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Jornal-laboratório do curso de Comunicação Social da Universidade de Uberaba Ano VIII • nº 334 • Uberaba/MG • Junho de 2007 Jornal-laboratório do curso de Comunicação Social da Universidade de Uberaba Ano VIII • nº 334 • Uberaba/MG • Junho de 2007 Bodim Zé Galinha Bebel Seu Marcos (Homem dos cachorros) Rubão Esmar Toninho Gilberto D. Maria Francisca Dora Educação e r esponsabilidade social

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Jornal laboratório da Universidade de Uberaba

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Page 1: Revela 334

Jornal-laboratório do curso de Comunicação Social da Universidade de UberabaAno VIII • nº 334 • Uberaba/MG • Junho de 2007Jornal-laboratório do curso de Comunicação Social da Universidade de UberabaAno VIII • nº 334 • Uberaba/MG • Junho de 2007

Bodim

Zé Galinha

Bebel

Seu Marcos(Homem doscachorros)

Rubão

Esmar

Toninho

Gilberto

D. Maria Francisca

Dora

Educação e responsabilidade social

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Revelação - Jornal-laboratório do curso de Comunicação Social da Universidade de Uberaba

Uniube • Reitor: Marcelo Palmério ••• Pró-reitora de Ensino Superior: Inara Barbosa ••• Coordenador do curso de Comunicação Social: Raul Osório Vargas ••• Assessorde Imprensa: Ricardo Aidar ••• Revelação • Professor orientador: André Azevedo da Fonseca (MTB MG-09912JP) ••• Produção e edição: Alunos do 3º período deJornalismo ••• Estagiária (diagramação e edição): Graziella Tavares ••• Voluntárias: Pollyana Oliveira Lopes, Jeniffer Evangelista ••• Revisão: Márcia Beatriz da Silvae Celi Camargo ••• Impressão: Gráfica Jornal da Manhã ••• Redação • Universidade de Uberaba - Curso de Comunicação Social - Sala 2L18 - Av. Nene Sabino, 1801 -Uberaba - MG - 38055-500 • Telefone: (34) 3319 8953 ••• Internet: www.revelacaoonline.uniube.br ••• E-mail: [email protected]

Revelação - Junho de 20072

Compromisso com o leitor

Não adianta fazer cara feia, trocar de calçadaou fingir que não vê. Eles estão lá. Você podeignorá-los, desprezá-los ou até mesmo odiá-

los; mas no dia seguinte, lá estão eles de novo,teimosos, corajosos, persistentes. Eles vão e vêm,cruzando as esquinas, perambulando pela cidade,ocupando seu espaço e “se virando” como podempara ganhar a vida. Eles estão nos bancos das praças,nas poltronas de ônibus, nos carrinhos de lanche enas escadarias das lojas; eles vendem, compram,conferem o troco, pedem licença, pedem por favor,pedem uma moedinha, conversam à toa ou apenasficam lá quietos, olhando o movimento: é o povo, o

povo do centro de Uberaba, em toda a sua plenitude,naquela anárquica confusão cotidiana que preenchea cidade de vida.

Mas entre o povo que circula pelo centro, háalgumas figuras particularmente interessantes. Láestão elas, todo santo dia, naqueles mesmos lugares,colorindo o espaço público com sua originalidade.Algumas vezes elas são bem extravagantes; em outroscasos, elas apenas estão lá. E é assim que, nainsistência do dia-a-dia, essas pessoas começam afazer parte de nosso cotidiano, de nossa vida e denossa cidade. E de mansinho, mesmo que a gentenem as conheça pessoalmente, eis que elas vão

Notícias da nossa gente

André Azevedo da Fonseca (*)

A história do povo de Uberaba foi raptada eencarcerada. Nunca contaram nossa história. Quandoprocuramos nos livros, encontramos sempre asmesmas referências a duas dúzias de figurões que, peloúnico mérito de terem sobrenomes, deixaramregistradas a sua ilustre presença nos cargoshonoríficos que seus próprios compadres os levaram.Não é à toa que a população em geral ignora essahistória. De fato, ela não nos diz respeito.

Mas felizmente novos estudos caminham para umamudança radical dessa perspectiva. Cada vez mais oshistoriadores têm concentrado a atenção nas pessoascomuns, em vez de estudar apenas a história dosdirigentes. Essa abordagem baseia-se na idéia de quea dinâmica de uma cidade não é movida apenas peloEstado ou pela economia, mas por toda a sociedade,formada por pessoas como nós, que trabalhamos emnossos empregos, relacionamo-nos uns com os outrose simplesmente vivemos as nossas vidas.

Toda essa complexidade social é o grande tema depesquisas atuais. Há tempos foi abandonada a idéiade biografia dos “grandes líderes”, pois percebe-se queestes não têm em si todos os elementos para explicaras transformações de seu povo. É claro que, nas

democracias modernas, essas figuras representamanseios que na verdade são coletivos. Mas aprisionara História à vida dos dirigentes, como se apenas elesfossem agentes históricos, é um princípio quecontraria a própria lógica democrática.

Sabe-se que a ação individual de homens emulheres é muito pouco perante as forças do contextono qual estão inseridos. Ao contrário do que ospolíticos profissionais e seus acessores costumampregar para justificar sua existência, transformaçõessociais nunca são resultados de atos individuais, masdependem de uma série de pré-condições que asociedade como um todo impõe através da imprensa,das associações, dos sindicatos e das manifestaçõespúblicas. Além disso, como ensina o historiador PaulVeyne, para compreender a sociedade é precisoobservar todos aqueles elementos chamados “não-factuais”, os pequenos acontecimentos diluídos nocotidiano, cuja importância social não é percebidaimediatamente. Eventos históricos acontecem todosos dias, mas como ocorrem sutilmente em nossocotidiano, nem sempre nos damos conta de suarelevância.

Se queremos entender como a cidade se tornou oque é, não devemos estudar apenas uma exceção decidadãos que ocuparam cargos públicos. Essas figuras

excepcionais não vivenciam a mesma experiência quenós. Para interpretar a história de nossa gente,devemos olhar para a vida das pessoas comuns emsuas contradições e diversidades.

Cada um de nós é um agente histórico de muitaimportância. Portanto, se quisermos realmenteescrever a história dos uberabenses, precisamos noslibertar dos dirigentes para mergulhar diretamentenas vidas dos habitantes da cidade. Essa nova históriade Uberaba ainda está para ser contada.

( * ) Esse artigo foi publicado originalmente no Jornal deUberaba, em 04/04/2006, mas como tinha tudo a ver com essaedição, não podia ficar de fora...

conquistando um espaço em nossa memória afetiva.Mais um pouquinho e essas figuras viram verdadeiraslendas urbanas e passam a inspirar infindáveishistórias em nossa imaginação.

Nessa edição especial do Revelação, decidimosconhecer melhor algumas dessas pessoas que já fazemparte da história do cotidiano de Uberaba. Escolhemosdez personagens bastante populares e contamos umpouco de sua história. E foi assim que descobrimospessoas incrivelmente originais que, participando denossa sociedade com suas particularidades, fazem acidade tornar-se um lugar muito mais interessantepara se viver.

Por uma nova históriado povo de Uberaba

Novos olhares

Rua Vigário Silva com Arthur Machado, em 1904

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Um “menino” no playgroundToninho faz do Calçadão da rua Artur Machado o seu parque de diversões particular

Carla MatosLetícia Lemos3º período de Jornalismo

O sol mal começa a nascer e lá está ele, acordadona cama, ansioso para chegar a hora do“trabalho”. Sempre sorridente, ele acompanha

seu programa matinal de rádio favorito e sua alegriasó se completa quando ouve o som da buzina, na portade sua residência, sinal de que a Kombi o espera. Jáno carrinho, ele deixa sua casa no bairro Abadia, comdestino ao lugar onde garante seu sustento e suadiversão. Estamos falando de Luiz Antônio Martins,65 anos, pedinte do Calçadão da Artur Machado hámais de 30 anos.

A hidrocefalia (excessiva quantidade de líquido nocérebro) e a paralisia infantil limitaram osmovimentos de “Toninho”, como é carinhosamentechamado pelos amigos. Diante desses problemas,Toninho nunca se deixou abater, fazendo da música eda poesia maneiras de superar as dificuldades do dia-a-dia. É só passar uma moça bonita e ele já começa acantoria: “Fui na casa da morena, pedir água prabeber, não é sede não é nada moreninha, eu vim aquisó pra te ver”.

E não pára por aí… Com seu jeitinho todoparticular, ele também encanta suas paixões, sendoconsiderado pelos colegas do Calçadão um homemgalanteador. Toninho inclusive tem um carinhoespecial por uma vendedora, que trabalha em frentea ele, para a qual manda beijos e mais beijos de amor.

Além de romântico, “Cabeção”, como tambémadora ser chamado, é muito amigo de todas aspersonagens que fazem parte do cotidiano do centroda cidade. Mas é claro que estes “pintam” e “bordam”com ele. Gaspar Ferreira da Silva, conhecido comoBodinho, vendedor de algodão doce no Calçadão,conta algumas estripulias que já aprontou comToninho. “Peguei o carrinho desse malandro e solteiCalçadão abaixo. Para a sorte dele, nosso amigo Jorgeestava lá no final esperando. De tanto susto, o Toninhoficou até branco, mas adorou”, conta Bodinho.

Ele lembra ainda um dia em que Toninho estavafumando e o cigarro caiu no carrinho. Ele ficoudesesperado pedindo socorro e, para fazer graça,Bodinho deu as costas. Só depois de um tempo foiajudá-lo.

No convívio desses dois amigos, o bom humorsempre predomina. Toninho conta que nunca seimportou com as brincadeiras. Diante das provocaçõesde Bodinho, diz que vai enchê-lo de cabeçadas. E parademonstrar o carinho especial que tem pelo amigo,Toninho freqüentemente declama o versinho: “OBodinho é meu amigo, o Bodinho é meu colega, euvou fazer com ele, o que o cavalo faz com a égua”.

Todo mundo conhece

Carla Matos

Toninho e seu amigo Bodim são companheiros inseparáveis no “trabalho” e nas brincadeiras no Calçadão

Com todas essas brincadeiras, Toninho faz de suarotina uma verdadeira diversão. Segundo SílvioCábrio, gerente da Oriental Calçados, quandoToninho não vai para o“trabalho”, chega a chorar emcasa. “Ele é um menino e seuplayground é o Calçadão”, diz.

Apesar de tantas alegrias, avida de Luiz Antônio é repletade dificuldades. Ele ficapraticamente o dia inteiro noCalçadão e usa fraldas, fazendoas necessidades ali mesmo. AKombi que o leva e busca épaga por sua irmã, o que faz a renda da famíliadiminuir consideravelmente. Além disso, boatosmaliciosos rondam sua vida. “Algumas pessoas falamque eu sou rico, que minha mãe me usa para ganhardinheiro e um monte de coisas ruins. Mas eu semprefico calado e entrego a Deus, porque eu gosto de todos,todo mundo é meu amigo”, fala Toninho. Tem genteque brinca, maldosamente, que ele teria vendido o

seu cérebro à UFTM, para ser usado como objeto deestudos. Outros dizem que ele possui casas de aluguelespalhadas por Uberaba. Mas Toninho garante que

tudo isso é mentira sem cabi-mento!

Toninho relata ainda que aspessoas no Calçadão são muitosolidárias e estão sempre aju-dando, seja com moedas, águaou um copo de café. Vale res-saltar que a única refeição “pravaler” feita por Toninho noCalçadão é na hora do almoço:uma marmita preparada e

levada pela irmã.Esperança, humildade e carisma, essas são as

virtudes que resumem a vida de Luiz Antônio, queapesar de ser deficiente desde a infância, jamais deixoua tristeza tomar conta de seus dias. “Nunca andei navida e sei que minha doença não tem cura. Mesmoassim acho que ninguém tem uma vida tão boa igual aminha”, finaliza, emocionado.

“ Nunca andei na vida e seique minha doença não temcura. Mesmo assim, acho queninguém tem uma vida tãoboa igual a minha.”

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Chora que a mamãe compra

É só alegria!Gaspar Ferreira da Silva fornece o algodão doce,os isqueiros e o bom humor no Calçadão

Foto: Geórgia Queiroz

Revelação - Maio de 2007

“A minha vó esta grávida,olha o que aconteceu:ela dormiu na casa do Bodime a barriguinha dela cresceu”

Zé Galinha criou até um versinho parahomenagear o amigo Bodim. Brincalhãode mão cheia, Bodim recebe bem todas asbrincadeiras, pois, como ele sempre diz:“A vida é só alegria!”

Verso e Prosa

Considerado o “guardião da turma do Calçadão”, Bodim é um dos vendedores mais populares do pedaço

Geórgia QueirozRafael Lima3º período de Jornalismo

Gaspar Ferreira da Silva nasceu em Itapiraí, noestado de Minas Gerais. Aos sete anos deidade mudou-se para Uberaba, onde recebeu

de um amigo o apelido que o acompanharia a vidainteira: Bodim. No início, ele não gostava de serchamado assim. Mas, como ele mesmo aprendeu:“Nunca fique nervoso com um apelido, porque aí quepega mesmo.”

Depois de um tempo, Bodim recebeu o convite paratrabalhar em um parque de diversões. O convite foiaceito sem cerimônia. Nesse cenário, aconteceramfatos marcantes na vida de Bodim. Foi lá que ele seencantou por Isabel Nogueira, uma jovem que maistarde tornou-se sua esposa e com quem teve uma filha,Jaqueline.

Mas como nem todo espetáculo é só alegrias, nopalco da vida de Bodim aconteceu um dramáticoepisódio. Certo dia, assim sem mais nem menos, eledescobriu que em seu cérebro havia duas manchasbrancas e que ele sofria de epilepsia. Mas isso não fezcom que nosso astro desistisse de viver ou deixassede sorrir. “Bodim, apesar de tudo, é um homem alegre,não há um só dia em que ele não esteja com um sorrisoestampado no rosto”, conta sua colega de trabalho doCalçadão, Angélica do Carmo, carinhosamentechamada por ele de “Daiane dos Santos falsificada.”

Espoleta, brincalhão e sorridente. Com certezaessas são características notórias no estado de espíritode Bodim. E não há quem nunca o viu pelo centro deUberaba vendendo suas duas especialidades, algodãodoce e isqueiros, com os slogans mais divertidos domundo, tal como “Chora que a mamãe compra!”.Visto como um “guardião do Calçadão”, Bodimconquistou inúmeros amigos. E é fácil perceber queele é um dos sujeitos mais populares do pedaço. Alémdos colegas que todos os dias estão nas redondezas,como Toninho*, Zé Galinha** e o Jorge, de temposem tempos um sujeito ou outro passa por ali e ocumprimenta com um tapinha nas costas. “Todomundo aqui do centro conhece o Bodim, ele é genteboa dormindo e amarrado! Somos todos amigos!”,brinca Zé Galinha.

Não há como deixar de dar boas gargalhadas aolado de Bodim. Ele é como uma criança sapeca, estásempre aprontando travessuras, pregando peças efazendo gracinhas com as pessoas que passam noCalçadão, seja com seus slogans criativos, seja comuma ou outra travessura de moleque. “Uma vez pegueiuma moeda de um real, passei cola e a preguei no chão.Todos que passavam e a viam tentavam arrancá-la.Para cada bobo que não conseguia era uma boa

gargalhada. Uma madame tentou desgrudar a moedacom o sapato, viu que era brincadeira minha – poisnão consegui disfarçar os risos – e me bateu com abolsa”, relembra Bodim. As armações de Bodim sobreo Toninho, seu colega de Calçadão, são antológicas.“Às vezes, eu o Jorge pegamos o carrinho do Toninhoe jogamos ladeira abaixo. Enquanto estou na parte decima, Jorge está embaixo para apanhá-lo. Mas paraimpedir que ele caia, vou ao lado”, conta Bodim, dandoboas risadas.

Para muitos, Bodim é um exemplo de vida. Apesarde não ser a pessoa mais rica de Uberaba, e de não tera melhor saúde do mundo, ele sempre está satisfeitocom a vida. Só pede a Deus que nunca o jogue em umacama e que nunca deixe sua família passarnecessidades. E por fim, deixa seu recado à boasociedade uberabense: “Que tenham mais juízo, maiscompreensão e mais humildade”.

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A rua é o melhor negócio

Moça banguela não paga!Há 44 anos no centro, Zé Galinha é um verdadeiro patrimônio cultural da cidade

Juliano Carlos3º período de Jornalismo

Com alegria e irreverência, José GonçalvesOliveira Neto, mais conhecido como “ZéGalinha” – apelido que recebeu na infância

quando criava galinhas para vender – dedica a maiorparte do seu dia ao Calçadão da rua Artur Machado.Com 52 anos de idade, ele está há 44 anos vendendosuas mercadorias no centro de Uberaba.

Zé Galinha é muito respeitado por seus amigosvendedores ambulantes, por ser o mais antigo daquelelocal. Por isso, afirma ter orgulho de ser consideradoum verdadeiro patrimônio da cidade. “Quandocomecei a trabalhar no centro de Uberaba, era tudocórrego a céu aberto. A maioria das lojas era dedescendentes de libaneses, italianos e turcos. Somentemuito tempo depois os uberabenses conseguirammontar seu próprio negócio”.

A maior barreira encontrada por Zé Galinha no dia-a-dia de trabalho no Calçadão é a fiscalização do setorde posturas da Prefeitura de Uberaba. “Já tivemosmuitos conflitos com fiscais aqui no Calçadão, e até aPolícia Militar foi acionada”, conta Zé Galinha. “Osfiscais têm o direito de fazer o trabalho deles, mas nóstambém temos o de fazer o nosso”, desabafa.

Além de vendedor ambulante, Zé Galinha contacom uma média de cinco a oito pessoas que trabalhampara ele. Bem-humorado, faz um comentário: “Cabeçavazia, entrada para o diabo”, referindo-se ao fato deque quando uma pessoa não tem nada para fazer, nemtrabalho, acaba caindo nas tentações do mal e fazendocoisa errada.

O homem que se dedica ao trabalho, chegando aoCalçadão por volta das 8h30 e retornando para casaàs 17h, de segunda à sexta-feira, trabalha também no

estádio Engenheiro João Guido, o “Uberabão”. Nosdias de jogos Zé Galinha vende mexerica, laranja eamendoim. Já o domingo é sagrado para ocomerciante vender e contar suas piadas na feira dobairro Abadia, onde tem muitos amigos.

Para Zé Galinha, o segredo de uma boa venda éser alegre e fazer com que o cliente “veja que ele estáali”. Assim, são famosas no centro da cidade as rimas

que ele faz para atrair o cliente. “Promoção do dia:moça feia, careca e banguela não paga nada, mastambém não leva!”, ou “Tô vendendo barato porqueminha avó tá grávida”. Esses são alguns dos bordõesdo vendedor ambulante, que é querido por todos pelasua alegria contagiante e irreverência. Tanto que elese tornou uma das pessoas folclóricas e maisconhecidas de Uberaba.

Foto: Juliano Carlos

Para Zé Galinha, o segredo de uma boa venda é ser alegre e bem-humorado

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Ninguém aqui é Paris Hilton

A Rainha do CalçadãoIsabel Cristina garante as tardes de animação no centro de Uberaba

Ana Paula Jardim3º período de Jornalismo

Não há em Uberaba quem não conheça IsabelCristina Costa Batista. Ela é negra, baixinha,tem os olhos pequenos e apertadinhos, boca

grande com algumas “janelinhas” entre os dentes eseios bem fartos (que ela garante ser silicone). Alémde tudo isso, a moça ainda é toda “cheinha” e“popozuda”. Ela é conhecida como “Tiazinha” emalguns pontos da cidade, mas a maioria das pessoas achamam de Bebel, um apelido bem mais carinhoso.

Bebel se intitula capoeirista de primeira, bailarinade axé, forró e hip hop. Diz que é “baiana de Uberaba”e que não perde um final de semana na Mojiana. Adorabolacha recheada e Coca-Cola de 2 litros. Diz que émalandra e quem mexer com ela leva, porque ela ébrava mesmo!

Bebel sabe ler e escrever. Teve um casal de filhos,que hoje estão no juizado para adoção. Ela éconsiderada a rainha do Calçadão e, vez ou outra, fazpirraça com aqueles que começam a fazer sucesso no“seu” pedaço, como o Toninho*, as moças dasfinanceiras e as ciganas. Certa vez implicou tanto comuma vendedora que foi preciso chamar a polícia, poisBebel passava os dias na porta da loja chamando amoça para a briga e falando palavrões.

Apesar desse desequilíbrio, Bebel guarda muitobem as sacolas de roupas e outras coisas que ganha.Ela sabe contar dinheiro e adora repetir bordões como:“Cada macaco no seu galho” e “Se vira nos trinta”.Além, claro, dos tapões que dá nas costas dos colegasenquanto conta suas histórias.

As lojas do Calçadão ganham uma atração à parteem dias de promoções. Os vendedores colocammúsicas para atrair os fregueses e o primeiro deles éBebel, que dança por horas e horas, sem se importarcom o ritmo, enquanto vai cumprimentando aspessoas que passam ou entram para fazer compras.

A hora da merendaBebel faz uma via-sacra diária pelas lanchonetes e

vendedores ambulantes para pedir pastéis, caldos decana, sorvetes etc. Os comerciantes já aguardam suavinda e elogiam sua discrição. Dizem que ela é educada

A dançarina mais popular da cidade é a maior sensação da rua Artur Machado

As lojas ganham uma atraçãoà parte em dias de promoções.Os vendedores colocam músicaspara chamar os fregueses e, emalguns minutos, lá vem a Bebelsacolejando o corpão

Fotos: Ana Paula Jardim

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e que espera os clientes serem atendidos para depoispedir. Eles afirmam que ela não pega nada que nãolhe dêem na mão e que nãoprejudica as vendas. Há trêslugares que Bebel visita todos osdias, religiosamente: a pastelaria,o carrinho de sorvetes e a bancade caldo de cana, tudo noCalçadão.

Antonio Pedro Araújo,aposentado e dono de umabarraquinha de caldo de cana há10 anos no Calçadão, diz que é sagrado: todos os diasBebel vai à sua barraca para tomar garapa: “Ela chega,começa a beijar minhas costas e fala: – Ô tio Tonho,me dá uma garapinha aí. Então eu encho dois copos,ela toma e vai embora. Mas com um porém: se nãoder o canudinho, ela não pega a garapa.”

Seu Antonio lembra que várias vezes dividiu amarmita com Bebel. Ele conta que come no local todosos dias e que, às vezes, ela pede a sobra. “Ela me diz: –Tio Tonho, se sobrar você me dá um pouquinho? Aíeu sempre guardo para ela, mas isso é raro”.

Saindo da barraca do seu Antonio, Bebel tem outroponto certo: a pastelaria Gisele. O proprietário EdgardLadeira Borges diz que a conhece desde a época emque ela era bem mais magrinha. “Eu conheço a Bebelhá uns 5 anos. Desde então ela freqüenta o Calçadão.Ela não entra aqui na pastelaria, fica dançando lá defora e olhando pra cá. A gente “já sabe” e leva o pastelde carne – o único que ela come – e o suco. O dia quenão tem suco tem que dar um refrigerante para ela.”

A esposa de Edgard, Antonia Abadia dos Santos,que também trabalha na pastelaria, conta que Bebelàs vezes pede para variar o cardápio e eles têm quecomprar em outro lugar o que ela quer. “Tem dia queela diz que tá com vontade de comer um pãozinho comleite quentinho e docinho. Aí eu vou no Rei do Pão deQueijo e compro para satisfazer ela”.

“Colega”, é como Bebel chama a todos no Calçadão,principalmente o sorveteiro Jesiel Ribeiro dos Santos,que tem uma máquina instalada bem no ponto central.Ele é, sem dúvida, o amigo que Bebel mais preza. Elasempre se refere a ele com muito carinho e, às vezes,até diz que ele é o namorado dela. Jesiel refresca Bebelcom sorvetes nos dias de calor e frio. A rainha doCalçadão toma pelo menos sete sorvetes diariamente,e faz questão de escolher os sabores. “Ela é tinhosa,só toma o sorvete do sabor que ela escolher e nãoadianta dar outro que ela não pega. Se ela falar que éde morango, é de morango mesmo!”

Vida duraApesar das regalias, a rotina de Bebel não é fácil.

Ela passa todos os dias dançandono Calçadão e fica até tarde danoite na rua, mas às 6 horas damanhã do dia seguinte ela já estáde pé. Portanto, para recuperar asenergias, nada melhor que umcochilo vespertino. E é assim que,todos os dias, entre 13 e 14 horas,ela dorme profundamente naporta da Líder Perfumaria,

sentada nos dois degraus de entradada loja, com a cabeça encostada emuma vitrine. O sono perdura pormais de uma hora e nem o barulhodo centro a acorda.

Bebel tem pai e mãe vivos, masnão mora com eles. Ela conta quedorme na rua e toma banho em umposto de combustível. O pessoalque convive com ela diz que a mãesempre passa no Calçadão e a

Auto-intitulada “baiana de Uberaba”, ela diz que é capoeirista de primeira, além de bailarina de axé, forró e hip hop

convida para ir para casa, mas os palavrões que ouvenunca são amigáveis. Bebel diz que não volta paracasa porque é muito difícil conviver com sua mãe.Quando fala sobre os filhos, fica com ar triste, dizque estão no juizado e que é preciso acompa-nhamento familiar para visitá-los.

Bebel é uma personagem que já marcou seu lugarna história de Uberaba pelo seu jeito peculiar de ser.A bailarina do Calçadão tem aquela rara gingaurbana de quem precisa adaptar os passos paradriblar o preconceito dos uberabenses que aobservam com desdém. Mas Bebel sempre sacode a

poeira e permanece solene, comuma inocência de criança, diver-tindo-se tremendamente comsuas canções imaginárias. E parazombar daqueles que a des-prezam, a rainha segue em frente,sacolejando o corpo, desafiandoos bons modos e reinando abso-luta naquele universo humanochamado Calçadão da rua ArthurMachado.

Bebel é uma das personagens principais do documentário “Retratos urbanos: a imagem de um calçadão”,feito por estudantes de Jornalismo da Uniube. (Imagens: Emerson Ferreira / Captura de tela: Renê Vieira)

Há três lugares que são“sagrados” para Bebel:a pastelaria, o carrinhode sorvetes e a bancade caldo de cana

A rainha do Calçadãoganha pelo menos setesorvetes por dia e fazquestão de ela mesmaescolher os sabores

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O sorrisode Doralice

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Larissa CarvalhoLívia ZanoliniRenata Vendramini3º período de Jornalismo

Todos já ouviram falar, muitos já viram,poucos a conhecem de fato. Paraalguns, desequilibrada; para outros,

incompreendida. Desbocada e irreverente,causa espanto quando resolve chamaratenção. A dona dessa personalidade é elamesma, Doralice Cabulesque, ex-residente dobairro Abadia, onde viveu durante muitosanos e conquistou grandes amizades. Seja pormeio de histórias tristes ou fatos engraçados,Doralice sobrevive há anos na memória dosuberabenses, o que torna ainda maisimportante conhecer um pouco mais sobreessa figura que nunca deixará de ser uma daspersonagens mais conhecidas no imagináriode Uberaba.

Mesmo em meio a dificuldades, Doralicesempre foi uma pessoa especial. “Ela moravacom a mãe, que era chamada pelos vizinhosde Licinha e trabalhava como lavadeira; e coma irmã, portadora de deficiência física”,relembra Zélia Santos, vizinha de Doralicedesde 1958. A casa onde residia abrigoutambém o avô e a tia. Zélia conta que o avôperdeu todos os bens, pois era viciado em jogode cartas.Apesar de ter uma família quesempre zelou por ela, aos treze anos Doraliceperdeu-se e, quando anoiteceu, alguns rapazesabusaram dela. “Ela ainda me conta essahistória com muita raiva”, relata Zélia. Desteabuso foi gerada uma criança que, aos seismeses de idade, morreu de desidratação.

Quando a mãe de Doralice morreu , ela foimorar com a tia. Quando esta também faleceu,Doralice ficou sem casa. Desde então ela nãose fixa em lugar algum. Apenas anda por todacidade pedindo comida, roupas e dinheiro.Zélia conta que toda vez que ela se sente muitosuja, pede um sabonete e diz: “Nossa,madrinha, eu tô muito fedida!”. Hoje em dia

ela tem como parentes duas primas na cidade, mas estasnão a ajudam em nada. “Posso dizer que a família deDoralice são seus quatro cachorrinhos”, diz.

Poucas são as pessoas que sabem realmente dahistória de Doralice. O que os uberabenses conhecem éuma figura inusitada, chamada de “Dora Doida”, quefala palavrões e solta uns berros raivosos quando temvontade, mesmo que esteja em pleno centro da cidade.Doralice não aceita ser chamada de doida, e sim de Dora,como os amigos e vizinhos a chamam com carinho.

Casamento de celebridadeUm grande acontecimento da vida de Dora foi seu

casamento com um rapaz chamado Carlito Inácio. “Ocasamento foi muito comentado na cidade, teve fotos efilmagens, o que para época era para celebridades”,relembra Zélia, que não se esquece de como a ParóquiaNossa Senhora da Abadia estava lotada. Crianças faziama maior bagunça e estavam todos alegres com a junçãodo casal. Como padrinhos de Dora, na igreja, estavamo radialista Edson Quirino e sua esposa Lázara e, nocivil, a vizinha Zélia e o cunhado Sérgio.“Depois docasamento houve também uma festa nas redondezas daantiga praça dos bombeiros”, acrescenta Zélia. “Tudofoi ganho por amigos. O vestido, o bolo, as bebidas e afesta. A animação ficou por conta dos cantoressertanejos Toninho e Marieta”.

Entretanto, o casamento não durou por mais decinco anos. “A Dora adorava sair, ir para a casa da mãe,e não gostava de trabalhar e nem de cozinhar para omarido.” Para não trabalhar, a Dora mentia e dizia parao Carlito que estava grávida. Todo mês, quandomenstruava, ela fazia o marido acreditar que tinhaperdido a criança. Por essas e outras eles brigavammuito, até que um dia ela o abandonou”, explica Zélia.A vizinha diz que vivenciou muitas brigas e até relatauma delas. “Um dia o Carlito comprou uma cartela deovos para Dora fazer no jantar e disse para ela não sairde casa, em hipótese alguma. Mas ela não obedeceu e,quando ele chegou, pegou os ovos e começou aarremessá-los na pobre Dora”.

Doralice e Carlito haviam ganhado um terreno nochamado “Corredor Boiadeiro”, caminho que leva aobairro Uberaba I, onde Carlito mora atualmente. “OCarlito fica muito na Praça Rui Barbosa com uma

Querida por alguns e hostilizada por muitos,personagem é um símbolo de resistência contraa intolerância conservadora da cidade

A lenda vive

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bicicleta e alguns cachorros em sua volta. Ele e a Doranão conversam, ela tem uma raiva dele!”, afirma Zélia.

A face conhecida de DoraliceAs histórias que envolvem a Dora tal como conhecida

por todos são muitas. O publicitário, Luciano Guimarãeslembra de um episódio quando fazia o segundo ano doEnsino Médio no colégio Coliseu, que se situava, naépoca, na avenida Santos Dumont. Ele e os amigosestavam saindo da escola e encontraram a Dora na portado colégio com um cachorro amarrado a uma corda devaral e falando besteira para as pessoas que passavamna rua. A fim de dar umas boas risadas, eles resolveramconversar com ela. “Ao nos aproximarmos, ela falou pranão chegarmos muito perto porque o cachorro era bravo.Segundo ela, era um Pitbull. Um de meus colegas,achando muita graça, perguntou qual era o nome doanimal. Dora disse: O nome dele é Nike. Pega, Nike,pega!”, contou rindo. Luciano disse que o mais engraçadoera que, na verdade, o cão não passava de um vira-lata e,que quando ela mandou que o pobrezinho atacasse, aúnica coisa que Nike sabia fazer era coçar as pulgas.Andando pelas redondezas da antiga casa de Dora,encontramos uma grande amiga dela, Wanderit,chamada por ela de “Tia Wanda”. Wanda mora na RuaBenjamim Constant e tem um grande afeto por Doralice.“Ela deixa algumas roupas aqui em casa e, quando ela sesente suja, eu lhe empresto o banheiro dos fundos. Eu aajudo a tomar banho e depois a se enxugar”. Os vizinhosdizem que Wanda é a “mãezona” de Dora.

Wanda diz que não só ela, mas muitas pessoasajudam no sustento de Dora. “Ela vive de ajudas dacidade inteira, anda muito e tem gente que já lhe

ofereceu até mesmo abrigo”. Mas Dora não fica paradamuito tempo em um lugar; ela tem pavor de ser levadapara o albergue, lugar onde ficam mendigos da cidade– explica a amiga. Wanda diz que Dora chama quem aajuda de madrinha.

A costureira Maria Alice Barbosa é um outro exemplodessas pessoas que contribuíram para a amenizar a difícilsituação de Dora. Maria Alice foi vizinha de Doralicedurante uns 25 anos e fez questão de ressaltar como foiboa a convivência. “Ela ia muito na minha casa. Elaentrava, sentava, eu fazia café pra ela e dava pão. Elagostava muito disso e me chamava de madrinha. Teve atéalgumas vezes que eu costu-rava algumas roupas dela”,lembra. Ainda contou que omarido e os filhos achavamloucura deixar a famosa Doraentrar em casa. “Ah! Nada a ver,né?”, disse, ressaltando que nãoachava que aquela atitude tinhaalgum problema. Contudo,depois que Maria Alice adquiriucachorros, Dora amedrontada,parou de visitá-la.

A celebridade DoraA célebre Dora tornou-se um mito na cidade de

Uberaba; não pela história de vida que possui – quepoucos conhecem – mas, sim, pelos xingamentos queproferia de boca cheia e pelas incríveis confusões quecausava nas ruas. Nivalda Cândida, moradora do bairroMercês há mais de quarenta anos, conta que desde ainfância escutava os casos de Dora. “Me lembro que elanão gostava de crianças. Era só ver alguma na rua quecomeçava a xingar e correr atrás”. O que Nivalda eoutras pessoas não sabem é que são as crianças quecomeçam a irritar Dora, gritando sempre em coro:“Dora Doida, Dora Doida!”. Nivalda também comentaque, muitas vezes, encontra Dora passando pelo centroda cidade tentando chamar a atenção, gritando elevantando a saia ou camiseta para qualquer um na rua.

Não deixa de ser verdade que Dora, quando está muitoexcitada, torna-se bastante extravagante. Ela já foi maispresente na cidade, mas ainda hoje as pessoas selembram de suas estripulias. Segundo um comerciante

da rua São Benedito, uma vez algumengraçadinho entregou a ela um pênis deborracha enorme. Para que?! Dora saiu pelacidade sacudindo o presente enquanto soltavaboas gargalhadas e mandava todo mundo para“aquele lugar”. Outros contam que Doraandava pela cidade à toa e saía correndo atrásde jovens pedindo que se deitassem com elaem terrenos baldios. Quando Dora passava nafrente de portas de colégios em horário desaída, era sempre uma confusão! Os garotosgritavam “Dora Doida, Dora Doida!” e ela,

bastante alterada,começava a atirarpedras. O festival depalavrões cabeludosque ela soltava empúblico são impu-blicáveis, mas peladescrição da figurajá dá pata ter umanoção.

U b e r a b e n s e sidosos, adultos, jo-

vens e crianças... todos já ouviram falar napersonagem Dora Doida, uma senhora“bobagenta” que anda pela cidade assediandoos homens, levantando a blusa e soltando alíngua. Moradores dos mais diversos bairrosjá ouviram muitos boatos sobre ela. Figuraantiga, Doralice é uma lenda viva quepermanecerá por muito tempo na memóriados uberabenses como uma pessoa extra-vagante, ainda que na intimidade dos amigostenha se revelado uma pessoa carinhosa,engraçada e boa gente. Sua personalidadeescandalosamente erotizada sempre pareceuintolerável em uma cidade conservadora comoUberaba. Mas Dora resiste com meia dúzia depalavrões na boca. E a maior qualidade de suacelebridade é que Dora não é postiça, não é sómaquiagem, não é só flashes: Dora éautêntica, é humana, é de verdade. Dora é umapessoa que tornou-se famosa sendo sim-plesmente ela.

Sua personalidadeescandalosamente erotizadasempre pareceu intolerávelem uma cidade conservadorae provinciana como Uberaba

Dora tornou-se um mitonão pela sua história de vida– que poucos conhecem – massim, pelos palavrões “cabeludos”que costuma gritar pelas ruas

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Uma profissão simples e digna torna o vendedordo centro de Uberaba uma figura pública

Esmar e os bilhetes

Foto: Graziella TavaresGraziella Tavares3°°°°° período de Jornalismo

U beraba é uma cidadecheia de figuras popu-lares. Todos com uma

peculiaridade. Algumas vezes, oque faz uma pessoa tornar-se co-nhecida na sua comunidade é ocarisma e a humildade quetransmite. Este é o caso do nossopróximo personagem, o vendedorde bilhetes da Loteria Federal,Esmar Gonçalves Beirito, opopular “vendedor da porta doBanco do Brasil”.

Quem passa pelo centro dacidade, todos os dias, não podedeixar de notar que seu Esmarestá sempre ali sentado nasescadas do banco com seusbilhetes. Também não é deadmirar: seu ponto de vendas ébem estratégico. São vinte e trêsanos trabalhando nesse mesmolugar e acompanhando as mu-danças no comércio, nasociedade e até na estrutura dacidade. A conversa ajuda adescobrir um homem de 52 anosde idade, totalmente ativo e quejamais teve outra profissão a nãoser a de vendedor de loteria. Ecom muito orgulho.

Esmar é aposentado e com-pleta sua renda mensal com asvendas. Mesmo com um pro-blema físico no braço e sem umadas pernas, ele afirma que nadao atrapalha. “Acostumei com essetrabalho. Venho pra cá de carrocom um vizinho lá pelas novehoras da manhã e, depois, voltopra casa com ele por volta dasoito da noite. É bom. Nãoreclamo de nada, mesmo ficandoaqui todo dia.” O vendedor mora sozinho no bairroFabrício. Nunca se casou e tem apenas um parentena cidade, o seu irmão. Nasceu em Conceição dasAlagoas e veio para Uberaba ainda jovem. Desdeentão, dedica-se ao que faz.

Apesar do jeito reservado e desconfiado, Esmarconquistou a simpatia das pessoas. Seus clientes sãofiéis e ele ressalta que a população gosta de apostar

Olha quem está aí!

Apesar do jeito reservadoe desconfiado, Esmarconquistou a simpatiadas pessoas do centro

na sorte; por isso é que vendetantos bilhetes. Todo santo diaum senhor chamado Reynildopassa pelo centro às cinco e meiada tarde e sempre compra seusbilhetes. Reynildo acredita que ovendedor é um homem deconfiança, mas em compensaçãonunca trouxe sorte no jogo. “Eleé o maior pé frio. Eu apostosempre na loteria, mas se fossedepender dele, nunca ganharia.E o pior é que o cara só tem umdos pés (risos)”. Os dois riem docomentário enquanto ele pagamais um bilhete. “Conheço essecamarada há muitos anos e possodizer, com certeza, que é uma‘figura’ mesmo esse Esmar”.

Horários “sagrados”Mesmo aos sábados, seu

Esmar fica no centro até às seishoras. Seus horários sãosagrados. Nem um minuto amais nem a menos. “Olha, opessoal só vai me encontrar aquinesse horário: de segunda asexta, das nove às oito; e aossábados, das nove às seis datarde. Depois vou pra casa e sóno outro dia”. Ele faz questão dedizer que nunca foi assaltado enem mesmo sofreu qualquer tipode preconceito ou agressão.Tanto os funcionários do bancoquanto aqueles que fazemsempre o mesmo caminho pelocentro afirmam que o vendedornunca trouxe problemas paraninguém. “Ele está trabalhandocomo qualquer pessoa. Nãoimporta onde ele fica ou o quevende. O importante é que é umhomem honesto e supera todasas dificuldades. Realmente é

uma figura popular da nossa cidade”, confirma aaposentada Euripa Gomes, que trabalhou durantemuito tempo no centro.

Além do caráter, o que destaca nossa personagemé a força de vontade que Esmar tem para sair de casa,todos os dias, e ganhar a vida de um jeito simples.Também é isso que faz uma figura pública: humildadee dignidade, que não faltam em Esmar.

Esmar trabalha há 23 anos no mesmo lugar vendendo seus bilhetes da sorte

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O discreto charme das ruas

A estrela da Feira da AbadiaAos 89 anos, Dona Maria Francisca é uma figura queridano maior evento popular de Uberaba

Náire Belarmino de Carvalho3º período de Jornalismo

A feira que acontece nas manhãs de domingono bairro Abadia – a mais popular dacidade – é palco para um festival de carisma e

de travessuras de Maria Francisca Moraes. “Já temquase 20 anos que estou aquie desde o primeiro dia eu vejoela andando por aí”, contaDorvalino Cardoso, vendedorde fitas cassete. Ele conta quenunca se incomodou com asbrincadeiras da senhora queaparenta ter menos que ummetro e meio de altura. “Tododomingo ela vem aqui e aindabelisca minha bunda! Mas eu nem ligo, gosto demaisdela, é gente fina pra caramba!”.

Prestes a completar 90 anos, Dona Maria morapróximo ao local onde acontece a feira. Ela é solteira,aposentada e divide o barraco onde mora com as irmãsConceição Moraes, de 68 anos e Germina Moraes, 65.Todos os domingos, após a feira, dona Maria passa nacasa dos vizinhos, Vitória e Sebastião, para deixar asverduras e frutas que normalmente ganha dosfeirantes. E todos os dias da semana lá vai ela pegarseu almoço, cedido gentilmente pelos amigos que

Dona Maria enche o carrinho de tudo quanto é coisae leva um pouco do que ganha para os amigos

Maria Francisca completará 90 anos de idadee está cheia de disposição para curtir sua feira predileta

Fotos: Náire Belarmino

conhece há 40 anos. “Quando ela vem da feira, levapara a Vitória umas verdurinhas, frutas e uma alfaceque ela ganha do pessoal. Mas não dá para aproveitarquase nada, porque o que ela ganha já é de final defeira”, diz Sebastião.

Apesar da idade, dona Maria não se entrega fácilàs complicações que costumam aparecer na velhice.

Baixinha, franzina, aindaconserva cabelos tingidos decor caju. Sua única dificuldadeé pronunciar claramente aspalavras; ela tem um sérioproblema de dicção,conseqüência de suadeficiência auditiva. Mas istonão é empecilho na hora decomunicar-se com seus ami-

gos: todos a entendem pelos gestos que é acostumadaa fazer. “Teve um dia que ela passou aqui e eu penseique ela queria peixe, mas ela falou “aaaarne”. Entãopensei: Ah! Ela gosta é de carne! Agora ela passou aquie apontou pro peixe, aí eu vi que ela também gosta depeixe!”, conta o feirante Edmar Vicente de Paiva.

Jeitinho de criançaDona Maria vai passeando entre os transeuntes

com seu vestidinho branco de estampa amarela, umcasaquinho vermelho para enganar o frio e chinelasde dedo, já gastas de tanto andar. A cada parada éflagrada beliscando o bumbum de uns e de outros,recebendo abraços aqui, algumas moedinhas ali.“Aqui todo mundo gosta dela. A gente põe umasverdurinhas, umas roupinhas no carrinho dela e elavai embora”, declara Maria Helena Ramalho, feirantehá 14 anos.

Tudo o que dona Maria vê “dando mole” na grandepassarela da feira e que lhe chama a atenção, dá umjeito de trazer para dentro de seu carrinho quecomporta tudo. Alface, tomate, mexerica, laranja,maçã, peixe, algodão doce, saco plástico, bexiga e atéum vaso de violetas. Para ela não importa a qualidade,mas a quantidade. A feira não terá sido tão boa se seucarrinho voltar para casa vazio ou sobrando espaço.Aliás, espaço nem pensar! Ela sempre dá um jeitinhopara algo mais.

O que dona Maria traz da feira e não presenteia avizinha Vitória, ela leva para casa e guarda em seuquartinho. Suas irmãs, principalmente a caçula MariaJosé, não aprova a mania que dona Maria tem deguardar tudo que pega. Segundo ela, vez ou outra fazlimpeza e joga fora o “lixo” da irmã. E mais uma vez éhora de dona Maria correr para a casa ao lado e pedirabrigo para suas “coisinhas”. Como diz Sebastião:“Qualquer coisa ela junta; tem coisa que ela leva lá

pra casa falando que eles estão roubando ela. Aí ficatudo guardado lá”.

Dentre as várias denominações, dona Mariatambém é conhecida como “Maria baixinha”,“pititinha” e “vovozinha”; apelidos carinhosos queganhou dos amigos feirantes da Abadia. Sempre debom-humor, nas manhãs de domingo dona Mariaesquece os problemas, a “dor nas cadeiras” e a idade,toma seu banho e pega o carrinho para passear nafeira. “Ela não tem mundo de tristeza, não! Só dealegria!”, é o que diz a cabeleireira Cíntia MesquitaSilvério, outra vizinha de dona Maria.

“Todo domingo ela vem aquie ainda belisca minha bunda!Mas eu nem ligo, gosto demaisdela, é gente fina pra caramba!”

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Popular pra cachorro

O homem dos cachorrosMarcos Vinícius dos Santos é um verdadeiro São Francisco de Assis urbano

Tobias Ferraz3º período de Jornalismo

Uma das figuras mais enigmáticas e popularesde Uberaba no século 21 é, sem dúvida, o“Homem dos Cachorros”. Quase todo

uberabense já viu esse homem rodeado de vira-latascaminhar pelos quatro cantos da cidade, atravessandoavenidas pelo centro, passando tranqüilamente pelascalçadas e conversando pelo celular em algumaesquina. Ninguém tem notícias de qualquer problemaenvolvendo os cães. Eles têm boa índole e atravessamas ruas na maior educação, seguindo calmamente odono em sua misteriosa jornada urbana. Mas quem éesse homem? Onde ele mora? O que ele faz? Paracontar a história desta figura foi preciso, antes de tudo,uma investigação minuciosa para descobrir a primeirapista de seu paradeiro. Mas depois de muitas idas evoltas, eis que descubro o local onde ele se instalou.

Na entrada que dá acesso ao terreno no bairroSanta Marta, um cachorro preguiçoso se esquenta aosol das nove da manhã. A noite anterior foi bastantefria para Uberaba. Seis e meia da manhã, otermômetro doméstico marcava onze grauscentígrados. Aos fundos do sobrado onde funcionauma construtora e uma revenda de carros usados, ocenário é desolador. Um amontoado de garrafas pet,os mais diversos tipos de embalagens espalhadas pelochão e uma barraca (nos moldes de uma barraca decamping, de modelo canadense) só que erguida comsacos plásticos. Ao fundo, uma égua tordilha presanuma baia improvisada.

O filho do chaveiro do bairro havia me dito que oHomem dos Cachorros chamava-se Mário. Quem sabeele está dentro da barraca? Onegócio é chamar: “Seu Mário. ÔSeu Mário! Bom dia!” Dali algunssegundos sai um cachorrolatindo, rodeia, mas nada do “SeuMário”. Será que está dormindo?O “plano B” é voltar mais tarde...

Na revenda de produtosagropecuários, bem em frente,ponto de encontro das pessoas do bairro, o carroceiroDelmont Bernardes conta que tem amizade com oHomem dos Cachorros e que o nome dele, na verdade,é Marcos. Ele conta que Marcos é de Belo Horizonte,que conversa com a família por telefone e que moraem Uberaba por causa do apego aos cachorros. “Querir lá falar com ele?”, pergunta. “É claro!”, respondiprontamente!

De volta ao terreno, encontramos Seu Marcoscatando uns objetos em frente à barraca. Arredio,demonstra não querer conversa. Delmont insiste paraele falar com a gente. O mau humor do Homem dosCachorros parece aumentar. Lá vou eu quebrar o gelo:

“Seu Marcos, faz tempo que quero falar com osenhor e trouxe aqui um tanto de ração para os

cachorros”. É minha únicacartada. O argumento quebra ogelo e abre o coração dele. Agoraele já me olha com um sorrisoenorme, mesmo com algunsdentes faltando e outros já meiodanados. Vem em nossa direção.

A entrevista “vai rolar”!Pensei. E rolou! Marcos Vinícius

dos Santos, ou “O Homem dos Cachorros”, tem 56anos. “Vou fazer 57 em janeiro.” Ele conta que não seintimida com “doutor”, quetrabalhou 17 anos na Johnson& Johnson e que é“informado”. Seu Marcos nãogosta de maldade e nãosuporta “gente ruim”. O ladoprofeta sentencia: “Meu casoé com Pai, o Filho e com oEspírito Santo. Lúcifer era umanjo e morou no céu, depois que saiu de lá falou praDeus que ia roubar o povo dele, por isso o mundo tem

tanta gente ruim. Sou mais os cachorros do que o povo.Não gosto de ver um bichinho desses sofrendo, eucuido bem deles”.

“Eu admiro viajar”Seu Marcos conta que já rodou todo o Brasil e

países da América Latina. Vai falando os nomes deuma série de cidades da zona da mata mineira, de MatoGrosso do Sul, Mato Grosso, Pará... “Na região deBarra do Garças eu conheço os índios, eu converso comeles. Meu avô era bugre e foi pego no laço. Viveu atéos 115 anos”. Seu Marcos mistura seu lado bugre coma herança genética de negros, e diz que tem boa saúde.

“Minha família é de BeloHorizonte. Eu tenho fazenda deherança, em Santa Luzia, a 22quilômetros da capital. Lá meuirmão cuida de 47 cachorros quelevei. Tenho dinheiro, vivo devender filtro de água e tenho umacaminhonete D-20, que uso paralevar os cachorros pra fazenda da

família”, conta.A conversa agora flui sem esforço. Digo que quero

Foto: Carlos Finocchio

“Sou mais os cachorrosdo que o povo. Não gostode ver um bichinho dessessofrendo e cuido bem deles.”

“Olha só: se uma aranhasobe em mim, eu não mato.Pego um papel, tiro ela dobraço e levo pra outro lugar.”

Seu Marcos pensa em voltar para Belo Horizonte, mas tem muito apego aos seus 52 cachorros

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fazer uma reportagem para o “jornal da Uniube”, elediz que não, que não gosta de entrevista... mas comosou “uma pessoa do bem”, não tem problema. “Nãogosto é de bandalheira”. Ao afirmar que não gosta debagunça, Seu Marcos tira de uma caixa algumaspáginas de jornais locais e começa a falar dos crimesque acontecem na cidade. Diz que gosta muito de ler,principalmente sobre geografia e história. “Êh, êh! Eutenho um monte de livros, gosto muito de leitura”.Esse gosto se confirma pelo bom português falado porele. O espaço dos livros é dividido com Sadan,Malhada, Veneza, Joly, Nick, Maguila e Clarim,inseparáveis amigos caninos e que somam os 52animais sob seus cuidados.

Observo perto dali um amontoado de migalhas depão e passarinhos ciscando. Digo ao Seu Marcos queele parece São Francisco de Assis. “Ah, eu gosto muitodele, eu li sobre a história dele, tenho os livros. Olhasó: se uma aranha sobe em mim, eu não mato. Pegoum papel, tiro ela do braço e levo pra outro lugar.Cuido também dos passarinhos, eles vêm comer opãozinho que dou pra eles.”

Ele conta que se inspira no santo despojado paralevar essa vida “franciscana” – momento em quepergunto se ele nunca quis ter uma companheira. “Fuinoivo da Mercedes, mulher correta, mas aí eu não quis.A Adelaide, prima dela, mexia com espiritismo, fezuma promessa aí num cemitério e a Mercedes foijunto. Aí eu não quis mais”.

Tem gente que tem medo do Homem dosCachorros e, para quem sofre dessa fobia, Seu Marcosmanda um recado: ”O problema é deles. Quem temmedo do Homem dos Cachorros é gente ruim. Quemme procura é gente do bem. Não quero o mal deles,mas não conheço gente que tem medo de mim.”

Para finalizar, ele diz que ainda quer voltar parajunto da família, mas não pode por causa doscachorros que tem em Uberaba. No entanto, conta queestá se preparando para levá-los para a fazenda evoltar a viajar. Nesse momento ele me pergunta se euli “o livro do gavião”. “Será que é o Fernão CapeloGaivota, Seu Marcos?” Mas a resposta vem como senão houvesse pergunta: “Sou igual ao gavião, euadmiro viajar”.

Sob o império da lei

Gilberto, o “guarda de trânsito”Há mais de vinte anos, figura popular no bairro Estados Unidos“coordena” os semáforos dos cruzamentos da região

Mônica de Freitas3º período de Jornalismo

Carros, ônibus e bicicletas circulam apressados.Um homem já de idade, barba cerrada, bocasaliente, caminha devagar, apoiado num

andador, e pára em um cruzamento. Subitamente, aosoprar o seu apito, aquela fragilidade se transformaem incrível animação. Bastante disposto, ele se voltacom firmeza em direção aos veículos parados, queaguardam o semáforo abrir, e começa a ordenar:

– Vai, atravessa! É o senhor que eu estoumandando (sinal vermelho)

– Desce, desce, passa! (sinal vermelho)– Vai atravessa! (sinal verde).E eis que os veículos seguem em perfeita ordem.

Satisfeito da vida, ele diz:– Ah, ah, ah... Se não obedecer eu passo a caneta...Gilberto, “Bocão”, como é conhecido, se sente um

guarda de trânsito e há mais de vinte anos perambuladiariamente pelos sinaleiros do bairro EstadosUnidos.

Moradores mais antigos se recordam do jovemGilberto carregando uma enxada nas costas eoferecendo-se para capinar. “Ele ainda era bom dacabeça”, afirma a aposentada Benedita Pegoraro, quese lembra de um velho casarão na rua Osvaldo Cruzonde ele morava com a família. O tempo passou,alguns familiares morreram, Gilberto mudou de casa.Mas não se sabe ao certo quando, como e porque elecolocou na cabeça que era um policial de trânsito.Popular no pedaço, ele conquistou amigos, inimigos,

Seu Marcos é visto caminhando por toda a cidadeacompanhado por vários de seus cachorros

aventuras e desventuras.O tecelão industrial Everton Freitas conta que uma

vez um vizinho incomodado com o barulho do apitotomou-o de Gilberto. “Não adiantou. Pouco tempodepois ele já estava apitando novamente.” FranciscoBaltazar, motorista que percorre o bairro há treze anos,afirma: “Gilberto já foi atropelado aqui e todos os diasvem vindo com o andador atrapalhando o trânsito...Não é certo deixar ele arriscar a vida deste jeito.”

Algumas crianças se divertem com o ponto fracode Gilberto: o apelido. Embora seja conhecido nobairro como Bocão, ele abomina este qualificativo.Sempre fica zangado e atira tudo que está ao alcancede suas mãos. “As pessoas poderiam ter mais respeitoe educação com Gilberto”, diz a vizinha Yone NorbertoAraújo, opinião também defendida pelos irmãosMarcos Guilherme e Naiara Lopes.

A fruta preferida dele é banana nanica. Já a bebida,um cafezinho passado na hora. Gilberto recebe ajudade muitas pessoas do bairro. “Temos muito carinhopor ele, que até chama minha mãe de madrinha”, contao estudante Caio Ávila.

Gilberto diz que tem uma filha de cinco anoschamada Janaína. Sobre sua “profissão”, ele declara:“Eu trabalho graças a Deus... depois que eu estou aquinão está mais acontecendo acidentes. Alguns pagampelo meu serviço, outros não. Todos, quando eu apito,me obedecem... se não obedecerem eu passo a caneta...ah,ah,ah! Eu sou feliz, graças a Deus...”

E vai se embora o mais famoso “guarda de trânsito”do bairro Estados Unidos, depois de mais um dia demissão cumprida.

Mônica de Freitas

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“Ó proceis”

“Rubão, me vê duas Fantas!!!”A verdadeira história de Rúbio Cerqueira, o vendedor de cachorro-quente que virou um mito da cidade

Fotos: Danielle Maia

Danielle Maia3º período de Jornalismo

A cidade de Uberaba é um grande aglomeradode figuras que acabam fazendo parte da vidados moradores, sem contar que alguns deles

viram alvo de gozações antológicas. Mas quando tudonão passa de brincadeiras bem aceitas tanto pelo ladodo gozado, quanto do gozador, não é que a históriafica até divertida?

Uma das tantas histórias da mitologia urbanauberabense é o caso do Rubão e duas Fantas. Paraquem ainda não conhece, há mais de 11 anos RúbioCerqueira tem uma barraquinha de cachorro-quentelocalizada na av. Dr. Fidélis Reis, mais precisamentena calçada da loja Instala Som. A história do apelidoRubão e duas Fantas baseia-se no seguinte causo:estava lá o Rubão fazendo seus cachorros-quentes,quando, de repente, chega um travesti e pede duasFantas. Detalhe: o cliente estava sozinho. Com umapulguinha atrás da orelha, Rubão pega as duas Fantas,mas não se contém e resolve perguntar: “Por que duasFantas?” (coitadinho, deveria ter segurado mais suacuriosidade!). Então, o travesti responde sem amínima cautela: “Uma pra mim e a outra pra você!”.

A partir daí, a história correu e a gozação dosamigos foi ganhando proporção assustadora,totalmente desproporcional ao caso. Através do boca-a-boca, até mesmo aqueles que não conheciam oRubão ficaram sabendo da história. Aos poucos, osamigos começaram a passar de carro em frente aolanche e gritar: “Rubãããão, me vê aí duas Fantas, rárá rá.” Em pouco tempo essa gozação contagiou tantagente que começou a virar tradição. Atualmente, deminuto em minuto passa um carro com alguémgritando: “Rubãão, duas Fantas Rubão!” Nos ônibusque trafegam pela avenida Fidélis Reis, à noite, semprehá meia dúzia de passageiros que nunca deixam degritar, debruçados nas janelas: “Rubããããão, me vê aíduas Fantas, rá rá rá!” A única reação do pobretrabalhador é a de dar uma “banana” caprichada paraos engraçadinhos.

Mas o que muitos não sabem é que, às vezes, fazemgozação com a pessoa errada. Na mesma avenida, sóque no começo, também há um lanchinho decachorro-quente. Assim, alguns desinformadosacabam gritando para o “Rubão” errado. Pensandonisso, um grupo de estudantes da Uniube fez um vídeomostrando o falso e o verdadeiro “Rubão e duasFantas” e publicaram no You Tube . (http://youtube.com/watch? v=b1tjDd2Nwd8). Os mesmosestudantes, como se não bastasse, ainda fizeram um blogem sua homenagem: (http://rubao2fantas.blogspot.com).

A história das duas Fantas já deu tantarepercussão, que já montaram até uma página no

Orkut em sua homenagem. (http://www.orkut.com/Profile.aspx?uid=17764086866199313477). Naverdade, não é precisamente uma homenagem, masuma gozação mesmo. O Rubão está ficando famoso!

A verdadeira história das duas FantasRubão é uma pessoa muito carismática e cultiva

amizades que às vezes começam lá mesmo no lanche.Alguns de seus clientes nem saem do carro, apenasficam esperando pelolanche lá mesmo. Outrosvão até o carrinho apenaspara dar um “oi”. Quandome apresentei e disse quese tratava de uma entre-vista para uma ediçãoespecial do Revelaçãosobre os personagenspopulares do centro deUberaba, ele ficou surpreso e um pouco enver-gonhado. “Vocês não vão me zoar no jornal, né?”. MasRubão reagiu muito bem às perguntas. O curioso éque, no momento em que cheguei, estava sentado umgrupo de amigos e eles comentavam justamente ahistória das duas Fantas. Mas quando viram que o

Rubão seria entrevistado… começou uma zoação totalno local! E foi assim que o Rubão fez questão de mecontar a verdadeira versão do “Rubão e duas Fantas”.

Segundo Rúbio Cerqueira, a história que viroumito não é verdadeira, e não passa de uma brincadeira.Sentado em uma mureta em seu lanchinho, ele começaa contar que, com 4 meses de inauguração do lanche,era época de Carnaval na cidade, chegaram dois gayse pediram duas Fantas. Os dois comeram o famoso

cachorro-quente e bebe-ram suas Fantas. Rubão,como sempre muitoatencioso com osclientes, não lhes faltoucom atenção. Porém, essaatenção foi alvo de ironiapor alguns de seus“amigos” que estavam nolocal e, a partir daí, come-

çaram com a brincadeira. Em pouco tempo os clientesforam modificando a história, tornando-a cada vezmais popular.

“Falem bem ou falem mal, falem de mim!”,sentencia Rubão. Ele diz que o movimento do lanchenão aumentou muito, mas que muitas pessoas que

Nos ônibus que trafegam pela Av.Fidélis Reis, sempre há meia dúziade passageiros que nunca deixamde gritar, debruçados nas janelas:“Rubããão, me vê duas Fantas, rá rá rá!”

Piada correu o mundo e transformou vendedor de cachorro-quente paranaense em uma celebridade

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chegam vão para conhecê-lo e assim acabam comendoo famoso “cachorro-quente venenoso”. Venenoso?Sim, venenoso. Esse é mais um apelidinho que vai paraa coleção do Rubão. O cachorro é “venenoso” pelo fatode ter duas salsichas e conter outros generososingredientes.

A culpa é do japonêsDizem as más línguas que Rubão tem uma certa

“rivalidade” com outro dono de lanchinho, o MitsuoHassumi, mais conhecido como Japão, e que sempresurge uma rixa entre os dois… “Puro blábláblá”, dizRubão. “O Japão é muito meu amigo, crescemosjuntos. Se não fosse ele, eu nem estaria aqui”, diz.

Rúbio Cerqueira é paranaense, de Apucarana, quefica a 60 km de Londrina. Em sua infância conheceuJapão, (isso mesmo, o Japão!), que muitos falam serseu rival. Eles brincavam juntos quando pequenos, atéque o Japão mudou-se para Uberaba, aonde veiotomar conta de um trailer de lanche de seus irmãos.Um dia, quando Japão voltou a Apucarana, eis quesurge o convite. “Ele me perguntou se eu queriatrabalhar com ele, buscou minhas coisas e eu vim!”.Rubão trabalhou com Japão durante um ano e meio,até montar seu próprio lanchinho.

Há mais de 11 anos seu ponto permanece nomesmo local. Ele conta que, fora os amigos, na cidadesó tem sua família. Rubão é casado há 23 anos e temdois filhos, um rapaz de 20 e uma moça de 17. “Tudoo que conquistei, foi com muita força de vontade.Sempre fiz tudo com muito carinho, para ficar bom.Eu gosto do que faço”, diz Rubão.

“Dá a salsichinha pra ela, Rubão!”E para quem acha que já sabe tudo sobre o Rubão,

está enganado. Sua habilidosa prática de fazer seus

saborosos cachorros-quentes é apenas uma dasqualidades que fazem do Rubão um “arrebentacorações” na cidade. Olha que eu não estou maisfalando do lendário caso do travesti das duas Fantas!

Rubão, com seu carisma irresistível, acabouconquistando outra figurinha de Uberaba. Alguém selembra da dançarina mais simpática do Calçadão? Poisé ela mesma, a não menos famosa, Bebel. Dizem poraí que Bebel está cada dia mais apaixonada por Rubão.Sua dedicação é tanta que, sempre que pode, dá umapassadinha no lanche para vê-lo trabalhar, ganhar umasalsichinha e, é claro, vigiar seu partido das maisassanhadas.

Mesmo exausta de tanto dançar o dia todo, elaarruma disposição para ficar admirando seu amado,com direito a declarações e tudo! “Bubão (sic) meuamor, paixão da minha vida!” imita Rubão, quanto àsdeclarações. “Ela acha mesmo que é minhanamorada!” diz Rubão. “Mas isso não passa de umabrincadeira”: Ele relembra que é casado e, além disso,respeita muito a Bebel.

A “banana caprichada” que Rubão oferece aosengraçadinhos virou sua marca registrada

Larissa Carvalho e Vinícius Flausino5º período de Publicidade

“Falem bemou falem mal,falem de mim!”

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Entre os melhores do Sudeste

Curso de Comunicação conquistaquatro prêmios na ExpocomUniube é a segunda instituição de ensino mais premiada emMinas Gerais e a terceira na região Sudeste

Ocurso de Comunicação Social da Universidadede Uberaba (Uniube) conquistou quatropremiações de 1º lugar na Expocom Sudeste,

uma das mais importantes mostras de trabalhosuniversitários do país. Com isso, o curso da Uniube éo segundo mais premiado de Minas Gerais e o terceiroentre as faculdades do Sudeste, empatando com aUniversidade Mackenzie e o Centro Universitário FIEO.

Competiram na Expocom Sudeste 358 trabalhosde 50 instituições de ensino dos quatro estados daregião. Na primeira etapa, 163 trabalhos de 41instituições foram finalistas. Finalmente, 60 trabalhosde 23 faculdades foram premiados. Os estudantesuberabenses superaram, em quantidade depremiações, os colegas de instituições como UNESP,UFMG, PUC-MG, Unicamp, UFJF, entre outras. Ostrabalhos vencedores concorrerão na Expocomnacional no 30º Congresso Brasileiro de Ciências daComunicação, que será realizado em setembro, nacidade de Santos (SP).

“Sinais”, de Laura Facury e Luis Felipe Pimenta,ficou em 1º lugar na modalidade Vídeo-Minuto.

“Aruanda. O Ritual Sagrado”, de Rodrigo AntônioMatos, Bruna Belela, Luís Antônio Costa Junior eSoraya Borges venceu na modalidade Vídeo-Reportagem. A ilustração “RAFA, de Malhação”, deJosé Adolfo da Silva Júnior, venceu na modalidadeCaricatura. “Lula e Bush em Brokeback Mountain”,de Rogério Maruno Mesquita, foi o melhor trabalhona modalidade Charge.

A Uniube conquistou ainda dois outros prêmiosna Expocom Sudeste. A reportagem “Sobre Vidas eFósseis”, de Mario Sergio Silva, César Antonio e DiegoAragão ficou em segundo lugar na modalidade VídeoCientífico. A vinheta do “Fábrica”, de MaríliaRodrigues (com o cinegrafista René Vieira), tambémconquistou o 2º lugar na modalidade Vinheta de TV.“Arqueologia do Quintal”, de Pâmela Mendes Moreira,que estava classificado na categoria História emQuadrinhos, não pôde ser apresentado.

Os trabalhos foram orientados pelos professores CeliCamargo e André Azevedo da Fonseca, e contaram comapoio técnico de Emerson Ferreira, Luiz Cledson LemesPrata, Cícero Francisco Pereira e Renê Vieira.

Confira o ranking da premiação

1º. Lugar: 14 prêmiosUniversidade Metodista de São Paulo (SP)

2º. Lugar: 5 prêmiosCentro Universitário Newton Paiva (MG)

3º. Lugar: 4 prêmiosUniversidade de Uberaba (MG)Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP)Centro Universitário FIEO (SP)

4º. Lugar: 3 prêmiosUniversidade Católica de Santos (SP)Universidade Metodista de Piracicaba (SP)

5º. Lugar: 2 prêmiosCentro Universitário de Belo Horizonte (MG)Universidade Estadual Paulista (SP)Centro Universitário de Votuporanga (SP)Universidade Santa Cecília, Santos (SP)Instituto Superior de Ciências Aplicadas (SP)Universidade Federal de Minas Gerais (MG)Universidade Federal de Juiz de Fora (MG)

6º. Lugar: 1 prêmioPontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (MG)Faculdades Integradas Rio Branco(SP)Pontifícia Universidade Católica de Campinas (SP)União das Faculdades dos Grandes Lagos (SP)Universidade de Taubaté (SP)Universidade Fumec (MG)Universidade Estadual de Campinas (SP)Faculdades Integradas Metropolitanas de Campinas (SP)Centro Universitário Adventista de São Paulo (SP)

A educação em destaque

Elizabeth Zago3º período de Jornalismo

Formar um educador atualizado, participativo eformador de cidadãos responsáveis é tarefaessencial de uma universidade. Para isso, o

Instituto de Formação de Educadores da Universidadede Uberaba realizará o II Encontro das Licenciaturas,de 20 a 24 de agosto de 2007, no Campus Aeroportoda Uniube. Esse encontro é voltado para os futuroseducadores e também é aberto aos professores dasredes municipal, estadual e particular de Uberaba eregião.

Neste evento, os alunos, professores epesquisadores dos cursos de licenciatura em CiênciasBiológicas, Educação Física, Geografia e EducaçãoAmbiental, História, Letras/Português-Inglês, Letras/Português-Espanhol, Matemática, Pedagogia e

Química apresentarão trabalhos e pôsteres,minicursos, mesas-redondas e palestras. Osinteressados terão de 07 de maio a 25 de junho parainscreverem seus trabalhos.

Haverá ainda atividades culturais, como umahomenagem ao artista plástico Hélio Siqueira, eapresentações do grupo de teatro organizado peloprofessor Nelson, entre outras atrações.

O objetivo principal do Encontro é promover odebate sobre a interdisciplinaridade na formação deprofessores e na prática docente, além da divulgaçãode atividades acadêmicas e a troca de experiênciasentre os educadores.

As incrições para o Encontro serão de 30 de julhoa 10 de agosto, na Secretaria do Encontro (Bloco X-sala 31) ou pelo endereço eletrônico http://www.uniube.br/ceac. A taxa é de R$30,00 para quemnão é aluno das licenciaturas.

II Encontro de Licenciaturas da Uniube reunirá professoresde Uberaba e região para debater a formação dos educadores

Escultura do artista plástico Hélio Siqueira.que será homenageado no Encontro