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DIREITOS HUMANOS E JUVENTUDE

CONSULTOR:

Bruno Alves de Souza Toledo

CARIACICA

2012

2

SUMÁRIO

1. APRESENTAÇÃO………………………………………………………............................... 03

2. UMA LEITURA SOBRE OS DIREITOS HUMANOS E JUVENTUDE EM

CARIACICA…….........................................................................................................................

04

2.1 Reflexões introdutórias sobre Direitos Humanos .......................................................... 05

2.2 O debate acerca das juventudes...................................................................................... 09

2.3 A realidade de Cariacica................................................................................................. 11

2.3.1 Direitos individuais e políticos……………………………........................................... 12

2.3.2 Direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais...................................................... 15

2.3.3 A situação das juventudes em Cariacica..…………................................…………....... 21

3. AS RESPOSTAS DO PODER PÚBLICO......................................………………… 25

3.1 Direitos Humanos e Segurança Pública.......................................................................... 26

3.2 Direitos da Juventude...................................................................................................... 29

3.3 Direitos da Mulher.......................................................................................................... 30

3.4 Igualdade Racial.............................................................................................................. 33

4. OS PONTOS FORTES E AS OPORTUNIDADES................................................... 36

5. OS PONTOS FRACOS E AS AMEAÇAS........……………………………...…...... 38

6. OS CENÁRIOS……………………………………………………………................. 41

6.1 O cenário indesejado………………………………………………............................... 41

6.2 O cenário desejado………………………………………………….............................. 42

7. REFERÊNCIAS........................................................................................................... 44

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1 – APRESENTAÇÃO

Planejar uma cidade é, em última instância, buscar a construção coletiva de um espaço no qual as

pessoas possam ser felizes. Contudo, planejar um lugar onde milhares de pessoas constroem suas

vidas, criam suas relações sociais, escrevem sua história, vivem suas alegrias ou experimentam seus

dramas, um espaço que reflete cada vez mais a dinamicidade da contemporaneidade, no qual a

expressão territorial denota a própria desigualdade social, fruto dos conflitos de interesses sociais,

econômicos e políticos, há de ser sempre uma tarefa altamente complexa.

Tornar a cidade um espaço democrático, que não se subordine à lógica segregacionista do sistema

capitalista deve ser o objetivo maior de qualquer planejamento estratégico municipal. Se a cidade

tem se mostrado a expressão territorial das desigualdades, e nesse sentido, tem se mostrado como um

limitador à realização da própria condição humana, ela não é apenas uma condição e um produto,

mas meio para as relações conflitantes dentro do capitalismo. Assim, é preciso apreender como a

reprodução das relações do capitalismo moderno se desdobra para a vida cotidiana de uma sociedade

urbana. Se as oportunidades, acesso a bens e serviços, estão a depender do território que se ocupa,

logo, há que se falar da produção da cidade também como um direito inalienável (LEFEBVRE,

1991). Se a ocupação do espaço urbano tem impedido a consecução de inúmeros outros direitos, é

preciso, pois, entender que a construção das cidades está conectada com a própria possibilidade de

realização dos direitos fundamentais do ser humano, e, por conseguinte, com a sua afirmação.

É isso que nos moverá no esforço de pensar Cariacica, no que tange aos Direitos Humanos e a

Juventude, para os próximos 20 anos. Como fazer da cidade um espaço democrático no qual o

respeito e a promoção dos Direitos Humanos, especialmente dos jovens, não estejam circunscritos a

uma ou outra região, mas que sejam um paradigma de toda a cidade? Como repensar a lógica de que

a depender de onde o cidadão estiver terá mais ou menos direitos?

Como qualquer processo de planejamento, mas este especialmente, haja vista ser um instrumento

público de gestão, é essencial que seja construído conjuntamente por aqueles que vão implementá-lo,

pelos órgãos e organizações que vão fiscalizar o seu cumprimento e por aqueles que são seu sujeito

fim, os filhos desta terra.

Foi principalmente esse o método de elaboração desse trabalho. Aliado a uma intensa pesquisa

documental sobre dados oficiais, relatórios de gestão e publicações sobre Cariacica, o exercício de

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ouvir as pessoas do povo, lideranças sociais, gestores públicos e privados, a juventude organizada,

etc foi o nosso principal instrumento de coleta de informações.

Para a construção desse diagnóstico, foi fundamental conhecer o território cariaciquense e foi feito

ao longo desse período. Diversas visitas foram realizadas nos mais diferentes bairros, inclusive na

zona rural do município, incluindo um representativo seminário com a juventude de Cariacica

realizado em Alto Roda D’Água, na Escola de Ciência da Prefeitura Municipal. Todavia, sentíamos

que essas visitas nos possibilitavam um olhar compartimentalizado sobre o território. Assim,

solicitamos à Coordenação da Agenda que nos disponibilizasse um veículo com motorista para

passarmos um dia percorrendo o território de Cariacica. Essa incursão pelos bairros, pelas regiões,

pelas ruas, avenidas, rodovias, praças e parques do município foi fundamental para o presente

diagnóstico.

Nosso diagnóstico está estruturado em três grandes partes. A primeira na qual nos dedicamos a

consolidar informações sobre a situação dos direitos humanos e da juventude de Cariacica. Nesta

parte, será necessário ainda demarcar de que direitos humanos falaremos, além de abordar, por uma

decisão meramente organizativa, o olhar sobre as grandes dimensões dos direitos humanos. Na

segunda parte, identificaremos os pontos fracos e as ameaças, bem como os pontos fortes e as

oportunidades que se apresentam para o futuro de Cariacica. Por fim, na última parte do diagnóstico

o foco estará na tentativa de esboçarmos as perspectivas quanto aos cenários desejáveis e

indesejáveis para os próximos 20 anos de Cariacica quanto aos direitos humanos, e especialmente

quanto à juventude.

2 – UMA LEITURA SOBRE OS DIREITOS HUMANOS E JUVENTUDE EM CARIACICA

Qualquer estudo que se dedique a tratar de Direitos Humanos e de juventude, considerando a

amplitude e possibilidades de apreensão conceitual dessas categorias, deve sempre iniciar por uma

discussão a respeito da compreensão que do que efetivamente sejam esses direitos, bem como, de

que juventude se falará. Demarcar estes pressupostos é condição essencial para iluminar as reflexões

que visem a traçar um diagnóstico da situação que se encontra Cariacica neste particular, da mesma

forma que dará condições para se pensar em formas de intervenção sobre esta realidade. Por esta

razão, é importante iniciarmos este estudo explicitando a concepção que possuímos, e que está

presente ao longo deste trabalho, sobre direitos humanos e juventude.

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2.1 – Reflexões preliminares sobre Direitos Humanos

O tema direitos humanos tem, ao longo da história e particularmente após a segunda grande guerra,

com a construção do arcabouço internacional de proteção a partir da Organização das Nações Unidas

– ONU e do processo de constitucionalização, ocupado papel de elevado destaque nos embates

políticos, nas discussões teóricas e mesmo em programas governamentais. À exceção de setores

conservadores que os têm como entrave ao eficaz enfrentamento à criminalidade, é quase retórica

comum falar da defesa ou promoção dos direitos humanos. Tal disseminação, se por um lado

reafirma sua essencialidade e o populariza no seio da sociedade, de outro permite que se fale a partir

de inúmeras concepções, algumas delas já aprimoradas, outras já superadas histórica e teoricamente.

Nesse sentido, cumpre aqui delimitarmos o campo no qual trataremos os direitos humanos.

Queremos aqui nos filiar à corrente teórica que concebe os direitos humanos como fruto de uma

construção sócio-histórica do homem enquanto ser social na busca pela afirmação de sua própria

condição. Nesse sentido, defendemos os Direitos Humanos não como algo natural, como algo dado,

mas no dizer de Arendt(1989), como um construído, que teve na Declaração Universal dos Direitos

Humanos de 1948 a consolidação de uma era.

É o prisma do historicismo que melhor nos permite compreender a marcha dos direitos humanos,

suas contradições, seus avanços, suas derrotas. É a percepção dos direitos como conquistas que nos

possibilita a visão do homem como seu protagonista, que superou outros paradigmas até consolidar a

máxima kantiana que o coloca como medida de todas as coisas.

A dinâmica que marca a conformação dos direitos humanos é a própria dinâmica das lutas sociais,

dos conflitos de classes que em determinado momento histórico permitem o avanço, em outros

obriga ao retrocesso. Foi assim na edição da chamada primeira geração dos direitos humanos, ainda

sob o viés contratualista-liberal, que buscava afirmar direitos individuais a fim de limitar o poder

absolutista e, de forma instrumental, garantir condições de avanço da Burguesia, cristalizando a

geração dos direitos chamados de primeira geração, tais como, o direito à vida, às liberdades, e

também os direitos à participação política como corolário do regime democrático que se instalava.

Assim também o foi com a chamada segunda geração, que sob os marcos das revoluções proletárias

confirmaram os direitos sociais consagrados a partir da luta do chão da fábrica. Direitos que

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inicialmente resumiam-se a melhores condições de trabalho expandiram-se para regular uma série de

questões até então tratadas como filantropia.

O Estado passa a ser visto como agente de processo de transformação e o

direito à abstenção do Estado, neste sentido, converte-se em direito à atuação

estatal, com a emergência dos direitos à prestação social. A Declaração do

Povo Trabalhador e Explorado da República Soviética Russa de 1917, bem

como as Constituições sociais do início do século XX ( ex: Constituição de

Weimar de 1919, Constituição Mexicana de 1917, etc), primaram por conter

um discurso social da cidadania, em que a igualdade era o direito basilar e

um extenso elenco de direitos econômicos, sociais e culturais era previsto.

(PIOVESAN, 2004, p. 52)

Não obstante as experiências de conquistas de tais direitos se repercutirem em processos

constitucionais de diversos países, não havia até a criação da Organização das Nações Unidas, em

1945, um consenso mundial sobre o tema. O fracasso da Liga das Nações depois do fim da primeira

grande guerra deu provas disso. A onda conservadora que varreu a Europa após a guerra, marcada

pelo nacionalismo expansionista, pelo anticomunismo e pela intolerância racista, potencializada pela

crise econômica de 29, formaram as bases para movimentos fascistas que acabaram por provocar a

descida ao inferno dos Direitos do Homem. A segunda grande guerra, entremeada pelo horror do

nazismo alemão, vitimou sessenta milhões de vidas e com elas as conquistas de direito até então

alcançadas. É para exorcizar esta descida aos infernos, que no dizer de Sachs(1998, p. 155), “os

povos e os Estados democráticos mobilizaram-se para fazer dos Direitos Humanos o fundamento do

sistema das Nações Unidas” e em 1948 publicam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O

aperfeiçoamento desse paradigma mundial marca a segunda metade do século passado com o

processo de internacionalização dos direitos humanos a partir da edição de inúmeros instrumentos

internacionais de proteção destes direitos, dentre eles os Pactos dos Direitos Civis e Políticos e dos

Direitos Econômicos e Sociais, ambos de 1966.

A concepção contemporânea dos Direitos Humanos, reafirmada na última Conferência de Direitos

Humanos da ONU em Viena(1993), os pressupõem, portanto, como uma conquista, um construído

da humanidade para reafirmar o núcleo central da condição humana, qual seja a dignidade do

homem. Isso significa dizer que os Direitos Humanos são concebidos como “característica geral da

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condição humana que nenhuma tirania pode subtrair, sua perda é também a perda das mais essenciais

características da vida humana”(ARENDT, 1989, p. 330).

Não é outra senão esta a nossa compreensão de Direitos Humanos. É a este todo universal e

indivisível, sem hierarquizações, privilégios ou categorizações que nos reportaremos ao analisarmos

em que medida a violência urbana e o processo de criminalização da pobreza vem impendido de se

realizar.

Todavia, já na última década do século passado percebeu-se que não bastava o árduo processo de

proclamação dos Direitos Humanos, era preciso avançar rumo à efetivação desses direitos.

Paradoxalmente, a mesma época de globalização e de internacionalização dos direitos, na qual se

constatam as maiores conquistas formais, se constatam também o avanço da pobreza e da indigência.

O mesmo período de avanço das conquistas formais dos direitos é o período da reestruturação do

capitalismo, que na ótica do Estado se dá pela implementação do Neoliberalismo e o conseqüente

desmantelamento das políticas sociais. Um dos indicadores dessa reestruturação demonstra que o

número de pessoas em todo o mundo sobrevivendo com até 1 dólar por dia aumentou 20% entre

1995 e 2000, enquanto o número da população aumentou apenas 7% (Vieira, 2007).

Esse paradoxal abismo existente entre a proclamação dos Direitos Humanos e seu reflexo no

cotidiano das pessoas passa a ocupar o centro das discussões acerca do tema. Sobre isso, asseverou

Bobbio:

Proclamar o direito do indivíduo, não importa em que parte do mundo

se encontre (os direitos do homem são por si mesmo universais), de

viver num mundo não poluído não significa mais do que expressar a

aspiração a obter uma futura legislação que imponha limites ao uso de

substâncias poluentes. Mas uma coisa é proclamar esse direito, outra é

desfrutá-lo efetivamente. (...) Por isso, agora, não se trata tanto de

buscar razões, ou mesmo a razão das razões, mas de pôr condições

para uma mais ampla e escrupulosa realização dos direitos

proclamados. O problema grave do nosso tempo, com relação aos

direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, mas o de protegê-

los. (...) Não preciso aduzir que para protegê-los, não basta proclamá-

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los. (...) O problema real que temos de enfrentar, contudo, é o das

medidas imaginadas e imagináveis para a efetiva proteção desses

direitos (Bobbio, 1992).

É, pois, a partir das recomendações de Viena que os Direitos Humanos passam a integrar a estrutura

organizacional dos Governos, passando de bem esboçadas teses para o complicado mundo da

burocracia, dos orçamentos públicos, das disputas políticas.

Fruto também desse movimento, a Constituição da República de 1988 dedica seus primeiros artigos

a promulgar os Direitos Humanos, desde as liberdades individuais, até os direitos econômicos,

sociais, culturais e ambientais. Como parte do processo constituinte, também as Constituições

Estaduais e as Leis Orgânicas dos Municípios reproduziram tais conquistas de modo que os direitos

inerentes à garantia da dignidade da pessoa humana passaram a integrar o ordenamento jurídico

brasileiro.

Com o chamado processo de institucionalização, foi criada no Brasil, em 1997, a Secretaria

Nacional dos Direitos Humanos - SNDH, na estrutura do Ministério da Justiça, em substituição à

Secretaria dos Direitos da Cidadania – SDC. Em 1999, a SNDH foi transformada em Secretaria de

Estado dos Direitos Humanos. Já no Governo Lula, a Secretaria transformou-se em Secretaria

Especial de Direitos Humanos – SEDH, vinculada à Presidência da República e com status de

Ministério a fim de articular e implementar políticas públicas voltadas para a promoção e proteção

dos direitos humanos.

Como conseqüência obrigatória da institucionalização, houve a necessidade de se criar instrumento

de canalização das ações governamentais, assim, ainda no ano de 1996, o Governo Federal lançou o

1º Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH I, num irrefutável reconhecimento da

importância da reversão do papel de omissão do Estado na questão dos Direitos Humanos.

Como primeira experiência de construção de política pública nessa área, o PNDH I centrava suas

ações no combate à banalização da morte e nos graves problemas advindos da violência, tanto urbana

quanto rural. Relacionava-se, pois, mais com os direitos civis e políticos e detinha-se extensamente

na atenção aos agentes de segurança pública.

Passo seguinte foi o lançamento do 2º Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH II, em

2002, que sem desmerecer a atenção à violência, avançou incorporando em suas ações as áreas da

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saúde, educação, moradia, além de agregar novos segmentos sociais que reivindicavam direitos,

como os ciganos e a população GLBTT. Importante ressaltar que o PNDH II passou a fazer parte do

Plano Plurianual – PPA, garantido-se, dessa forma, vinculação orçamentária.

Parte integrante e por vezes protagonista desse processo de institucionalização dos Direitos Humanos

constitui-se a Conferência de Direitos Humanos, que no ano de 2008 chegou a sua décima primeira

edição com envolvimento de todos os Estados da Federação mobilizados na discussão de políticas

públicas de Direitos Humanos. O mais importante resultado desta Conferência, no entanto, foi o

terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH III. Constituído em 6 eixos de ação, o

PNDH- III é o mais completo documento público sobre direitos humanos da história do Brasil e

enfrenta questões essenciais para o fortalecimento de democracia brasileira, tais como o diálogo

permanente entre Estado e sociedade civil; a transparência em todas as esferas de governo; a

primazia dos Direitos Humanos nas políticas internas e nas relações internacionais; o caráter laico do

Estado; o fortalecimento do pacto federativo; a universalidade, indivisibilidade e interdependência

dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais; opção clara pelo

desenvolvimento sustentável; o respeito à diversidade; o combate às desigualdades; a erradicação da

fome e da extrema pobreza e o direito à memória e à verdade.

Nesse sentido, o processo de criação da SEDH, bem como de implementação dos PNDH’s I, II e III

influenciaram toda a estrutura organizacional dos estados e repercutiram da mesma forma nos

municípios, que também passaram a sofrer intervenção dos movimentos organizados, bem como

sentir no cotidiano das administrações a necessidade de implementação de programas de Direitos

Humanos, como foi o caso da criação em 2009 da Secretaria Municipal de Cidadania e Trabalho da

Prefeitura de Cariacica.

2.2 – O Debate acerca das Juventudes

Como proposto pela Coordenação da AGENDA CARIACICA, a área de Direitos Humanos deveria

dar especial enfoque para a questão da Juventude. Entendeu acertadamente a coordenação, que

dentro dos muitos subgrupos populacionais vulneráveis à toda sorte de violações aos direitos

humanos, a juventude tem se mostrado como um dos mais expostos a essa realidade. No Brasil, são

48 milhões de pessoas entre 15 a 29 anos de idade, dos quais 34 milhões têm entre 15 e 24 anos. É

nesta faixa etária, quase 1/3 da população, que se encontra a parte atingida pelos piores índices de

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desemprego, de evasão escolar, de falta de formação profissional, mortes por homicídio,

envolvimento com drogas e com a criminalidade.

Dessa forma, cabe-nos aqui também explorarmos introdutoriamente o olhar que teremos ao longo do

trabalho sobre a questão da juventude e as questões que a desafiam nesse momento histórico.

Há, no Brasil, fortes representações sociais a respeito da juventude. Sejam construídas

historicamente ou fruto do momento contemporâneo, o fato é que pesam sobre a juventude

estereótipos paradoxais que vêm ao longo do tempo impedindo que esse grupo social exerça

plenamente sua cidadania. Assim, tanto quando se pensa na juventude como uma fase turbulenta,

problemática, marcada pela rebeldia, seja quando se vê nela a concretização da inexperiência ou

mesmo quando falsamente “valoriza-se” o jovem pela beleza, pelo vigor e pela forma que leva a

vida, o que se faz, na realidade, é legitimar um tratamento público repressor e altamente cerceador de

direitos.

Na cultura adultocêntrica capitalista, na qual estamos imersos, o debate na esfera pública acerca da

juventude possui estreita vinculação com o tema da criança e do adolescente, afinal, o tratamento

público dispensado a quem ainda não é adulto em essência será o mesmo. A discussão etária na

esfera pública é algo contemporâneo ao século XIX, quando se tornou, pela primeira vez,

socialmente problematizado na esteira do surgimento da questão social a partir da organização da

classe trabalhadora. É nessa seara que as primeiras normas jurídicas pertinentes à criança e ao

adolescente surgem, exatamente com o propósito de demarcar a idade penal, ou seja, a idade a partir

da qual poderia ser aplicada pena em caso de cometimento de delitos. Como não mais poderiam

trabalhar a partir das legislações fabris da segunda metade do século XIX e, portanto, se tornaram

incapacitados para a sociedade capitalista, era preciso vigiar e punir no dizer de Focault (2002).

No caso brasileiro, não obstante estarmos sob a égide da doutrina da proteção integral, erigida a

partir da luta, na década de 80, dos movimentos pelos direitos da criança e do adolescente e já

consagrada nos diplomas legais, historicamente imperou, e constata-se no cotidiano que ainda hoje

impera um paradigma de desconsideração de qualquer cidadania para crianças, adolescentes e

jovens. Rizzini (2004) demonstra que o Brasil acabou por estruturar uma verdadeira “cultura da

institucionalização”. Para a autora, do período colonial até a República, vigorou o preceito da

desresponsabilização quanto à infância, tanto no âmbito da família, quanto no do Estado.

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Entendendo a cidadania na acepção defendida por Carvalho (2008), qual seja, como conquista sócio-

histórica do homem na busca da afirmação de sua própria condição e nesse sentido devendo

compreender liberdade, participação política, igualdade e justiça social, é possível inferir que este

status só passa a ser reconhecido formalmente para crianças e adolescentes, como sujeitos de

direitos, a partir da construção do ECA.

Como fruto das conquistas obtidas na Constituinte e do debate dos movimentos sociais em prol da

democracia e ampliação dos direitos como garantia de cidadania por parte do Estado, a luta em prol

do reconhecimento das crianças e adolescentes como sujeitos de direito alcançou sua maior vitória

com a edição da Lei nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente. Ao contrário do antigo

Código de Menores, o ECA é uma lei elaborada através de um processo de participação social. Essa

presença efetiva do movimento infanto-juvenil no processo de sua elaboração contribuiu sem dúvida

para que esta lei se constituísse realmente como um novo paradigma dos direitos da criança e

adolescente e abriu caminho para uma nova construção: o debate acerca da condição juvenil na

sociedade brasileira.

Como fruto dessa histórica desresponsabilização, pública e privada, sobre os mais jovens, a

contemporaneidade brasileira revela a juventude como o contingente populacional mais vitimado

pelas mais diversas violências presentes no Brasil. Ser jovem, distante de corresponder aos

estereótipos deslegitimadores, constitui-se na realidade uma condição social vivida e experimentada

de formas distintas a depender de questões históricas, econômicas e sociais. Por esta razão, é

absolutamente equivocado pensar na juventude como um todo homogêneo que enfrentará igualmente

os mesmos desafios. Há uma enorme diversidade juvenil, com múltiplas identidades e vivências,

diversos quereres, questões que devem ser consideradas para qualquer política pública garantidora de

direitos dessa população.

2.3 – A realidade de Cariacica

Pensar sobre a realidade dos direitos humanos de uma cidade é em suma saber como está a qualidade

de vida de seus habitantes. Afinal, como vimos, mensurar a situação dos direitos humanos é perceber

como a dignidade humana está sendo protegida, respeitada e promovida. Dessa forma, é importante

notar que, muito embora haja certa centralidade no papel do poder público no que tange aos direitos

humanos, é também dever da sociedade como um todo atuar nessa direção.

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Como o prisma que envolve a garantia da dignidade humana é por demais extenso, didaticamente,

optamos por trabalhar o presente diagnóstico em tópicos daquilo que se convencionou chamar de

gerações dos direitos. Assim, abordaremos a situação dos direitos individuais e em seguida os

direitos sociais. Como é nosso propósito o enfoque na juventude, será ela alvo de uma parte

específica desse trabalho, assim como as demais populações vulneráveis que integram as ações

desenvolvidas pela Secretaria Municipal de Cidadania e Trabalho, especialmente as mulheres e o

povo negro.

2.3.1 - Direitos individuais e políticos

Analisar a situação dos direitos individuais é buscar saber como estão sendo vivenciadas as garantias

fundamentais do cidadão na proteção de seus mais elementares direitos, tais como a vida e as

liberdades civis e políticas.

O município de Cariacica possui uma história marcada por desmandos de toda ordem na esfera

pública, tendo nos últimos 30 anos, mais de 20 Prefeitos. Não por acaso, diversos grupos políticos

aliaram-se a grupos criminosos numa perversa associação que permitiu, aliada a outros fatores, que o

município fosse terreno fértil para a prática criminosa com futura impunidade. A eleição de

governantes aliados da famigerada “Scuderie Detetive Le Coque” – braço armado do crime

organizado capixaba e uma das maiores organizações criminosas do Brasil na década de 90 – foi o

ápice desse processo. Estando o poder público municipal entregue ao crime, por motivos óbvios,

multiplicaram-se os grupos criminosos atuando em Cariacica, muitos deles ligados ao tráfico de

drogas e à prática de extermínios. Esse cenário de “terra sem lei” criou condições para uma profunda

estagnação sócio-política-econômica do município, que por via de consequencia passou a registrar

os piores índices sociais e em relação à violência.

Ainda que esse processo tenha sido interrompido na última década, a magnitude e a complexidade

dos problemas deixados por este ranço ainda desafiam e continuarão a desafiar o poder público e a

sociedade cariaciquense. Não obstante os inegáveis esforços dos últimos anos, os indicadores da

violência ainda aprisionam Cariacica como uma das cidades mais violentas do Espírito Santo. Em

2009, foram 349 homicídios no município, colocando-o na segunda posição no ranking da

morbidade violenta no Espírito Santo. Pelo índice da Organização das Nações Unidas para mensurar

a violência, seria aceitável o indicar de 10 mortes por 100 mil habitantes para se entender uma

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sociedade em grau de normalidade. O Brasil possui um indicador de 26 mortos por 100 mil

habitantes, o que seria já considerado guerra civil. No caso de Cariacica, levando-se em consideração

a população de 356 mil habitantes, o índice chega a absurdos 99 mortos por 100 mil habitantes.

Os bairros mais afetados são Flexal, Nova Rosa da Penha, Padre Gabriel e Castelo Branco, embora

tenha havido uma pequena redução de 5,5% em comparação com o ano anterior, os números são

demasiadamente elevados. As vítimas são, na esmagadora maioria, homens, jovens de 17 a 25 anos e

de acordo com o Delegado Chefe do DPJ de Cariacica, 70% a 80% dos crimes têm ligação com o

tráfico de drogas.

Pesquisa de Vitimização encomendada pela Secretaria de Segurança Pública do Estado e executada

pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas Indiciárias da UFES – NEI indicou que quase 50% dos

entrevistados já havia sido vítima de algum tipo de crime. A mesma pesquisa indicou que 70% dos

entrevistados já haviam presenciado homicídio na vizinhança, sendo esta a maior percepção entre

todos os municípios pesquisados da Grande Vitória.

Indubitavelmente, a violência não atinge exclusivamente a sua vítima direta e não atinge apenas um

ou outro direito dela. A violência, especialmente nos níveis encontrados em Cariacica, atinge as

pessoas individualmente, os familiares, a comunidade próxima e posteriormente a toda a sociedade.

Individualmente, as pessoas vítimas da violência estão perdendo suas vidas, quando não, têm sua

integridade física violada, perdem seu patrimônio, adoecem e se enclausuram. Como resultado,

mudam os hábitos e perdem o senso de comunidade. A já citada pesquisa de vitimização indica uma

profunda mudança de comportamento do povo cariaciquense em função da violência. As pessoas

deixam de sair à noite, evitam muitas pessoas, não conversam com estranhos, não saem mais

sozinhos, transformam as casas em fortalezas isoladas do mundo e muitas vezes mudam da

comunidade. Estamos, pois, falando de uma série de limitações que significam perda de direitos

inalienáveis do cidadão.

Dessa forma, a violência nos níveis cariaciquenses importa em conseqüências para toda a sociedade.

Pessoas com medo, oprimidas pela ação dos criminosos, deixam conscientemente de atuarem na

esfera política, fragilizando, pois, o processo democrático da cidade. E não está aqui a falar

exclusivamente da política partidária. Estamos falando da política em seu sentido mais amplo. Da

participação na Igreja, nas associações, nos conselhos, etc. Da participação em espaços públicos que

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significam a própria afirmação da condição de ser humano. Uma população aterrorizada pela

violência se imobiliza e se torna sujeito passivo de sua própria história.

Há bairros de Cariacica ainda dominados por grupos de extermínio com atuação desde a década de

90. Grupos cujos líderes, muitos ainda soltos, são acusados pela polícia por mais de 40 homicídios. O

que esperar da participação popular em associações de moradores em comunidades como essa? O

que esperar a assembléia do orçamento participativo nessa região? O que pensar da atuação do

conselho tutelar, do conselho da escola, das pastorais religiosas, etc? Como ser candidato a Vereador

nessas condições?

Na dimensão dos direitos políticos, importante dado refere-se à participação da população nos

conselhos de direito. Instituídos pela Constituição da República de 1988, os Conselhos são

importante instrumento de controle social sobre as ações do poder público e acabam constituindo-se

como espaços de concretização da democracia participativa. Nesse sentido, o município de Cariacica

possui 29 Conselhos de Direito, tendo sido uma considerável parcela (14 conselhos) fundada após

2004.

Pensando ainda sobre os direitos individuais, há que se falar da situação da privação de liberdade em

Cariacica. Atualmente, o município concentra três unidades prisionais (Penitenciária Estadual

Feminina, Penitenciária Feminina de Cariacica e Penitenciária Feminina Semiaberta), um Hospital

de Custódia para Tratamento Psiquiátrico e o Instituto de Atendimento Sócioeducativo do Espírito

Santo - IASES que abriga unidades de internação para adolescentes (UNIP, UNIS, UFI).

Muito embora a responsabilidade com as referidas Unidades seja exclusivamente do Governo do

Estado, o poder público municipal e a sociedade cariaciquense também são afetados diretamente com

a realidade do complexo prisional local e devem se posicionar sobre o mesmo. Não raras são as

notícias sobre graves violações de direitos humanos nessas unidades. Relatos de tortura, maus-tratos

e execuções, além de rebeliões e fugas são constantes e já foram perversamente incorporados na

realidade das comunidades adjacentes.

Na UNIS, por exemplo, em 2009 foram registradas 3 mortes violentas e uma série de rebeliões vem

se sucedendo. O Estado brasileiro responde a uma ação na Corte Interamericana de Direitos

Humanos na Costa Rica em função das graves violações de direitos humanos ocorridas na UNIS. A

Corte, órgão contencioso da Organização dos Estados Americados – OEA, determinou em 15 de

15

março de 2011, que o Brasil deva garantir a vida e a integridade dos adolescentes privados de

liberdade e de todos os funcionários da Unidade de Internação Socioeducativa de Cariacica, no

Grande Espírito Santo. O país tem dois meses para apresentar um relatório sobre as providências que

serão tomadas nesse sentido. O tribunal foi acionado sobre as condições desumanas da Unis por

diversas denuncias de tortura dos internos, superlotação, rebeliões frequentes e até homicídios.

Ora, estamos falando, portanto, de pessoas, adolescentes, mulheres e homens que são seviciados,

torturados e mortos dentro de instituições públicas localizadas na cidade de Cariacica. Construir uma

cidade sustentável como se pretende nesse planejamento deve incluir um novo paradigma público de

tratamento à privação de liberdade e isso deve implicar ações de articulação do poder público

municipal e mobilização da sociedade civil organizada.

Está, portanto, de um modo geral esboçado um grave quadro de violação aos direitos humanos do

povo cariaciquense na dimensão das liberdades individuais. Um quadro que, se inalterado, poderá

ameaçar o futuro que se deseja construir para a cidade.

2.3.2 – Direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais

Segundo a Constituição da República de 1988, são direitos sociais a educação, a saúde, a

alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade e à infância e a assistência social. A própria essência constitutiva dos direitos sociais os

vincula com a ação garantidora por parte do Estado. Nesse sentido, só há concretude de direitos

sociais se houver políticas públicas correspondentes e por esta razão a análise da situação dos

direitos sociais em Cariacica nos remete à complexa e tensa relação existente na cidade entre

diversos elementos que compõem a garantia de direitos. Estamos falando da forma desordenada de

ocupação do território, da enorme e histórica carência dos munícipes em termos de garantia de

direitos sociais por meio de políticas públicas, dada a intencional omissão do poder público ao longo

das últimas décadas, das dimensões geográfica e demográfica de um município do porte de Cariacica

e de uma das menores taxas de investimento per capita do Espírito Santo.

A conjugação desses elementos faz com que os indicadores sociais de Cariacica, muito embora

estejam melhorando nos últimos anos, ainda sejam considerados medianos. Tendo o Índice de

16

Desenvolvimento Humano - IDH1 em 0,75 (segundo dados do PNUD 2000), o município fica em

último lugar em comparação com as quatro maiores cidades do Espírito Santo.

Pesquisa publicada pelo Jornal “A Gazeta” em 24 de janeiro de 2010 e realizada pelo Instituto Futura

sobre a avaliação da gestão pública de Cariacica pelos próprios cidadãos indicou as áreas da

segurança pública e da saúde – ambos direitos sociais – com sendo as que possuem situação mais

crítica, seguidas da área de esporte e trânsito.

No que se refere ao direito à segurança pública, com as taxas de criminalidade que o município

apresenta, sobretudo as de homicídio, era de se esperar que fosse esse o direito mais reclamado pela

população. Com relação a este ponto, cabem aqui duas reflexões fundamentais. A primeira diz

respeito à sensação de segurança, ou seja, a percepção de que mesmo não sendo vítima direta da

violência, a pessoa sente-se insegura por tudo o que ocorre em sua volta sem respostas por parte do

estado.

Quando avalia mal a política de segurança pública, na esmagadora maioria das vezes, a população

está na verdade se referindo única e exclusivamente à política repressora, ou seja, de policiamento

ostensivo (polícia militar) e policiamento investigativo (polícia civil). Em ambos os casos, contudo, a

responsabilidade cabe ao Governo do Estado e não à prefeitura municipal. Todavia, para o cidadão

cariaciquense pouco importa de quem é a responsabilidade. Não importa saber, por exemplo, que a

polícia militar conta com um efetivo de apenas 170 homens e 08 viaturas para cobrir os municípios

de Cariacica, Santa Leopoldina e Viana e que tal responsabilidade é do Governo do Estado. O que

importa é efetivamente o fato de que vive em uma região onde o Poder Público não consegue

garantir sua segurança.

Nessa questão da sensação de segurança, é importante dizer que não obstante estar muito vinculada à

responsabilidade constitucional do governo estadual, cada vez mais se presencia pró-atividade dos

governos municipais com a criação de secretarias de defesa social e o desenvolvimento de ações

como as guardas civis e os programas de vídeo-monitoramento, algo que ainda é incipiente em

Cariacica.

1 Indicador usado desde a década de 90 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD para medir

o padrão de vida de uma população é construído a partir de dados de expectativa de vida ao nascer, educação e PIB per

capita)

17

A segunda reflexão que deve ser feita possui relação com a dimensão preventiva da criminalidade.

Embora ao avaliar negativamente a área da segurança pública, a população não esteja vinculando

diretamente à ausência ou ineficácia das ações preventivas que caberiam à Prefeitura, é importante

perceber que é também isso o que está implícito.

Diversos estudos sobre violência no Brasil (PEDRAZINI, 2006; PINHEIRO, 2003; FEFFERMAN,

2006) indicam a complexidade desse fenômeno que inclui em sua constituição e reprodução

elementos como a acelerada urbanização brasileira, quase uma “des-civilização”, associada à

inexistência de um Estado de bem-estar social, ao aparecimento do tráfico de drogas, livre circulação

de armas, corrupção no aparelho de justiça e segurança, etc.

Sendo assim, a questão da disponibilização de políticas garantidoras de direitos, de oferta de rede de

serviços públicos, sobretudo, à juventude mais exposta às vicissitudes da criminalidade, é algo que

interfere na segurança pública e passa também a ser avaliada, ainda que indiretamente pela

população.

Já quanto ao direito à saúde, que se mostrou com a segunda pior avaliação da população, é

importante constar que assim como o direito à segurança, aqui também o que se coloca em jogo é a

própria garantia do direito à vida. Embora a rede municipal conte com 36 unidades de atendimento, a

principal delas é a Policlínica de Itacibá cujo atendimento se faz 24horas por dia e inclui atendimento

infantil.

É nesta policlínica que se constatam as maiores reclamações da população, sendo ela alvo de

constantes matérias negativas na mídia capixaba: CRM ameaça interditar PA de Itacibá por conta

das condições de higiene (Jornal OnLine Folha Vitória-13/05/2009); Senhora morre no PA de

Itacibá depois de 7 dias esperando vaga (TV Gazeta – 24/12/2010); Pacientes morrem no PA de

Itacibá por falta de leitos de UTI na Rede de Saúde (GAZETAONLINE – 19/03/2009); PA de

Itacibá funcionou por toda a manhã sem energia (GAZETAONLINE – 16/11/2010); Falta

atendimento no PA de Itacibá (TV GAZETA - 25/12/2010).

Ainda que consideremos a dificuldade da garantia de direitos em um município com a complexidade

de Cariacica, é preciso registrar o esforço do poder público em cumprir a aplicação do percentual

mínimo de destinação orçamentária (15%) para a área de saúde, tendo inclusive aumentado em quase

1% este valor nos últimos anos. Há que se considerar um aumento de 22% no total de profissionais

18

da saúde entre 2004 e 2009, não obstante o número de profissionais da área da fisioterapia tenha

diminuído e da psicologia tenha se mantido inalterado. Aqui cabe a observação sobre a ausência do

serviço especializado de atenção à saúde mental destinado à questão do tratamento da dependência

química. Há no município dois Centro de Atenção Psicossocial – CAPS (Moxuara) e não há nenhum

serviço especializado em álcool e outras drogas. Pelas orientações do Ministério da Saúde,

municípios de grande porte como Cariacica deveriam contar com uma rede de serviço de saúde

mental composta por CAPS II, CAPS III, CAPS AD, CAPSi, e rede básica com ações de saúde

mental e capacitação do SAMU.

Outra questão que comparece diz respeito à demanda da juventude por saúde pública em Cariacica.

A gravidez na adolescência, por exemplo, é maior causa de internação no município e a taxa de

prematuridade vem aumentando significativamente nos últimos anos. Além disso, mortes por causas

externas (violência de um modo geral) é a segunda causa de óbitos, sendo os jovens as principais

vítimas.

Em todo caso, estão em andamentos ações que visarão maior garantia do direito a saúde.

Especialmente com o novo Pronto Atendimento de Alto Lage, com capacidade para antendimento de

1500 pessoas por dia, e com a instalação do Hospital Geral por parte do Governo do Estado,

Cariacica terá uma rede estruturada de atenção à saúde.

Com relação à situação dos demais direitos sociais, a leitura segue na mesma direção. Há

perceptíveis melhoras nos indicadores, mas o desafio ainda se apresenta em considerável magnitude.

A indicação de que 42 mil famílias vivem em situação de pobreza, o que poderíamos supor um

quantitativo de 160 mil pessoas (quase a metade da população), revela por si o grau de

vulnerabilidade social e a necessidade de estruturação de políticas e serviços com vistas à efetivação

de direitos. A política básica de transferência de renda, qual seja o Bolsa Família, possui 25 mil

pessoas inscritas no CADÚNICO, sendo que destes, 18 mil recebem o benefício. Dados da Secretaria

de Assistência indicam que 88% dos moradores da cidade possuem renda de até 2,5 salários

mínimos.

A necessidade de ampliação da rede de proteção social é indiscutível. Há hoje no município 7

Centros de Referência da Assistência Social – CRAS (porta de entrada para a política de assistência)

19

e 1 Centro de Referência Especializado da Assistência Social – CREAS. Pelas diretrizes da política

do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, já deveriam existir no mínimo 15 CRAS.

Quando analisamos o direito à educação, não obstante os irrefutáveis avanços, como a efetivação de

professores no quadro de servidores, a ampliação da rede de 78 para 101 unidades de ensino em 5

anos, a queda da taxa de analfabetismo, a melhora dos indicadores de qualidade medidos pela Prova

Brasil, etc., os problemas ainda desafiam a municipalidade. A questão da garantia do direito à

educação infantil persiste como um problema com repercussões graves para toda a sociedade. A

ausência de creches é um fator de repercussão geral, com reflexos direitos sobre a economia, por

exemplo. Assim como a oferta do ensino médio e profissionalizante. O número de alunos que se

matriculam no ensino médio está longe de corresponder ao número de matrículas do ensino

fundamental, o que indica evasão e pouca oferta. Bairros como Padre Gabriel e Castelo Branco, dois

dos mais violentos para a juventude de Cariacica, não possuem ensino médio, o que importa em

maior vulnerabilidade social dos adolescentes.

Ainda sobre a Educação, é importante fazer aqui constar uma dimensão estratégica para os direitos

humanos. Trata-se da Educação em Direitos Humanos. Desde 2004, a partir de demandas do

movimento de direitos humanos, o Governo Federal vem estruturando uma política nacional de

educação em direitos humanos. A Educação em Direitos Humanos busca formar uma nova

mentalidade coletiva para o exercício da solidariedade, do respeito às diferenças e da tolerância.

Nesse aspecto, constitui-se como um processo de disseminação do conhecimento que combata o

preconceito, a discriminação e a violência e promova valores como liberdade, igualdade e justiça.

Com relação à educação em Direitos Humanos, o único projeto por nós identificado na Prefeitura diz

respeito ao “Escola que Protege”, uma parceria da Secretaria Municipal de Educação – SEME com a

Universidade Federal do Espírito Santo. Trata-se de uma formação para educadores da rede pública

municipal, com carga horária de 120 horas, a fim de subsidiá-los na atuação quanto à prevenção das

diversas formas de violência contra criança e adolescente. A formação se deu em 5 módulos

perpassando desde a concepção de educação em direitos humanos, passando pela ideia de direitos

das crianças e dos adolescentes, chegando até mesmo a uma experiência do teatro do oprimido.

Ainda que extremamente relevante, infelizmente, a ação não se trata de uma política

institucionalizada de governo, mas sim de uma ação isolada realizada por meio de um convênio, o

que deixa dúvidas quanto à efetividade dos resultados.

20

Sobre o direito à moradia, segundo levantamentos feitos pela Secretaria Municipal de Habitação, em

2009 o déficit habitacional no município era de 11.170 novas unidades. Há uma baixíssima oferta

imobiliária no município, sendo o que apresenta a menor taxa de construção. Em 2008, por exemplo,

segundo dados do Sindicato da Construção Civil, em Vitória foram entregues 9.800 novas unidades.

Em Vila Velha, 8.900. Na Serra, 8.700. E em Cariacica apenas 796 novas unidades. Isso se deve em

grande parte à ausência de planejamento urbano da cidade.

Quanto à mobilidade urbana, e portanto, o direito que as pessoas têm de se locomoverem dentro da

cidade, a situação existente hoje pode ser evidenciada nos resultados da pesquisa de opinião pública

de Mobilidade, Sistema Viário e Trânsito de Cariacica (Fevereiro/2011). O principal meio de

deslocamento da população é ônibus sendo que a maioria não utiliza-se de dois ônibus para um

deslocamento, principalmente para chegar ao trabalho. Não existe um sistema municipal de

transporte e os principais aspectos avaliados como insatisfatórios na pesquisa foram: lotação dos

ônibus; abrigo nos pontos de ônibus; sinalização nos pontos de ônibus; segurança nos terminais;

organização das filas nos terminais; e cumprimento dos horários de viagem. Com relação as

condições de mobilidade, os itens mais criticados como insatisfatórios foram: as condições das

calçadas, a largura das ruas e a pavimentação. Na opinião dos entrevistados, para melhorar o trânsito

em Cariacica seria necessário melhorar as vias e a pavimentação, alargar as ruas e avenidas,

implantar mão única nas vias principais, implementar sinalização e fiscalização. Para melhorar o

transporte urbano, as sugestões foram aumentar a frota de ônibus e melhorar a qualidade dos

coletivos. Talvez um dos maiores desafios em relação à garantia de direitos sociais em Cariacica

resida no fato de que a carência por tais direitos não é algo de um modo geral territorializado. Com

as incursões que fizemos pelo território de Cariacica, foi nítido perceber que o abandono histórico do

poder público foi algo espraiado por todo o município. A ausência de infra-estrutura urbana, as

ocupações desordenadas, as precárias condições das moradias e da pavimentação das ruas vicinais, o

armazenamento de lixo urbano, a presença de animais soltos nas vias públicas, a falta de espaços de

lazer e convivência social, as condições de iluminação pública, a questão do esgotamento sanitário,

toda essa complexidade urbana não é algo típico de um ou outro bairro ou de uma ou outra região da

cidade. É uma realidade presente, de um modo geral, em toda a cidade. O Bairro Alice Coutinho, por

exemplo, um dos mais prejudicados em termo de infra-estrutura está bem ao lado de Cariacica Sede,

um dos bairros com melhores condições urbanísticas da cidade. Essa questão repercute inclusive na

21

violência urbana. Diferentemente de municípios como a Serra, Vila Velha e Vitória, onde é possível

identificar regiões e bairros mais violentos. Em Cariacica, guardadas as devidas proporções, a

violência é uma realidade espraiada. Há diversos bairros que concentram cada um deles cerca de 5 a

7% dos homicídios.

Pela complexidade relatada até aqui, muito embora reconhecendo os avanços registrados, é preciso

notar que a realidade da garantia dos direitos sociais em Cariacica ainda desafia seriamente o poder

público e traz para os cidadãos uma enorme sensação de pessimismo quanto à alteração do quadro.

2.3.3 – A situação das juventudes em Cariacica

Cariacica possui, segundo dados do IBGE 2010, 108 mil jovens entre 15 e 24 anos. No censo de

2000, dados indicavam que 60% da população cariaciquense possuíam até 29 anos. É uma cidade

que, muito embora esteja envelhecendo, apresenta indiscutível maioria jovem em sua pirâmide

demográfica.

Com um quantitativo dessa natureza e como aqui já registrado, seria um grande equívoco tratar a

juventude como um bloco de vontades, desejos, problemas e possibilidades comuns.

Não obstante as condições sócio-econômicas impostas à juventude de Cariacica sejam

experimentadas em diversos pontos do território municipal, o que torna a condição de ser jovem bem

menos heterogênea, conclusões generalizantes são sempre perigosas.

De qualquer forma, há informações, muito embora genéricas, as quais nos permitem iniciar algumas

reflexões a respeito do ser jovem hoje em Cariacica. A primeira questão que comparece em qualquer

estudo sobre juventude no Brasil diz respeito à violência. Definitivamente, são os jovens os sujeitos

prioritários dela. As razoes que levam a juventude a estar na maioria das cenas de violência que

assolam nossas cidades, seja no papel de autor ou de vítima, merecem uma análise profunda da

sociedade e do poder público brasileiros.

No caso cariaciquense os dados são alarmantes. Segundo dados do Ministério da Justiça, produzidos

pelo estudo denominado Mapa da Violência 2011 – Os Jovens do Brasil, Cariacica é o oitavo

município do Brasil e o segundo do Espírito Santo onde mais se mata jovens entre 15 e 24 anos. O

relatório explicita que o Estado, junto com Alagoas e Pernambuco, com suas taxas acima de 100

vítimas jovens a cada 100 mil habitantes, ostentam marcas que não têm comparação mundial e,

justamente por conta do número elevado, ultrapassam a categoria de violência epidêmica.

22

O estudo revela a extrema diferença dos homicídios entre a população não-jovem (0 a 14 anos e

acima de 25 anos) e a jovem. Se entre a população não-jovem só 1,8% dos óbitos são causados por

homicídios, entre a jovem os homicídios são responsáveis por 39,7% das mortes no País. No Espírito

Santo, mais da metade das mortes de jovens no período estudado foi provocada por homicídio.

Quando os números de homicídios são expostos à diferenciação por raça e cor da vítima, os índices

se tornam a inda mais alarmantes e revelam que a juventude negra está, de fato, sendo vítima de

extermínio. Pelos números totais registrados nos anos de 2002, 2005 e 2008, nota-se que existe um

abismo entre os homicídios registrados com vítimas negras e brancas. Em 2008, por exemplo, 498

jovens negros foram assassinados no Espírito Santo, contra 70 jovens brancos.

Outro estudo também do Ministério da Justiça, o Índice de Vulnerabilidade Juvenil - IVJ 2009,

realizado dentro do "Projeto Juventude" para a identificação do grau de exposição à violência a que

os jovens brasileiros são submetidos, referente a jovens de 12 a 29 anos, revela o grau de

vulnerabilidade dos jovens em Cariacica. O índice, medido nos 266 maiores municípios brasileiros

com mais de 100 mil habitantes, é calculado com base em estatísticas sobre homicídios e mortes por

acidentes de trânsito e também indicadores sociais, como frequência escolar e inserção no mercado

de trabalho. Em uma escala de zero a um, os municípios que estiverem mais próximos de zero têm

menor risco de violência para os jovens.

Cariacica apresenta o IVJ de 0,489, sendo considerado como “alta vulnerabilidade”. A cidade

aparece em 16º lugar na lista nacional e em 3º na lista estadual. De acordo com a pesquisa há uma

relação direta entre violência e participação no mercado de trabalho e escolaridade, uma vez que os

jovens de 18 a 24 anos que não realizam funções remuneradas e não estudam formam o grupo no

qual o índice de vulnerabilidade é mais elevado.

Percebendo o risco das generalizações, a par dos dados oficiais sobre a condição de vulnerabilidade

juvenil em Cariacica, expondo os jovens sobretudo à violência, optamos por realizar um encontro das

juventudes cariaciquenses a fim de que vozes diversificadas pudessem expor para a Agenda

Cariacica suas próprias vivências. Dessa forma, durante todo o dia 25 de junho de 2010, reunimos na

Escola de Ciências da Prefeitura, em Alto Roda D’Água, na zona rural do município, cerca de 60

lideranças dos mais variados grupos jovens, como movimento estudantil, movimento HipHop,

pastoral da juventude, juventude rural, Projovem, etc. Optamos deliberadamente pela realização no

23

meio rural a fim de garantir a participação dos jovens dessas comunidades, ao passo que também

possibilitaríamos que os jovens do meio urbano conhecessem uma outra realidade do mesmo lugar

onde vivem.

Os jovens foram divididos em quatro grandes grupos nos quais havia representantes de todos os

subgrupos aqui já citados, de modo a garantir a pluralidade nas discussões. A primeira proposição

que submetemos aos grupos foi a de que identificassem os maiores problemas vivenciados por eles

no cotidiano cariaciquense. Aqui cabe apresentar a sistematização das questões mais recorrentes

reveladas na apresentação pelos grupos:

Política de educação insuficiente. A educação não cumpre com a função social de formar

para a cidadania e também para o mercado de trabalho. Falta oferta de ensino médio e

profissionalizante. Insuficiência de oferta de educação no meio rural, além do fato de que as

poucas oportunidades que existem não estão voltadas para a fixação do jovem no campo;

Política de inserção do jovem no mercado de trabalho – dificuldade de empregabilidade para

os jovens - qualificação profissional para o jovem é insuficiente e não atende à demanda

local, assim após os cursos que são oferecidos, o jovem não consegue se inserir no mercado

de trabalho. Os programas de qualificação estão muito voltados à inclusão do jovem em

condição subalterna no mercado de trabalho – tráfico aparece como opção de inserção

econômica;

As políticas públicas para os jovens de um modo geral são insuficientes e são e elaboradas

sem participação dos jovens;

Atuação arbitrária dos agentes de segurança pública que não respeitam os jovens, mas violam

seus direitos, especialmente dos jovens negros e pobres;

Disseminação das drogas, possibilitando o uso e também o ingresso no tráfico – violência

como consequencia;

Ausência de espaços públicos de convivência social para os jovens. Não há equipamentos

públicos voltados para esporte, cultura, lazer nas 13 regiões do município. Não há cinema,

parques, teatros, etc o que contribui para a inserção na criminalidade;

24

Inacessibilidade dos jovens aos programas sociais oferecidos pela Prefeitura. Dificuldade de

acesso no que tange à própria mobilidade urbana e também quanto aos requisitos para o

ingresso nos projetos. Dessa forma, os programas acabam não chegando aos jovens que mais

precisam;

Inclusão digital – dificuldade de acesso à internet – poucos telecentros – dificuldade

acentuada na zona rural;

Êxodo rural – não há política alguma para a juventude rural, muito menos para a fixação do

jovem nessa região, dessa forma o sonho do jovem passa a viver na cidade;

Política de Saúde para os jovens – faltam vagas nas unidades de saúde – faltam médicos –

falta atenção do poder público para gravidez na adolescência e para alta taxa de alcoolismo

juvenil;

Esse diagnóstico, ainda que singelo, deve ser tratado com bastante atenção. Longe de ser um retrato

da juventude cariaciquense, é, no entanto, algo por ela produzido. Foram questões apontadas pelos

próprios sujeitos que vivem no seu dia-a-dia as alegrias e as dores de ser jovem em uma realidade

muitas vezes adversa. As dificuldades relatadas por estes jovens quanto à educação, à inserção

profissional, ao tratamento dispensado pela polícia, aos processos discriminatórios a que são

submetidos, à violência e à criminalidade, enfim, tudo isso deve por nós ser extremamente relevado.

Uma questão que se soma a esse diagnóstico advém da pesquisa de identidade aqui já referenciada.

Segundo a pesquisa, a faixa etária que menos gosta de morar de Cariacica está entre os 16 aos 34

anos. Para os entrevistados dessa faixa, o ideal seria mudar de município. Isso significa que a

juventude está insatisfeita de viver em Cariacica, e podemos aqui dizer que muito se deve a tudo o

que foi acima exposto. O mesmo estudo revela ainda um dado bastante interessante sobre a

juventude. Quando se analisa o perfil dos cidadãos cariaciquenses que participam do processo do

Orçamento Participativo – arena privilegiada para incidência sobre os rumos da cidade – apenas 13%

são jovens entre 16 a 24 anos. A pouca participação de jovens nessa esfera política, quando são eles a

maioria da população, é um sintoma do grau de afastamento que dessa população dos espaços

públicos e reflete o desinteresse em tomar parte dos rumos da cidade.

Por fim, cabe aqui refletir que o momento vivido por Cariacica é crucial em relação à juventude. A

atual geração jovem consubstancia uma verdadeira janela demográfica que em breve se fechará.

25

Estamos falando do número de jovens que nunca mais será do tamanho que é hoje, haja vista o

envelhecimento da população e a queda na taxa de natalidade, sem contarmos com o fator violência.

3 – AS RESPOSTAS DO PODER PÚBLICO

Embora fosse o ideal, dada a concepção defendida até aqui, não é possível reproduzir neste espaço as

dezenas de projetos da Prefeitura Municipal com vistas à garantia dos direitos humanos. Além disso,

é sabido que há áreas específicas da Agenda que se dedicarão a construir diagnósticos e proposições

sobre direitos específicos.

Assim sendo, nossa proposta passa a ser a identificação de projetos oriundos da Secretaria de

Cidadania e Trabalho e eventuais ações provenientes das demais Secretarias que se relacionem mais

diretamente com as principais questões apontadas pelo diagnóstico como violação aos direitos

humanos.

A maior resposta do Poder Público municipal nos últimos anos quanto à garantia dos direitos

humanos foi a criação, em abril de 2009, da Secretaria Municipal de Cidadania e Trabalho -

SEMCIT. Estruturada em seis gerências (Direitos Humanos e Segurança Pública; Juventude;

Igualdade Racial, Direitos da Mulher; Proteção e Defesa do Consumidor; Capacitação Profissional e

Geração de Emprego e Renda), a Secretaria contou com aproximadamente 1 milhão em receita

prevista na Lei Orçamentária Anual de 2010. Com pouca estrutura orçamentária, tendo que arcar

com custeio e desenvolvimento de políticas, os projetos da Secretaria têm sobrevivido por meio de

convênios com o Governo do Estado e com a União. A grande questão da captação de recursos é a

exigência da tecnocracia. Com poucos funcionários, a demanda oriunda dos convênios passa a

sobrecarregar ainda mais, haja vista que precisam atuar desde a elaboração de projetos, passando

pela execução das ações e terminando com a detalhada prestação de contas. São 74 servidores

atuando na Secretaria, sendo que a metade destes está concentrada apenas no PROCON e no SINE.

A outra metade se divide em todos os outros setores da Secretaria.

A avaliação geral da Secretaria é que efetivamente faltam condições administrativas a fim de

possibilitar a realização dos propósitos a que ela se destina, ainda que sejam considerados os fatores

como o pouco tempo de existência e a baixa capacidade geral de investimento da Prefeitura. Sem

possibilidades maiores de desenvolver políticas a serem executadas diretamente (com exceção do

26

PROCON e do SINE, cujas estruturas garantem melhores condições), a Secretaria tem se afirmado

em ações de articulação política com outros órgãos que possuam maiores possibilidades.

Não obstante as dificuldades apresentadas, a equipe de funcionários da Secretaria apresenta-se

extremamente comprometida com a garantia de direitos. Talvez aí resida um grande diferencial a ser

destacado: a capacidade de trabalho da equipe e o seu compromisso com a causa em que atuam.

3.1 – Direitos Humanos e Segurança Pública

Os dados sobre a violência em Cariacica, aqui já evidenciados, fizeram com que o Município

passasse a integrar uma das 10 regiões prioritárias do Brasil para a implementação de políticas do

Programa Nacional de Segurança com Cidadania – PRONASCI. A região escolhida em Cariacica

para ser o Território de Paz, foi a região da Grande Nova Rosa da Penha, composta pelos bairros:

Nova Rosa da Penha I e II, Vila Progresso I e II, Vila Cajueiro, Nova Esperança e Padre Matias.

Desse modo, em função dos enormes rebatimentos causados pela violência, as principais ações

desenvolvidas pela Gerência de Direitos Humanos e Segurança Pública da SEMCIT estão

concentradas muito mais na prevenção à violência do que na promoção de outras políticas

garantidoras de direitos humanos. Assim, as ações de prevenção na área da segurança pública são

advindas de convênios com o Ministério da Justiça. Destacando-se, dentre outras:

Mulheres da Paz

Programa que visa envolver mulheres das comunidades com alto índice de violência na promoção

da cultura da paz. Essas mulheres passam a assumir um importante papel ao se aproximarem dos

jovens em situação de risco infracional ou criminal e encaminhá-los aos programas sociais e

educacionais da Prefeitura. A meta é de envolver 50 mulheres, sendo que até o momento 37 estão

em atendimento.

Protejo

Programa voltado para jovens egressos do sistema sócio-educativo ou expostos a situação de

violência com o objetivo de oferecer diversas atividades culturais, esportivas e educacionais a fim de

promover a cidadania e criar ambiência protetiva para evitar o retorno ou ingresso na criminalidade.

A meta, já atingida, é capacitar 100 jovens, moradores da Grande Nova Rosa da Penha.

Pesquisa de diagnóstico e vitimização

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Através de Convênio com a Secretaria Estadual de Segurança Pública e Defesa Social – SEPS, foi

realizado um diagnóstico sobre a Vitimização na região de Grande Nova Rosa da Penha. A pesquisa

apresentou um estudo aprofundado das ocorrências de violência na região, possibilitando ao Poder

Público agir com mais eficiência na redução de índices.

Núcleo de Prevenção à Violência

Trata-se um projeto voltado à capacitação de adolescentes da rede pública de ensino, com o objetivo

de disseminar a cultura de paz, por meio de ações voltadas para a informação e formação em direitos

humanos, direitos e deveres individuais, além do desenvolvimento de um conceito de cidadania

plena. Foram capacitados 100 adolescentes da rede pública de ensino, com uma carga horária de 40

(quarenta horas).

Instalação do Gabinete de Gestão Integrada Municipal – GGIM

Colegiado ligado ao Gabinete do Prefeito e que reúne os principais agentes políticos responsáveis

pelas políticas de segurança. O GGIM funciona desde 2008 em Cariacica, tem reuniões periódicas

mensais e conta com os seguintes participantes: Gabinete do Prefeito; Secretaria Municipal de

Cidadania e Trabalho; Gerência de Direitos Humanos e Segurança Pública; Secretaria Municipal de

Governo; Defesa Civil Municipal; Secretaria Municipal de Assistência Social; Secretaria Municipal

de Educação; Secretaria Municipal de Saúde; Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico

e Turismo; Secretaria Municipal de Serviços Urbanos e Transportes; Coordenação Estadual do

PRONASCI; Polícia Federal; Polícia Rodoviária Federal; Secretaria de Estado de Segurança e

Defesa Social; Polícia Civil do Estado do Espírito Santo; Polícia Militar do Estado do Espírito Santo;

Corpo de Bombeiros Militar do Espírito Santo.

Vídeo Monitoramento

Em fase de instalação, a central de monitoramento por vídeo nas regiões com maior incidência

criminosa possibilitará mais agilidade no atendimento e na apuração das ocorrências criminosas.

Mister se faz aqui indicar que há limites na atuação da Secretaria frente à promoção dos direitos

humanos para além de políticas de prevenção à violência. Resta nítido, não por falta de vontade ou

consciência, mas sim por falta de estrutura, que a Secretaria não consegue ampliar seu raio de

atuação para além das políticas advindas do PRONASCI.

28

Nesse diapasão, inexiste qualquer política municipal garantidora de direitos humanos advindos da

livre orientação sexual. A população de lésbicas, gays, bissexuais e travestis é uma das que mais se

mostram vulneráveis a toda sorte de discriminação e violência, a começar pelo ambiente familiar.

Cada vez mais essa população se organiza e reivindica direitos que são negados por sua própria

condição. Já há no governo Federal, fruto da I Conferência LGBT, o Plano Nacional LGBT, com

uma série de ações a serem incorporadas pelos governos estaduais e municipais.

O município de Cariacica, por exemplo, que possui a peculiaridade de ser cortado por duas rodovias

interestaduais, possui ao longo dessas rodovias diversos pontos de prostituição que contam muitas

vezes com o público LGBT. Não raras são as notícias divulgadas na mídia de atos de violência

contra essas pessoas que estão duplamente violentadas. Primeiro porque são arrastadas para a

prostituição por completa falta de opção e depois porque ao serem prostituídas estão vulneráveis a

diversas outras violências.

Não há, da mesma forma, nenhuma política da Secretaria na direção da educação em Direitos

Humanos. Essa é uma das áreas mais estratégicas de qualquer órgão de direitos humanos. Isso

porque objetiva criar condições sociais que permitam a construção de novas subjetividades,

contribuindo assim para uma nova cultura de paz. É preciso pensar no papel da escola pública no

debate sobre direitos humanos, tanto para professores, quando para estudantes. Necessário discutir

direitos humanos com servidores municipais, com lideranças comunitárias, agentes políticos, etc. Há

desde 2004 o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, que ainda não foi absorvido pela

municipalidade.

Um avanço importante na área da cidadania no município foi a inauguração da Central Faça Fácil

com oferta de cerca de 400 serviços ao cidadão. Este equipamento público é um espaço privilegiado

para a garantia de direitos e a municipalidade estabelecer parceria nesse sentido. Aproveitar o

equipamento para ali também instalar o chamado Balcão de Direitos. Um projeto que visa não só

levar até a população acesso à documentação civil básica, mas também orientações sobre seus

direitos e instrumentos básicos de acesso à justiça.

Importante ainda observamos que faltam à Secretaria espaços de democratização das decisões

políticas. Espaços que possibilitariam a construção coletiva das ações, trazendo para dentro da

administração pública as demandas sociais, construindo as políticas e controlando sua execução.

29

Falamos, pois, dos Conselhos de Direitos. Embora a SEMCIT conte com diversas políticas, somente

existem os Conselho de Segurança, da Juventude(inativo) e do PROCON. Não há conselhos para a

política de direitos humanos, para a política da mulher e para a política de igualdade racial.

3.2 – Direitos da Juventude

Em 2008, o Governo Federal realizou a I Conferência Nacional da Juventude, cujo resultado foi a

edição da Política Nacional da Juventude - PNJ. A Política, que deve nortear não só ações do

Governo Central, mas, sobretudo, se capilarizar para os estados e municípios em políticas locais,

possui como principais objetivos:

I- Ampliação o acesso ao ensino e a permanência em escolas de qualidade;

II- Erradicação o analfabetismo entre os jovens;

III- Preparação dos jovens para o mundo do trabalho;

IV- Geração de trabalho e renda;

V- Promoção de uma vida saudável;

VI- Democratização do acesso ao esporte, ao lazer, à cultura e à tecnologia da informação;

VII- Promoção dos direitos humanos e as políticas afirmativas;

VIII- Estímulo à cidadania e à participação social;

IX- Promoção de qualidade de vida dos jovens no meio rural e nas comunidades tradicionais;

Os eixos destacados pela PNJ possuem profunda relação com o diagnóstico aqui apresentado a partir

do Encontro Municipal das Juventudes realizado em 2010 para fins da Agenda Cariacica. Esse

também é o diagnóstico apontado pela I Conferência Municipal da Juventude, realizada em 2008 e

que contou com a participação de cerca de 500 jovens.

Ainda que a leitura sobre os desafios à juventude seja fidedigna à realidade, as políticas

desenvolvidas pela Gerência apresentam-se aquém do desafio posto ao segundo município onde mais

jovens são assassinados no Espírito Santo, segundo o Mapa da Violência 2011. As ações da SEMCIT

para a juventude concentram-se mais diretamente no eixo do estímulo à cidadania e à participação

social, haja vista grande esforço da gerência em trabalhar com o movimento estudantil, seja na

disseminação da cultura da paz, na prevenção de DST/AIDS, mas especialmente do fomento à

30

criação de grêmios estudantis e fortalecimento de diversos grupos de jovens. Ainda neste eixo de

estímulo à participação cidadã, a Gerência realiza anualmente a Semana da Juventude, que

compreende o dia nacional da juventude e o dia municipal da juventude, com várias atrações em

todas as regiões do município.

Merecem destaque, todavia, duas outras ações que respondem demandas importantes da juventude

cariaciquense nos eixos III e IV do PNJ. Referimo-nos ao projeto “Telecentro da Juventude”, que

busca a inclusão digital dos jovens através da disponibilização de computadores com acesso à

internet para uso gratuito, que embora seja um passo importante, é absolutamente insuficiente frente

à demanda de cerca de 51% da população que não possuem computador em casa.

Por fim, um importante projeto da Gerência e que responde a uma das questões centrais apontadas

nesse diagnóstico diz respeito ao Projeto “Rede que vale”. Trata-se de uma parceria com a Fundação

Vale do Rio Doce, com o objetivo de incluir o jovem no mercado de trabalho através de cursos e

oficinas e encaminhando os mesmos para empregos. Dados da SEMCIT informam que o projeto

atendeu 2000 jovens em 2009. Soma-se a esta ação, o Projeto “Qualifique-se”, que embora não seja

específico para a juventude e não seja uma ação da gerência, visa promover a qualificação

profissional de 19 mil pessoas, muitas delas jovens, até 2012.

Importante observar que a SEMCIT coordena as ações do PRONASCI no município por meio da

Gerência de Direitos Humanos. Muitas das ações do PRONASCI, como aqui já demarcamos, são

voltadas para a juventude, mas não são executadas pelas gerências em parceria. O que chama a

atenção é a falta de integração entre duas gerências da mesma Secretaria e com ações tão sinérgicas.

É injustificável que ações para prevenção da criminalidade e letalidade juvenil sejam executadas ao

largo das ações da gerência de juventude.

Assim, percebe-se que as atividades da Gerência da Juventude estão restritas a três dos dez eixos

fundamentais da Política Nacional de Juventude, devendo estruturar-se para ampliar seu raio de ação

sob pena de não interferir na mudança do gravíssimo quadro que se encontram os jovens de

Cariacica.

3.3 – Direitos da Mulher

Segundo dados do IBGE 2000, a participação feminina na população de Cariacica chegava a

50,84%, computando, pois, expressivo quantitativo demográfico.

31

Não obstante serem maioria, as mulheres cariaciquenses não obtêm os melhores indicadores.

Pesquisa realizada pelo Instituto INDAGO (2007) sobre a situação das mulheres em Cariacica,

identificou que apenas 17% das mulheres possuíam trabalho formal, enquanto na população

masculina esse dado sobre para 34,7%. Analisadas os dados de aposentadoria, enquanto havia o

índice de 12% entre os homens, com relação às mulheres o dado é de 9%. Somados os percentuais de

mulheres desempregadas e donas de casa, o percentual chega a 42% de mulheres sem renda própria

em Caricica.

A mesma pesquisa buscou identificar quais eram os principais problemas enfrentados pelas

mulheres de Cariacica. Vale aqui transcrever os principais resultados da menção espontânea:

25,6% das mulheres apontam o acesso à saúde como o principal problema (falta de vagas,

ausência de especialistas e de medicina preventiva, etc);

18% indicaram a violência doméstica como principal questão a ser superada;

14,4% relataram o desemprego, sendo que outros 3,3% disseram a falta de cursos

profissionalizantes para as mulheres, logo temos quase 18% das mulheres relatando

dificuldades de acesso ao mercado de trabalho;

6,4% colocam a ausência de creches como o principal obstáculo;

2,9% indicam a ausência de espaços de lazer;

2,9% falam da violência urbana;

Outra pesquisa, dessa vez a pesquisa de opinião sobre identidade e expectativa do cariaciquense

(CARICICA, 2010) demonstrou um resultado particularmente preocupante. Ao ser analisado, por

gênero, o quantitativo de pessoas que manifestaram vontade de saírem de Cariacica e se

estabelecerem em outro lugar, 57% são mulheres.

Ainda sobre a realidade das mulheres cariaciquenses, a pesquisa de vitimização (UNIVERSIDADE,

2009) concluiu que enquanto os homens são vítimas prioritárias dos crimes contra o patrimônio, as

mulheres são vítimas de crimes contra a pessoa (exceto o homicídio em que o quantitativo de vítimas

masculinas é bastante superior). Assim, nos crimes como ameaça e lesão corporal, na maioria dos

casos praticadas pelo companheiro, a vitiminização feminina chega a 60%. Na tentativa de

homicídio, que muitas vezes decorre do grau da lesão corporal, a vitimização das mulheres chega a

32

impressionantes 70%. Um detalhe importante ainda sobre esse processo de violência diz respeito à

taxa de denúncias registradas. Em todos os crimes de que são vítimas, as mulheres de Cariacica, em

comparação com as dos demais municípios metropolitanos, são as que menos denunciam o agressor.

A taxa de subnotificação na tentativa de homicídio, por exemplo, que foi o crime mais grave

pesquisado, foi de absurdos 85%. Segundo as próprias entrevistadas, isso se deve à falta de

credibilidade dos órgãos de segurança pública que passam a impressão de que não adianta denunciar.

No sentido de enfrentar a desigualdade de gênero e todas as suas decorrências, o Governo Federal,

por meio da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres – SPM já editou dois planos nacionais

de políticas para as mulheres. O último plano, intitulado II PNPM foi resultado da mobilização de

quase 200 mil brasileiras que participaram, em todo o País, das Conferências Municipais e Estaduais,

e elegeram 2.700 delegadas à II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (II CNPM),

realizada em agosto de 2007.

Estruturado em 10 eixos fundamentais, o II PNPM visa enfrentar questões estruturais da

desigualdade de gênero na sociedade brasileira. Dessa forma, propõe essencialmente ações em torno

das seguintes diretrizes:

I- Autonomia econômica e inclusão social das mulheres – políticas afirmativas no mercado

de trabalho, programas profissionalizantes, disponibilização de documentação civil

básica, oferta de creches;

II- Educação inclusiva – erradicar o analfabetismo feminino, fomento ao acesso ao ensino

superior, formação para professores sobre relações de gênero, cotas para mulheres negras

III- Saúde da mulher – políticas preventivas e de acompanhamento à gravidez na

adolescência, pré-natal, diminuição da mortalidade materna e infantil, prevenção e

tratamento do câncer de mama e colo de útero, prevenção e tratamento do HIV;

IV- Violência doméstica – políticas de prevenção, sobretudo na disseminação dos direitos da

mulher e de valores que respeitem o gênero feminino e políticas de segurança, justiça e

assistência para vítimas, tais como DEAM’s, Juizados, Centros de Referência, Casas

Abrigos, etc)

V- Mulher no Poder – reforma política, cotas nos cargos de chefia no poder público,

formação política nos grupos de mulheres;

33

VI- Mulher no meio Rural – políticas de desenvolvimento sustentável com a participação das

mulheres, PRONAF-MULHER, grupos de economia solidária, educação no meio rural;

VII- Acesso à terra – questão quilombola, políticas de desenvolvimento agrário voltadas para

as mulheres;

VIII- Mídia e gênero – disseminação de valores de respeito aos direitos humanos das mulheres

na mídia e desconstrução de estereótipo;

IX- Racismo, Sexismo e Lesbofobia – desconstrução do patriarcado construído a partir da

idéia do Homem branco heterossexual como sujeito central da história;

X- Questão Geracional – políticas para as mulheres deverão considerar as particularidades

das mulheres crianças, adolescentes, jovens e idosas;

Pensando sobre a realidade local de Cariacica, a Prefeitura Municipal avançou quando transformou a

Assessoria Especial dos Direitos da Mulher em Gerência na estrutura da Secretaria Municipal de

Cidadania e Trabalho.

Ainda assim, pelas dificuldades aqui já registradas quanto à estrutura administrativa da SEMCIT, a

gerência avançou pouco em relação ao desenvolvimento de políticas de promoção da igualdade de

gênero já esboçadas pela Assessoria Especial.

Dentre as principais ações executadas, incluindo as capitaneadas pela então Assessoria Especial,

podemos destacar a realização da pesquisa em 2007 sobre a situação das mulheres cariaciquenses, que

subsidiou a I Conferência Municipal dos Direitos da Mulher no mesmo ano. A Conferência, por sua

vez, permitiu ao município elaborar o Plano Municipal de Políticas para as Mulheres de Cariacica, que

ainda pende de implentação, assim como o próprio Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, que

não obstante já estar criado por lei, está inativo.

Analisando as ações da Gerência (essencialmente atividades de formação) e o próprio diagnóstico que

a municipalidade possui sobre a realidade da mulher, percebemos que ainda há um longo caminho a ser

trilhado na implementação de políticas efetivas de garantia dos direitos da mulher.

3.4 – Igualdade Racial

A realização dos direitos humanos no Brasil em qualquer de suas dimensões deve necessariamente

passar pela discussão sobre a questão racial. Como frutos do colonialismo e da escravidão, abolida

34

no Brasil há pouco mais de 100 anos, o racismo e a discriminação racial continuam hoje a constituir

uma dura barreira para que a população de origem afro possa acessar direitos.

Com uma cultura política gestada no modelo de sociedade escravocrata por mais de 350 anos, tendo

para tanto “importado” mais de 5 milhões de negros da África, as relações sociais no Brasil se

formaram tendo nos negros uma categoria sub-humana, daí o fato de toda e qualquer violação aos

direitos humanos no Brasil ser sempre agravada pela questão racial.

Uma cultura de segregação aliada à omissão do Estado no pós-abolição gerou a realidade de que as

vulnerabilidades econômica, política e social da população negra são incontestavelmente maiores do

que as da população branca. A discriminação, as condições materiais desiguais, a desqualificação

moral, o acesso diferenciado a bens e serviços e tantas outras causas resultaram no aprisionamento

do negro nos patamares mais baixos da pirâmide social brasileira, além de gerar uma segregação

territorial. A percentagem de analfabetos (duas vezes maior entre os negros), de vítimas da

mortalidade infantil, de desempregados, de vítimas de homicídio, de condenados a penas de prisão,

de adolescentes recolhidos nas Unidades de Internação, é sempre maior dentre a população negra se

comparada à população branca. Dados do IPEA indicam que enquanto o índice de pobreza entre os

brancos é na ordem de 22%, dentre os negros a taxa sobe para 47%.De cada dez brasileiros pobres,

seis são negros. A mortalidade infantil é 60% superior entre as crianças negras. Se acrescentarmos à

discriminação da cor, a de gênero, veremos que a mulher negra sintetiza as múltiplas injustiças de

nossa sociedade. Uma negra, pobre, nordestina, moradora da área rural ganha, hoje, em média, um

terço do que ganha um cidadão branco. Além disso, as cidades brasileiras expressam territorialmente

essa segregação. Enquanto os bairros nobres, servidos pelos melhores equipamentos públicos, são

ocupados majoritariamente por brancos, bairros da periferia, excluídos dos serviços públicos, são os

espaços de maior concentração da população negra.

Tanto para os movimentos negros, quanto para a própria Organização das Nações Unidas, está mais

do que comprovado que a marginalidade a que a população negra está secularmente submetida no

Brasil só será rompida com uma atuação forte do Estado através de políticas afirmativas.

Dessa forma, o Governo Federal criou em 2003 a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade

Racial – SEPPIR com o intuito de construir políticas e coordenar ações governamentais com vistas a

enfrentar o passivo histórico do Brasil com sua população negra. Desde 2003 até hoje, foram

35

realizadas duas conferências nacionais da igualdade racial, conquistou-se a Lei 10.639/2009 sobre o

ensino da africanidade nas escolas brasileiras, instituíram inúmeras políticas de cotas raciais,

elaborou-se o Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial - PLANAPIR, bem como o seu

Comitê de Articulação e Monitoramento em 2009 e recentemente editada a mais importante

conquista do povo negro em termos de direitos, qual seja, a Lei 12.288/2010, conhecida como

Estatuto da Igualdade Racial.

Tanto o PLANAPIR, quanto o próprio Estatuto da Igualdade Racial são instrumentos a fim de

garantir a participação da população negra, em condição de igualdade de oportunidade, na vida

econômica, social, política e cultural do País. É consenso entre ambos os documentos citados de que

essa igualdade de oportunidades independente da questão racial deverá ser promovida,

prioritariamente, por meio de programas de ação afirmativa destinadas a reparar as distorções e

desigualdades sociais e demais práticas discriminatórias adotadas, nas esferas pública e privada,

durante o processo de formação social do Brasil.

As políticas afirmativas de promoção da igualdade racial consolidadas no PLANAPIR e no Estatuto

giram essencialmente em torno de seis eixos principais. São eles:

I- Trabalho e desenvolvimento econômico (equidade nas relações de trabalho, combate ao

racismo institucional, capacitação de gestores públicos sobre a questão étnicorracial,

qualificação profissional para população negra, acesso a crédito para pequena produção);

II- Promoção da Saúde (combate à discriminação no SUS, desenvolvimento de políticas de

atendimento a doenças que mais atingem essa população, diminuição da mortalidade de

mulheres negras, prevenção e tratamento da doença falciforme e outras

hemoglobinopatias)

III- Educação (estímulo à permanência de negros no sistema educacional, reserva de vagas

para negros e indígenas em universidades públicas, analfabetismo)

IV- Diversidade cultural (manifestações afrobrasileiras, tolerância religiosa, valorização da

cultura afro, comunidades de terreiro)

V- Segurança e Justiça (proteção aos jovens contra a violência, racismo no sistema policial e

judicial, combater abusos contra os direitos humanos dos negros)

36

VI- Acesso à Terra (políticas para as comunidades remanescentes de quilombos)

Mesmo considerando os instrumentos, planos e normativas na esfera federal, as ações desenvolvidas

pela SEMCIT quanto à promoção da igualdade racial podem ser consideradas ações de articulação e

de valorização da cultura afro. Não foi identificado nenhum programa de governo com ações

garantidoras de direitos seguindo os eixos propostos pelo PLANAPIR ou pelo Estatuto. O que se

identifica na Gerência de Igualdade Racial são ações isoladas com vistas a difundir no município o

debate a respeito da questão racial. Dessa forma, de 2006 a 2009, a municipalidade se deteve em

realizar eventos para a discussão da igualdade racial, destacando-se a Conferência Metropolitana de

Promoção da Igualdade Racial, o Seminário da Anemia Falciforme, o concurso com a temática de

igualdade racial nas escolas da rede pública municipal, apresentação da peça de teatro “Os

excluídos”, seguida de debate sobre a questão étnico-racial para 18.000 alunos, palestras de

conscientização quanto à causa da igualdade racial em escolas municipais de Cariacica e Santa

Leopoldina, a corrida da Igualdade Racial de Cariacica e um curso de Modelo e Manequim Afro

buscando elevar a auto-estima e afirmar a identidade negra dos jovens afro descendentes do

município.

Vê-se, pois, que as ações de igualdade racial do município são extremante tímidas ante à dimensão e

complexidade das questões advindas do racismo, cingindo-se, por questões também estruturais e não

por falta de empenho da equipe, a atuarem no plano da construção de uma cultura de valorização do

povo negro. Não se está aqui a desmerecer tal dimensão, mas sim a apontar que ela não é suficiente

para enfrentar o analfabetismo, o desemprego, a mortalidade, o adoecimento, enfim, todas essas

mazelas que acometem de forma drasticamente diferente brancos e negros.

4 – OS PONTOS FORTES E OPORTUNIDADES

A par do diagnóstico traçado, torna-se possível elencar alguns quesitos que geram inúmeras

oportunidades à municipalidade no que diz respeito à garantia dos direitos humanos do povo

cariaciquense.

ESTABILIDADE POLÍTICA E RESGATE DA MORALIDADE PÚBLICA – Depois de

décadas de desmando na administração pública municipal, tendo quase duas dezenas de

prefeitos no período de 20 anos, com ações ligadas ao crime organizado e à corrupção, a atual

37

administração consegue restabelecer a estabilidade política das instituições públicas, resgatar

a credibilidade da Prefeitura junto aos demais poderes e especialmente junto à população;

DINAMIZAÇÃO DA ECONOMIA, AUMENTO DA OFERTA DE EMPREGOS E

AUMENTO DA ARRECADAÇÃO MUNICIPAL – A partir de uma série de medidas

tomadas nos últimos anos, especialmente o apoio à micro e pequenas empresas, a Prefeitura

conseguiu resultados bastante consideráveis em termos de crescimento econômico, o que

possibilitou ampliação da oferta de trabalho, aumento na arrecadação municipal e por

conseqüência no capacidade de investimentos da Prefeitura;

RESGATE DA AUTO-ESTIMA DA POPULAÇÃO – A partir das questões acima

apresentadas, é perceptível a mudança que está em curso no que tange a imagem que o povo

de Cariacica tem de si mesmo e da sua cidade. A pesquisa de Identidade (CARIACICA,

2010) revelou que 78% dos entrevistados gostavam de morar em Cariacica. Esse dado

permite ambiência social favorável às transformações que ainda precisam ocorrer na cidade

nos próximos anos.

AMPLIAÇÃO DE INSTRUMENTOS DE GESTÃO PARTICIPATIVA – Muito embora

o preceito da democratização dos espaços públicos seja uma conquista da Constituição de

1988, pelo histórico de Caricica até 2005 existiam apenas 15 Conselhos. De 2005 até 2010

foram criados mais 14, totalizando hoje 29 Conselhos. A consolidação do Orçamento

Participativo é uma grande possibilidade de construção coletiva dos rumos que a cidade irá

tomar nos próximos anos;

INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS COMO POLÍTICA

PÚBLICA – Dos 78 municípios do Espírito Santo, somente Serra e Vitória possuíam até

2009 estruturas administrativas específicas para a causa dos Direitos Humanos. Com a

institucionalização desse tema e a criação da SEMCIT em 2009, Cariacica reconhece a

centralidade da implementação de políticas na direção de concretizar direitos. A Prefeitura

também reconhece a existência de grupos populacionais que requerem ações específicas por

parte do poder público a fim de promover a cidadania, é o caso da população negra, dos

jovens, das mulheres e tantos outros. A criação, portanto, da Secretaria é por si só um fato

gerador de inúmeras oportunidades para o Poder Público na área dos Direitos Humanos;

38

COMPROMETIMENTO DA EQUIPE DE GOVERNO COM O PROCESSO DE

TRANSFORMAÇÃO DE CARICICA – Muitas questões positivas nos chamaram a

atenção no decorrer do processo de levantamento de dados e informações para o presente

diagnóstico. Todavia, nenhum elemento concreto advindo de pesquisas, documentos e

relatórios, etc... foi mais significativo do que um elemento subjetivo: o entusiasmo de grande

parte da equipe de governo, sobretudo, os técnicos das respectivas áreas, em relação ao

desenvolvimento de ações cujo caráter é de puro pioneirismo. A percepção é a de que estes

servidores sentem-se parte fundamental da construção de um novo futuro para o povo de

Cariacica. Esse, sem dúvida, é um ponto forte que gera muitas possibilidades;

5 – OS PONTOS FRACOS E AS AMEAÇAS

A partir de tudo o que foi levantado e analisado até aqui, é possível identificar as principais

fragilidades apresentadas pela contemporaneidade cariaciquense, as quais se não receberem a devida

atenção tanto por parte do Poder Público, quanto também da própria população, confirmam-se como

ameaças a ponto de comprometer a sustentabilidade da cidade.

Assim, identificamos como principais ameaças as seguintes questões:

AUMENTO DA VIOLÊNCIA E DESAGREGAÇÃO SOCIAL – Inquestionavelmente, a

maior ameaça ao futuro de Cariacica diz respeito ao aumento da violência, especialmente a

taxa de homicídios. A escalada da violência em Cariacica tem gerado conseqüências bastante

sérias para o futuro da cidade. A violência não só elimina as vidas que diretamente ceifa – o

que por si só já é a sua conseqüência mais gravosa –, mas também destrói as famílias

vitimizadas, imobiliza o agir político social da comunidade atingida, gera custos altíssimos

para a saúde pública, afasta investimentos para a cidade, etc. No caso de Cariacica, é preciso

ainda dizer que a vítima preferencial tem sido a juventude. Como já foi dito aqui, nesse

momento histórico vive-se uma janela demográfica para os jovens que muito em breve se

fechará, dada a queda na taxa de natalidade e o número de adolescentes mortos. Nunca mais

haverá tantos jovens. Isso significa que se o extermínio da juventude não for interrompido, é

o próprio futuro que se ameaça. Além disso, é preciso atentar para a própria coesão social.

Nenhuma sociedade resiste a taxas tão elevadas de violência sem que perca suas

características fundamentais. No atual estágio do capitalismo, quando se exige do Estado a

39

mínima intervenção na garantia da proteção social do sujeito, ao passo que a violência

aumenta em escala mundial, a coesão social encontra-se em séria ameaça. Agrava a situação

o fato, no dizer de Loïc Wacquant(2001) que ao responder aos ditames do Capitalismo o

Estado se retira da proteção social, no entanto, para impedir a completa desagregação social,

passa a intervir cada vez mais na repressão, remediando com “mais estado” policial e

penitenciário o “menos estado” social, que é a própria causa da escalada generalizada da

insegurança objetiva e subjetiva. Nesse sentido, se o Poder Público não for capaz de atuar, no

dizer de Wacquant(2001), na perspectiva de garantir a segurança social dos cidadãos através

de políticas sociais universalizantes ou passar a atuar apenas no setor da repressão e da

punição, a coesão social estará em risco e com ela toda a legitimação do Poder Público, suas

respectivas políticas e todas as dimensões dos direitos humanos;

MODELO DE DESENVOLVIMENTO E DISTRIBUIÇÃO DE RIQUEZA - As ações

prioritárias do governo têm sido na direção de garantir infra-estrutura na perspectiva de, não

só dar melhores condições de vida para os cidadão cariaciquenses, mas também possibilitar

atração de investimentos produtivos. Essa estratégia tem gerado mais oportunidades de

emprego e aumento do produto interno. Todavia, é percepção geral dos cidadãos de que esse

início de desenvolvimento econômico não chegou para a maioria da população. Da mesma

forma, a pesquisa de identidade (CARIACICA, 2010) indica que a grande maioria da

população não se mostra otimista com a distribuição dessa riqueza a longo prazo. No

ensinamento de Celso Furtado(1974), a idéia de que o desenvolvimento econômico por si só

gera automaticamente desenvolvimento social não passa de um mito. Segundo o autor, a

própria transformação das cidades nas grandes metrópoles modernas, com seu ar irrespirável,

crescente criminalidade, deterioração dos serviços públicos, comprovaram que a relação entre

desenvolvimento e qualidade de vida não é linear. Logo, se a Municipalidade não for capaz

de atuar como mediadora na distribuição de riquezas socialmente produzidas, a situação das

violações aos direitos humanos no município tende a se agravar;

VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS SISTEMA PRISIONAL E

SOCIOEDUCATIVO – Cariacica abriga diversas instituições prisionais e de internação de

adolescentes em conflito com a lei. Muito embora a responsabilidade direta sobre essas

instituições seja do Governo do Estado, as graves violações aos direitos humanos que são

40

perpetradas repercutem para o município, seja diretamente quanto à rebeliões, mortes, fugas,

sejam indiretamente quanto à imagem que se constrói do município;

DESENVOLVIMENTO URBANO E ACESSO AO TERRITÓRIO – Há uma forte

representação social sobre Cariacica que a enxerga não como uma cidade, mas como um

conjunto isolado de bairros. Essa percepção é corroborada por 40% da população, conforme

pesquisa da Prefeitura (CARIACICA, 2010). A questão da segregação territorial, do

isolamento de diversos bairros entrecortados por grandes áreas rurais, a mercantilização do

território por meio de loteamentos ilegais (a grande maioria dos bairros são loteamentos

ilegais), a não regularização fundiária e a onda de privatização do território por meio dos

condomínios fechados são ameaças ainda mais fortes para a afirmação do direito do

cariaciquense a uma cidade sustentável;

QUESTÃO RURAL – Ainda que apenas 4% da população de Cariacica vivam na zona rural

do município, há questões como, principalmente o acesso à educação e à saúde, e políticas

para a juventude rural, que ameaçam diretamente a permanência dessas pessoas em suas

comunidades de origem, empurrando-as para a zona urbana em uma qualidade de vida muito

inferior;

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA SECRETARIA DE CIDADANIA E

TRABALHO – Uma grande ameaça à efetiva implementação e consolidação das ações de

garantia de direitos da SEMCIT, e que também contribuem para a fragilidade e pontualidade

das ações das gerências, diz respeito à insuficiente estrutura administrativa da Secretaria.

Com poucos funcionários, com orçamento reduzido, com a necessidade de sobreviver

basicamente por meio de convênios, a SEMCIT não consegue responder às diretrizes

nacionais das políticas sob sua responsabilidade. Importante ainda observar que, em parte

também por falta de estrutura, há de um modo geral, um desconhecimento da população das

ações e dos serviços oferecidos pela SEMCIT, especialmente, grupos que mais precisam

dessas políticas, o que gera um sério risco à legitimação das ações a serem desenvolvidas;

CONSOLIDAÇÃO DE INSTRUMENTOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR – Ponto

fraco que ameaça a continuidade e efetividade do processo de transformação que atravessa o

município diz respeito à pouca participação popular em instrumentos de gestão democrática.

41

A pesquisa de opinião (CARIACICA, 2010) indicou que apenas 20% dos entrevistados já

haviam participado das assembléias do Orçamento Participativo, uma instância fundamental

de interferência nos rumos da cidade. Da mesma forma, há conselhos, como o dos direitos da

mulher e o da juventude, que foram criados por lei, mas não funcionam e alguns outros que

ainda não existem como o de Direitos Humanos e o da promoção da igualdade racial;

6 - OS CENÁRIOS

A percepção geral é a de que o município vem passando por um processo de transição entre o

passado de completo abandono da população pelo poder público e o presente de tomada de

responsabilidade da municipalidade pelo enfrentamento das questões cruciais para a cidade. Este

processo, como qualquer outro nos marcos do capitalismo, é marcado por um paradoxo no qual se

verifica uma decisiva postura da Prefeitura em incentivar o dinamismo econômico, com repercussões

no crescimento econômico, no aumento da arrecadação, na capacidade de investimento, na abertura

de novos postos de trabalho, na melhoria de indicadores sociais, etc. Em todo caso, pelo enorme

passivo histórico no que tange à garantia de direitos, esse mesmo processo ainda não é vivenciado

pelo conjunto da população. É preciso apontar que no momento atual há percepções diferenciadas

sobre as oportunidades geradas pelo crescimento econômico de Cariacica. Na pesquisa sobre

identidade de Cariacica(2010) , é possível perceber que 40% dos entrevistados ainda possuem algum

grau de percepção negativa sobre a cidade. Muitos acreditam que a cidade se desenvolverá, mas não

crêem que esse desenvolvimento os beneficiará. Tanto assim que a pesquisa indica que, pensando

sobre Cariacica em 2020, a população se revela muito mais otimista no campo econômico do que

social. Transformar, pois, os resultados desse aquecimento econômico em garantia de direitos para o

todo da população, sem reproduzir a lógica excludente e seletiva do sistema capitalista, talvez seja o

maior desafio de Cariacica para os próximos anos. Dessa forma, o exercício que passamos a fazer

agora é pensar sobre o desenrolar desse processo de transição por qual atravessa o município. Os

cenários que desenharemos dialogam com as possibilidades dadas a partir das contradições postas na

própria realidade.

6.1 – O cenário indesejado

CARIACICA 2030 – A estabilidade política e institucional vivida na primeira década do século é

algo do passado e a corrupção, a serviço do crime organizado, novamente chega ao controle das

42

instituições públicas. Houve descontinuidade das ações de planejadas a longo prazo, serviços

públicos foram desativados e políticas interrompidas. Os investimentos no setor produtivo

diminuíram consideravelmente, diminuindo a arrecadação municipal, aumentando o desemprego e

gerando uma profunda estagnação econômica e, via de conseqüência, a pauperização da população.

As verbas estaduais e federais, por meio de convênio, deixaram de serem repassadas dada a condição

de inadimplência da Prefeitura. A violência urbana atingiu níveis ainda mais elevados, colocando

Cariacica com a maior taxa de homicídio por 100 mil habitantes do Brasil. O número de jovens da

cidade diminuiu consideravelmente, assim como número geral da população que passou a migrar

para outras áreas da região metropolitana com mais possibilidades de emprego e renda. O tráfico de

drogas tomou posse de regiões inteiras da cidade, onde o poder público não mais podia levar serviços

e desenvolver programas. Nestas regiões, há generalizada precariedade dos serviços mais básicos

para população, como saneamento básico, pavimentação, iluminação pública. Para ter acesso a bens

e serviços a população precisa pagar uma taxa aos traficantes, que se aliaram a policiais constituindo

milícias urbanas. A população com medo não participa de associações de moradores, partidos,

sindicatos ou outros movimentos sociais. Não há espaços de democratização da gestão pública e a

Secretaria de Cidadania foi extinta há alguns anos. Diversos novos presídios e unidades de

internação foram instalados no município, que se consolidou como sendo a periferia pobre da capital

onde são instalados os programas mais impopulares do governo estadual. A população não gosta da

cidade, tem vergonha de dizer onde reside e permanece apenas por extrema falta de opção para onde

ir.

6.2 – O cenário desejado

CARIACICA 2030 – A cidade vivencia há décadas uma estabilidade econômica e institucional que

permite a execução de ações planejadas a longo prazo, independente de mudanças governamentais.

A cidade se firmou no cenário nacional como a “capital das micro e pequenas empresas”, sendo

referência na ação do poder público em criar condições para o desenvolvimento econômico a partir

de pequenos negócios. Há anos a receita do município cresce acima da média estadual, assim como a

capacidade de investimento. A execução do orçamento público foi sendo ao longo das duas décadas

distribuídos entre infra-estrutura e políticas sociais, de modo que o conjunto da população pode

sentir o progresso da cidade em termos de qualidade de vida. Bairros antes considerado violentos

receberam forte presença do poder público com oferta de serviços e instalação de diversos

43

equipamentos públicos, especialmente voltados para a juventude. Em 10 anos, a cidade conseguiu

reduzir em mais de 50% o índice de homicídios por 100 mil habitantes, não constando mais entre as

100 cidades mais violentas do país. Há forte participação popular nas instâncias governamentais,

especialmente por meio dos conselhos de direito e das assembléias regionais da prefeitura. A cidade

construiu o seu Plano Municipal de Direitos Humanos e o elegeu como eixo prioritário de governo,

envolvendo todos os órgãos da administração municipal, bem como a sociedade civil com sua

execução. A cidade conseguiu implementar um modelo de desenvolvimento sustentável que teve

como pressuposto a cidade como direito e não como privilégio de poucos. Nesse quadro, a Secretaria

de Cidadania passou a ter papel central na articulação das políticas transversais, encaradas como

direito da cidadania.

44

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