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SEGURANÇA PÚBLICA E CIDADANIA

DIAGNÓSTICO E CONSTRUÇÃO DE CENÁRIOS

CONSULTOR:

Pedro José Bussinger

Vanda de Aguiar Valadão

EQUIPE DE APOIO:

Pablo Lyra

CARIACICA

2012

2

Lista de Gráficos

Gráfico 1 - Tipos de ocorrências registradas pela Delegacia da Mulher – Cariacica 2009............ 56

Gráfico 2 - Sazonalidade das ocorrências registradas pela Delegacia da Mulher – Cariacica

2009.................................................................................................................................................

57

Gráfico 3 - Faixas etárias das vítimas de ocorrências registradas pela Delegacia da Mulher –

Cariacica 2009................................................................................................................................

58

Gráfico 4 - Raça/cor das vítimas de ocorrências registradas pela Delegacia da Mulher –

Cariacica 2009................................................................................................................................

58

Gráfico 5 - Faixas etárias dos agressores responsáveis pelas ocorrências registradas pela

Delegacia da Mulher – Cariacica 2009...........................................................................................

59

Gráfico 6 - Raça/cor dos agressores responsáveis pelas ocorrências registradas pela Delegacia

da Mulher – Cariacica 2009............................................................................................................

60

Lista de Tabelas

Tabela 1 – Área e população da RMGV em relação ao Estado do Espírito Santo......................... 9

Tabela 2 – PIB municipal per capita – 2000/2009 - (R$ 1, OO).................................................... 10

Lista de Figuras

Figura 01 - Mapa Político-Administrativo, RMGV e aglomeração da Grande Vitória 2006......... 14

Figura 02 - Mapa Político-Administrativo, Cariacica 2010............................................................ 15

Figura 03 - Mapa Político-Administrativo, Cariacica (porção norte) 2010.................................... 16

Figura 04 - Mapa Político-Administrativo, Cariacica (porção sul) 2010 considerações

metodológicas................................................................................................................................

17

Figura 05 - Adaptação dos setores censitários, bairro São Francisco 2000.................................... 23

Figura 06 - Adaptação dos setores censitários, bairro Alto Lage 2000.......................................... 24

Figura 07 - Evolução das taxas de homicídios, Espírito Santo 1980-2007.................................... 25

Figura 08 - Evolução das taxas de homicídios, Cariacica 1980-2007............................................ 27

Figura 09 - Mapa de concentração dos homicídios, Cariacica 2009.............................................. 29

Figura 10 - Mapa de concentração dos CLCP, Cariacica 2009...................................................... 31

Figura 11 - Mapa de concentração dos CTDI, Cariacica 2009....................................................... 35

Figura 12 - mapa de concentração dos CPUDI, Cariacica 2009..................................................... 38

Figura 13 - Mapa de concentração dos CAF, Cariacica 2009........................................................ 40

Figura 14 - Mapa de concentração dos CNLCP, Cariacica 2009................................................... 42

Figura 15 - mapa de concentração dos CNLCP, Cariacica 2009.................................................... 44

3

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 4

2. NOTA INICIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SEGURANÇA PÚBLICA............................ 5

3. CARIACICA NO CONTEXTO DA REGIÃO METROPOLITANA............................. 8

3.1 Impactos sociais do desenvolvimento econômico na RMGV................................................ 8

3.2 Cariacica no contexto da RMGV............................................................................................ 10

4. DIAGNÓSTICOGEOESTATÍSTICO.............................................................................. 13

4.1 Organização dos dados........................................................................................................... 19

4.2 Análise dos homicídios........................................................................................................... 24

4.3 Crimes letais contra a pessoa – CLCP.................................................................................... 30

4.4 Crimes de tráfico de drogas ilícitas – CTDI........................................................................... 32

4.5 Crimes de posse e uso de drogas ilícitas – CPUDI................................................................. 36

4.6 Crimes de armas de fogo –

CAF............................................................................................. 39

4.7 Crimes não letais contra a pessoa – CNLCP.......................................................................... 41

4.8 Crimes contra o patrimônio.................................................................................................... 43

4.9 Considerações preliminares.................................................................................................... 45

5. CARACTERIZAÇÃO DOS EQUIPAMENTOS PÚBLICOS NO MUNICÍPIO SOB

GESTÃO DO GOVERNO ESTADUAL............................................................................ 46

5.1 O sistema de atendimento a população sob custódia.............................................................. 46

5.1.1 Caracterização do sistema prisional....................................................................................... 46

5.1.2 Caracterização das unidades socioeducativas......................................................................... 47

6. JUVENTUDE E SEGURANÇA PÚBLICA....................................................................... 51

7. MULHERES E SEGURANÇA PÚBLICA: ENTRE A VIOLÊNCIA E A LUTA

PELA CIDADANIA............................................................................................................. 54

7.1 Registros de violência contra a mulher................................................................................... 56

4

1. INTRODUÇÃO

Este documento integra o conjunto de estudos correspondentes a área de desenvolvimento humano e

social do Projeto Cariacica 21. Tem como foco especifico as condições atuais e as possibilidades

futuras do município em relação a segurança pública e a cidadania.

A primeira parte do documento apresenta, uma nota inicial sobre violência e segurança pública cujo

intuito é destacar a importância da apreensão do fenômeno da violência numa perspectiva histórico-

social bem como das formas de sua contenção em termos mais amplos. Em seguida, a partir de

referências a mudança decorrente da reordenação econômica no Espírito Santo apresenta-se a

posição relativa de Cariacica no contexto da Região metropolitana.

A segunda parte trata de apresentar o diagnóstico geoestatístico. Realizado por Pablo Lira, por

solicitação do coordenador da temática, esse diagnóstico apresenta dados colhidos junto ao CIODES

sobre a incidência da violência criminal em Cariacica e tem por objetivo identificar áreas/bairros que

hoje encontram-se mais vulneráveis a determinados tipos de crime.

Em seguida faz-se a caracterização dos serviços públicos instalados no município cuja gestão é de

responsabilidade do poder público estadual, evidenciando as condições de funcionamento dos

mesmos. A terceira seção destaca alguns fatores de vulnerabilidade à violência que acomete alguns

segmentos populacionais, destacadamente, as mulheres e os jovens na faixa etária de 15 a 29 anos.

Por fim são destacados alguns dos desafios políticos para o município no que tange a sua

responsabilidade com a gestão da segurança pública municipal e com o aprofundamento da política

de inclusão à cidadania com a efetiva participação da população.

5

2. NOTA INICIAL SOBRE VIOLÊNCIA E SEGURANÇA PÚBLICA

O fenômeno da violência nos desafia no desenvolvimento de estudos e pesquisas, visto que se trata

de um campo que atravessa todas as classes sociais na atualidade manifestando-se em aspectos

distintos.

Nos primeiros estudos produzidos sobre o tema o conceito de ‘vulnerabilidade social’ era aplicado na

maior parte das explicações ao fenômeno, todavia temos observado que hoje não tem sido eficaz para

proporcionar elucidações sobre o debate. Ao final da década de 80, muitos estudos no campo das

ciências sociais aplicadas envolveram as categorizações de “risco social”, “vulnerabilidade” ou

mesmo “pobreza” para fomentar as discussões sobre o tema.

Contudo, a violência em si é uma noção referente aos processos e às relações sociais interpessoais,

de grupos, de classes, de gênero, ou objetivadas em instituições, quando empregam diferentes

formas, métodos e meios de aniquilamento de outrem, ou de sua coação direta ou indireta, causando-

lhes danos físicos, mentais e morais (Minayo, 2006). Neste sentido, entende-se por violência uma

situação em que um ou vários indivíduos agem de maneira direta ou indireta, causando danos a uma

ou várias pessoas em níveis variados, seja em sua integridade física, moral, em suas posses, ou em

suas participações simbólicas e culturais (Michaud, 1989).

Nesse sentido, podemos afirmar que, as categorizações acima referidas estão longe de caracterizar

uma “externalidade”, a qual se tem optado por chamar de “causas externas”, sobretudo nas

estatísticas para a saúde pública. Ocorre que ao final da década de 90, quando o número de mortes

violentas aumenta assustadoramente, o debate sobre o fenômeno da violência levou a um

questionamento e a um embate político, com atuação marcante de movimentos sociais marcadamente

vinculados aos conselhos de saúde. Estava em disputa a proposição de que a violência não poderia

ser tratada como externalidade, ignorando-se os fatores sócio-políticos e ambientais que contribuem

para a sua produção. (Francis, 2011)

Como um fator que participa cotidianamente da trama das relações sociais no Brasil, a violência,

portanto, tem raízes na estrutura da sociedade e se expande ou retrai em sintonia com as condições

daquela. Não é descabido propor à reflexão que a nossa sociedade ainda não deteve a sua histórica

disposição de tomar como verdadeira uma noção estigmatizada a respeito dos moradores das

periferias urbanas, notadamente os jovens, e, associada a ela, a de fazer a representação do perigo

6

utilizando a imagem do pobre, de grupos particulares desfavorecidos socialmente, cristalizando neles

a fonte do medo, da insegurança, de tudo o que a sociedade traz de ameaça.

Para Wieviorka, muitos outros elementos fazem com que a violência seja um fenômeno que as

abordagens clássicas não explicam bem. É assim quando ocorrem a crueldade, a violência gratuita, a

violência pela violência. Quando o ator não apenas destrói o outro, mas também se autodestrói. Ou

ainda quando ele parece não conferir nenhum sentido a sua ação, apresentando-se como irresponsável,

tendo agido apenas por obediência a uma autoridade “legítima”. Nesse sentido, não podemos mais

abordar a questão da violência hoje como o teríamos feito há apenas vinte ou trinta anos. O mundo

transformou-se consideravelmente.

Este mesmo autor, Michel Wieviorka (1997), apresenta uma formulação inovadora ao considerar que

as mudanças econômicas, políticas e sociais que ocorreram a partir dos anos de 1960 terminaram por

desenhar um novo “paradigma da violência”.

Segundo ele as alterações nas práticas penais e nas políticas de segurança poderiam ser consideradas

resultado do crescimento do medo e da insegurança diante da emergência de novas formas de

violência. Na literatura sociológica sobre a violência tem se enraizado uma postura teórica que

reivindica formulações pautadas por uma análise mais dialética, capaz de articular, de um lado, a

ampla mobilidade do capital e dos capitalistas, a volatilidade dos investimentos, o deslocamento de

capitais financeiros e mesmo de bases industriais e, de outro lado, o crescente número de párias

gerados por essa economia e pela desmobilização do Estado de Bem-Estar.

Em termos contemporâneos, observa-se, cada vez mais, a ausência de uma relação estável dos

indivíduos com o trabalho, entendendo trabalho não meramente enquanto uma relação técnica de

produção, mas como um suporte privilegiado de inscrição do sujeito na sociedade política, ou seja

como “o ponto de partida da humanização do homem, do refinamento de suas faculdades, processo

do qual não se deve esquecer o domínio sobre si mesmo. (Lukács, 1979 apud, Barroco, 2008, p.21).

Para Castel (1998:24) há uma “forte correlação entre o lugar ocupado na divisão social do trabalho e

a participação dos indivíduos em redes de sociabilidade e nos sistemas de proteção que ‘cobrem’ um

indivíduo diante dos acasos da existência”. Porém, pergunta: o que é ser protegido nos dias de hoje?

– afinal, o sentimento de insegurança traz efeitos sociais e políticos tais que faz de fato parte de

nossa realidade e estrutura, de nossa experiência pessoal.

7

A segurança é a condição primordial e absolutamente necessária para que indivíduos possam “fazer

sociedade” (Castel, 2005:15). Compreendendo tal assertiva no sentido de que o oposto da segurança

é a insegurança, ou seja, é a ausência de proteções capazes de viabilizar o indivíduo como ser

humano e de fazê-lo reconhecer-se como sujeito histórico. A insegurança produz também a ausência

de cidadania, ou seja, de cidadãos ativos e capazes de produzir interações sociais satisfatórias e que

resultem em favor da promoção do bem comum.

Porém é justo perguntar: como explicar as violências que campeiam em nossa sociedade e os novos

contornos assumidos pela criminalidade e, mais, como fazer a contenção destas práticas?

O sentimento de insegurança gerado em contextos sociais em que os mecanismos de controle da

violência e da criminalidade parecem falhos ou em desvantagem tende a autorizar qualquer conduta,

principalmente do Estado e de seus órgãos do sistema policial e de justiça criminal, em nome do a

garantia da segurança. Nesses contextos, salta à vista as aspirações que se estruturam em torno da

idéia de “controle absoluto”, ou seja, de que a segurança seja total, ainda que o Estado ignore

eventuais direitos e esmague, sem nenhuma censura ou restrição, todas as ameaças, reais ou supostas,

contra a segurança das pessoas, da propriedade e dos bens.

E desta problemática que se ocupa Loïc Wacquant (2001), para quem a globalização parece ter

dissolvido a sociedade fundada na ética do trabalho, e retirado do Estado qualquer ação que tenha

por finalidade o bem-estar social da população. A análise do autor mostra que, não obstante as

desigualdades sociais e a insegurança econômica terem se agravado, o Estado ausentou-se de

qualquer compromisso com a promoção de políticas de proteção social e tem avançado, ligeiramente,

em direção a perfil pelo qual pode ser classificado de um Estado penal. Sob tais condições, sugere o

autor, torna-se desnecessário que os criminosos se regenerem, trabalhem nas prisões, tornem-se

virtuosos, mas apenas que sejam contidos e, acima de tudo, imobilizados em poucos metros

quadrados cumprindo pena em instituições penais que não estão orientadas (ou interessadas) a

preparar o seu retorno ao convívio social. Em resumo, para esse autor, o Estado sob a globalização é

chamado a abandonar o seu perfil de welfare state para assumir uma, função meramente policial, de

gendarme do capital, garantidor das atividades de acumulação de capital (WACQUANT, 2001:19-

37).

8

Para finalizar, vale lembrar que a conseqüência mais imediata desse endurecimento penal e das

formas radicais de controle das pequenas ilegalidades foi a ampliação considerável da população

encarcerada na maior parte dos países, inclusive o Brasil. No Espírito Santo a população prisional

que em início de 2003 era de 3500 presos cresceu e chegou a 11,7 mil no final de 2010. Esse cenário

reforça a tese daqueles que, na sociedade e a partir da luta pelos direitos humanos, afirmam que o

crescimento da taxa de encarceramento tem uma relação estreita com o processo de criminalização

da pobreza e dos miseráveis.

O objetivo dessa breve nota inicial foi destacar a complexidade do tema apresentado neste

documento, com a finalidade de advertir a respeito dos dados aqui apresentados, apelando para que

os mesmos não sejam descolados de fatores estruturais e conjunturais que emolduram a problemática

abordada. Esta nota Objetivou também destacar uma certeza histórica: se a violência é construída

pela sociedade, pode ser desconstruída e superada pela sociedade.

3. CARIACICA NO CONTEXTO DA REGIÃO METROPOLITANA

3.1. Impactos sociais do desenvolvimento econômico na RMGV

No Espírito Santo o processo de reordenação da economia capixaba foi espetacular e conduziu a

passagem de uma economia assentada primordialmente em atividades agrícolas, sobretudo na cultura

do café, para uma economia industrial-exportadora, direcionada sobretudo para o mercado externo.

Vários fatores se associam para a produção dessa mudança. A instalação da CVRD em 1942, a

inauguração do Porto de Tubarão, em 1966, a implantação da Companhia Siderúrgica de Tubarão

(CST) e do porto de Praia Mole, inaugurados em 1983, ao lado de uma constelação de empresas

justapostas ao incremento de atividades propriamente industriais.

A reordenação econômica, o redirecionamento do padrão de desenvolvimento da economia capixaba

impôs impactos de significativa relevância, sobretudo a partir da instalação de grandes plantas

industriais e sistemas portuários, que se fizeram sentir especialmente nos municípios que compõem a

Região Metropolitana de Vitória, afetando os perfis sócio-econômicos de seus territórios. Neste

sentido pode-se afirmar que a economia e a sociedade predominantemente urbana e industrial

emergem e se consolidam no Espírito santo somente a partir da década de 1970.

A lógica que passou a ordenar a dinâmica econômica estadual não se restringiu as elites econômicas

e políticas locais, mas articulou-se a circuitos internacionalizados da economia mundial. O forte

9

investimento estatal no setor de logística de transporte e siderurgia deu competitividade a Companhia

Vale do Rio Doce (CVRD) e a conectou definitivamente ao mercado transoceânico de minério de

ferro

A magnitude dos impactos sociais decorrentes desta lógica tem sido captada por pesquisas

conduzidas por estudiosos do tema, geralmente vinculados a instituições de ensino superior, com

destaque para a UFES, bem como monitorados por órgãos do próprio governo estadual,

particularmente o Instituto de Pesquisa Jones dos Santos Neves. Podem ser citados, entre os mais

significativos impactos: a alteração do padrão de ocupação e uso da terra agrícola e do emprego da

mão-de-obra rural; a intensificação do êxodo rural, alterando a composição populacional que passa a

ser eminentemente urbana; a baixa absorção de mão-de-obra nas atividades produtivas originárias

das plantas industriais instaladas, evidenciando uma diminuição na geração de empregos formais, e,

consequentemente, um acentuado crescimento do setor informal, desprovido de retaguardas advindas

do sistema de seguridade social e de garantia e perspectiva segura de obtenção, por parte dos

trabalhadores, de estabilidade financeira e prosperidade temporal de sua atividade.

Os municípios de Vitória, Serra, Cariacica e Vila Velha sofreram um vertiginoso crescimento na

composição de sua população, pois acrescida dos “sobrantes” rurais e dos trabalhadores atraídos por

ocasião da construção das grandes plantas industriais que se instalavam na RMGV e em municípios

adjacentes. Estes quatro municípios passaram a concentrar 88,9% da população total da RMGV e a

Região concentra 48,1% da população total do estado.

Tabela 1 – Área e população da RMGV em relação ao Estado do Espírito Santo

Especificação Área (km²) População (hab.2010)

Total RMGV 2.331 1.687.704

Total Estado 46.184 3.514.952

Participação RMGV/ES 5,0% 48,1%

Fonte: IBGE/IDAF/ IPES 2005 IBGE 2010

A RMGV concentra um amplo conjunto de instituições governamentais e privadas de particular

importância para a gestão das políticas públicas e as mais expressiva atividades ligadas ao comércio

e à área de serviços, fortalecendo sua participação hegemônica na economia estadual e seus vínculos

e inter-relações com os mercados externos (Zorzal, 2003). Nessa direção, verifica-se que a

10

centralidade econômica assumida pela RMGV impulsionou a concentração de investimentos,

resultando geração do maior PIB gerado no Estado.

Tabela 2 – PIB municipal per capita – 2000/2009 - (R$ 1, OO)

Município 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Cariacica 3.796 4.056 4.368 4.870 5.752 6.598 6.746 8.546 10.005 10.534

Fundão 4.533 4.661 5.340 5.598 7.730 9.182 16.371 19.762 17.826 11.884

Guarapari 4.097 4.202 4.385 4.794 5.504 5.717 6.309 7.755 7.736 8.842

Viana 5.384 5.586 6.671 8.967 8.878 10.750 9.766 12.082 15.617 14.682

Vila Velha 6.555 6.797 7.045 8.127 9.635 9.113 9.747 11.848 13.520 14.609

Vitória 22.737 23.640 25.432 27.562 38.183 50.421 51.961 60.592 72.737 61.791

RMGV 47.101 48.943 53.241 59.920 75.681 91.781 100.901 120.584 137.440 122.342

ESPÍRITO SANTO 7.429 7.642 8.258 9.425 11.998 13.855 15.235 18.003 20.231 19.145

Fonte: IJSN - Coordenação de Estudos Econômicos

A Tabela 2 esclarece a participação da RMGV no PIB estadual e, ao mesmo tempo evidencia a

assimetria existente entre os municípios. Cariacica, por exemplo, está entre os municípios que detém

a menor participação no PIB. Em 2009 o PIB de Cariacica foi o 27 no Ranking estadual, ficando

atrás de municípios, como o de Viana, por exemplo, com menor densidade populacional (12 no

ranking estadual).

3.2. Cariacica no contexto da RMGV

No decorrer do intenso e rápido processo de industrialização capixaba, alguns fenômenos urbanos se

intensificaram ou se agravaram. A centralização da RMGV atraiu o processo migratório, o que

contribuiu para formar e reproduzir as grandes periferias urbanas. Sobreveio ao processo de

formação das periferias, uma representação sobre as mesmas por meio da qual se afirma a existência

de uma associação direta entre os grandes bolsões de pobreza que se formavam nos municípios da

Região a uma desordem urbana, aos caos e à violência e criminalidade.

No imaginário social, a correlação direta entre pobreza e criminalidade é de difícil desconstrução e se

nutre negativamente pelo medo de que os efetivamente excluídos do pacto possam alimentar modos

não-aceitos de operar o poder (MISSE, 2006:27) e rondar a cidade em hordas, como bárbaros.

11

Moradores das periferias das cidades tendem a ser retratados como desqualificados

profissionalmente, desempregados, com baixa escolaridade, vivendo o esgarçamento ou a perda de

vínculos de referências familiares e comunitários e à margem das normas e leis sociais. É uma

imagem que reaviva um componente ideológico muito representativo, reforçando o clássico conceito

de “classes perigosas” mais uma vez associada à pobreza e a miséria. Em Cariacica alguns bairros se

destacam nesse imaginário: Nova Rosa da Penha, Flexal I e II, Vila Palestina, entre outros.

A condição de pobreza associada à baixa renda (ou a ausência dela) passa então a nortear muitas

políticas públicas, com destaque para a de segurança, que identificam nos bairros pobres um

potencial congênito para a desordem urbana, condutas delinqüentes e transgressoras e gestação da

criminalidade.

Por mais complexo que o campo se mostre, a cognição pela qual se apreende as necessidades da

população destas áreas não se prende a nenhuma preocupação com a prevenção de eventuais

conflitos decorrentes das condições degradadas do meio, antes, justifica a práxis de órgãos de

segurança pública, que visa a reprimir crimes e contravenções.

O “inchaço” populacional em Cariacica, sobretudo nas décadas de 1970/80, decorrente do

redirecionamento da economia estadual, produziu um cenário extremamente exigente do

gerenciamento público dos problemas a ele associados. Em Cariacica se tornou grave e decrescente

capacidade de atendimento, por parte do poder público, das infra-estruturas sociais e estatais, em

especial a oferta de bens e serviços relacionados à educação, à saúde, à previdência e assistência

social e à segurança pública. Esta situação, inicialmente comum aos demais municípios da RMGV,

em Cariacica, parece estar contida em um “estado de coisas” cuja superação tem-se mostrado mais

difícil, apesar dos esforços recentes nessa direção.

A explicação, em parte, está em seu passado recente: os gestores e o poder público municipal, (não

sem alguma responsabilidade da administração pública estadual), foram ineptos, contribuindo assim

para agravar as expressões da questão social no município. Á deriva de qualquer política pública

consequente e compromissada com os interesses e necessidades dos munícipes, os efeitos desse

passando ainda são muito robustos e seus danosos efeitos rodam as possibilidades presentes de

superação de suas mazelas.

12

Não é aqui o lugar para detalhamento desta triste herança com largos impactos sobre as políticas

sociais de educação, saúde, saneamento básico, coleta de lixo, acessibilidade entre outras. Afinal,

essa tarefa está muito bem cumprida e apresentada no documento “Construção de parâmetros de

referência para subsidiar a revisão da Agenda Cariacica” elaborado por Carlos Teixeira Campos Jr. e

Helder Gomes.

Por esse documento se podem vislumbrar, além desse passivo histórico, novos desafios à gestão

pública do município de Cariacica na atualidade, sobretudo relacionados à posse e uso do seu

território, pois “tornou-se alvo de disputas de grandes interesses, cujos processos decisórios vão além

do limite local e da fronteira estadual”

Os desafios que se anunciam para o município não são pequenos. Cariacica está desafiada a superar a

sua dinâmica intra-urbana para, entre outras condições, garantir a acessibilidade e a comunicação

entre os bairros e às áreas de comércio e serviços visando ainda garantir, por exemplo, o acesso a

serviços de ambulância e viaturas policiais, por exemplo, essenciais a operacionalização das política

públicas de saúde e de segurança pública.

Diante do exposto, visões negativas sobre o município podem ser facilitadas, inclusive pela

dificuldade em vislumbrar algumas vantagens próprias ao Município, quando comparado com

municípios circunvizinhos. Mas, Cariacica oferece vantagens. Uma delas é o seu vasto território,

capaz de dar acolhida a empreendimentos produtivos, tanto em sua região urbana como na região

rural, ainda que, conforme o documento citado acima, o contexto de oportunidades representado pelo

tamanho do território não se dissocia de algumas ameaças. Mesmo que pareça abstrata, Cariacica tem

hoje uma outra vantagem: a disposição de virar a página do passado para construir um futuro em que

a violência não seja uma banalidade, e onde a força do seu progresso será ancorada na capacidade do

seu povo, e de toda a municipalidade, de apoderar-se dos espaços de decisão dos rumos políticos e

econômicos, exercendo a cidadania com plena consciência de seus direitos e deveres perante a

coletividade.

13

4. DIAGNÓSTICO GEOESTATÍSTICO

Pablo Lira1

O aumento das ocorrências criminosas no Brasil tornou inegável a importância dos estudos sobre

violência. Com base no sistema de informação da Organização Mundial da Saúde (OMS), constata-

se que, no ano de 2004, entre 84 nações selecionadas, o Brasil ocupou a 4ª posição no ranking da

taxa bruta (TB) de homicídio. Com a taxa de 27 assassinatos por 100 mil habitantes, o país somente

apresentou situação favorável em relação à Colômbia, Rússia e Venezuela, regiões que possuem

sérios problemas de repercussão internacional: conflitos bélicos e políticos, atuação de esquadrões da

morte, cartéis do narcotráfico e/ou comércio ilegal de armamentos pesados (WHOSIS, 2006, on-

line).

Ao analisar o comportamento desse mesmo indicador em nível nacional, percebe-se que Alagoas,

Espírito Santo e Pernambuco evidenciaram os maiores valores da taxa de homicídio (por 100.000)

em 20072, respectivamente 59,6, 53,6 e 53,1. O problema dos homicídios em território capixaba

torna-se ainda mais ressaltado pela posição de destaque da Região Metropolitana da Grande Vitória3

(TB: 75,4), que ocupou o 3º lugar no ranking da taxa por 100 mil, precedida pelas Regiões

Metropolitanas de Maceió (97,4) e de Recife (87,7) (SIM/DATASUS, 2007).

Além dos homicídios, que representam o nível extremo que a violência pode alcançar, outros tipos

de criminalidade violenta, como tentativa de homicídio, lesão corporal, ameaça, roubo, furto e tráfico

de drogas ilícitas, são constatados cotidianamente em Cariacica - ES, um dos municípios que

compõem a RMGV.

Sabendo disso e partindo do pressuposto de que o sistema da violência encontra-se arraigado a

fatores urbanos e sócio-econômicos, este diagnóstico visa analisar a distribuição espacial do

fenômeno pesquisado, que não se resume somente à problemática dos homicídios.

1 Geógrafo Mestre em Arquitetura e Urbanismo ([email protected]).

2 Até a presente data, 2007 foi o ano mais recente em que o Ministério da Saúde disponibilizou as informações sobre homicídio no

Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM/DATASUS). 3 A Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV) é composta pelos municípios de Cariacica, Fundão, Guarapari, Serra, Viana, Vila

Velha e Vitória. Com exceção de Fundão e Guarapari, os demais municípios da RMGV formam a Aglomeração da Grande Vitória, que se caracteriza como uma típica conurbação (figura 02).

14

Com o objetivo de nortear e familiarizar o leitor com a área de estudo, apresenta-se algumas cartas

bases que facilitarão a leitura da cartografia temática explorada ao longo do trabalho. Nas figuras 1,

2, 3, 4 e 5, unidades geográficas com suas respectivas divisões político-administrativas são

representadas salientando a toponímia. Assim, toda vez que o leitor encontrar dificuldade para

identificar a localização e a nomenclatura dos municípios capixabas ou dos bairros de Cariacica,

poderá recorrer a estes mapas.

Figura 01 - Mapa Político-Administrativo, RMGV e aglomeração da Grande Vitória 2006.

15

Figura 02 - Mapa Político-Administrativo, Cariacica 2010

16

Figura 03 - Mapa Político-Administrativo, Cariacica (porção norte) 2010.

17

Figura 04 - Mapa Político-Administrativo, Cariacica (porção sul) 2010 considerações

metodológicas.

18

Os experimentos geo-estatísticos realizados com dados oficiais de criminalidade, padrões sócio-

econômicos e infra-estruturais urbanos serviram para evidenciar os principais padrões de

espacialização da violência, sobretudo, aquele caracterizado pelos crimes violentos contra a pessoa e

patrimônio.

As informações do Centro Integrado Operacional de Defesa Social do Espírito Santo - CIODES4

referem-se aos incidentes registrados pelos boletins de ocorrências. Tais dados permitiram a análise,

em grande escala cartográfica (bairros de Cariacica), dos seguintes indicadores de criminalidade:

Crimes Letais Contra a Pessoa - CLCP: homicídio, tentativa de homicídio e latrocínio;

Crimes Não Letais Contra a Pessoa - CNLCP: lesão corporal, ameaça e rixa;

Crimes de Roubos - CR: somatório dos roubos em e de patrimônios;

Crimes de Furto - CF: somatório dos furtos em e de patrimônios;

Crimes de Armas de Fogo - CAF: porte ilegal de armas, fabricação ilegal de armas e munições,

apreensão de arma de fogo e disparo de arma;

Crimes de Tráfico de Drogas Ilícitas - CTDI: tráfico de maconha, cocaína, crack e outras drogas

ilícitas;

Crimes de Posse e Uso de Drogas Ilícitas - CPUDI: posse e uso de maconha, cocaína, crack e

outras drogas ilícitas.

O sistema CIODES complementa, com maior rigor sistemático, as informações das séries históricas

das agências de Segurança Pública de forma integrada, garantindo maior confiabilidade aos registros.

As informações do CIODES referentes ao ano 2009 foram tratadas em formato espacializado. Isso

permitiu a aplicação do método de análise espacial de hot spots (manchas quentes ou áreas críticas)

no ambiente de trabalho do Sistema de Informação Geográfica - SIG. Tal método possibilitou a

identificação dos conglomerados de bairros com altas concentrações de crimes.

4 Em agosto de 2004 o Governo do Espírito Santo, representado pela Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social -

SESP, implementou o projeto CIODES, centro de informações que converge e otimiza os trabalhos da Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros e Guarda Municipal (fonte: www.sesp.es.gov.br).

19

Os dados sócio-econômicos do censo 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística também

compuseram o banco de informações deste diagnóstico. Como se sabe, as informações censitárias

são organizadas, no padrão Statcart5, em 4 categorias estabelecidas pelo IBGE: pessoas, domicílios,

instrução e responsáveis. Com base nesses grupos de variáveis e suas sub-divisões obteve-se dados

espacializados sobre as condições sociais, econômicas e infra-estruturais do município de Cariacica.

Tais informações são de fundamental importância para o planejamento estratégico municipal, o

delineamento de políticas públicas e o desenvolvimento de diagnósticos.

4.1 Organização dos dados

Os dados adquiridos junto ao CIODES foram organizados visando a construção dos seguintes

indicadores criminais: Crimes Letais Contra a Pessoa - CLCP, Crimes Não Letais Contra a Pessoa -

CNLCP, Crimes de Roubos - CR, Crimes de Furto - CF, Crimes de Armas de Fogo - CAF, Crimes

de Tráfico de Drogas Ilícitas - CTDI e Crimes de Posse e Uso de Drogas Ilícitas - CPUDI. Esses

indicadores foram formados pelo agrupamento das principais variáveis criminais provenientes dos

boletins de ocorrências registrados pelo CIODES no ano de 2009.

O indicador de Crimes Letais Contra a Pessoa - CLCP foi composto pelas seguintes variáveis:

Homicídio: segundo artigo 121 do Código Penal (CP), ato de uma pessoa matar outra. Este está

inserido no capítulo relativo aos “crimes contra a vida” e é considerado a mais grave violação

reprimida pela lei e pela sociedade civilizada. Suas penas variam entre 1 e 3 anos de detenção para os

homicídios culposos (quando o agente dá causa ao resultado por imprudência, negligência ou

imperícia) e entre 12 e 30 anos de reclusão para os homicídios qualificados ou dolosos (quando o

infrator quer o resultado ou assume a autoria do crime).

Latrocínio: é uma forma de roubo em que a violência empregada pelo infrator resulta na morte da

vítima, ou seja, roubo seguido de morte (art. 157, parágrafo 3º, CP). Este crime se difere do

homicídio, pois possui peremptoriamente fins patrimoniais. A pena para tal delito varia de 20 a 30

anos de reclusão, sem prejuízo de multa.

5 Programa computacional que fornece dados censitários digitalizados em escala de detalhe.

20

Tentativa de Homicídio: ocorre quando o homicídio não é consumado por circunstâncias alheias

à vontade do agente. Com base no CP, a pena para este delito é a mesma correspondente ao crime

consumado, diminuída de um a dois terços. Levando em conta o elevado grau dos danos físicos e

psicológicos sofridos pela vítima e considerando que uma parcela significativa das tentativas de

homicídios evolui, após alguns dias, resultando no óbito da pessoa agredida, optou-se por associar

este delito à categoria dos Crimes Letais Contra a Pessoa.

O indicador de Crimes Não Letais Contra a Pessoa - CNLCP foi composto pelas seguintes

variáveis:

Lesão Corporal: definido pelo artigo 129 do Código Penal como qualquer dano trazido à

integridade corporal ou a saúde de outrem. Suas tipificações prevêem penas que variam de 2 meses a

1 ano de detenção em caso de lesões leves ou culposas e de 4 a 12 anos de reclusão em caso de lesão

corporal seguida de morte (homicídio preterdoloso).

Ameaça: causar mal injusto e grave a alguém através de ameaça escrita, pronunciada, gesticulada

ou por qualquer outro meio simbólico. Configura delito no artigo 147 do Código Penal. Pena:

detenção de 1 a 6 meses de detenção ou multa. Vale salientar, que, dependendo de sua gravidade, a

ameaça pode desencadear crimes de várias naturezas (vias de fato, lesão corporal ou até mesmo

homicídio).

Rixa: constitui delito capitulado no CP brasileiro pelo artigo 137. É caracterizada por contenda,

discórdia, desavença ou briga, podendo evoluir para o confronto corporal. Não há a necessidade da

motivação de todos agentes envolvidos. Basta existir a motivação de uma parte envolvida para que

ocorra a rixa. Apresenta pena de detenção de 15 dias a 2 anos, ou multa.

O indicador de Crimes de Roubo - CR foi constituído pelo somatório dos crimes de roubo

registrados: roubo em coletivo, em estabelecimento comercial, financeiro, educacional, em

residência, roubo de veículo e de auto-carga. O artigo 157 do Código Penal define roubo como ato

ou ação de subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência à

pessoa vitimizada. Este delito possui pena prevista que varia entre 4 a 10 anos de reclusão e multa.

21

O indicador de Crimes de Furto - ICF é formado pelo somatório dos crimes de furto codificados

pelo CIODES: furto em veículo, em coletivo, em estabelecimento comercial, financeiro, educacional,

em residência, furto de veículo e de auto-carga. A definição de furto se difere da definição de roubo

por não apresentar grave ameaça ou violência à vítima. O bem material é retirado da esfera de

vigilância do proprietário sem que o mesmo perceba. A pena para tal crime pode variar de 1 a 8 anos

de reclusão e multa.

O indicador de Crimes de Armas de Fogo - CAF é constituído pelas ocorrências de porte ilegal de

armas, fabricação ilegal de armas e munições, apreensão de arma de fogo e disparo de arma de fogo.

Estas ocorrências e delitos possuem legislação específica regida pela Lei Federal Nº 10.826/03, que

dispõe sobre o registro, posse e comercialização de armas de fogo e munições, sobre o Sistema

Nacional de Armas (SINARM), definindo crimes e dando outras providências. A pena desses delitos

varia de 2 a 4 anos de reclusão e multa para o crime de posse ilegal de armas e munições e de 2 a 8

anos de reclusão e multa para o crime de comercialização/fabricação ilegal de arma de fogo.

Cabe ressaltar, que as penas retro-citadas podem variar a partir do exame de circunstâncias.

Dependendo das características do fato, e pessoais do agente, as penas estão sujeitas a efeitos

minorantes, majorantes, qualificantes, agravantes e atenuantes. Com base nas leis específicas e no

Código Penal, estamos aqui apenas apresentando um panorama geral dos delitos estudados.

Após a estruturação dos dados criminais, este estudo se encontrou em uma situação que exigiu

soluções metodológicas para problemas referentes à incompatibilidade de dados. Como pretendemos

construir indicadores e índices sobre a violência e seus desdobramentos sócio-espaciais, no nível de

detalhamento dos bairros de Cariacica, a adaptação dos setores censitários do IBGE mostrou-se

como tarefa necessária.

Os setores censitários são a menor unidade espacial de controle, tratamento e análise das

informações censitárias (IBGE, 2005, on-line). Como destacado na introdução deste estudo, as

informações censitárias são organizadas em 4 categorias estabelecidas pelo IBGE: pessoas,

domicílios, instrução e responsáveis. Os dados dessas categorias e suas subdivisões são distribuídos

espacialmente nos setores censitários. Nesse sentido, torna-se de fundamental importância que os

setores censitários, unidades geográfica fonte de informações sócio-econômicas e infra-estruturais

22

urbanas, apresentem delimitações territoriais, reciprocamente, semelhantes aos bairros, unidade

geográfica de referência para o planejamento municipal, as políticas públicas e as comunidades.

Recentemente, alguns municípios capixabas têm direcionado seus esforços para a criação da lei de

bairros. Esta lei possibilita a compatibilização dos dados censitários com a base cartográfica de

bairros das prefeituras e/ou vice-versa. No município de Cariacica a lei de bairros encontra-se em

processo de aprovação por meio da implementação do Plano de Organização Territorial - POT da

Prefeitura Municipal de Cariacica - PMC. Isso favorecerá a compatibilização dos dados censitários

de 2010.

De todo modo, como este trabalho utilizou os dados sócio-econômicos e infra-estruturais do censo

2000, a adaptação dos setores censitários mostrou-se como tarefa essencial.

A figura 06 mostra a sobreposição dos limites dos bairros (linha preta e espessa) aos recortes

espaciais dos setores censitários (linha cinza e delgada). No exemplo apresentado, o limite do bairro

São Francisco, localizado na porção sul da mancha urbana de Cariacica (na divisa com o município

de Viana), engloba 6 setores identificados pelas letras “a”, “b”, “c”, “d”, “e” e “f”.

23

Figura 05 - Adaptação dos setores censitários, bairro São Francisco 2000.

Em situações como esta, bastou realizar a união espacial dos setores circunscritos na área do bairro,

neste caso o bairro São Francisco (figura 06), para adquirirmos dados de fundamental importância

para o trabalho geoestatístico (nível de instrução, renda salarial e população por bairro).

Em outras situações, os setores ultrapassaram os recortes espaciais dos bairros, ou seja, mostraram-se

incompatíveis com a base cartográfica da Prefeitura Municipal de Cariacica. Para solucionar tal

problema desenvolvemos e utilizamos um método de estimativa por áreas para obter as informações

censitárias desses bairros. Através da ferramenta Xtools do aplicativo ArcMap®

9.X (Enviromental

Systems Research Institute - ESRI Inc., 2005) encontramos a proporcionalidade da divisão dos

setores incompatíveis e a redistribuímos dentro dos limites espaciais dos bairros.

Na figura 07 constata-se o exemplo do bairro Alto Lage, que se localiza nas margens da rodovia BR-

262, onde o setor “a” mostrou-se incompatível. Nesse caso específico constatou-se que

aproximadamente 2/3 do setor “a” (representado pelo código “a1”) pertenciam ao bairro Alto Lage e

cerca de 1/3 (representado pelo código “a2”) pertencia ao bairro Oriente. Dessa forma, realizamos a

24

soma dos dados dos setores “b”, “c”, “d”, “e”, “f”, “g”, “h” e “o” com os 2/3 das informações do

setor “a”, para obtermos a população e outros dados censitários do bairro Alto Lage.

Figura 06 - Adaptação dos setores censitários, bairro Alto Lage 2000

Insta ressaltar que como outras formas de adaptação dos dados censitários, esta metodologia pode

levantar alguns questionamentos. No entanto devemos considerar que toda estimativa de dados

pressupõe certas imprecisões. Tendo em vista a iniciativa da Prefeitura Municipal de Cariacica de

implementar o Plano de Organização Territorial - POT e consolidar sua lei de bairros, acredita-se que

a adaptação dos dados sócio-econômicos e infra-estruturais urbanos do censo 2010 não apresentará

problemas como o evidenciado pela figura 07.

4.2 Análise dos homicídios

No Brasil, as pesquisas, do final do século XX, que tratam o fenômeno criminalidade violenta

apontam o homicídio como o principal exponencial da violência, por tal delito envolver vigor e

potência no emprego da força física, com ou sem o uso de armas, resultando em grave perturbação e

sofrimento alheio.

25

Tais características tornam o homicídio um dos principais indicadores de violência. As consecuções

de banco de dados, como o SIM/DATASUS do Ministério da Saúde 1979-2007, viabilizaram a

estruturação de uma série histórica de fundamental importância para a compreensão da incidência

dos homicídios nas escalas temporal e espacial no município de Cariacica.

Por meio da leitura do gráfico da figura 08 constata-se como a partir da segunda metade da década de

80 a aglomeração da Grande Vitória apresentou uma significativa concentração de homicídios.

Figura 07 - Evolução das taxas de homicídios, Espírito Santo 1980-2007

15,117,2 16,7 16,8 18,0

19,9

27,7

37,2

31,8

40,642,5 41,4 42,5

49,6

57,8

51,9

46,2 46,0

51,3 50,1 49,1 50,053,6 53,6

13,9

18,220,3 19,2

16,519,7

23,2

29,1

42,8 42,6

47,1

40,0

55,3

62,7 63,6 63,8

81,1

91,9

84,8

71,2 70,4

80,076,5

78,2

73,877,5

75,4

29,5

25,428,9

26,323,6 24,9

23,3

29,0

23,7 24,6 24,6 26,1 26,6

23,0

28,231,6 31,4

34,6

22,4

20,6

33,8

16,7

28,627,1

26,6

21,9

23,4

20,019,0

15,214,415,816,5

0,0

20,0

40,0

60,0

80,0

100,0

120,0

140,0

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Taxa d

e H

om

icíd

io

(po

r 100 m

il h

ab

.)

ES Aglomeração da GV Demais Municípios

Fonte: SIMDATASUS, 1979-2007

Antes desse período as taxas do Espírito Santo, da Grande Vitória e dos demais municípios

capixabas evidenciaram comportamentos semelhantes, isto é, aumento médio de 15 assassinatos para

cada grupo de 100.000 habitantes em 1980 para 30 homicídios por 100 mil habitantes em 1988.

Em 1989, a taxa da Grande Vitória se destacou em relação aos demais municípios, atingindo 44

mortes por 100.000, o que influenciou um efetivo aumento da taxa geral do estado. Durante toda a

década de 90 essa tendência se confirmou. As taxas da Grande Vitória, do Espírito Santo e do

restante do estado registraram em 1998 os picos respectivos de 95, 58 e 30 homicídios por 100 mil

habitantes.

26

Nos últimos anos, a taxa da aglomeração da Grande Vitória manteve-se acima da média estadual e

dos demais municípios. Em 2007, a Grande Vitória registrou 75 homicídios por 100.000 habitantes,

enquanto o Espírito Santo e os demais municípios capixabas computaram 54 e 31 assassinatos para

cada grupo de 100 mil habitantes. Quando são analisados os números absolutos, constata-se que a

aglomeração da Grande Vitória concentrou cerca de 68% dos 1.877 homicídios do Espírito Santo em

2007 (fonte: SIM/DATASUS, 2010).

Essa tendência de concentração da violência está relacionada às transformações estruturais

desencadeadas pelos processos de industrialização e urbanização capixaba das décadas de 60 e 70.

Como se sabe, foi justamente na Grande Vitória onde ficaram concentrados os grandes investimentos

industriais. Investimentos estes que favoreceram a alteração dos fluxos migratórios, que passaram a

convergir para a Grande Vitória, contribuindo assim para o adensamento populacional dessa região.

Hodiernamente, a Grande Vitória congrega cerca de 48% da população capixaba em uma área que

corresponde a aproximadamente 3% do território do estado (fonte: IJSN, 2009).

Não se espera com isso, reforçar a tese do imaginário social, que também é incorporada por alguns

estudiosos, de que a migração é a causa do aumento da criminalidade violenta nos ambientes

urbanos. É importante registrar, previamente, que devido à complexidade envolvida, a criminalidade

urbana violenta não pode ser reduzida a uma causa única (MISSE, 2006, p. 34).

Com base na análise da problemática capixaba, acredita-se que a ausência de políticas sociais e de

um planejamento territorial adequado, durante o auge do processo de industrialização e urbanização

que marcaram o segundo grande ciclo econômico do Espírito Santo, foram alguns dos fatores

cruciais que propiciaram sérios problemas de ordem sócio-econômica, a saber, ocupação irregular do

solo urbano, aumento do desemprego, ineficiência dos serviços básicos de saúde e educação, dentre

outros. Acredita-se, também, que o aumento da criminalidade violenta, registrado na Grande Vitória

nos anos subsequentes à década de 70, estaria mais associado a estes problemas estruturais do que à

intensificação da migração.

O processo tardio de industrialização do Espírito Santo, assim como de outros estados, foi mais um

exemplo bem sucedido do modo brasileiro de promover crescimento econômico desvinculado do

desenvolvimento social. Dessa forma, a desigual distribuição espacial do crescimento econômico-

27

industrial da década de 70 produziu desequilíbrios e gerou reflexos sociais que contribuíram para o

crescimento gradativo da criminalidade urbana violenta.

Hodiernamente, o território capixaba presencia o início do que alguns cientistas denominam de

“terceiro grande ciclo econômico”, com as novas descobertas da indústria do petróleo e a expansão

das cadeias produtivas ligadas à siderurgia, complexo portuário, rochas ornamentais, entre outros

processos econômicos. Por isso, a análise que aqui se insere revela-se de extrema importância para

orientar as políticas e formas de gestão que serão delineadas e postas em prática nas próximas

décadas na Segurança Pública estadual e municipal e campos afins.

A figura 08 apresenta a evolução da taxa de homicídio ao longo das três últimas décadas, destacando

especificamente a situação constatada no município de Cariacica.

Figura 08 - Evolução das taxas de homicídios, Cariacica 1980-2007

15,117,2 16,7 16,8 18,0

19,9 20,622,4

27,7

34,637,2

31,8

40,642,5 41,4 42,5

49,6

57,8

51,9

46,2 46,0

51,3 50,1 49,1 50,0

53,6 53,6

14,8 14,8

24,1 23,1 23,2 22,4 21,2

26,3

38,2

49,1

53,4 54,3

48,3

81,0 80,3 81,7

67,4

88,4

104,0

82,8

87,9

73,4

95,093,0

95,892,3 92,5

88,9

33,8

0,0

20,0

40,0

60,0

80,0

100,0

120,0

140,0

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Taxa d

e H

om

icíd

io

(po

r 100 m

il h

ab

.)

ES Cariacica

Fonte: SIMDATASUS, 1979-2007

Em Cariacica, as taxas de homicídios seguiram uma tendência semelhante ao comportamento

temporal das taxas de assassinatos da Aglomeração da Grande Vitória (figura 08). Já na década de

80, as taxas de Cariacica apresentavam-se mais elevadas que as taxas estaduais. Contudo, foi na

segunda metade desta década que as taxas de homicídios de Cariacica se destacaram com altos

índices. Em 2007, o referido município registrou cerca de 89 homicídios por 100 mil habitantes, ou

seja, uma taxa superior ao índice estadual que foi de 54 assassinatos por 100.000 habitantes.

28

Nos últimos anos, a taxa de Cariacica manteve-se acima da média estadual. Todavia, desde 2002 a

taxa de homicídios deste município vem ressaltando uma tendência de estabilização. Ainda que essa

estabilização seja proporcionada por índices elevados, é importante frisar que em nenhum momento

da série histórica analisada o município de Cariacica manteve suas taxas de homicídios constantes,

como pode ser constatado no período de 2002 a 2007. No mapa da figura 09 identifica-se a

distribuição espacial dos homicídios no município de Cariacica no ano de 2009.

29

Figura 09 - Mapa de concentração dos homicídios, Cariacica 2009

30

Na porção sul da mancha urbana, os bairros Castelo Branco, Santa Catarina e Jardim Botânico

apresentaram altas concentrações de homicídios. Na porção norte, os bairros Nova Rosa da Penha,

Nova Esperança, Flexal I, Flexal II e Vila Prudêncio também evidenciaram altos níveis de

concentração de homicídios. No centro da mancha urbana, os bairros Mucuri, Vila Independência,

Santa Cecília, Campo Grande, Vila Palestina, Cruzeiro do Sul, São Geraldo, São Geraldo II e Rosa

da Penha apresentaram concentrações médio-altas de homicídios.

4.3 Crimes letais contra a pessoa - CLCP

Como visto na metodologia desta pesquisa, o indicador de Crimes Letais Contra a Pessoa - CLCP foi

composto pelo agrupamento dos registros dos homicídios, tentativas de homicídios e latrocínios.

O mapa da figura 10 destaca que os bairros de Nova Rosa da Penha, Nova Esperança, Presidente

Médice e Campo Grande registraram concentrações médio-altas de CLCP.

A exemplo do padrão de distribuição espacial identificado no mapa de concentração dos homicídios

(figura 09), Castelo Branco e Santa Catarina se destacaram dos demais bairros por apresentar altas

concentrações de CLCP. Esses dois bairros formam um conglomerado geográfico com altos níveis

de concentração de Crimes Letais Contra a Pessoa. O referido cluster espacial, localizado no sul da

mancha urbana, possui um raio de influência de aproximadamente de 700m, ou seja, uma área de

magnitudes pequenas quando comparada com a extensão territorial do município de Cariacica.

Outro conglomerado que se evidenciou tanto na análise dos homicídios (figura 10), quanto no mapa

dos CLCP foi o cluster de Nova Rosa da Penha e Nova Esperança, que apresentou um raio de

influência de cerca de 600m.

31

Figura 10 - Mapa de concentração dos CLCP, Cariacica 2009.

32

4.4 Crimes de tráfico de drogas ilícitas - CTDI

O indicado de Crimes de Tráfico de Drogas Ilícitas - CTDI foi composto pelos registros de tráfico de

maconha, cocaína, crack e outras drogas ilícitas.

O mapa da figura 11 apresenta o padrão de distribuição dos CTDI no município de Cariacica. O

bairro Nova Rosa da Penha se destacou dos demais bairros por ter registrado o nível mais alto de

concentração de Crimes de Tráfico de Drogas Ilícitas. O raio de influência de 400m se restringiu aos

limites territoriais de Nova Rosa da Penha.

Vila Independência, Vila Capixaba e Mucuri também apresentaram altas concentrações de CTDI e

formaram um cluster com raio de abrangência aproximado de 400m.

Cariacica Sede, São João Batista e Santa Luzia formaram um conglomerado com concentração

média dos Crimes de Tráfico de Drogas Ilícitas ao norte da mancha urbana. O bairro Vera Cruz,

localizado a leste de Campo Grande, apresentou comportamento espacial, referente aos CTDI,

semelhante ao identificado em Cariacica Sede e seu em torno.

Muitos estudos ressaltam a associação dos Crimes Letais Contra a Pessoa - CLCP, em especial os

homicídios, com os Crimes de Tráfico de Drogas Ilícitas - CTDI como o ápice da violência, ou seja,

quando este fenômeno social assume suas características mais atemorizantes, bárbaras e cruéis:

confrontos armados em espaços públicos entre gangues, chacinas, execuções, eliminação de

informantes, punições severas aos devedores e outros tipos de atrocidades.

As ações violentas, perpetradas pela delinqüência organizada, são geralmente promovidas em

decorrência das disputas de território que se resumem em estratégias de proteção, controle e

ampliação do mercado e subordinados.

De acordo com Zaluar (2004, p. 13), a associação do uso de drogas e armas de fogo, dinheiro no

bolso, conquista de mulheres, do enfrentamento da morte e a concepção de um indivíduo

completamente autônomo e livre, revela que as práticas do mundo do tráfico se vinculam a um etos

da virilidade, que por sua vez é centrado na ideia de chefe. Talvez por isso, observa-se a completa

perda dos valores da vida nas comunidades assoladas pelo tráfico. Para o tráfico não há distinção de

33

valores, isto é, o usuário que deve R$ 5,00 tem o mesmo tratamento daquele que possui uma dívida

de R$ 50,00. Caso o débito não seja zerado, nas duas circunstâncias a vida se torna moeda de troca.

Geralmente, os pequenos usuários são designados pelos traficantes a vender ou transportar pequenas

quantidades de drogas, ou seja, recebem a patente de soldadinho ou aviãozinho. Eles recebem a

mercadoria para vender. Sendo responsáveis pelas quantidades transportadas, quando efetuam uma

venda, os soldadinhos recebem a recompensa de consumir parte da droga ou até mesmo recebem

uma quantia em dinheiro. Isso demonstra como o recrutamento para o tráfico se faz sutilmente e não

por imposição, como se costuma imaginar. Via de regra, os traficantes não obrigam esses

adolescentes a participar das atividades criminosas ou tornar-se membros da boca (aviãozinho,

fogueteiro, olheiro, falcão, contenção, etc.). Na verdade, eles estabelecem uma relação de sedução

para aliciar os jovens ingressantes, ora fornecendo drogas, outrora permitindo que os meninos

manuseiem armas de fogo.

Em meio à desestruturação familiar, descrédito e insegurança social, falta de espaço e escolarização

para um trabalho qualificado, ineficiência de serviços e equipamentos coletivos que proporcionem

condições básicas de vida, ambiente degradado, apelo midiático ao consumismo exacerbado e a

espetacularização da violência, esses adolescentes e jovens passam a ver os traficantes, que possuem

cargos mais altos (soldados, vapor, fiel, sub-gerente, gerente da boca, gerente geral, dono), como

modelos de heróis.

A transformação quase mágica da vida sofrida de seus familiares e as chances de tornar possível o

acesso aos bens de consumo da moda (celular, acessórios, roupas e outros produtos ostentados pelas

classes privilegiadas) são os ingredientes básicos que levam os jovens das comunidades

desprivilegiadas para o mundo do tráfico. Com o recurso da droga, o adolescente expressa toda a

fantasia de poder. A “viajem” anula as barreiras e frustrações, fazendo com que ele se sinta visível à

sociedade que outrora o deserdou.

As expectativas de participar das investidas de assaltos e roubos, integrar a gangue, sentir-se mais

forte diante dos inimigos, portar armas e de ascender na hierarquia da estrutura organizacional da

boca de fumo nutrem o imaginário desses meninos. Entretanto, eles sabem que o ingresso no mundo

do tráfico denota perdas importantes, como a morte prematura.

34

A partir daí, compreende-se por que tantos jovens matam-se uns aos outros devido a brigas e

rivalidades individuais e comerciais, “seguindo o padrão estabelecido pelo crime organizado, que,

além de criar as regras terroristas de lealdade e submissão, distribui-lhes fartamente armas de fogo

moderníssimas” (ZALUAR, 2004, p. 34).

Com base em alguns estudos, a saber, Waiselfisz (2004), Cerqueira, Lobão e Carvalho (2005),

Raizer et al. (2004) e Zanotelli (2007), constata-se que as principais vítimas dos crimes violentos são

os jovens de 15 a 24 anos, do sexo masculino, afrodescendentes e moradores dos bairros

desprivilegiados. Em geral, estes estão associados ao mundo do tráfico e são assassinados por armas

de fogo.

Quanto a primeira parte desta última afirmação cabe ressaltar que a análise comparativa dos mapas

de concentrações de CLCP e CTDI (figuras 10 e 11) permite identificar a correlação espacial desses

delitos no município de Cariacica, sobretudo, nos bairros Nova Rosa da Penha, Nova Esperança,

Mucuri, Vila Independência e Vila Capixaba. Tal constatação não inviabiliza a possibilidade de

outros bairros apresentarem a referida associação. A leitura cartográfica comparativa aqui sugerida

revela como nas regiões citadas há uma evidente correlação espacial dos crimes letais e os crimes de

tráfico de drogas ilícitas. Este é um indicativo em nível de análise criminal estratégica que pode ser

melhor explorado por meio da etiologia da violência e/ou por levantamentos mais aprofundados, que

complementam este estudo.

35

Figura 11 - Mapa de concentração dos CTDI, Cariacica 2009

36

4.5 Crimes de posse e uso de drogas ilícitas - CPUDI

O indicado de Crimes de Posse e Uso de Drogas Ilícitas - CPUDI foi composto pelos registros de

posse e uso de maconha, cocaína, crack e outras drogas ilícitas.

Uma corrente de pesquisadores aponta para a importância dos efeitos das drogas ilícitas sobre o

comportamento das pessoas. Segundo Minayo (1998, p. 36), a articulação drogas e violência é um

tanto que complexa. O uso de substâncias como canabis sativa ou “maconha” e seus derivados

(skunk, haxixe, óleo), cocaína e seus processados (crack, merla, pasta base etc.), opiáceos (heroína,

ópio, morfina), metanfetaminas (speed, ice, cocaína sintética, ecstasy), PCP (phencyclidina ou pó-de-

anjo) e outras, implica em mudanças das funções cognitivas, estados emocionais, hormonais e/ou

fisiológicas dos usuários. Tais alterações, que variam facultativamente de indivíduo para indivíduo,

podem motivar a violência.

A autora também chama atenção para o problema da abstinência. De acordo com ela, assim como os

usuários ativos, as pessoas em abstinência de drogas são passiveis à cometer transgressões. Além

disso, não se descartam as influências do meio e as características sócio-culturais individuais e

coletivas dos usuários de droga. “A motivação para o ato desviante, para se efetivar, sofre os efeitos

combinados das novas formas de organização familiar, dos novos padrões de consumo, do novo etos

do trabalho, do hedonismo, do sistema escolar [...]” (ZALUAR, 2004, p. 29).

Debortoli (2004, p. 147) assinala que a maconha, cocaína e crack são as drogas ilícitas mais

consumidas no grande centro urbano capixaba, onde Cariacica constitui um dos principais

municípios. Segundo ele, a posição de destaque desta última droga se deve ao sucesso de sua

introdução no mercado do tráfico capixaba. Com um efeito “entorpecente/estimulante” muito mais

forte que a maconha e valor inferior ao da cocaína, a comercialização do crack foi rapidamente

disseminada. Soma-se a isto, o efeito imediato da droga que se dissipa em um curto espaço de tempo.

Muitas pesquisas apontam que depois de poucos dias de consumo algumas pessoas se tornam

extremamente dependentes.

Advém daí o poder viciante do crack: como se não bastasse a intensidade e a

quase imediata obtenção da euforia, o usuário é dominado por uma vontade

37

incontrolável de fazer uso continuado da droga. Alguns usuários, não medem

esforços nem riscos para a manutenção do vício (DEBORTOLI, 2004, p.

153).

A figura 11 evidencia que algumas das áreas que apresentaram concentrações de Crimes de Tráfico

Drogas Ilícitas - CTDI também registraram concentrações de Crimes de Posse e Uso de Drogas

Ilícitas – CPUDI (figura12), como por exemplo Nova Rosa da Penha, Mucuri, Vila Independência,

Vila Capixaba e Vera Cruz.

A análise comparativa dos mapas de CTDI e CPUDI (figuras 11 e 12) apresenta uma relação espacial

importante nos bairros citados. A concentração de CTDI de Nova Rosa da Penha apresenta

proximidade relativa com a concentração de CPUDI identificada nos limites deste mesmo bairro com

Nova Esperança. A concentração de CTDI de Mucuri, Vila Independência e Vila Capixaba situa-se

relativamente próxima da concentração de CPUDI registrada em Campo Grande. Da mesma forma, a

concentração de CTDI de Vera Cruz apresenta proximidade espacial com Campo Grande e,

outrossim, com Jardim América, bairro que registrou o maior nível de concentração de Crimes de

Posse e Uso de Drogas Ilícitas.

Essa interpretação cartográfica, de caráter analítico criminal estratégico, sugere que os espaços aqui

destacados podem apresentar relação nas dinâmicas criminais referentes das drogas ilícitas, se

consumando como locais de tráfico e distribuição de tóxicos. Tal apontamento pode ser melhor

complementado por meio da exploração de pesquisas de campo e outras fontes que se reportam às

informações criminais tático-operacionais.

Por fim, cabe ressaltar que os bairros Cariacica Sede, Flexal II, Santa Catarina, Castelo Branco,

Presidente Médice e Porto de Santa registraram níveis médios de concentração de CPUDI.

38

Figura 12 - mapa de concentração dos CPUDI, Cariacica 2009

39

4.6 Crimes de armas de fogo - CAF

O indicador de Crimes de Armas de Fogo - CAF foi composto pelo agrupamento dos registros de

porte ilegal de armas, fabricação ilegal de armas e munições, apreensão de arma de fogo e disparo de

arma.

Com base na figura 13 constata-se que Campo Grande e alguns bairros de seu em torno, como Vila

Capixaba, Santa Cecília e Dom Bosco, consolidaram um conglomerado com alta concentração de

Crimes de Armas e Munições e raio de influência de 700m.

Bairros como Planeta, Campo Verde, Presidente Médice, Porto de Santana, Itaquari, Jardim

América, Alto Lage, Castelo Branco, Santa Catarina, Flexal II e Nova Rosa da Penha registraram

níveis médios de concentração de CAF.

Como visto anteriormente, pesquisadores, como Waiselfisz (2004), Raizer et al. (2004) e Zanotelli

(2007), ressaltam que as principais vítimas dos crimes violentos letais em Cariacica são os jovens de

15 a 24 anos, do sexo masculino, afrodescendentes e moradores dos bairros desprivilegiados. Em

geral, estes estão associados ao mundo do tráfico e são assassinados por armas de fogo.

Parte desta constatação pode ser corroborada pela leitura cartográfica comparativa dos mapas de

CLCP, CTDI e CAF (figuras 10, 11 e 13) que permite identificar uma significativa correlação

espacial entre esses crimes, sobretudo, nos bairros Nova Rosa da Penha, Flexal II, Castelo Branco e

Santa Catarina.

40

Figura 13 - Mapa de concentração dos CAF, Cariacica 2009.

41

4.7 Crimes não letais contra a pessoa - CNLCP

O agrupamento dos registros de lesão corporal, ameaça e rixa formou o indicador de Crimes Não

Letais Contra a Pessoa - CNLCP.

A interpretação cartográfica da figura 14 permite identificar que a distribuição espacial dos CNLCP

mostra-se um pouco diferenciada do padrão apresentado pelo mapa dos CLCP (figura 10). Como se

percebe os bairros Presidente Médice, Campo Grande e Itacibá apresentaram altos níveis de

concentração de Crimes Não Letais Contra a Pessoa. Este último bairro consolidou um

conglomerado de alta concentração de CNLCP com raio aproximado de 800m, evidenciando-se em

nível municipal.

Presidente Médice e Campo Grande formaram dois clusters com abrangência espacial de cerca de

600m, contudo com níveis de concentração não tão elevados quanto aos registrados em Itacibá.

Castelo Branco e Santa Catarina formaram um conglomerado (raio de 300m) com concentração de

CNLCP médio-alta. Nova Rosa da Penha e Nova Esperança também apresentaram padrão de

concentração dos CNLCP semelhante a estes bairros. Ao contrário dos mapas anteriores, na figura 14

o bairro de Bela Aurora foi evidenciado com níveis médio-altos de Crimes Não Letais Contra a

Pessoa.

As lesões corporais, ameaças e rixas são indicadores de fundamental importância para a Segurança

Pública. Mesmo não se caracterizando como delitos extremos de violência, ou seja, não apresentando

a resultante morte, como ocorre com os homicídios, tais crimes comprometem direitos humanos

básicos, trazendo traumas físicos e/ou psíquicos às vítimas. Muitas vezes, os Crimes Não Letais

Contra a Pessoa podem se desdobrar em outros eventos delituosos, como vias de fato, agressão ou

lesão de maior gravidade, ou ainda em crimes letais. Dessa forma, a análise e o acompanhamento

deste indicador torna-se essencial para as políticas e ações de prevenção e repressão da criminalidade

violenta.

42

Figura 14 - Mapa de concentração dos CNLCP, Cariacica 2009.

43

4.8 Crimes contra o patrimônio

A análise dos Crimes Contra o Patrimônio decorreu da estruturação dos indicadores de Crimes de

Roubos - CR e Crimes de Furtos - CF. Este primeiro indicador foi composto pelos crimes de roubos

em e de patrimônios. O segundo indicador foi formado pelos crimes de furtos em e de patrimônios.

Considerados dois relevantes indicadores de criminalidade, os delitos roubo e furto são usados

muitas vezes para definir um mesmo fato criminoso, em que a vítima é despojada da posse de um

bem integrante de seu patrimônio. Todavia, a definição de furto se difere da definição de roubo por

não apresentar grave ameaça ou violência à vítima. O bem material é retirado da esfera de vigilância

do proprietário sem que o mesmo perceba.

A figura 15 destaca Campo Grande com a maior concentração de Crimes de Roubos - CR,

evidenciando um cluster com raio de influência de 600m e abrangendo bairros do em torno, como

Vila Palestina, Cruzeiro do Sul, Morada de Santa Fé e São Geraldo. Essa tendência de concentração

pode ser explicada, em parte, pela alta densidade demográfica (ver coletânea de mapas nos

apêndices) e por Campo Grande ser o principal centro comercial do município de Cariacica,

congregando departamentos de vendas diversos, supermercados, estabelecimentos financeiros etc..

Ainda com base na figura 15 constata-se que o bairro Jardim América apresentou níveis médios de

concentração de CR.

No mapa da figura 15 identifica-se que as dinâmicas dos Crimes de Furtos - CF seguem padrão de

distribuição espacial muito semelhante às dinâmicas dos CR. Campo Grande também apresenta as

maiores concentrações de CF, contudo com um raio de influência menor (400m), ou seja,

restringindo-se praticamente aos limites territoriais desse bairro.

44

Figura 15 - mapa de concentração dos CNLCP, Cariacica 2009.

45

4.9 Considerações preliminares

O conjunto de mapas aqui apresentados evidencia alguns padrões e tendências de criminalidade

violenta de Cariacica. A violência não se distribui de maneira espacial homogênea neste município.

Como visto, as variáveis criminais podem se correlacionar geograficamente a partir das dinâmicas

criminais desdobradas nos bairros de Cariacica. Além disso, fatores sócio-econômicos e infra-

estruturais urbanos podem influenciar a concentração ou dispersão da violência.

Nesse sentido, a exploração dos dados censitários (ver coletânea de mapas no apêndice) poderão

fornecer subsídios essenciais para uma melhor compreensão da criminalidade violenta registrada

neste município e para dar suporte à políticas e ações preventivas e repressivas no campo da

Segurança Pública e ramos afins.

A análise preliminar que aqui se insere será aprofundada por meio da compilação de bancos de dados

fundamentais para a gestão municipal, consolidação de outros indicadores criminais, exploração dos

dados sócio-econômicos e infra-estruturais urbanos e estabelecimento de correlações entre as

informações censitárias e as variáveis criminais.

46

5. CARACTERIZAÇÃO DOS EQUIPAMENTOS PÚBLICOS NO MUNICÍPIO SOB

GESTÃO DO GOVERNO ESTADUAL

5.1. O sistema de atendimento a população sob custódia

5.1.1.Caracterização do sistema prisional

O sistema prisional no Estado do Espírito Santo conta com 34 unidades prisionais, das quais 17 na

região metropolitana de Vitória, além do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP).

No município de Cariacica estão instaladas 5 unidades: a penitenciária feminina de Cariacica, a

penitenciária feminina semiaberra de Cariacica, a Penitenciária estadual feminina de Tucum, o centro

de detenção provisória de Cariacica, e o Hospital de Custódia, antigo Manicômio Judiciário do

Espírito Santo. As três últimas unidades estão localizadas na região central do município, em Tucum

e as duas primeiras na região rural, em Bubu.

Observa-se que maioria absoluta das unidades prisionais existentes em Cariacica é destinada a

população carcerária feminina. A organização das atividades nestas unidades se direciona à custódia

de presas provisórias e a ressocialização das presas condenadas, com penas privativas de liberdade.

A população carcerária que, no início de 2003, era de 3.500 presos, mais que triplica no final de

2010, totalizando 11,7 mil presos.

A situação de desrespeito aos direitos humanos e aos mais elementares direitos da população

carcerária no estado do Espírito Santo chegou ao conhecimento público graças a ação desencadeada

por organizações não-governamentais de defesa dos direitos humanos que, através do Conselho

Estadual de Direitos Humanos, apresentaram denúncia à ONU (Organização das Nações Unida)

relatando a postura omissa e conivente do governo estadual diante da prática de tortura praticada

contra os presos, no interior das unidades prisionais e a imposição de maus-tratos e tratamento

degradante aos presos e seus familiares.

Após as denúncias, o governo estadual, com o apoio da União, fez um grande investimento na

reestruturação do sistema prisional, gastando algo em torno de R$ 420 milhões com a construção ou

a reforma de unidades prisionais, além de ter desativado o “micro-ondas”, ou seja, os contêineres

metálicos que serviam de prisão. Com a desativação das celas metálicas em agosto de 2010, 699

presos foram transferidos para o complexo penitenciário do estado.

47

Estudiosos do tema consideram que o descumprimento da Lei de Execução Penal é a causa dos

piores problemas que marcam a história recente do sistema carcerário no Brasil. A superlotação dos

presídios, por exemplo, é citada como uma consequência da não-observância do dispositivo legal

que estabelece a lotação compatível com a estrutura e a finalidade do estabelecimento prisional.

5.1.2. Caracterização das unidades socioeducativas

O Instituto de Atendimento Sócio-Educativo do Espírito Santo – IASES – é responsável pelo

planejamento, coordenação e execução da política do governo estadual para o setor, particularmente,

pela execução da medida sócio-educativa de privação de liberdade no âmbito estadual. Entre as cinco

unidades de atendimento que integram a estrutura do IASES, quatro localizam-se em Cariacica: a

Unidade de Internação provisória (Unip), a Unidade de Internação Sócio-educativa (Unis), a Unidade

de Internação Feminina (Ufi) e a Unidade de Atendimento aos Deficientes (Unaed).

Foi solicitado o quantitativo de adolescentes privados de liberdade em unidades de internação no

município de Cariacica; o número de adolescentes em liberdade assistida e de jovens egressos do

sistema sócioeducativo bem como o levantamento das ações e políticas sociais públicas voltadas para

a ressocialização desse público. Infelizmente a solicitação não foi atendida. O levantamento de

pesquisas sobre o tema permitiu a identificação do “Mapeamento Nacional sobre a Situação das

Instituições que Aplicam Medida Socioeducativa de Privação de Liberdade ao Adolescente em

Conflito com a Lei no Brasil”, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Social (IPEA),

divulgado no ano de 2010. Utilizando dados primários, a pesquisa apresenta as características do

atendimento socioeducativo no Brasil, entre outros aspectos relevantes a compreensão dessa

realidade Para ilustrar alguns desafios a política de atendimento ao adolescente em conflito com a lei

destacamos quatro grandes desafios impostos por dificuldades ainda não superadas para a

implementação SINASE:

1. Regra geral, o ambiente físico das unidades de atendimento não é adequado as necessidades

pedagógicas de aplicação da medida sócio-educativa e não respondem aos requisitos para a

preservação da saúde e da dignidade humana dos adolescentes sob custódia do Estado;

2. Entre as dificuldades apontadas para o oferecimento da escolarização ao adolescente

cumprindo medida de privação da liberdade, destacam-se: a inadequação de espaço físico, a

48

insuficiência de professores e a baixa qualificação dos mesmos para o trabalho com os

adolescentes, turmas superlotadas, ausência de critérios de avaliação de aprendizagem e o não

oferecimento de certificação.

3. A insuficiência ou inadequação de espaço físico também é apontada como uma das principais

dificuldades para oferecimento de profissionalização aos adolescentes. Outras dificuldades

nessa área são: a ausência de relação entre os cursos oferecidos com as necessidades

regionais e locais do mercado de trabalho; o número reduzido de vagas; e a insuficiência da

carga horária dos cursos, que não permite uma verdadeira preparação para o trabalho.

4. A preparação do adolescente para o convívio social e o apoio ao egresso – objetivos

singulares da doutrina de proteção integral adotada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente

- são ações deficitárias em mais da metade dos estados da Federação.

O coordenador da Pastoral do Menor da Arquidiocese de Vitória, Padre Xavier Paollilo tem

destacado, em suas inúmeras entrevistas aos meios de comunicação do estado, que o IASES ainda

não conseguiu implantar uma política efetiva de ressocialização nas unidades de internação além de

sistematicamente desrespeitar os direitos humanos e impor um tratamento indigno aos internos. O

Padre Xavier, reconhece a existência de dificuldades para a efetiva implementação das diretrizes do

SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) e que apesar do esforço dos

profissionais da área para implantar a proposta pedagógica, há desafios cuja superação é improvável

apenas a partir das instituições de custódia. Segundo ele, “as unidades estão fragmentadas em

gangues ligadas a morros, o que dificulta ainda mais a implementação de qualquer proposta

educativa”. Outro fator que dificulta o trabalho sócioeducativo na UNIS é a presença na unidade de

jovens adultos de 19 ou 20 anos egresso do sistema prisional. De acordo com relato do Coordenador

da Pastoral do Menor:

“Muitas vezes, a Justiça acaba descobrindo que esse jovem-adulto possuía um delito

em aberto praticado quando ele ainda era adolescente. Depois que ele cumpre a pena

no sistema prisional, é condenado a cumprir outra pena na UNIS. Esse interno traz

para dentro da UNIS todos os ‘vícios’ do sistema prisional. Já sugerimos à Justiça que

depois de cumprida a pena no sistema prisional, o jovem deveria ser remido de sua

49

pena anterior cometida na adolescência. Infelizmente, a Justiça ainda não nos ouviu”,

lamenta.

Transcrevemos abaixo os principais trechos da entrevista com um técnico de nível superior

responsável pelo núcleo de pesquisa do Instituto de Atendimento Sócio-Educativo do Espírito Santo

– IASES. A entrevista visou a colher a opinião da equipe técnica a respeito do atendimento

institucional a adolescentes em conflito com a Lei.

Sobre o perfil do usuário foi informado que os usuários atendidos pelo IASES são

adolescentes e jovens com idade entre 12 e 21 anos incompletos, conforme prevê o

Estatuto da Criança e do Adolescente. Em sua maioria são de cor negra, residentes na

Grande Vitória, com baixa escolaridade e renda familiar entre 1 e 2 salários mínimos.

Os grupos familiares destes adolescentes e jovens são extensos e com grande número

de agregados. Possui baixa ou nenhuma escolaridade, e em muitos casos encontram-se

em defasagem escolar ou abandonaram a escola formal.

Houve mudança no perfil dos usuários. Nos últimos 5 anos os atos infracionais

praticados por adolescentes têm sido mais graves e violentos, além disso, é recorrente

o número de internações por envolvimento com drogas. O número de adolescentes

atendidos tem aumentado anualmente e o tipo de violência/ato infracional mais

recorrente/praticado(a) por crianças/adolescentes/jovens atendidos pelo IASES é

tráfico de drogas e roubo.

O motivo que tem levado o adolescente à prática de atos infracionais tem a ver com a

suscetibilidade dos mesmos ao apelo ao consumismo muito presente na mídia de

modo geral. Além disso, a ausência de referências familiares que possam orientar os

adolescentes e jovens se faz presente em numerosos casos do público atendido pelo

IASES. Apontam ainda falhas na rede básica de proteção, especificamente na escola e

nas medidas protetivas. Em relação a escola apontam que essa instituição básica não

consegue despertar a necessidade da educação para além da instrução (aprender a ler,

escrever, contar) e não sabe como lidar com aquele aluno mais inquieto e/ou com

problemas de concentração, por exemplo. Em relação às medidas protetivas, a equipe

técnica do IASES considera que as mesmas não conseguem alcançar uma parcela

50

considerável da população. Programas e projetos de apoio em regime de contra-turno

escolar como esporte, lazer, cultura e arte ainda não são em número suficiente para

conseguir atender/incluir a todos. Além desses fatores, ainda temos famílias com

dificuldade de impor limites durante o processo de educação de crianças e

adolescentes, sendo este um fator com um peso significativo.

Entre os encaminhamentos mais freqüentes voltados ao atendimento de adolescentes e

jovens custodiados destacam-se: a documentação civil como Carteira de Identidade,

CTPS, Título de Eleitor, Certificado de Reservista, CPF, fotos para documentos e em

alguns casos até a Certidão de Nascimento. Os adolescentes e jovens são atendidos

regularmente por uma equipe multidisciplinar e recebem assistência social,

psicológica, pedagógica, jurídica e acompanhamento familiar. Além disso, há uma

unidade de saúde instalada na unidade para atendimentos ambulatoriais.

Os adolescentes atendidos pelo IASES estão matriculados no ensino regular e no EJA,

mas todo o processo educacional acontece dentro da própria unidade através de uma

parceria com a Secretaria Estadual de Educação.

Para o acompanhamento/atendimento dos/aos pais ou familiares há um Núcleo de

Abordagem Familiar e Comunitária que articula o trabalho junto aos técnicos da

unidade que realizam o atendimento direto às famílias dos adolescentes e orienta as

equipes técnicas através das diretrizes desse atendimento. Dentre as ações realizadas

para os familiares podemos destacar visitas domiciliares, atendimentos individuais,

visitas monitoradas, articulação com CRAS/CREAS e a rede local de serviços em

locais onde ela está constituída (Grande Vitória), pois no interior as ações não estão

estruturas de forma adequada ou possuem uma rede reduzida.

O Núcleo tem o objetivo de implementar o Programa Institucional de Abordagem

Familiar e Comunitária, tendo como base a intersetorialidade das políticas públicas.

Uma de suas atribuições é a articulação e organização dos serviços em parceria com

órgãos governamentais e não governamentais para garantir o envolvimento da família

no processo de ressocialização e inclusão social dos adolescentes visando o

fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

51

Para qualificar o atendimento ao adolescente em conflito com a lei, tendo em vista o

quanto está fragilizado o sistema familiar, será necessário intervir no fortalecimento

da família a partir de sua singularidade e de maneira participativa através da

construção de Planos Promocionais que valorizem sua capacidade de encontrar

soluções para os problemas enfrentados no seu cotidiano.

É necessário fortalecer as políticas públicas de atendimento visando o reordenamento

de programas, serviços, benefícios, projetos entre outros que ofereçam o atendimento

integral as famílias visando a restauração dos vínculos familiares e comunitários, além

de promover sua autonomia na elaboração de um novo projeto de vida.

Para melhor identificar/ressaltar alguma característica específica sobre os adolescentes

e jovens de Cariacica atendidos pelo IASES, será realizado um senso a fim de

qualificar as informações a respeito dos adolescentes e jovens atendidos, bem como

levantar o perfil dos mesmos para poder focar suas ações. Esse diagnóstico facilitará

no momento de rever ou pensar as estratégias e projetos desenvolvidos, aprimorá-los e

propor novas ações.

6. JUVENTUDE E SEGURANÇA PÚBLICA

O Observatório de Segurança Pública no estado de São Paulo compartilha da ideia segundo a qual os

jovens representam o grupo social mais vulnerável, tanto em termos da dificuldade de acesso ao

emprego e à cidadania, quanto em termos de vulnerabilidade e vitimização pela violência. A

presença juvenil é significativa nas estatísticas de mortalidade por causas externas violentas,

particularmente homicídio e acidente de trânsito. Essa característica da violência contemporânea,

capturada por alguns dentre os formadores de opinião sobre o tema, tem facilitado o estabelecimento

de uma associação direta entre a condição juvenil e traços como o desvio, a contravenção e o ilícito.

Uma consulta aos dados da pesquisa “Mapa da Violência IV: os jovens do Brasil. Juventude,

Violência e Cidadania”, reforça a percepção da alarmante vulnerabilidade dos jovens à violência .

Por essa pesquisa sabe-se que em uma década – de 1993 a 2002 – , houve um aumento de 88,6% de

jovens mortos, totalizando 54,5 mortos por 100 mil habitantes. Os dados desta pesquisa permite

saber ainda que em 2002, 39,9% das mortes de jovens se deram por homicídio, 15.6% por acidente

52

de trânsito e 3,4% por prática de suicídio. Juntos, homicídio, trânsito e suicídio totalizam 59% das

mortes dos jovens brasileiros e que 31,2% das mortes de jovens foram causadas por arma de fogo.

O “Mapa da Violência 2010 – Anatomia dos Homicídios no Brasil” apresenta um conjunto de novos

dados que nos permitem saber do incremento dos homcídios no Brasil. Foram registrados 512.216

assassinatos de 1997 a 2007, sendo que, para o último ano considerado, foram apuradas nada menos

que 130,7 mortes por dia. Porem, para o ano de 2007, verifica-se que a taxa de homicídios - de 25,2

mortes para cada grupo de 100 mil habitantes - é a mais baixa dos onze anos no período estudado,

apesar de ser apenas dois décimos menor do que a de 1997 (25,4).

O estudo, baseado nos atestados de óbito do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do

Ministério da Saúde e mostrou que, desde 1980, a violência continua crescendo entre jovens: em

1980 morriam por homicídio 30 jovens (entre 15 e 24 anos) em cada grupo de 100 mil habitantes, em

2007 esse número saltou para 50,1. O que leva o autor do estudo a afirmar que

"(...) a história recente da violência que resulta em homicídio no Brasil é a história do crescimento

dessa violência entre jovens. Uma não terá solução sem a outra".

Importa destacar ainda: em mais de 90% dos homicídio, as vítimas são homens, entre os quais os

mais atingidos no período foram os negros: se em 2002 morriam 46% mais negros do que brancos,

em 2007 a proporção cresceu para 108%.

O crescimento de homicídios entre adolescentes e jovens motivou a construção do índice de

homicídios na adolescência. O IHA foi aplicado em pesquisa recente desenvolvido pelo Observatório

de Favelas no Rio de Janeiro e patrocinado pela SEDH. O resultado da pesquisa “Homicídios na

Adolescência no Brasil – 2005-2007” foi divulgado em meados de 2010. Trata-se de um

mapeamento de mortes de jovens com idades entre 12 e 18 anos ocorridas ao longo do período

considerado nos municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes.

O IHA calcula o número de adolescentes de 12 anos que são assassinados antes de completar 19 anos

e permite a estimativa de mortes violentas ao longo de um período de sete anos, além de calcular os

riscos relativos aos recortes de idade, etnia, gênero, etc. O IHA estima, para um universo de mil

pessoas, o número de homicídios que se pode esperar ao longo dos 12 aos 18 anos de idade, se os

fatores de risco e vulnerabilidade que atinge essa faixa etária não forem revertidos. Estima-se que de

2006 até 2012, devem ter morrido, por assassinato, aproximadamente 33 mil jovens no Brasil.

53

A Região Metropolitana da Grande Vitória - RMGV foi incluída na base empírica da pesquisa o que

resultou em um conjunto de novos dados sobre homicídios, dentre os quais importa destacar que:

1. Cariacica desponta em 3º lugar no índice de Homicídios na Adolescência. Há 7,3

mortes para cada mil adolescentes. A cidade só fica atrás de Foz do Iguaçu (PR) e

Governador Valadares (MG). O levantamento revela ainda uma estimativa

preocupante.

2. Até entre 2010 e 2012 cerca de 393 jovens podem morrer em Cariacica, vítimas de

homicídio, caso a violência não tenha redução.

O estado do Espírito Santo tem duas delegacias, ambas localizadas em Vitória, destinadas ao

atendimento de ocorrências envolvendo criança e adolescentes: a Delegacia de Proteção à Criança e

ao Adolescente (DPCA-ES) e a Delegacia Especializada de Adolescentes em Conflito com a Lei

(DEACL-ES). A Coordenação de Estudos Sociais do IJSN realizou um interessante trabalho com o

objetivo de organizar e sistematizar informações sobre a situação da infância e juventude no estado.

Nesse sentido, produziu uma série de planilhas com a análise dos dados extraídos dos Boletins de

Ocorrência da DPCA, entre 2004 e 2007. Para o município de Cariacica imporá destacar que: O

percentual de ocorrências envolvendo adolescentes com a prática de ilícitos penais cresceu ao longo

do período analisado e Cariacica ocupa a segunda posição entre os municípios da RMGV com maior

número de ocorrências, sendo que a capital, Vitória, ocupa a primeira posição.

Diante das informações expostas acima, é preciso reconhecer a importância da detecção precisa

acerca do binômio juventude e violência, reconhecendo a força das estatísticas que colocam os

jovens em conexão com situações de violência(como vítimas ou agressores) e de envolvimento com

o crime. Por outro lado, no entanto, é fundamental o aprofundamento de estudos em torno desta

problemática, sob o risco de se incorrer no erro de reforçar uma visão estereotipada a respeito de

alguns grupos desse segmento, particularmente negros e moradores de bairros pobres e de periferia.

Esta também é uma condição fundamental para a proposição de propostas e projetos de intervenção

no âmbito municipal capazes de serem identificadas como uma boa prática no campo da segurança

pública.

54

7. MULHERES E SEGURANÇA PÚBLICA: ENTRE A VIOLÊNCIA E A LUTA PELA

CIDADANIA

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, também

conhecida como Convenção de Belém do Pará, adotada pela OEA, em 1994, define a violência

contra a mulher como

“qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento

físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera

privada”.

Por essa definição a violência não se restringe à violência física e tampouco ao espaço privado, ou

doméstico. Essa definição faculta uma maior percepção do fenômeno da violência contra a mulher

além de contribuir para o direcionamento do olhar analítico sobre situações de dano e sofrimento

impostas as mulheres no espaço privado, mas também na esfera pública.

Durante a realização do diagnóstico sobre a situação da mulher em Cariacica, foram realizados

grupos focais e as mulheres que participaram dos mesmos, relataram ter presenciado situações de

violência contra outras mulheres ou contra os filhos destas. Por estes relatos as mulheres deixam

transparecer sentimentos e emoções em relação aos fatos presenciados, denotando comoção e abalo

moral em face à lembrança dolorosa de um ato ofensivo ou abusivo.

“Presenciei um pai explorando a filha por muito tempo e a mulher suportando porque ela

não tinha onde cair morta. Dava um desespero dentro da gente...”

Ele (o pai) ameaçou o meu filho de morte. Meu filho mudou o comportamento, começou a se

envolver com droga. Até que eu criei coragem e sai de casa”

“... uma vizinha minha, que eu fui até testemunha do divórcio dela, o marido dela apanhou

um pedaço de meio fio para tacar na cabela dela. Só não arrebentou porque o filho mais

velho entrou no meio. Na hora é um sentimento de revolta, porque eles iludem a gente, casam

com a gente, a gente ajuda a ficarem rico, a melhorarem de vida. Este vizinho era dono de

uma lotérica na época...ele falsificou a assinatura dela e vendeu imóveis que ela tinha”.

Em um diagnóstico sobre a situação da mulher em Cariacica, realizado no início de 2007, sob a

supervisão da Assessoria Especial dos Direitos da Mulher, oferta um conjunto de informações

55

relevantes à problematização do tema além de identificar situações desafiadoras para as políticas

públicas. Por ora destacamos algumas circunstâncias que ajudam a definir a situação da mulher em

Cariacica:

As mulheres representavam 50,8% população total do município de Cariacica no ano de

2000, segundo o IBGE.

52,5% dos nascidos vivos são filhos de mulheres com idade entre 15 e 24 anos por ocasião do

parto.

10% das mulheres residentes na área urbana de Cariacica são analfabetas e 22% são

analfabetas funcionais. No meio rural esse percentual sobe para 20% e 33% respectivamente.

Apenas 27% das vagas de emprego no mercado formal são destinadas as mulheres, sendo o

comércio e o setor de serviços as áreas que mais as empregam. É importante observar que

mulheres têm representado a maior parte, (51%) do total de inscritos para emprego na

Agência do Trabalhador de Cariacica. Observa-se que a assimetria entre o número de vagas

ofertadas para homes e para mulheres é enorme e, indiretamente, tende a descartar a mulher

do mercado formal de trabalho, dificultando a ela a aquisição de experiência profissional.

A intensidade da violência física contra a mulher cariaciquense foi apurada através de

procedimento de pesquisa. Perguntados se já “haviam presenciado algum ato de violência

contra uma mulher” – 53,0% dos entrevistados do sexo masculino e 54,1% das entrevistadas

do sexo feminino – responderam que já haviam presenciado a violência contra a mulher em

Cariacica.

O flagelo da violência contra a mulher persiste e vem resistindo às medidas adotadas por agências

governamentais e não-governamentais, para o seu enfrentamento. Segundo a Organização Mundial

de Saúde (2005. apud. SEPPUR, 2007) uma em cada seis mulheres no mundo sofre violência

doméstica praticada, em 60% dos casos, por maridos ou companheiros.

A violência contra mulheres é a mais perversa entre as expressões da desigualdade de gênero.

Agredir fisicamente, assassinar, causar sofrimento psicológico, assediar sexualmente, prejudicar

moralmente e estuprar uma mulher ou uma menina são fatos que têm acontecido ao longo da

história, em praticamente todos os países ditos civilizados e dotados dos mais diferentes regimes

56

econômicos e políticos. A magnitude da agressão, porém, varia. “É mais freqüente em países de uma

prevalecente cultura masculina, e menor em culturas que buscam soluções igualitárias para as

diferenças de gênero” (BLAY, 2003).

Em Cariacica, o perfil da mulher que sofre violência masculina é formado, predominantemente, de

mulheres pardas, que já são mães de pelo menos dois filhos, que residem em habitações precárias,

encontram-se na faixa etária entre 18 e 44 anos e apresentam baixa escolaridade (PMC/AEDM,

2007).

7.1. Registros de violência contra a mulher

Por meio da coleta de dados realizada na Delegacia da Mulher, constatou-se que, em 2009, foram

registrados 3.001 boletins de ocorrências. Desse montante, 2.564 ocorrências faziam referência aos

crimes de lesão corporal dolosa, ameaça, estupro e tentativa de estupro. O gráfico abaixo salienta que

dessas 2.564 ocorrências registradas, 63,26% foram tipificadas como ameaça e 36,66% foram

classificadas como lesão corporal dolosa.

Gráfico 1 - Tipos de ocorrências registradas pela Delegacia da Mulher – Cariacica 2009

Fonte: Delegacia da Mulher, 2010

Ainda com base na Delegacia da Mulher, identifica-se que das 940 lesões corporais dolosas

computadas, 96% foram praticadas pelas próprias mãos do agressor ou com a utilização de objetos

contundentes.

57

O gráfico de sazonalidade indica que em 2009 os registros de ameaça se concentraram nos meses de

agosto a novembro. Enquanto as ocorrências de lesão corporal dolosa mantiveram uma distribuição

um pouco mais constante, excetuando-se o pico computado em março.

Gráfico 2 - Sazonalidade das ocorrências registradas pela Delegacia da Mulher – Cariacica 2009

Fonte: Delegacia da Mulher, 2010

Sem adiantar conclusões, insta reforçar que a causalidade da criminalidade violenta, devido à sua

complexidade, nunca se deve a um único fator, mas sempre a um conjunto de fatores. A etiologia do

crime demanda por um maior aprofundamento na análise dos dados e ampliação da série histórica

enfocada.

Quanto à faixa etária das vítimas de lesões corporais dolosas e ameaças, das ocorrências apuradas na

Delegacia da Mulher em 2009, constatou-se que as faixas de 30 a 34 anos e 35 a 64 anos foram as

mais afetadas por este tipo de violência. Essas faixas etárias também evidenciaram os maiores

números de ocorrências de ameaça.

58

Gráfico 3 - Faixas etárias das vítimas de ocorrências registradas pela Delegacia da Mulher –

Cariacica 2009

Fonte: Delegacia da Mulher, 2010

Quanto à raça/cor das vítimas de lesões corporais dolosas e ameaças, identificou-se uma

predominância das vítimas de raça/cor parda, conforme pode-se constatar no gráfico abaixo:

Gráfico 4 - Raça/cor das vítimas de ocorrências registradas pela Delegacia da Mulher – Cariacica

2009

Fonte: Delegacia da Mulher, 2010

59

A análise dos dados da Delegacia da Mulher permite identificar as características dos agressores das

vítimas de lesões corporais dolosas e ameaças. 87,1% dos agressores de lesões corporais dolosas

eram pessoas do sexo masculino. 81,2% dos responsáveis pelas ameaças registradas pela Delegacia

da Mulher eram homens.

Os dois gráficos seguintes corroboram que as características sobre faixa etária e raça/cor dos

agressores responsáveis pelas lesões corporais e ameaças apresentam características semelhantes às

suas vítimas.

Gráfico 5 - Faixas etárias dos agressores responsáveis pelas ocorrências registradas pela

Delegacia da Mulher – Cariacica 2009

Fonte: Delegacia da Mulher, 2010

60

Gráfico 6 - Raça/cor dos agressores responsáveis pelas ocorrências registradas pela Delegacia da

Mulher – Cariacica 2009

Fonte: Delegacia da Mulher, 2010

7.2. Para a superação da violência contra as Mulheres: notas propositivas

As mulheres se sentem inseguras no espaço público, o que faz com que se encerrem em seus lares.

Esta afirmativa anima a ação política de mulheres que militam no âmbito das agências multilaterais –

como a Diretora Regional do UNIFEM no Brasil e Cone Sul e a Plataforma Política da Rede Mulher

e Habitat da América Latina – e desenvolvem esforços tendo por objetivo a superação da violência

de gênero.

Regra geral, as proposições e eventuais programas de ação apresentados por essa militância partem

do entendimento de que o enfrentamento da violência contra as mulheres requer não só uma

percepção multidimensional do fenômeno como também a convicção de que para superá-lo é preciso

investir no desenvolvimento de políticas que acelerem a redução das desigualdades entre homens e

mulheres

Em segundo lugar, o conjunto de proposições referenciadas internacionalmente e voltadas ao

enfrentamento da violência contra a mulher, aborda a problemática a partir da perspectiva dos

direitos humanos e, especificamente, do direito humano da mulher à cidade.

61

O Direito a Cidade é definido como o usufruto eqüitativo das cidades dentro dos princípios de

sustentabilidade, democracia e justiça social; É um direito interdependente a todos os direitos

humanos, internacionalmente reconhecidos. O Direito à cidade é concebido a partir da perspectiva da

interdependência entre os direitos sociais, políticos, civis, culturais e ambientais. Inclui também o

direito a liberdade de reunião e organização, o respeito e o direito à pluralidade étnica e a diversidade

racial, de orientação sexual, de procedência geográfica, de gênero, de crianças e jovens e a garantia

da preservação da herança histórica e cultural.

O direito da mulher à cidade deve abordar o fenômeno recorrente da violência contra a mulher, tanto

na esfera pública como na esfera privada, a partir de um enfoque que permita incorporar o território

como uma nova dimensão de análise, como espaço de conflito não apenas social, mas também de

gênero.

Historicamente, as mulheres têm enfrentado dificuldades para participar em decisões locais, além de

verificarem, na prática, a escassa inclusão de suas demandas nas agendas comunitárias e estatais,

particularmente aquelas relacionadas a violência cotidiana, que as afeta tanto em espaços públicos

quanto em privados.

A Prefeitura Municipal de Cariacica deve almejar o destaque por sua atuação no enfretamento à

violência de gênero. O poder público e a sociedade local, através de seus movimentos sociais, podem

assumir o compromisso de rejeitar as diferentes expressões da violência e compreender, juntos, que a

violência contra as mulheres, incluindo as lésbicas, cerceia os direitos e o exercício da cidadania

plena a uma grande parcela da população feminina. A conjuntura política é favoravel a

posicionamentos nessa direção e acena com a ampliação de políticas públicas direcionadas à

promoção da mulher.

A proposta de trabalho da municipalidade deve estar sustentada nas diretrizes de ação constantes no

Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, mas também em novas e

promissoras oportunidades de políticas públicas voltadas à promoção da integração plena, equitativa

e benéfica da mulher à cidadania e a todas as atividades relativas ao desenvolvimento social e

humano, com lastro em países do continente latino-americano.

É digno de nota o esforço da administração municipal para prover a municipalidade das condições

necessárias à intervenção do poder público com vistas à promoção da cidadania das mulheres.

62

Evidência nessa direção é a criação da Gerência de Direitos da Mulher vinculada a Secretaria

Municipal de Cidadania e Trabalho. Evidentemente, a vontade política e a ação efetiva do poder

público são permanentemente desafiadas, e até contida, pela não- superação de bases sócio-

econômicas, culturais e sexistas que, historicamente, sustentam as desigualdades entre os sexos. Tais

condições restritivas da emancipação feminina, alastradas na sociedade e transformadas em

preconceito contra as mulheres, dificultam o avanço das políticas de promoção para essa expressiva

parcela da população.

63

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