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PÓS-GRADUAÇÃO EM INTERVENÇÃO PSICOSSOCIAL NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DISCIPLINA PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA PROFESSORA MA. MARIA AUXILIADORA DE OLIVEIRA ALTA FLORESTA – MT OUTUBRO/2016

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PÓS-GRADUAÇÃO EM

INTERVENÇÃO PSICOSSOCIAL NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

DISCIPLINA

PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA

PROFESSORA

MA. MARIA AUXILIADORA DE OLIVEIRA

ALTA FLORESTA – MT OUTUBRO/2016

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AJES – INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DO VALE DO JURUENA Recredenciado pela Portaria - MEC n.º 1.081 de 31/08/2012 publicado no D.O.U. de 04/09/2012

Av. Gabriel Muller, 1065– Modulo 01 – Juina – MT – CEP 78320-000

www.pos.ajes.edu.br – [email protected] Todos os direitos reservados aos autores dos artigos contidos neste material didático.

De acordo com a Lei dos Direitos Autorais 9610/98.

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PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA

Inserção na comunidade e análise de necessidades: reflexões sobre a prática do psicólogo e do Assistente Social

Uma análise do processo de inserção do psicólogo e do Assistente Social na comunidade relacionando-o ao tipo de análise de necessidades resultante. Apresenta as possibilidades existentes, nas últimas décadas no Brasil, discutindo as preocupações político-sociais e o tipo de objetivos que têm orientado as práticas em comunidade. Discorre sobre as consequências derivadas desse processo de inserção, enfocando os reflexos na relação psicólogo/assistente social-comunidade na construção da identidade de ambos. Apresenta as características e os instrumentais de práticas cuja inserção apresenta objetivos a posteriori,referenciada em uma psicologia social crítica e histórica e relacionando-a com a análise de necessidades decorrente.

Falar da inserção ou do processo de entrada, contato e conhecimento do psicólogo/assistente social com uma dada população, pode nos parecer uma tarefa nada difícil e questionadora, se possuirmos certezas epistemológicas e filosóficas a respeito da nossa área de atuação e do tipo de papel e compromisso que assumimos em nosso trabalho. Entretanto, este não é o caso, especialmente se pensarmos em uma Psicologia que se proponha, também, a trabalhar com problemáticas que assolam o cotidiano da nossa população, gerando processos psicossociais nem sempre ‘saudáveis’ (Martín-Baró, 1989; Montero, 1990, 1994). Considerando ao menos esta ressalva e lembrando que, no Brasil, nestas últimas décadas, nossa profissão tem sido chamada a ocupar novos espaços e a desenvolver trabalhos e/ou atividades que até então eram pouco frequentes, gostaria de levantar alguns aspectos que considero importantes para a proposta de discussão colocada aqui.

Nesta discussão, os aspectos instrumentais e metodológicos da ação ou da intervenção tornam-se importantes. Todavia, eles, por si só, não são suficientes para uma análise histórica e crítica a respeito do processo de inserção na comunidade, protagonizado pelos profissionais de psicologia (Ammann, 1980; Andery, 1984; Lane &Sawaia, 1991). Aliás, parece-nos, ao contrário, que tais instrumentais dependem, na realidade, dos valores e concepções adotados para orientar a sua prática e a relação que estabelecem com o seu objeto de estudo, de investigação e/ou de trabalho. Em outras palavras, a visão de homem e de mundo, assumidas e vividas pelos profissionais, é que se constitui como aspecto crucial na criação ou determinação das possibilidades sobre o como estudar, pesquisar e/ou intervir, assim como na delimitação e seleção das estratégias de intervenção a serem utilizadas. (Freitas, 1994, 1994a; Montero, 1994).

Psicólogo e Comunidade: uma relação possível

A temática Inserção na Comunidade pressupõe que, necessariamente, estejamos falando de umarelação que se estabelece entre dois pólos.

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De um lado, há o profissional de psicologia/assistente social, com sua formação e os conhecimentos adquiridos, com os instrumentais que aprendeu e adotou como recursos para os seus trabalhos, e com a sua visão sobre o mundo e o homem. De outro, encontra-se a comunidade, os setores da população, com sua dinâmica e características próprias, inserida em um contexto sócio-político-geográfico, e vivendo em um tempo histórico determinado. Esta comunidade vive uma conjunção de forças, pressões e desafios das mais diferentes naturezas e, tendo ou não clareza concreta disto, muitas vezes influencia e apresenta limitações e, também, desafios ao cenário ideológico dominante, quando, por exemplo, tenta sobreviver e resistir na sua luta cotidiana (Cordero&Hermosilla, 1996; Lane &Sawaia, 1995; Montero, 1994a; Serrano &Collazzo, 1992).

Poder-se-ia dizer que, tanto o profissional como a comunidade, podem ter "modos de ação" diferentes, orientados por visões de mundo nem sempre coincidentes e conciliáveis.

Modos de Intervenção: Preocupações

Considerando-se o processo de inserção tentemos recuperar, a partir da experiência (Freitas, 1986, 1994; Wiesenfeld& Sánchez, 1995), as possibilidades que têm sido construídas nessa relação psicólogo e comunidade.

Têm havido diferenças nos motivos que têm orientado a inserção na comunidade. Os trabalhos desenvolvidos em comunidade, nestas três últimas décadas, têm mostrado modos de inserção e preocupações, com o seu desenvolvimento diferentes (Freitas, 1986, 1994a, 1996a; Montero, 1994).

Assim, poderíamos dizer que:

a) Houve um tempo, especialmente na década de 70, em que os profissionais inseriram-se nos bairros de periferia e nas favelas dos grandes centros, tentando negar a sua origem cultural e de classe. Era importante fazer algo, colaborar para a organização e mobilização dos setores oprimidos (Andery, 1984; Freitas, 1986; Lane &Sawaia, 1991). Como e com que instrumentais constituíam-se em questões, na época, de importância secundária. Tratava-se de uma inserção guiada por uma preocupação de que o trabalho estivesse voltado para a militância e participação políticas.

b) Houve, e continua havendo, uma forma de se inserir com apelos a um trabalho de caridade e voltado para os mais desfavorecidos. A maneira de contatar, entrar e conhecer a população reveste-se da necessidade de serem oferecidos vários serviços, como por exemplo, alguma forma de atendimento mais acessível ou gratuito, para a melhoria das problemáticas das pessoas (Freitas, 1986, 1994; Montero, 1994). De um lado, estaria a população que necessita de tratamento e/ou orientação e, de outro, o profissional oferecendo sua ajuda, preocupado em implantar serviços e estratégias para que a população melhore, se adapte às exigências sociais ou que, pelo menos, minimize seus problemas e sofrimentos. A inserção reveste-se de uma preocupação ligada à filantropia e ao fornecimento de assistência.

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c) Houve, e também continua havendo, uma outra forma de inserção guiada pela curiosidade em conhecer esse ser estranho: as populações mais desfavorecidas. O distanciamento das instituições de formação, de um lado, e os clamores e necessidades sociais, de outro, estamparam temáticas e problemáticas vividas por grandes parcelas da população, que precisavam ser conhecidas e tornadas objetos de investigação. Grandes contingentes de universitários das ciências humanas e sociais passaram a caminhar nos bairros populares fazendo entrevistas, questionários, aplicando escalas e vários outros instrumentos importados de outros contextos e modelos (Freitas, 1986, 1994a; Lane &Sawaia, 1995). A inserção acontece com uma preocupação da ordem da curiosidade científica.

d) Tem havido um tipo de inserção orientada pelo compromisso de que o trabalho devepossibilitar mudança das condições vividas cotidianamente pela população, ao mesmo tempo em que esta é que estabelece os caminhos e aponta as suas necessidades prementes (Freitas, 1996a; Martín-Baró, 1989; Montero, 1994). As problemáticas para a ação definem-se conjuntamente, construindo-se muitas vezes instrumentais para aquela realidade em questão. Trata-se de uma inserção que se dá na dependência da avaliação da população, comprometendo-se com a possibilidade de mudança social e construção de conhecimento na área.

Modos de Intervenção: objetivos norteadores

Além das preocupações existentes em relação ao tipo de vínculo a ser estabelecido com a comunidade, o processo de inserção tem se caracterizado, também, pelo fato do trabalho apresentar ou não objetivos definidos e claros (Freitas, 1994b).

Assim, considerando a existência ou não de objetivos norteadores para o trabalho a ser realizado, a inserção tem acontecido de maneiras diferentes:

1. uma, a partir de objetivos, motivos e preocupações que orientam o profissional antes mesmo deste conhecer e contatar a realidade em que pretende trabalhar. Chamamos, aqui, de uma inserção orientada por objetivos de trabalho definidos a priori.

2. uma segunda forma de inserção, em que o contato e a entrada que o profissional constrói na comunidade acontecem orientados pelas necessidades que a população vive, sendo portanto osobjetivos norteadores do trabalho definidos a posteriori.

Nesta forma de inserção, com objetivos a posteriori, podemos encontrar algumas nuances diferenciadoras:

2.1 há uma forma de inserção em que, após conhecer, levantar, descrever e caracterizar as necessidades da população e sua dinâmica de vida, o profissionaldecide, sim, a posteriori, o quê fazer, porém sem a discussão e a participação da população nesse processo; e

2.2 há outra, em que a definição do quê e como fazer - ao mesmo tempo uma especificidade técnica e profissional - se dá em discussões e tendo a participação conjunta da população.

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Tipo de Inserção segundo os objetivos: Consequências

Pensemos, neste momento, em algumas consequências que essas inserções podem produzir para a Psicologia e para a Comunidade.

Inserir-se tendo já uma clareza e definição sobre o trabalho a ser realizado, ou seja, tendo já osobjetivos claramente definidos a priori, apresenta alguns aspectos que devem ser considerados.

a. Trata-se de uma entrada na comunidade que aponta para um tipo de trabalho em que oslimites sobre o que fazer são mais claros e, consequentemente, torna-se mais fácil e menos incerto identificar os fenômenos psicossociais e os instrumentais que devem ser utilizados, além de se manter delimitado o papel que o profissional deve ter na sua relação com a comunidade.

Isto revela uma relação de conhecimento em que o papel destes profissionais não sãoquestionados e, muito menos, sua identidade - como profissional e produtor de conhecimento - vê-se ameaçada.

b. Há, também aqui, que se lembrar que o mesmo acontece com a comunidade. Em outras palavras, ela é vista e se assume como inquestionável e imutável, tendo uma vida e uma dinâmica de relações já dadas e prontas, fortalecendo assim o conformismo e passividade, de modo que ela fica em uma posição de mera receptora dos serviços e benefícios fornecidos pelo psicólogo/assistente social.

Poder-se-ia, também, fazendo uma analogia com a situação destes profissionais, dizer que a identidade da população também não é questionada e nem ameaçada dentro desse estabelecido.

Difícil, em nossa visão, é admitir que não seja possível questionar e, consequentemente, vislumbrar possibilidades de transformação para a identidade de um povo, tão solapado e alijado de condições mínimas de vida, como por exemplo chegar ao ponto de, cientificamente, identificá-la como menos capaz, menos lutadora, conformista, desvalida, indolente e sem futuro e sem esperança. Entretanto, são estas explicações que este tipo de inserção e relação tem contribuído por gerar.

Na outra possibilidade, inserir-se orientado pela necessidade de serem detectadas, conhecidas e mapeadas as demandas, dificuldades e problemas vividos pela população, para posteriormenteserem levantados os objetivos para o trabalho de intervenção, também traz alguns sub-produtos que devem ser considerados. Trata-se de uma inserção que lida com o domínio das incertezas. Aqui, também, a experiência tem revelado duas maneiras de acontecer:

a. em uma delas, a incerteza sobre o quê e como fazer e o desconhecimento sobre as necessidades e a vida da população existem quando dos primeiros momentos do contato estabelecido.

À medida que tais informações vão sendo obtidas - derivadas desse processo de inserção, contato e familiarização - vão se delimitando aspectos e fenômenos como temáticas potenciais e possíveis para o desenvolvimento do trabalho de intervenção. A interação e o papel da comunidade, neste

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cenário, têm importância de se constituírem em elementos viabilizadores para a obtenção de informações. Após isto, tendo uma certa caracterização e mapeamento da realidade cotidiana, permeada por vários processos psicossociais, o psicólogo, então a posteriori, define os objetivos do seu trabalho, identifica metas a serem atingidas e seleciona e/ou constrói instrumentais para efetivar sua ação. Ressalte-se que é ele - profissional - quem faz isto. Neste momento, cessa a participação da população, minimizam-se as incertezas para o profissional e, consequentemente, preserva-se e se resguarda sua identidade profissional, garantindo uma especificidade da sua atuação.

b. na outra forma, em que os objetivos para o trabalho também são definidos a posteriori, os passos para o conhecimento e levantamento de necessidades pouco mudam.

A marca diferenciadora, entretanto, dá-se na medida em que os objetivos são delimitados dentro de um processo decisório participativo, em que tanto profissional como comunidade e seus representantes, estabelecem relações horizontais de discussão, análise e definição sobre as problemáticas a serem consideradas e as possibilidades de resolução e/ou enfrentamento para as mesmas (Montero, 1994; Serrano-Garcia, 1992). Neste processo, os dois - psicólogo e comunidade - não estão definidos e muito menos têm suas identidades e papéis fixos, imutáveis e preservados (Freitas, 1994a; Martín-Baró, 1989; Montero, 1991; Perdomo, 1988).

Falando da Inserção e da Participação da Comunidade: Alguns trabalhos

Proponho que nos debrucemos sobre o tipo de inserção em que os objetivos são definidos a posteriori, tendo a participação da comunidade nesse processo decisório.

Obviamente esta escolha revela a crença de que esta é uma das possibilidades de atuação do psicólogo/assistente social em comunidade, que mais pode contribuir para não só compreender a gente de nossa terra, como tentar levantar alternativas de ação, juntamente com a população, para que esta possa assumir, no mínimo, a sua própria história e tentar construir formas mais dignas, éticas e humanas de convivência comunitária, construindo um ‘mundo psicossocial’ em coerência com estas preocupações. (Lane, 1987; Lane &Sawaia, 1991; Martín-Baró, 1989; Montero, 1991; Perdomo, 1988).

Trata-se de uma proposta de inserção que vem sendo desenvolvida em alguns países, especialmente, da América Latina, que viveram longos períodos de regimes políticos de exceção, de perda dos direitos básicos de cidadania e solapamento e pauperização das condições minimamente dignas de vida. Este tipo de inserção propõe usar aportes oriundos de uma psicologia social crítica, que compreende o homem na sua totalidade histórica, em movimento e protagonista da sua história particular e coletiva, forjando relações cotidianas que podem contribuir para a construção de uma vida mais digna e humana. São trabalhos que empregam também conhecimentos e questões provenientes de uma Psicologia Política que se propõe investigar a comunidade, nos aspectos participativos das lideranças e das bases, em termos de modos alternativos de ação política, que tanto podem contribuir como dificultar o desenvolvimento das redes de relações comunitárias (Freitas, 1996b; Montero, 1995; Wiesenfeld& Sánchez, 1995).

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Parece-nos fundamental entender as tendências e ideologias que se materializam no cotidiano das pessoas, que as faz sentirem-se com mais ou menos possibilidades de mudarem suas vidas, em benefício a si e ao outro, de tal modo que este outro não apareça como uma ameaça à sua vida, à sua convivência e à sua emoção, emoção essa que permeia as relações humanas e as possibilidades futuras de convivência.

A exemplos desses trabalhos encontramos em Costa Rica, com TeresitaCordero e H. HernánHermosilla, em um trabalho sobre a problemática psicossocial de plantadores de banana que devido ao uso contínuo de praguicidas ficaram esterilizados, trazendo repercussões para as suas relações cotidianas e perspectivas pessoais de vida (Cordero, Dobles, & Pérez, 1996); em Porto Rico, com Irma Serrano-Garcia e Lydia S. Andújar com um trabalho de prevenção de câncer oral, que envolveu vizinhos e amigos do bairro onde havia um alto índice de alcoolistas e que alguns eram parceiros de bar e de jogos dos potenciais pacientes (Serrano-Garcia &Andújar, 1992); na Venezuela, com os trabalhos de MaritzaMontero no bairro San José de laUrbina, envolvendo associação comunitária e grupos de moradores na construção de relações comunitárias participativas; no Chile, com os trabalhos de Domingo Asún lidando com grupos de jovens em propostas de prevenção da saúde; na Argentina, com Enrique Saforcada trabalhando com agentes de saúde oriundos da própria comunidade em uma perspectiva de educação e conscientização.

Tendo apresentado, até o momento, algumas considerações a respeito das possibilidades que, na prática, têm sido delineadas para o processo de inserção na comunidade, nos referiremos àquela que, em nosso entendimento, deveria se dar, levando em conta três aspectos:

a. um, de que as necessidades da população é que devem indicar os caminhos para a prática desses profissionais em comunidade, significando portanto que os objetivos deveriam ser definidos a posteriori;

b. outro, de que o trabalho implique na construção conjunta de canais e alternativas para que a população assuma seu cotidiano, fomentando relações mais solidárias e éticas e desenvolvendo uma consciência crítica;

c. por último, que, apesar das incertezas e das delimitações que vão acontecendo durante o processo de inserção, o profissional tem, sim, um domínio específico para a sua ação, ligado aos chamados processos psicossociais que perpassam o cotidiano das pessoas, sendo que algumas ferramentas para a intervenção advêm do campo da investigação participante e de outras disciplinas além da própria psicologia.

Acreditar na possibilidade de desenvolvimento de trabalhos em comunidade, com estas preocupações, implica em não ver a população nem como desamparada por natureza, nem desvalida ou um espécime exótico digno de estudos. Significa, ao contrário, descobrir que a população é sim, diferente dos padrões e previsões tradicionalmente científicas, sendo mais lutadora e sobrevivente do que tem sido considerada pelos centros de investigação.

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Ao mesmo tempo, ir à comunidade, conhecê-la, entrar e iniciar um processo de familiarização, coloca o profissional em uma posição frágil diante de algumas incertezas e desafios.

Incertezas quanto à sua aceitação, entrada e permanência na comunidade. Incertezas quanto às decisões sobre o quê e como fazer, e ao seu papel como profissional, em um contexto comunitário. Enfim, incertezas com relação à sua autoridade no processo de conhecimento e ao seu próprio processo de formação, em termos dos clássicos paradigmas que aprendeu (Freitas, 1994b; Montero, 1994b).

Como a inserção pode ser construída: Início, Estratégias e Instrumentos

Este é o momento em que se pode pensar a respeito de como a inserção poder-se-ia dar. O trabalho de entrada destes profissionais na comunidade depende de :

* contatos e conhecimentos que faz quando se depara com a realidade concreta dos setores populares;

* intermediários, individuais e/ou coletivos, que procuram pelos profissionais da equipe psicossocial, geralmente com uma expectativa de que eles façam algum tipo de atendimento individual para as problemáticas vividas no contexto comunitário;

* tentativas que o próprio profissional faz de se fazer conhecer junto à comunidade ou aos seus representantes, tentativas estas orientadas pela preocupação de que é necessário colocar seus serviços à disposição desses setores. Neste tipo de contato, está implícita a aceitação de se submeter à avaliação sobre a necessidade do seu trabalho, com o risco de haver algum tipo de recusa.

Desta maneira, há uma fase neste processo de inserção em que o profissional busca se tornar conhecido, tentando maximizar as possibilidades de início do trabalho.

Depois de estabelecida a entrada na comunidade, inicia-se um processo contínuo de obtenção de informações e de interações, em que o profissional está, de um lado, exercendo atividades que derivam da sua especificidade profissional, e de outro, sendo, de alguma maneira, também observado, registrado e avaliado pelos moradores daquele lugar.

Vários têm sido os instrumentos utilizados e/ou construídos nas situações que se apresentam quando do desenvolvimento do trabalho:

* entrevistas que muitas vezes são realizadas de maneira coletiva, fora de um ambiente controlado, com um número variável de participantes do início ao fim;

* conversas informais acontecidas nos bares, padarias, pontos de ônibus, caminhando nas ruas, cujos conteúdos vão fornecendo indícios sobre a dinâmica existente na comunidade e sobre o tipo de interação e vínculo que os moradores vão criando;

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* visitas às casas, a alguma reunião considerada importante, e/ou a alguma festividade;

* registros de acontecimentos e/ou episódios significativos em diários de campo, acompanhados de apreciações sobre as interações, as problemáticas vividas e as alternativas de ações encontradas pelas pessoas;

* recuperação da história de constituição da comunidade através de fontes vivas, como pessoas significativas, lideranças formais e informais, representantes de entidades, igrejas e templos, entre outros;

* resgate de documentos do saber popular e uso de fotografias e/ou objetos e/ou produções oriundas da produção cultural local;

* encontros não programados, reuniões imprevistas e debates repentinos acontecidos no seio dos grupos formais e informais.

Assim, o trabalho desenvolvido apresenta estratégias que objetivam:

* coleta de informações sobre a vida, condições de moradia e sobrevivência, recuperação histórica da construção daquela comunidade;

* identificação de necessidades e problemáticas vividas pela população na esfera do seu cotidiano, em termos de processos psicossociais que afetam as pessoas;

* detecção dos modos alternativos de enfrentamento e resolução, encontrados pelos moradores no seu cotidiano e nas relações estabelecidas.

* discussão conjunta, com a comunidade e seus representantes, sobre as alternativas, e decisão sobre aquela a serem adotadas, assim como sobre as estratégias para sua viabilização;

* constituição dos grupos para a execução das alternativas; e

* avaliação contínua e reformulação dos caminhos adotados, em função das necessidades e impedimentos que se apresentarem ao longo do trabalho.

Neste momento, parece-nos interessante listar alguns aspectos que foram sendo reunidos, a partir de várias práticas desenvolvidas, e que nos permitem caracterizar os trabalhos desenvolvidos em comunidade, dentro de uma perspectiva de intervenção voltada para uma mudança social e que lidam com fenômenos psicossociais presentes na vida das pessoas. Essascaracterísticas são:

* ser um trabalho coletivo, envolvendo grupos de profissionais;

* é dirigido, orientado e balizado pelas necessidades e demandas coletivas da população, que podem ter incidências e reflexos na vida particular das pessoas;

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* lida com grupos e, por isso mesmo, enfrenta dificuldades derivadas das características deespontaneidade dos grupos, variação na quantidade e composição dos seus membros, avanços e retrocessos existentes nas diversas reuniões grupais, distanciamento que vai sendo criado entre as lideranças e os demais; hierarquias internas e fontes de poder diversificados que se alteram continuamente; e dificuldades e distorções comunicacionais acontecidas nas reuniões;

* necessitar de um conhecimento contínuo e atualizado sobre a dinâmica e a vida comunitárias, cujas alterações vão imprimindo novas diretrizes para o trabalho;

* admitir a possibilidade de mudança como elemento presente: mudança de estratégias, objetivos, problemáticas a serem trabalhadas e alternativas adotadas;

* trazer, quase que a todo o momento, questionamentos sobre a importância e viabilidade do trabalho, assim como sobre a própria identidade e especificidade destes profissionais;

* não possuir um tempo previsto para o seu término, dependendo da avaliação da comunidade.

Sobre a Análise de Necessidades

As estratégias e instrumentais empregados, de acordo com as diretrizes e características dos trabalhos realizados, situam-se no domínio da investigação e, em certa medida, tratam-se de elementos que compõem as pesquisas sobre intervenção comunitária, realizadas diferentemente das tradicionais em que se possui um maior controle sobre a situação e o contexto de obtenção de dados.

É neste quadro, que são fundamentais as ligações entre as pesquisas qualitativas e quantitativas. Contrariamente, ao difundido, é exatamente na realidade concreta que os métodos quantitativos e qualitativos mais se complementam e mais se associam. A riqueza e quantidade de material obtido, neste processo de inserção e familiarização, exige também uma postura dos profissionaisde preservar e respeitar a dinâmica e significado das informações, enfrentando o desafio de produzir um conhecimento que tenha força e seriedade para entrar nos espaços acadêmicos, sem se tornar neutro, asséptico e distorsivo com relação à realidade que o engendrou.

Na análise das necessidades, vividas e existentes, o papel do profissional, em termos de se apropriar das informações, das dinâmicas presenciadas e partilhadas, e do contexto comunitário delineado, tem fundamental e decisiva importância.

Adotar instrumentais de análise, gerados dentro de um modelo funcionalista, supostamente neutro e imparcial, em nada contribui para esse tipo de preservação.

De um lado, os métodos quantitativos de análise podem trazer uma certa segurança na detecção do dado em si, "como se" fosse possível ser o mais fiel ao contexto concreto; quando, na verdade, acabam despersonalizando-o, descontextualizando-o e tirando-lhe a dinâmica vivencial humana,

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além de se distanciarem e se descomprometerem com a aplicabilidade dessa produção de conhecimento.

De outro, os métodos qualitativos, embora se apresentem como os mais possibilitadores da preservação dessa dinâmica e movimento, também trazem o perigo de ficarem à mercê da leitura ou ótica do profissional-pesquisador, que dependendo de qual seja seu compromisso político e social podem levar a uma interpretação mais ou menos distorcida da realidade..

A maneira como ele reunirá esses dados, para esboçar um quadro diagnóstico e avaliativo, deverá ter, por princípio, um respeito à realidade concreta, à ótica vivencial da comunidade, e às perspectivas que aparecem interiorizadas pelas pessoas nas suas relações.

Novamente, aqui, destaca-se uma linha diferenciadora nas práticas psicossociais em comunidade, em termos de orientações e compromissos filosófico-políticos. Esta demarcação está presente quando se fala a respeito da inserção na comunidade, visando um processo que culmine na análise de necessidades que, por sua vez, podem permitir a construção de alternativas de ação para as pessoas resistirem e enfrentarem, no seu cotidiano, as problemáticas que tentam tirá-las de uma condição de certa humanidade. Fazer isto significa falar, necessariamente, do plano da prática e da aplicabilidade de uma profissão. Em nosso entendimento, isto implica na explicitação das nossas contribuições, para a vida das pessoas.

Concluindo, pode-se afirmar que o tipo de Análise de Necessidades e, consequentemente, o tipo, a extensão e o compromisso da intervenção realizada são delineados pela forma ou maneira como o processo de inserção se dá, como já indicamos no início.

Desta forma, neste momento, uma pergunta parece, então, fazer sentido: que tipo de inserção nos prestamos fazer ?

Tendo como base a discussão já realizada, aqui, poderíamos dizer que existem duas possibilidades:

- há aquela inserção que contribui para a produção de conhecimentos sem um envolvimento e implicação com a mudança da vida da comunidade; ou,

- há outra, na qual,acreditamos, em que são tentadas formas de participação da comunidade, e em que se buscam produções de conhecimento conjunto, embora tenham um certo ônus e um certo ganho.

O ônus refere-se a um custo intrínseco à profissão, de existirem continuamente desafios, questionamentos e incertezas sobre o papel destes profissionais, naquele contexto. Este custo intrínseco, por sua vez, estampa a necessidade de uma profunda reformulação no processo de formação dos psicólogos, dos assistentes sociais e nos paradigmas adotados para o desenvolvimento dos trabalhos (Montero, 1994b).

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O ganho estaria no encontro de possibilidades para que a própria comunidade construísse relações mais solidárias e humanas, percebendo que os impedimentos e problemas não se devem a características ou matrizes tão somente suas. Além disso, este ganho estaria, também, na necessidade, social e comunitariamente construída, de serem produzidos outros conhecimentos em psicologia, afeitos à realidade concreta, que tivessem, minimamente, alguma cumplicidade com o povo da nossa terra.

Referências

Ammann, S. B. (1980). Ideologia do Desenvolvimento de Comunidade no Brasil. São Paulo, Cortez Editora.

Andery, A.A. (1984). Psicologia na comunidade. Em S. T. M. Lane e W. Codo (Orgs.), Psicologia Social - O Homem em Movimento, (p. 203-320). São Paulo: Brasiliense.

Freitas, M.F.Q. (1986). O Psicólogo na Comunidade - um estudo da atuação de profissionais engajados em trabalhos comunitários. Dissertação de Mestrado, PUC, São Paulo.

Freitas, M.F.Q. (1996a). Psicologia na comunidade, psicologia da comunidade e psicologia (social) comunitária: práticas da psicologia em comunidade nas décadas de 60 a 90, no Brasil. Petrópolis: Vozes.

Freitas, M.F.Q. (1996b). Contribuições da psicologia social e psicologia política ao desenvolvimento da psicologia social comunitária. Psicologia & Sociedade/ABRAPSO, 8, 1, 63-82.

Lane, S.T.M. (1987). A Psicologia Social e uma nova concepção do homem para a psicologia. Em S.T.M. Lane & W. Codo (Orgs.), Psicologia Social - O Homem em Movimento (pp. 10-19). São Paulo: Brasiliense.

Martín-Baró, I. (1989). El Papel del Psicólogo enel Contexto Centroamericano. Boletin AVEPSO, vol. XII, 3, 6-17.

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PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA: DA SOLIDARIEDADE À AUTONOMIA

CAMPOS, Regina Helena de Freitas (org.). Psicologia social comunitária: Da solidariedade a autonomia. 18. Ed. Petrópolis: Vozes, 2013.

Regina Helena de Freitas Campos é autora organizadora do Livro Psicologia social comunitária: Da solidariedade à autonomia, porém a obra foi construída a partir das reflexões do Grupo de Trabalho em psicologia social comunitária da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (Anpepp) e inspirados nas discussões do grupo, na qual foi constituído durante a realização do V Simpósio de Pesquisa e Intercâmbio da Anpepp.

Esta foi a primeira produção conjunta do grupo, que tem por finalidade promover a melhor delimitação do campo, e aperfeiçoar os instrumentos de análise e intervenção disponíveis e em elaboração. Além de possibilitar que a obra seja útil aos profissionais, estudantes e pesquisadores que compartilham as preocupações e buscam, em relações democráticas e solidárias nas comunidades em que atuam.

A psicologia comunitária começou a se desenvolver de acordo com Campos (1994), em meados de 1960, que foi quando iniciou-se alguns trabalhados voltados para as comunidades menos favorecidas. Esses trabalhos de certa forma, visava deselitizar a psicologia como profissão e ao mesmo tempo, buscar melhoria de vida àquelas populações que apresentavam problemáticas.

A partir do reconhecimento da necessidade de atenção à comunidade, os profissionais e educadores, assim como estudantes começaram a fazer vários encontros científicos para discussão de questões sociais que estavam ocorrendo nas comunidades. Esses encontros à medida que iam acontecendo só fortaleciam a proposta de se ter uma psicologia comunitária reconhecida cientificamente.

Daí surgiu a ABRAPSO, Associação Brasileira de Psicologia Social, que foi um marco muito importante na história da construção de uma psicologia social como ciência, na qual buscava ter um compromisso com a sociedade.

No entanto, a psicologia comunitária começou aos poucos ganhando seu lugar no espaço, possibilitando um grande salto no conhecimento teórico da ciência, pois sai daquele modelo elitista de que a psicologia só era associada com a burguesia, vista de forma distanciada da população/sociedade, ou seja, as pessoas com poder aquisitivo mais baixo não tinham oportunidade de fazer atendimento psicológico e passando a herdar uma característica mais social e envolvida neste contexto.

A psicologia comunitária é uma vertente da psicologia social, são bem próximas, o interessante é que a psicologia social é como se fosse a teoria e a psicologia comunitária fosse a prática, pois vai buscar intervir meio a comunidade e aos grupos nas condições sociais conflituosas que estes estejam vivenciando.

O psicólogo comunitário, passa também a ser visto como parte da equipe de saúde, por estar vinculado a ampliar e democratizar o fornecimento de serviços público, que é justamente de direito da comunidade. Sabendo que, no meio social surge muitos problemas e questões relacionados a saúde coletiva, entretanto espera-se que o psicólogo comunitário desempenhe o papel de mediador dentro dos movimentos que acontecem na comunidade, e com possíveis intervenções.

Para Ornelas (1997) “o desenvolvimento comunitário é um processo que permite criar as condições para o progresso econômico e social através da participação dos cidadãos na sua comunidade”. O autor defende que as áreas temáticas mais abordadas pelos modelos comunitários são os procedimentos democráticos, a operação voluntária, a ajuda-mútua, a liderança e educação

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dos agentes locais. Contudo, a principal estratégia utilizada para obter mudança é a do envolvimento dos indivíduos na identificação e resolução dos seus próprios problemas, cabendo aos profissionais o papel de facilitadores na resolução, encorajando os indivíduos, dando ênfase aos objetivos comuns e favorecer o crescimento a nível das competências democráticas.

Os psicólogos comunitários construíram uma nova visão do psicólogo, cujo principal objetivo passou a ser o estudo, a compreensão, a conceituação e a intervenção rigorosa nos processos, através dos quais, as comunidades pudessem melhorar o estado psicológico geral dos indivíduos que nela vivessem (ORNELAS, 1997, p. 377).

Com a psicologia humanística de autores como Rogers, Maslow e Perls, a psicologia

comunitária partilha a ênfase que dá aos aspectos positivos do indivíduo e às suas potencialidades, trabalhando sobre estes e não sobre as disfunções e os distúrbios (FERNANDES, 2000, p. 227).

Para concluir, o psicólogo comunitário vai ser aquele cujo sabe que existem momentos de constante sofrimento para um ser individual e coletivo, mas age como mediador, trabalhando esses aspectos problemáticos e atribuindo-lhes valores positivos, como por exemplo, conscientizar de que a partir de crises e conflitos pode-se aprender e obter experiências para enfrentar as dificuldades, tornando-se assim seres resilientes. REFERÊNCIAS ORNELAS, José. Psicologia Comunitária: Origens, fundamentos e áreas de intervenção. Análise Psicológica, v. I, n. 3, p. 375-388, 1997. FERNANDES, Antónia Pratas. (Alguns) quadros teóricos da Psicologia Comunitária.Análise Psicológica, v. I, n. 2, p. 225-230, 2000.

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A Práxis do Psicólogo Comunitário: Desafios e Possibilidades Resumo: As discussões acerca dos trabalhos realizados em Comunidades têm se expandido e

novas demandas tem sido apresentadas a esses profissionais de Psicologia de tal maneira que o habilitem a dar conta das questões tanto de ordem coletiva quanto social. Diante dessas demandas essas questões tem se revelado cada vez mais freqüentes. Durante o início das décadas de 40 e 50 os primeiros trabalhos comunitários foram realizados no Brasil com um forte cunho assistencialista oriundo de práticas norte- americanas. O Psicólogo nesse período realizava trabalhos em projetos educacionais com a finalidade de auxiliar a população a um novo modelo econômico que emergia no Brasil. Com o passar dos anos, essas práticas assistencialistas foram modificadas a partir de reflexões feitas pelos psicólogos relacionadas à metodologia aplicada na época. Este artigo traz algumas considerações sobre as formas de atuação do psicólogo comunitário, bem como uma proposta de reflexão e as possibilidades e desafios encontrados por este profissional na atualidade. Por esta razão, utilizamos a pesquisa bibliográfica a partir de outros artigos, textos e periódicos. Autores com pensamento teórico que forneça auxílios relacionados ao tema proposto. Foram estudados os escritos posteriores ao período da consolidação da Psicologia Social Comunitária no decorrer desses anos. Palavras-chave: psicologia social comunitária, psicologia social, comunidade.

Introdução Falar de Comunidade é falar sobre vida cotidiana, vida em comum, coletividade. Segundo

Campos, (1994, p. 9) “é na Comunidade que grande parte da vida do sujeito é vivida”. Durante muito tempo desde o golpe militar no Brasil, o conceito de Comunidade esteve distante do discurso psicológico, mas por volta dos anos 70, surge um interesse sobre essa temática dentro da Psicologia Social, é neste momento que ela denomina-se Comunitária (SAWAIA, 1994, p 35).

A Profissão de Psicólogo foi reconhecida no Brasil em 1962, dois anos antes do golpe militar que impôs ao país um regime ditatorial. A prática psicológica neste período baseava-se em intervenções desenvolvimentistas oriundas de uma repressão política, o que resultou em um modelo individualizado de atuação. O pensamento ideológico desenvolvimentista causava na população brasileira, mais especificamente na classe média, um comportamento consumista e um posicionamento conformista frente ao sistema político. Predominava-se o individualismo que afetava as práticas psicológicas e a produção de novos conhecimentos.

Nessa época, os movimentos sociais eram impedidos pelo controle e repressão da ditadura, e isto fazia com que os cidadãos não tomassem um “posicionamento crítico em relação à realidade vivida” (SCARPARO, GUARESCHI, 2007, p.8).

Durante a ditadura, os trabalhos dos psicólogos eram direcionados pelo modelo clinico, intervenções aconteciam em escolas e trabalhos eram feitos na área de recrutamento e seleção. Nesse período ditatorial a psicologia estava sendo refém de necessidades políticas e econômicas geradas pelo governo militar. O Brasil estava sujeito a um modelo de governo que privava o indivíduo dos seus direitos básicos, tais como: moradia, educação, emprego. A partir desse processo social, vários profissionais começaram a atuar junto à população (CRUZ; FREITAS; AMORETTI, 2010).

Os primeiros cursos de psicologia aqui no Brasil sofreram grande influência norte-americana, professores e alunos de graduação desejavam desenvolver trabalhos junto aos setores desfavorecidos, com o propósito de construir um saber ligado com as necessidades socais,tornando a psicologia mais próxima do povo (CRUZ, 2010).

Sendo assim, é neste cenário de deselitização da Psicologia, da preocupação com as questões sociais, com as formas de relações de desigualdades que conseqüentemente dava margem ao

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autoritarismo, que surgem base para a consolidação e fundamentação da Psicologia Social Comunitária (AMORETTI; CRUZ; FREITAS, 2010).

Dessa forma, ia se criando uma nova forma de pensar sobre a prática psicológica, isso acontecia em um contexto de repressão que a sociedade estava vivenciando. As intervenções de forma individualizantes não conseguiam da conta de questões que eram de ordem macro social. Essa mudança de enfoque que ocorreu na America Latina em relação aos modelos tradicionais de formação acadêmica na área possibilitou uma postura diferenciada dos profissionais que “maximizava a saúde dos cidadãos e que essa saúde só poderia ser alcançada com a educação, a cultura, a habitação, ao lazer” (CRUZ; FREITAS; AMORETTI, 2010, p. 78). O propósito disso era atingir relações mais justas e igualitárias. Como sinalizam as autoras citadas acima: [...] Podemos dizer que o período histórico que viveu a America Latina reuniu condições de possibilidades para que emergisse um novo olhar psicológico, comprometida com a realidade do cotidiano dessas populações, maximizando á saúde dos cidadãos [...] CRUZ, FREITAS, AMORETTI, 2010, p.77

Um dos primeiros passos para a mudança das práticas psicológicas era pensar sobre elas, o outro era fundamentar esse novo olhar fora do pensamento original. No entanto, nos Estados Unidos que surge a nomenclatura “Psicologia Comunitária”, referindo-se a profissionais que trabalhavam com populações desfavorecidas, esses trabalhos possuíam um forte caráter assistencialista, contudo sem uma análise crítica, o que gerou poucos resultados (LANE, 1996, p. 18).

Breve Histórico da Psicologia em Comunidades (Anos 60, 70, 80 e 90)

a) Anos 60 – Regularização da Profissão e a Inserção do Psicólogo

Durante as décadas de 40 e 50 um novo modelo de produção foi ingressado no Brasil do agropecuário ao agroindustrial, o que demandou uma nova preparação para a população trabalhadora, o Estado desenvolveu projetos na área educacional para essas populações, com o intuito de prepará-los para esse novo modelo econômico. Esses trabalhos realizados junto à classe trabalhadora eram chamados de “trabalhos comunitários.”

Esse projeto de educação era realizado por um interesse econômico do Estado, e os profissionais que estavam integrados neste projeto de educação eram “provenientes das ciências humanas e sociais” (FREITAS, 1996, p. 57). Diante desse desenvolvimento econômico, o país passa para a década de 50 com projetos Comunitários realizados em vários lugares, no entanto, esses trabalhos ainda tinham um foco paternalista.

Nos anos 60 surgem movimentos de resistência frente ao modelo capitalista que não davam conta das necessidades primárias dos populares. Dessa maneira, tanto a população urbana como a população rural reivindicavam melhores condições relacionadas às suas necessidades básicas. Neste período, “o custo de vida torna-se insuportável para a classe trabalhadora” como sinaliza FREITAS (apud FREIRE, 1979, p 57) “[...] as greves espalham-se em vários setores da população e dos serviços, o desemprego atinge números assustadores, e a inflação e o custo de vida torna-se insuportáveis para as classes trabalhadoras e para população em geral”.

Com essa crise, o Brasil, nos primeiros anos da década de 60, procura intervenções na área educacional, com o objetivo de desenvolver na população uma consciência crítica, a fim de que a mesma pudesse tomar o seu lugar de sujeito ativo. Conforme Freitas (1996, p. 57), trabalhos de educação popular foram realizados utilizando método de Paulo Freire, esses trabalhos tinham um compromisso de fazer com que o individuo resgatasse seu papel como agente histórico e social. (FREITAS apud FREIRE, 1979, p. 57).

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O Pensamento Freiriano é o de conscientizar a comunidade para que esta possa conhecer seus direitos e deveres. Segundo o mesmo autor, uma comunidade desconscientizada “prefere viver como Deus quiser a reivindicar seus direitos” (FREIRE, 1980, p. 59). Os trabalhos desenvolvidos no nordeste por profissionais duraram pouco tempo, esses trabalhos começou a gerar na população uma vontade lutar por seus direitos, lutar por melhores condições de vida, no entanto, o Estado impedia o fortalecimento da população.

Sendo assim, algumas reivindicações populares acontecem neste período, como a caminhada dos camponeses por condições melhores no plantio; os operários por melhores condições salariais dentre outros. Em Março de 1964, instaura-se a ditadura no país, que obriga a população a viver no regime ainda pior, a miséria e a pobreza eram assustadores (FREITAS, 1996, p.58).

Diante disso, perto das indústrias estavam as casas e casebres que iam crescendo de forma desajeitada, sem segurança alguma. Essas moradias eram construídas próximas dos locais onde as pessoas podiam trabalhar. “As pessoas que habitavam nessas casas, vilas, bairros eram trabalhadores destas fábricas, hospitais, indústrias e mansões” (FREITAS, 1996, p.59).

Oficialmente o reconhecimento da profissão de Psicólogo no Brasil foi em 27 de agosto de 1962, os primeiros cursos tinham o seu arcabouço teórico oriundo dos Estados Unidos. A Psicologia baseou a sua prática a partir de trabalhos realizados em consultórios, ambientes escolares e nas organizações, essas práticas eram especialmente na década de 60.

Em meados dos anos 60, em alguns lugares dá-se a entrada do profissional de psicologia nos setores desfavorecidos com a preocupação de tornar essa prática próxima do povo, com o intuito de deselitizar a profissão. Essas práticas ganharam forças. Nesse período, surge a primeira turma de psicologia no Brasil. Em um contexto de desespero da população com o descuido do Estado e diante de vários conflitos sociais que o psicólogo é desafiado a atuar.

O termo psicologia na comunidade é utilizado quando alguns estudantes, psicólogos e professores de graduação começam a desenvolver trabalhos em comunidade de baixa renda no estado de São Paulo. Na década de 70, no estado de Belo Horizonte na Universidade Federal de Minas (UFMG), a disciplina Psicologia Comunitária começa a fazer parte do currículo acadêmico. O psicólogo trabalhava de maneira voluntária, convicto do seu compromisso político e social junto a essas populações carentes (FREITAS, 1996, p.60).

Os Psicólogos utilizaram referencias da Sociologia, Antropologia, entre outras áreas das Ciências Humanas para o desenvolvimento de seus trabalhos em comunidades (FREITAS, 1996, p.62) A preocupação desses profissionais eram desenvolver atividades que permitissem à Psicologia estar mais próxima do povo, auxiliando práticas para que a população pudesse se organizar de forma política e reivindicasse por melhores condições de vida.

Devido ao contexto histórico que o Brasil estava vivendo, quaisquer práticas eram bem recebidas na Comunidade, contando que fossem com o objetivo de prestar algum tipo de assistência. As reflexões levantadas em relação aos instrumentos utilizados nesse período eram pouco discutidas, haja vista que existiam pouco psicólogos disponíveis para atuar neste campo (CRUZ; AMORETTI, 2010, p. 72).

b) Anos 70 – Psicólogo junto a Movimentos Populares

O Brasil ainda estava sob o regime militar, a população criava meios de mobilização, através de movimentos sociais. Geralmente, essas mobilizações ocorriam em associações de moradores, nas comunidades eclesiais de base, nos órgãos de defesa do cidadão. Profissionais de vários saberes se uniam a esses setores populares com o objetivo de contribuir com os movimentos populares que iam crescendo, embora timidamente (FREITAS, 1996, p. 63).

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Foi junto a esses movimentos populares, que se iniciou a prática da Psicologia Social Comunitária, com características de se voltar para diferentes problemáticas, além daquelas com que se trabalhava anteriormente. Segundo Freitas (1996, p.64), o interesse desses intelectuais e profissionais nestas questões sociais era devido a uma extrema miséria que essa população estava vivendo, por isso tamanho envolvimento.

Os profissionais participavam dos movimentos populares com a crença de colaborar para uma sociedade mais justa e igualitária. Para tanto, os profissionais de psicologia começaram a marcar espaço, saindo das escolas, consultórios e, indo para os bairros, favelas, associações de moradores.

O modelo clínico se mostrava, portanto, inadequado, visto que não se tratava apenas de uma mudança geográfica da prática clínica. As atividades que eram realizadas pelos profissionais de Psicologia junto com outras Ciências Sociais e Humanas aconteciam a partir de reuniões para discutir as questões que a população estava vivenciando, fazia-se um levantamento de necessidades; descrições das condições de vida; do modelo educacional e suas deficiências; discutiam sobre a saúde da população e, a partir disso, ofereciam serviço psicológico gratuito. A ação conjunta acontecia em passeatas, abaixo-assinado ou qualquer forma de resistência frente a precariedade das condições de vida da população (FREITAS, 1996, p.65).

Como os trabalhos em comunidade, a princípio, eram voluntários, os profissionais como forma de sobrevivência investiram na docência. Questões em relação à inserção do psicólogo na comunidade foram discutidas nas universidades, iniciaram-se debates acerca da postura deste profissional nas comunidades. Existiam trabalhos já publicados por professores e alunos que desenvolveram trabalhos na Zona Leste de São Paulo em uma comunidade de baixa renda e na UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais já existia a disciplina que discutia questões ligadas à ecologia humana e movimentos populares (AMORETTI; CRUZ; FREITAS, 2010, p. 78).

c) Anos 80 – Criação da Associação Brasileira de Psicologia (ABRAPSO)

Nos anos 80, a denominação da palavra psicologia comunitária passa a ser mais freqüente, profissionais se apropriam desse termo em debates e discussões. Em fins dos anos 70 e começo dos anos 80, reflexões são feitas em relação aos trabalhos desenvolvidos em comunidade, questiona-se o seu caráter voluntário e os modelos de intervenções utilizados pelos psicólogos que atuam neste campo. Trabalhos em Psicologia Social Comunitária são publicados, neste período pessoas como Sílvia Lane, a pioneira em psicologia social no Brasil e outros autores trazem em suas publicações questões referentes ao desenvolvimento do trabalho do psicólogo em comunidades (FREITAS, 1996, p.65).

Em meados dos anos 80, surge a necessidade de se criar um espaço de discussões e debates para delimitar a atuação do profissional de psicologia que atua nas comunidades. Esse espaço é criado em julho de 1980 e é chamado de ABRAPSO (Associação Brasileira de Psicologia Social)

Através da ABRAPSO, uma Psicologia Social crítica foi construída, comprometida com a realidade obscura da população. Em cada região do país, são criados núcleos, para se realizar encontros regionais em torno das problemáticas desenvolvidas pela Psicologia Social.

Em São Paulo em um dos primeiros encontros regionais, aborda-se o tema Psicologia na Comunidade, onde os profissionais discursam sobre as suas práticas comunitárias com mulheres nas periferias, em centros de educação popular, e em creches (FREITAS, 1996, p.68). Encontros e mais encontros regionais são realizados com a intenção de se pensar sobre novas práticas, discutir as temáticas relativas ao bem-estar da população.

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d) Anos 90 – Expansão do trabalho do Psicólogo Comunitário

No início da década de 90, expandiram-se os trabalhos dos psicólogos com os populares. Estes trabalhos baseavam-se em variadas práticas, com diferentes referenciais teóricos, é freqüente neste período ouvir a denominação psicologia da comunidade (FREITAS, 1996, p.69).

As práticas desenvolvidas pelos psicólogos estavam ligadas basicamente aos postos de saúde, órgãos ligados às questões familiares, instituições penais. Em se tratando de instituições, sabe-se que a atuação do psicólogo se desenvolve a partir da demanda solicitada pela própria instituição.

Com o envolvimento dos profissionais de psicologia nas questões ligadas á saúde coletiva, a sua postura, portanto, é de um trabalhador social dentro desse movimento de saúde. A Psicologia passa a ser vista como uma profissão da área de saúde. Esses primeiros anos da década de 90 foram marcados por uma diversidade teórica e metodológica no desenvolvimento desses trabalhos em comunidades.

Após a saída dos militares do governo, o país passou por uma série de dificuldades, muitas mudanças e transformações ocorreram na administração pública. Abriram-se oportunidades para os profissionais da área de humanas, com o objetivo de prestar serviços à população. A psicologia começa a ser reconhecida como profissão que presta serviços aos setores desfavorecidos, vários profissionais começam a trabalhar em bairros, postos de saúde, agora de uma maneira não mais clandestina.

Distinções Práticas e Nominativas de Psicologia na Comunidade, Psicologia da Comunidade e Psicologia Social Comunitária

Escutamos as expressões “Psicologia na Comunidade, Psicologia da Comunidade e Psicologia Social Comunitária, que aparentemente parecem que são símiles, contudo não são só meras distinções nominativas é também uma questão de prática. A expressão “Psicologia na Comunidade” (FREITAS, 1996, p.62) surgiu durante um período onde o objetivo era tornar a prática da psicologia acessível ao povo.

A postura dos profissionais de psicologia era deselitizar a profissão e, para isso, ser possível, era importantíssimo desenvolver a sua prática na Comunidade, fora das escolas e consultórios. Durante as décadas de 60 e 70 confundiam-se as expressões “Psicologia na Comunidade” com “Psicologia da Comunidade”.

A partir dos anos 90, torna-se freqüente o termo “Psicologia da Comunidade” que refere-se às práticas da Psicologia ligadas as questões da Saúde, e atividades ligadas a uma instituição, ou órgãos públicos que prestavam serviços à população onde o psicólogo trabalhava. O intuito disso tudo era defender uma psicologia menos academicista, menos intelectual e mais ligada às questões do povo (FREITAS, 1996, p.72).

Por último, surge a expressão Psicologia Social Comunitária que carrega sua prática de maneira não paternalista, presente nos modelos trazidos dos Estados Unidos. O seu arcabouço teórico é oriundo da Psicologia Social, tendo como foco o trabalho grupal, como o objetivo de desenvolver uma consciência crítica na população e “uma construção de uma identidade social e individual orientadas por preceitos eticamente humanos”(FREITAS, 1996, p.73). [...] A Psicologia (social) Comunitária utiliza-se do enquadre teórico da psicologia social, privilegiando o trabalho em grupo, colaborando para a formação da consciência crítica e para a construção de uma identidade social e individual orientadas por preceitos eticamente humanos [...] (FREITAS, 1996, p.73).

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Comunidade: Mito ou Realidade?

Quando ouvimos a palavra Comunidade surge um pensamento de um lugar harmonioso, aconchegante ou até mesmo um lugar difícil de encontrar. Um lugar onde os relacionamentos duram, todos são solidários uns com os outros, lugar onde não existem invejas, que todos dividem o pão, praticamente um “Éden”. (BAUMAN, 2003, p.12)

Durante certo período, o termo Comunidade não era um assunto tão interessante de ser analisado, esse interesse surgiu nos anos 70 quando a Psicologia Social se autodeclara Comunitária. A Psicologia Social não é a única ciência que se debruça a analisar questões referentes a essa temática, as ciências humanas e sociais nos anos 70 e 80 também se despertaram em relação a esse tema, a partir de uma avaliação crítica dos modelos empregados pela ciência em questões referentes à população.

Nas ciências humanas, especificamente na Psicologia Social, o conceito de Comunidade, tornou-se sinônimo de qualquer atividade de cunho profissional realizada fora de instituições, fora de escolas e consultórios, com a perspectiva de uma prática comprometida com o povo. Comunidade para alguns aparece como mito, oriundo de um processo globalizado que impede a vida em comum e harmoniosa, um mito que remete-se ao passado, como se algo fosse perdido pelo homem e o que ele vivesse agora não seria de fato uma Comunidade.

Criam-se modelos de Comunidade como um lugar ideal, um local onde as pessoas são inclinadas à prática do bem. Existem diversos significados e interpretações em relação à palavra Comunidade, e cada pessoa possui o direto de empregar o termo no sentido que queira. Guareschi (2009), afirma que parte-se de um pressuposto que cada pessoa percebe o mundo de uma forma, que cada pessoa possui uma história de vida e, por isso, a importância de perguntá-las o que elas querem dizer mesmo quando falam sobre Comunidade.

Comunidade “aparece e desaparece” nas reflexões sobre questões ligadas ao homem e sociedade. Os iluministas associavam comunidade ao regime feudal, por essa razão ocorreu um movimento anticomunitário com objetivo de destruir a opressão causada pelo sistema feudal. Para eles, comunidade impedia o progresso, pelas inúmeras tradições que carregavam. Os iluministas acreditavam que o homem só poderia ser livre e progredir através da razão, do conhecimento.

Eles valorizavam o individualismo, acreditavam no ser humano como único e suficiente em si, que não tinham nada a ver com os outros e não necessitavam do outro para se constituir. Essa concepção adotada pela modernidade sufocou a idéia de Comunidade.

No entanto, nesse mesmo período houve uma recuperação do conceito de comunidade como “modelo de boa sociedade, ameaçado pelo individualismo e racionalismo” (SAWAIA, 1996, p.38). A partir desse renascimento do conceito de comunidade começam a surgir os debates, de um lado, punida como tradicional e conservadora que impedia o progresso e, de outro, protótipo de coisas boas que a modernização destruiu.

As expressões de comunidade podem ser encontradas na família, religião, raça, nação, sua delimitação pode ser local ou global, o que importa mesmo é comunhão de objetivos.

O Conceito de Comunidade sempre esteve no pensamento político, filosófico e teológico, entretanto a sociologia -ciência que surge no século XIX- torna comunidade uma categoria analítica e isso se estabelece a partir da análise das diferenças entre comunidade e sociedade.

Comunidade e Sociedade

Esse debate sobre Comunidade e Sociedade partiu da sociologia alemã. Segundo Sawaia (1996), a Comunidade é diferente da sociedade por três aspectos: o sangue, o lugar, o espírito, o sangue

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como símbolo de vínculo e crença comuns. Na Comunidade são encontrados sentimentos nobres como a honra, amizade e o amor, a relação em Comunidade é baseada no sentimento do pertencer, estar ligado e implicado com o outro.

Já na Sociedade do ponto de vista moral não há nada positivo, os homens não estão vinculados, estão divididos. A sua base é troca e o dinheiro, não existe cumplicidade.

No século XX, Comunidade tornou-se referencial de análise que permite olhar a sociedade do ponto de vista do vivido, “sem cair no psicologismo reducionista” (SAWAIA, 1996, p.41). Neste período há uma explosão de estudos pela sociologia em relação à Comunidade. O pensamento Marxista em relação a sociedade e Comunidade,influenciou várias áreas das Ciências Humanas, uma delas foi a Sociologia. Marx acreditava que a sociedade não tinha harmonia, e sim, conflitos, enquanto que Comunidade deveria ser várias pessoas, de vários lugares lutando por ideal. (SAWAIA, 1996).

Comunidade e Psicologia Social

Antes da década de 70 não se encontraram nos referenciais teóricos de Psicologia Social o conceito de Comunidade. O conceito de Comunidade só aparecia para explicar questões referentes aos homens em sociedade, comunidade era sinônimo de sociedade. Nas pesquisas de Wundt em 1904, o conceito de Comunidade aparece como interação coletiva, e essa interação que mantém a unidade de seus participantes. Alguns autores, inclusive Freud em 1976, consideravam a Comunidade injusta e negativa, por considerar todos os homens com as mesmas necessidades e desejos, negando a sua individualidade.

A Psicologia Social dedica-se a analisar e investigar, grupos e interação social, nem mesmo na Psicologia Social, comunidade aparece como centro de investigação. Esse interesse por grupos e questões grupais foi oriundo dos modelos de uma psicologia norte americana, onde o profissional de psicologia deveria ajustar a integração de grupos e indivíduos a uma sociedade que fora vitima de guerras (SAWAIA, 1996, p. 44).

É a partir desse arcabouço teórico que o conceito de Comunidade torna-se um referencial analítico para Psicologia Social. Comunidade penetrou na Psicologia no seio de um corpo teórico pelo método experimental, com objetivo de transformar atitudes de indivíduos e grupos pela integração. A princípio Comunidade foi introduzida na área clínica, com o intuito de humanizar o atendimento ao que sofria mentalmente, trabalhava-se em Comunidades com o objetivo de desenvolver habilidades individuais, coletivas e grupais, para integrar a população aos programas de modernização e para prevenir doenças.

As primeiras experiências estiveram associadas à educação popular, à medicina psiquiátrica social sob orientação do Estado. Comunidade era compreendida como unidade de consenso, ou seja,quando as pessoas que nelas estão envolvidas aceitam todas as condições, havendo um consenso (SAWAIA, 1996).

Os psicólogos que trabalhavam em Comunidades se inspiravam em teorias psicológicas que mais se aproximavam do social e das questões sobre subjetividade. Na década de 70 começou a pensar nos destinatários, e nas intencionalidades dessa prática na Comunidade, a intenção era a mesma: tornar a Psicologia próxima do povo (SAWAIA, 1996).

Antes, o psicólogo era confundido como um educador popular, com o assistente social, ou como um clinico fora dos consultórios devido ás práticas primárias nas Comunidades. Agora ele é considerado um militante com o objetivo de promover e desenvolver uma consciência critica na população, para que estes possam batalhar por suas causas. Neste contexto Comunidade é entendida com um lugar que reúne a classe trabalhadora (SAWAIA, 1996).

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Na visão da Psicologia Comunitária norte americana o entendimento de mudança estava ligado com a adaptação dos setores pobres e atrasados ao capitalismo avançado, já na Psicologia Comunitária latino-americana a transformação é compreendida como a mudança de uma sociedade explorada, pela revolução socialista (SAWAIA, 1996).

Psicólogo e Comunidade: Possibilidades e Desafios

A Psicologia Comunitária opera com a base teórica em Psicologia Social, e seu estudo baseia-se em entender a constituição da subjetividade dos seres humanos numa Comunidade (NEVES; BERNARDES, 1993). O foco da Psicologia Comunitária baseia-se em práticas grupais, a intervenção grupal torna-se necessária em Comunidades para o desenvolvimento da consciência, no qual um componente do grupo se descobre no outro, percebendo-se conjuntamente (LANE, 1996).

Para se atuar numa realidade social, é importante conhecer o contexto histórico em que essa realidade se desenvolve, diante disso, surge um desafio de intervenção social, visto que vivemos em uma sociedade em transformações constantes, as coisas vão mudando e mudam cada vez mais rápido. Como diz Casas (2005,p.8), “[...] A complexidade das dinâmicas sociais dificulta tentativas de previsão [...] tais mudanças penetram mais do que nunca em nossos lares, e exercem influências extraordinárias em nossas vidas cotidianas”.

É fundamental, para os psicólogos, levar em conta as questões psicossociais do contexto, sobretudo do ponto de vista macrossocial. Na maioria das vezes, alguns psicólogos se definem como atuantes de uma esfera microssocial, fazendo uma delimitação de sua atuação. É como se as relações existentes nos níveis micro não fizessem parte da ordem macro. Os níveis micro e macrossocial estão interligados, e o profissional necessita ter uma compreensão em relação a essa questão.

O trabalho em Comunidades não é um trabalho que dicotomiza esses níveis, as questões referentes ao nível micro estão inseridas no nível macro, é necessário compreender o sujeito integralmente. Sabemos que existem questões individuais que se manifestam durante uma intervenção na Comunidade, entretanto, é a partir de uma relação conjunta que o sujeito poderá transpor as suas questões individuais. Mesmo em grupo, o sujeito poderá preservar sua singularidade, mas necessitando do outro para sua plena realização (GUARESCHI, 1996).

A questão referente à entrada do psicólogo na Comunidade pressupõe necessariamente uma relação que se estabelece entre o psicólogo e a Comunidade, essa relação é essencial para se pensar em um modelo de intervenção.

De um lado existe o psicólogo que possui sua formação, seus conhecimentos, e sua metodologia de trabalho, sua percepção sobre o mundo e homem. Do outro lado, existe a Comunidade com suas características próprias, com o seu modo de funcionamento, vivendo um momento histórico determinado. Os profissionais e a Comunidade possuem modos de ações diferentes, manifestados através das visões de mundo que, muitas vezes, não são conciliáveis (FREITAS, 1986).

Modos de Inserção do Psicólogo nas Comunidades

Os trabalhos realizados nessas últimas décadas em Comunidades têm revelado diferentes modos de inserção do psicólogo, essa inserção também tem gerado preocupações, principalmente devido ao fato de se trabalhar com metodologias e instrumentos poucos utilizados por outras áreas da Psicologia. Há que se ressaltar, contudo, que a metodologia da pesquisa participante – tão comum em trabalhos de Psicologia Comunitária – é ilustrativa desse modelo em que sujeito e objeto são ativos na pesquisa.

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O interesse da inserção do Psicólogo em Comunidades na década de 70 foi devido à repressão política que o país estava vivendo: a intervenção era caracterizada pela militância e pela participação política. Nas décadas de 80 e 90, houve um reconhecimento maior acerca da participação do Psicólogo nas Comunidades, trabalhos em Psicologia Social Comunitária começaram a ser reconhecido academicamente. (FREITAS, 1996, p.65)

Houve e existem atualmente profissionais que oferecem atendimento psicológico gratuito em Comunidades como forma de conhecer e se aproximar mais daquela população. Entretanto, tal como citado na introdução deste trabalho, esta modalidade de intervenção ainda repete um modelo desigual em que, de um lado tem a Comunidade que “precisa” de um atendimento psicológico e, de outro, está o psicólogo oferecendo ajuda, interessado em criar intervenções, para adequar a população ao um sistema, achando que, com isso, minimizará seus desesperos. A sua inserção baseia-se em atendimento psicológico aos desfavorecidos (FREITAS, 1996).

Existem também outras formas do profissional de Psicologia entrar numa Comunidade como, por exemplo, quando motivados pelo simples fato de querer conhecer esse campo que para ele é desconhecido ou então, por simples curiosidade, alguns estudantes, profissionais se inserem em um ambiente comunitário com intuito de estudá-los. Essa inserção baseia-se em curiosidade cientifica (SAWAIA, 1995).

Existe, por fim, outro tipo de inserção que é baseada na proposta de intervenção da Psicologia Social Comunitária, essa inserção é orientada pela responsabilidade de que o trabalho realizado pelos psicólogos deve promover uma mudança das condições vividas pela população, sendo que esta que estabelece os caminhos a serem percorridos para mudança. Acredita-se no homem protagonista da sua história, no homem em movimento. Essa inserção baseia-se na possibilidade de uma mudança social e na construção do conhecimento da área (FREITAS, 1996).

Os trabalhos baseados na perspectiva social comunitária partem de um levantamento de necessidades, e situações enfrentadas pela população investigada, principalmente as situações que dizem respeito à saúde e à educação. Após essas investigações, procura-se trabalhar com grupos, utilizando métodos e processos de conscientização, para que eles, progressivamente, assumam seu papel de sujeitos (CAMPOS, 1996). Em Comunidade busca desenvolver condições para o exercício pleno da cidadania, da igualdade.

O Psicólogo que deseja trabalhar em Comunidades necessita de um conhecimento da teoria da Psicologia Social e, mais, especificamente da área comunitária. Faz-se necessário, sobretudo, ter um embasamento teórico nos pressupostos da Psicologia Social Comunitária. Os psicólogos que realizam trabalhos em Comunidades fazem “uso de uma técnica que permite compreender as interações dos indivíduos em grupo” (GUARESCHI; ROCHA; MOREIRA, 2010, p.188)

A técnica de intervenção por meio de Grupos Focais se utiliza da “interação focalizada” para pesquisa qualitativa de um grupo (GUARESCHI, 2010, p.189). A técnica objetiva buscar uma pluridade de ideias e não apenas uma única idéia no grupo. Por meio desta técnica, pode-se observar uma quantidade maior de interações, em um tempo limitado, pode-se também perceber as prioridades nos temas suscitados que partem da interação grupal. (GUARESCHI; BOECKEL; ROCHA, 2010, p.189).

O grupo Focal, segundo os autores Guareschi, Rocha, Moreira e Boeckel (2010, p.190) “[...] É caracterizado por ser um espaço acessível, os assuntos discutidos são de interesse comum, as diferenças de status entre os participantes não é considerada e a discussão é fundamentada em um debate racional [...]”.

Uma das abordagens teóricas da Psicologia que vem oferecendo possibilidades de trabalho nas Comunidades é o Psicodrama (NEVES; BERNADES, 1998), que foi criado por Moreno e é

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definida como uma ciência que explora a verdade por meios dramáticos. Drama é uma palavra de origem grega e significa ação ou algo que acontece, o berço do psicodrama é o teatro (NEVES, 1998).

A metodologia do Psicodrama leva em conta três realidades: grupal, social, dramático. O contexto da realidade social impõe ao sujeito os papéis que ele deve desempenhar, o contexto grupal é formado pelos integrantes do grupo, o vínculo formado significa mútua percepção íntima dos indivíduos (NEVES; BERNADES, 1998).

Ainda segundo as mesmas autoras (1998), ”o contexto dramático é formado pelo produto do ator principal, esse protagonista é o paciente /grupo, egos auxiliares são aqueles que contracenam com o protagonista e fazem parte da equipe terapêutica”. O diretor/terapeuta é o responsável pelo Psicodrama, e o auditório é o conjunto de pessoas que estão no contexto grupal. O tema da cena quem traz é o protagonista.

Em uma Comunidade, o drama do protagonista é da vontade do grupo, ele é o porta-voz do sofrimento coletivo ao criar conjuntamente cenas psicodramáticas, o protagonista está sendo influenciado por uma espécie de inconsciente social (NEVES, 1998). O Psicodrama acredita que a inversão de papéis, possibilite ao individuo assumir o papel de outro, e recompor o sentido da identidade e do pertencimento ao grupo (BERNARDES; NEVES, 1998).

O Psicodrama começou nas Comunidades, a partir de 1993, em serviços da rede municipal do Estado de Porto Alegre, em um projeto de Educação Social e Escola Aberta (BERNARDES, 1998) O propósito desse projeto originou-se devido às situações de risco enfrentadas pelas crianças e adolescentes, e o nome do projeto pedagógico é “Jovem Cidadão”, e foi desenvolvido em nove Comunidades (NEVES, 1998). Com a finalidade de assistir á população de baixa renda, com base no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

O Conselho Tutelar encaminhava jovens envolvidos em situação de roubo, violência, drogadição aos Centros para que recebessem atendimento socioeducativo (NEVES; BERNARDES, 1998). A participação da Psicologia acontecia nas oficinas de Psicodrama, o trabalho que era feito pelos psicólogos era a socialização de crianças e adolescentes em situação de risco a partir da visão dos integrantes quanto ao seu mundo de relações interpessoais, e aprendizado e desempenho de papéis sociais frente a sua realidade (NEVES, 1998).

Essa proposta de intervenção psicossocial tinha por objetivo, auxiliar essas crianças a tomarem uma nova posição, de sujeitos mais autônomos e menos submissos, o modelo de intervenção proposto era trabalhar com a matriz de identidade, que segundo Neves (apud MORENO, 1978) é um dos primeiros processos de aprendizagem da criança, no qual ela se relaciona com pessoas e objetos, sendo a família a base principal para a constituição de papéis.

A conscientização dos papéis desempenhados psicodramaticamente , seja na fantasia ou no contexto grupal, desenvolveria nas crianças uma nova postura, uma nova posição e uma mudança na qualidade das relações, dentro e fora do contexto grupal (BERNARDES, NEVES, 1998).

Outra abordagem da Psicologia que tem se feito presente nas Comunidades, é abordagem psicanalítica. O referencial psicanalítico tem como técnica a escuta, e essa escuta faz o profissional assumir uma postura de “não saber” para não criar na Comunidade uma expectativa achando que o profissional de psicologia seja “aquele que tem para dar” figura de um modelo assistencialista (JÚNIOR; RIBEIRO, 2009, p.91).

No trabalho com Comunidades se o psicólogo se mantiver em uma posição de mestre, irá interromper o desenvolvimento de um processo onde a Comunidade possa identificar quais sejam verdadeiramente as suas necessidades, e não esperar ações do profissional, que “certamente efeitos alienantes sobre a Comunidade” (JÚNIOR; RIBEIRO, 2009, p.92). Sabemos que para se realizar

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uma intervenção na Comunidade, é fundamental conhecê-la antes de intervir, levando em conta os conhecimentos adquiridos ao longo da vida das pessoas, suas subjetividades. Segundo Júnior, Ribeiro (2009, p.93), “[...] É de suma importância que o profissional consiga distinguir entre aquilo que a Comunidade está solicitando diretamente daquilo que, de fato, constitui o desejo que a move [...]”.

Diante disso “é essencial trazer o conceito de demanda e desejo, entende-se por demanda um apelo que o sujeito faz em busca de um complemento” (JÚNIOR, RIBEIRO 2009 apud QUINET, 2000,). Já o desejo é a busca por aquilo que nunca se viu, ou existiu e por o sujeito nunca encontrar aquilo que ele deseja verdadeiramente, ele fica em constante movimento (JÚNIOR; RIBEIRO, 2009).

Alguns trabalhos foram realizados na capital Paulista e um dentre eles foi um trabalho realizado junto a técnicos do governo que trabalhavam com pessoas que moravam em barracos, áreas consideradas de risco pela Defesa Civil, essa Comunidade era assistida por um projeto de moradia do Estado (JÚNIOR; RIBEIRO, 2009). Os técnicos contaram aos psicólogos que não compreendiam os moradores que recebiam as casas novas pelo Estado e ao invés de morar, alugavam, vendiam ou devolviam. Segundo os técnicos eram poucas as pessoas que chegavam a morar nas casas, e perguntavam-se aos psicólogos o porquê dessas atitudes.

Durante as conversas, os técnicos chegavam a dizer que a Comunidade é “mal agradecida” e que “continuariam na pobreza” (JÚNIOR; RIBEIRO, 2009, p.94). Os profissionais perceberam que essa tentativa de ajuda foi pensada para a Comunidade e não com a Comunidade, o que resulta em uma ação assistencialista, colocando os membros da Comunidade em uma posição vitimizada, o fato de estarem sem casa.

A partir desse exemplo percebemos que não é levada em consideração a questão do desejo/demanda, cabe ao profissional instruído pela teoria psicanalista estar atento às questões relacionadas entre o que é de ordem do desejo e da demanda, necessariamente não precisa responder à demanda, visto que ela é insatisfeita por “natureza” o profissional necessita escutar a demanda, trabalhá-la e perceber o que está além dela – o desejo (JÚNIOR; RIBEIRO, 2009). Diante do exemplo citado acima em relação as casas para a Comunidade, era fundamental questionar a Comunidade em relação a essa própria ação. Segundo Júnior, Ribeiro, (2009, p.92) seria mais ou menos assim: “[...] O que vocês imaginam que vai acontecer se vocês tiverem uma casa? [...] A que essas casas vão servir? [...] Como vocês imaginam que essas casas poderão mudar a vida de vocês? [...]”.

Por mais que pareça óbvio, essas indagações são essenciais, pois através dessas indagações muitas questões poderão vir à tona. Ninguém procurou interrogar a Comunidade, questioná-la, pelo contrário, levou em consideração algo externo – a moradia precária, no entanto a Comunidade mesmo com essa necessidade externa, mostrou-se contrária. Se o profissional que atua em Comunidades levar em consideração o que a Comunidade solicita e o que ela realmente deseja, ele terá grandes chances de viabilizar uma mudança de posição dessa Comunidade (JÚNIOR; RIBEIRO, 2009).

Alguns desafios são encontrados pelos psicólogos comunitários que surgem como um ponto de reflexão que são as diferenças socioeconômicas entre o psicólogo e a Comunidade, problemas referentes à resistência da Comunidade diante de uma intervenção externa (BONFIM; FREITAS, 1989). Definição da especificidade do papel do psicólogo nas Comunidades (BONFIM; 1989). Dificuldades em relação aos modelos institucionais paternalistas que desafiam os trabalhos realizados pelos psicólogos comunitários, pois impedem que os sujeitos possam tomar uma postura de autores da sua história.

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Por parte da Comunidade, existe uma expectativa de que o psicólogo resolva suas questões pessoais ou questões relacionadas à saúde, educação, moradia (ANSARA; DANTAS, 2010). E essa expectativa da Comunidade continua obscurecendo a proposta do trabalho comunitário, pois, na maioria das vezes as pessoas não entendem como funciona o trabalho do psicólogo nas Comunidades. O trabalho realizado pelos psicólogos Comunitários não é: Um trabalho clínico individualizado; não se configura de forma assistencial – paternalista; não se mantém em uma relação de dominação, pelo contrário promove uma relação de igualdade.

Considerações Finais

Ao analisar e compreender o desenvolvimento da Psicologia Social Comunitária no Brasil percebeu-se uma mudança dos enfoques metodológicos da práxis do psicólogo comunitário no decorrer desses anos. Visto que no início de sua profissão o psicólogo atuava de forma individualizada e assistencialista, sem se preocupar com a questão da autonomia do sujeito. Considerando essa análise entendeu-se o amadurecimento da Psicologia (Social) Comunitária no decorrer de toda a sua história, esse amadurecimento pode ser percebido a partir da criação da ABRAPSO (Associação Brasileira de Psicologia Social) das pesquisas e trabalhos divulgados da prática do psicólogo em Comunidades. Das reuniões anuais da ABRAPSO, com o intuito de refletir sobre as práticas da psicologia social no contexto social, inclusive o Comunitário.

O trabalho em Comunidades é bastante complexo, o profissional que deseja trabalhar nesse campo necessita se “despir” do pensamento que já sabe tudo, sendo esse um dos desafios enfrentados pelos profissionais de psicologia. A Comunidade já possui um saber próprio, que não é necessariamente um saber científico, contudo não deixa de ser um saber. E é a partir desse “saber comunitário” que as intervenções se iniciam. O psicólogo não fica em uma posição de ajudador da Comunidade, pelo contrário, ele auxilia a Comunidade a identificar seus problemas e solucioná-los, por isso o trabalho em grupo.

O trabalho grupal permite aos integrantes da Comunidade perceber uns aos outros, e a se identificar cada um com a história de vida do outro, o psicólogo nesse momento pode se apresentar como aquele que facilita a comunicação entre a Comunidade.

Apesar dos repletos desafios enfrentados no trabalho em Comunidades, a experiência, contudo, é rica, permitindo ao profissional repensar e refletir sobre a sua prática. Como já citamos anteriormente ao longo do artigo, se a Comunidade não fizer parte do processo de intervenção, os resultados serão pouquíssimos. As intervenções, por sua vez, devem ser com a Comunidade e não para a Comunidade modelo de uma prática assistencialista.

Descobrimos também a importância da devolutiva, após o trabalho nas Comunidades, levando em consideração que a opinião da Comunidade é necessária para percebemos como se configurou as intervenções e quais foram os resultados obtidos. Essa devolutiva não é só por parte da Comunidade, o psicólogo por questões éticas necessita esclarecer algumas informações colhidas durante os trabalhos realizados para que a Comunidade não se sinta um objeto “usado”.

(Adaptação resenhado de Maria de Fatima Quintal de Freitas)

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UMA REFLEXÃO SOBRE A PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA

A psicologia comunitária é uma área de conhecimento que se ocupa em estudar, entender e intervir nos fenômenos psicossociais. Esse campo tem como objetivo despertar uma consciência crítica e contribuir para a formação da identidade social e individual do sujeito. Esse trabalho tem a finalidade de fazer um percurso histórico sobre a construção da psicologia social comunitária no Brasil, compreender o conceito de comunidade e traçar sistematicamente o campo de atuação do psicólogo nesse contexto. Para tanto, foi realizado um estudo bibliográfico a fim de conhecer os saberes teóricos e práticos que contribuíram para a inserção do profissional de psicologia na comunidade. A partir da análise dos dados, foi possível compreender como se desenvolveram as práticas e modos de atuação que hoje promovem qualidade de vida e busca desenvolver, de modo ético, a autonomia nos indivíduos, procedimento que é realizado a partir da análise dos problemas de uma comunidade.

Segundo Góis (1993) a psicologia comunitária se define como uma área da psicologia social que

estuda a atividade do psiquismo decorrente do modo de vida do lugar/comunidade; estuda o sistema de relações e representações, identidade, níveis de consciência, identificação e pertinência dos indivíduos ao lugar/comunidade e aos grupos comunitários.

Esse termo se define a partir de uma ampla conceituação, visto que é um conceito novo e depende do arcabouço teórico e da práxis do psicólogo que o define. Pode ser nomeada como psicologia comunitária, psicologia na comunidade, psicologia do desenvolvimento comunitário, dentre outros.

A origem dessa área de conhecimento da psicologia remonta a uma psiquiatria social e preventiva, bem como a dinâmicas e psicoterapias grupais. O desenvolvimento de movimentos que se manifestaram contra a falta de atenção social, no que diz respeito à participação coletiva no processo de tomada de decisões se tornou expressivo para o surgimento da psicologia comunitária.

A psicologia comunitária tem a finalidade de desenvolver uma consciência crítica nos sujeitos, através de um modelo interdisciplinar. É um trabalho realizado em grupos, e na comunidade, a fim de transformar o indivíduo em sujeito. No que concerne à psicologia comunitária, pode-se referenciar como uma área de atuação com a finalidade de aplicar as teorias e métodos da psicologia social no contexto de uma comunidade.

Percorrendo um Caminho

Sabe-se que desde a década de 60 no Brasil foram desenvolvidos alguns trabalhados em comunidades de baixa renda, com o intuito de despertar consciência crítica no sujeito e possibilitar melhores condições de vida na população. Sendo que se caracterizou um modelo de atuação pautado no espaço teórico e prático da psicologia social. Desse modo, foram realizados trabalhos com a educação popular, como a alfabetização de adultos, como um instrumento para a conscientização, método que aos poucos foi sendo denominado de psicologia comunitária ou psicologia na comunidade.

Uma revisão da psicologia comunitária no Brasil não pode ser feita fora do contexto econômico e político do Brasil e da América Latina. Sem dúvida, o golpe militar de 1964 tem muito a ver como seu surgimento, pois se num primeiro momento, vivemos um período de extrema repressão e violência, quando uma reunião de cinco pessoas já era considerada subversão, ele fez com que, individualmente, os profissionais de psicologia se questionassem sobre a atuação junto à maioria da

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população, e de qual maneira seria o seu papel na sua conscientização e organização. (CAMPOS, 2009).

Nessa mesma época surgia nos Estados Unidos e em outros países da América Latina a expressão “psicologia comunitária” que se referia à atuação do profissional de psicologia juntamente as comunidades carentes. A propósito, se constituía um trabalho de cunho assistencial e manipulativo.

Bonfim (1994) faz uma retrospectiva da história da psicologia social no Brasil, nas décadas de oitenta e noventa. Nos anos oitenta, surgiram os primeiros cursos de pós-graduação na área da Psicologia Social e foi criada a ABRAPSO–Associação Brasileira de Psicologia Social. Novas práticas emergiram como, por exemplo, os trabalhos em favelas, com meninos de rua, com os sem-terra e com pessoas da terceira idade, além de práticas em comunidades, organizações e instituições. A partir dos anos noventa, em uma sociedade ainda mais pobre, foi constatado um aumento significativo da população. Ao mesmo tempo, ocorria o fortalecimento da democracia e a criação de instituições em defesa dos direitos humanos; por exemplo, as que foram criadas com base no Estatuto da Criança e do Adolescente, que entrou em vigor em 1990. Decorrentes desse contexto surgiram demandas de novas formas de trabalho do psicólogo, voltadas para práticas psicossociais. Por conta dessas demandas, o quadro conceitual precisou também ser revisto e ampliado.

No início dos anos 90, a nível nacional, presencia-se a expansão dos trabalhos dos psicólogos junto aos diversos segmentos da população. Entretanto, cabe salientar que essa expansão acontece dentro de um quadro variado de práticas, envolvendo diferentes pressupostos filosóficos e referenciais teóricos. (CAMPOS, 2009).

Nesse caso, começam a se desenvolver práticas nos diferentes setores públicos da sociedade, bem como em postos de saúde, secretaria do bem-estar social, ou em algum órgão ligado à família e aos menores. Essa atuação tem o objetivo de expandir e democratizar os serviços psicológicos em diversas áreas para a população em geral, esse trabalho tem continuidade e perpassa os dias atuais.

Entendendo o Conceito de Comunidade

Sanchez e Wiesenfeld apud Gomes (1999) estabelece alguns critérios significativos para uma melhor definição de comunidade que estejam relacionados com a Psicologia Social, por contemplarem os principais aspectos da interação humana: “Podemos dizer que uma comunidade se caracteriza por:a) ser um grupo de pessoas, não um agregado social, com determinado grau de interação social;b) repartir interesses, sentimentos, crenças, atitudes; c) residir em um território específico; e d) possuir um determinado grau de organização”.

Comunidade é conceito ausente na história das ideias psicológicas. Aparece como referencial analítico apenas nos anos 70, quando um ramo da psicologia social se autoqualificou de comunitária. Assim fazendo, definiu intencionalidades e destinatários para apresentar-se como ciência comprometida com a realidade estudada, especialmente com os excluídos da cidadania. (SAWAIA,1994).

Assim, o conceito de comunidade não é mérito exclusivo da psicologia social. Esse conceito introduziu a incorporação de um corpo técnico e epistemológico da psicologia social, pois, representou a criação de um campo teórico que visa transformar o homem no contexto em que vive, levando em consideração a sua subjetividade.

De acordo com Pierson (1974) as comunidades surgem do simples fato de vivermos em simbiose, isto é, de viverem juntos num mesmo habitat indivíduos tanto semelhantes quanto diferentes e da ‘competição cooperativa’ em que se empenham. As comunidades são estudadas

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como partes organizadas funcionalmente mutável, enfatizando a divisão de trabalho, a especialização de atividades e a concentração dos indivíduos em instituições.

As relações comunitárias que constituem uma verdadeira comunidade são relações igualitárias, que se dão entre pessoas que possuem iguais direitos e deveres. Essas relações implicam que todos possam ter vez e voz, que todos sejam reconhecidos em sua singularidade, onde as diferenças sejam respeitadas. E mais: as relações comunitárias implicam, também, a existência de uma dimensão afetiva, implicam que as pessoas sejam amadas, estimadas e benquistas. (CAMPOS 2009).

O Trabalho do Psicólogo Comunitário

De acordo Vasconcelos (1994), o trabalho do Psicólogo comunitário é interdisciplinar, realizado por equipes multiprofissionais, com formação generalista. No campo da saúde, esse profissional atua como assessor e treinador de agentes de Saúde Mental. Para o psicólogo comunitário, o saber científico é relativizado diante do saber popular, sendo este uma importante via para o acesso à Saúde Mental da população.

A propósito, o trabalho do psicólogo comunitário deve consistir em uma atuação que objetiva despertar consciência critica em um sujeito, ou em uma comunidade. O serviço de psicologia na comunidade é feito a partir de visitas domiciliares, entrevistas, mapeamento da realidade comunitária do local. Essa prática rompe com o modelo tradicional clínico e pretende estar mais próxima da situação em que o indivíduo está inserido, configurando-se um modo de fazer psicologia não-elitista.

A psicologia social ao qualificar-se de comunitária, hoje, explicita o objetivo de colaborar com a criação desses espaços relacionais, que vinculam os indivíduos a territórios físicos ou simbólicos e a temporalidades partilhadas num mundo assolado pela ética do “levar vantagem em tudo” e do “é dando que se recebe”. Esses espaços comunitários se alimentam de fontes que lançam a outras comunidades e buscam na interlocução da fronteira o sentido mais profundo da dignidade humana. Enfim ela delimita seu campo de competência na luta contra a exclusão de qualquer espécie. (SAWAIA,1994).

A psicologia social comunitária utiliza-se do enquadre teórico da psicologia social, privilegiando o trabalho com os grupos, colaborando para a formação da consciência crítica e para a construção de uma identidade social e individual orientadas por preceitos eticamente humanos. (FREITAS, 1987).

Sintetizando, o psicólogo na comunidade trabalha fundamentalmente com a linguagem e representações, com relações grupais – vínculo essencial entre o indivíduo e a sociedade – e com as emoções e afetos próprios da subjetividade, para exercer sua ação a nível de consciência, da atividade e da intensidade dos indivíduos que irão, algum dia, viver em verdadeira comunidade. (LANE, 1991).

Considerações Finais

Conclui-se através dessa literatura que a psicologia social comunitária teve sua construção a partir de um desejo de proporcionar autonomia para uma sociedade, e foi realizada a partir de movimentos políticos e sociais que foram desenvolvidos ao longo de quatro décadas. Desse modo, fica claro a expressão “conscientização” como mola propulsora do movimento na comunidade, visto que essa motivação é diretamente relacionada com a formação da individualidade crítica, da consciência de si e de uma nova realidade social que é esperada que o sujeito alcance em seu grupo social.

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SER PSICÓLOGO SOCIAL: QUAIS DESAFIOS ENFRENTAMOS PARA ATUAR NA COMUNIDADE, COM A COMUNIDADE

Toda comunidade traz em si alguma particularidade e até mesmo uma complexidade. Quando observamos as camadas mais pobres da nossa sociedade, percebemos que nelas existem pessoas com pensamentos diferentes, culturas diferentes, histórias de vida singulares, mas que se cruzam, se complementam, numa realidade social estereotipada, fragmentada pelo capitalismo, pelas desigualdades e descrença nos poderes, na sociedade e no ser humano. O papel do psicólogo é de fundamental importância, pois este profissional faz o uso de seus conhecimentos para poder intervir nos sistemas, contribuindo pela busca de melhores condições às comunidades e seus membros. O psicólogo depara-se com diversas situações que na maioria das vezes chocam, mas que é necessário abrir novos espaços para a resolução desses problemas sociais, buscando melhores condições de vida. Tomaremos como base ao nosso discurso a inserção profissional no espaço saúde, para refletirmos o que vem sendo construído e o que nos falta concretizar para podermos afirmar que as políticas públicas na saúde estão sendo realmente aplicadas e quais vem sendo as contribuições de nossa classe profissional para que isso aconteça.

A Comissão Nacional de Direitos Humanos e o Conselho Federal de Psicologia construíram juntos uma forte militância em torno da questão dos Direitos Humanos na Psicologia. Tornou-se um movimento grandioso, que trouxe uma aspiração maior à profissão nos últimos tempos.

Este novo tipo de trabalho proposto aos psicólogos trouxe uma modelagem nova à profissão já que, por muito tempo o atendimento psicoterápico durante a década de 80, atendia somente a clientelas seletas e elitistas que mantiveram a imagem do profissional psicólogo como alguém que prestava um serviço selecionador. Além disso, a quantidade de profissionais lançados no mercado de trabalho já estava sendo maior que a demanda oferecida pela sociedade. Se continuasse a crescer dessa maneira, trazendo consigo oportunidades, senão para todos, mas para a grande maioria dos profissionais, pouco provável seria trazer estas discussões sobre inclusão social e direitos humanos para o meio profissional e acadêmico. O resultado seria uma grande formação de profissionais formados para atender dentro de seus consultórios aqueles que pagassem cada vez mais. E isto não é algo provável para a sociedade atual.

Podemos considerar então, que na hora certa, a metodologia de trabalho mudou. As crises econômicas de 1990 dificultaram ainda mais o espaço deste profissional e a Reforma da Constituição, em 88, trouxe um novo eixo, uma nova direção para os profissionais. Os direitos sociais, as políticas públicas, o advento do SUS (Sistema Único de Saúde), o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) trouxeram uma amplitude de meios para o psicólogo trabalhar na área da saúde, justiça e social.

Porém, a partir deste momento, o psicólogo encontrou-se frente ao desconhecido. Não tinham uma formação específica para trabalhar no meio social e muito menos uma prática para atender ao novo tipo de clientela pobre da sociedade. Então, a partir daí, surgiu a necessidade de se inventar e ainda estamos neste ponto de invenção, uma intervenção, uma maneira de como atender esta nova

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demanda, tão diferente da que por muito tempo foi atendida. A estas alturas todos ficaram perdidos entre os vários discursos e escolas teóricas que muito pouco ajudavam a pensar numa metodologia de trabalho.

Este encontro de novos caminhos de trabalho ao psicólogo pode trazer uma reflexão sobre os processos sociais existentes, sobre os contextos de vida na sociedade, passando a mostrar os males existentes e o que ela precisaria necessariamente para ser atendida e ser melhorada.

A violação dos direitos humanos trouxe uma discussão sobre a maneira que o Estado oferece estes direitos ao mesmo tempo em que os tira. Esta discussão só pode ser aberta a partir do momento em que o psicólogo passou a intervir e aplicar a luta pelos direitos humanos no seu trabalho. Mesmo trabalhando para o Estado, ele passou a perceber estes movimentos negativos e passou a militar contra, defendendo os direitos humanos. Então, de mero espectador passou a ser um cobrador de ações positivas.

A Comissão Nacional de Direitos Humanos trouxe à Psicologia a inquietude diante destes fatos, mostrando que ao se tratar de seres humanos, este assunto passa a ser da ordem psicológica já que seu objetivo é trabalhar pelo bem estar e pela saúde mental das pessoas. E, se tratando de Diretos Humanos, nada mais justo que a junção da psicologia, que também trabalha com seres humanos.

Enfrentar o sofrimento mental sem dúvida traria muitas ações, muitos movimentos, muitas criações de políticas públicas, enfim, traria a necessidade de eliminar o mal-estar existente na sociedade, evitando um sofrimento desnecessário.

Toda comunidade traz em si alguma particularidade e até mesmo uma complexidade. Quando observamos as camadas mais pobres da nossa sociedade, percebemos que nela existem

pessoas com pensamentos diferentes, culturas diferentes, histórias de vida singulares, mas que se cruzam, se complementam numa realidade social estereotipada, fragmentada pelo capitalismo, pelas desigualdades e descrença nos poderes, na sociedade e no ser humano.

O papel do psicólogo na comunidade é de fundamental importância, pois este profissional faz o uso de seus conhecimentos para poder ajudar as pessoas que sofrem pela falta de melhores condições. O psicólogo depara-se com diversas situações que na maioria das vezes chocam, mas que é necessário abrir novos espaços para a resolução desses problemas sociais, buscando melhores condições de vida.

Desde os tempos mais remotos, as pessoas desfavorecidas sofrem com graves problemas de exploração, opressão, pobreza, falta de oportunidades, preconceitos, discriminação. Mas isso vem sendo estudado e há quem tente solucionar. Dentro de uma comunidade é necessário comprometer-se com as diversas mudanças a serem feitas e aproximar-se dessa população oprimida. Ainda é possível trabalhar nessas pessoas uma consciência mais crítica, fazendo com que elas busquem uma identidade pessoal.

Como militantes dos direitos humanos, através de seus inúmeros trabalhos e de suas campanhas, o psicólogo é visto na sociedade como um operador da inclusão social e também se vê como uma pessoa, um profissional que vem discutindo o que se tem feito durante tanto tempo acerca dos problemas sociais e da exclusão provocada pelas “anormalidades” que a sociedade criou.

O modo que a sociedade lida com esta imagem e a relação que a Psicologia tem com este assunto, foi uma importante questão colocada em pauta pelo Conselho de Psicologia. E cada ponto discutido nestes debates fomenta ainda mais a intervenção e a vontade deste profissional exigir e cobrar de todos a existência dos Direitos Humanos.

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A Psicologia Social, os Psicólogos e as Políticas Públicas da Saúde: da Reflexão à Ação

A Psicologia Social estuda o comportamento dos indivíduos em suas relações sociais. Para Augusto Comte, considerado o fundador da Psicologia Social, seu questionamento estava

em como este indivíduo poderia ser construtor e construído, causa e conseqüência nestas relações. E foi com este pensamento que os psicólogos sociais procuraram, através de várias pesquisas, resposta para as crescentes tensões sociais desencadeadas no pós Primeira Guerra Mundial.

Durante muito tempo a sociedade foi usada como fonte de “escavação arqueológica” para explicar o comportamento do indivíduo, “traços de personalidade, atitudes, motivos, quando não por instintos”. (Lane, 1994)

A Psicologia Social produziu pesquisas e mais pesquisas em busca de formar teorias sociais. O profissional passou a ser visto como acadêmico pesquisador. Concomitantemente a Psicologia Social começou a entrar num processo de crise. E aqui no Brasil este processo se deu devido a forma de trabalho do psicólogo que exportava idéias e teorias de outros contextos sociais que não se articulavam com a nossa realidade, muitas vezes trabalhando de forma elitizada. Conforme nos diz Lane (1994), “não temos utilizado esta ciência para responder às questões sociais específicas do momento histórico em que vivemos”, ficando a Psicologia Social à margem sem construir um projeto de transformação social significativo.

Atualmente a Psicologia ampliou a visão da relação do sujeito com a sociedade. Da linha de pesquisa passou para a linha de ação. As psicologias ganharam um foco sócio-político trabalhando o sujeito como um ser social, ativo e transformador instrumentalizando-o para a conquista de uma melhor qualidade de vida. É neste contexto de transformação, de preocupação com o sujeito em sua comunidade, que a Psicologia Social trará suas contribuições através das intervenções, capacitações dos atores sociais, articulações entre os pólos do igual e do diferente, informações e comunicações.

Mas, para trabalharmos num contexto de transformação precisamos entender que o sentido é transformar+ ação. Para melhor explicitarmos, traremos um exemplo de Boarini (1989) onde em seu trabalho Estágio em posto de saúde: prática e reflexão, podemos acompanhar como se deu o processo de inserção de grupos de estagiários no espaço Posto de Saúde Comunitário do bairro de Mandacarú, no município de Maringá.

O primeiro grupo iniciou suas atividades em agosto de 1984 sendo o estágio feito na área de Psicologia Clínica e trabalho, supervisionados por dois professores das respectivas áreas.

As queixas principais vindas da supervisora-enfermeira do Posto de Saúde era que havia baixo índice de procura ao atendimento prestado no posto devido a instituição se localizar numa comunidade com alto nível sócio-econômico, porém, o que constatou-se foi uma realidade de miséria, péssimas condições de saúde e desinformação sobre os serviços sociais oferecidos para a comunidade.

De início os estagiários trabalharam a divulgação dos serviços oferecidos pelo posto, desenvolveram treinamentos dos funcionários, instrumentalizando os atendentes da instituição para acompanhar um grupo de gestantes. Em seguida, abriu-se oportunidade ao atendimento psicoterápico individual onde, de 32 pessoas que procuraram a terapia, apenas 2 deram continuidade enquanto os demais limitaram-se apenas ao primeiro encontro.

O trabalho foi desenvolvido no período de um ano dando sequência com um novo grupo de estagiários. Como no primeiro, o novo grupo priorizou o atendimento individual e tiveram o mesmo insucesso. Também tentaram um trabalho de grupo com as pessoas que se encontravam na sala de espera, mas, as dificuldades encontradas estavam desde a linguagem, a dinâmica à própria aceitação

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do trabalho. O terceiro grupo a continuar o estágio também priorizou o atendimento individual e sem nenhuma surpresa, não obteve êxito.

A exposição dos trabalhos realizados pelos três grupos foi motivo de reflexões acerca das dificuldades enfrentadas. Surgiram, portanto, dois questionamentos: por que os estagiários resistem à um trabalho grupal e priorizam o atendimento individual mesmo que este seja inviável nesta instituição?As dificuldades encontradas deveriam ser solucionadas dentro ou fora da experiência?

A prática do estágio tem significativa importância para o aperfeiçoamento do aluno. No entanto, discutir a formação do psicólogo é de fundamental importância principalmente neste caso onde a prática entra em desajuste com a teoria, ou seja, muitas vezes os recursos teóricos são mal aplicados às reais condições do exercício do profissional, e não se adequam às reais experiências numa sociedade de classes.

No caso do posto de saúde a dificuldade está no fato de os estagiários não perceberem que na realidade daquela comunidade suas prioridades não adequam uma terapia individual, e sim um atendimento médico, onde se encontra a maior demanda do posto. Onde as necessidades básicas não se encontram atendidas, dificilmente uma terapia psicológica será percebida. Isso não significa que diante das necessidades básicas desassistidas o homem não passe por sofrimentos, problemas emocionais e não tenha direito a um atendimento terapêutico psicológico.

No entanto, como diz o Boarini “são as condições materiais que determinam a consciência” e se o estagiário não conseguir perceber esta condição poderá criar uma falsa idéia de que as teorias aprendidas funcionam apenas às classes dominantes. É, portanto, diante dessas considerações que questionamos se uma terapia individual que desconsidera as condições materiais do indivíduo está realmente comprometida com a igualdade e a liberdade que cada um possui para procurar o melhor para si, e se a prática psicológica nesta condição mostrada acima realmente alcança uma classe desfavorecida tirando da psicologia essa “marca” de elitizada ou dominante. A questão mais preocupante é que, se em anos passados a tentativa (nem sempre eficiente) de focalização das atenções dos psicólogos para as classes subalternas, no contexto da rearticulação do movimento popular (de corte antiditatorial), era fortemente motivada por um reconhecimento da importância do comprometimento social da ação profissional, hoje, o quadro nos parece radicalmente diverso. A ação profissional dos psicólogos que atuam no campo da saúde (ao menos considerados os exemplos que temos em mãos, o que não representa, necessariamente, a ausência de outras formas de inserção) nos indica uma extensão da prática convencional (calcada no modelo médico) com uma escassa ou nenhuma problematização dessa forma de intervenção, reforçando um dos aspectos mais dramáticos da prática dos profissionais que atuam no setor social público: o acesso desqualificado por parte de parcelas cada vez maiores da população aos serviços básicos no setor social. (YAMAMOTO, 2003, p.49-50)

Com o exemplo do estágio no posto de saúde e a reflexão trazida por Yamamoto podemos perceber uma sutil relação entre ambas. Praticar uma clínica individualizada num contexto onde as necessidades divergem com tal prática desqualifica o trabalho do profissional, o atendimento ao público-alvo, passando a imagem de que tal intervenção não é direcionada para todos ou, se é direcionada, direciona-se de maneira pobre, simplista, sem relevantes resultados ao sujeito. Além de uma imagem elitizada, estudos sobre a profissão nos mostram que durante muito tempo as grandes áreas da psicologia no Brasil foram a Clínica, Escolar e Organizacional. Deste modo podemos entender porque muitos estudantes saem de suas graduações com idéias focadas e fechadas. A constituição da psicologia como campo de saber direcionado ao estudo do homem se contradiz quando suas práticas não se adequam à realidade brasileira, reforçando assim a sua tendência elitista e minimizando sua importância no social, na comunidade.

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Foi partindo da reflexão sobre o tipo de assistência que a psicologia estava dando a comunidade que os modelos de atuação começaram a ganhar outro rumo, outra perspectiva, direcionando-se cada vez mais às representações sociais, num contexto comunitário.

Mas para discutir esta questão de uma maneira não prolongada nos direcionaremos a atuação do psicólogo no campo saúde que, a princípio, deu-se através das Unidades Básicas de Saúde – desenvolvendo intervenções- e nos Núcleos e Centros de Atenção Psicossocial (NAPS|CAPS) no tratamento manicomial.

O psicólogo passou a atuar para a comunidade e não na comunidade, no sistema saúde, seguindo o mesmo modelo tradicional. Sua intervenção apenas reproduzia o modelo clínico, sem problematizar a adequação ou desenvolvimento de novos modelos que suprissem as exigências do serviço público e suas faltas.

O compromisso social da psicologia, que era o de transformar sua práxis sob uma ética que possibilitasse resolver os problemas sociais brasileiros, apontasse práticas que fortalecessem a população, oferecendo-a autonomia para enfrentar a situação de vulnerabilidade social só pode ser concebida quando a psicologia ganhou voz nas políticas públicas.

Além de garantir um espaço na construção de políticas públicas, a profissão ganhou novos referenciais de atuação na sociedade. A exemplo, o CREPOP, Centro de

Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas, que tem por objetivo identificar, sistematizar, documentar e disponibilizar práticas desenvolvidas pelos psicólogos, através das políticas públicas existentes e da construção de novas políticas públicas, dentro da sociedade. O CREPOP surgiu para oferecer à Psicologia um novo olhar sobre os compromissos com as Políticas Públicas e com os Direitos Humanos... traz, como principal propósito, ampliar a atuação dos psicólogos e das psicólogas na esfera pública, expandindo a contribuição profissional da Psicologia para a sociedade brasileira e, conseqüentemente, colaborando para a promoção dos Direitos Humanos no país. (CREPOP, 2007, p. 11.)

A psicologia ganhou autonomia e a responsabilidade de produzir ações na sociedade. Sua característica de profissão elitizada desmoronou. Sua intervenção que outrora se concentrava apenas na clínica, agora tem por obrigação transformar-se numa intervenção comunitária, mais humanizada. O que nos presenteia com as “Psis” sociais, comunitárias, da saúde e muitas outras variáveis que chegam ao mesmo cociente: a comunidade.

Agora, sabemos que o psicólogo para atuar na saúde (CRAS, SUS,NAPS,CAPS etc.) possui suas referências dentro dos parâmetros atribuídos pelo Conselho Federal de Psicologia e pelas Políticas Públicas.

Ainda que pareça ter sido solucionado o problema inicialmente apontado para a atuação na saúde, estamos longe de ter alcançado este patamar de um serviço integral, universal e igualitário, defendido pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Existem muitos percalços com relação ao “querer” atuar na comunidade e “ter” que atuar nas instituições praticando a clínica tradicional. Não sabemos se ainda existem resquícios da formação fragmentada, se existem limites para a criação de novas políticas públicas ou se as dificuldades advêm de uma “politização do poder”.

O que sabemos é que, ao analisar a psicologia como atuante na saúde pública, temos que refletir quais são os compromissos ético-políticos prioritários em suas ações. Se antigamente a psicologia estava associada a patologias, desvios, doenças e promoção da saúde, hoje ela precisa ter uma característica despatologizante, mas além de despatologizar a patologia enquanto doença, é necessário despatologizar a sociedade enquanto doença social, enquanto um câncer incurável. Uma

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das ferramentas é a intervenção psicossocial que intera sujeito e meio social, direcionando às diversas áreas, visando o bem-estar psicossocial dos indivíduos, organizações, comunidades, grupos, instituições, não perdendo sua característica de pesquisa-ação. Ou seja, conforme Sarriera (2000), “a intervenção psicossocial diz respeito à relação indivíduo e coletivo, na interação dos sistemas macro-meso-microsociais”.

Nossa realidade nos traz uma imagem de sociedade desigual, violenta, com baixo nível educacional, altos índices de preconceito e exclusão, prostituição, drogadição entre outros problemas sociais. Tal imagem torna-se marginalizada, distante de uma possibilidade de mudança. É muito comum imaginarmos que os grandes problemas sociais encontram-se apenas nas favelas, nos morros, nas comunidades, estereotipando a população pobre pela falta de elementos positivos (educação, emprego, saúde, etc.) e pelo excesso de elementos negativos. E neste contexto o papel da intervenção psicossocial passa a ser o de agir sobre os fatores psicológicos insatisfatórios que podem ocorrer em diversas situações; diferentes instituições, condições sociais, desenvolvimento da personalidade, mudanças diversas, momentos críticos. A intervenção psicossocial age onde existe um mal estar, não significando dizer que seu grupo-alvo são apenas os “desfavorecidos”, pois até mesmo nas classes mais altas existem problemas.

A intervenção psicossocial trabalha definindo prioridades para que não corra o risco de perder o foco dos objetivos imediatos. Possui caráter preventivo, já que seu objetivo maior é o bem-estar psicossocial e uma melhor qualidade de vida das pessoas, grupos, instituições e comunidades. Por ter recebido influências da psicologia institucional, através do trabalho preventivo, desenvolve a psico-higiene, que é uma maneira de enfrentar os problemas e situações do cotidiano buscando este bem-estar psicossocial. Também busca compreender a realidade sócio-histórica e cultural de cada grupo-alvo para identificar suas necessidades, que variam para cada contexto social.

E é dentro desta identificação da realidade grupal e suas necessidades, suas peculiaridades que o processo de intervenção psicossocial se adapta. O trabalho de pesquisa-intervenção psicossocial é algo novo, portanto, está longe de se esgotar este tema já que as produções de conhecimentos vêm-se aumentando a cada dia.

Percebemos então que, psicologia, políticas públicas e comunidade estão intrinsecamente implicadas na construção do social. Ainda que existam dificuldades para a atuação do psicólogo na saúde no âmbito social, esta dificuldade não é isolada. Lembremos que ...a psicologia social têm múltiplas “histórias” e “atualidades”, que a psicologia social são “muitas”. Portanto, proponho pensar a saúde para além de um eixo temático de psicologia social, mas como campo necessariamente interdisciplinar, que desafia todas as especialidades à construção de práticas coletivas, individuais e comunitárias. (KIND, 2007, p. 266)

Nossa reflexão teve o intuito de posicionar o profissional psicólogo numa maneira crítica acerca de sua atuação, mostrando que para atuarmos na saúde, direcionando-a a comunidade, precisamos assumir um novo compromisso com esta, procurando conhecer sua realidade, suas necessidades, melhorando a qualidade de vida das pessoas, reassumindo nosso pacto com os direitos humanos e utilizando de nossa autonomia para defender, criar e fiscalizar as políticas públicas. Esperamos que possamos levantar questionamentos sobre este compromisso, que não é só do psicólogo mas também de outros profissionais que se preocupam com as transformações sociais.