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Direito Internacional Privado O Direito Internacional Privado disciplina as relações privadas internacionais. As relações plurilocalizadas (relações privadas internacionais que são relações jurídicas que estão em contacto com vários ordenamentos jurídicos) são o objecto restrito do DIP (DIP clássico, que se ocupa dos conflitos de leis no espaço e dos conflitos de jurisdições). As fontes do DIP As actuais fontes, segundo a evolução histórica do DIP, surgiram inicialmente no jus gentium, devido à necessidade de regulação de relações com estrangeiros. Era uma via material (e não conflitual). Há 2 caminhos que podem ser seguidos quanto á regulação de relações privadas internacionais: 1. Regulamentação material dessas relações, considerando-as com carácter especial: é a via material ; 2. Mais tarde, os estatuários defenderam a via conflitual . Os estatuários são os glosadores e pós-glosadores. A via conflitual pretende tratar as relações privadas internacionais através de direito material que directamente regulasse essas relações. As escolas estatuárias começaram a defender a existência de princípios de natureza conflitual. Eram normas instrumentais que em vez de estabelecer um regime material, estabeleceriam princípios ou regras, como por exemplo, a lex locus regit actum (cabe ao lugar da celebração negocial, a lei que rege essa relação). O DIP apenas diria qual o regime jurídico aplicável a dada situação, não o regulando materialmente. Ambas as vias têm vantagens e desvantagens. O nosso legislador optou pela via conflitual, havendo cedências em alguns pontos à via material. A principal vantagem da via material é a certeza e segurança jurídica. Há uma maior facilidade no conhecimento do direito. O Código do Comércio Checoslovaco estabelecia regras especiais apenas aplicáveis às relações comerciais quando estas fossem plurilocalizadas. Esta via material poderia criar dificuldades quanto a direitos adquiridos por estrangeiros nos seus ordenamentos jurídicos. Esta via não tutela os estados legitimamente adquiridos (direitos e obrigações validamente adquiridos). Posteriormente, avançou-se para a defesa da via conflitual, embora esta fosse assentando, quer em critérios personalistas (onde quer que a pessoa se encontrasse, aplicar-se-lhe-ia a sua lei pessoal. Isto foi defendido, principalmente na época das cidades-estado italianas). Segundo critérios de territorialidade, aplicar-se-ia a lei local.

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Direito Internacional Privado

O Direito Internacional Privado disciplina as relações privadas internacionais. As relações plurilocalizadas (relações privadas internacionais que são relações jurídicas que estão em contacto com vários ordenamentos jurídicos) são o objecto restrito do DIP (DIP clássico, que se ocupa dos conflitos de leis no espaço e dos conflitos de jurisdições).

As fontes do DIP

As actuais fontes, segundo a evolução histórica do DIP, surgiram inicialmente no jus gentium, devido à necessidade de regulação de relações com estrangeiros. Era uma via material (e não conflitual).

Há 2 caminhos que podem ser seguidos quanto á regulação de relações privadas internacionais:

1. Regulamentação material dessas relações, considerando-as com carácter especial: é a via material;

2. Mais tarde, os estatuários defenderam a via conflitual. Os estatuários são os glosadores e pós-glosadores. A via conflitual pretende tratar as relações privadas internacionais através de direito material que directamente regulasse essas relações.

As escolas estatuárias começaram a defender a existência de princípios de natureza conflitual. Eram normas instrumentais que em vez de estabelecer um regime material, estabeleceriam princípios ou regras, como por exemplo, a lex locus regit actum (cabe ao lugar da celebração negocial, a lei que rege essa relação). O DIP apenas diria qual o regime jurídico aplicável a dada situação, não o regulando materialmente.

Ambas as vias têm vantagens e desvantagens. O nosso legislador optou pela via conflitual, havendo cedências em alguns pontos à via material.

A principal vantagem da via material é a certeza e segurança jurídica. Há uma maior facilidade no conhecimento do direito.

O Código do Comércio Checoslovaco estabelecia regras especiais apenas aplicáveis às relações comerciais quando estas fossem plurilocalizadas. Esta via material poderia criar dificuldades quanto a direitos adquiridos por estrangeiros nos seus ordenamentos jurídicos. Esta via não tutela os estados legitimamente adquiridos (direitos e obrigações validamente adquiridos).

Posteriormente, avançou-se para a defesa da via conflitual, embora esta fosse assentando, quer em critérios personalistas (onde quer que a pessoa se encontrasse, aplicar-se-lhe-ia a sua lei pessoal. Isto foi defendido, principalmente na época das cidades-estado italianas). Segundo critérios de territorialidade, aplicar-se-ia a lei local.

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Com a Escola Histórica alemã (Savigny), consagrou-se o trabalho dos estatuários e autores posteriores. Savigny consagrou a teoria da sede da relação jurídica. A escola Histórica Alemã protagonizava o universalismo, isto é, critérios materiais que, pela via conflitual dirimissem as relações privadas internacionais.

Até Savigny era a boa vontade dos Estados e seus tribunais que se estabeleciam critérios aplicáveis a determinadas relações. Não havia critérios comummente aceites.

A teoria da sede tenta identificar a natureza de cada uma das relações jurídicas privadas internacionais, concluindo que havia vários tipos de relações privadas internacionais.

1. Relações de natureza pessoal – A sede deveria ser a nacionalidade e domicílio da pessoa. Savigny defendia o domicílio. Estávamos na época da defesa da independência dos vários Estados alemães. Nas ordens jurídicas anglo-saxónicas, domicílio é sinónimo de nacionalidade. É o princípio da maior ligação individual. A nacionalidade e domicílio são os vínculos mais fortes.

2. Relações de natureza obrigacional (contratual) – Savigny defendia um princípio estatuário, que dizia que nos contratos internacionais, a vontade que deve ser determinativa da sede, é a lei que as partes tiverem escolhido. É o princípio da autonomia da vontade em DIP.

3. Relações de natureza real – Savigny defende também um princípio estatuário que é a lex reisitae, ou seja, o lugar onde está a coisa.

Concluiu que os critérios para saber qual a lei que regulasse estas relações deveria decorrer da sede das mesmas. Então, é mister determinar qual a sede da relação jurídica.

Até hoje, manteve-se a influência de Savigny, bem como da pandectistica alemã. Isto verifica-se na nossa ordem jurídica. Os artº. 25º. a 65º. CC reflectem a doutrina de Savigny.

O artº. 31º. CC esclarece que a lei pessoal é a lei do indivíduo.Os artº. 25º. ao 40º. CC está o estatuto pessoal. Do artº. 41º. ao 45º. está o obrigacional, etc. Segue-se o critério de sistematização do Código Civil.

O Código Civil é a fonte primordial do DIP, mas há também normas de DIP que não são normas de conflitos, de leis (artº. 14º. a 24º. CC).

As normas de conflito são instrumentais e remissivas. Não dizem o direito, mas sim qual o direito a aplicar.

As fontes de DIP que sejam de conflito são sempre normas instrumentais.

Fontes de DIP quanto à sua origem

Fontes internacionais de DIP

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• Convenções de 1832 e seguintes relativas às letras, livranças e cheques. São fontes materiais de DIP. Estas convenções consagram a comunidade das nações, defendida por Savigny (é o fundo comum civilizacional).

Em alguns aspectos, como o casamento, sucessão por morte, etc., é impossível uma uniformização de legislação material a nível internacional. São aspectos de carácter pessoal que variam se ordenamento jurídico para ordenamento jurídico. Por isso, a maior parte das convenções internacionais consagram normas de conflito e não de direito material. a convenção de Roma de 1980 diz respeito à lei aplicável à obrigações contratuais.

Esta convenção é aplicada em toda a EU no âmbito da lei aplicável aos contratos.

• Convenções bilaterais ou multilaterais quanto à execução de sentenças relativas a alimentos de menores. Visam facilitar a livre circulação de sentenças entre os diferentes países.

• Convenção de Nova Iorque, relativa à prestação de alimentos.

• Convenção de Nova Iorque que regula a arbitragem internacional entre os Estados subscritores.

Há uma miríade de fontes internacionais.

Os regulamentos comunitários relativos a DIP são também essenciais. São regulamentos relativos à livre circulação d sentenças no espaço comunitário. De destacar:

• Regulamento 2201/2003 do Conselho da Europa – Livre circulação de sentenças em matéria matrimonial e regulação das responsabilidades parentais.

• Regulamento 44/2001 do Conselho da Europa – Regula a livre circulação de sentenças em matéria civil e comercial.

Princípios gerais de DIP (fonte interna de DIP):

1. Princípio da não transactividade – Significa que a uma situação plurilocalizada, em regra, apenas pode ser aplicado direito material de uma ordem jurídica que esteja em contacto com a situação. É um princípio estrutural do DIP português. Está para o direito de conflitos no espaço, como o princípio da não retroactividade está para o conflito de leis no tempo.

2. Princípio da conexão, mais estreita – Segundo este princípio, devemos presumir que o legislador, ao criar a norma de conflitos, teve a preocupação de utilizar uma conexão capaz de individualizar uma lei que é aquela que tem uma ligação mais forte com a situação plurilocalizada. Aliás, só a ligação mais forte é que, em princípio, serve para determinar qual a lei matéria aplicável a uma situação plurilocalizada.

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3. Outros princípios gerais, começando por aqueles que derivam deste último.

a. Princípio da mais proximidade - Segundo este princípio, quando a situação jurídica plurilocalizada, tem natureza real, a lei mais próxima é a do lugar da situação da coisa. O artº. 46º. CC é um afloramento deste princípio.

b. Princípio da maior ligação individual – Segundo este, nas matérias relativas ao indivíduo (relações sucessórias, estado, capacidade, etc.), a conexão mais estreita é com a lei da nacionalidade ou, subsidiariamente, a lei da residência habitual. Os artº. 41º., 52º., 62º. CC, etc.). São afloramentos deste princípio.

4. Princípio da harmonia jurídica internacional (ou da uniformidade internacional de julgados) – A preocupação central do DIP é, relativamente às relações privadas internacionais duradouras ou de execução continuada, mas, em relações privadas em geral, a preocupação é de garantir a estabilidade dessa mesma relação, permitindo a continuidade dos efeitos, o que se entende, apenas poder ser atingido se a lei a aplicar, do ponto de vista conflitual, se mantiver a mesma. Ex: O artº. 53º. /1 CC, manda aplicar às convenções antenupciais e o regime dos bens, a lei pessoal comum ao tempo do casamento (artº. 41º. CC, diz que, em regra é a da nacionalidade). Ainda que se altere a conexão (ex: mudança de nacionalidade), aplica-se a lei pessoal primitiva, com vista a proteger, quer os cônjuges, quer terceiros. O artº. 52º. CC trata da relação pessoal entre os cônjuges, e, aqui, não tem esta preocupação, porque o legislador não tem a necessidade de estabilizar o regime jurídico aplicável num dado momento. Este princípio justifica-se pela protecção das partes e de terceiros, e daí que, para garantir a harmonia jurídica internacional há o instituto do reenvio (artº. 16º., 17º., 18º.,19º CC). O reenvio ou devolução é um instrumento jurídico útil para obter a harmonia jurídica internacional ou uniformidade internacional dos julgados (que é a razão pela qual existe o DIP, pela preocupação de garantir direitos validamente adquiridos).

5. Princípios de justiça material em DIP – Em regra, o DIP não se preocupa com a solução material dos litígios, mas sim em dizer qual o ordenamento jurídico aplicável. Porém, há excepções:

a. Princípio da salvaguarda da validade dos negócios jurídicos (princípio do favor negatii) – Decorre deste princípio que o DIP não deve constituir obstáculo ao comércio internacional; não deve, sobretudo, constituir um instrumento que dificulte esse comércio internacional. Pelo contrário, o DIP deve favorecer o comércio internacional, socorrendo-se de instrumentos técnico-jurídicos que permitam validar os negócios jurídicos internacionais, sobretudo quando têm carácter patrimonial (ou não pessoal). Para esse efeito, na legislação portuguesa, ponderam-se 3 situações distintas:

• Uma relativa à capacidade dos sujeitos – O artº. 28º. CC e o artº. 11º. da Convenção de Roma de 1980, consagram o sub-princípio da salvaguarda do comércio jurídico interno (princípio do interesse local) e ainda o

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princípio da salvaguarda da validade do comércio jurídico internacional, independentemente, portanto, do local onde o negócio seja celebrado. O artº. 28º. CC permite validar o negócio jurídico que era inválido à luz da lei nacional do indivíduo, por incapacidade deste, desde que o mesmo indivíduo seja capaz à luz da lei portuguesa. Esta norma teve origem num caso (Monsieur Lisardi) em França, em 1963, e está consagrada no artº. 28º. /1/2 CC, e daí que esta excepção tenha sido acolhida por nós para regular o comércio internacional que tenha lugar na nossa ordem jurídica. O artº. 28º. /1 CC. Só protege o comércio que tenha lugar em Portugal, mas, o nº. 3 já abrange o comércio jurídico que tenha lugar em qualquer outra ordem jurídica, e foi isto que foi consagrado no artº. 11º da Convenção de Roma, de 1980, o qual consagra o favor negotti numa protecção do comércio jurídico de qualquer ordem jurídica. Assim, internacionaliza-se a preocupação de protecção do comércio jurídico.

• Outra relativa à validade substancial dos negócios – Quanto à validade substancial, outros vícios previstos no artº. 19º. /1 CC, podem afectar a validade do negócio e, consistem no seguinte: o reenvio pode conduzir a uma situação em que, por força, dele o negócio seja inválido (formal ou substancialmente). Se isso acontecer e o negócio for válido sem o reenvio, então, não se admite o reenvio, e aplica-se a lei competente, sem ser utilizado esse instrumento. Então, a harmonia jurídica internacional e dá-se prevalência.

• Uma relativa à validade formal – Nos artº. 36º. e 65º. CC, manifesta-se também a preocupação do favor negotti, através da utilização de uma técnica legislativa que consiste em recorrer a conexões alternativas, isto é, o legislador, na mesma norma de conflitos, coloca num plano de igualdade, várias conexões que podem conduzir a leis diferentes, e ao intérprete e ao julgador, cabe utilizar aquela que valide formalmente a declaração negocial (artº. 36º. CC – declarações negociais em geral; artº. 65º. CC – validação formal do testamento, sujeito à limitação do artº. 2223º. CC para os testamentos feitos por portugueses em país estrangeiro).

6. Princípio da protecção da ordem pública internacional do Estado local (artº. 22º. CC e 16º. da Convenção de Roma de 1980) – Este princípio traduz a necessidade de, no plano das relações privadas internacionais, garantir que os tribunais portugueses não aplicam direito material que possa conduzir a uma violação dos princípios estruturantes fundamentais e caracterizadores de ordem jurídica portuguesa. Assim, ainda que o tribunal português tenha que aplicar direito material estrangeiro à relação privada internacional, há-de sempre ter em conta os princípios referidos e, como se verá, tais princípios podem determinar o afastamento do direito material estrangeiro, designado como aplicável e impor que, no seu lugar, seja aplicado direito material português.

7. Princípio da protecção da parte considerada mais fraca – Nas relações jurídicas económicas de consumo, e nas relações jurídicas de trabalho sobretudo nas relações individuais, há que considerar que o consumidor e o trabalhador são,

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face ao outro pólo subjectivo da relação jurídica (empresa e entidade empregadora), a parte mais débil, daí que lhe seja garantido um estatuto mínimo, formado por um conjunto de direitos, formados ao abrigo de determinada lei, e que são de aplicação imperativa. Esse princípio, resulta consagrado na Convenção d Roma, nos artº. 5º. e 6º.

8. Princípio do privilégio da nacionalidade – É um princípio consagrado para operar apenas em sede de eficácia extra-territorial de sentenças proferidas no estrangeiro contra nacionais portugueses. A sua sede está no artº. 1100º. /2 CPC, segundo o qual, os nacionais portugueses podem invocar contra uma sentença estrangeira que se pretenda que produza efeitos em Portugal, um estatuto mais favorável, conferido pela lei portuguesa.

A relação privada internacional.

O objecto de DIP é constituído pelas chamadas relações plurilocalizadas, ou seja, relações jurídicas de direito privado, que têm como característica fundamental, a dispersão geográfica dos seus elementos estruturais.

Nota: As situações privadas só serão relações jurídicas privadas, se o direito tutelar essa relação.

Classicamente, classificam-se as situações privadas internacionais em:

• Relativamente internacionais;

• Absolutamente internacional

Para fazer esta classificação, a doutrina recorre ao seguinte critério - importa saber se a relação tem ou não contacto com a ordem jurídica portuguesa: se tiver, é relativamente internacional; se não tiver qualquer contacto, diz-se absolutamente internacional.

Segundo o princípio da máxima aplicação do direito material português (de origem jurisprudencial), os tribunais têm maior tendência para aplicar o direito material português, quanto mais estreita for a ligação com a ordem jurídica portuguesa. Então, se a relação jurídica plurilocalizada é relativamente internacional, os tribunais portugueses têm maior propensão para aplicar direito material português.

Nota: O artº. 348º. CC refere que aquele que invocar direito estrangeiro deve fazer prova da sua existência.

Havendo um conflito de leis no espaço, suscitado pelas relações privadas internacionais, surge a necessidade de resolver esta questão. Quanto à natureza, as normas de conflito são instrumentais, adjectivas, remissivas ou de 2º grau, o que significa que não regulamentam materialmente as relações privadas internacionais, ou seja, não estabelecem uma disciplina jurídica substantiva para a questão, limitando-se a indicar a ordem jurídica onde deve ser acolhido o direito material que irá regulamentar substancialmente a questão.

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Norma de conflito de leis (noção funcional):

A norma de conflito de leis é um instrumento normativo que permite, em função da situação jurídica plurilocalizada, determinar a ordem jurídica que tem a conexão mais estreita com a relação privada internacional. Identificada essa ordem jurídica, cabe depois à norma de conflitos, permitir ou não a aplicação do direito material da ordem jurídica que individualizou. O conflito de leis ficará solucionado, sempre que, ao abrigo da norma de conflitos utilizada, seja possível aplicar um regime material.

Elementos estruturais da norma de conflitos

Ao contrário das restantes normas jurídicas nas normas de conflito de leis, não existe previsão, estatuição ou sanção, sendo os 2 elementos:

• Conceito-quadro

• Conexão

Conceito-quadro

Noção - é um conceito técnico-juridico, ou seja, num conceito de direito normalmente reconhecido como tal, por todas as famílias jurídicas. Estes conceitos não têm necessariamente que terão um conteúdo idêntico aos conceitos homólogos existentes no Direito Interno Português, uma vez que o DIP português ocupa uma posição supra-sistemática. Apesar de se integrar na ordem jurídica portuguesa, o direito de conflitos não comunga necessariamente dos mesmos axiomas, antes pelo contrário, obedece a princípios gerais diferentes e já abordados anteriormente.

Artº. 46º. – Conceito-quadro → Direitos Reais

… posse, propriedade e demais DR … estes conceitos não são necessariamente os que existem e estão tipificados na nossa ordem jurídica. Podem ser coisas diferentes daquelas que estão no nosso direito português. É um conceito do direito, categoria jurídica e esse conceito não tem que coincidir com os conceitos homólogos existentes no direito interno português têm que ser interpretadas segundo os princípios gerais de DIP.

Função do conceito-quadro na norma de conflitos (noção funcional da norma de conflitos).

• Delimitar a categoria normativa para a qual a conexão é operante, ou seja, a norma jurídica é relevante.

• Delimitar a categoria normativa significa que a função do conceito-quadro é, desde logo, respeita um princípio a que obedecem as normas os conflitos que é o princípio da especialidade.

Isto é, cada norma de conflitos tem um alvo (objectivo) e esse alvo é fornecido pelo conceito-quadro. Cada norma de conflitos só funciona para determinada matéria.

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Quando uma norma de conflitos manda aplicar um determinado ordenamento jurídico, esta conexão só pode funcionar naquelas matérias reportadas pelo conceito-quadro.

Segundo o princípio da especialidade, a norma de conflitos, o direito material da ordem jurídica individualizada tem que tratar os nossos interesses e os nossos fins do conceito-quadro.

O conceito-quadro da norma de conflitos constitui o objecto de referência da norma, ou seja, segundo o princípio da especialidade a que obedece toda e qualquer norma de conflitos, cada uma das normas de conflitos. A norma de conflitos só pode operar para uma determinada categoria de normas. Se considerarmos o artº. 15º. CC, cada norma de conflitos opera apenas para uma categoria normativa que pelo seu conteúdo e função integre o conceito jurídico utilizado como conceito-quadro.

O conceito-quadro da norma de conflitos constitui o ponto fulcral do problema central de DIP que é a qualificação. A qualificação em DIP consiste em integrar conteúdos normativos em conceitos jurídicos, ou seja, em integrar normas jurídicas de direito material da ordem jurídica que é individualizada pelo outro elemento estrutural da norma de conflitos no conceito jurídico que constitui o conceito-quadro.

Conexão

Em qualquer norma de conflitos encontra-se um critério que foi adaptado pelo legislador e que exprima a ligação mais estreita entre determinada matéria jurídica e uma ordem jurídica, é a conexão.Se considerarmos a natureza da conexão, ela tanto pode ser um mero facto jurídico como pode ser um conceito jurídico.

Por exemplo:

• No primeiro caso veja-se o artº. 50º. CC:

Elemento de conexão - lugar da celebração

Conceito-quadro - validade formal do casamento

• No segundo caso veja-se o artº. 25º. CC:

Elemento de conexão – em branco – todas as normas que utilizem a lei pessoal.

Sempre que uma norma de conflitos utilize a conexão em branco – lei pessoal – tem que se preencher com o artº. 31º.

Elemento de conexão – nacionalidade – o que exprime a nacionalidade é a ligação entre indivíduo e uma nação → exprime um conceito jurídico – preencheu os requisitos legais para poder ser considerado de nacionalidade …

Artº. 32º. – Apátrida – Não tem nacionalidade – conceito puramente factual – critério da residência habitual do indivíduo.

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Quanto à função da conexão

A função da conexão na norma de conflitos é a de individualizar uma ordem jurídica, obedecendo, em regra, ao princípio da ligação mais estreita.

Artº. 25º. – Se regem pela ordem jurídica da nacionalidade do indivíduo, significa que é nessa ordem jurídica que devem procurar a lei material aplicável.

Os elementos estruturais funcionam para se obter a lei aplicável à situação plurilocalizada.

Classificação das conexõesCaracterização genérica das normas de conflitos portuguesas

O DIP só deve intervir quando a situação jurídica privada for internacionalizada (ter contacto com várias ordens jurídicas).

Regra – As normas de conflitos são construídas à luz da teoria internacionalista de direito privado – as normas de conflito só devem ------

Na construção da norma de conflitos pode haver uma situação com 2 soluções:

Autores – A norma de conflitos devia dizer o direito português era aplicável se a situação ---- privada pôs ---------

Outros - a norma de conflitos deve dizer que conduzia a aplicação do direito---- Português.

Corrente unilateralista – Os --- deviam ser unilaterais pois deviam prever quando o direito português é competente e quando não era ----

Artº. 28º. /1 – Norma unilateral ---- .Conduz sempre à aplicação do direito português.

Artº. 1625º. – Única norma unilateral ------. Diz que para aferir das causas de invalidade do casamento, deve ser aplicado o Direito Canónico.

Dois ordenamentos jurídicos:

• Direito Canónico

• Direito Material Português

As causas de invalidade são competência exclusiva do Direito canónico.

Em regra, as normas de conflito são bilaterais.

A bilateralidade

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A bilateralidade da norma de conflito defende que esta, através da sua conexão, pode conduzir à aplicação, quer da ordem jurídica do foro, quer de uma ordem jurídica estrangeira. Em regra, as nossas normas de conflito são, pois, bilaterais. Ex: o artº. 46º. CC – esta conexão tanto pode conduzir à aplicação da lei portuguesa, como de uma estrangeira. As generalidades das nossas normas são bilaterais. Então, o legislador usa um sistema internacionalista-bilateralista.

Classificação das conexões

Critério da natureza

As conexões podem ser de tipo:

• Pessoal - quando critério utilizado coloca determinada qualidade, característica ou ligação da pessoa com determinada ordem jurídica, como elemento estrutural da norma, para estabelecer a lei a aplicar (ex: as conexões do artº. 31º., 32º. e 33º. /1 CC).

• Real – as conexões de tipo real são aquelas que elegem como critério, não a pessoa, mas o objecto mediato da situação plurilocalizada, servindo-se da ligação que existe entre a coisa e determinada ordem jurídica (ex: artº. 46º. CC).

• Factual – são aquelas que atendem a uma circunstância que esteve na origem da situação, para estabelecer como critério de conexão a ligação entre essa circunstância e determinada ordem jurídica (ex: o lugar da celebração; artº. 36º., 65º., etc., artº. 9º. Convenção de Roma de 1980).

Critério do número

Quanto ao número, as conexões podem ser:

• Simples, únicas e singulares – Uma conexão é simples, única ou singular, quando a norma de conflito se serve de um único elemento de conexão para determinar a lei aplicável (artº. 46º. CC).

• Múltiplas, complexas ou plurais – Existem naquelas normas de conflito que utilizam 2 ou mais elementos de conexão. O problema que as conexões múltiplas suscitam, é o de saber como é que as diferentes conexões se relacionam entre elas, isto é, se na mesma norma de conflitos há 2 ou mais conexões, qual delas é determinante para chegarmos à lei aplicável? É por isso que as conexões múltiplas são classificadas em:

o Múltiplas subsidiárias – Nas conexões múltiplas subsidiárias, as várias conexões da norma de conflitos, relacionam-se entre si, por um nexo de subsidiariedade, ou seja, as conexões estão hierarquizadas, sendo legítimo o recurso à conexão de grau inferior, se não pudermos utilizar a conexão de grau superior (ex: artº. 52º. 53º.).

o Múltiplas alternativas – Há uma relação entre as diversas conexões utilizadas pela norma de conflitos, que é de paridade, ou seja, todas estão

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ao mesmo nível, sendo indiferente qual escolher (ex: artº. 36º. CC – esta norma utiliza 3 conexões alternativas. O intérprete pode escolher qualquer uma delas. O artº. 65º. CC contém 4 conexões alternativas (lei local, lei pessoal do autor da herança no momento da celebração, lei pessoal do autor da herança ao tempo da morte, lei para que remeta a norma de conflito da lei local).

o Quando o legislador utiliza conexões alternativas, tem em vista fomentar e salvaguardar o comércio jurídico internacional. Daí que, o critério que se deve utilizar para fazer a escolha da conexão, é o da validação do negócio jurídico. A conexão que nos permitir considera o negócio válido, é a conexão que permite fomentar e salvaguardar o comércio jurídico internacional (de acordo com o princípio do favor negotti).

o Múltiplas cumulativas

o Múltiplas distributivas (ou combinadas)

Relações privadas puramente internas:

• Puramente internas portuguesas

• Puramente internas de outra ordem jurídica

Elementos das normas jurídicas:

1. Previsão

2. Estatuição

3. Sanção

Ex: quem (previsão) matar outra pessoa (estatuição) é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos (sanção).

Nas normas de conflito não existem estes 3 elementos, mas sim o elemento de conexão e o conceito-quadro.

O elemento de conexão determina o ordenamento jurídico aplicável que resolverá (ou não) esta questão. Pode ser uma circunstância de facto (ex: residência habitual) ou um conceito técnico-juridico (ex: nacionalidade).

O conceito-quadro é sempre um conceito técnico-juridico. É o âmbito de aplicação da norma (a que matérias a norma se vai aplicar).

A sistematização do CC segue o critério da pandectistica alemã. O mesmo se passa com a sistematização das normas de conflito:

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• Do artº. 25º. ao 34º. – Normas de conflito respeitante ao estatuto pessoal em geral.

• Do artº. 35º. ao 45º. – Estatuto das obrigações (contratuais ou extra-contratuais).

• Do artº. 49º. ao 61º. – Normas de estatuto pessoal, mas especialmente as relações jurídico-familiares.

• Do artº. 62º. ao 65º. – Normas de estatuto pessoal, mas especialmente as relações sucessórias.

Nota: A lei pessoal cumpre o princípio da maior ligação individual.

Em DIP qualificam-se normas de direito material. Em DIP, a subsunção chama-se qualificação. Contudo, não se qualificam factos, mas sim normas de direito material.

A qualificação tem sempre 2 fases:

• Interpretar o conceito-quadro

• Integrar o direito material estrangeiro nesse conceito.

Conexões múltiplas cumulativas

Estas são as verdadeiras conexões múltiplas, ou seja, as normas que utilizam conexões deste tipo, determinam, através de conexões diferentes, a aplicação do direito material de ordens jurídicas diferentes, desde que sejam diferentes as ordens jurídicas individualizadas, por exemplo, o artº 33º/3 CC. Aqui, as 2 conexões são a sede efectiva velha e a sede efectiva nova, ou seja, a sede efectiva à data da transferência, e a actual, conduzindo ambas a leis diferentes. Também o artº 60º /1/4 CC – Aqui, a lei que rege a adopção é a lei pessoal do adoptante (nº1). O nº4 refere a lei referida no artº 57º CC.

As conexões cumulativas pretendem que a situação plurilocalizada seja apreciada à luz das ordens jurídicas que têm um contacto estreito com a situação, e que são, em regra, mais do que uma. Em vez de optar por uma delas, o legislador manda aplicar as duas ou mais, pretendendo deste modo que a relação se constitua com a maior abrangência possível, quanto ao direito material aplicável.

Com este tipo de conexões, o legislador torna mais difícil a contratação a nível internacional, sendo por isso pouco utilizadas, restringindo-se a matérias de natureza pessoal em que esteja em causa a constituição de vínculos jurídico-familiares ou o estado dos indivíduos e a capacidade das pessoas. Na realidade, estas conexões, apesar de prometerem uma abrangência relativamente às leis aplicáveis, maior do que qualquer outro tipo de conexões, acabam por conduzir à aplicação, apenas e só, da lei mais rigorosa, isto é, da lei que não permite a constituição do vínculo do estado, ou à atribuição da capacidade. Então, esta cumulação transforma-se numa conexão simplesmente imperfeita.

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Conexões múltiplas combinadas

Neste tipo de conexões, utilizam-se conexões (ou elementos de conexão) com conteúdos diferentes, para serem aplicadas leis diferentes a diferentes aspectos (ou aspectos parcelares) da mesma relação plurilocalizada, tendo em vista que cada um desses aspectos seja apreciado pela lei mais próxima. No artº 49 CC, sempre que os nubentes tenham nacionalidades diferentes, a conexão aí presente, sendo combinada, conduz à aplicação de leis diferentes. No artº 49º CC, o elemento de conexão é a nacionalidade de cada um dos nubentes.

Os artº 1600º a 1604º CC referem os impedimentos matrimoniais.

O artº 1601º CC prevê os impedimentos dirimentes absolutos. Estes impedimentos são bilaterais, isto é, verificam-se quanto a um nubente, mas transmite-se para o outro nubente. Mas, esta conexão combinada, é transformada numa conexão cumulativa imperfeita, porque é só uma das leis que se aplica aos 2 nubentes.

Nas conexões combinadas, em sede de capacidade nupcial, os impedimentos bilaterais, isto é, aqueles impedimentos matrimoniais que, apesar de só se verificarem na pessoa de um dos nubentes, transmitem-se à pessoa do outro nubente, tornando-os incapazes para a celebração do casamento, geram, na utilização deste tipo de conexão, uma situação de aplicação de uma das leis, precisamente aquela à luz da qual se verifica o impedimento, que vai ser aplicada aos dois nubentes, de modo a torná-los incapazes para a celebração do casamento. Diz-se neste caso que a conexão passa a ser uma conexão cumulativa imperfeita.

Abel e Francisca, portugueses, resolvem vender um imóvel situado no Minho, a um dos seus filhos, Pierre, de nacionalidade francesa. Nicole, francesa e também filha do referido casal, tendo conhecimento daquela venda, resolveu intentar uma acção junto dos nossos tribunais, pedindo a anulabilidade da mesma. Que decisões deverão proferir os tribunais portugueses? Fundamente a sua resposta.

R: Duas ordens jurídicas: portuguesa e francesa. Então, estamos perante uma relação privada relativamente internacional. A ordem jurídica portuguesa é sempre a lex fori (lei do foro). A lex rei sitae (artº 46º) é também uma conexão. Também a nacionalidade dos pais é uma conexão (artº 57º CC).

A ordem jurídica francesa é colocada em conexão, pela lei da nacionalidade (dos filhos) – artº 25º + 31º CC.

Este problema tem primeiramente que ser abordado do ponto de vista conflitual, e só depois do ponto de vista material. os artº 46º e 57º CC podem resolver esta questão.

A lex fori, de acordo com o artº 46º /1 CC, considera-se competente. As nossas normas de conflito são bilaterais, isto é, tanto podem levar à aplicação de direito estrangeiro, como nacional. Então, não há reenvio.

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Quanto à qualificação, este problema relaciona-se com o conceito-quadro. Em DIP, qualifica-se normas legais (e não factos), integrando-as no conceito-quadro. O artº 15º CC consagra as qualificações.

O processo de qualificação tem 2 momentos:

1. Interpretação do conceito-quadro , usando as regras de hermenêutica jurídica da lex fori (artº 9º CC)

2. Integração – O Prof. Baptista Machado diz que, para evitar um “salto no escuro”, procura-se no âmbito dos DR se há alguma norma (utiliza-se como mero índice o nosso conceito-quadro). Neste caso, a norma material é o artº 877º CC, o qual vai ser interpretada de acordo com as regras da hermenêutica jurídica portuguesa (artº 9º CC).

Nota: O artº 23º CC diz como deve ser interpretada a lei estrangeira.

Artº 15º CC – Interpretação teleológica funcional defendida por Ferrer Correia. A norma deve ter os mesmos fins e interesses.

A posse, propriedade e demais DR são o conceito-quadro do artº 46º CC.

O fim e a função do artº 877º CC é proteger as relações familiares. Logo, o seu conteúdo e função não integram o conceito-quadro do artº 46º CC, mas sim o conceito-quadro do artº 57º CC.

O Instituto do reenvio (ou devolução)

A sede legal desta matéria está nos artº 16º a 19º, 36º, 65º CC e artº 15º Convenção de Roma de 1980.

L 1 artº 62º CC L 2 L 3 → Lei espanhola/ lex rei sitae ↓ ↓Lei do foro/lex fori Lei de nacionalidade do de cuius ↓Lei onde estamos a apreciara questão, que é sempre a portuguesa.

Este instituto é um meio de conseguir harmonizar a divergência de critérios nas ordens jurídicas, relativamente à conexão relevante para cada uma das instituições plurilocalizadas. O reenvio é apenas e só, um instrumento, um meio de que se serve o DIP para, em última ratio, conseguir garantir estabilidade à relações privadas internacionais. O reenvio, enquanto instrumento destinado a esse fim, representa a falência do critério de conexão utilizado pelo legislador do foro. Assim, as

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considerações que antecedem, servem apenas para permitir uma caracterização rigorosa deste instituto.

• A primeira dessas características, diz respeito à sua natureza; como já se referiu, é um instrumento ao serviço da harmonia jurídica internacional.

• A segunda característica diz respeito ao fundamento do instituto; o reenvio ou a devolução representa a convicção da ordem jurídica, de que as suas normas de conflitos consagram critérios que não são globais, quando muito, os elementos de conexão representam valores a uma escala regional.

• A terceira característica diz respeito aos princípios que visa salvaguardar, ou seja, aos fins que pretende atingir. O reenvio não é um fim em si mesmo; o fim primeiro que pretende salvaguardar é a harmonia jurídica internacional. Porém, em várias situações, é utilizado para salvaguardar outros valores, como sejam a validade dos negócios jurídicos internacionais, a maior proximidade e exequibilidade das decisões relativas a relações privadas internacionais (favor negotii), e por último, o princípio da maior ligação individual.

Posições doutrinárias quanto ao problema da devolução ou reenvio.

Há 2 grandes correntes doutrinárias em confronto: as teses devolucionistas, que são, fundamentalmente 2:

1. A doutrina da devolução simples

2. A doutrina da devolução dupla

E a tese contrária à devolução do envio, normalmente designada por teoria da referência material. Esta teoria propõe que a individualização que o elemento de conexão de uma norma de conflitos faz de determinada ordem jurídica, respeita apenas ao direito material dessa ordem jurídica, excluindo pois qualquer referência ao DIP. Esta tese parte do princípio aceitável que o legislador do foro consagrou os melhores critérios. Porém, esquece que o melhor critério para um legislador não é necessariamente, noutro contexto, o melhor critério para outro legislador.

Teses da referência global (ou devolucionistas)

Qualquer uma destas teses (Tese da devolução simples e Tese da dupla devolução), parte de um princípio que é possível harmonizar as divergências entre as ordens jurídicas, quanto aos elementos de conexão. A tese da devolução simples, no entanto, limita a possibilidade de harmonização, num grau. Ao contrário, a tese da dupla devolução atribui à lei designada, directamente pela norma de conflitos do foro, a possibilidade de escolher a lei que deve ser aplicada à situação plurilocalizada. por isso esta última é a mais favorável à devolução ou reenvio.

Tese da devolução simples (noção)

Esta tese, favorável ao reenvio ou devolução, admite que a referência feita pela lei do foro a uma ordem jurídica estrangeira é uma referência global. Porém, se essa lei,

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individualizada pela ordem jurídica do foro, devolver a competência a uma terceira, apenas admite a aplicação do direito material dessa terceira lei. Por exemplo, se a lei 1 pratica a devolução simples, a referência que essa lei faz à lei 2, é uma referência para o DIP e o direito material dessa lei. Se a lei 2 não se considerar aplicável e, através do seu DIP, referenciar uma outra (lei 3), essa referência é apenas para a lei material da lei 3. Assim, a lei 1 só aceita a referência para o direito material de lei 3. Assim, a lei 1 só admite o reenvio em 1 grau (da lei 2 para a lei 3, porque da lei 1 para a lei 2 há apenas um envio).

Tese da dupla devolução (noção)

Nesta teoria, a lei designada pela ordem jurídica do foro, é o objecto de uma referência global, isto é, uma referência quer para o DIP, quer para o direito material. No entanto, a referência para o DIP dessa lei tem o seguinte significado: cabe ao DIP da lei designada, determinar a lei competente. A ordem jurídica que pratique dupla devolução, aplica a lei designada pela ordem jurídica individualizada pela conexão do foro.

Em regra, o Estado português anti-devolucionista (artº 16º CC). Os artºs 17º e 18º CC são as excepções. Os artºs 17º e 18º CC estabelecem a possibilidade de reenvio quando este seja o meio necessário para obter a harmonia jurídica internacional. Caso não seja possível obter esta harmonia jurídica nacional, aplica-se o artº 16º CC, e, consequentemente, a referência matéria.

Nota: O reenvio prende-se com o elemento de conexão.

DS DD DSL1 L2 L3 L4 L5

│ │ │ │ L4 L5 L5 L5

Neste caso, não haveria harmonia jurídica internacional, então, aplicar-se-ia o artº 16º CC, e, consequentemente, a lei material de L2. Mas, se L2 fizesse uma dupla devolução, consideraria competente L5. Então, haveria harmonia jurídica internacional, e aplicar-se-ia L5.

Caso prático nº10

Ordem jurídica portuguesa:

• Lex fori• Nacionalidade comum dos nubentes ao tempo da celebração do casamento (artº

53º /1 CC)

Ordem jurídica canadiana:

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• Nacionalidade dos nubentes ao tempo em que a questão está a ser apreciada (artº 52º /1 CC).

• Lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do seu falecimento (artº 62º CC) – Lei pessoal → artº 25º + 31º CC)

Nota: No artº 52º CC, apenas cabe o que não couber no artº 53º CC delimita-se o conceito quadro por exclusão de partes.

Artº 53º /1 CC.

L1 – Pela natureza das normas de conflito bilaterais, tanto podem levar à aplicação de direito interno de foro, ou internacional. Aqui, não há reenvio. aqui, a lei material portuguesa é competente.

O processo de qualificação tem 3 fases:

1. Interpretar o conceito quadro do artº 53º /1 CC, com base no artº 9º CC.

a. Encontrar uma norma material concretamente aplicável, que, neste caso, é o artº 1730º CC.

2. Interpretar a norma material que, como é portuguesa, interpreta-se segundo as regras da hermenêutica jurídica portuguesa (artº 9º CC). Se fosse estrangeira, interpretava-se à luz do artº 23º CC.

3. Integração do acordo com o artº 15º CC. Ver se a norma material integra, pelo seu conteúdo e função, o conceito quadro do artº 53º /1 CC.

Assim, relativamente à meação, António será cônjuge meeiro.

Artº 62º CC L1 L2 – Lei canadiana. a lei canadiana considera-se competente.Lex fori Há um mero envio, com base no artº 16º CC (não há reenvio).

Qualificação:

1. Mero envio – artº 16º CC• 1 – A artº 2133º - norma material canadiana.

2. Interpretar segundo o artº 23º CC

3. Integrar segundo o artº 15º - integra pelo seu conteúdo e função, o conceito quadro do artº 62º CC.

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Posição do legislador português face ao reenvio

Na ordem jurídica portuguesa, o reenvio apenas pode ser admitido se estiverem verificados 2 pressupostos legais:

1. Que o reenvio constitua meio necessário para atingir no caso, uma solução de consenso entre as ordens jurídicas que estão em contacto no circuito de reenvio;

2. Que o reenvio num concreto circuito traduza uma solução que dê lugar à harmonia jurídica internacional através da concordância de todas as ordens jurídicas, na aplicação de uma delas.

Não estando observados estes pressupostos gerais, não se admite sequer a possibilidade de admitir qualquer das modalidades de reenvio ou devolução, previstas nos artºs 17º e 18º CC, sendo aplicável a referência do artº 16º CC, ou seja, a norma de conflitos portuguesa, a qual se limita à aplicação do direito material da ordem jurídica que individualiza. Verificando-se os pressupostos enunciados, concebe-se a possibilidade de admitir o reenvio segundo duas modalidades:

• No artº 17º CC, o reenvio por transmissão.

• No artº 18º CC, o reenvio por retorno.

Qualquer um deles tem requisitos específicos de admissibilidade, a somar aos já referidos pressupostos gerais

O reenvio por transmissão

No reenvio por transmissão, a ordem jurídica designada pela norma de conflitos do foro, devolve a competência a uma terceira lei, podendo esta ser aquela que as suas normas de conflitos directamente individualizam ou uma ou outra que seja individualizada pelas normas de conflitos da lei para onde remeter. na primeira situação, designa-se a transmissão como directa; no segundo caso, como indirecta.

Em qualquer dos casos, para que se trate de uma transmissão, tem que resultar aplicável uma lei diferente da lei do foro e da lei individualizada directamente pela norma de conflitos do foro.

O reenvio por retorno

No reenvio por retorno, previsto no artº 18º CC, exige-se que uma lei no circuito de reenvio considere aplicável o direito interno português, ou seja, que faça uma referência material à ordem jurídica portuguesa. Essa referência à ordem jurídica portuguesa, tanto pode ser feita imediatamente pela ordem jurídica individualizada pela norma de conflitos portuguesa, como pode resultar de uma referência feita por uma lei diferente desta. No primeiro caso, o retorno é directo; no segundo caso é indirecto.

O requisito específico resultante do artº 18º /1 CC, é que a devolução de competência à lei portuguesa seja feita através de uma referência material.

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Face a este enunciado geral, importa desde já tomar posição quanto a saber qual é a posição em regra do DIP português face ao reenvio. Regra geral, a ordem jurídica portuguesa, pratica referência material. A posição do princípio do legislador português é anti-devolucionista. Porém, as concessões à administrabilidade do reenvio descaracterizam o sistema português, não podendo afirmar-se que o nosso DIP é anti-devolucionista. A afirmação correcta é a de que o DIP português adopta uma posição de expectativa face ás soluções das outras ordens jurídicas. O reenvio será admitido se face às outras ordens jurídicas a sua admissibilidade se revelar necessária para atingir a harmonia jurídica internacional. Se essa harmonia se obtiver sem o reenvio ou se for de todo impossível obter tal harmonia, não há que aplicar outra referência diferente da que se consagra no artº 16º CC, que é a referência material.

Um problema diferente é o que diz respeito ás especialidades do reenvio, quando estejam em causa as matérias de estatuto pessoal, ou seja, as matérias relativas ao artº 25º CC, a capacidade, o estado das pessoas, as relações familiares e a sucessão por morte. Nestas matérias, em homenagem ao princípio de maior ligação individual o reenvio está sujeito a restrições quanto à sua admissibilidade em qualquer das modalidades referidas.

As especialidades do reenvio por transmissão em estatuto pessoal

Nas matérias acabadas de referir, sabe-se já que o legislador considera como conexões adequadas a nacionalidade e a residência dos sujeitos. Portanto, não é de estranhar que sempre que o circuito de reenvio conduza à aplicação de uma lei diferente destas não seja admitido. No artº 17º /2 CC, o legislador recorre à técnica legislativa da norma proibitiva e estabelece as situações em que o reenvio por transmissão em estatuto pessoal (não é admitido, cessa o reenvio por transmissão).

A primeira situação proíbe o reenvio na hipótese de o individuo residir em Portugal e a norma de conflitos portuguesa individualiza como aplicável a lei da nacionalidade. Ainda que esta lei não se considera competente e remeta para uma terceira, a lei da nacionalidade é aplicada de modo forçado, não se admitindo o reenvio.

A segunda hipótese que a norma, prevê, parte do mesmo princípio que a norma de conflitos portuguesa: individualiza a lei da nacionalidade. Porém, já não é a ordem jurídica de residência, mas sim uma terceira lei que, tal como as normas de conflitos portuguesas, considera aplicável a lei da nacionalidade. Todas as normas proibitivas permitem a interpretação a contrario sensu, o que não está proibido é permitido, porquanto podem ser construídas pelo manos duas situações em que o reenvio por transmissão sem estatuto pessoal pode ser admitido por interpretação a contrario sensu do artº 17º /2 CC.

Interpretado a contrario sensu o artº 17º /2 CC, duas situações são possíveis de conceber para admitirmos o reenvio por transmissão em matéria de estatuto pessoal. A 1ª delas resulta de no circuito de reenvio a lei aplicável se, ou a lei da nacionalidade ou da residência aplicável ser ou a lei da nacionalidade ou da residência. Esta situação não está proibida (artº 17º/2), nem essa proibição faria sentido, uma vez que através da aplicação de uma dessas leis, fica salvaguardado o princípio da maior ligação individual. Importa considerar ainda que na maior parte dos casos que seja possível conceber, ao abrigo desta hipótese, a lei que resultará aplicável do circuito de reenvio

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será a lei da residência habitual, uma vez que, em regra, a norma de conflitos portuguesa individualiza como lei pessoal a da nacionalidade.

Mais ousada é a segunda situação em que se admite o reenvio em matéria de estatuto pessoal, interpretando a contrario sensu o artº 17º /2 CC. O Prof. Dr. Ferrer Correia defende que o artº 17º /2 CC não proíbe o reenvio por transmissão em matéria de estatuto pessoal se a lex patriae e a lex domicilii estiverem de acordo no mesmo circuito de reenvio em aplicar uma terceira lei. O referido professor justifica a admissibilidade deste reenvio, dizendo que se a lex patriae e a lex dominiclii são as leis mais próximas do indivíduo e ás quais a ordem jurídica portuguesa reconhece relevância enquanto elementos de conexão, se tais leis indicam como aplicável uma terceira lei, é porque essa terceira lei é a mais idónea para regular a situação, ou pelo menos assim é considerada pela lex patriae e pela lex domicilii.

O reenvio por transmissão em matéria de estatuto pessoal é ainda admitido de modo expresso no artº 17º /3 CC. Neste caso, o circuito de reenvio conduz à aplicação da lei do lugar da situação do bem imóvel. O fundamento dogmático desta norma reside no princípio da maior proximidade e exequibilidade das decisões proferidas relativamente a situações plurilocalizadas. Entende-se que em determinadas matérias é preferível aplicar a lei do lugar onde previsivelmente a decisão que venha a ser tomada vai ser executada do que aplicar a lei da nacionalidade ou da residência, pondo em crise a possibilidade de garantir a eficácia à decisão proferida. Essa norma, para admitir o reenvio, exige a verificação cumulativa de dois requisitos. O primeiro, que se trata de uma das matérias expressamente referidas na norma, a saber: tutela, curatela, relações patrimoniais entre os cônjuges, relações parentais, relações entre adoptante e adoptado e sucessão por morte. O segundo requisito exige que pelo circuito de reenvio, seja determinada como aplicável a lex rei sitae (a lei da situação dos bens imóveis).

Especialidades do reenvio por retorno em matéria de estatuto pessoal

O legislador preferiu utilizar uma técnica legislativa diferente daquela que utilizou a propósito do reenvio por transmissão. Para o retorno, a opção passou por definir as duas únicas situações em que o reenvio por retorno em matérias do artº 25º CC é admissível. A primeira hipótese de admissibilidade exige como requisito especifico que o interessado tenha em território português a sua residência habitual. A segunda hipótese exige como requisito específico, que o interessado tenha residência numa ordem jurídica que considera competente a lei portuguesa.

Formas autónomas de reenvio ou devolução

O reenvio pode ser um instrumento para atingir fins diversos da harmonia jurídica internacional. Nesse caso, o instituto fica descaracterizado, pelo menos aparentemente, da sua primordial função, que é favorecer essa harmonia. na ordem jurídica portuguesa, o legislador serve-se do reenvio para atingir a validade dos negócios jurídicos do ponto de vista formal. O princípio do favor negotii justifica, quer no artº 65º CC, que se admita o reenvio, desde que a lei aplicável determine a validade formal das declarações negociais. No artº 36º /2 CC, admite-se que seja aplicada a lei para onde remete a norma de conflitos da lei do lugar em que é feita a declaração negocial, desde que esta valide formalmente a declaração negocial.

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Nota: Uma referência indirecta sem harmonia jurídica internacional não pode ocorrer, mas uma referência directa já pode, porque o seu fundamento não é a harmonia jurídica internacional. Então, neste caso, o legislador salvaguarda a validade em detrimento da harmonia (artº 36º /2 CC).

Não repugna que ao abrigo do artº 36º /2 CC, se possa admitir um reenvio sem harmonia jurídica internacional, desde que a lei aplicável salvaguarde a validade formal da declaração negocial. O fundamento deste reenvio é apenas este último. também não repugna, à luz do mesmo princípio, que ao abrigo do artº 36º /2 CC, possam admitir-se referências indirectas, ou seja, que pelo circuito de reenvio resulte aplicável uma lei à qual se chegou apenas por uma referência indirecta de lei local, desde que seja salvaguardado o princípio do favor negotii.Quer no artº 36º /2 CC, quer no artº 65º CC, cujo princípio de funcionamento é o mesmo, e por conseguinte, mutatis mutandis, é aplicável tudo o que para trás foi dito, o reenvio tanto pode ser na modalidade de retorno, como na modalidade de transmissão.

Reflexos do princípio do favor negotii no sistema geral de reenvio.

O princípio em causa não serve apenas para fundamentar formas autónomas de reenvio. No artº 19º /1 CC, esse mesmo princípio faz cessar o reenvio para desse modo favorecer a validade do negócio jurídico internacional, quer do ponto de vista substancial, quer do ponto de vista formal. Essa norma faz cessar o reenvio, desde que estejam reunidos os seguintes requisitos:

• Que através do circuito do reenvio seja aplicada uma lei que considera o negócio inválido;

• Quer por força da aplicação da regra geral do artº 16º CC, ou seja, por força da aplicação da lei directamente designada pela norma de conflitos portuguesa, o negócio seja considerado válido.

Ordens jurídicas em contacto com a relação jurídica relativamente internacional

• Portuguesa• Americana• Francesa

Elementos de conexão:

Ordem Jurídica Portuguesa:

• Lex fori• Lex locci actue (casamento) – artº 50º CC.

Ordem Jurídica Americana:

• Nacionalidade dos nubentes – artº 52º e 53º CC (nacionalidade de Carlos e de Dália – artº 49º CC).

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Ordem Jurídica Francesa:

• Residência habitual comum dos cônjuges – artº 52º e 53º CC.

Trata-se de uma questão de capacidade matrimonial.

RML1 L2

Lex fori Lei pessoal (O. J. Americana)Lex locci

A L2 remete para a L1

Artº 17º /1/3 CC – Admite o reenvio.

Artº 17º /2 CC – Não admite o reenvio

Artº 18º /1 CC – Tem que haver retorno. A lei que enviamos tem que fazer uma referência para a lei portuguesa.

Artº 18º /2 CC – Só admite o retorno em matéria de estatuto pessoal para a lei portuguesa se o interessado tiver em território português a sua residência habitual, ou se a lei do país desta residência considerar igualmente competente o direito interno português.

A, inglês fez um testamento a favor de B, seu vizinho (espanhol), deixando-lhe todos os seus bens. A morreu em Portugal. O imóvel estava em Itália. C, filho de A e é português, quer anular o testamento porque este ofendeu a sua legitima objectiva.

A lei inglesa pratica devolução simples e entendeu como competente para regular a sucessão por morte, a lei da situação dos bens; a lei italiana que é anti-devolucionista entende que é competente a lei do ligar da situação dos bens.

Conexões:

Ordem Jurídica Portuguesa:

• Lex fori• Lei da residência habitual de C e A• Lex locci actus (artº 65º /1ª parte CC)• Lei da nacionalidade de C (artº 25º + 31º CC)

Ordem Jurídica Inglesa:

• Lei da nacionalidade de (artº 62º CC)

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Ordem Jurídica Italiana:

• Lex rei sitae (artº 46º CC)

Ordem Jurídica Espanhola:

• Lei da nacionalidade do testamentário (artº 25º + 31º CC).

Nota: O artº 65º /1ª parte CC é a consagração do favor negotii.

DS RML1 L2 L3Lex fori Nacionalidade de A

(lei inglesa)

L3

L3

Aplica-se o artº 17º /3 CC.

Nota: Mutatis mutandis, o artº 19º CC é também aplicável nas questões de legitimidade de um Estado.

O reenvio ou devolução e o princípio da autonomia da vontade privada em DIP.

Em DIP, o princípio da autonomia da vontade privada consiste em as partes, nos contratos internacionais poderem escolher a lei aplicável ao negócio jurídico, tendo tal princípio consagração nos artºs 41º CC e 3º da Convenção de Roma de 1980.

Sempre que a lei aplicável à situação plurilocalizada é a lei escolhida pelas partes, ao abrigo do princípio já referido, coloca-se o problema de saber qual é o sentido da referência feito pelas partes a uma determinada lei, isto é, trata-se de saber se a escolha das partes é uma escolha de lei material ou uma escolha global da ordem jurídica. No artº 19º /2 CC, consagra-se a regra de que a escolha de lei

Nota: Quando o artº 19º /2 CC refere a “lei designada pelos interessados”, refere-se ao artº 41º CC.

A única expectativa legítima que as partes podem ter é de que a sua escolha é material; as partes que escolham expressamente uma referência global sabem de antemão que o sistema conflitual português não permite esse tipo de referência quando o elemento de conexão da norma de conflitos é a vontade das partes. Por conseguinte, viola a regra consagrada no artº 19º /2 CC.

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Menos polémica na sua interpretação é o artº 15º da Convenção de Roma de 1980, relativa à lei aplicável às obrigações contratuais. Nesta norma diz-se expressamente que o reenvio é proibido quando a lei tenha sido escolhida pelas partes. A conclusão é que o princípio da autonomia privada em DIP não admite o reenvio pela protecção da expectativa das partes.

A qualificação em DIP

A qualificação é o problema central em DIP.

Devemos, desde já, ser capazes de separar duas realidades distintas: a 1ª é a qualificação em DIP em sentido estrito, que significa tão-só a subsunção de normas materiais em conceitos técnico-jurídicos. Portanto, a qualificação em DIP é uma qualificação que tem por objecto normas materiais; a 2ª realidade é o processo da qualificação. Nesta acepção da qualificação enquanto um conjunto de actos que é necessário adoptar para se chegar à qualificação stricto sensu, divide-se em 3 momentos:

1. Momento da interpretação do conceito-quadro;

2. Momento da interpretação do direito material a utilizar;

3. Integração

Considerações gerais:

1. A qualificação em DIP tem como objectivo permitir a aplicação no foro de determinado direito material a uma relação privada internacional, o que significa que o direito material só pode ser aplicado pelo juiz do foro, na eventualidade de a qualificação ter determinado a sua aplicação.

2. O objecto da qualificação em DIP são normas materiais que tratam a questão sub judice (em apreço) na ordem jurídica individualizada pelo sistema conflitual.

3. A consideração

A qualificação tem a sua sede legal no artº 15º CC, sendo esta norma a que determina que todas as normas de conflitos de leis têm um objecto de referência limitado na expressão que integra o regime do instituto visado na regra de conflitos. Ora, o instituto visado na norma de conflitos é o conceito-quadro da norma que o delimita.

Processo de qualificação

Devemos distinguir na qualificação, neste sentido 3 momentos:

1. Momento da interpretação do conceito-quadro . Esta interpretação vai permitir que se estabeleça ab imitio as matérias que estão abrangidas pelo elemento de

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conexão utilizado na norma de conflitos ou, por outras palavras, permite determinar o objecto de referência.

A interpretação do conceito-quadro, à luz da melhor doutrina, deve fazer-se de acordo com a teoria da interpretação autónoma ou também conhecida por interpretação segundo a lei formal do foro – lex formalis fori. Esta teoria propõe que os conceitos-quadro das normas de conflitos sejam interpretados de acordo com os fins e interesses que o legislador de DIP quis salvaguardar.

Ao contrário da proposta da doutrina da lex materialis fori que defende que os conceitos-quadro das normas de conflitos devem ser interpretados de acordo com os conceitos homólogos do foro do direito material do foro, a doutrina da interpretação autónoma dos conceitos-quadro, não faz coincidir as matérias abrangidas pelos conceitos-quadro, com esses conceitos homólogos do foro.

Nota: A pensão de alimentos pode caber tanto no artº 52º como no artº 53º (entre cônjuges).

Artº 57º - Cabe o poder paternal - Alimentos

2. Momento da determinação e interpretação do quid . O quid não é mais do que o direito material concretamente aplicável à situação plurilocalizada na ordem jurídica individualizada pelo elemento de conexão.Esse direito material tem que ser determinado e interpretado. Para ser determinado importa proceder na ordem jurídica individualizada pelo elemento de conexão a uma qualificação factural que vai permitir determinar a norma, o instituto ou a figura jurídica aplicável ao caso.

Determinado esse regime jurídico material, é necessário interpretá-lo para aferir dos interesses e fins que no mesmo são tutelados. Essa interpretação faz-se à luz do da teoria recognitiva, ou seja, o direito material que vai ser objecto da qualificação “quid”, é interpretado segundo as regras da hermenêutica jurídica da ordem jurídica a que pertence por força do disposto no artº 23º /1.

Correcção do caso prático nº 18

Ordem jurídica portuguesa:

• Lex fori• Lex locci actus (casamento)

Ordem jurídica inglesa:

• Lei da nacionalidade de A (lex patriae)• Lei da nacionalidade de B (lex patriae)• Lex domicilli de B

Ordem jurídica francesa:

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• Lex domicilli de A

Artº 49º CC (esquema de A)

DD RML1 L2 L3

Lex fori Lei patriae Lex domicilli Lex locci actus Lei inglesa Lei francesa Lei portuguesa

↓ ↓ ↓artº 18º /2/in fine L1 L1

↓ L1

L3 retorna a competência para L1.

Qualificação:

Primeiro:

• Interpreta-se o conceito-quadro do artº 49º pelas regras da hermenêutica jurídica do artº 9º CC;

• Encontrar a norma

Segundo:

• Tentar saber se a norma jurídica aplicável integra, pelo seu conteúdo e função, o conceito-quadro do artº 49º CC.

Artº 49º CC (esquema de B)

L1 L2Lex fori Lex patriae/lex domicilliLex locci actus Lei inglesaLei portuguesa

Aplica-se a referência material do artº 16º CC.

Momentos da integração (continuação)

3. Momento da integração . Em sentido estrito, é este o momento da qualificação em DIP, pois é agora que vamos utilizar o quid para tentar subsumi-lo num determinado conceito técnico-jurídico. É neste momento que ficamos a saber se

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o quid está ou não abrangido pelo objecto de referência da norma. A norma fundamental para a qualificação em sentido estrito é o artº 15º CC, que determina que só pode ser aplicável o direito material que seja concretamente aplicável na ordem jurídica individualizada pelo elemento de conexão, à situação sub jurídica, desde que essas normas materiais integrem o instituto visado no conceito-quadro na norma de conflitos. É o momento em que a prévia interpretação do conceito-quadro e do quid há-de permitir-nos afirmar que aquele concreto direito material integra ou não o conceito-quadro da norma de conflitos. Se o direito material concretamente aplicado (o quid) considerando os interesses que tutela e os fins que visa atingir, coincide com os interesses e os fins que estão subjacentes ao conceito-quadro da norma de conflitos, a conclusão que se impõe, nos termos do artº 15º CC, é a que esse direito material, pelo seu conteúdo e função, integra o conceito-quadro da concreta norma de conflitos. Se, pelo contrário, o quid, pelos interesses que tutela e pelos fins que visa, não coincide com os interesses e fins visados pelo conceito-quadro da norma de conflitos, deve concluir-se, nos termos do artº 15º CC, que o direito material concretamente aplicável, pelo seu conteúdo e função, não integra o conceito-quadro da norma de conflitos.

Esta qualificação em sentido estrito é feita de acordo, como já se constatou, com os interesses e fins visados, quer no quid, quer no conceito-quadro, ou seja, acima de tudo, interesse e teleologia das normas materiais e do conceito-quadro; interessa mais, nomeadamente, do que a inserção sistemática da norma, a letra do conceito-quadro, ou o conteúdo concreto do conceito-quadro, face a um conceito homólogo do foro.

Os problemas associados aos conflitos de qualificações

Designam-se de conflitos de qualificações, as situações em que o resultado da aplicação do artº 15º CC é deficitária ou perca por excesso. Concretizando, os conflitos de qualificações podem dar origem a duas categorias distintas:

1. Os conflitos positivos de qualificações (ou cúmulos jurídicos) – Nos conflitos positivos de qualificações, são os seguintes, os elementos constitutivos da figura:

a) Exige-se a aplicação de duas ou mais normas de conflitos que, em princípio, em abstracto podem solucionar o conflito de leis;

b) Exige-se que essas normas de conflitos, através dos seus elementos de conexão, individualizem ordens jurídicas diferentes;

c) O terceiro elemento impõe que o direito material concretamente aplicável em cada uma dessas ordens jurídicas integre, pelo seu conteúdo e função, o respectivo conceito-quadro das normas de conflitos que designou cada uma dessas ordens jurídicas.

d) Importa verificar se a aplicação simultânea do direito material dessas ordens jurídicas é incompatível para solucionar de modo coerente a questão plurilocalizada.

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2. Conflitos negativos de qualificações (ou vácuos jurídicos) – Os conflitos negativos de qualificações, por sua vez, têm como elementos constitutivos, os seguintes:

a) Que as normas de conflitos (uma, duas ou mais) designem como aplicável, através do seu elemento de conexão, pelo menos uma ordem jurídica;

b) Que o direito material concretamente aplicável nessa (ou nessas) ordem (ou ordens) jurídica (s), pelo seu conteúdo e função, não integrem o conceito-quadro da norma de conflitos. Neste caso, o que é fundamental é que o sistema conflitual não permite à primeira vista, determinar uma lei para ser aplicada à questão plurilocalizada.

Nenhum dos conflitos agora referidos, tem consagração legislativa, e as soluções que se vão propor são todas elas doutrinárias. Por conseguinte, são todas elas passíveis de crítica e sujeitas a não serem adoptadas pelos tribunais portugueses. São, no entanto, soluções que até agora não tiveram melhor solução do que aquela que vai ser exposta. Não se trata, no entanto, de um problema que o legislador ignorasse ao tempo da criação do sistema conflitual português. O legislador preferiu, face ás imensas dúvidas, deixar a questão em aberto. Foi Ferrer Correia o legislador moral desta parte do Código Civil.

António, português, residente habitual em Paris, pretende contrair casamento católico em Portugal com Brigitte, francesa, também domiciliada em Paris. Considere para efeitos meramente académicos, que a ordem jurídica francesa considera aplicável para determinar a capacidade ad nuptias, a lex domicilli, praticando devolução simples. A mesma ordem jurídica atribui a capacidade nupcial aos 16 anos e Brigitte tem apenas 15 anos. Diga fundamentadamente se este casamento pode ser celebrado em Portugal na forma pretendida pelos nubentes.

Resolução:

1. Saber se estamos perante uma relação privada internacional, verificando se a situação está plurilocalizada.

• Portugal – Lex fori /lex locus regit actum Nacionalidade do nubente António

• França – Nacionalidade de Brigitte Lex domicilli

Trata-se de uma relação privada relativamente internacional.

2. Verificar qual a situação plurilocalizada a tratar (qual o conflito de leis que temos pela frente)

2 Questões:

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• Capacidade ad nuptias (artº 49º CC)

• A forma de casamento (artº 50º CC)

3. Artº 49º CC (quanto ao António)

L1

Lex fori (nacionalidade)L1 considera-se competente, sendo isto possível porque a norma é bilateral

4. Qualificação – Foi individualizada a ordem jurídica portuguesa, então, é necessário identificar o quid (artº 1601º e ss. CC). Quanto aos interesses associados ao casamento o Código Civil distingue:

• Constituição – artº 49º, 50º, 51º CC• Efeitos – artº 52º, 53º CC• Patologias – artº 55º CC

Os interesses associados a estas normas são a liberdade, consciência da declaração, o esclarecimento e a ponderação. O legislador visa que a vontade seja livre, ponderada e esclarecida.

O conceito-quadro do artº 49º CC é a protecção da vontade livre, ponderada e esclarecida. Então, pelo artº 15º CC, concluímos que o artº 1601º e ss. CC, integram pelo seu conteúdo e função, o conceito-quadro do artº 49º CC.

5. Artº 49º CC (quanto à Brigitte)DS

L1 L2

Lex fori Lei francesa Lex domicilli

Aqui, o quid é da ordem jurídica francesa, cujo sistema será igual ao da ordem jurídica portuguesa, bem como os interesses protegidos pelo conceito-quadro (pelo artº 23º CC).

6. Qualificação

Nos termos do artº 15º CC, concluímos que o quid da ordem jurídica francesa integra o conteúdo e função do conceito-quadro do artº 49º CC.

Nota: “o salto no escuro” só funciona cabalmente se o ordenamento jurídico em questão seguir à risca a pandectística alemã (ex: BGB). Assim, a doutrina do Prof. Baptista Machado não se aplica para a qualificação.

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Então, a Brigitte não tem capacidade nupcial, não se podendo celebrar o casamento.

O conflito negativo de qualificações (ou vácuo jurídico)

Verificados os requisitos do vácuo jurídico, o intérprete dispõe essencialmente de 2 soluções:

A primeira, defendida por Ferrer Correia, consiste em que o intérprete faça uma qualificação subsidiária, isto é, ao abrigo da teoria da adaptação, e considerando que o conceito-quadro é um conceito elástico ou flexível, o intérprete deve começar por fazer um esforço no sentido de através do alargamento dos limites iniciais do conceito-quadro, poder integrar nele normas materiais que à partida não abarcaria. Por exemplo, o António, português, desde tenra idade reside na Califórnia, e neste país contraiu casamento com a Jane, californiana e aí residem. O casal separou-se de facto em 2005, porque António decidiu fixar residência em Portugal. Aliás, era no nosso país que os nubentes vivam à data da celebração do casamento. Jane intenta nos tribunais portugueses uma acção de alimentos contra o António. Procedendo à determinação da lei aplicável, e como na hipótese está em causa um efeito do casamento, as únicas normas de conflitos que podem tratar esta situação de um ponto de vista conflitual, são os artºs 52º e 53º CC. O artº 52º CC, através da conexão subsidiária, individualiza a ordem jurídica americana (que é um ordenamento jurídico plurilegislativo – artº 20º CC) que não tem normas conflituais. Então pelo artº 52º CC, aplicar-se-ia a lei californiana. Pelo artº 53º CC, aordem jurídica individualizada pelo elemento de conexão é a ordem jurídica portuguesa.

Artº 52º /2/2ª Parte CC

L1 L2 Ordem jurídica californiana – artº 20º /2 CC)

Artº 53º /2 CC

L1

Lex foriResidência habitual à data da celebração do casamento

Procedendo à qualificação, verificamos que o quid na ordem jurídica californiana, trata a questão, considerando a convenção antenupcial outorgada pelos cônjuges. O direito a alimentos entre os cônjuges existe na exacta medida em que foi fixado na convenção antenupcial, ou seja, esta ordem jurídica trata a questão como se os alimentos entre os cônjuges fossem considerados uma mera questão patrimonial. O conceito-quadro do artº 52º CC, por sua vez, é delimitado por confronto com o conceito-quadro do artº 53º CC, ou seja, se o conceito-quadro do artº 53º CC são as relações patrimoniais entre os cônjuges decorrentes do regime legal ou convencional de bens, no conceito-quadro do artº 52º CC, cabem todas as outras matérias relativas aos

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efeitos de casamento, nomeadamente os efeitos pessoais do casamento. Cumpre fazer a qualificação em sentido estrito: nos termos do artº 15º CC, se o direito material californiano trata a questão em sede de regime convencional de bens entre os cônjuges, não integra pelo seu conteúdo e função, o conceito-quadro do artº 52º CC, porque essas matérias são tratadas mo conceito-quadro do artº 53º CC. Quanto ao direito material português, designado pelo artº 53º CC, a questão é tratada pelo artº 1675º CC, ou seja, a obrigação de alimentos entre os cônjuges é uma das acepções do dever de assistência, que tem claramente natureza pessoal. O conceito-quadro do artº 53º CC, no entanto, já foi referido que trata apenas de uma questão patrimonial, a questão relativa ao regime de bens legal ou convencional adoptado entre os cônjuges. Por conseguinte, nos termos do artº 15º CC, o direito material português referido não integra o conceito-quadro desta norma de conflitos, o que conduz, neste caso, a uma situação de vácuo jurídico. A solução que o Prof. Dr. Ferrer Correia propõe, passa por fazer um esforço de interpretação de um destes conceitos-quadro, de preferência daquele que seja mais elástico ou flexível. Ora, destes 2 conceitos-quadro em confronto, aquele que tem maior flexibilidade é o do artº 52º CC, porque se refere genericamente às relações entre os cônjuges e, por conseguinte, tudo o que não está delimitado pelo conceito-quadro do artº 53º CC, está abrangido pelo conceito-quadro do artº 52º CC.

Propõe-se que seja alargado o âmbito inicial do conceito-quadro do artº 52º CC de modo a que nesse conceito-quadro possamos subsumir o direito material concretamente aplicável na Califórnia. Não chocará a sensibilidade jurídica que, sobre o manto do conceito-quadro do artº 52º CC, possam integrar-se normas relativas à obrigação de alimentos entre os cônjuges, pois sempre estará em causa um efeito do casamento, quer a ordem jurídica considere esse efeito, um efeito pessoal ou patrimonial. Em rigor, a obrigação de alimentos até é um híbrido, resulta sempre de uma relação pessoal, mas tem sempre efeitos patrimoniais.

Caso prático nº 18 (2ª pergunta)

Artº 47º CC

DD RML1 L2 L3

Lex fori Lei inglesa Lei suiça Lei da nacionalidade Lex rei sitae

L3 retorna a competência para L1

Artº 18º /2 /in fine CC – L1 aplica L1

Qualificação

1. Interpretação do conceito-quadro do artº 47º CC, através das regras da hermenêutica jurídica do artº 9º CC, que se relaciona com a capacidade de exercício.

1.1. Encontrar o quid (artº 122º, 123º, 132º e 1649º CC).

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2. Interpretação do quid, neste caso, à luz do artº 9º CC (e não artº 23º CC, porque as normas são portuguesas).

3. Integração – o conteúdo e função das normas materiais integram o conteúdo e função do conceito-quadro do artº 47º CC, porque visam os mesmos fins (artº 15º CC).

Nota: Em DIP, a qualificação é normativa e não factual (porque se integram normas e não factos)

Caso prático nº 19

Ordenamento jurídico português:

• Lex fori• Lei da nacionalidade (ao tempo da celebração da promessa)

Ordenamento jurídico inglês:

• Lei da residência (ao tempo da celebração da promessa)• Lex locci actus (local da celebração do negócio)

Ordenamento jurídico francês:

• Lei da residência no momento em que a questão é apreciada• Lei da nacionalidade actual

Ordenamento jurídico espanhol:

• Lex locci actus (lugar da celebração do casamento)• Lei da nacionalidade de C

Conflito negativo de qualificações (continuação)

Uma outra forma de resolução do conflito negativo de qualificações, é através da criação de uma norma ad hoc. Neste caso, o intérprete, socorrendo-se dos princípios gerais de DIP, deve criar uma norma para resolver o caso concreto que será aplicável ao caso e que permite solucionar o conflito de leis. Há 2 formas (ou 2 métodos) para criar essa norma de conflitos:

1. Aproveitar uma norma de conflitos já existente e acrescentar apenas um elemento de conexão novo;

2. Que o intérprete crie ex novo a norma de conflitos na íntegra.

Em qualquer um dos casos, deve estar subjacente ao elemento de conexão, os valores próprios de DIP (a harmonia jurídica internacional, a maior proximidade, etc.).

Exemplo: Artur, de nacionalidade inglesa, morreu intestado e sem parentes sucessíveis, deixando como único bem um palácio com terrenos adjacentes, situado em Portugal. O

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direito material inglês trata a questão em apreço, conferindo à Coroa Britânica um DR de aquisição por via administrativa de todos os bens aos quais não seja conhecido dono. Do ponto de vista conflitual, a norma de conflitos britânica aplicável, considera competente para a questão, a ordem jurídica inglesa.

Artº 62º CC

L1 ____________________________ L2Lex fori Lei inglesa Nacionalidade do autor da herança

Aplica-se o artº 16º CC

Quid: Assunto tratado em sede de DR de aquisição em favor da Coroa Britânica. Então, o quid não integra o conceito-quadro do artº 62º CC. Os DR de aquisição tutelam uma relação de domínio sobre uma coisa.

Artº 46º CC

L1Lex foriLex rei sitae

Quid: Artº 2152º e ss. CC. Não integra o conceito-quadro do artº 46º CC, porque este trata de DR e não da sucessão. Então, o direito material português concretamente aplicável não integra o conteúdo e função do conceito-quadro do artº 46º CC.

Então, estamos perante um vácuo jurídico, restando a criação de uma norma ad hoc, mediante um dos dois métodos possíveis (ex: acrescentar ao artº 46º CC, a nacionalidade do autor da sucessão), ou criar uma norma de conflitos nova, ex: a aquisição de bens deixados por nacionais intestados e sem parentes sucessíveis rege-se pela lei pessoal do de cujus.

Conflitos positivos de qualificações (ou cúmulos jurídicos)

Nos conflitos positivos de qualificações, verifica-se que à mesma situação plurilocalizada, resultam aplicáveis, pelo menos duas leis.

Os elementos constitutivos do cúmulo jurídico são os seguintes (cumulativos):

1. Duas normas de conflitos (ou mais) diferentes do sistema de conflitos do foro;

2. Individualizam através dos seus elementos de conexão, duas ou mais ordens jurídicas diferentes;

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3. O direito material concretamente aplicável nas ordens jurídicas designadas, integram pelo seu conteúdo e função o conceito-quadro da norma de conflitos que respectivamente a designou;

4. A regulamentação aplicável à situação plurilocalizada nessas diferentes ordens jurídicas é incompatível, não podendo esses regimes ser aplicados cumulativamente.

São vários os conflitos positivos de qualificações:

1. Conflito positivo de qualificações entre o estatuto da forma e o estatuto da substância – em regra, a aplicação desses dois estatutos pode fazer-se cumulativamente. O estatuto da forma rege apenas os aspectos extrínsecos (externos) da declaração negocial; o estatuto da substância rege os aspectos intrínsecos. Assim acontece, por exemplo, no contrato de casamento, a substância rege-se pela lei que resulta aplicável do artº 49º CC, e a forma pelo disposto no artº 50º CC. O mesmo acontece com as declarações negociais de carácter obrigacional que, quanto à forma, regem-se por uma das leis do artº 36º CC, e quanto à substância, regem-se pela lei do tipo negocial em causa (artº 41º CC). O mesmo acontece também nos negócios jurídicos mortis causa: a substância do testamento rege-se pelo artº 63º CC, e a forma pela lei que resulta aplicável do artº 65º CC. É o caso das formalidades ad probationem. O problema surge com as formalidades ad substantiam. Estas formalidades não dizem apenas respeito à prova da declaração negocial; a sua exigência tem sobretudo a ver com o interesse público de assegurar a certeza quanto à validade do consentimento. Daí que a não observância de uma formalidade deste tipo, envolve a nulidade do acto jurídico. O conflito positivo de qualificações pode então emergir de a lei da substância considerar o negócio formalmente inválido por não ter sido respeitada uma formalidade ad substantiam e a lei da forma considerar a declaração negocial formalmente válida, apesar de não ter sido respeitada aquela formalidade. Este conflito é o único em que o legislador fornece um critério orientador para a sua solução.

Quer no artº 36º /1/in fine CC, quer no artº 65º /2 CC, resulta claro que o legislador opta pelo estatuto da substância. Por conseguinte, no caso de se verificar um verdadeiro conflito entre estatuto da forma e da substância e não um conflito aparente, temos que proteger o núcleo essencial do negócio jurídico, e esse é salvaguardado pelo estatuto da substância, onde estão subjacentes os interesses relativos ao consentimento, capacidade e falta e vícios da vontade.

Conflito positivo de qualificações entre o estatuto pessoal e o estatuto real

O conflito entre estes dois estatutos traduz-se na cumulação de leis determinadas pelo artº 46º e por uma norma de estatuto pessoal. Em regra, será a lei de estatuto pessoal que regula uma transmissão ou o conteúdo dessa transmissão. O exemplo de escola para ilustrar este conflito, parte de um individuo de nacionalidade portuguesa que morre em Inglaterra intestado e sem parentes sucessíveis, deixando um castelo nos arredores de Londres. O artº 62º CC, chamado a resolver o conflito de leis, determina a competência da ordem jurídica portuguesa (a ordem jurídica da nacionalidade do autor da herança). O direito material português concretamente aplicável (artº 2152º e ss. CC)

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atribui ao Estado a qualidade de herdeiro na última classe de sucessíveis, fazendo-se assim uma sucessão nas posições jurídico-sucessiveis do de cujus, a favor do Estado. O conceito-quadro do artº 62º CC refere-se à sucessão por morte, e daí que, nos termos do artº 15º CC, o direito material português concretamente aplicável integra pelo seu conteúdo e função o conceito-quadro do artº 62º CC.

O artº 46º CC, por sua vez individualiza a ordem jurídica inglesa (lugar da situação do bem imóvel). Em Inglaterra, como é sabido, em casos semelhantes, o direito material atribui à Coroa britânica um DR de aquisição de todos os bens situados no seu território sem dono conhecido, aquisição essa feita por via administrativa, marcando-se deste modo o carácter real da transmissão que entendem dar-se nestas circunstâncias. Cumpre concluir que o direito material inglês integra pelo seu conteúdo e função o conceito-quadro do artº 46º CC, uma vez que nesse conceito-quadro são também tutelados os interesses relativos às relações de domínio que se estabelecem entre as pessoas e as coisas.

Chegados a este ponto, verifica-se um conflito positivo de qualificações, uma vez que o direito inglês e o direito português, concretamente aplicável à situação sub júdice, ao abrigo de normas de conflitos diferentes, contêm uma regulamentação cuja aplicação cumulativa é incompatível.

A este propósito, a doutrina, unanimemente vem defendendo que deve ser atribuída prevalência ao estatuto real, fundamentada do seguinte modo: a lei que mais próxima está da situação, e que por isso melhores condições tem de garantir a eficácia da decisão que venha a ser tomada, é a do lugar onde o bem está situado; só esta lei garante ao julgador a possibilidade da decisão poder ser tornada efectiva (por força da maior proximidade e exequibilidade).

Conflito positivo de qualificações entre o estatuto das relações pessoais entre os cônjuges e o estatuto das relações patrimoniais entre os cônjuges.

Neste conflito estão em causa os efeitos do casamento que não têm o mesmo tratamento nas diferentes ordenes jurídicas. O que para uma ordem jurídica é um efeito pessoal, para outra pode ser tratada como um mero reflexo patrimonial do casamento. A somar a isto está o carácter móvel das conexões utilizadas no artº 52º CC, ou seja, o conteúdo dessas conexões pode variar, uma vez que os cônjuges podem alterar a sua nacionalidade ou residência habitual. Por exemplo, se estiverem em causa uma acção de alimentos entre os cônjuges, a ordem jurídica da nacionalidade comum ao tempo em que a questão está a ser apreciada, neste exemplo, a lei portuguesa, considera no seu direito material que a obrigação de alimentos decorre de um efeito pessoal do casamento (dever de assistência – artº 1675º CC). Porém, à data da celebração do casamento, os nubentes tinham nacionalidade ucraniana, e ao abrigo desta lei, os alimentos entre os cônjuges apenas são devidos quando expressamente salvaguardados na convenção antenupcial, ou seja, a obrigação de alimentos resulta expressamente de uma convenção negociada, entre os cônjuges, o qual não poderá senão ter um alcance patrimonial. Ora, por força do artº 52º CC, a lei que resulta aplicável é a lei portuguesa; por força do disposto no artº 53º CC, a lei que resulta aplicável era a ucraniana.

A opção é para dar prevalência ao estatuto que rege os efeitos pessoais do casamento pelas seguintes razões:

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• A actualidade – A lei determinada nos termos do artº 52º CC está mais próxima dos cônjuges, à data em que a questão está a ser apreciada, pois é a lei pessoal que eles têm nesse momento, enquanto que a lei pessoal do artº 53º CC é a que os nubentes tinham à data da celebração do casamento;

• Os efeitos primordiais do casamento - São os de natureza pessoal, isto é, os interesses que movem a celebração desse contrato são de natureza pessoal, e daí que havendo necessidade de optar por um dos estatutos, a opção tem que ser feita, escolhendo aquele que salvaguarde o núcleo essencial da relação conjugal, e esse é constituído pelos chamados efeitos pessoais.

Resolução do teste intercalar:

Ordem jurídica portuguesa:

• Lex fori• Lex domicilli de Maria

Ordem Jurídica brasileira:

• Lex patriae de A e M (artº 25º e 31º CC e artº 52º CC)

Ordem Jurídica italiana:

• Residência habitual comum ao tempo da celebração do casamento (artº 52º CC)• Lei do lugar da celebração do casamento (artº 50º CC)

Nota: O âmbito do conceito-quadro do artº 52º CC, são as relações pessoais dos cônjuges e as relações patrimoniais que nãi caibam no artº 53º CC.

Nota: O artº 52º CC, não se aplica porque as conexões do artº 52º CC são múltiplas subsidiárias. Também não se aplica o artº 50º CC, porque este refere-se apenas à forma do casamento.

Artº 52º CC

RM DDL1 L2 L3 Nacionalidade comum 1ª residência conjugal OJ brasileira OJ italiana ↓ ↓ L3 L3

Há harmonia jurídica internacional e portanto, levanta-se a questão de poder haver transmissão de competências.

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Aplica-se o artº 17º /2 CC a contrario sensu, segundo a teoria do Prof. Dr. Ferrer Correia, em prol do princípio da maior ligação individual. Aplica-se, portanto, o artº 17º /1 CC.

Qualificação:

1º - Conceito-quadro (o seu âmbito) – Relações entre os cônjuges, e ainda as relações patrimoniais que não caibam no artº 53º CC.

Interpretações de acordo com as regras da hermenêutica jurídica do artº 9º CC.

2º Interpretação do direito material estrangeiro de acordo com o artº 23º CC (com base no Prof. Dr. Baptista Machado). Encontra-se então o quid (artº 1675º, 1672º, 2009º CC).

Nota: Em DIP, a qualificação é normativa (qualificam-se normas materiais concretamente aplicáveis)

3º Integração com base no artº 15º CC, com base na teoria teleológico-funcional do Prof. Dr. Ferrer Correia.

Conflito positivo de qualificações entre o estatuto matrimonial e o estatuto sucessório

Especial importância tem merecido da parte do legislador, a protecção do cônjuge seperstit (sobrevivo), assegurando a sua tutela face à dissolução por morte do casamento. No direito comparado, verifica-se que nem sempre a protecção dispensada tem a mesma amplitude. Há ordens jurídicas em que o cônjuge só é protegido nessa qualidade, assim como outras jurídicas protegem o cônjuge apenas como herdeiros. Nas primeiras, em regra, o cônjuge tem o direito à meação dos bens comuns, quando estes existam; nas segundas, apesar de mais raras, o património dos cônjuges mantém-se separado e à morte de um deles, o sobrevivo herda na qualidade de herdeiro legitimário (obrigatório). Em qualquer destas ordens jurídicas, o cônjuge tem apenas uma tutela restrita, ao contrário do que acontece em ordens jurídicas semelhantes à nossa, em que o cônjuge é merecedor de uma tutela ampla, ou de uma tutela dupla (ao nível do direito matrimonial e ao nível do direito sucessório).

Nestas ordens jurídicas, à morte de um dos cônjuges, o superstit tem direito à meação dos bens comuns, mas adicionalmente tem também direito a um quinhão hereditário como herdeiro legitimário. O problema desta divergência no direito comparado, quanto à tutela do cônjuge superstit que o DIP tem que resolver, consiste em determinar aquelas situações em que existe um conflito aparente de qualificações, daquelas em que existe um verdadeiro conflito. Em sede geral, pode afirmar-se que sempre que as ordens jurídicas chamadas para regular cada um dos estatutos confiram ao superstit uma tutela restrita, a situação é de verdadeiro conflito e que sempre que, pelo menos uma das ordens jurídicas designadas confira ao cônjuge superstit uma tutela ampla, a situação é de conflito aparente. Por exemplo, António, português, casado com Maria, brasileira, ambos residentes à data da celebração do casamento na Dinamarca, faleceu, cabendo regular o destino a dar aos bens que deixou. Quanto ao cônjuge, importa em primeiro lugar saber se lhe cabe algum direito enquanto cônjuge, uma vez

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que a dissolução do vínculo por morte pode produzir efeitos patrimoniais e pessoais. O artº 53º, determina como lei aplicável, neste caso, a ordem jurídica dinamarquesa (residência dos nubentes à data da celebração do casamento), e a ordem jurídica dinamarquesa trata a questão, concedendo ao cônjuge o direito de levantar metade dos bens adquiridos após a celebração do casamento. Este direito material integra o conceito-quadro do artº 53º CC. Pelo artº 62º CC, é individualizada a ordem jurídica portuguesa. Nesta ordem jurídica, o cônjuge tem o direito à meação dos bens comuns, nos termos do artº 2155º CC e é herdeira obrigatoriamente, integrando a primeira e segunda classe de sucessíveis pelo artº 2133º CC, ou seja, nesta ordem jurídica, o cônjuge beneficia de uma dupla tutela.

A apreciação dos elementos constitutivos do conflito positivo.

Nota: Sempre que se trata de relações entre os cônjuges, é necessário articular os artºs 52º e 53º CC.

O artº 17º /2 é uma norma proibitiva quando se verifiquem as duas situações previstas.

O artº 18º /2 CC é uma norma enunciativa. Logo, fora dos casos previstos no artº 18º /2 CC, não é permitido o reenvio por retorno.

Os requisitos do conflito positivo

1. Desde logo, estão a ser utilizadas duas normas de conflitos: os artºs 53º e 62º CC;

2. Essas normas de conflitos conduzem a ordenamentos jurídicos distintos;

3. O direito material concretamente aplicável nessas ordens jurídicas, à situação plurilocalizada, integra pelo seu conteúdo e função, o respectivo conceito-quadro;

4. Incompatibilidade na aplicação simultânea das duas normas.

Nesta situação, o único elemento constitutivo que não se verifica (dos atrás referidos), é o último. Vejamos porquê:

Em primeiro lugar, as ordens jurídicas em confronto não asseguram o mesmo tipo de tutela ao cônjuge superstit. A lei dinamarquesa confere a esse cônjuge uma tutela restrita, por via do direito matrimonial; a lei portuguesa confere-lhe uma tutela ampla, atribuindo-lhe a meação, através do direito matrimonial, e o direito à herança, através do direito sucessório.

Em segundo lugar, face a esta diversidade de concepções quanto à tutela do cônjuge superstit, não é possível afirmar que a aplicação do regime legal de uma das leis em conflito, esgota a tutela que qualquer uma delas pretende conferir ao cônjuge. Pelo contrário, a ordem jurídica portuguesa, para esgotar o regime de protecção do cônjuge, exige a aplicação simultânea dos dois regimes. Em conclusão, neste caso e

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naqueles que reúnam as mesmas características, deve afirmar-se que o conflito é aparente, devendo fazer-se uma aplicação cumulativa das duas leis, para por essa via ficar esgotada a tutela do cônjuge sobrevivo.

Assim, apenas é possível falar-se em conflito positivo de qualificações entre estatuto matrimonial e estatuto sucessório, em sentido real, quando as duas leis designadas confiram ao cônjuge sobrevivo uma tutela restrita: uma por via matrimonial e a outra por via sucessória. Nesse caso, como os objectivos propostos por qualquer uma das ordens jurídicas para atingir a tutela do cônjuge são semelhantes (tutela restrita), diferindo apenas o meio através do qual fazem essa tutela, importa uma verdadeira incompatibilidade da aplicação simultânea dos dois regimes, pois a aplicação de qualquer uma delas, esgota a tutela que a outra pretende conferir. Para resolver estas situações de verdadeiro conflito, Kegel propõe os seguintes critérios:

1. Se uma das ordens jurídicas estivera a fazer uma comunhão no momento da morte de um dos cônjuges, é essa a que deve prevalecer, pois é aquela que de modo mais específico prevê a situação;

2. Se ambas as ordens jurídicas estiverem a fazer comunhão, deve aplicar-se aquela que tenha que ser aplicada primeiro, que em regra será a que faz a comunhão inter vivos, pela simples razão, segundo Kegel de no momento em que se procede à aplicação da lei que faz a comunhão mortis causa, já o problema está resolvido;

3. Se nenhuma das ordens jurídicas fizer comunhão, deve ser aplicado o estatuto matrimonial, porque também segundo o critério da precedência, quando chegar o momento de aplicar a lei de estatuto sucessório, já a tutela do cônjuge foi satisfeita pela lei que rege o estatuto matrimonial.

Portanto, quer no 2º, quer no 3º critério, conta a prevalência lógica do estatuto matrimonial face ao estatuto sucessório.

Segundo o Prof. Dr. Ferrer Correia, nestas situações em que se use a prevalência matrimonial, deve ser dada ao cônjuge superstit, a oportunidade de escolher qual o estatuto que pretende que seja aplicável, pois só ele está em condições de saber qual deles acautela melhor os seus interesses.

O Prof. Nicolau Santos Silva defende que o critério da vontade do cônjuge deve ser o critério geral, isto é, sempre que se verifique um verdadeiro conflito positivo de qualificações entre o estatuto matrimonial e o estatuto sucessório, o cônjuge sobrevivo deve ter a oportunidade de escolher qual dos estatutos pretende que lhe seja aplicado, e mediante essa escolha, ficará resolvido o conflito de qualificações. Na impossibilidade ou ausência de escolha, deverá o estatuto prevalecente ser aquele que em concreto melhor acautelar os interesses do cônjuge superstit. Esta tese, que não é peregrina, assenta no seguinte fundamento: é unanimemente aceite que o cônjuge superstit deve merecer uma tutela de natureza patrimonial. Ora, em primeira linha, essa tutela deve ser aquela que o cônjuge tenha oportunidade de escolher; essa escolha corresponderá à lei (ou estatuto) que melhor salvaguarde os interesses desse cônjuge. Na impossibilidade ou ausência de escolha, não se vislumbram razões para que o critério não continue a ser

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o da melhor forma de acautelar os interesses do mesmo cônjuge, assegurando-lhe a melhor tutela possível nos dois estatutos em conflito.

Prefere-se, por conseguinte, um critério de natureza material, a critérios puramente formais para determinar o estatuto relevante.

Limites à aplicação de direito material estrangeiro considerado aplicável.

Caso prático nº 19 (continuação)

Normas de conflitos – artº 45º, 52º, 41º e 42º CC.

Aplica-se o artº 42º CC e não o artº 41º CC, porque não houve escolha de lei pelas partes. Aplica-se o artº 42º /1 CC.

Artº 42º /1 CC

DS RML1 L2 L3Lex fori Lex domicilli Lex locci actus Lei francesa Lei espanhola ↓ ↓ L2 L2

L3 retorna a competência para L2.

Há harmonia jurídica internacional, mas o reenvio não é o meio necessário, porque através do artº 16º CC, chegaríamos igualmente à lei francesa.

Qualificação: Não integra pelo seu conteúdo e função o conceito-quadro do artº 42º /1 CC. Então, é necessário analisar o artº 45º CC.

Artº 45º CC

RM DSL1 L2 L3Lex fori Lei espanhola Lei francesa ↓ ↓ L3 L3

L3 retorna competência para L2

Há harmonia jurídica internacional e o reenvio é o meio necessário. Aplica-se o artº 17º /1 CC.

Qualificação: Há integração do conceito-quadro do artº 45º CC.

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É ainda necessário analisar o artº 52º CC

Artº 52º CC

DS DDL1 L2 L3Lex fori Lei francesa Lei inglesa ↓ ↓ L1 L2

L3 retorna a competência para L1.

Não é possível o reenvio por retorno, porque L3 teria que fazer uma referência material para nós. Logo, aplica-se a lei francesa através do artº 16º CC, não integrando o conceito-quadro.

Limites à aplicação do direito material estrangeiro na ordem jurídica portuguesa

A reserva de ordem pública internacional do Estado local

A sede legal deste instituto está nos artºs 22º CC e 16º Convenção de Roma. A ordem pública de qualquer ordem jurídica é constituída pelos princípios fundamentais estruturantes dessa mesma ordem jurídica. Em regra, são princípios que têm assento na lei fundamental e que dizem respeito aos DLG individuais, à organização do Estado, à organização da sociedade, da economia e ao exercício dos poderes soberanos; por exemplo, na ordem jurídica portuguesa, o princípio do respeito pela liberdade individual, o princípio da igualdade, o princípio da coexistência dos diferentes sectores produtivos, o princípio da repartição dos poderes e da independência dos mesmos, etc. Ou seja, são todos eles, princípios que permite caracterizar a ordem jurídica portuguesa e que encontram, em sede de direito privado, uma referência genérica no artº 280º CC (qualquer negócio jurídico que seja contrário à ordem pública é nulo). A ordem pública interna é constituída pelos ditos princípios fundantes do Estado português. A ordem pública internacional é um instituto mais restrito que esta ordem pública interna, porque da ordem pública internacional, apenas fazem parte aqueles princípios que permitem caracterizar a ordem jurídica portuguesa, face às demais ordens jurídicas; por exemplo, há um princípio geral da ordem pública interna que determina que a capacidade nupcial se adquira aos 16 anos. Noutras ordens jurídicas, essa capacidade adquire-se aos 14 anos; noutras ainda, aos 18 anos. Se por hipótese, aplicarmos o direito material de uma dessas ordens jurídicas, não podemos afirmar que atribuir capacidade nupcial aos 14 ou 18 anos, que isso viole a nossa reserva de ordem pública internacional, pois não é isso que caracteriza a nossa ordem jurídica. Mas, se porventura, uma dessas ordens jurídicas não atribuir capacidade nupcial a um nubente devido à sua raça, aí sim, a aplicação desse direito material, colocaria em causa a ordem pública internacional do Estado português, pois violaria o princípio da igualdade e não discriminação em função da raça, e este sim, é caracterizador da nossa ordem jurídica face às demais.

Características da reserva da ordem pública internacional:

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1. A ordem pública internacional é mais restrita do que a ordem pública interna.

2. A segunda conclusão que retiramos, é que a ordem pública internacional tem um carácter vago e indeterminado, uma vez que é impossível determinar com rigor o que é a ordem pública internacional; podemos apenas afirmar que ela é constituída por princípios fundamentais, estruturantes do Estado português, o que necessariamente tem um carácter indeterminado.

3. Outra característica da reserva da ordem pública internacional é o seu carácter nacional. Numa expressão feliz da Dra. Isabel Magalhães Colaço, diz-se que “não há nada mais nacional do que a ordem pública internacional do Estado português, pois a ordem pois a ordem pública internacional não é internacional, mas sim constituída por princípios da ordem jurídica interna”.

4. Uma quarta característica é a actualidade. Apenas tem sentido respeitar os princípios de ordem pública internacional vigentes ao momento em que a questão está a ser apreciada, e não aqueles que vigoravam ao tempo em que a situação se constituiu.

5. Tal como está consagrada nos artºs 22º CC e 16º da Convenção de Roma, é o seu carácter excepcional, ou seja, em qualquer dos casos, a reserva de ordem pública internacional constitui uma excepção à aplicação do direito material estrangeiro, considerado competente pelo sistema conflitual português, isto é, a actuação do limite (reserva de ordem pública internacional do Estado local), excepciona (impede a aplicação) desse direito material estrangeiro. Isto resulta com evidência do artº 22º CC, já no artº 16º da Convenção de Roma, esta questão não está tão clara.

É possível conceber a ordem pública internacional do Estado local segundo duas teses:

1. A tese Savigniana (Frederic Von karl Savigny) que é a que se encontra nos artºs 22º CC e 16º da Convenção de Roma, também designada de ordem pública aposteriorística, isto é, segundo esta tese, as normas de conflitos devem sempre operar para resolver o conflito de lei, e só após a qualificação, será verificado se a aplicação do direito material designado conduz ou não a um resultado intolerável face aos princípios de ordem pública internacional do Estado português, e daí o seu carácter de excepção.

2. Numa outra tese, defendida por Manaini, ou a tese apriorística, a reserva de ordem pública internacional deve ser salvaguardada à priori, através de normas de aplicação imediata (NAI). As NAI são normas de conflitos unilaterais introversas, que têm a particularidade de serem utilizadas nas matérias consideradas sensíveis para defender a ordem pública internacional do Estado local. Os franceses apelidam estas normas de Lois de Police. Em Portugal, estas NAI são utilizadas em matérias como a concorrência, a regulamentação do trânsito automóvel, em determinados pontos específicos da nossa CRP, tem-se entendido existirem NAI, nomeadamente no que diz respeito à organização económica. No entanto, não há uma ordem jurídica portuguesa, nenhuma

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consagração genérica no CC, desta concepção apriorística da reserva de ordem pública internacional. Apenas na Convenção de Roma, no artº 7º, se faz referência a normas imperativas que a doutrina tem vindo a interpretar como sendo as NAI.

O Estado português formulou uma reserva, relativamente à aplicação do artº 7º da Convenção de Roma, não tendo este aplicação na ordem jurídica portuguesa, e daí termos que manter a ideia de que não há uma consagração genérica da perspectiva Manciniana da reserva da ordem pública internacional.

Dois tipos de reenvio que resultam a contrario sensu do artº 17º /2 CC:

• Lei da nacionalidade ou da residência se resultar aplicável pelo circuito de reenvio.

• Lei do lugar da celebração, se resultar aplicável pelo circuito de reenvio.

A razão de ser da proibição do artº 17º /2 CC é a protecção do princípio da maior ligação individual. No entanto, este princípio cede no nº 3, em benefício do princípio da maior proximidade.

Efeitos da reserva da ordem pública internacional

Por força do que decorre do artº 22º CC, o direito material estrangeiro que ponha em causa a reserva de ordem pública internacional, tem que ser afastado, pelo que o conflito de leis carece de uma regulamentação material para poder ser dada uma solução à questão plurilocalizada. O nº 2 do artº 22º CC, estabelece uma hierarquia nas soluções, preferindo que a solução material seja encontrada no direito da ordem jurídica inicialmente designado. É o que os autores designam pelo “princípio do mínimo dano ao direito material estrangeiro”. Claro está que esta solução poucas vezes será viável, conhecendo-se apenas aquelas situações em que é a norma excepcional que põe em causa a reserva de ordem pública internacional, e uma vez afastada e aplicada a regra geral dessa ordem jurídica, a violação da reserva de ordem pública internacional do Estado local não subsiste.

Não sendo possível lançar mão desta solução, a parte final do artº 22º /2 CC consagra que a solução deve ser encontrada, aplicando o direito material português.

Deste regime podem resultar dois tipos de efeitos materiais para a relação privada internacional: o chamado efeito proibitivo, e o efeito permissivo. No efeito proibitivo, a reserva de ordem pública internacional impede que a relação se constitua ou que ao efeito da relação produza. Por exemplo, se um muçulmano pretender contrair segundas núpcias em Portugal, sem que o primeiro casamento tenha sido dissolvido, é claro que a nossa reserva de ordem pública internacional intervém, impedindo a aplicação da lei nacional, e o direito material português não permite este segundo casamento, sem que o primeiro esteja dissolvido.

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Materialmente, o efeito que decorre da reserva de ordem pública internacional é proibitivo.

No efeito permissivo, a situação é inversa, se à luz da lei nacional comum dos cônjuges, a mulher que tenha no casamento um estatuto de inferioridade, estando-lhe, por exemplo, vedado requerer o divórcio, se tal pedido é formulado em Portugal, a nossa reserva de ordem pública internacional impede a aplicação da lei nacional comum e procede à aplicação do direito material português, conferindo-lhe o direito a requerer o divórcio. Neste caso, a reserva de ordem pública internacional do Estado português tem um efeito permissivo, pois permite a extinção do vínculo, à luz de uma lei diferente daquela que seria competente inicialmente.

Consequências da reserva da ordem pública internacional na Convenção de Roma

O artº 16º da Convenção de Roma, ao contrário do que acontece com o artº 22º /2 CC, não estabelece qual a lei que deve ser aplicada à relação plurilocalizada.

O facto de não haver uma solução expressa no artº 16º, quanto à lei que deve ser aplicada, tem gerado alguma controvérsia na doutrina, baseando autores como José João Gonçalves de Proença, que defendem que a convenção nada tinha que dispor a esse propósito, pois a solução é a que decorre da regra geral consagrada no artº 22º /2 CC.

Há, no entanto quem discorde, entre os quais o Prof. Dr. Nicolau Santos Silva, que defende que a solução ma Convenção de Roma para a lei aplicável neste conflito de lei, deve encontrar-se no quadro normativo da convenção, de modo a garantir a sua integridade e a salvaguardar os princípios de autonomia da vontade privada, da conexão mais estreita, e da defesa de parte considerada mais fraca nos contratos de trabalho. Para garantir o respeito por esses princípios, antes de mais, para garantir a autonomia da vontade privada, se a lei escolhida pelas partes violou a reserva de ordem pública internacional do Estado português, deve conceder-se às mesmas partes o direito a alterarem a sua escolha, o que aliás se mostra consagrado no artº 3º /2 da Convenção de Roma. Ora, não querendo as partes fazer esta escolha (ou não chegando a acordo), a solução passa pelos outros dois princípios referidos, isto é, conexão mais estreita e protecção da parte mais fraca. Neste caso, o julgador deve determinar a lei aplicável ao abrigo dos artºs 4º, 5º e 6º da Convenção de Roma. Deste modo, afasta-se a lei inicialmente escolhida pelas partes ou determinada pelos critérios supletivos, e aplica-se a lei que tenha uma conexão estreita com a situação (artº 4º /1) ou que proteja o consumidor (artº 5º) ou o trabalhador (artº 6º).

O efeito atenuado da reserva de ordem pública internacional do Estado local

Quando estão em causa direitos adquiridos, a reserva de ordem pública internacional deve ser utilizada com recurso à teoria da adaptação, ou seja, deve estabelecer-se um equilíbrio entre a necessidade de garantir a integridade da nossa ordem jurídica e as legitimas expectativas do sujeito que validamente adquiriu um direito. Por exemplo, apesar de, segundo alguns autores, o casamento homossexual contrariar os nossos princípios de ordem pública internacional, se um “cônjuge” homossexual intentar uma acção de alimentos contra o outro “cônjuge”, o tribunal deverá garantir-lhe esse direito, apesar de não reconhecer a fonte de onde a mesma obrigação de alimentos provém. Porém, como se trata de um direito adquirido

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validamente à luz da lei conjugal, a negação do mesmo envolveria claro prejuízo para a protecção garantida a esse sujeito à luz da lei segundo a qual o casamento foi validamente celebrado.

A fraude à lei (outro limite à aplicação do direito material estrangeiro) – artº 21º CC.

A fraude à lei em DIP consiste na alteração do conteúdo do elemento de conexão de modo a obter a aplicação de uma lei que, de outro modo, não seria possível aplicar.

Face a esta noção descritiva, logo se pode concluir que a fraude à lei em DIP só pode ter lugar nas chamadas conexões móveis, ou seja, aquelas conexões que têm um conteúdo que pode variar, como, por exemplo, a nacionalidade, ou a residência habitual, e de difícil verificação nas conexões fixas, isto é, aquelas cujo conteúdo é imodificável, como por exemplo, o lugar da situação do bem imóvel, mas também a nacionalidade, desde que presa a um determinado momento (ex: artº 53º CC).