletos tal como ocorria com o boi em Gournay.

    Curiosamente, em um santurio na ilha de Hayling (Hampshire, In-

    (1997), ressalta o papel da mulher na sociedade celta, a qual podia exercer cargos de podercomo no caso de Boudica, que assumiu a chefia entre os Icenos (Bretanha) aps a mortede seu marido Prasutagus, liderando uma rebelio contra Roma. Entretanto, no se podeafirmar com certeza que existiam mulheres na uno de druidas. O mais aceito que ha-veria mulheres sacerdotisas, exercendo unes importantes no templo. al ato explicariaa presena de ossos emininos depositados no santurio de Gournay.

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    glaterra), de orma contrria ao comumente verificado em outros locais sagra-dos, no h evidncias de sacricio bovino. No h nenhuma concluso defi-nitiva sobre o motivo desta ausncia. Hipteses levantadas por pesquisadores

    como GREEN (1996), sugerem que a razo para o sacricio de outros animaiscomo ovelhas e porcos e a ausncia de bois pode ser explicada por caractersti-cas da religio local: divindades que no apreciavam este tipo de animal ou umaexcessiva sacralidade do boi (como no moderno hindusmo) que no permitiaque o mesmo osse sacrificado. Este ato extremamente importante para queno haja generalizaes quanto aos tipos de sacricio realizados entre os celtaspois permite comprovar que havia variaes quanto aos animais imolados.

    Com relao ao sacricio de ces, sua morte ritual podia estar relacio-

    nada ao simbolismo que o animal possua: a cura e a morte, duas instncias quecaminhavam unidas na percepo celta de regenerao e renascimento apso fim da vida. Evidncias de sacricios de ces so encontradas nos j citadossanturios de Gournay e Ribemont. Em Muntham Court (Sussex), corpos devrios ces oram encontrados a 60 metros de proundidade em associao comum santurio romano-britnico do sculo I d.C. Em relao ao sacricio decavalos, o uso destes animais em ritos sacrificiais durante a Idade do Ferro atestada no j mencionado santurio de Ribemont. Muitas vezes estes animaiseram enterrados juntamente com seus proprietrios, como no caso do enter-ramento do rei Barrow (Yorkshire, Inglaterra). Este enterramento (sculo III a.C.) contm o corpo do guerreiro, seu carro de guerra e seu cavalo, denotandoum sacricio de acompanhamento. Corpos de ces e cavalos eram os mais pre-sentes nas mortes rituais que ocorreram na ortaleza de Danebury (Hampshire,Inglaterra) durante a Idade do Ferro. Os depsitos eram eitos em poos esca-vados que oram originalmente utilizados para o armazenamento de milho.Uma explicao para a utilizao destes poos pode ser a de um ritual que ex-pressava uma gratido aos seres divinos pela manuteno dos vveres (gros).

    Os sacricios animais, portanto, eram realizados com o propsito dacomunho entre os indivduos de um mesmo grupo, de acompanhamento, deproteo pelas oras divinas, de obteno de benecios (ertilidade, cura) oucom o intuito de agradecimento aos deuses pela manuteno do ciclo da vida.Veremos, a seguir, que os sacricios humanos podem servir a propsitos se-melhantes. No entanto, a oerta de uma vida humana sobretudo valiosa erequerida em pocas muito especiais dentro da comunidade.

    O sacricio humano

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    Embora no haja dvidas quanto existncia do sacricio humanoentre os celtas, ele no era uma prtica comum. A realizao de um sacriciohumano ocorria em momentos bastante particulares e cruciais para a comuni-

    dade.Um dos principais atos dos druidas visando o bem comum era o con-

    trole das oras sobrenaturais por meio da adivinhao. Isto aparentemente en-volvia o sacricio humano (por estrangulamento, morte por punhaladas) e oconsequente exame das marcas da luta de morte ou das entranhas das vtimaspara predizer o uturo.

    Estrabo (Geografia IV, 4, 6), relata que:

    Eles costumavam golpear o ser humano devotado morte nas costascom uma espada, e ler o divino em decorrncia da sua luta de morte. Mas, elesno sacrificavam sem os druidas.

    A previso estava relacionada a importantes eventos no grupo social:partida para a guerra, semeadura dos campos ou colheita, eleio de um novo

    rei. O sacricio humano tambm ocorria para estabelecer uma comunicaocom o divino ou para expressar uma grande gratido s oras sobrenaturais.

    Diodoro Sculo, alude ao propsito sacrificial como uma ao de gra-as e menciona a presena de indivduos conhecedores das oras sobrenaturaisnecessrias para mediar a comunicao entre os homens e os deuses. Ele tam-bm discorre sobre os escolhidos para sorer o ato:

    Com relao aos criminosos, eles os mantm prisioneiros durante cincoanos e depois os oerecem em honra aos deuses, dedicando conjuntamente muitas

    oerendas de primeiros rutos e construindo piras de grande tamanho. Cativostambm eram usados por eles como vtimas para seus sacricios em honra aosdeuses(Biblioteca da Histria, 32, 6)

    Ningum pode realizar um sacricio sem a presena de um filsoo; asoerendas de agradecimento aos deuses devem ser eitas pelas mos dos homensque so conhecedores da natureza do divino e que alam a linguagem dos deuses(Biblioteca da Histria, V, 31, 2-5)

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    A palavra filsoo ao invs de druida pode ter sido utilizada pelo

    ato dos druidas serem proundos conhecedores da lngua e filosofia gregas, oque os dierenciava dos demais indivduos da sociedade celta, em sua maioriailetrados.

    Outros escritores antigos como Csar (De Bello Gallico), Lucano(Pharsalia), Ccero (Pro Fonteio) cito (Annales) relatam a prtica do sacriciohumano entre os celtas. Logicamente, a intencionalidade de classificar os povossubmetidos como brbaros e possuidores de prticas condenveis aparece v-rias vezes nos textos antigos:

    Quem no sabe que os gauleses possuem o costume monstruoso e brba-ro de sacrificar homens ? ....como podem os deuses imortais serem apaziguadospelo crime e derramamento de sangue humano ? (CCERO Pro Fonteio, 31)

    De acordo com Csar (De Bello Gallico, VI, 16), os gauleses sacrifi-cavam vtimas humanas com propsitos militares ou de aliviar sorimentos.

    Para Csar, os deuses apreciavam a carnificina daqueles envolvidos em algumtipo de crime. No entanto, ressalta que vtimas inocentes tambm podiam sersacrificadas:

    ...aqueles que so atingidos por srios males e aqueles que esto engaja-dos nos perigos de uma batalha, sacrificam vtimas humanas ou azem voto deaz-lo...Crem que para os deuses imortais melhor aceito, dentre todos, o supl-cio daquele que cometeu urto, latrocnio ou outros delitos, mas quando altam

    vtimas deste tipo, resolvem tambm supliciar quem inocente.

    cito (AnnalesXIV, 30-1) igualmente az meno a sacricios comcarter blico, ocorridos na ilha sagrada de Mona (Anglesey) na Bretanha:

    ....para isto existia a religio deles: para ensopar seus altares com o san-gue dos prisioneiros

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    Embora as ontes textuais descrevam estas prticas dando-lhes umaconotao negativa, essencial lembrar que os sacricios humanos tambmexistiam na Roma Antiga, sendo definitivamente proibidos no sculo I d.C.

    No perodo da Repblica Romana, por exemplo, gregos e gauleses oram sa-crificados no Forum Boariumdurante a Segunda Guerra Pnica, quando osromanos soreram uma severa derrota nas mos dos cartagineses. O sacricioneste caso, tal qual entre os celtas, oi provavelmente eetuado visando uturosavorecimentos militares por parte dos deuses.

    Com relao s ontes materiais, o j citado caldeiro de Gundestruppossui uma iconografia reveladora de um sacricio humano. Numa das cenasdo caldeiro, um druida ou um deus, representado em maiores dimenses, sur-

    ge aogando ou pendurando uma vtima de ponta cabea sobre um caldeiro. Aimagem retrata a morte pelo aogamento (morte tpica dos destinados ao deuseutates, entidade ligada guerra) ou uma morte na qual o indivduo era gol-peado na nuca, dependurado numa rvore e era eito um corte em sua garganta(ou em sua prpria nuca) de modo que ele sangrasse at a morte (morte ritualcaracterstica daqueles oertados ao deus Esus, o qual tinha uma estreita relaocom a natureza). A presena do exrcito na imagem do caldeiro (guerreirosarmados com lanas e escudos na parte inerior e cavaleiros com lanas na par-te superior), leva a crer que o sacricio osse oerecido ao deus eutates2

    Em conexo com o documento material, Lucano (PharsaliaI, 444-6),descreve um sacricio por aogamento ocorrido na Glia:

    Mercrio-eutates apaziguado da seguinte maneira entre os gauleses:um homem colocado de cabea para baixo dentro de um recipiente cheio, demodo a aog-lo

    2 HA (1989), novamente visualiza um ato no qual a guerra realizada entreentidades divinas. Na imagem em questo, o exrcito gauls parte em deesa da deusaRigani, ameaada por aranis (esposo da deusa) devido a seu caso amoroso com o deusEsus-Cernunos. Entretanto, o autor visualiza a relao entre o real e o mito na medida emque a imagem para ele mostra um druida, com todos os seus paramentos, realizando umsacricio a eutates e o episdio se passa , aparentemente, sobre a terra e coloca em cenahomens terrenos e viventes (pg.94).

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    O caldeiro surge como um objeto que ao recolher o sacricado, seusangue ou partes de seu corpo atuava, dentro do rito do sacricio, como objetoque auxiliava o ato da transormao. essencial lembrar que no decorrer de

    todos os sacricios, o impuro - o sangue e o prprio sacrificado (humanos quepoderiam ser criminosos ou prisioneiros de guerra) - transormava-se em puroatravs do ato sacrificial. O sacerdote, direcionava o processo de modo a cana-lizar as energias negativas e transmut-las em positivas gerando, ao final, orasprovenientes do sacricio que beneficiavam a comunidade como um todo. Atransmutao da energia era vital para que o ato se concretizasse da manei-ra correta e era essa transormao que viabilizava o sacricio de maleitoresoriundos da prpria sociedade celta (indivduos possuidores de uma especialenergia negativa, que perturbava a comunidade) e de prisioneiros de guerra(indivduos valorosos em sua sociedade de origem mas desejosos de aniquilara sociedade celta). Eram, portanto, seres dotados de uma especial energia des-trutiva que era transormada em construtiva durante o ato sacrificial.

    Outros objetos poderiam ser utilizados durante o sacricio. GREEN(2002:184) discorre sobre evidncias materiais encontradas em ricas tumbasgaulesas de cemitrios da Idade do Ferro e do perodo romano que tm sidoidentificadas como pertencentes a oficiais religiosos, em parte porque os bensque acompanham o morto sugerem uma atividade associada ao ato sacrificialou cura. Em uma tumba do sculo II d.C. em Saint-George-ls-Baillargeaux,na localidade de Viena (Glia) uma aca medindo 32 cm oi depositada juntocom uma srie de navalhas e com uma pedra para afiar o corte .

    Citando FIZPARICK (2000:47-9), GREEN (2002:185), revela queem tumbas do norte da Glia, instrumentos cirrgicos aparecem associados aoutros objetos, incluindo baldes de madeira eitos de teixo (rvore que, tal qualo carvalho, era importante para os druidas) com apliques em metal e, algumasvezes, pares de colheres que podem ter sido usadas em rituais com propsitos

    divinatrios. Uma delas possui a supercie dividida em quatro quadrantes en-quanto que a outra perurada, como que para gotejar algum lquido ou psobre os quadrantes.

    Nem sempre, porm, possvel recuperar todos os dados materiaisrelativos aos dierentes tipos de sacricio pois alguns ritos pressupunham adestruio total do sacrificado e do que era utilizado para a consumao doato. O deus aranis era associado ao ogo e nos sacricios a ele destinados asvtimas deveriam ser queimadas. CSAR (De Bello Gallico, VI, 16) relata um

    sacricio provavelmente destinado a aranis:

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    Alguns povos possuem figuras humanas de enormes dimenses, de vimeentrelaado, na qual so colocados homens ainda vivos: aceso o ogo e as pessoaspresas ali dentro so envoltas pela chama e morrem.

    Havia elementos religiosos que relacionavam este deus ao elementoogo. aranis tinha como um de seus atributos uma roda que, de acordo coma mitologia gaulesa, era inflamada e lanada aos campos para ertilizar a terra.Numa das imagens do caldeiro de Gundestrup, o deus aranis (representadocom uma barba) aparece com a roda em sua mo direita, tendo a seu lado direi-to o deus eutates. A imagem retrata o momento no qual aranis, auxiliado poreutates, lana a roda em direo erra. ZWICKER (in HA, 1989:188-9),

    descreve o relato do martrio de So Vicente, o qual az meno ao rito da rodainflamada:

    Sobre o territrio antigo ( ligado a vila de Agen) na regio de Metenses,mais corretamente de Nemetenses ou Vernemetenses, que uma das mais co-nhecidas cidades da Glia, a multido sacrlega dos pagos tinha o costume dese reunir para celebrar cerimnias no de uma verdadeira religio, mas de umailuso sedutora, num santurio consagrado a um de seus deuses. Sem dvida, os

    demnios que ali habitavam, enganavam, atravs de suas manobras mentirosas,os olhos e os espritos da multido que se encontrava reunida, de tal modo que estepovo ineliz acreditava assistir a algum milagre divino, aonde no havia senoarticios diablicos. Com eeito, transpondo a porta deste mesmo templo, comose ela osse empurrada por uma vontade divina ou, alando mais verdadeiramen-te, por um demnio que ali morava, uma roda inflamada costumava sair dali edescer o cimo da colina at um riacho que corria para a direita. Ela em seguidatornava a subir a encosta, at o templo do santurio, por um movimento inverso,vomitando chamas. Esta iluso se esvaneceu quando em oposio a ela, oi eito o

    sinal da cruz. A multido uriosa dos pagos, levou o santo morte.

    No se pode, evidentemente, precisar todos os atos do relato e nem sepode negligenciar a inteno da Igreja de condenar os ritos pagos. No entan-to, o que se busca no simplesmente comprovar o que relatado nas ontestextuais (sejam elas provenientes da Antiguidade ou do Perodo Medieval) massim analisar criticamente ontes textuais e materiais de modo a observar o quecada qual pode revelar a respeito dos povos estudados. O relato e a cena do

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    caldeiro de Gundestrup revelam que para os celtas o ogo era um elementopropiciador da vida: o rito do ogo visava a prosperidade agrcola e o alimentonecessrio ao sustento humano. A morte sacrificial realizada pela ao deste

    elemento caracterizava o ato do fim de uma vida oerecida a um deus que, porsua vez, utilizava o mesmo elemento para viabilizar a existncia dos homens noplano terreno. A elaborao pelos celtas de uma estrutura antropomrfica emvime (citada por Csar) na qual os indivduos - possivelmente prisioneiros deguerra - eram sacrificados ao deus aranis torna clara a estreita relao entrecontentor e contedo: a estrutura antropomrfica e os humanos que a mesmacontm seriam igualmente consumidos pelas chamas durante o ato sacrificial.Haveria, portanto, a destruio total dos indivduos e da estrutura utilizada norito. Cabe lembrar que no somente o ogo, mas tambm o sangue e a gua sosubstncias vitais para os humanos e sua presena nos atos ritualsticos celtasatesta a relao necessria e ao mesmo tempo ambivalente destes elementospara o destino dos homens: elementos sem os quais no se eetiva e vida e atra-vs dos quais a mesma pode ser suprimida.

    A identificao das vtimas sacrificiais muitas vezes uma tarea rduae, no entanto, para que se possa ter uma dimenso real e no antasiosa dosacricio humano na sociedade celta extremamente necessrio dierenciar oscorpos submetidos ao sacrficio daqueles que oram oertados aps uma mortenatural ou em decorrncia de uma enermidade ou conronto militar. Corposencontrados em pntanos (Lindow Moss, Cheshire) so geralmente melhoraceitos enquanto exemplos de morte sacrificial. Por outro lado, os santuriosde Gournay e Ribemont contm diversos ossos de humanos que podem ter sidode vtimas sacrificiais ou de indivduos mortos em combate. A morte violentarequentemente deixa suas marcas, mas a morte tambm pode ocorrer devido guerra, acidentes de caada ou punio. Desse modo, o esqueleto de um jovemhomem encontrado em um poo que data do incio do sculo I d.C. atrs do

    orte de South Cadbury no sudoeste da Bretanhapodeter sido uma oerendapara os deuses locais para assegurar a deesa contra os invasores. Mas, o corpotambm pode ter sido de um guerreiro morto em batalha, cujo esprito valo-roso transere sua ora para a ortaleza na qual ele oi enterrado. Do mesmomodo, o corpo de um jovem enterrado num poo no orte da Idade do Ferroem Danebury (Hampshire, Inglaterra), durante o primeiro milnio a C., poderepresentar uma oerenda de agradecimento, consistindo no corpo de um valo-roso soldado (GREEN, 1996:76).

    Em outros casos, a morte ritual (com suas caractersticas violentas) mais acilmente verificada: o caso do Homem de Lindow, encontrado em

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    uma tureira em Lindow Moss (Bretanha). O corpo, que data da Idade do Fer-ro (sculo I a.C.), soreu primeiramente diversos golpes em sua cabea sendoposteriormente garroteado (sua garganta oi cortada) e, por fim arremessado

    com o rosto para baixo em um pntano . Estas trs mortes, colocam em rele-vo a violncia simblica e sagrada do ato ritual. A anlise de seu corpo (pele,resduos estomacais e intestinais) mostra que o sacrificado igualmente soreuuma cuidadosa preparao antes de sua morte, denominada pela antropologiade rito de entrada: seu corpo estava nu e antes de morrer ele ingeriu umareeio ritual, da qual azia parte um po eito com vrias espcies de cereais esementes. Neste caso, especificamente, tem sido bastante aceitas hipteses queafirmam que a vtima seria um indivduo de uma camada social elevada. Asanlises do corpo indicam que tratava-se de um indivduo bem nutrido, cujasunhas tambm estavam bem cuidadas (dierentemente daqueles que exerciamtrabalhos agrcolas ou eram marginalizados na sociedade celta). Uma das hi-pteses, a de que a vtima seria um druida evidenciando, assim, a questo doauto-sacricio. Anlises realizadas no corpo revelaram que ele data do sculoI d.C., perodo no qual a Bretanha soreu severas invases romanas at a con-quista final em 43 d.C. O sacricio de um druida, portanto, pode ter servidoao propsito de estabelecer uma comunicao com o divino (o druida, atravsde sua morte e submerso no pntano atingiria o Outro Mundo) ou ao intuito

    de oertar uma valorosa vida (indivduo pertencente a uma camada social deprestgio) aos deuses, os quais em retribuio beneficiariam o povo da Bretanhaem seu embate contra os romanos.

    Um outro ritual no qual estava presente o auto-sacricio, era o queocorria numa ilha sagrada, situada prxima oz do rio Loire e que oi relatadopor ESRABO (Geografia IV, 4, 6):

    Elas possuem o costume de uma vez por ano remover o teto de seu tem-plo e colocar outro teto novamente, no mesmo dia antes do pr-do-sol, cada mu-lher carregando uma parte da carga; mas a mulher cuja carga cai rasgada empedaos pelas outras; e elas carregam os pedaos ao redor do templo gritandoeouie no cessam at que sua loucura passe; e sempre acontece de algum em-purrar a mulher que destinada a sorer tal destino.

    Neste caso, as mulheres provavelmente eram sacerdotisas do templo e

    a morte ritual de uma delas j estava prevista na poca da remoo do teto do

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    local sagrado, o qual devia ser substitudo por outro no mesmo dia para que olocal no ficasse sujeito influncia dos espritos durante o perodo noturno.De acordo com GREEN (2002:193), a vtima purificava o santurio e aqueles

    que nele prestavam assistncia. Nesses dois casos de auto-sacricio, a dierena pode ser notada nopropsito do ato e na orma do tratamento do corpo. No caso das sacerdotisasdo rio Loire, existia a inteno de purificar o local e os restos corporais e osangue de uma das mulheres so dedicados ao divino junto ao lugar no qual omesmo era cultuado. No sacricio do Homem de Lindow, como j oi dito, amorte e a posterior submerso do corpo serviu ao intuito da comunicao ouda oerta ao divino (dom e contra-dom).

    A deposio dos corpos, tanto no sacricio animal quanto no hu-mano, tinha a inteno de atingir o mundo subterrneo das divindades. Ospntanos eram vistos como locais peculiares nos quais dois elementos essen-ciais vida humana (gua e terra) se misturavam dando origem a uma terceiraorma dotada da capacidade de atuar, simultaneamente, como a porta de sa-da do mundo terreno e entrada no plano divino. O enterramento dos corposnos sacricios de undao tinham igualmente o propsito de atingir o OutroMundo. A dierena, no caso, ocorre pelo ato dos corpos encontrarem-se jun-

    to s construes para proteg-las ou gerar ertilidade e renovao. o casode alguns enterramentos inantis, cujos corpos eram depositados para atuarcomo propiciadores da vida na comunidade, como por exemplo, no sepulta-mento inantil encontrado na propriedade rural romano-britnica existente emWinterton. A relao entre a agricultura e os ritos sacrificiais comprovadaarqueologicamente pela denominada tradio do poo, na qual antigos silos quearmazenavam gros eram utilizados para colocar restos corporais de indivdu-os (adultos ou crianas) ou animais oertados s divindades. A presena destespoos constante em vrias regies da Bretanha e CUNLIFFE (1992a) afirma

    que o uso dos antigos silos para a deposio no era casual: os silos atuariamcomo uma espcie de soleira entre o mundo humano e o divino e as oerendasnele depositadas expressariam o desejo de ertilidade das plantaes.

    No entanto, nem sempre possvel verificar se os indivduos deposita-dos oram sacrificados pois na maior parte dos casos no h marcas corporaisque denunciem o ato. alvez os indivduos sepultados j estivessem mortos emdecorrncia de alguma enermidade quando a deposio oi realizada. Nestecaso, a evidncia de uma oerta ao divino obtida a partir do exame dos demais

    objetos encontrados, da presena de ossos de animais como ces ao lado do es-

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    queleto, ou atravs do prprio posicionamento do corpo enterrado prximos estruturas de undao de um orte, como no caso de um enterramento in-antil junto ao orte romano de Reculver (Kent). No caso dos ortes, nem sem-

    pre os esqueletos encontrados eram inantis. Em Danebury, como j oi dito, osossos de um jovem homem encontrado num poo do orte pertenceram, muitoprovavelmente, a um guerreiro morto em batalha cuja deposio sacrificial ti-nha a uno de proteger o local contra as oensivas inimigas.

    De orma contrria deposio, nos sacricios pelo ogo a consuma-o da vtima e sua consequente transormao em umaa e cinzas azia comque a mesma atingisse a esera do divino. Assim, deposio, consumao peloogo, aogamento e sangramento at a morte, eram ritos nos quais os meios

    especficos empregados para causar a morte variavam de acordo com o deusao qual o sacricio era oertado e de acordo com a intencionalidade do ritual.odos, porm, estabeleciam uma relao com o Outro Mundo.

    Atravs do sacricio os celtas aziam acordos com seus deuses, tal qualna prpria sociedade. As oerendas cumpriam o papel de assegurar a reciproci-dade, sobretudo com relao s questes ligadas com a segurana da comuni-dade. Outro aspecto importante, era o papel da violncia empregada na mortedas vtimas. O sacrificado no era imediatamente morto: na consumao do

    ritual, a violncia aplicada possua um carter sagrado. A evidncia da desne-cessria selvageria, mutilao ou excessiva morte no tratamento das vtimassacrificiais sugere que a violncia tinha uma uno simblica similar, talvez,s percepes subjacentes ao ritual de destruio das armas antes de sua depo-sio nos tmulos, santurios ou locais aquticos (GREEN, 2002:39). O usoda ora tinha como propsito criar uma energia espiritual. A violncia, bemcomo o drama eram componentes importantes na perormance do processo sa-crificial. De acordo com GIRARD (1990), a violncia possua um papel crucialno sacricio e o controle ritualizado da violncia - a violncia sagrada - era um

    saudvel antdoto contra a anarquia social.As dierentes acetas do sacricio humano exprimem uma conexo

    com o divino pautada por ritos nos quais as etapas sacrificiais e a violnciadecorrente se adequam aos propsitos do ato (a comunicao com o divino, agratido s oras sobrenaturais, a previso e o controle de acontecimentos un-damentais para a sociedade) e ao tipo de morte sorida pelo indivduo oertado(pelo ogo, por aogamento, por estrangulamento, por sangramento da vtima).Compreender aproundadamente todas estas variveis significa superar vises

    errneas que qualificam o sacricio simplesmente como um ato de barbrie.

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    essencial entender a cultura dos grupos celtas e a intencionalidade do sacriciono qual se instala, na verdade, um elo entre morte e sobrevivncia. precisoque um ser vivo seja sacrificado para que o prprio grupo, ou seja, a comuni-

    dade, sobreviva.

    BIBLIOGRAFIAa) Fontes textuais

    CESAR De Bello Gallico

    DIODORO SCULO Biblioteca da Histria

    ESRABO Geografia

    LUCANO - Pharsalia

    PLNIO Historia Natura

    IO LVIO Ad Urbe Condita.

    b) Bibliografia Geral:

    BRADLEY, I. Te power o sacrifice. Darton, Longman & odd. Londres, 1995.

    CUNLIFFE, B. Te Celtic world. Constable and Company. Londres, 1992

    ____________ - Pits, preconceptions and propitiation in the British Iron Age.Oxord Journal o Archaeology, 11, pp. 69-83. 1992a

    ____________ - Te celts: a very short introduction. Oxord University Press.Londres, 2003.

    DUVAL, P. M. ravaux sur la Gaule(1946/1986) 2 vol. cole Franaise deRome. Palais Farnse, 1989.

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    FIZPARICK, A. Les druides en Grande-Bretagne. Guichard & Perrins eds.Londres, 2000.

    GIRARD, R A violncia e o sagrado. Ed. Unesp. So Paulo, 1990GREEN, M. Introduction: who where the Celts ? in GREEN, M. (org) TeCeltic world. Ed. Routledge. Londres, 1996, pp.3-7

    __________ - Te world o the druids. Tames and Hudson. Londres, 1997.

    _________ - Dying or the gods human sacrifice in Iron Age and Roman Euro-pe. empus. Gloucestershire, 2002.

    HA, J.J. Mythes et dieux de la Gaule. Ed. Picard. Paris, 1989.

    HINGLEY, R. Globalizing Roman culture unity, diversity and empire. Rou-tledge. Londres, 2005.

    JAMES, S. Exploring the world o the Celts. Tames and Hudson. Londres,1998

    ________ - Te atlantic Celts: ancient people or modern invention. University oWisconsin Press. Madison, 1999

    MNIEL, P. Les sacrifices danimaux chez les gaulois. Editions Errance, 1992.

    RENFREW, C. Peer polity interaction and socio-political change in Preucel,R. e Hodder, I (ed.) - Contemporary Archaeology in Teory. Blackwell Publi-shers. Oxord, Cambridge, 1996, pp. 114-142,

    ROSS, A. Ritual and the druids in GREEN, M. (org) Te Celtic world. Ed.Routledge. Londres, 1996, pp.423-444.

    WAI, G. Burial and the underworld in GREEN, M. (org) Te Celtic

    world. Ed. Routledge. Londres, 1996, pp. 489-511.WEBSER, J. Sanctuaries and sacred places in GREEN, M. (org) Te Cel-tic world. Ed. Routledge. Londres, 1996, pp.445-464.

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    OPPIDA CELIBRICOS: ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE OS AS-SENAMENOS PR-ROMANOS NA PENNSULA IBRICA

    Irmina Doneux Santos (doutoranda, MAE-USP)

    Segundo Daz-Andreu & Keay (1997: 1), a arqueologia ibrica, entre osanos 1920 e 1970, enatizou a acumulao de dadose a construo de cultu-ras arqueolgicas, uma imposio das ditaduras ranquista e salazarista. Nofinal dos anos 1960, novos estudos, especialmente os de Gordon Childe, comsuas idias marxistas e concepo de histria, levaram undao de escolashistrico-materialistas que tiveram um papel importante nas interpretaes da

    arqueologia na Pennsula Ibrica. Por razes que no so claras, abordagens ar-queolgicas ps-processuais no so populares entre os acadmicos espanhise portugueses. Para Daz-Andreu & Keay, um resqucio das ditaduras (idem:2-3). Seja como or, o ato que, ao ler artigos e trabalhos arqueolgicos, per-cebe-se uma nase no acmulo de dados e informaes, na sua catalogao etipologia, mas nem sempre sua anlise e interpretao so satisatrias. MariaManuela dos Reis Martins (1997: 143 ss.) afirma, por exemplo, que h umatradio centenria no estudo dos castros do noroeste de Portugal, iniciada porMartins Sarmento, que ainda muito influente. Mas os dados arqueolgicos j

    so suficientes para superar a viso histrico-cultural clssica que tem sido uti-lizada para construir a evoluo cultural do noroeste ibrico no I milnio a.C.(ainda utilizada por Silva 1986 e Fabio 1992?). Para Martins, a abordagem deS. O. Jorge do Bronze Final da regio supera essa viso clssica.3

    Martinsprope uma leitura alternativa da dinmica culturalpara o no-roeste de Portugal no I milnio a.C., pois seria preciso adotar uma perspectivacrtica. Motivos: 1) a alta de dados empricos para a regio; 2) tambm porquea racionalizao dos processos de continuidade e mudana sempre limitada

    pelo carter relativo e truncado dos dados arqueolgicos; e 3) porque os en-menos que ormam o objeto de uma anlise em um determinado momento notempo tm sido selecionados subjetivamente (op. cit. 143-4).

    Na viso tradicional (op. cit.:144 ss.), o noroeste de Portugal orma uma

    3 A autora cita diversos artigos de Jorge, entre eles "Pr-histria, IV. Desenvol-vimento da hierarquizao social e da metalurgia", in J. Alarco (ed.), Nova Histria dePortugal, I: 163-251, Lisboa: Presena, 1990.

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    unidade geogrfica, com uma homogeneidade cultural no I milnio a.C.: a Cul-tura Castreja; mas possvel detectar diferentes ritmos de desenvolvimentoeexpresses culturais sub-regionais.

    Na perspectiva histrico-cultural que tem sido utilizada, a definio dachamada Cultura Castreja do noroeste ibrico apia-se em um tipo de as-sentamento caracterstico nessa rea, os castros.4 Seria uma cultura unior-me com influncia celta (tnica e cultural) na populao. E uma das asesprincipais de sua evoluo seria a propiciada pelas migraes indo-europias,estabelecendo a cronologia evolutiva dos castros e da cultura de todo o milnio,quando surgem os assentamentos ortificados oriundos da instabilidade causa-da pelas invases celtas (tambm responsveis pela introduo do erro).5 Po-

    rm, anlises posteriores propiciaram um modelo cronolgico mais sofisticado:expresses internas dessa cultura, como as ortificaes, juntamente com aspremissas das influncias celtas e hallstatianas, e eventos associados com a con-quista romana. Este modelo est implcito em todas as propostas cronolgicaselaboradas mesmo durante os anos 70 e 80, com novos dados empricos sendoacrescentados assim que se tornam disponveis (op. cit. 145).6

    J Maluquer de Motes (1973), dentro de uma perspectiva uncionalista,v a Cultura Castreja como o resultado de um processo cultural local, repre-

    sentando uma adaptao particularmente bem-sucedida ao ambiente regional,como um resultado de um processo cultural interno (Maluquer de Motes 1975:269-84). Entretanto, no final, sua proposta cronolgica oi estabelecida comreerncia a eventos culturais externos, como a queda de artessos, a expansocelta para o noroeste (c. 500 a.C.) e a campanha de Dcimo Jnio Bruto (138-136 a.C.). Esta interpretao tornou-se amplamente aceita (Acua Castroviejo1977: 249; ranoy 1981: 77; Silva 1986) (Martins 1997: 145).

    Na sua viso alternativa (op.cit.: 146-151), Martins analisa as alteraes

    4 Castro significando assentamento ortificado.

    5 Segundo Martins, "a cronologia para o I milnio a.C. para toda a Europa oiconstruda sobre um esquema histrico, com reerncia a ontes literrias e pela adoo deuma perspectiva tnica e regionalista. Esta viso tem sido questionada apenas recentemen-te (Pereira Menault 1992)". Na nota 6, p. 153.

    6 Exceo: C. A. F. Almeida (1983), Cultura castreja. Evoluo e problemtica. In:Arqueologia8: 70-4, Porto: GEAP, que prope um modelo baseado no desenvolvimentointerno da cultura.

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    soridas na regio noroeste durante o I milnio a.C. Nos sculos VII e VI a.C.,h uma primeira mudana, com uma maior explorao da agricultura nos valescom a criao de castros no-deensivos, mas visualmente delimitadores. No

    sculo II a.C., h uma nova mudana, no causada por incurso romana, maspor intensificao econmica interna. A autora expe a segunda ase evolutiva,demonstrando q