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A EDITORA FORENSE se responsabiliza pelos vícios do produto no que concerne à sua edição(impressão e apresentação a fim de possibilitar ao consumidor bem manuseá-lo e lê-lo). Nem aeditora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoaou bens, decorrentes do uso da presente obra.Todos os direitos reservados. Nos termos da Lei que resguarda os direitos autorais, é proibida areprodução total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico,inclusive através de processos xerográficos, fotocópia e gravação, sem permissão por escrito doautor e do editor.

Impresso no Brasil – Printed in Brazil

Direitos exclusivos para o Brasil na língua portuguesaCopyright © 2017 byEDITORA FORENSE LTDA.Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial NacionalTravessa do Ouvidor, 11 – Térreo e 6º andar – 20040-040 – Rio de Janeiro – RJTel.: (21) 3543-0770 – Fax: (21) [email protected] | www.grupogen.com.br

O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizadapoderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, semprejuízo da indenização cabível (art. 102 da Lei n. 9.610, de 19.02.1998).Quem vender, expuser à venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra oufonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem,proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com ocontrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador eo distribuidor em caso de reprodução no exterior (art. 104 da Lei n. 9.610/98).

Capa: Rodrigo Lippi

Produção Digital: Equiretech

Data de fechamento: 15.12.2016

CIP – Brasil. Catalogação na fonte.Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

F744d

Leopoldino da Fonseca, João Bosco

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Direito Econômico/João Bosco Leopoldino da Fonseca. 9. ed. rev., atual., e ampl. – Rio deJaneiro: Forense, 2017.

Inclui bibliografia.ISBN 978-85-309-7448-0

1. Direito econômico. I. Título.

94-1526 CDU – 34:33

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À Ana Lúcia, que, no decorrer de 52 anos, vem sendo minha amorosacompanhia e estímulo constante.Ao Luís Henrique e à Cláudia, ao Maurício e à Patrícia, ao João Guilhermee à Daniela, à Ana Regina e ao Leonardo, razão de ser do esforçoempreendido.Ao meu pai e à minha mãe, que me deram a possibilidade de dar-lhesalegrias.Ao Professor Manoel Marques Fonseca, sempre um estímulo para novasousadias.Ao Professor Washington Peluso Albino de Souza, que gostaria de ver osfrutos da semente lançada há 50 anos na Casa de Afonso Pena.

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NOTA DO AUTOR À 9ª EDIÇÃO

Após um ano do aparecimento da 8ª edição, estou sendo gentilmente provocado pela Editora a trabalhar parainovar o conteúdo do livro, para atender às exigências atuais dos que estudam o Direito Econômico. Se algumasfaculdades de Direito estabelecem o estudo do Direito Econômico em um único semestre, outras o fazem em dois,dedicando o primeiro a uma conceituação e visão geral, e o segundo ao aprofundamento do Direito da Concorrência.

Esta edição mantém a organização das anteriores, com a supressão de um “Documentário”, que hoje não mais sejustifica, em face do acesso generalizado às fontes. Diante da evolução e da afirmação do Direito Econômico comofundamentalmente um Direito da Concorrência, cuja finalidade intrínseca é o desenvolvimento, provocado pelainovação constante, destinado a criar e fomentar o bem-estar do consumidor, impõe-se introduzir um capítulo sobre otema, para proporcionar aos estudiosos o desafio de adentrar mais profundamente nessa seara do relacionamentoentre Direito e Economia.

O estudo do Direito Econômico começou a ser enfatizado no Brasil como uma disciplina curricular a partir dadécada de 1970, como resultado da importância do relacionamento entre Direito e Economia. No início do séculoXX, Maurice Hauriou chegou a afirmar o intenso antagonismo entre estes dois ramos das Ciências Sociais. Para ele,as forças jurídicas eram morais, ao passo que as políticas e econômicas eram amorais. Formava-se a luta dramática

do justo e do injusto1. O Direito Econômico veio mostrar que, se existe uma oposição, é ela dialética, decomplementação e de integração. Se a Economia descreve e analisa nossas escolhas, com base nos princípios daracionalidade e da eficiência, o Direito é prescritivo, tomando como base as escolhas realizadas pela Economia.

No Direito norte-americano, Oliver Wendell Holmes Jr. já profetizava, em artigo publicado em 1897, mas que

permanece citado até hoje, que o jurista do futuro não poderia desconhecer a Economia2. Assinalou também LouisBrandeis que a insatisfação em relação à administração da justiça se devia ao descompasso com o desenvolvimento

dos ideais políticos, econômicos e sociais3.

A necessidade do estudo de um Direito Econômico, como veremos no decorrer do primeiro capítulo deste livro,passou a ser sentida desde a manifestação de Proudhon, em 1863, e mais acentuadamente com a afirmativa deJustus Wilhelm Hedemann, em 1922, de que, nos 30 anos anteriores, se via o surgimento de uma nova e importantematéria: o chamado Direito Econômico.

A partir dos anos 1970, no Brasil, as faculdades de Direito passaram a adotar em seus currículos a disciplina“Direito Econômico”. E não se pode omitir a menção e homenagem ao introdutor dessa área de estudos naFaculdade de Direito da UFMG, o Professor Washington Albino Peluso de Souza, ocasião em que os questionadorespunham em dúvida o conteúdo da novidade. Após a Constituição de 1988, com a adoção do regime de economia demercado, que deu impulso às privatizações e à abertura da economia nacional, é crescente a convicção de que nãose pode estudar o Direito sem a contribuição da Ciência Econômica. Em 1994, com a edição da Lei n. 8.884, quedeu nova face ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica, e principalmente com o advento da Lei n. 12.529,de 2011, as decisões proferidas por aquele Tribunal, integrado por juristas e economistas, passaram a terconsiderável repercussão no comportamento do mercado.

A situação atual é resultado de um longo e sinuoso caminhar. O relacionamento entre Direito e Economia pode

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1

ser visto em três etapas4: uma primeira, de imbricação, em que juristas, economistas e filósofos integravam o seucampo de reflexão (Adam Smith era Professor de Filosofia); uma segunda, em que predominou antagonismo erejeição mútua (Max Weber opunha a ordem jurídica à ordem econômica, e Maurice Hauriou, como vimosanteriormente, colocava esses saberes em situação de conflito); e uma terceira, em que se verifica um interesserecíproco e uma integração (ainda Max Weber sinalizava para essa aproximação, mas ela atinge seu ápice com aEscola de Chicago, a partir de 1960).

O relacionamento entre Direito e Economia foi recentemente salientado e comemorado por Guido Calabresi em

trabalho publicado em janeiro de 20165, ao afirmar que “a teoria econômica tem servido para impulsionar osestudiosos do Direito a uma mais acurada, mais abrangente e exaustiva análise da realidade do Direito”.

O surgimento desta nova edição do Direito Econômico vem confirmar o interesse do meio acadêmico por essarelação interdisciplinar. O desenvolvimento dos capítulos tem por objetivo levar aos alunos de graduação em Direitoo conhecimento de um novo tipo de visualização. A análise descritiva que se faz, desde a exposição do conceito,passando pela evolução constitucional até chegar ao nível de uma economia de mercado e da defesa e garantia daconcorrência, tem como objetivo provocar o questionamento sempre percuciente da relação dialética entreEconomia e Direito, quer no plano nacional, quer no regional ou internacional.

O último capítulo do livro trata mais especificamente do questionamento de uma economia de mercado perantefenômenos de crise, sob seus mais variados aspectos. A exposição de conceitos já firmados, a integração dialéticaentre Economia e Direito, acompanhando a evolução constitucional desde 1824 até 1988, levam à percepção de umcenário aberto e sempre inacabado, mas sempre reconstruído. O Direito Econômico se mostra infenso à codificação,pois é de sua essência a mobilidade e a busca de adequação à realidade econômica sempre provocadora,questionadora e incitativa. Assim, a leitura do livro deve servir de motivo para ir além do que nele está contido. Asnotas de pé de página têm uma finalidade de extensão e de estímulo para que o leitor se sinta à vontade para sair dolivro e buscar outras fontes.

E como provocação para essa perseguição de novas fontes, não posso deixar de referir dois livros que secolocam em posições antagônicas, e por isso mesmo muito instigantes. O primeiro deles, publicado em agosto de2013 – “O Capital no século XXI”, de Thomas Piketti –, e o segundo, publicado em 2014, que faz duras críticas aoprimeiro – “Piketti’s capital: Wrong theory, destructive program”, de George Reisman.

Cumpro o agradável dever de um agradecimento a todos os que colaboraram para o surgimento desta novaedição, principalmente os que me são mais próximos, minha esposa Ana Lúcia, meus filhos e meus netos, pelo tempoque lhes não dediquei. A redação do capítulo novo sobre “Economia de Mercado e Concorrência” foi objeto deanálise crítica e construtiva de meus filhos e colegas Luís Henrique e Maurício e de meu colega Raphael Boechat, aquem agradeço pela valiosa colaboração prestada. Meu agradecimento também a todos os integrantes do GrupoEditorial, pela sua dedicação e paciência na orientação para a reformulação do texto do livro.

Belo Horizonte, dezembro de 2016.

Principes de Droit Public. 2. ed. Sirey, 1916. p. XXXV.

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The Path of the Law. 10 Harvard Law Review, 1897, p. 469.

The Living Law. Illinois Law Review, v. X, 1916, p. 463.

OPPETIT, Bruno. Droit et Économie. Archives de Philosophie du Droit. Paris, Sirey, 1992. t. 37, p. 17-18.

The Future of Law and Economics: Essays in Reform and Recollection. New Haven: Yale University Press, 2016.

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1.2.3.4.

4.1.4.2.4.3.4.4.4.5.

5.5.1.5.2.5.3.5.4.5.5.5.6.5.7.5.8.5.9.

1.2.3.4.5.6.

6.1.6.2.6.3.6.4.6.5.6.6.6.7.6.8.

SUMÁRIO

Capítulo 1 – DIREITO E EVOLUÇÃOA juridicidade nas relações humanasA evolução do conteúdo ideológico do DireitoO surgimento do Direito EconômicoConceito

Direito Econômico e Direito da EconomiaConceito amplo e restritoA concentração de empresas e a intervençãoO objeto do Direito EconômicoPolítica: política econômica

Características do novo DireitoO declínio do princípio da generalidade da leiA mobilidadeAusência de codificaçãoA crise da imperatividadeDesmoronamento da fronteira: público-privadoPrincípio da economicidadePrincípio da eficiênciaCaráter concretoAs perspectivas microeconômica e macroeconômica

Capítulo 2 – FONTES DO DIREITO ECONÔMICOConceito de fonte do DireitoPrincípios e regrasOrdem jurídico-econômicaConstituição econômica: função transformadoraPrincípios de Direito EconômicoPrincípios e regras

A norma jurídica deve garantir a segurança nas relações jurídicasA norma jurídica deve tomar como ponto de partida a realidade econômicaA norma jurídica deve procurar a reforma da realidadeA norma jurídica deve buscar o desenvolvimento sustentávelA norma jurídica deve buscar o equilíbrio dinâmicoA norma jurídica deve nortear-se pela eficiência e economicidadeA norma jurídica deve garantir a democracia econômica e socialA norma jurídico-econômica e o princípio da dignidade humana

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6.9.6.10.6.11.

7.8.9.10.

1.1.1.1.2.

2.3.4.

4.1.5.

5.1.5.2.5.3.5.4.5.5.5.6.5.7.5.8.5.9.

6.6.1.

6.1.1.6.1.2.6.1.3.6.1.4.6.1.5.6.1.6.6.1.7.6.1.8.6.1.9.

6.2.6.3.

6.3.1.

A norma jurídica: eliminação de atos economicamente lesivosA norma jurídica deve ser pragmáticaA norma jurídico-econômica e o princípio da proporcionalidade

Tipos de fontes no Direito EconômicoA regulação como fonte de Direito EconômicoA medida provisória: instrumento de condução da política econômicaA Lei do Plano

Capítulo 3 – ORDEM JURÍDICO-ECONÔMICAConceito de ordem

Conceito de ordem em KantOrdem política e econômica: Max Weber

Kosmos e taxisOrdem e linguagemA constituição econômica

Normas programáticasOrdem jurídico-econômica brasileira

Conceitos complementares de ordemAspectos sincrônico e diacrônicoA Constituição de 1824A Constituição de 1891A Constituição de 1934A Constituição de 1937A Constituição de 1946A Constituição de 1967-1969A Constituição de 1988

Princípios gerais da atividade econômicaOs princípios gerais

Soberania nacionalPropriedade privadaFunção social da propriedadeO princípio da livre concorrênciaPrincípio da defesa do consumidorPrincípio da defesa do meio ambientePrincípio da redução das desigualdades regionais e sociaisPrincípio da busca do pleno empregoPrincípio do tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte

O tratamento protecionistaO papel do Estado na ordem econômica

O abuso do poder econômico: papel repressor do Estado

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6.3.2.6.3.3.6.3.4.

7.

1.1.1.1.2.1.3.1.4.1.5.1.6.1.7.1.8.1.9.

2.2.1.2.2.2.3.2.4.2.5.

1.2.3.4.5.6.7.8.

8.1.8.2.

8.2.1.8.2.2.8.2.3.8.2.4.

9.10.

A privatização: o afastamento do EstadoA efetivação das privatizaçõesA privatização como fenômeno mundial

Outras funções do Estado

Capítulo 4 – ORDEM ECONÔMICA INTERNACIONAL E REGIONALExistência de um Direito Econômico Internacional

Aspectos de ordem econômica internacionalConceituaçãoEspecificidade do Direito Econômico InternacionalAs normas do Direito Econômico InternacionalA ordem econômica internacional: sujeitosA nova ordem econômica internacionalO Fundo Monetário Internacional – FMIO acordo geral sobre tarifas e comércioConstituição da Organização Mundial de Comércio

Existência de um Direito Econômico RegionalA União EuropeiaA perspectiva latino-americanaA perspectiva latino-americana: o MercosulA consolidação do MercosulSituação atual

Capítulo 5 – INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICORelação entre Direito e EconomiaO materialismo histórico de MarxO pensamento de StammlerA concepção de Max WeberA escola histórica da economia políticaA atuação do Estado no domínio econômico: contexto históricoIntervenção do Estado: doutrina social da Igreja CatólicaO pensamento de Ariño Ortiz

Razões que determinaram a intervenção do EstadoModalidades da atuação governamental

Regulação econômicaAtuação fiscal e financeiraIniciativa públicaReservas ao setor público

Intervenções direta e indiretaA intervenção direta

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11.

1.1.1.1.2.1.3.1.4.1.5.

2.3.4.5.6.7.8.9.10.

1.1.1.1.2.1.3.1.4.

2.2.1.2.2.2.3.2.4.2.5.2.6.2.7.2.8.2.9.2.10.2.11.2.12.2.13.2.14.

A intervenção indireta

Capítulo 6 – O NOVO PAPEL DO ESTADOUma nova perspectiva para o Estado

A perspectiva dos blocos econômicosAs agências reguladorasOs poderes das agênciasRegular por meio da informaçãoEm busca de um modelo genuíno

Agência Nacional de Energia ElétricaAgência Nacional de TelecomunicaçõesAgência Nacional de PetróleoBanco Central do BrasilAgências reguladoras e as relações de concorrênciaAgência Nacional de Vigilância SanitáriaA criação de novas agênciasControle da atuação das agênciasAnálise do impacto regulatório

Capítulo 7 – PLANEJAMENTO ECONÔMICOA busca da racionalidade

Razão e democraciaRacionalidade e mercadoPlanejamento e racionalidadeGênese da racionalidade

O plano é uma leiO pensamento de Henri JacquotO pensamento de LaubadèreO pensamento de BurdeauO pensamento de FarjatO pensamento de QuadriO pensamento de GordilloO pensamento de ChambreO pensamento de MaystadtO pensamento de BernardO pensamento de KuceraO pensamento de StaïnovA definição da Constituição de PortugalA definição da Constituição da EspanhaO contexto semântico

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3.3.1.3.2.3.3.3.4.3.5.3.6.3.7.3.8.3.9.3.10.3.11.3.12.3.13.3.14.3.15.

4.4.1.4.2.

5.

1.2.3.4.5.6.7.8.9.

9.1.9.2.9.3.9.4.9.5.9.6.9.7.

9.7.1.

História do planejamento no BrasilPlano especial de obras públicasPlano de obras e equipamentosPlano SalteComissão mista Brasil-Estados UnidosPrograma de metasComissão Nacional de PlanejamentoPlano Trienal de DesenvolvimentoPrograma de Ação Econômica do GovernoPlano Estratégico de DesenvolvimentoLegislação sobre planejamentoI Plano Nacional de Desenvolvimento – I PNDII Plano Nacional de Desenvolvimento – II PNDIII Plano Nacional de Desenvolvimento – III PNDI Plano Nacional de Desenvolvimento – Nova RepúblicaPlanos conjunturais

Planejamento econômico e ideologiaPlanejamento: mito da criação pela linguagemPlanejamento: mito prospectivo

Planejamento e mercado – previsibilidade

Capítulo 8 – ECONOMIA DE MERCADO E CONCORRÊNCIAO mercadoA concorrênciaO Direito da ConcorrênciaPrecedentes do Sherman ActO surgimento do Sherman ActA concorrência na União EuropeiaA legislação de concorrência na EuropaLegislação de concorrência no BrasilA Lei 12.529, de 2011

Estrutura organizacional do CADEO tribunal administrativo de defesa econômicaA Superintendência-GeralA Procuradoria Federal junto ao CADEA Secretaria de Acompanhamento EconômicoMinistério Público FederalPontos fundamentais da nova legislação

Finalidade e amplitude: aplicação da Lei de Concorrência

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9.7.2.9.7.3.9.7.4.

9.8.9.9.

10.11.12.

12.1.13.14.15.16.

1.2.3.4.5.6.

6.1.7.8.9.10.11.12.13.14.15.16.17.18.19.

Âmbito territorial de aplicaçãoControle de condutasO controle das concentrações

Análise de atos de concentraçãoExigência de apresentação

O cartelO programa de leniênciaCompromisso de cessação

Extensão do compromissoOs guiasJurisprudência do CADEA magistratura econômicaConclusão

Capítulo 9 – ECONOMIA DE MERCADO E A CRISE FINANCEIRAO fenômeno da criseCrise – fenômeno cíclicoDiagnóstico da criseOs “ismos”O fim do capitalismoA globalização

A eficiência e a inovação como fontes do desempregoPersistência de uma economia de mercadoO Direito Econômico depois da criseOs trabalhos de FarjatO estudo do intervencionismoEncaminhamento para uma nova faseO Direito da Concorrência como centroQuestões do Direito Econômico atualA mundializaçãoA éticaA culturaAs relações entre econômico e políticoConclusãoReferências para aprofundamento da questão

BIBLIOGRAFIA

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DIREITO E EVOLUÇÃO

1. A JURIDICIDADE NAS RELAÇÕES HUMANASO estudo de qualquer ramo do Direito deve partir da visualização e da análise da forma e do conteúdo que se tem

em vista. Antes de outras considerações, há que se verificar que o objeto do direito, tanto no seu aspecto delinguagem, quanto no de metalinguagem, é a relação humana, ou seja, é a relação que ocorre entre seres humanosque se comunicam.

Arelação humana não se dá sempre da mesma forma, nem com o mesmo conteúdo no evolver-se dos tempos.Daí dizer-se que ela apresenta um aspecto estático e um aspecto dinâmico. Basta uma análise retrospectiva dosfatos humanos, para se ver que as relações humanas aconteceram sempre diferentemente, quanto à forma econteúdo. As relações humanas no âmbito familiar, no pertinente ao trabalho, no que diz respeito à organização doEstado, sempre se manifestaram, através da história, com formas e conteúdos diferentes. Confronte-se, porexemplo, a relação de trabalho disciplinada pela Constituição do Império e a regida pela Constituição Federal de1988. Independentemente da consideração dos conteúdos ideológicos vigentes em cada período, ver-se-á que aprimeira Constituição brasileira nada estabeleceu quanto ao trabalho. A relação de trabalho estava restrita ao planoda contratação individual, para os livres, e ao plano do trabalho escravo. Não se podia, então, pensar na existênciade um Direito do Trabalho. A leitura da Constituição Federal de 1988 mostra a profusão de normas jurídicaspertinentes à relação de trabalho. Esta grande quantidade de normas de proteção ao empregado vem se mostrandorapidamente inadequada às novas relações de mercado. O fenômeno da globalização vem exigindo uma revisão dosconceitos e das normas editadas em 1943. A relação econômica entre capital e trabalho não tem hoje os mesmoscontornos de setenta anos atrás.

Há um momento em que a relação humana ainda não é objeto da consideração do Direito. Diz-se então queaquela relação não é juridicamente pertinente, não se inclui no campo de consideração nem de regulamentação dodireito. Mas a história é um evoluir de formas e de conteúdos. A vida humana se manifesta sempre diferentementeno transcorrer da história. E os homens não se relacionam sempre da mesma forma.

A análise, o estudo dessas diferentes formas e vários conteúdos de relação humana podem fazer-se sob diversosprismas. Assim é que poderá fazer-se uma análise sociológica, que se interessa somente pela verificação doacontecer dos fatos sociais, pela contemplação não indiferente dos fatos. Poderá fazer-se uma análise ética dasrelações humanas, aferindo-se sua conveniência ou sua bondade, mas sem a criação de uma obrigatoriedadeexterna. Poderá fazer-se também uma valoração jurídica. A análise jurídica das relações humanas se apresentanum plano diferente das demais, pois ou cria um dever-ser, no plano da linguagem, ou estuda o dever-ser jácriado, no plano da metalinguagem.

A valoração jurídica não se interessa pela ofelimidade ou pela bondade do comportamento em si mesmo, mas temem mira a relação humana na medida em que o comportamento de um indivíduo se defronta com oscomportamentos intercomplementares de outros indivíduos. A perscrutação de uma relação humana “sub speciejuris” levará o intérprete a distinguir nela a categoria da juridicidade. Essa análise jurídica não consiste em

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distinguir no mundo relacional humano aspectos meramente informativos ou descritivos, mas os prescritivos.1

A juridicidade é a categoria que faz com que uma relação humana se manifeste como relação jurídica. É umare lação intersubjetiva, pois é-lhe essencial a existência de dois seres humanos que se relacionamintercomplementarmente; regulada por norma de dever-ser, que estabelece a forma e o conteúdo através dos quaisaquela relação é válida e aceita.

A relação jurídica tem conteúdos empíricos diferentes, de acordo com as diversas situações concretas em que osseres humanos se interrelacionam, de acordo com os lugares e com a época. A relação jurídica pode ter umconteúdo de relacionamento familiar, contratual, de trabalho, de organização dos que prestam serviços ao Estado, decobrança de dinheiro para os cofres do Estado etc. A organização de todos os contextos de relações jurídicas leva àformação de um ordenamento jurídico. E é justamente este que, no seu conjunto, transfunde força imperativa à

norma jurídica.2

2. A EVOLUÇÃO DO CONTEÚDO IDEOLÓGICO DO DIREITOO Direito é um reflexo do pensamento dominante em cada época e em cada lugar. É ele o resultado daquilo que

a classe dominante apresenta como o melhor, o mais adequado, o mais justo. Poder-se-ia concretizar essa afirmaçãopela apresentação do contraste entre dois momentos do Direito.

O momento da codificação dos direitos civis é o da tentativa de traduzir um conjunto de normas racionais, e por

isso naturais e eternas,3 em leis positivas. É ainda o da tentativa de valorizar o indivíduo, ideologizando-o comocidadão, para atingir o objetivo político da destruição do regime antigo do poder absoluto dos monarcas. Os direitosindividuais se centralizam em torno do direito de propriedade. JOHN GILISSEN traduz muito bem esse quadro:

O Código Civil traduz o Estado social e polí co do seu tempo. Redigido e discu do no momento emque Bonaparte consolida o seu poder pessoal, o Código reflete a tendência para conciliar as conquistascivis e polí cas da Revolução com o desejo da estabilidade econômica e social, baseada na família e napropriedade. Mantém-se a abolição dos direitos feudais; é garan da a liberdade civil de todos os

indivíduos: liberdade de contratar, de testar, etc.4

O Código Civil francês poderia ser visto como uma resultante da “razão” e da “história”, uma espécie decristalização da perfeição jurídica, com características de definitividade, imutabilidade e quase eternidade (comoeterna é a “ratio” humana). JEAN RAY mostra a necessidade de se ver o Código Civil como fato social e, aomesmo tempo, como fato intelectual:

O Código Civil é um fato social ao mesmo tempo que um fato intelectual: ele pertence ao domínio da

sociologia e da lógica.5

Concebido como resultante de uma razão humana imutável, participante da natureza eterna, o Código Civil foivisto como uma obra perfeita e acabada. Perdeu-se de vista sua estreita vinculação com uma ideologia imperantenum determinado momento.

A força de redução dos indivíduos a átomos componentes de uma sociedade, mas sempre isolados, cedeu, com opassar do tempo, ao impulso dos interesses vitais da comunidade como um todo. O confronto entre o interesse doindivíduo, cristalizado nos direitos privados, e o interesse social levou G. RIPERT a profetizar que era preciso apagar

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a chama da soberania do direito individual:

O direito subje vo é a lembrança de uma época em que a doutrina individualista era erguida comouma resistência à força polí ca. O povo, que se apoderou do poder polí co não tolera mais os poderesprivados. Os direitos individuais devem portanto desaparecer. Com eles, aliás, desaparecerá talvez odireito privado todo inteiro. Todo homem, ocupando um lugar no mecanismo social, será consideradocomo exercente de uma função social e todas as relações entre os homens serão relações de direitopúblico. No dia em que esta doutrina ver triunfado completamente, o direito civil não se terá

somente transformado, como o queria Duguit: ele terá desaparecido.6

Quis Ripert mostrar que o Direito não pode prender-se imutavelmente às raízes temporais de seu surgimento, desua cristalização. A regra jurídica, vista inicialmente como um protótipo imutável a reger os comportamentoshumanos, passou a figurar como um instrumento do desenvolvimento econômico. A mudança é radical. MORTONJ. HORWITZ já mostrou essa profunda alteração do direito, contrapondo a atuação dos juízes americanos do séculoXVIII e do XIX:

Consequentemente, os juízes americanos antes do século XIX raramente analisavam as regras de“common law” funcionalmente ou finalis camente, e eles quase nunca empregavam, de maneiraconsciente, o “common law” como um instrumento cria vo para dirigir as energias humanas para amudança social.

O que distinguia, de maneira dramática, o direito do século dezenove de seu correlativo do século dezoito era ograu a que os juízes de “common law” chegaram, ao desempenhar um papel central na direção do curso damudança social. Especialmente durante o período anterior à Guerra Civil, o “common law” desempenhou dequalquer forma uma função tão importante quanto a legislação para garantir e canalizar o desenvolvimento

econômico.7 Como um exemplo dessa ampliação da visão, pode-se citar a decisão proferida pela Suprema Corte em1876, no caso Munn v. State of Illinois, em que o Juiz Waite afirma que “quando a pessoa se torna membro de umasociedade, ela necessariamente se despe de alguns direitos ou privilégios que […] poderia reter”. E prossegue

afirmando a possibilidade de o Estado regular preços 8.

Assim, o direito se desgarra de um pressuposto ideológico de chegada ao ápice, para se voltar a um fundamentotambém ideológico de partida para o futuro. A norma jurídica deixa de ser a consagração da perfeição, para setransformar num instrumento para alcançar-se o bem-estar cada vez maior e sempre perfectível do desenvolvimentoeconômico.

Essa alteração de posicionamento mais se evidencia a partir do instante em que o direito se põe a dirigir odesenvolvimento, a regrar o fenômeno econômico. Passa a verificar-se então uma interação entre o ser, que é ofato econômico, e o dever-ser que é o fenômeno jurídico. Essa é uma relação dialética , não reciprocamentedestrutiva, mas, sim, interconstrutiva.

3. O SURGIMENTO DO DIREITO ECONÔMICOO meado do século XIX viu transformar-se o capitalismo atomista num capitalismo de grupo. A chamada

concentração capitalista acarretou profundas influências no Direito, fazendo surgir um novo ramo, direcionadojustamente a reger o novo fato econômico. Não se tratava mais de indivíduos a serem protegidos contra o monarca

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absoluto, e que se relacionavam atomisticamente entre si.

As empresas, no intuito de liberar-se das incertezas do mercado, procuram maximizar seus ganhos, formandogrupamentos destinados a fortalecer-se. Nessa luta, os mais hábeis e mais organizados levam vantagem sobre osmais fracos e desestruturados. Surge o poder econômico privado a rivalizar com o poder estatal.

Essa profunda alteração no contexto social, na tipologia das relações sociais , comprometidas com o fatoeconômico, leva a uma nova juridicização, a uma nova manifestação reguladora do Direito direcionada a um fatonovo. O fato econômico se apresenta de forma diferente, e o direito se curva sobre ele para moldá-lo às novasintuições ideológicas. Acentua G. FARJAT essa nova perspectiva:

A concentração capitalista é o fenômeno decisivo do direito econômico. É ela que está na origem detodas as grandes mutações das sociedades industriais: a intervenção do Estado, teremos ocasião de

retornar a isso, é uma consequência da concentração.9

Essa concentração capitalista veio provocar o surgimento de uma nova forma jurídica. Ocorrem alteraçõesqualitativas no sistema jurídico, surgindo daí novos ramos, com princípios próprios.

Uma das primeiras manifestações quanto ao surgimento de um novo direcionamento, nos vem do pensamento dePIERRE-JOSEPH PROUDHON:

Não está dita, contudo, a úl ma palavra. Ainda que seja justa e severa em sua lógica a cons tuiçãofederal, ainda que ofereça garan as em sua aplicação, não se sustentará por si mesma enquanto nãodeixe de encontrar incessantes causas de dissolução na economia pública. Em outros termos, é precisodar por contraforte ao direito político o direito econômico.

… O verdadeiro problema que se tem de resolver não é na realidade o político, mas o econômico.

… Direi simplesmente que o governo federa vo, depois de ter reformado a ordem polí ca, tem queempreender necessariamente, para completar sua obra, uma série de reformas na ordem econômica.

… Desde o ponto de vista econômico é necessário confederar-se, quer para a proteção recíproca docomércio e da indústria, que é a que se chama união aduaneira, quer para a construção e conservaçãodas vias de transporte, estradas, canais, estradas de ferro, quer para a organização do crédito, dosseguros, etc. O objeto dessas federações par culares é subtrair os cidadãos dos Estados contratantes àexploração plutocrá ca, tanto de dentro como de fora; formam pelo seu conjunto, em oposição ao

feudalismo econômico que hoje domina, o que chamarei federação agrícola-industrial.10

O início do século XX veio demarcar uma profunda alteração nos rumos do Direito. De um lado a transformaçãosofrida pelo Direito originado do movimento iluminista; por outro, os efeitos da primeira Guerra Mundial; e, por fim, ocolapso sofrido pela crença no automatismo dos processos do liberalismo, trouxeram conjuntamente uma novapostura do Estado e do Direito. Os freios e contrapesos adotados pelo constitucionalismo, no âmbito político, semostraram insuficientes para o direcionamento de um fenômeno que se evidenciou com estruturas e funcionamentosdiferentes.

Os velhos instrumentos adotados pelo Direito, forjados na estrutura racionalista do pensamento iluminista, semostravam insuficientes e inadequados para enfrentar os problemas postos pela revolução industrial geradora deprofunda crise social. Os instrumentos jurídicos gerados pela crença numa ordem racional eterna, arraigada naordem racional humana perene, não se mostravam adequados para a solução de problemas decorrentes da

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materialidade da ordem econômica.

A primeira Guerra Mundial destruiu a velha ordem, quer no plano político, quer no econômico, quer no jurídico. AEuropa arrasada materialmente veio sentir a necessidade de uma reconstrução profunda e eficaz, com parâmetrosdiferentes dos adotados até então.

As crises com que se deparou a crença na ordem natural do liberalismo levaram à convicção de que o Estadodeveria conduzir o fenômeno econômico e social com novos instrumentos mais adaptados à nova realidade. OsEstados Unidos, em que se tinha o liberalismo como protótipo das relações jurídico-econômicas, e em que sempre seaceitara a crença no equilíbrio natural decorrente e consequente das próprias forças econômicas, foram levados aarrostar aquele ato de fé e a adotar medidas corretivas e incitativas para implantação de um novo modelo

econômico.11

No Brasil, o surgimento da questão social levou à convicção da necessidade de profundas mudanças de ordemconstitucional. É ilustrativo recorrer, neste ponto, ao depoimento de RUY BARBOSA, em seus Comentários àConstituição Federal brasileira:

Trouxeram ao Brasil, criaram no Brasil a questão social. Ela urge conosco por medidas, que comseriedade atendam aos seus mais imperiosos reclamos. Mas como é que lhe atenderíamos nos limitesestritos do nosso direito constitucional?

Ante os nossos princípios cons tucionais, a liberdade dos contratos é absoluta, o capitalista, oindustrial, o patrão estão ao abrigo de interferências da lei, a tal respeito. Onde iria ela buscar,legi mamente, autoridade, para acudir a certas reclamações operárias, para, por exemplo, limitarhoras ao trabalho? Veja-se o que tem passado na América do Norte, onde leis adotadas para acudir atais reclamações têm ido esbarrar, por vezes, a tulo de incons tucionalidade, em sentenças detribunais superiores.

Daí um dilema de caráter revolucionário e corolários nefastos; porque ora a opinião das classes maisnumerosas se insurge contra a jurisprudência dos tribunais, ora os tribunais transigem com elas emprejuízo da legalidade cons tucional. Num caso é a jus ça que se impopulariza. No outro, a

Constituição que se desprestigia.12

A reforma constitucional assim antevista e desejada por RUY BARBOSA nada mais era do que a resposta aosnovos problemas de ordem econômica e social. O Estado tinha que valer-se de instrumentos jurídicos adequadospara, por seu intermédio, dirigir a nova ordem que se impunha de modo crítico e que exigia tratamento adequado.Vê-se, a partir daí, que o Estado tinha que intervir na economia. O Estado não podia mais permitir que a crença naordem natural da economia dirigisse os fenômenos econômicos.

Na Alemanha, em decorrência do desmoronamento econômico após a primeira Grande Guerra,13 surgempensadores que se referem à nova postura do Direito. JUSTUS WILHELM HEDEMANN mostra o surgimento de

um Direito da Economia.14 GUSTAV RADBRUCH, em sua Filosofia do Direito, já afirmava o surgimento denovos ramos do Direito:

A liberdade contratual do direito converte-se, portanto, em escravidão contratual na sociedade. Oque, segundo o direito, é liberdade, volve-se, na ordem dos fatos sociais, em servidão. Daí, para a lei,a missão de ter de inverter de novo as coisas e de, por meio de certas limitações impostas à liberdade,

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restabelecer a liberdade social de contratar. Mas estas limitações podem apresentar-se sob as maisdiversas formas, como se tem visto já no direito posi vo. Como exemplos de tais limitações,poderiam citar-se: os preceitos que ferem de nulidade certas convenções entre as partes; acompetência reconhecida a certas autoridades para rescindir certos atos; a certas determinaçõeslegais obrigatórias para a vontade dos contratantes, como os contratos cole vos e ainda alguns casosem que um certo e determinado contrato é imposto a alguém.

É neste sentido que se pode dizer que alguns dos mais importantes domínios novos do direito, como os do direitodo trabalho e do direito econômico , nos surgem precisamente, hoje, como verdadeiros sistemas dessas e outras

semelhantes limitações impostas à liberdade contratual”.15

As Constituições do México (1917) e de Weimar (1919) foram uma resposta no plano do direito positivo às novasexigências de um Direito novo, de um novo instrumento, que fosse eficaz e eficiente nas mãos do Estado, para dirigira nova realidade econômica e social.

A segunda Guerra Mundial foi um novo marco da evolução do Direito. Surgem realidades que exigem a cadapasso que o Estado se dedique a dirigir a economia. Essa nova tarefa do Estado exige que tenha ele um instrumentojurídico adequado. Assim é que, quer no bloco socialista, quer no ocidente, surge e se impõe cada vez mais umconjunto de normas que tem por finalidade conduzir, regrar, disciplinar o fenômeno econômico. Se assim ocorre noplano da linguagem jurídica, no da metalinguagem surge uma ciência que tem por conteúdo e por finalidadejustamente estudar esse conjunto de normas. É o surgir e o afirmar-se de um ramo do Direito.

4. CONCEITOEpistemologicamente, uma ciência se define, delimita seu campo e, por isso, se distingue das demais, pelo seu

objeto material e pelo seu objeto formal. É importante saber-se o que estuda uma determinada ciência, qual é amatéria de sua atenção, mas é também importante definir o aspecto formal sob o qual uma ciência estuda o seuobjeto. Veja-se que o corpo humano, por exemplo, pode ser objeto de estudo de diversas ciências. Cada uma delas oestuda, contudo, sob um determinado aspecto formal. E é este que irá distinguir entre si várias ciências que sededicam ao mesmo objeto.

O Direito, enquanto ciência, se dedica ao estudo das relações intersubjetivas , sob o aspecto material. Mas háainda um outro aspecto, o formal, a configurar e delimitar cada campo de estudo. Como visto acima, o Direito podeestudar as normas que regem aquelas relações sob vários prismas. Um deles é o da direção da políticaeconômica pelo Estado. Será este o aspecto formal que identificará e distinguirá o Direito Econômico dos demais

ramos jurídicos.16

Poderemos identificar diversos conjuntos de normas jurídicas que se relacionam com a economia. Inúmerasnormas têm conteúdo econômico, mas, nem por isso, se situam no campo específico do Direito Econômico. Poder-se-á dizer que tais normas se localizam no âmbito do Direito da Economia. Esta tem um campo mais amplo do que odo Direito Econômico.

4.1. Direito Econômico e Direito da EconomiaPara um melhor entendimento do conceito de Direito Econômico, necessário se faz proceder a uma distinção

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importante. O confronto entre duas “denominações” levaria o estudioso a indagar se haveria dois conteúdos distintospor detrás daqueles dois nomes.

Assinala MASSIMO SEVERO GIANNINI que entre Direito da Economia e Direito Econômico haveria umadiferença de amplitude, sendo o primeiro mais abrangente do que o segundo. Também LAUBADÈRE compartilhadessa ideia, ao aceitar que se está diante do Direito da Economia quando se trata de um “direito aplicável a todas

as matérias que entram na noção de economia”.17

GIOVANNI QUADRI dá preferência à expressão Direito Público da Economia, porque entende que estadenominação dá ênfase à matéria genuína e exclusivamente jurídica. Essa denominação faz ver que a economia ésomente o espaço, a esfera de interesses que o Direito assume como objeto de sua disciplina. A outradenominação, Direito Econômico, levaria a uma mistura substancial e metodológica entre direito e economia, não

se distinguindo um do outro.18

A escola francesa prefere a denominação Direito Econômico. A divergência não fica, contudo, somente nocampo nominalista, pois que se procura atingir uma distinção de objeto. Por isso é que GÉRARD FARJAT assinala

que “o conceito de direito econômico visa dar certa coerência a novos fenômenos jurídicos”.19 Essa nova feição doDireito está ligada à nova configuração das sociedades industriais. O critério diferenciador será, para ele, comalicerce em J. K. Galbraith, e, poder-se-ia acrescentar, também em W. Friedmann, a grande evolução dassociedades industriais. Mostra Galbraith que as inovações e alterações da vida econômica comprovam queocorreram mudanças profundas em todos os âmbitos, em decorrência do que chama de sistema industrial. SegundoFriedmann, aquele contexto jurídico surgido da vida social do povo cedeu lugar e “perdeu sua validade e significadona sociedade cada vez mais industrializada e articulada de nosso tempo”. Para ele “uma sociedade altamenteurbanizada e mecanizada, em que um grande número de pessoas vivem estreitamente juntas e dependem cada vezmais das suas ações recíprocas e do fornecimento de mercadorias que estão fora de sua própria esfera de controle,

conduziu a um papel cada vez mais ativo e criador dos instrumentos deliberadamente legislativos do Estado”.20

Como observa ALAIN-SERGE MESCHERIAKOff em recente obra, “o direito público pode finalmente sereconômico pela especificidade de suas regras. Esta concepção ontológica leva a distinguir o direito econômico do

direito da economia. Este se caracteriza pelo seu objeto e aquele pela especificidade das normas que produz”.21

4.2. Conceito amplo e restritoCLAUDE CHAMPAUD afirma que há, entre os autores que tentam definir o Direito Econômico, duas

tendências: alguns propendem para uma concepção ampla, enquanto outros se inclinam para uma estrita.

Os que defendem um conceito estrito, veem no Direito Econômico “uma disciplina nova, autônoma e original,dirigida ao estudo dos problemas colocados pela intervenção do Estado na Economia. Os que preferem um conceitoamplo, afirmam que “uma regra é de Direito Econômico, quando rege relações humanas propriamenteeconômicas”.

Aderindo à concepção ampla, assinala que “o aparecimento de disciplinas jurídicas novas e, especialmente doDireito Econômico, está ligado à grande mutação econômica que vivemos”. Dentro desta nova etapa que começou,“o que caracteriza esta nova era é acima de tudo a aplicação de técnicas de massa de produção e dedistribuição, através da concentração dos meios de produção e de distribuição, ressaltando-se que somente essa

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concentração permitirá a efetivação daquelas técnicas”. Elabora-se um direito novo justamente para juridicizareste novo fenômeno econômico. É este fato novo que vem causar o aparecimento do Direito Econômico, qualquerque seja o regime político-econômico de um país. Eis o cerne do pensamento de Champaud:

Se o Estado desempenha um papel primordial na cons tuição e na vida das grandes unidades deprodução e de distribuição de massa, o Direito Econômico é essencialmente composto de regras queregem as relações do Estado e de suas unidades. Ele aparece então como um Direito Público. Se suacriação e sua animação é, no essencial, deixada à inicia va privada, o Direito Econômico é quaseexclusivamente formado de regras que regem relações entre “par culares”. Apresenta-se então comoum Direito Privado. Nos países em que o sistema econômico-polí co se acha a meio caminho entre odireito privado e o direito público – e é justamente este o caso da França –, a sua natureza não semanifesta com clareza. Será necessário, parece, admitir que o direito econômico não é nem “priva sta”nem “publicista”. Situa-se precisamente fora destas antigas categorias.

Assim, se seguirmos esta opinião, o Direito Econômico se apresenta como o direito da organização edo desenvolvimento econômico, quer estes se originem do Estado, da inicia va privada, ou do concertode um e de outro.

Na realidade, mais que uma disciplina, o Direito Econômico é uma ordem jurídica decorrente dasnormas e das necessidades de uma civilização ainda em via de formação. Se se adotar este ponto devista, dever-se-á admi r que o Direito Econômico não é um novo ramo do Direito, mas um Direito novoque coexiste com o corpo das regras jurídicas tradicionais da mesma maneira que a ordem socialindustrial que se elabora coabita com as instituições da ordem social precedente.

Considerado como um direito original, mas de vocação geral, o Direito Econômico se apresenta,portanto, como um espírito jurídico par cular aplicado a um corpo de regras diversas. Somente oespírito é verdadeiramente novo.

É a Empresa, unidade de decisão econômica e célula de base do sistema econômico e social comoquadro para nossa civilização industrial, em seu estado atual, que se apresenta como o objetofundamental de nosso Direito Econômico. Num po de economia, chamado precisamente de“Economia de Empresa”, é a esta noção fundamental que será necessário erigir o critério do DireitoEconômico, a pedra de toque de seu espírito e o revelador de sua substância.

O Direito Econômico, numa Economia de Empresa, se acha em presença de três interesses queconcorrem para sua realização: o Interesse Geral, o interesse peculiar a cada empresa e os interessesparticulares dos indivíduos.

É um equilíbrio triangular que ele deve realizar.

O problema dos equilíbrios que o Direito Econômico deve realizar é, portanto, singularmente maiscomplicado para ser resolvido do que aqueles com que se defrontam os direitos públicos e os direitosprivados tradicionais.

… numa “economia industrial” a sobrevivência das empresas está ligada à sua capacidade de inovaçãoe de adaptação. O espírito do Direito Econômico é profundamente influenciado por essa exigência. Éum espírito de movimento e de progresso. Todavia, o direito tem uma função estabilizadora eordenadora de que esse espírito deve também inspirar-se. O Direito Econômico deve assegurar o

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movimento e o Progresso na ordem e na estabilidade dos equilíbrios realizados.22

4.3. A concentração de empresas e a intervençãoO século XIX assistiu a uma evolução fundamental na estrutura da empresa. De uma concepção atomística

asseguradora da plena liberdade de cada um dos componentes do mercado passou-se à tendência para aconcentração. O liberalismo, no intuito de preservar e garantir a liberdade de cada indivíduo, favoreceu a igualdadeentre as empresas, consideradas todas de igual capacidade e de iguais proporções.

Mas este posicionamento cedeu lugar ao desejo e à necessidade de fortalecer a posição de cada empresa. Paraesse incremento da potencialidade de cada uma muito contribuiu a ideia de que quanto maior a empresa, maior seriaa sua solidez. E, para concretizar esse crescimento, muito contribui a concentração.

Morton J. Horwitz assinala que, antes da metade do século XIX, já se podia verificar “como o espírito dodesenvolvimento econômico começava a assenhorear-se da sociedade americana” e também que o surgimento degrandes empresas concentradoras do poder econômico fez aflorar a naturalidade e necessidade de instituiçõeseconômicas descentralizadas. O projeto de redefinir o sistema de mercado para reconhecer uma função legítima

para as novas corporações gigantes representou um tema central no pensamento social americano”.23

Foi justamente o surgimento da concentração econômica que fez surgir uma nova disciplina jurídica das relações,quer pela necessidade de conter aquela força, para impedir que ela sufocasse os outros elementos do mercado, querpela necessidade de preservar aquela nova feição econômica, para impedir que o seu desaparecimento destruísse opróprio mercado.

A concentração econômica gerou problemas no relacionamento econômico e social dentro do mercado, o queexigiu que uma nova força entrasse em cena. A concentração econômica fez surgir o poder econômico privado que,de um lado, procurou dominar e eliminar as empresas economicamente mais fracas, e, de outro lado, gerou umasituação de violenta dominação sobre os trabalhadores, que Marx e Engels detectaram no meado do século, e Leão

XIII também analisou na Encíclica “Rerum Novarum”.24

Ao impulso alcançado pela empresa fazia-se necessário antepor uma outra força. Assim é que Gérard Farjatafirma que a empresa e o plano “exprimem os dois polos do direito econômico, direito de uma certa organização

econômica”.25 Esses dois polos fazem surgir um novo conteúdo de relação jurídica. Atua, de um lado, o podereconômico privado, corporificando os interesses individuais e de grupos, e, de outro, o Estado, personificando ointeresse da coletividade, a intervir para aplicar medidas de política econômica direcionadas a buscar uma forma de

equilíbrio nas relações humanas em que o elemento econômico e o jurídico se confrontam.26

A concentração econômica veio ocasionar profundas mudanças no sistema jurídico, mudanças que vêmevidenciar que o antigo molde ideológico sustentado no pressuposto da igualdade e da liberdade de todos não podemais ser aceito sem uma acurada análise crítica. O Direito Econômico é exatamente o resultado jurídico dessamudança, pois que, por provocação da concentração capitalista, surge como a solução jurídica para salvar a

liberdade de concorrência dentro de um quadro em que predominam os valores sociais.27

Em decorrência da afirmação do poder econômico privado e de sua consequência histórica, o poder econômicodo Estado, surge um novo tipo de relações jurídicas e um novo corpo de normas direcionadoras dessas novasrelações. Assim é que Farjat, sem se preocupar em definir, assinala que o Direito Econômico pode ser considerado

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como “o direito da concentração ou da coletivização dos bens de produção e da organização da economia

por poderes privados ou públicos”.28

Não se pode perder de vista a contínua evolução do Direito Econômico. Os estudos e as normas que o compõembuscam sempre, se não preceder a realidade, pelo menos acompanhar de perto a evolução dos acontecimentoseconômicos. Assim é que o próprio FARJAT, desenvolvendo o pensamento já embrionariamente colocado naintrodução da Segunda edição de seu livro, vem afirmar, em 1992, que “enquanto ramo do direito, o DireitoEconômico é um direito da organização da economia cujo cerne é hoje o direito da concorrência comdesdobramentos consideráveis, mas incertos, nas sociedades liberais ou em via de liberalização. É tambémuma disciplina, ou seja um subsistema do direito comparável à ‘equity’, de qualquer forma um ‘renascimento’

do direito, como resposta às ‘pressões’ da economia política”.29

4.4. O objeto do Direito EconômicoCom o surgimento de um novo tipo de relações, que se tornam pertinentes para o dever-ser, acorre de imediato

um conjunto de normas jurídicas para discipliná-lo. Como se trata de relações em que o direito procura direcionar oeconômico, o nome da novel disciplina brota espontâneo do conjunto desses dois elementos.

É preciso salientar que o Direito Econômico pode ser visto quer sob o aspecto de um sistema de normas, quersob o da disciplina jurídica que estuda aquele sistema. Tem-se, assim, no primeiro ângulo, o aspecto dalinguagem do direito, e, no segundo, o da metalinguagem, ou também da linguagem do jurista.

J. SIMÕES PATRÍCIO leva justamente em conta esses conceitos ao definir o Direito Econômico:

Direito Econômico é o sistema de normas – ou a disciplina jurídica que as estuda – que regulam:

i) a organização da economia, designadamente definindo o sistema e o regime econômicos;

ii) a condução ou controlo superior da economia pelo Estado, em par cular estabelecendo o regimedas relações ou do “equilíbrio de poderes” entre o Estado e a economia (os agentes econômicos,maxime os grupos de interesses concentrados); e

i i i ) a disciplina dos centros de decisão econômica não estaduais, especialmente enquadrando,

macroeconomicamente a atividade das instituições fundamentais.30

Para um melhor entendimento da questão, convém assinalar que, para compor e intermediar o confronto entre opoder econômico privado e o poder econômico público, o Estado intervém sob várias formas, mas,fundamentalmente, adotando políticas para direcionar a relação entre o jurídico e o econômico. Para atingir esseobjetivo, o Estado valer-se-á de normas jurídicas, para organizar a economia , conduzindo-a de forma a obter

situações de equilíbrio,31 através da disciplina macroeconômica das relações estabelecidas entre os diversospoderes que se confrontam. O Direito Econômico será, assim, constituído por um corpo orgânico de normascondutoras da interação do Poder Econômico Público e do Poder Econômico Privado e destinado a reger a PolíticaEconômica.

4.5. Política: Política EconômicaA Política pode ser vista como o governo dos homens e a administração das coisas, e, num plano global, a

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organização e a administração dos Estados. O fenômeno da política pode ser analisado enquanto arte, enquantociência, enquanto ideologia, como filosofia, como metafísica, como ética e como teologia. Todos esses aspectosrevelam perspectivas segundo as quais se pode estudar o mesmo fenômeno.

Em Platão podemos encontrar o estudo da política segundo alguns desses aspectos, pois se preocupa com aconformação entre a realidade do modelo humano e a realidade das ideias existentes no modelo divino. Enfatizatambém a ação política, que tem por objetivo exatamente transportar o modelo divino para o nível do modelo

humano.32

Aristóteles, no contexto de sua filosofia mais realista, procura definir a Política como uma capacidade deorganização dos próprios homens, que colocam objetivos a que é viável aspirar, o que é possível e o que é adequadoou conveniente, pois que o homem se vê efetivamente obrigado a intentar de maneira preferente as coisas que sãopossíveis e as coisas que são adequadas para uma determinada classe de pessoas. A Política tem como finalidade

organizar uma comunidade com vista a um determinado bem.33

Já no pensamento antigo, como se percebe, estão delineados os elementos fundamentais constitutivos e“definientes” da Política: uma comunidade, um fim por ela proposto como um bem a ser alcançado, e um conjunto deações desenvolvidas para dar homogeneidade aos procedimentos adotados para alcançar aquele fim. Mas o fimproposto não se reduz a algo meramente material; é algo visualizado como transcendente, quase um modelo divinode perfeição a ser alcançado pela comunidade guiada por seus líderes.

Configuram-se, assim, dois elementos importantes: as instituições e as ideologias. Aquelas são o conjunto dos

elementos estruturais que se elaboram e se constroem para implementar as ações políticas34. Estas são as ideiasmotoras, que se corporificam em políticas econômicas para a consecução do fim proposto.

O conceito de ideologia tem relevância para o estudo da relação entre direito e economia, no sentido deimplantação de uma política econômica. KARL LOEWENSTEIN, acentuando o papel desempenhado pelaideologia na conformação do sistema político, assim a define:

O conceito de ideologia se pode definir da seguinte maneira: “Um sistema fechado de pensamentos ede crenças que explicam a a tude do homem perante a vida e sua existência na sociedade, e quepropugnam uma determinada forma de conduta e de ação que corresponde a tais pensamentos ecrenças, e que contribui para realizá-los”. As ideologias são as cristalizações dos valores mais elevadosem que crê uma parte predominante da sociedade, ou – o que ocorre de raro – a sociedade em suatotalidade. É importante sublinhar expressamente que as ideologias – e é isto que as diferencia dateoria ou filosofia polí ca – compelem seus par dários à ação para conseguir sua realização. Ideologias

são, portanto, o “telos” ou o “espírito” do dinamismo político numa determinada sociedade estatal.35

Estes conceitos genéricos sobre Política e seus condicionamentos são embasamentos necessários para secompreender o significado de Política Econômica.

O surgimento da Economia como uma nova disciplina das condutas humanas, sujeita à atuação direcionadora doEstado, veio permitir a visualização da relação entre a Política e a Economia. Para entender a mudança históricaoperada será necessário confrontar duas tendências dialéticas que orientaram a evolução que se operou. Opensamento clássico do século XIX era voltado para a concepção do fenômeno econômico como um sistemafechado de relações que se realizavam espontaneamente no mercado. Não se admitia que o Estado emanasse leis

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para direcionar a atividade econômica. ADAM SMITH foi o arauto das ideias consagradoras de uma ordemnatural da economia. Alguns tópicos de sua obra elucidam o seu pensamento:

Essa ordem das coisas, normalmente imposta pela necessidade, embora não em todos os países, é, emtodos os países alimentada pela tendência natural do homem. Se as ins tuições humanas nunca

vessem contrariado essas tendências naturais, as cidades nunca teriam progredido para além daquiloque o desenvolvimento e cultivo do território em que estavam situadas fossem capazes de sustentar…

Assim, se as ins tuições humanas nunca vessem perturbado o curso natural das coisas, a riquezaprogressiva e o crescimento das cidades seria, em qualquer sociedade polí ca, uma consequência

proporcional ao desenvolvimento da região ou campo.36

Esta ordem natural, existente, segundo o pensamento da época, tanto no âmbito do Direito quanto no daEconomia, não poderia jamais sofrer a interferência do Estado, porque tal intromissão levaria a uma situação de totaldesconcerto. O indivíduo, fundamentalmente livre, ao exercer a atividade econômica em seu interesse exclusivo,causaria, como consequência inarredável, como uma relação de causa e efeito, o bem da sociedade. Eis como o dizADAM SMITH:

Cada indivíduo esforça-se con nuamente por encontrar o emprego mais vantajoso para qualquer queseja o capital que detém. Na verdade, aquilo que tem em vista é o seu próprio bene cio e não o dasociedade. Mas o juízo da sua própria vantagem leva-o, naturalmente, ou melhor, necessariamente, apreferir o emprego mais vantajoso para a sociedade.

(…)

Na verdade, ele não pretende, normalmente, promover o bem público, nem sabe até que ponto oestá a fazer. Ao preferir apoiar a indústria interna em vez da externa, só está a pensar na sua própriasegurança; e, ao dirigir essa indústria de modo que a sua produção adquira o máximo de valor, nãoestá a pensar no seu próprio ganho, e, neste como em muitos outros casos, está a ser guiado por uma

mão invisível a atingir um fim que não fazia parte das suas intenções.37

O fracasso do liberalismo de forma atomista e a evolução para a concentração de empresas, levaram a umasituação de relacionamento de massas, a exigir a interferência de um intermediário a influir no direcionamento econdução da economia. O padrão de um capitalismo competitivo em nível de empresas veio trazer, nos inícios doséculo XX, o aparecimento de novos tipos de organização da vida econômica.

A concentração de empresas colocou nas mãos da iniciativa privada um forte poder para direcionar a economia.Mas, quando se fala em política econômica, dá-se ênfase à atuação do Estado na condução da economia.

A partir da primeira guerra mundial (1914-1918), começa o Estado a interessar-se por influir, das maisvariadas formas, na atividade econômica, na Alemanha, como tentativa de reconstruí-la, nos Estados Unidos, pararetirar o país da crise em que caiu o capitalismo, em outros países, entre os quais o Brasil, como forma de dar umaresposta aos anseios, entre outros, da classe trabalhadora.

A partir de então essas medidas de política econômica passaram a interessar ao Direito, quer enquanto oEstado passou a emanar um conjunto sistemático de normas destinadas a reger a economia, quer enquanto esse

conjunto normativo passou a interessar à Ciência do Direito.38

Surge, assim, uma nova forma de relação jurídica , e nova porque tal o é o seu conteúdo, a sua matéria, tal o

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seu objeto formal, na terminologia aristotélico-tomista. Essa nova relação jurídica, esse conjunto normativoformalmente novo, a reger um fenômeno que se apresenta como novo em sua configuração, devem ser estudadospor um ramo novo do Direito. O Direito Econômico vem a ser justamente esse conjunto normativo que rege asmedidas de política econômica encetadas pelo Estado, como também a Ciência que estuda aquele sistema denormas voltadas para a regulação da política econômica.

Como será assinalado em novo capítulo introduzido nesta edição, a polícia administrativa geral desempenha umpapel importante na regulação do mercado. A lembrança do artigo 174 da Constituição Federal de 1988 atua sobreas políticas econômicas a ser adotadas, quer para corrigir os desequilíbrios da distribuição, quer para permitir umaintervenção do Estado para garantir a saúde pública. Mas não se pode hoje desconhecer a atuação concreta eefetiva do Estado, através de seus órgãos especializados, para garantir o acesso ao mercado , para a adoção depolíticas de distribuição, para impor exigências na fabricação de todos os produtos com vista à segurança da vida e

da saúde do consumidor.39

5. CARACTERÍSTICAS DO NOVO DIREITOSe as relações humanas se apresentam sempre de forma renovada, se as relações de conteúdo econômico

evoluem permanentemente para conteúdos novos, se o Estado, sempre renovado em suas estruturas e funções, temque se defrontar com fenômenos econômicos multiformes, a exigir uma postura adequadamente nova para suacondução, é óbvio que o instrumental jurídico a ser adotado tem que amoldar-se à realidade a ser normatizada e àssuas características históricas.

5.1. O declínio do princípio da generalidade da leiO princípio da generalidade como característica fundamental da lei decorre de sua concepção como

concretização dos princípios racionais, através dos quais se pretendeu proteger o cidadão quer contra o poderabsoluto do legislador quer contra o arbítrio estatal. A generalidade da lei é consequência da crença na racionalidadedo universo e do homem. Esse princípio tem uma raiz ideológica na necessidade de se defender o cidadão e se

corporificou nos textos constitucionais do século XIX.40

A partir do momento em que o Estado se propõe a adotar atitudes concretas de direção do fenômeno econômico,não é mais possível aceitar irrestritamente o princípio da generalidade da lei. No contexto de um liberalismoeconômico puro, poder-se-ia falar da generalidade da lei, porque assumia uma figura abstrata de garantia dasliberdades do indivíduo , ficando a este o encargo concreto de dirigir o fenômeno econômico através de uminstrumental adequado para tratar com o caso particular. Se o fenômeno jurídico está direcionado para a ordem, paraa consecução de um equilíbrio na convivência humana e, por isso, voltado para a unidade abstrata e geral, ofenômeno econômico se comporta como uma força centrífuga e desagregadora, provocadora de choques, de

dissociação e de desequilíbrio na sociedade e, por isso, voltada para a diversidade concreta e individual.41

Assim, pois, aquele instrumental que era utilizado pelos indivíduos para conduzir o fenômeno econômico passou aser adotado pelo Estado para o mesmo fim. As normas jurídicas assim adotadas fogem ao parâmetro degeneralidade e de abstração adotado pelo liberalismo político e econômico para adotar características de concretudee de individualidade.

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Falam os autores em declínio das fontes tradicionais do Direito ou em declínio da lei,42 pois que, paraatender e direcionar o fenômeno econômico vale-se o Estado de uma legislação econômica consistente emportarias, circulares, resoluções. Um exemplo significativo desse direcionamento pode-se ver na Lei n. 4.595, de31 de dezembro de 1964, que instituiu o Sistema Financeiro Nacional. Ali o legislador confere ao Banco Central doBrasil uma série de competências; para exercê-las, deve aquela Autarquia valer-se de portarias, de circulares,instrumentos mais apropriados para acompanhar a volubilidade do fenômeno econômico.

Há ainda as normas originadas de contratos entre empresas, das convenções coletivas, dos contratos-tipo e dascondições gerais dos contratos de fornecimento, dos contratos trilaterais (Governo, Empresas e Sindicatos) paracondução da política econômica principalmente no que tange ao esforço de estabilização. Estes diplomas são fontesnão governamentais de normas de direção da economia.

5.2. A mobilidadeAo conduzir a atividade econômica, o Estado está tratando com um fenômeno que se caracteriza pela constante

evolução, pela contínua mobilidade. Uma medida de política econômica, por se endereçar a fatos concretos e, porisso mesmo, isolados, não consegue nunca gerar uma situação de satisfação generalizada. Os setores que,alcançados por aquela medida, se sentirem prejudicados, lançarão seus brados provocadores de mudança. E oEstado deverá certamente procurar adotar novas medidas no intuito de alcançar o equilíbrio.

5.3. Ausência de codificaçãoOs códigos são construções sistemáticas e orgânicas de preceitos jurídicos. A partir dos séculos XVIII e XIX e

principalmente sob a influência da filosofia racionalista, tomou ênfase o movimento codificador que procuroualcançar uma sistematização racional do ordenamento jurídico . Partia-se do pressuposto de que era possíveldeduzir do direito natural um conjunto coerente de princípios racionais que seriam a fonte das normas concretas

direcionadoras da atividade humana.43

O fenômeno econômico, que se caracteriza pela sua mais firme aderência ao concreto, ao essencialmentemutável, não se coaduna com normas sistematizadas com intuito de perenizar os princípios. O corpo de normas secentraliza em torno de metas a serem atingidas por determinadas políticas econômicas: sistema financeiro, sistemahabitacional, sistema fundiário.

A condução da política econômica não pode depender de princípios jurídicos codificados, justamente porque a sua

mutabilidade exige normas também adaptáveis às circunstâncias concretas.44

Não se pode omitir, contudo, que a Tchecoslováquia instituiu, em 04 de junho de 1964, um Código Econômico apar de um Código Civil. Relata JOSEPH KUCERA que já “o Código Civil de 1950 pressupunha que aregulamentação das relações econômicas entre as empresas socialistas se desenvolveria de uma maneiraindependente e no quadro de prescrições de direito autônomo e separadas do Código Civil. As relaçõesjurídicas surgidas da execução do plano econômico unitário e mais particularmente os contratoseconômicos realizados entre as empresas socialistas e adaptados às necessidades do plano não deveriamficar sujeitos ao Código Civil senão na medida em que prescrições independentes não dispusessem de outra

forma”.45 Esse Código se compunha de um preâmbulo e dez artigos fundamentais; o corpo do Código se compunha

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de doze partes.

5.4. A crise da imperatividadeUm dos aspectos mais importantes do estudo do Direito é o relativo à Sanção. Pode esta ser vista como a

garantia do cumprimento do conteúdo da norma jurídica.46 Esta garantia pode revestir a forma de umapenalidade, mas pode também, e em mais numerosos casos, manifestar-se como premialidade. Tudo está adepender do conteúdo jurídico cujo cumprimento se pretende garantir.

Ao estabelecer metas econômicas a serem atingidas, não pode o legislador pretender assegurar o seucumprimento através da imposição de sanções penais, sem correr o risco grave do descumprimento e da

impunidade. A “coercibilidade econômica”47 se rege por parâmetros bem diferentes. O Estado, para atingir seusobjetivos promocionais, para levar as empresas a aderirem ao plano e aos programas por ele propostos, se vale deuma técnica nova para garantir o cumprimento da lei. As metas econômicas fixadas pelo Estado são maiseficazmente alcançadas através da imposição de sanções premiais . Aquelas empresas que aderem aos objetivosestabelecidos pelo Governo são estimuladas e premiadas com a concessão de subsídios fiscais, de empréstimosfavorecidos, etc.

A coercibilidade econômica se manifesta também através de punições de caráter moral, como restrições ao “bom

nome”, ou inclusões em “listas negras”.48

5.5. Desmoronamento da fronteira: público-privadoO liberalismo econômico reservou a atividade econômica ao domínio do direito privado. Competia exclusivamente

ao indivíduo direcionar a economia, sem qualquer intromissão do Estado. A ordem jurídica inerente à atividadeeconômica retirava seus imperativos do direito privado.

O direito público ficava limitado ao âmbito da estruturação e funcionalização políticas do Estado, não se admitindonenhuma extensão normativa ao domínio econômico.

A necessidade de o Estado passar a ditar normas direcionadoras da atividade econômica, estruturando umagenuína política econômica, veio gerar um conjunto normativo destinado a coordenar os destinos da atividadeeconômica, sem, contudo, suprimir a iniciativa fundamental do indivíduo nessa matéria.

Diversos institutos jurídicos que antes acentuavam a iniciativa do indivíduo, nas relações também interindividuais,deixaram sua primeva conformação para adquirir feição nova, constituição nova, em que prevalecem os contornosmacroeconômicos, o interesse da coletividade inserido num contexto de política econômica promovida pelo Estado.

Este assume uma atitude promocional,49 quer sobre as próprias atitudes, quer também sobre a atuação daempresa, que passa a fazer girar a atividade individual em torno de um centro de interesse global.

Muda-se até mesmo o enfoque dentro do qual os interesses e sua promoção eram anteriormente vistos. ADAMSMITH, como visto acima, partia do pressuposto de que o bem-estar dos indivíduos, promovidos por estes até seusextremos, levaria fatalmente ao bem-estar da coletividade. O direcionamento do direito atual altera a perspectiva,para afirmar que a promoção do bem-estar da coletividade, sem afastar a colaboração do indivíduo, levaráinarredavelmente à consecução e concretização do bem-estar dos indivíduos integrados na coletividade.

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Esse entrelaçar-se dos interesses, o dos indivíduos e os da coletividade conduzidos e promovidos pelo Estado,veio fazer com que se desmoronassem as fronteiras entre o público e o privado. É grandemente ilustrativa a leiturado pensamento de ORLANDO GOMES e ANTUNES VARELA:

Aquele direito privado que fizera do contrato o instrumento por excelência da vida econômica e aexpressão insubstituível da autonomia privada, e, da propriedade, um direito natural do homem sobreo qual se apoiaria a vida econômica da sociedade e dele próprio, não mais existe onde já se implantoua nova economia coordenada e dirigida pelo Estado.

Ele se fragmenta e cede terreno ao Direito Econômico.50

Realizou-se em CAMERINO, na Itália, em 1967, um seminário destinado a discutir a natureza, pública ouprivada, do Direito Econômico. Ali GIUSEPPE CHIARELLI salienta que é preciso considerar a organizaçãojurídica da atividade econômica na sua estrutura fundamental e nos seus modos peculiares de evidência jurídica,principalmente no que concerne à sua função institucional:

Pode, entretanto, prevalecer a função ins tucional, como função de organização da a vidadeeconômica. Em tempo de expansão das dimensões empresariais, a função ins tucional doordenamento corresponde, em primeiro lugar, à exigência de limitar e coordenar o domínio dasgrandes unidades empresariais: domínio que tende a exercer-se, concretamente, como autoritário, eportanto, de fato, como poder público.

Nesse mesmo seminário RENÉ SAVATIER procura mostrar que a ordem pública econômica é instável, porqueconstantemente relacionada com os dados variáveis da conjuntura. Dentro dessa instabilidade, o Plano Econômicodesempenha um relevante papel de estabilizador:

Seria muito longo explicar-vos detalhadamente. Notarei somente o encontro do direito Público e doDireito Privado. Porque o plano é direito público, direito econômico administra vo, concebido poradministrações. Mas para construir-lhe os elementos, estas administrações recorrem às empresas,órgãos de direito privado. E uma vez construído este Plano, volta ainda ao direito econômico privado,pelas empresas, contratando umas com as outras em relações de direito privado, mas produ vas de

riquezas que o Plano cuidará de reunir e de distribuir, graças a regras de Direito.51

Destruída essa distinção de campos de visualização do direito, pode-se dizer, com FARJAT, que o DireitoEconômico realiza uma síntese entre o público e o privado, ou, como acentua J. SIMÕES PATRÍCIO, um direito

misto.52

Assinala FARJAT a posição inovadora de VASSEUR, quando classificou o Direito Econômico como um direitode reagrupamento e de síntese:

O Direito Econômico é um direito de reagrupamento e de síntese, que permite aos juristas enfrentar econsiderar as necessidades da economia em toda a sua amplitude e dar-se conta de regras que taisnecessidades puderam suscitar, quaisquer que sejam as disciplinas que, sob aspectos diversos, regema a vidade econômica… Desta sorte o Direito Econômico aparece, desde hoje, como uma forma de

considerar e talvez de sentir, em função das necessidades da economia, os problemas do direito.53

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5.6. Princípio da economicidadeO Estado, ao dirigir ou promover a atividade econômica tem finalidades diferentes daquelas objetivadas pela ação

efetivada pelo indivíduo. Este procura sempre obter o maior lucro possível, consistente em reunir a maior quantidadepossível de bens, para alcançar o seu bem-estar pessoal. O Estado deve colocar em primeiro plano a vantagemcoletiva, condição e ambiente para a prossecução do bem-estar individual.

Daí vir a perguntar: o que é melhor, a maior quantidade de bens ou a maior qualidade de vida? Em que medidaa qualidade deve compatibilizar-se com a quantidade?

A resposta a essa pergunta foi tentada desde a antiguidade clássica. No plano da ética individual, EPICURO sepreocupou em dar a resposta a esse questionamento. Sua doutrina, também chamada de edonismo, veio ensinar que

o ser humano deve procurar sempre o maior prazer possível.54

JEREMY BENTHAM segue essa linha de pensamento, colocando no lugar do prazer o interesse. Todo o agirhumano é orientado pelo interesse, que se realiza no plano individual e também no geral. Sua moral se reduz a um

criterioso cálculo de interesses.55

JOHN STUART MILL vem colocar o problema dos interesses e de seu fomento no âmbito do Estado e noquestionamento da intervenção estatal. Dentro da concepção liberal, cabe ao indivíduo formular uma opinião exata emais inteligente de seus próprios interesses e dos meios para fomentá-los. Como critério definidor aceita o Princípio

da Maior Felicidade.56

O princípio da economicidade teve também sua conceituação trabalhada por R. STAMMLER, mostrando queo homem procura atingir a satisfação de suas necessidades através da menor quantidade possível de esforço esacrifício. Este é o princípio que acompanha ao homem, e deve também acompanhar o Estado, na busca da

realização dos objetivos sociais.57

O princípio da economicidade é o critério que condiciona as escolhas que o mercado ou o Estado, ao regular aatividade econômica, devem fazer constantemente, de tal sorte que o resultado final seja sempre mais vantajoso

que os custos sociais envolvidos.58 Nessas escolhas, estarão sempre presentes os critérios da quantidade e daqualidade, de cujo confronto resultará o ato a ser praticado. As ações econômicas não podem tender, em nívelsocial, somente à obtenção da maior quantidade possível de bens, mas a melhor qualidade de vida. É este um dosaspectos enfatizados pela conhecida teoria da análise econômica do Direito, a par da importância conferida ao

critério da eficiência, como se verá a seguir.59

5.7. Princípio da eficiênciaAo implantar determinada política econômica, deve o Estado pautar-se pelo princípio da eficiência, que é

inerente à atividade econômica. E, ao fazê-lo, deve o Estado observar três planos, ou seja, aquele em que ele próprioexerce uma atividade econômica , dentro do âmbito de permissão ou de imposição constitucional; aquele em queadota uma postura normativa da atividade econômica; e aquele em que estimula ou favorece ou planeja aatividade econômica. É óbvio que o mesmo princípio deverá informar a atividade das empresas, que, ao exercerema atividade econômica, devem estar imbuídas da ideia de que o seu sucesso depende exatamente da eficiência dasposturas adotadas.

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O princípio da eficiência foi abordado por CABRAL DE MONCADA, pertinentemente à empresa, mas creioque se possa e se deva estender a sua influência informadora também à atividade do Estado, como visto. Aoconceituar tal princípio, assim o expõe aquele Autor:

Através deste princípio fica a empresa obrigada a acomodar a sua gestão econômica a umaproveitamento racional dos meios humanos e materiais de que dispõe, minimizando os custos deprodução, de modo a poder responder na maior escala possível às necessidades que se propõe

satisfazer.60

Mas esse princípio teve uma abordagem bem mais ampla e profunda através dos ensinamentos trazidos pela

Escola de Chicago, através do mentor da Análise Econômica do Direito, RICHARD POSNER.61

Segundo esse autor, a economia normativa dita a lei ao legislador, ao juiz e ao intérprete. Entende Posner que aeconomia não está destituída de uma escala de valores, impregnando-se dos valores fixados pela política, pela morale pelo direito. O fundamento dessa escala de valores é a eficiência, entendendo ele que um dos sentidos de justiça éexatamente o de eficiência, pois o homem é um maximizador racional de seus fins na vida, de suas satisfações. Osinstrumentos de que se serve nessa avaliação são as noções de preço, custo, custo das oportunidades, de gravitaçãodos recursos em direção a um uso mais vantajoso. Para POSNER a eficiência é a “utilização dos recursoseconômicos de modo que o valor, ou seja a satisfação humana, em confronto com a vontade de pagar por produtos

ou serviços, alcance o nível máximo, através da maximização da diferença entre os custos e as vantagens”.62

Expondo o pensamento de Posner, GUIDO ALPA assim o condensa:

Numa perspec va econômica, função fundamental do direito é portanto a modificação dos incen vos.Deste modo, o ordenamento jurídico assume a função de instrumentário de ordens “possíveis”, ouseja compa veis com as leis da economia: o direito tem uma função de mímese do mercado; não se“devem” dar (e é aqui que nasce a economia norma va, e é ainda aqui que se descobre a escala devalores que Ackerman imputa a Posner) normas em contraste com o mercado, mas somente normas

que transformem em comportamento vinculado as exigências objetivadas dele provenientes.63

O ordenamento jurídico brasileiro, a partir da Constituição de 1988, no art. 37, impõe a obediência, a par dosprincípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, também ao princípio da eficiência.

5.8. Caráter concretoO Direito Econômico tem a ver com normas concretas direcionadas à condução do fenômeno econômico. Este,

na verdade, é um fenômeno plenamente situado, visceralmente vinculado historicamente . Como visto, aeconomia se entende como a “ciência da escolha racional num mundo – o nosso mundo – em que os recursos são

limitados em relação com as necessidades humanas”.64 Ora, as necessidades humanas são determinadas qualitativae quantitativamente pelo contexto histórico e geográfico. Daí que as normas direcionadoras da economia também seressintam dessa aderência concreta ao tempo e ao lugar.

As noções tradicionais do Direito de pessoa moral ou coletiva e de coisa ou bem jurídico assumiram outra formae conteúdo, sob a figura de empresa, interessando predominantemente nesta os aspectos de uso ou abuso de podereconômico, de concorrência e competição no mercado. Quanto a coisas e bens, mais interessa hoje indagar sobre o

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ativo das empresas, sobre o valor de seu patrimônio, condicionadores de seu posicionamento na bolsa.

Também o contrato assumiu feição eminentemente concreta, passando a plano secundário o conceito teórico eabstrato de liberdade contratual e autonomia da vontade. Interessa na relação contratual moderna perquirir aigualdade concreta das partes de uma relação contratual. Tanto o legislador quanto o juiz desprezam os conceitos deuma abstrata igualdade, para verificar se, no plano concreto do confronto entre as partes, são elas verdadeiramente

iguais, ou se há uma dominação ou escravidão de uma relativamente à outra.65

5.9. As perspectivas microeconômica e macroeconômicaOs fenômenos econômicos podem ser visualizados e juridicizados sob dois ângulos perfeitamente distintos, posto

que nunca separadamente existentes na realidade vivida. Tais fenômenos podem ocorrer no relacionamentointerindividual e interessar somente às partes integrantes de uma relação jurídica.

Assim é que, por exemplo, a empresa poderá vir a ser pertinente do ponto de sua organização, da operatividadede seus sócios ou controladores, poderá também interessar sob o ângulo da relação entre a empresa e os que a elaprestam serviços, quer subordinada quer autonomamente. A relação locatícia poderá limitar a sua repercussãojurídico-econômica às pessoas vinculadas ao papel de locador e de locatário. A relação contratual entre comprador evendedor limita o seu interesse à preservação do cumprimento das obrigações bilateralmente assumidas.

Temos aí relações jurídicas de caráter meramente microeconômico. Ou seja, as consequências jurídicasdecorrentes daquele relacionamento não ultrapassam o plano interindividual existente entre aquelas pessoas ou grupo

de pessoas.66

Pode ocorrer, entretanto, que aquelas relações ultrapassem aquele plano restrito para interessar a toda umacoletividade de nível nacional.

A empresa será pertinente para o Direito Econômico, sob o aspecto do relacionamento interempresarial, em nívelde preservação da concorrência, em nível de evitarem-se abusos de posição dominante ou de fixação arbitrária doslucros. As relações entre a empresa e os empregados passam a assumir uma outra aparência a partir do momentoem que possam vir afetar a vida de toda uma coletividade, a nível nacional. Aqui assume importância a fixação deuma política salarial, que na verdade ultrapassa o estreito limite da relação interindividual empregador-empregado,para alcançar uma repercussão de nível nacional. As relações jurídicas de caráter locatício podem adquirirpertinência que ultrapassa os indivíduos implicados, quando, através da legislação de regência se procurar alterar,controlar, conter, estimular ou direcionar por qualquer forma o mercado imobiliário. As relações entre fornecedor econsumidor ascendem a um plano de exigência da proteção do Estado, não somente para garantir a concretaigualdade entre as partes, mas também, e sobretudo, para atribuir ao consumidor e à sua ação no mercado umapoderosa influência sobre a concorrência e a competição empresarial.

Nesse ponto deverá dizer-se que o Direito Econômico se preocupa com a perspectiva macroeconômica.Enfatiza-se a postura do Estado e dos demais intervenientes na condução da política econômica de modo a captar o

alcance coletivo ou transindividual das medidas de política econômica adotadas.67

O Direito, ao defrontar-se com o fenômeno econômico ocorrente numa sociedade, não pode desconhecer essesdiversos direcionamentos. O legislador, ao elaborar a norma jurídica, tem que levar na devida conta os quadros deatuação da economia. O Direito tem uma função direcionadora da economia, não se podendo aceitar a tese

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materialista do Direito como simples superestrutura. A norma jurídica deve criar o embasamento para o plenodesenvolvimento dos fatores da atividade econômica, podendo influir e direcionar a produção, a circulação, arepartição e o consumo. Mas, ao fazê-lo, será necessário adequar-se aos modelos microeconômico emacroeconômico.

O legislador elaborará um conjunto de normas apropriado para dirigir as relações microeconômicas e outrodestinado a dirigir as relações macroeconômicas. As primeiras tem como elemento integrante a dispositividade, aopasso que as segundas se caracterizam pela sua vinculatividade.

As normas jurídicas direcionadoras da economia como um todo, preponderando o aspecto macroeconômico, mascom acentuada preocupação com o aspecto microeconômico, se situam num campo de macrodecisões. As normasde Direito Econômico têm como objetivo principal o direcionamento da macroeconomia, através de decisões que têm

por mira impor direcionamentos a partir dos fenômenos e processos econômicos agregados.68 Assim, as normaspoderão ser vistas sob os aspectos microjurídico e macrojurídico. As relações microjurídicas serão aquelas que seconcretizam entre indivíduos ou grupos de indivíduos, ou ainda entre empresas individualmente tomadas. Serãorelações microjurídicas aquelas que são regidas por normas que têm por objetivo a composição de interessespredominantemente privados. Já as relações macrojurídicas serão aquelas que transcendem os limites do interesseindividual, para situar-se no campo das relações globais, supraindividuais, a afetar o conjunto dos interessesnacionais. Como exemplo, pode-se afirmar que as normas trabalhistas pertencem ao campo microjurídico enquantovisam compor as relações interindividuais entre empregadores e empregados. Quando, entretanto, as relações aserem regidas transcendem aquele simples interesse interindividual, para influir em todo o contexto da economianacional, tratar-se-á de relações macroeconômicas, a serem regidas por um contexto de normas macrojurídicas ,objeto de criação e estudo do Direito Econômico. Assim também, a relação jurídica que se estabelece entrecomprador e vendedor pertence ao domínio microeconômico a ser regrado por um contexto de normas decaracterística microjurídica. Quando, entretanto, as relações jurídicas se situam no campo de atuação defornecedores e consumidores, passam a pertencer a um domínio macroeconômico, a ser regrado por um contextode normas de feição macrojurídica, pois que o objetivo do legislador, ao normatizar esse campo, é especificamenteo de preservar a livre concorrência . A proteção ao consumidor não é um fim em si mesma, mas lhe é conferidapara impedir os efeitos maléficos da concentração de empresas e para propiciar e garantir o princípio constitucionald a liberdade de concorrência . E aqui o campo de projeção das normas jurídicas é exatamente o damacroeconomia, assumindo elas a perspectiva macrojurídica, a ser visualizada como específica do Direito

Econômico.69

G. Henrik von Wright dis ngue as leis descritivas e as prescritivas. “As leis da natureza são descritivas.Descrevem regularidades que o homem crê ter descoberto no curso da natureza. São ou verdadeiras oufalsas. A natureza não obedece, senão num sen do metafórico, a estas leis”.... As leis do Estado sãoprescritivas. Estabelecem regulamentos para a conduta e intercâmbio humanos. Não têm valor verita vo.Sua finalidade é influenciar a conduta. Quando os homens desobedecem às leis, a autoridade que asgarante trata, imediatamente, de corrigir a conduta dos homens. Em algumas ocasiões, contudo, aautoridade muda as leis; talvez para fazê-las mais conformes com as capacidades e exigências da “naturezahumana”.... “Pode-se u lizar o contraste para dis nguir as normas do que não são normas. As leis da

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natureza são descri vas e não prescri vas; por conseguinte, não são normas” (Norma y acción – Unainves gación lógica. p. 22-23). Lourival Vilanova adota a denominação de discurso apofân co para aqueleque inclui as proposições descritivas, em que se encontram os valores verdade/falsidade, e de discurso nãoapofântico ou discurso prescri vo, que carece dos valores de verdade e falsidade, cujos enunciadosexprimem regras técnicas, regras de usos-e-costumes, regras morais e jurídicas (As estruturas lógicas e osistema do direito positivo. p. 3).

Como ensina Alessandro Levi, “a norma jurídica tem força impera va – é, não uma mera frase nem um purojuízo individual, mas uma tutela eficaz de certos comportamentos, uma eficiente imposição de algunsoutros, um limite recíproco entre os campos de a vidade dos indivíduos – na medida em que haure suaforça específica do ordenamento jurídico no qual se insere. Só por isso a norma, toda norma jurídica, semostra – e o é realmente – como manifestação da vontade social, que encontra a sua expressão noaparelho regulador da vida intersubje va, que é este ou aquele ordenamento jurídico. E somente docaráter sistemá co de cada um destes ordenamentos, isto é, do fato de que toda norma se vincula, e nãosomente se justapõe, a todas as outras, é o anel de uma mesma cadeia, a própria norma daí deriva o seuespecífico valor jurídico” (Teoria generale del diritto. 1967. p. 32).

Existem diversas concepções de direito natural. Blackstone, por exemplo, é o porta-voz de uma an gaconcepção, segundo a qual os juízes encontram as regras de direito que pre-existem, mas não podem fazê-las. Benjamin Cardozo faz menção a uma moderna teoria do direito natural: “Recent juris c thought hasgiven it a new currency, though in a form so profoundly altered that the old theory survives in li le morethan name. The law of nature is no longer conceived of as something sta c and eternal. It does not overridehuman or posi ve law. It is the stuff out of which human or posi ve law is to be woven, when other sourcesfail” (The nature of the judicial process. New Haven and London: Yale University Press. 1921-1949. p. 131-132).

GILISSEN, J. Introdução histórica ao direito. 1979. p. 454.

RAY, J. Essai sur la structure logique du Code Civil français. 1926. p. 5.

RIPERT, G. Le régime démocratique et le droit civil moderne. 1948. p. 228, § 126. L. Duguit também assinalou atransformação ocorrida: “Mas é aqui que aparece toda uma jurisprudência, na qual, com grande estranhezade nossos civilistas clássicos, se vê intervir em primeiro lugar outro elemento: o elemento fim e o valorsocial deste elemento. Para que um ato de vontade possa produzir um efeito no Direito, é preciso sempreque tenha um objeto lícito. Mas isto não basta: é preciso também que seja determinado por um certo fim,que esse fim seja um fim de solidariedade social, um fim que tenha um valor social conforme com o direitoobje vo do país considerado. E isto é também uma consequência evidente da socialização do Direito” (Lastransformaciones del derecho: público y privado. 1975. p. 212).

HORWITZ, M. J. The transformation of american law, 1780-1860. 1977. p. 1.

Munn v. State of Illinois, 94 U.S. 113 (1876).

FARJAT, G. Droit économique. 1982. p. 143.

PROUDHON, P. J. El principio federativo. 1971. p. 104-109.

Assinale-se o surgimento do SHERMAN ACT, em 1890, bem como do CLAYTON ACT, em 1914, com a criação da

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FEDERAL TRADE COMMISSION, também em 1914.

BARBOSA, Ruy. Comentários à Constituição Federal brasileira. 1932-1934. p. 472.

Sobre a influência das guerras sobre o pensamento polí co e econômico, observa John Friedmann: “Asgrandes guerras parecem ser as causadoras das grandes divisões da história. Qualquer que seja a razão – otrauma da morte e a destruição, a catarse de um esforço cole vo cujo objeto é destruir um inimigo comumou a necessidade de orientar-se de novo ao findar-se a guerra –, parece que os grandes conflitos a miúdooriginam novas formas e percepção, novas perguntas e novas vozes” (Planificación en el ámbito público.1991. p. 109).

HEDEMANN (Grundzüge des Wirtscha srechtes. 1922; Deutsches Wirtscha srecht. 1939), Darmstädter eRumpf visualizam o direito econômico sobretudo como um método novo de abordar as relações jurídico-econômicas. Hämmerle, Gieseke e Krause já veem o direito econômico numa perspec va mais restri vacomo o conjunto de disposições e ins tutos limita vos do princípio básico da liberdade de inicia vaeconômica privada (cf. VAZ, Manuel Afonso. Direito económico – a ordem económica portuguesa. 2. ed.1990. p. 60, nota 1). Afirma Hedemann: “Por otra parte, el Derecho mercan l ha sido sobrepasado en elcurso de los úl mos treinta años por una nueva e importante materia, aun no suficientemente estudiada:el llamado Derecho económico. Este hecho demuestra, al menos, la abundancia de normas jurídicasdedicadas a la ordenación de la vida económica y de su desarrollo planificado” ( Derecho de obligaciones.Trad. de Jaime Santos Briz. 1958. v. III, p. 22).

AMADO, Armenio. Filosofia do direito. Trad. Portuguesa Luís Cabral de Moncada. 5. ed. revista e acrescida.Coimbra: 1974. p. 289.

O problema de uma definição do Direito Econômico vem sendo ques onado. Afirma a este respeito Farjat:“Haveria seriedade em interrogar-se sobre a noção de direito econômico, setenta anos depois da criaçãoteórica do ramo ou da disciplina? Sem dúvida, pois que há uns doze anos o decano Vedel fazia a pergunta:‘o direito econômico existe?’, mas não dava a resposta. Na realidade, o direito econômico vive semdefinição: alguns de seus par dários se abs veram mesmo de lhe dar uma. Não é necessariamente ummau sinal de saúde: ‘a primeira prova de maturidade’ de um ramo novo do direito ‘se vê nodesaparecimento ou, pelo menos, na pacificação das querelas’ sobre as definições, observava igualmente odecano Vedel. E, depois, as definições contribuem para o progresso cien fico? Pode-se duvidar ( La no onde droit économique. 1992. p. 27).

GIANNINI, M.S. Diri o pubblico dell’economia. 1985. p. 18; LAUBADÈRE, A. de. Droit public économique.1979. p. 8.

QUADRI, G. Diritto pubblico dell’economia. 1980. p. 10.

FARJAT, G. Droit économique. 1982. p. 14.

GALBRAITH, J. K. El nuevo estado industrial. 1974. p. 23-33; FRIEDMANN, W., El derecho en una sociedad entransformación. 1966. p. 22-23.

Cf. MESCHERIAKOFF, Alain-Serge. Droit public économique. 2e. éd. revue et aug. Paris: 1996. parágrafo único.

CHAMPAUD, C. Contribu on à la défini on du droit économique. In: Il Diri o dell’Economia – Rivista di

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dottrina e di giurisprudenza, ano XIII, n. 2. p. 141-154, 1967.

HORWITZ, M.J. The transforma on of american law. 1780-1860. p. 31; The transforma on of american law.1870-1960. p. 66.

Como remédio para essa situação de dominação faz Leão XIII referência às obrigações e limites daintervenção do Estado: “Os direitos, em que eles se encontram, devem ser religiosamente respeitados e oEstado deve assegurá-los a todos os cidadãos, prevenindo ou vingando a sua violação. Todavia, na proteçãodos direitos par culares, deve preocupar-se, de maneira especial, com os fracos e os indigentes. A classerica faz das suas riquezas uma espécie de baluarte e tem menos necessidade da tutela pública. A classeindigente, ao contrário, sem riquezas que a ponham a coberto das injus ças, conta principalmente com aproteção do Estado. Que o Estado se faça, pois, sob um par cularíssimo tulo, a providência dostrabalhadores, que em geral pertencem à classe pobre” (Rerum novarum. Edições Paulinas. p. 33).

FARJAT, G. Droit économique. 1982. p. 90.

Marx estudou essa relação, antepondo a estrutura econômica à jurídico-polí ca: “Na produção social da suaexistência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade,relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forçasprodu vas materiais. O conjunto destas relações de produção cons tui a estrutura econômica dasociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e polí ca e à qualcorrespondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida materialcondiciona o desenvolvimento da vida social, polí ca e intelectual em geral. Não é a consciência doshomens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência”(Contribuição à crí ca da economia polí ca. 1983. p. 24). Esta posição, que reduz o direito a umasuperestrutura da economia, é refutada por Stammler, para quem o direito é a condição a priori que tornapossível a experiência social; a relação entre direito e economia é aquela de forma e matéria. Para ele “aideia desta qualidade formal de alcance absoluto que pode concorrer no querer social empírico é o idealsocial. O ideal social nos oferece uma pauta de juízo empiricamente incondicionada, indispensável paradirigir e fundamentar toda matéria que se nos apresenta na experiência histórica através de ins tuiçõesjurídicas já existentes ou daquelas a que se aspira, se é que estas ins tuições hão de poder evidenciar-secomo legítimas objetivamente” (cf. FASSÒ, G. Histoire de la philosophie du droit – XIX et XXe. siècles. p. 174.STAMMLER, R. Economía y derecho según la concepción materialista de la historia. p. 554). Sobre este temada relação entre direito e economia, será importante consultar o trabalho de Carlos Otero Díaz: Unainves gación sobre la influencia de la economía en el derecho. Madrid: Ins tuto de Estudios Polí cos,1966.

FARJAT, G. Droit économique. 1982. p. 143.

Idem, ibidem. p. 18. Sobre a necessidade e inevitabilidade do fenômeno da concentração econômica,afirmou Herbert Noble: “Nestes tempos de grandes empreendimentos industriais é evidente que grandesconcentrações de capital são exigidas para realizar a tarefa de hoje, e que este capital somente pode serfornecido por grandes combinações de interesses privados ou pelo Governo. Não faz parte do espírito denossas ins tuições que o Governo tenha que prover capital para os empreendimentos privados, e por issodevemos depender de amplas combinações de interesses privados, com grandes concentrações de capital.

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Durante os úl mos anos o comércio interestadual se desenvolveu tão rapidamente que o velhoinstrumental para seu direcionamento não podia corresponder às suas exigências, e os novos métodosinventados veram que ser desenvolvidos tão apressadamente que, em alguns casos, esbarraram com acondenação legal, ou com a censura pública. Mas este comércio deve con nuar. Consequentemente, étarefa dos advogados do país encontrar uma solução para o problema do direcionamento legal do comérciointerestadual. Seu desenvolvimento tem sido tão grande e tão rápido, e os métodos para sua expansão tãonovos, que as questões nisso envolvidas foram, em larga medida, vistas sob o aspecto polí co, em lugar deser postas no domínio da economia e do direito, a que elas pertencem” (The Sherman an trust act andindustrial combinations. American Law Review, v. XLIV, p. 177, march-april. 1910).

FARJAT, G. La no on de droit économique. In: Archives de philosophie du droit: droit et économie. Paris:1992. p. 27-62.

Curso de direito econômico. 2. ed. 1981. p. 76-77.

A noção de equilíbrio não pode ser entendida num sentido mecanicista, pressupondo um ponto de equilíbriosuscep vel de mudanças somente pela influência de forças externas. François Perroux prefere adotar adenominação de equilibragem para assinalar a existência de um dinamismo interno ao processo: “Aequilibragem pelos agentes e pelas suas unidades a vas não é de modo nenhum uma correção, umconjunto de retoques imprimidos ao equilíbrio standard: é radicalmente diferente pela visão que assumeda vida econômica e pela formalização que dela apresenta. Agentes, ‘actantes’, encontram-se, diferentes,desiguais: a paragem das mudanças de que são autores está ligada ao esgotamento, sempre temporário, dasua energia de mudança. Quanto ao sistema total, deixa de mudar quando as equilibrações permanentesque engloba, conduzem ao esgotamento temporário da energia líquida de mudança do conjunto. Estassequências novas observam-se e constroem-se anali camente no tempo irreversível” ( Ensaio sobre afilosofia do novo desenvolvimento. 1981. p. 159-160).

Na República afirma Platão: “... a cidade não poderá alcançar a felicidade a não ser no caso de que suas ideiasgerais sejam delineadas por esses pintores que contemplam o modelo divino”... “Não crês que depoisdisso esboçarão como modelo o regime polí co conveniente?”... “Logo, a meu sen r, dirigirão frequentesolhares para um e outro lado, isto é, para o naturalmente justo, belo e dotado de temperança, e para todasas demais virtudes, assim como a todas que possam infundir-se nos homens pela mistura e combinação dediferentes elementos, com o que formarão o modelo humano apoiando no que Homero chamou divino esemelhante aos deuses quando se encontra inato nos homens” (A República, ou da Jus ça, L. V,500e/502b). Ao se referir à ação polí ca, assim conclui o seu pensamento: “Digamos, pois, que com isto ficaconcluído como tecido bem feito esse algo que a ação polí ca urde, quando, tomando as caracterís cashumanas de energia e moderação, a ciência régia conforma e une suas duas vidas por meio da concórdia e aamizade e, realizando assim o mais excelente e magnífico de todos os tecidos, envolve com ele, em cadacidade, a todo o povo, escravos ou homens livres, os estreita juntos em sua trama e, garan ndo à cidade,sem erros nem desfalecimentos, toda a felicidade de que ela é capaz, manda e governa” (O Polí co, ou daRealeza. 310d/311c).

Afirma Aristóteles: “Toda cidade ou estado é, como podemos ver, uma espécie de comunidade, e todacomunidade se forma tendo como fim um determinado bem – já que todas as ações da espécie humana em

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sua totalidade se pra cam com a vista posta em algo que os homens creem ser um bem. É, portanto,evidente que, enquanto todas as comunidades tendem a algum bem, a comunidade superior a todas e queinclui em si todas as demais deve fazer isto num grau supremo bem acima de todas, e aspira o mais alto detodos os bens: e essa é a comunidade chamada Estado, a associação polí ca.” Preocupa-se Aristóteles como regime da propriedade, com o regime legal, com a jus ça como fim da faculdade polí ca, com os aspectosd e qualidade e quan dade, enfim, traça da arte e da ciência polí ca um quadro completo para a época(Política. L. I. 1252a/1252b).

“Institutions are the rules of the game in a society or, more formally, are the humanly devised constraints thatshape human interac on”. NORTH, Douglass C. Ins tu ons, Ins tu onal Change and EconomicPerformance. 1990, p. 1.

LOEWENSTEIN, K. Teoría de la constitución. 1976. p. 30-31. Acentuam Jacques Lenoble e François Ost o papelmediador da ideologia: “O que se revela assim é o papel mediador da ideologia; esta exerce uma função deintegração social antes de exercer suas funções de dissimulação. O grupo social, qualquer que seja suadimensão, produz uma imagem de si mesmo, precisamente para se cons tuir como comunidade. Esteprocesso de iden ficação dos indivíduos com o grupo se opera, pela ideologia, a par r do reconhecimentode uma origem comum tal como, por exemplo, a Revolução de outubro no que per ne à URSS. Neste atofundador e todo o universo que o cerca, o perpetua e o celebra, o grupo haure ao mesmo tempo a energiaque reaviva seu próprio projeto (por apreensão da energia originariamente inves da pelo imaginário nafigura nova que o ato fundador produziu) e os temas que asseguram sua legi midade. Mobilizadora,incita va, a ideologia é contudo voltada para o passado de onde ela re ra, numa origem mais ou menosmí ca, o modelo do sucesso, o padrão da crença necessária para assegurar hic et nunc a coesão e aadaptação do grupo social” (Droit, mythe et raison. 1980. p. 290). Também Philippe Gérard salienta essafunção propulsora da ideologia: “A ideologia não é, portanto, uma aparência secundária a dissimular umarealidade independente; ela aparece como uma forma fenomenal, uma forma de manifestação da própriarealidade. Assim, contrariamente a toda ficção naturalista, as categorias ideológicas que alimentam arepresentação da essência imaginária da sociedade, não refletem relações sociais cuja realidade sedefiniria exteriormente a essas categorias. Estas são inerentes à cons tuição destas relações sociais que seinscrevem e só se manifestam a nós no conjunto simbólico formado por estas categorias” (Droit, égalité etidéologie. 1981. p. 303).

Inquérito sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. Edição portuguesa, 1981. v. II. p. 653 e 655.

Ob. cit., v. II. p. 757-758.

Assinala Paulo de Pi a e Cunha que “pode também entender-se por Polí ca Econômica não já as medidas(ou séries de medidas) por que se exprime a ação do estado na economia, mas o conjunto das regras queregem esta ação. E tem-se ainda u lizado a expressão num outro sen do, iden ficando a Polí caEconômica com a ciência que estuda as formas e os efeitos das intervenções do Estado nas relaçõeseconômicas.

Entendida como conjunto coordenado de medidas, a Polí ca Econômica só se desenvolveu, nos paísesindustrializados do Ocidente, a par r da grande depressão dos anos 30. Até lá os Estados punham emexecução certas “medidas de polí ca”, mas sem que estas se subordinassem a uma concepção geral de

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intervenção dos poderes públicos na vida econômica. Anteriormente à I Guerra Mundial, a estabilidade donível da a vidade econômica e o equilíbrio dos preços internos não cons tuíam sequer obje vos formaisde polí ca: no plano global, a ação das autoridades econômicas circunscrevia-se aos instrumentos clássicosmanejados pela banca central e visava simplesmente a manutenção do valor-ouro da moeda nacional”(Enciclopédia Verbo, 15 v. verbete Polí ca Econômica). Ensinam Jacques e Cole e Nême que “a polí caeconômica pode ser entendida no sen do estrito de um conjunto de decisões rela vas aos obje vos queum país ou um grupo de países se propõe a ngir, no domínio econômico, e rela vas aos meios de osrealizar. Mas este conceito só cobre uma parte do campo de ação da polí ca econômica, referindo-sesomente a seus obje vos próprios, conquanto ela seja frequentemente um instrumento a serviço deoutros fins – sociais, políticos ou militares” (Politiques économiques comparées. 1989. p. 35).

Como observa Alain-Serge Mescheriakoff, “ao lado dessa polícia administra va geral, existem polí casadministra vas chamadas especiais que se analisam como habilitações par culares da autoridadeadministra va para intervir num dado setor da vida social em que as perturbações da ordem públicaapresentam riscos de gravidade ou requerem disposições adaptadas. Algumas podem ser chamadaseconômicas pelo fato de enquadrarem especificamente o funcionamento do mercado. Podem dis nguir-sepolí cas de acesso ao mercado, polí cas da distribuição, e as polí cas de fabricação dos produtos que têmpredominantemente uma finalidade de saúde pública ou de proteção dos consumidores” ( Droit publicéconomique. 1996. p. 122-123).

Será ilustra vo ler a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e sua inserção no preâmbulo daConstituição Francesa de 1791.

A este respeito assinala Antonio Trócoli: “É evidente que, no curso das úl mas décadas, os fenômenoseconômicos e sociais têm vindo apurando e acelerando tanto os acontecimentos polí cos dos países e dospovos, que necessariamente o direito, como receptor e canalizador desta problemá ca, não pôde subtrair-se... O fenômeno jurídico em úl ma perspec va conota uma ferramenta, um instrumento de coesão, deconcerto, de paz. Pelo contrário, o econômico se apresenta como uma força de desagregação, de rania, damesma forma que a economia é a ciência da escassez, que pretende adequar meios limitados perante alimitação de fins. Com isso gera e provoca, dentro da convivência social, fatores de choque, de dissociação,que o jurídico trata de canalizar, de ordenar, buscando o equilíbrio dessa convivência transtornada pelofenômeno econômico. O direito então seria um pouco a compa bilização das liberdades através de umaordem. Talvez seja seu obje vo fundamental. Digamos, como tenta va de síntese, que enquanto oeconômico é a força vital criadora de energias que incita o direito, ocorre que, ao mesmo tempo, operturba determinando os desequilíbrios. O direito, não só o ordenamento posi vo mas os princípios emodelos, trata de conter essas energias geradoras de choques e de confrontos sociais, de ordenar...”(Influencia de la economia en el derecho. In: Derecho privado económico. 1970. p. 5).

A questão do declínio da lei como fonte do direito, na perspec va da condução de fenômenos mutáveiscomo a economia é magnificamente exposta por G. Burdeau: “Toda caravana deixa após si cadáveres quedemarcam a estrada que ela seguiu; há-os insignificantes, há-os augustos. Entre estes, a lei merece reter aatenção, não tanto para ser pretexto a uma oração fúnebre, quanto para uma reflexão sobre o sen do dadesafecção de que ela é objeto... O fato mais evidente é sem dúvida o desaparecimento da lei enquantoinstrumento de criação do direito. Que o número das leis não tenha sensivelmente diminuído em valor

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absoluto não prova nada, porque o que se deve considerar é sua proporção com o volume total das regrasestatais. Ora, é claro que, sob este ponto de vista, o número das leis não cessa de diminuir – e isto qualquerque seja o regime polí co do Estado visualizado – em proveito daquilo que se poderia chamar deregulamentação burocrá ca.”... “A grande época da lei corresponde ao período em que, inebriado peladescoberta de seu próprio poder, o espírito humano não admite como compa vel com sua dignidade senãoa submissão aos imperativos da razão...” (Le déclin de la loi. Arch. de philosophie du droit. n. 8, p. 35-37).

Informa Hermann Bekaert que “a codificação apresenta a vantagem técnica de cons tuir um conjunto,frequentemente isento de contradições e harmoniosamente estruturado. Ela apresenta, por outro lado, oinconveniente de fixar o direito; uma vez realizada a obra de estruturação, ela força a admiração nos iníciosde sua aplicação, mas as mutações da vida social impõem então modificações profundas que alteram aunidade da obra” (Introduction à l’étude du droit. 1969. p. 194). Lembra René Sava er que “numa época emque as ins tuições se modificam tão rapidamente, é, com efeito, par cularmente di cil concentrá-las sobuma codificação durável” (Les métamorphoses économiques et sociales du droit civil d’aujourd’hui. 1952.p. 8).

Observa Manuel Afonso Vaz que “não existe, regra geral, uma codificação, em textos sistema zados, dasnormas de direito econômico. Estas encontram-se dispersas pelos mais variados diplomas legais, sendo,muitas vezes, a sua coordenação e compa bilização di cil. A constante alteração (mobilidade) e adispersão de normas sobre o mesmo objeto por vários diplomas fazem com que seja di cil, por vezes,definir claramente o estatuto jurídico de certas matérias. Aos próprios juristas é muitas vezes di cil saber“em que lei se vive”, em especial em períodos de mutação profunda das estruturas econômico-sociais”(Direito econômico – a ordem econômica portuguesa. 1990. p. 50).

La théorie du droit économique socialiste: son applica on en Tchécoslovaquie. In Annales de l’universitédes sciences sociales de toulouse. 21(1-2):350, 1973.

Ensina Luís Legaz y Lacambra que “garantia do Direito é todo fator suscetível de atuar com eficácia como meiode assegurar a vigência do mesmo. Já vimos que a vigência de uma ordem jurídica implica um mínimo deaceitação por parte da sociedade, e tanto mais vigente está um ordenamento quanto maior seja o grau deacatamento que recebe e menor, por conseguinte, o número de vontades rebeldes a suas normas”(Filosofía del derecho. 1972. p. 402).

Por coercibilidade se deve entender a possibilidade de cumprimento não espontâneo da norma, ou seja, apossibilidade de se conseguir de forma coerci va o seu cumprimento. A respeito dos conceitos de sanção,coação, coercibilidade, será oportuna a leitura de Eduardo García Maynez: Introducción al estudio delderecho, cap. XXI, e Filoso a del derecho, 1974. p. 73-91. Ver também Angelo de Ma a, Merito ericompensa, in Rivista internazionale di filosofia del diri o, Anno XVII, Fasc. VI, novembre-dicembre 1937.p. 608 e segs. Observa De Ma a: “Em regra, quando se fala de sanções como de meios predispostos pelodireito para reforçar a observância das leis, quer-se aludir somente às consequências que derivam dainfração de uma norma, ou seja à ameaça abstratamente cominada de uma pena na previsão de um malque pode ser come do, ou à força efe vamente empregada (coação) em vista de um mal que se causou aoindivíduo ou à sociedade. Mas circunscrever assim o conceito de sanção significa limitá-lo, pois, se seatentar um pouco, deve-se reconhecer que meios u lizados pelo direito para garan r e para reforçar a

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atuação das normas são, além das penas e constrições, também os prêmios e as recompensas”. SalientaBobbio que há um consenso em entender-se por sanção “a resposta ou a reação que o grupo socialexprime por ocasião de um comportamento de alguma forma relevante de um membro do grupo(relevante em sen do nega vo ou em sen do posi vo, não importa) com a finalidade de exercer umcontrole sobre o conjunto dos comportamentos de grupo e de orientá-los rumo a determinados obje vosao invés de para outros” (Le sanzioni posi ve. In: Dalla stru ura alla funzione – nuovi studi di teoria deldiri o. p. 39). Enfa za ainda o mesmo Autor o aspecto posi vo e es mulador da sanção (em vez derecriminador e puni vo): “Mas a par r do momento em que para as exigências do Estado assistencialcontemporâneo o direito não se limita mais a tutelar atos conformes às próprias normas, mas tende aes mular atos inovadores, e portanto a sua função não é mais somente protetora mas tambémpromocional, ao emprego quase exclusivo de sanções nega vas, que cons tuem a técnica específica darepressão, se alia um emprego, não importa se ainda limitado, de sanções posi vas, que dão vida a umatécnica de es mulação e de propulsão de atos considerados socialmente úteis, com preferência àrepressão de atos considerados socialmente nocivos” (idem, ibidem. p. 34).

Cf. PATRÍCIO, J. Simões. Curso de direito econômico. 1981. p. 82. VAZ, Manuel A. Direito econômico – aordem econômica portuguesa. 1990. p. 52-53. SANTOS, Antônio Carlos dos et alii. Direito econômico. 1991.p. 15.

A função promocional do Estado é caracterizada por Bobbio: “O relevo dado ao ver ginoso aumento dasnormas de organização que caracteriza o estado contemporâneo não coloca necessariamente em crise aimagem tradicional do direito como ordenamento prote vo-repressivo. Coloca, contudo, em crise estaimagem a observação de que par : no Estado contemporâneo torna-se sempre mais frequente o uso dastécnicas de encorajamento (La funzione promozionale del diri o. in Dalla stru ura alla funzione: Nuovistudi di teoria del diritto, 1977, p. 24).

GOMES, O.; VARELA, A. Direito econômico. p. 23.

Diritto pubblico e Diritto privato nel diritto dell’economia. In: Rivista di diritto dell’economia, 1967.

Curso de direito econômico, p. 94. É preciso lembrar que a expressão “síntese” tem o sentido etimológico de“colocação junto”, e não o sen do vulgar de “resumo”. Como síntese do público e do privado, o DireitoEconômico realiza uma unidade de dois polos convergentes do direito, o coletivo e o individual, com opapel importante do Estado como realizador ou promotor dessa união.

VASSEUR, Michel, Un nouvel essor du concept contractuel: les aspects juridiques de l’économie concertée etcontractuelle. In: Revue trimestrielle de droit civil. p. 1, 1964.

Afirma Epicuro que “é melhor suportar algumas dores para gozar de prazeres maiores; convém privar-se dealguns prazeres para não sofrer dores mais penosas” (Ética de epicuro – La génesis de una moral u litaria –Texto bilingue, 1974. p. 153).

Cf. a esse respeito a “Introduction to the principles of moral and legislation” (1789).

Afirma J. S. Mill que “de acordo com o Princípio da Maior Felicidade, tal como acima fica exposto, o fim últimoem referência ao qual e por cujo mo vo todas as outras coisas são desejáveis (quer consideremos o nossopróprio bem ou o das outras pessoas), é uma existência tanto quanto possível isenta de dor e tão rica

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quanto possível de sa sfações, tanto no que respeita à quan dade como à qualidade; cons tuindo provade qualidade e regra para a medir em relação com a quan dade, a preferência sen da por aqueles que,pelas suas oportunidades de experiência, acrescidas dos seus hábitos de reflexão e de auto-observação,estão melhor fornecidos de termos de comparação. Sendo esse, segundo a opinião u litarista, o fim dosatos humanos, é também necessariamente o critério de moralidade; o qual pode ser, pois, definido como oconjunto de regras e preceitos de conduta humana, por cuja observância é possível assegurar a todo ogênero humano uma existência como a descrita, na maior extensão possível...” (Utilitarismo. Traduçãoportuguesa. 2. ed. 1976. p. 25. Cf. Princípios de economia política. Trad. de W. J. Ashley, p. 817).

Eis o pensamento de Stammler: “... Por princípio econômico se entende a aspiração humana a impor-se só,voluntariamente, aquele trabalho em que, segundo a valoração interna do homem, o agradável dasa sfação excede o penoso do esforço e com esta a outra aspiração a alcançar o maior rendimento detrabalho que seja possível. Chegando à sa sfação das necessidades mediante a menor quan dade possívelde esforço e sacri cio em trabalhos que não tenham em si mesmos a finalidade e a recompensa. Desteprincípio da economicidade afirma Adolf Wagner que é “o que acompanha ao homem em toda suaatividade para a satisfação de necessidades, e o que pode e também na maioria das ocasiões deve dirigi-lo”(Economía y derecho según la concepción materialista de la historia – una inves gación filosófico social.Trad. de W. Roces, 1929. p. 135). Cf. MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito económico. p. 205-206, eBULGARELLI, Waldírio. A Teoria jurídica da empresa. p. 193-196.

Afirma a este respeito Orio Giacchi: “A a vidade econômica exercitada pelo Estado acha-se aqui sempredefronte à necessidade de uma ação conforme com o campo em que ela se desenvolve isto é dirigida aomáximo proveito, em contraposição potencial, mesmo que nem sempre atual, à necessidade não menoscogente de fazer corresponder esta ação ao fim geral ao qual ela deve tender isto é o máximo bem-estar dacomunidade a conseguir-se com pleno respeito da jus ça legal e é ca. Este imanente contraste de carátergeral aprofunda-se e se exaspera toda vez que o fim econômico que o Estado deveria alcançar com a suaa vidade econômica, como qualquer outro operador no campo econômico, se choca não tanto contrarazões gerais de legalidade, de jus ça ou de interesse da comunidade, mas com específicas posiçõespolí cas, de caráter interno ou internacional, as quais para o Estado, ou ao menos para os seus governantesnaquele dado momento histórico, superam enormemente as razões econômicas” (L’intervento dello Statonell’attività economica. Il Diritto dell’Economia, 13(4):397-421, 1967).

Eis a conclusão a que chegou um dos fundadores da escola da análise econômica do Direito, Ronald H. Coase:“... Furthermore we have to take into account the costs involved in opera ng the various socialarrangements (whether it be the working of a market or of a government department), as well as the costsinvolved in moving to a new system. In devising and choosing between social arrangements we shouldhave regard for the total effect. This, above all, is the change in approach which I am advoca ng” (Theproblem of social cost. In: The journal of law & economics, v. III, p. 1-44, october 1960).

Direito económico, p. 206.

Os estudos de Análise Econômica do Direito principiaram em 1960, através do impulso de Ronald H. Coase(The problem of social cost. In: The Journal of Law & Economics, v. I I I, p. 1-44, october 1960. Economics andcon guous disciplines. In: The Journal of Legal Studies, v. VII, p. 201-211, june 1978). e de Guido Calabresi

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(Some thoughts on risk distribu on and the law of torts. In: The Yale Law Journal, v. 70, number 4, p. 499-553, march 1961). Richard Posner expõe os fundamentos doutrinários da Escola: Economic analysis of law. 3.d. 1986; The economics of jus ce. 1983. Nesta obra afirma Posner: “... but I believe that economic efficiencyis an ethical as well as scien fic concept – and is not economics simply applied u litarianism?” p. 13; Theeconomic approach to law. In: Texas Law Review, v. 53, number 4, p. 757-782, may 1975.

Economic analysis of law. p. 11-15. Lembra Pierluigi Chiassoni que o termo “eficiência” não tem umsignificado unívoco “nos escritos dos jureconomistas, a eficiência aparece como fragmento de vastos ediversos conjuntos conceituais (Law and economics: L’analisi economica del diri o negli Sta Uni . 1992, p.234).

ALPA, Guido et alii. Interpretazione giuridica e analisi econômica. 1982. p. 11.

POSNER, R. A. Economic analysis of law. p. 3. É importante, a esse respeito, a observação de Charles A. Beard:“O Direito não é uma noção abstrata, uma página impressa, uma coletânea de leis ou uma decisão judicial.Na medida em que é susce vel de exercer alguns efeitos sobre aquele que o observa, o direito deve reves ruma forma tangível; deve reger certos atos, instaurar relações posi vas entre os cidadãos, imporprocedimentos e justaposições. Uma lei pode até ser preto no branco num código, ela não exis rá senão naimaginação se suas disposições não previrem a instauração e a manutenção de uma organização específicaem matéria de relações humanas. Separada do tecido econômico e social pelo qual ela é, em parte,condicionada, e de cujo condicionamento ela par cipa por sua vez, uma lei não terá nenhuma realidade”(Une relecture économique de la Constitution des États-Unis. 1986. p. 55).

Lembra Michel Vasseur que “se deve também entender que o Direito Econômico já tão amplo, nãodis nguindo entre Direito privado e Direito público, não apreende necessariamente toda a realidadeeconômica e social. Seria, contudo, excessivo ver nisso um mal sinal dos tempos. Com efeito, a regrajurídica, o contrato no sen do do Direito civil, não são senão alguns dos fatores que organizam a vida emsociedade. Numerosas são na vida econômica e social as relações que não são e que não serão ainda pormuito tempo, algumas não o serão jamais, subme das a regras de Direito; a observação foi recentementefeita de diferentes fontes; ela não produz outra coisa senão constatar a rapidez com a qual se renova odado econômico e social. Contudo, o social e o econômico, quando ultrapassam o limiar do jurídico, nãopodem ser negligenciados” (Un nouvel essor du conpt contractuel. In: Revue trimestrielle de droit civil, p.44-45, 1964).

Ensina Esteban Co ely: “... é necessário inves gar em primeiro lugar o modelo da unidade básica daeconomia, ou seja, o do indivíduo que atua economicamente. É óbvio que o modelo pode ser aplicado semobjeções ao indivíduo que assim atua, ou seja somente à unidade econômica básica. Neste caso,simplificam-se os conceitos, mas essencialmente a situação é idên ca. O indivíduo produz, consome,acumula os bens, mas em lugar de exportar ou importar, permuta os produtos com os outros indivíduos. Emlugar de transferências correntes e em lugar de inversões no exterior tratar-se-á de emprés mos dados aoutras pessoas” (Teoría del derecho económico. 1971. p. 114-115). Eis como se descreve o modelomicroeconômico.

Dominik Salvatore ensina que “a teoria microeconômica, ou teoria dos preços, estuda o comportamentoeconômico das unidades decisórias individuais, como consumidores, proprietários de recursos e firmas, em

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um sistema de livre empresa” (Microeconomia. 1984. p. 2). Rudiger Dornbusch e Stanley Fischer ensinamque “a macroeconomia trata do comportamento da economia como um todo – com períodos derecuperação e recessão, a produção total de bens e serviços da economia e o crescimento do produto, astaxas de inflação e desemprego, a balança de pagamentos e as taxas de câmbio. A macroeconomia lida como aumento no produto e no emprego no decorrer de longos períodos de tempo – isto é, crescimentoeconômico – e ainda com as flutuações a curto prazo que cons tuem o ciclo de negócios” ( Macroeconomia.5. ed. 1991. p. 3). Cf. também HEILBRONER, Elementos de macroeconomia. 5. ed. 1981.

François Perroux assinala a importância das macrodecisões no âmbito das economias nacionais: “Há umaoutra razão pela qual convém não renunciar à análise do comportamento e da situação global de umainteira economia nacional; é a existência em todo regime e em todo tempo, com importância crescente nonosso tempo e sob os regimes econômicos que conhecemos, das macrodecisões” (L’économie du XXe.siècle. 2e. ed., p. 54).

Gérard Farjat desde muito já salientou esse contexto macroeconômico da proteção conferida ao consumidor.Como a concentração de empresas, com o objetivo de destruir a livre concorrência, se vale dos contratos deadesão e das cláusulas abusivas que o integram, para se assegurar um mercado exclusivo, a eliminaçãodessas mesmas cláusulas significa acima de tudo um esforço para preservar a liberdade de mercado. (Droitéconomique, 1982, p. 379-383 e 481-485).

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FONTES DO DIREITO ECONÔMICO

1. CONCEITO DE FONTE DO DIREITOO Direito, como já visto, tem por essência e finalidade reger as relações humanas em suas mais variadas

manifestações. Para alcançar esse objetivo, surgem as normas jurídicas. Estas devem inserir-se no contexto fatualque tem por finalidade ordenar, dirigir e modificar.

Assim, quando falamos de fontes do Direito, temos diante de nós múltiplas teorias que procuram justificar osurgimento, a existência e a força vinculante das normas. Para explicar o fenômeno das normas jurídicas, podemospartir do pressuposto de que a lei é algo de racional. Segundo Santo TOMÁS DE AQUINO, a lei é uma regra e

medida dos atos humanos, e esta regra é constituída pela razão, que é o princípio primeiro dos atos humanos.1 JáTHOMASIUS acrescenta ao conceito de razão o elemento volitivo, para dizer que a lei é o comando daquele que

governa, vinculando os governados, de tal forma que estes direcionem suas ações de acordo com aquele comando.2

Estas posições revelam que os teóricos sempre buscaram a razão de ser do direito positivo, o direito posto pelasociedade. HANS KELSEN idealiza na norma fundamental o fundamento de validade de uma ordem jurídica

positiva, isto é, de uma ordem coativa criada pela via legislativa ou consuetudinária e globalmente eficaz.3

A filosofia e a teoria geral do Direito nos trazem os princípios fundamentais que devem reger as normas criadaspara a sociedade. OLIVEIRA ASCENSÃO enfatiza os princípios, diferenciando-os das regras. A filosofia doDireito e a ciência do Direito mantêm uma relação intercomplementar que deve ser sempre ressaltada. Para ele, osprincípios se constituem nas grandes orientações da ordem positiva, que a percorrem e vivificam, e que têm assim apotencialidade de conduzir a novas soluções. A potencialidade desses princípios se atualiza nas regras, que são oscritérios segundo os quais os fenômenos são apreciados e ordenados. Assim, a regra jurídica poderá ser vistacomo um critério de decisão, a orientar o trabalho do intérprete, mas pode ser visualizada também como critério de

conduta, a orientar a atuação dos integrantes da sociedade.4

LÉON HUSSON estabelece uma importante distinção entre as regras e as teorias. As regras se constituem noselementos propriamente ditos do Direito, enquanto as teorias são formuladas em decorrência do esforço dos autorese dos códigos para sistematizar as regras. Mas estas se limitam ao campo puramente empírico, experimental. Elasestão já impregnadas de elementos conceituais que são o resultado das teorias.

As regras se constituem e se transformam em decorrência da conceituação da própria experiência vivida. Daconstatação puramente experimental dos fatos passa-se à tomada de consciência das aspirações ou revoltas nelesconcretizadas. Dessa conscientização dos problemas vividos se passa à tentativa de criar instrumentos capazes demodificar os fatos como decorrência das reações íntimas experimentadas pelo ser humano. Para ele, o Direito surge,assim, como situado no ponto de interseção de duas ordens diferentes: uma ordem de razões pensadas pelo espírito

e uma ordem de causas realizadas na natureza e na história.5 Salienta ainda que “para aplicar normas como paraelaborá-las, é necessário ler a experiência de uma forma particular, através dos traçados de um sistema, implícito ou

explícito, coerente ou incoerente, de valores.6

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Os princípios jurídicos podem ser vistos sob dois ângulos que não se excluem, mas se completam. Podemos falardos princípios informadores do ordenamento jurídico, daqueles que orientaram os constituintes, aqueles que sereuniram para discutir que tipo de pátria queriam constituir. Existem princípios fundamentais que informam aestrutura do ordenamento jurídico a ser construído. São valorações de política legislativa que se transformam emcomandos genéricos. Estes princípios fundamentais têm por função orientar a elaboração das normas jurídicas eassegurar uma coerência racional entre todas as normas produzidas. Mas os princípios podem ser extraídos doconteúdo normativo do conjunto de normas que formam o ordenamento jurídico, o que lhes confere o caráter de

sistematicidade e de organicidade, como acentua EMÍLIO BETTI.7

Essa distinção tem consequências na distinção entre a interpretação do jurista, como finalidade teórica,meramente intelectual e cognitiva, e a interpretação com finalidade prática, que tem como função direcionar aconduta, e que se exige de um jurista quando está diante de um direito já em vigor, para efetivar a sua aplicação.

Mas a interpretação se insere num contexto de âmbito mais elevado e mais genérico, o da hermenêutica. Comoainda ensina BETTI, os juristas de hoje têm necessidade de um conjunto de instrumentos para tomar em suatotalidade e profundidade o fenômeno jurídico. A hermenêutica não se satisfaz com o conhecimento dos princípiosgeradores das normas e com os princípios extraídos do conjunto dessas mesmas normas. O que ela busca erealmente proporciona ao jurista é a percepção mais profunda e mais completa do “logos”, da intrínseca coerêncialógica dos institutos criados pelo ordenamento e dos problemas de convivência resolvidos pela sua aplicação. A

hermenêutica tem por finalidade identificar e reviver por dentro o sentido impregnado no ordenamento jurídico.8

Mas o “logos” não é algo abstrato, distanciado da realidade. Ele é relação, ele é conversa, ele é linguagem. Ecomo linguagem, o “logos” não somente contém o sentido do mundo como também cria o sentido, cria, afinal, o

próprio mundo. É a linguagem que condiciona a interpretação.9

2. PRINCÍPIOS E REGRASA aplicação do Direito não se faz somente a partir da leitura das leis estratificadas nos códigos ou em diplomas

esparsos. A boa aplicação do Direito, e aqui especificamente no Direito Econômico, há que levar em conta oconceito de princípios e regras e seu relacionamento no contexto do ordenamento jurídico. Lembremo-nos daobservação de DWORKIN. Quando os advogados e juízes raciocinam ou disputam a respeito de direitos eobrigações, principalmente quando se trata de casos mais difíceis e árduos, eles procuram arrimar-se em padrões,parâmetros que não funcionam como regras, mas como fontes de orientação, de embasamento, de explicação, ou

seja, como princípios.10 Menciona princípios, políticas e outras formas de parâmetros, estabelecendo uma distinçãoentre princípios e políticas. Chama de “política” aquela espécie de parâmetro que fixa um objetivo a ser alcançado,geralmente um aprimoramento de característica econômica, política ou social da comunidade. E chama de“princípio” a um parâmetro que deve ser observado, não porque ele propicia um avanço ou garantia de uma situaçãoeconômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou lealdade ou qualquer

outra dimensão de moralidade.11

Ao se referir aos princípios, afirma GEORGES RIPERT que sua natureza deriva segundo alguns pensadores deseu caráter de generalidade. O princípio domina as regras particulares, as quais se submetem ao parâmetro fixadopor aquele. Por isso afirma que “toda lei, como vimos, deve segundo a boa técnica ser uma regra geral, mas a

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generalidade da lei significa que a regra se aplicará a uma série indeterminada de atos e de fatos. Ageneralidade do princípio não participa da mesma natureza; ela implica uma série indefinida de aplicações

na elaboração das regras”.12 Os princípios são de natureza ideológica, o que estaria a explicar quer a sua forçaquer a sua fraqueza, pois que são capazes de inspirar a ação do legislador, mas não têm a força para o conter demaneira eficaz. A força destes princípios ideológicos é sua intransigência teórica. Uma lei pode surgir a partir da

transação entre forças sociais opostas. Mas sobre um princípio não se transige.13

É importante também salientar a conceituação estabelecida por HERMANN BEKAERT, segundo o qualexistem três grupos fundamentais de princípios:

a) os princípios que cons tuem a expressão de concepções filosóficas concre zadas através dedocumentos que servem de roteiros para a elaboração de leis e tratados. São os chamados princípiosd e ordem social e jurídica. Dentre eles podem-se citar a Declaração dos Direitos do Homem e doCidadão, em 1789, que cristalizou a filosofia humanís ca construída pelos pensadores iluministas, aDeclaração dos Direitos Humanos, da ONU, em 1948, a Declaração dos Direitos Econômicos, da ONU,em 1974. Pode-se citar, como exemplo, o princípio segundo o qual todo processo leva à u lização daconstrição. Tal constrição é inconcebível fora dos limites do Direito.

b) Os princípios gerais que decorrem normalmente da natureza das estruturas sociais e em par cularda lógica interna das ins tuições. Dentre eles, cite-se o princípio da permanência do Estado, o dacontinuidade do serviço público, aquele segundo o qual se presume que todo cidadão conheça a lei.

c) Os princípios gerais indissoluvelmente associados aos impera vos da moral. Têm esses princípiosforte influência na tomada de decisões econômicas. Cite-se, como exemplo, a criação dos alimentostransgênicos. O ques onamento que envolve essa a vidade, que poderá trazer uma grande eficiênciaeconômica, encontra um obstáculo na reflexão sobre os efeitos que serão gerados sobre a pessoa.Acrescente-se também o princípio segundo o qual a execução das liberalidades está sujeita aocumprimento das obrigações, aquele segundo o qual ninguém pode invocar em seu favor a própria

torpeza, e também aquele segundo o qual a fraude aniquila tudo.14

Asregras devem ser entendidas como “normas”, enunciados com função “prescritiva”. A mais apropriada

definição de regra podemos encontrá-la nos ensinamentos de AUSTIN e de HART.15

A mais clara definição de regra nos foi dada por AUSTIN, quando afirma que as leis são comandos. Em sua

primeira aula ensina que “toda lei ou regra… é uma ordem”.16

HART, seguindo o ensinamento de Austin, afirma que as regras exprimem uma obrigação de conduta, de

observância de procedimentos e de formalidades.17

A Constituição Federal de 1988 define os PRINCÍPIOS que presidem à atividade econômica no Título I e noTítulo VII. Ao estabelecer os princípios da cidadania, da dignidade da pessoa humana e os valores sociais dotrabalho e da livre iniciativa, incorporam-se linhas de pensamento, uma ideologia a direcionar as regras. Aoenumerar os princípios da soberania nacional, da propriedade privada, da função social da propriedade, da livreconcorrência, da defesa do consumidor, da defesa do meio ambiente e de outros, não está o Constituinte emanandonenhuma ordem, nenhuma prescrição de conduta a ser adotada. Estes são alguns dos princípios.

A partir do artigo 172, passamos a encontrar regras de conduta, imperatividade de comportamentos. O

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Constituinte determina que “a lei disciplinará… os investimentos”, “…a exploração direta da atividadeeconômica pelo Estado só será permitida…”, “a lei reprimirá o abuso do poder econômico…”, “… o Estadoexercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento…”, “incumbe ao PoderPúblico… a prestação de serviços públicos”, “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípiosdispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte… tratamento jurídico diferenciado…”.

3. ORDEM JURÍDICO-ECONÔMICATodo agrupamento humano tende para uma determinada forma de organização, a que se dá o nome de ordem

social. Nesta visualizam-se regras de conduta e entidades cuja finalidade é de garantir a observância daquelasregras e promover a criação de novas regras para reger situações novas que surgem e que se tornam pertinentescom o evolver do grupamento e da ordem.

Toda ordem tem dentro de si mesma um elemento vinculante a que se dá o nome de imperatividade. Sem estecomponente toda ordem está fadada à desconstituição, ao enfraquecimento.

Como já vimos, a imperatividade das normas destinadas a reger e dar coerência à sociedade ficaria sem efeitospráticos se não houvesse algum outro elemento destinado a garantir o cumprimento das regras vigentes. A sanção

é a garantia de cumprimento da norma jurídica.18

Impossível traçar o conceito de ordem jurídica sem levar em conta o ensinamento de SANTI ROMANO, paraquem “o conceito necessário e suficiente para traduzir em termos exatos o de direito enquanto ordem jurídicatomada em seu conjunto e em sua unidade é o conceito de instituição. Toda ordem jurídica é uma instituição e,inversamente, toda instituição é uma ordem jurídica: há, entre estes dois conceitos, uma equação necessária e

absoluta”.19

Dentre os vários contextos institucionais há um em que as relações econômicas se manifestam maisacentuadamente. E existem regras destinadas a reger também este grupo de relações. As normas de conteúdoeconômico se constituem num importante campo de estudo e de atuação. Neste campo, pode-se dizer que seencontra um dos mais refulgentes exemplos da formação autopoiética do direito . Assinala GUNTHERTEUBNER a possibilidade de uma construção alternativa da realidade jurídica, em que se desenvolvem osquestionamentos e as tentativas de concretização adequada da cláusula geral da boa-fé, da teoria dos deveres deproteção, dos problemas em matéria de base negocial e de resolução contratual em virtude da alteração dascircunstâncias, do conceito de interesse social da empresa, dos problemas de organização, cogestão laboral e

responsabilidade social da empresa.20 Acentua ele ainda a noção de “mercado organizado”, em que se antepõem os

blocos macrocorporativistas e os microcorporativistas, a desafiar a “invenção” dos padrões regulatórios.21 Assim, aolado das ordens jurídicas tradicionais, com conceitos já estratificados pelo longo andar dos tempos, surgem ordensjurídicas que se estruturam a cada dia, que se renovam, se reforçam e se substituem a intervalos de temporeduzidos. São exemplos desta faceta da ordem jurídico-econômica as organizações estatais destinadas a regular asatividades econômicas e a garantir o funcionamento adequado do mercado.

4. CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA: FUNÇÃO TRANSFORMADORAO conjunto das instituições e das normas destinadas a reger a atividade econômica sempre renovada, sempre

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insurgente contra as vinculações jurídicas, se solidifica num contexto significante a que se dá o nome deconstituição econômica. Pode-se dizer que as normas de conteúdo econômico são o pressuposto de solidez daconstituição política. Aliás, os fundadores da democracia norte-americana repetiam sempre que a liberdadeeconômica era a condição da liberdade dos cidadãos, que não haveria democracia plena se não se garantisse aliberdade econômica.

Já salientamos que a constituição econômica e a constituição política se entremeiam no texto constitucional.Não existe um capítulo em que estejam reunidos os princípios fundamentais econômicos e outros em que seconcentrem os princípios políticos. Os princípios se entrecruzam e se fundem, se autosustentam pela sua própriainterseção.

Mas é preciso salientar que as constituições modernas, além de sua função legitimadora, política, organizadora,jurídica, ideológica, têm ainda uma outra, de fundamental importância para o Direito Econômico, que é a funçãotransformadora. A constituição econômica tem que reconhecer que o equilíbrio de uma sociedade é dinâmico. Aevolução constante, a alteração viva dos componentes desse equilíbrio exigem que a constituição acompanhe estecaminhar. Não é necessário que ela se modifique em seus termos, em seus artigos, mas será de obrigação que sua

interpretação a ajuste passo do caminhar social.22

Pode-se dizer que a constituição econômica está centrada em dois princípios fundamentais: o do direito depropriedade privada e o da liberdade de iniciativa. Os demais princípios são desenvolvimentos desses dois, paraenfatizar, para limitar, para distinguir contornos etc.

5. PRINCÍPIOS DE DIREITO ECONÔMICOO estudo dos princípios que regem a aplicação do Direito Econômico oferece alguma particularidade,

relativamente à relação entre Direito Público e Direito Privado, porque, como já vimos no primeiro capítulo, este

novo ramo do Direito se situa numa interseção daqueles dois ramos, revelando-se como um direito de síntese.23

Alguns desses princípios têm uma origem puramente constitucional, outros decorrem de leis ordinárias, outros dajurisprudência consagrada e outros ainda da atuação de órgãos administrativos reguladores (neste caso vinculadosaos princípios constitucionais e legais referentes a cada setor regulado), e outros ainda da contribuição da Economiacomo ciência.

Pode-se, por um lado, verificar que alguns dos princípios inseridos no atual texto constitucional têm suas raízes decaráter liberal herdado de constituições anteriores, mas observa-se também que a tradição constitucional de caráterintervencionista no domínio econômico deixou suas marcas, quer introduzindo princípios novos, quer dando novaconfiguração aos princípios liberais, agora aceitos como neoliberais.

Dentre os primeiros, podemos apontar o princípio da proteção do direito de propriedade , o princípio daliberdade de comércio e de indústria, e o princípio da igualdade.

A proteção outorgada constitucionalmente ao princípio do direito de propriedade, de origem liberal (Constituiçõesde 1824 e 1891), de características absolutas, recebeu importante impacto das ideias socializantes, passando a terfunção social (a partir da Constituição de 1934). O contrato é o instrumento jurídico de transferência da propriedade.Passando esta a ter um parâmetro limitador no conceito de função social, era de se esperar que também o contratoviesse a ter a mesma contenção. Dentro dessa tendência, o Código Civil de 2002 estabelece, no artigo 421, que “a

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liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

O princípio da liberdade de comércio e de indústria, concebido inicialmente como uma liberdade total, recebeutambém novos contornos, passando a figurar como uma liberdade constitucional limitada; uma liberdade de iniciativa,mas dentro de um enquadramento de mercado, em que sobreleva o princípio da liberdade de concorrência.

Trajetória semelhante teve o princípio da igualdade, que, de uma igualdade absoluta e abstrata, passou a receberdo texto constitucional a configuração de uma igualdade relativa e concreta. Sobre este ponto, comenta JEAN-PHILIPPE COLSON decisão do Conselho de Estado, segundo o qual “o princípio [da igualdade] não seconstitui em obstáculo a que uma lei estabeleça regras não idênticas a respeito de categorias de pessoasque se encontrem em situações diferentes, quando esta não identidade é justificada pela diferença de

situação e não é incompatível com a finalidade perseguida pela lei”.24

Este princípio pode ainda sujeitar-se à ação reguladora do poder público e também às intervenções diretas.

Sob o influxo das necessidades de aplicação de determinadas políticas econômicas, pode o mesmo princípiotornar-se maleável, a ponto de admitir tratamentos discriminatórios. É o que ocorre, por exemplo, com o tratamentofavorecido concedido pela Constituição às empresas de pequeno porte, como consta do inciso IX do artigo 170 daConstituição Federal (“tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leisbrasileiras e que tenham sua sede e administração no País”). Coerentemente com este princípio, estabelece oartigo 179 a regra segundo a qual “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão àsmicroempresas e às empresas de pequeno porte,… tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-laspela simplificação de suas obrigações…”.

6. PRINCÍPIOS E REGRASAlém dos princípios e regras estabelecidos explicitamente no texto constitucional, principalmente nos Títulos I,

VII e VIII, podemos também fixar princípios específicos para direcionar a formação de regras e sua aplicação nocampo peculiar ao Direito Econômico. A seguir pode-se ver uma enumeração exemplificativa desses princípiosjurídico-econômicos derivados dos princípios constitucionais e viabilizadores de sua atuação mais eficiente narealidade concreta do mercado e que presidem à elaboração e aplicação das normas de conteúdo econômicodirecionadas a reger a política econômica.

6.1. A norma jurídica deve garantir a segurança nas relações jurídicasO Direito tem por finalidade a busca da segurança, em primeiro lugar a do indivíduo concebido como cidadão.

Como consequência da segurança atribuída e garantida ao indivíduo, surge a segurança social ou coletiva. Se oindivíduo não se sentir seguro pessoalmente, se não lhe for garantida a sobrevivência, não tiver a fundada esperançade poder concretamente afirmar-se perante seus semelhantes e perante os acontecimentos, não se pode falar emgarantia coletiva ou social.

A segurança jurídica vem atrelada a dois princípios constitucionais, o primeiro deles é o da legalidade, segundo oqual ninguém pode vir a ser compelido a fazer ou deixar de fazer senão o que esteja previsto pela lei (artigo 5º CF),e o segundo é o da igualdade substancial, não apenas formal. Se o texto constitucional garante que todos sãoiguais perante a lei, esta igualdade não pode reduzir-se a uma simples formalidade. A este respeito vale trazer a

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lembrança das palavras de SABINO CASSESE:

Desde o século passado (século XIX) revelou-se insuficiente a garan a cons tucional da igualdadeformal. O princípio da igualdade substancial nha encontrado reconhecimento explícito naCons tuição republicana, no ar go 3, 2º parágrafo. Isto exige uma a vidade pública posi va, deremoção dos obstáculos à igualdade de fato entre os cidadãos. Quando à individualização destesobstáculos, a resposta já nha sido dado pela cultura inglesa, na metade do nosso século (século XX).No chamado Plano Beveridge (do nome de seu autor), de 1942, nham já sido iden ficados, comefeito, os obstáculos maiores interpostos ao pleno desenvolvimento da pessoa humana: instrução,

saúde, trabalho, previdência.25

Não há que se pensar numa segurança teórica, abstrata, numa atribuição de direitos de igualdade, semdiscriminação, com inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, sem umagarantia efetiva de segurança econômica.

Não é por outra razão que os mentores da constituição norte-americana afirmavam que sem liberdade econômicanão existe liberdade política. Assinalou MADISON:

As diversidades das ap dões do homem, nas quais se originam os direitos de propriedade, nãodeixam de ser um obstáculo quase insuperável para a uniformidade de interesses. A proteçãodaquelas faculdades é o primeiro obje vo do governo. Da proteção de ap dões diferentes e desiguaispara adquirir bens resulta imediatamente a posse de graus e pos de propriedade tambémdiferentes; e a influência destes sobre os sen mentos e opiniões dos respec vos proprietáriospropicia uma divisão da sociedade em diferentes classes e par dos… a fonte mais comum e duradouradas facções tem sido a distribuição variada e desigual da propriedade. Os que a possuem jamaiscons tuíram, com os não proprietários, um grupo de interesses comuns na sociedade. Os que sãodevedores sofrem discriminação semelhante em relação aos credores. Interesses decorrentes daposse de terras, de a vidades industriais e comerciais, de disponibilidade de capital, acompanhadosde uma série de outros menores, surgem das necessidades nas nações civilizadas e as dividem emclasses diferentes, mo vadas por sen mentos e pontos de vista dis ntos. A coordenação destesdiferentes interesses em choque cons tui a tarefa principal da legislação moderna e envolve o

espírito do partido e da facção nas atividades necessárias e comuns do governo.26

Ao comentar este texto, BEARD assinala que aí se contém uma formulação magistral da teoria do determinismo

econômico na política.27 A profunda vinculação entre os fatores econômicos e os políticos é também assinalada porSELIGMAN, ao afirmar que “a existência do homem depende de sua capacidade de prover as suasnecessidades: a vida econômica é consequentemente a condição fundamental de toda vida. Na medida emque o homem vive em sociedade, a existência individual evolui no quadro de uma estrutura social e pode sermodificada por ela. As relações de produção e de consumo são para a comunidade aquilo que as condiçõesde sustento são para o indivíduo. Devem-se procurar em última instância as causas econômicas paraexplicar as transformações da estrutura da sociedade que condicionam elas próprias as relações de classe e

as diversas manifestações da vida social”.28

A Suprema Corte norte-americana, ao decidir os casos de antitruste, manifestou desde as primeiras questões

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suscitadas pela Lei Sherman a preocupação com o crescimento do poderio econômico através de monopólios econcentrações de empresas. Entendia ela que o aumento desmesurado do poder econômico nas mãos de poucospudesse acarretar lesão irreparável ao bem-estar geral. Assim é que, no caso Northern Securities Company v.

United States,29 decidido em 1904, o Juiz HARLAN afirma:

A regra da concorrência, estabelecida pelo congresso, não era de forma alguma nova na indústria e nocomércio. E não podemos ter qualquer dúvida sobre a razão que moveu o congresso à incorporaçãodesta regra num estatuto. Esta razão já nha sido fixada no caso United States v. Joint TrafficAssocia on: “… É a concentração destas grandes e poderosas empresas, cobrindo vastas extensões deterritório e influenciando o comércio por toda a sua extensão, que cons tui o invocado perigo, e emrelação ao qual, na medida em que a combinação age e restringe o comércio interestadual, oCongresso tem poder para legislar e para proibir…. Pode-se muito bem pressupor que o Congresso,quando editou este estatuto, compar lhava da apreensão geral de que umas poucas mas poderosascorporações ou combinações pudessem obter, e, se não con das, iriam conseguir poder tão absolutosobre toda a indústria e todo o comércio do país que se tornaria prejudicial para o bem-estar geral”.

A segurança individual não pode vir a estar subordinada à segurança pública. Esta, sim, é uma consequênciadaquela. Se não se der ao cidadão a garantia da vida, e de uma vida digna, a garantia de um salário suficiente parasatisfazer adequadamente a todas as suas necessidades básicas, a garantia de uma assistência à saúde, de umaeducação de elevado nível, a tranquilidade de uma velhice ao amparo das incertezas, não se poderá nunca dizer queexiste segurança coletiva.

Se, como já foi dito, a Constituição política está indissociavelmente vinculada à Constituição econômica, deve-seenfatizar que esta é uma condição indispensável para a cristalização daquela. Não haverá soberania política, se nãohouver soberania econômica. É impossível falar-se da primeira dentro de um contexto de um colonialismoeconômico imposto por organismos internacionais que, sob ficção de ajuda para sanar dificuldades, aprofundam cadavez mais os laços de dependência.

6.2. A norma jurídica deve tomar como ponto de partida a realidade econômicaO legislador, ao editar normas de conteúdo econômico, deve estar sumamente atento à realidade econômica ,

que tem como uma de suas principais características a mutabilidade.

Não se pode esquecer a lição de ROSCOE POUND a respeito da diferença entre o direito existente nos livros eo direito em ação. Partindo da lição extraída de TOM SAWYER, que teimou em escavar a caverna em que seachava preso Jim, utilizando-se de um canivete porque os livros diziam que este era o instrumento adequado, e quedepois usou uma picareta apesar do direcionamento teórico dos livros, POUND afirma que Tom tinha feito de novouma das mais antigas descobertas do direito. Quando a tradição prescrevia canivetes para tarefas para as quaispicaretas seriam mais adaptadas, pareceu melhor a nossos avós, depois de uma pequena e vã luta com canivetes,aderir ao princípio – mas usar a picareta. Eles afirmavam que o direito não deveria mudar. Mudanças no direitoestavam impregnadas de perigo. E assim o direito conseguiu sempre ter em suas mãos uma picareta, emboraexigisse resolutamente um canivete, e usá-la na inocente crença de que estaria usando o instrumento aprovado.

Afirma POUND que “para o jurista, a moral da diferença entre o direito nos livros e o direito em ação não deveser dominada pela noção de que o common law é o começo de sabedoria e a eterna ordem legal. Não nos deixemos

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amedrontar com a legislação, e demos as boas vindas a novos princípios, introduzidos pela legislação, que expressa oespírito do tempo. Olhemos os fatos da conduta humana de frente. Encaremos a economia, a sociologia e a filosofiae deixemos de acreditar que a jurisprudência é autossuficiente. Caberá aos juristas tornar o direito em açãoconforme com o direito existente nos livros… fazendo com que o direito dos livros seja tal que o direito em açãopossa se conformar com ele, e adotando um ágil, barato e eficiente modo legal de aplicá-lo. Não há outro modo deconciliar os dois…. Não deixemos nossos textos legais adquirirem santidade e tomar o caminho dos textos sagrados.Pois que as palavras escritas permanecem, mas o homem se muda. Quer as leis de Manu ou Zaratustra ou de

Moisés… todas as leis nos contam a mesma história”.30

A realidade econômica passou a ter influência fundamental na elaboração e na aplicação da lei. O legislador e oaplicador da lei não podem desconhecer a realidade econômica em que vivem e que pretendem normatizar edirecionar. Não basta conhecer os textos da Constituição, que muitas vezes são até mesmo ignorados, não basta terlido alguma vez os textos legais que criam instituições e lhes atribuem competências. É necessário também conhecera realidade e viver a realidade a que se referem aqueles textos.

O texto constitucional impõe ao Estado a tarefa de normatizar e regular a atividade econômica, o que pressupõeque esta seja perfeitamente conhecida pelo elaborador da norma. Exemplo desse exame profundo da realidadeeconômica a ser regulada encontramos no Direito da Concorrência e no Direito da Regulação. As normas ediretrizes pressupõem um exame detalhado do mercado que vai ser regulado de tal sorte a possibilitar umaconcorrência adequada.

A realidade deve não somente ser verificada, mas prevista. O legislador e o administrador não podem reduzir-sea meros contempladores da realidade já acontecida. Se a lei é feita para o futuro, se ela se destina a reger fatosfuturos, impõe-se que o legislador tenha a competência de prever. Esta previsão exige planejamento, como sedelineia no último capítulo deste livro. E o planejamento leva fatalmente ao investimento. E este depende de normasjurídicas autorizadoras.

Ao tratar dos planos econômicos de desenvolvimento, principalmente dos planos de estilo francês, caracterizadoscomo “indicativos” ou “ativos” preocupa-se FRANÇOIS PERROUX com a perspectiva das trocas recíprocas entreo planificador e o construtor de modelos. Reconhece ele que “as orientações das formalizações matemáticas edos modelos estão em harmonia com as exigências do novo desenvolvimento. Este reivindica areestruturação do ‘todo’ mundial, do ‘sistema do mundo’; vincula-se à articulação e à dialética das partes,dos subconjuntos estruturados; pretende centrar-se no homem que é apreendido na sua realidade individual

e nas suas relações com o ambiente”.31

Mas alerta para a exigência de estreitamento com a realidade, pois que o florescimento de modelos somente pode“dar resultados duradouros se não se alimentar de ilusões” . E faz referência importante para reflexão sobre aaceitação de modelos importados, modelos plasmados para realidades diferentes daquelas dos países a que sedestinam e aos quais são impostos. Seria o “mau uso da modelização insuficientemente refletida. O construtordo modelo, neste caso, proporia aos países em desenvolvimento um modelo elaborado a partir daexperiência dos países desenvolvidos e concebido ao serviço dos seus interesses, na prática, dos interesses

das classes dominantes nesses países”.32

O s fatos devem ser sempre o ponto de partida. CHARLES DICKENS, ao apresentar seu personagemTHOMAS GRADGRIND, afirma ser ele um homem de realidades, um homem de fatos e cálculos, colocando-o

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para dizer:

Agora, o que quero são fatos. Ensinar a estes meninos e meninas nada mais do que fatos. Somente osfatos são necessários na vida. Plantar nada mais que fatos, arrancar tudo que não sejam fatos.Somente se podem conformar as mentes de animais racionais através de Fatos: nada mais será nuncade mais prestabilidade para eles. Este é o princípio pelo qual eu educo meus próprios filhos e este é oprincípio segundo o qual eu educo estas crianças. Agarre-se aos fatos, senhor!

A jurisprudência norte-americana alerta sobre a importância de identificar e de analisar adequadamente os fatos.Exemplo deste estado mental pode ser visto na decisão proferida por LOUIS BRANDEIS, da Corte Suprema dosEstados Unidos, no caso Board of Trade of City of Chicago:

Mas a legalidade de um acordo ou regulação não pode ser apurada através de um teste tão simples,para se dizer que ele restringe a concorrência. Todo contrato rela vo ao comércio, qualquer regulaçãodo comércio, restringe. Vincular, restringir, é de sua própria essência. O verdadeiro teste delegalidade consiste em saber se a restrição imposta é tal que meramente regule e por isso promova aconcorrência ou se ela é de tal sorte que possa suprimir ou até mesmo destruir a concorrência. Paradeterminar esta questão a corte deve ordinariamente considerar os fatos peculiares ao negócio a quea restrição é imposta; sua condição antes e depois que a restrição foi imposta, a natureza da restrição eseu efeito, concreto ou provável. A história da restrição, o perigo que se acredite exis r, a razão parase adotar a medida adequada, a finalidade ou obje vo que se procurou alcançar, são todos fatosrelevantes. Não é porque uma boa intenção poderá salvar uma regulação, de outra formacondenável… mas porque o conhecimento da intenção pode ajudar o tribunal a interpretar os fatos e a

predizer consequências.33

6.3. A norma jurídica deve procurar a reforma da realidadeÉ de todos conhecido o aforismo “ex facto oritur jus”. A chamada teoria tridimensional do Direito enfatiza

também a origem do direito. Os fatos provocam a reflexão dos participantes de uma sociedade e reclamam umaorganização. Eles são o “dado”, segundo a expressão de FRANÇOIS GÉNY. Mas o fato não chega aoconhecimento dos organizadores da sociedade somente como algo estático. Aparece sempre como algo que é e quetem que ser mantido, sob certos aspectos, mas que deve ser mudado, sob outros aspectos. A realidade surge assimcomo algo que deve-ser, daí a sua perspectiva sempre dinâmica. Assim, como o reconhece GÉNY, a atividade dojurisconsulto oscila sempre entre dois polos distintos, o “dado” e o “construído”. O dado não se resume namaterialidade das coisas, mas surge como “dado natural”, como “dado histórico” ou como “dado racional”, ou ainda

como um “dado ideal”.34

Mas os fatos que se antepõem ao jurisconsulto são produto de uma sociedade viva, que se manifesta sempre deformas novas. Daí por que a valoração desses fatos sofre também o influxo da variação dos dados racionais, dosdados ideais. O Direito evolui sempre, e os sistemas jurídicos que prevalecem num determinado tempo tendemsempre a assumir novas formas, novos conteúdos. Mesmo que a letra da lei não evolua, sua interpretação é sempreevolutiva. Como afirma RENÉ DAVID, o Direito de uma sociedade é por necessidade um Direito vivo e é

impossível prever com segurança como será o Direito daqui a cem anos.35

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O Direito não se manifesta de forma absoluta, e a história do direito natural nada mais é senão a narrativa da

busca pelo homem de uma justiça absoluta, e de seu insucesso.36

As normas que são criadas para reger a realidade econômica estão a demonstrar que o Direito não é imutável.Pode-se até mesmo dizer que, no âmbito do Direito Econômico, é que a relação entre fato-valor-norma se fechanum círculo, pois que a norma surgida dos fatos, através da sua valoração, se transforma num instrumento propulsorda própria realidade. A norma de conteúdo econômico passa a ser criadora de novos fatos sociais. A norma adquireforça criadora de uma nova sociedade.

OLIVER WENDEL HOLMES já acentuava essa mudança, quando afirmou que “devemos estar atentos para aarmadilha do antiquarianismo, e devemos lembrar que para nossos propósitos nosso único interesse em relação aopassado é pela luz que projeta sobre o presente. Eu prevejo um tempo em que a parte desempenhada pela históriana explanação de dogma será muito pequena, e em lugar de uma engenhosa pesquisa nós empregaremos nossaenergia num estudo das finalidades a ser perseguidas e das razões para as desejar. Como um passo rumo a esteideal parece-me que cada advogado deverá desenvolver uma aprendizagem da economia. O presente divórcio entreas escolas de economia política e de direito parece-me uma prova de quão grande progresso no estudo filosófico

ainda está por ser feito”.37

6.4. A norma jurídica deve buscar o desenvolvimento sustentávelA norma jurídica tem um papel criativo e prospectivo, como já visto. Como consequência dessa sua função, a

norma tem também a finalidade de viabilizar condições e provocar diretamente o crescimento e o desenvolvimento.

A distinção entre estes dois conceitos nos é dada por SCHUMPETER. O crescimento enfatiza o aspectoquantitativo, enquanto o desenvolvimento sobreleva a visualização qualitativa. Fala-se em crescimento quando háreferência à quantidade de bens que devem ser postos à disposição das pessoas. Quanto maior a quantidade, menorserá o seu esforço pela busca de bens para satisfazer ou preencher sua situação de escassez.

Mais importante, porém, do que o crescimento, materialidade necessária, será o desenvolvimento, imaterialidadeimprescindível, e que pressupõe a primeira, mas a ela se superpõe. O pensamento de SCHUMPETER é ainda hojeválido. Afirma ele:

… entendemos por “desenvolvimento” somente as mudanças da vida econômica que não tenham sidoimpostas a ela desde o exterior, mas que tenham uma origem interna.

Tampouco se chamará aqui de processo de desenvolvimento ao mero crescimento da economia,refle do pelo da população e da riqueza. Pois não representa fenômenos qualita vamentediferentes, mas somente processos de adaptação, da mesma classe que as mudanças dos dadosnaturais. Como desejamos dirigir nossa atenção para outros fenômenos, consideraremos talcrescimento como mudança dos dados.

Todo processo concreto de desenvolvimento repousa finalmente sobre o desenvolvimentoprecedente….

O desenvolvimento, segundo entendemos, é um fenômeno caracterís co, totalmente estranho aoque possa ser observado na corrente circular, ou na tendência ao equilíbrio. É uma mudançaespontânea e descon nua nos procedimentos da corrente, alterações do equilíbrio, que deslocam

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sempre o estado de equilíbrio existente anteriormente. Nossa teoria do desenvolvimento não é

senão o estudo deste fenômeno e dos processos que o acompanham.38

Mas há uma superação humanística desse posicionamento. O desenvolvimento tem como centro propulsor ecomo centro de convergência o homem. Daí a necessidade de uma revisão radical relativamente aos problemaseconômicos, pois que, como enfatiza FRANÇOIS PERROUX, “desenvolvimento remete-nos para o homem,sujeito e agente, para as sociedades humanas, para a sua finalidade e para os seus objetivosmanifestamente evolutivos. Desde que se aceitou a ideia do desenvolvimento, podia esperar-se uma série denovos desenvolvimentos, orientados pelas aproximações sucessivas dos valores que os homens trazemconsigo e pelas condições das suas transposições históricas em atos e em obras… O novo desenvolvimento

quer-se ‘global’, ‘integrado’, ‘endógeno’”.39

A concorrência econômica deve fazer triunfar o “melhor”, como enfatiza PERROUX, mas os conceitos deconcorrência e de “melhor” passam pelo crivo da sustentabilidade do desenvolvimento, ou seja, deve haverdesenvolvimento, mas se devem preservar as condições necessárias à subsistência das futuras gerações. ADeclaração da Conferência das Nações Unidas, em Estocolmo, proclamou que “o homem é ao mesmo tempocriatura e moldador do seu ambiente, que lhe dá sustentação física e lhe oferece oportunidade para um crescimento

intelectual, moral, social e espiritual.40

Dentre os princípios estabelecidos naquela Declaração, merecem referência alguns:

Primeiro Princípio: “O homem tem o direito fundamental à liberdade, igualdade e condições de vidaadequadas, num ambiente de tal qualidade que permita uma vida de dignidade e bem-estar, eassume a responsabilidade solene de proteger e implementar o ambiente para as gerações presentese futuras”.

Segundo princípio: “Os recursos naturais da terra incluindo o ar, a água, a terra, a flora, e a fauna eespecialmente exemplares representa vos de ecossistemas naturais devem ser salvaguardados parao bene cio das gerações presentes e futuras através de cuidadoso planejamento ou gerenciamento,conforme adequado”.

Terceiro princípio: “A capacidade da terra para produzir recursos vitais renováveis deve ser man da e,onde praticável, restaurada e desenvolvida”…

Quinto princípio: “Os recursos naturais não renováveis da terra devem ser empregados de tal forma aevitar o perigo de sua exaustão futura e a assegurar que os bene cios desta u lização sejam

repartidos por toda a humanidade”.41

6.5. A norma jurídica deve buscar o equilíbrio dinâmicoOs fatos jurídicos estão em constante evolução, ao passo que os textos legais são alterados pelo legislador depois

de longo lapso de tempo. A jurisprudência e a doutrina desempenham papel importante nessa atualização legislativa,constituindo-se na maioria das vezes em mola propulsora da reformulação legislativa.

Mas pode-se dizer que o legislador previu, em princípio, tanto as alterações da realidade social, quanto anecessidade do papel reformulador e criativo da jurisprudência, ao determinar, no artigo 5º da Lei de Introdução aoCódigo Civil – Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942 – que na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais

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a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Ao aplicar a lei, o juiz estará interpretando-a. Ao interpretar, o aplicador da lei deve levar em conta o contextolinguístico, em que sobressai a perspectiva lógico-semiótica do texto legal, o contexto sistêmico, em que se buscaevitar que a decisão a ser tomada aplicando um texto entre em conflito com outros textos do mesmo ordenamento, eo contexto funcional, quando se tem em mira os resultados a serem alcançados. Em qualquer dos contextos deveráo aplicador da lei ter diante de si os valores ou ideais, que têm função heurística ou justificadora, já incorporados noordenamento jurídico. Estes valores são estabelecidos primordialmente pelo texto constitucional. A ConstituiçãoFederal de 1988, no artigo 170, acolhe o modelo de economia de mercado, cujos fundamentos são a valorização dotrabalho humano e a livre iniciativa. A perspectiva teleológica é a de assegurar a todos existência digna, e oregramento supremo será ditado por uma concretização da justiça social.

Ora, o contexto de uma economia de mercado é essencialmente evolutivo; o confronto de interesses é sempreinovador das relações; mas o confronto não pode prescindir da perseguição de uma situação de permanenteequilíbrio que se renova e se modifica constantemente.

O equilíbrio nunca será estático ou permanente. Já afirmava HOLMES que o repouso não é o destino do

homem.42 Daí ter o aplicador da lei que estar sempre atento às alterações da realidade econômica, para adequar-sea elas e para dar ao texto legal uma interpretação teleológica.

6.6. A norma jurídica deve nortear-se pela eficiência e economicidadeOs conceitos de eficiência e de economicidade são de origem e fundamentação econômica, e devem servir de

embasamento para elaboração e aplicação das normas jurídicas. OLIVER WENDEL HOLMES já enfatizava queem sua época dominava a tendência para o estudo da tradição e da história, mas viria uma época em que o juristadeverá empregar suas energias num estudo das finalidades que deverão ser alcançadas e das razões para desejá-las. E um passo decisivo para atingir este ideal seria o de todo advogado procurar estudar e ter domínio da

economia.43

LOUIS BRANDEIS afirmava ter medo do jurista que não tivesse conhecimento de economia.44 Richard Posner

afirma que o jurista não precisa ser economista, mas precisa ter conhecimentos de economia.45

É justamente o conhecimento da economia que nos levará a conceituar adequadamente eficiência eeconomicidade.

A norma jurídica destinada a reger as relações de mercado tem por finalidade proporcionar o mais perfeito graude seu funcionamento, de tal sorte a garantir a eficiência alocativa, a eficiência produtiva, a eficiência dinâmicae a eficiência distributiva.

Quando nos referimos à eficiência alocativa, queremos dizer que todos os bens e serviços estariamadequadamente, apropriadamente alocados, destinados, e as preferências para o ócio satisfeitas, porque, por

definição, nenhuma ação nem qualquer troca ulterior poderia melhorar a situação atual.46

A eficiência produtiva procurará valer-se de unidades de produção em larga escala, diminuir custos de transaçãoe aumentar os efeitos em rede pois que na atualidade a intercomunicação é uma parte cada vez maior da vida

econômica.47

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Mas estes dois aspectos podem ser vistos quer estática quer dinamicamente. Como as mudanças do mundoconcreto, real, são constantes e inevitáveis, a eficiência dinâmica procura focalizar as condições em que a vida

econômica se realiza.48 Dentro do contexto da vertiginosa evolução do mundo, os governos têm que repensarcontinuamente o seu papel para enfrentar os desafios colocados por forças tais como a globalização, adescentralização, o surgimento de novas tecnologias, as cambiantes necessidades, expectativas e exigências doscidadãos. Os princípios da boa governança transformam não somente as relações entre o legislativo, o judiciário e aadministração mas o bom funcionamento da máquina governamental como um todo.

Estes princípios se traduzem no respeito pela norma jurídica, pela abertura, pela transparência, pela lealdade epela equidade no relacionamento com os cidadãos, em que se incluem mecanismos para consulta e participação,serviços públicos eficientes e efetivos, leis e regulações claras, transparentes e aplicáveis, consistência e coerênciana formação administrativa, e elevados padrões de comportamento ético.

6.7. A norma jurídica deve garantir a democracia econômica e socialEste princípio encontra concretização exatamente através da participação de diversas categorias econômicas na

formação das normas que regerão suas atividades. Esta coparticipação na elaboração de normas pode ser vista noartigo 10 da Constituição Federal, onde está dito que “é assegurada a participação dos trabalhadores eempregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciáriossejam objeto de discussão e deliberação”.

Também no artigo 11 da CF está dito que “nas empresas de mais de duzentos empregados, é assegurada aeleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto comos empregadores”.

O fenômeno da participação vem junto com o da solidariedade. A lógica da economia de mercado estabelecidapelo artigo 170 e seguintes da Constituição Federal vem sustentada no princípio da propriedade individual e daliberdade de iniciativa, mas também no da função social da propriedade, e, consequentemente, nas limitações daídecorrentes sobre a liberdade de iniciativa. À lógica de funcionamento do mercado deve somar-se a lógica dasolidariedade, como enfatiza PERROUX. Afirma ele que “o conflito entre a doutrina do mercado ‘puro’ e adoutrina do mercado ‘corrigido’ pelo princípio da solidariedade está patente em toda a história econômica

do Ocidente desde a industrialização”.49

6.8. A norma jurídico-econômica e o princípio da dignidade humanaO direcionamento dado por uma política econômica não pode nunca perder de vista que o direito é uma criação

humana, mas não é uma criação arbitrária nem se encontra em estado puro na natureza. Há uma relação constantee uma interinfluência entre o dado econômico e o ideal visualizado pelo Direito. A busca de um Direito eterno,imutável, pairando sobre os homens como a governar-lhes abstratamente as necessidades concretas é uma utopiasempre buscada pelos homens. Daí afirmar WOLFGANG FRIEDMANN que “a história do direito natural é anarração de uma busca pelo homem de uma justiça absoluta, e de seu insucesso. Muitas e muitas vezes, no decursodos 2.500 últimos anos, a ideia do direito natural apareceu, sob uma ou outra forma, como a expressão da busca deum ideal mais elevado do que o direito positivo, depois de ter sido rejeitado e se transformado em objeto de zombaria

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no entretempo”.50

O Direito de uma sociedade viva é necessariamente um Direito vivo e que acompanha cada passo da evoluçãodessa coletividade, sem perder de vista que ela é composta por pessoas, que têm uma dignidade própria, que deveser preservada, respeitada e enaltecida a cada passo.

É verdade que os sistemas jurídicos construídos com o tempo, também com o tempo se desfazem.51 Mas otempo não consegue eliminar determinados valores, principalmente o da dignidade humana, muitas vezes aviltado,mas sempre clamando por ser respeitado. Há determinadas exigências éticas que permanecem sempre válidas,embora os comportamentos que lhes servem de exteriorização possam variar com o tempo.

Ao se referir ao fundamento da “dignidade da pessoa humana”, não está o texto constitucional (artigo 1º, III, daCF) se referindo a algo abstrato, mas sim a algo concreto estabelecido na lei ordinária, segundo a qual “toda pessoaé capaz de direitos e deveres na ordem civil” (art. 1º da Lei 10.406/2002). São direitos à erradicação da pobrezae da marginalização, à redução das desigualdades sociais e regionais (arts. 3º e 170, VII, da CF).

Não existe política econômica alheia às exigências de respeito e de concretização da dignidade humana. Osdireitos sociais devem figurar de forma primacial neste quadro de exigências. Respeito à dignidade humana exigeuma política de garantia de trabalho honesto e suficiente para garantir uma existência saudável, educação paratodos, saúde para todos etc.

6.9. A norma jurídica: eliminação de atos economicamente lesivosPara fugir da responsabilidade por danos e de sua distribuição por toda a população, e da apropriação dos ganhos

por uma faixa restrita de beneficiários, deve a Ordem Econômica adotar princípios que eliminem os atoseconomicamente lesivos, com o que haverá redução ou até mesmo eliminação dos custos de transação.

Ocorrendo a lesão, inevitável será a recomposição ou a reparação, perguntando-se, então, se os custos detransação que deverão ser suportados não serão maiores do que os danos já ocorridos.

Esta duplicidade de situações exige do Estado uma vigilância muito maior para evitar os danos.

Avanço considerável no texto constitucional é o que se refere à indenização por dano material, moral ou àimagem (art. 5º, inciso V).

É importante salientar que o artigo 157 da Lei 10.406/2002 consagra a figura da lesão, que foi rejeitada noCódigo Civil de 1916. Diz este artigo que “ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, oupor inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta”.

Este dispositivo legal se encontra na parte geral do Novo Código Civil, onde se elencam os princípios básicos doDireito, independentemente de sua vinculação ao direito público ou privado.

6.10. A norma jurídica deve ser pragmáticaO ponto de partida para as considerações a seguir pode ser visto como paradoxalmente destrutivo de toda a

construção até aqui elaborada. Ao tratar do surgimento e do desaparecimento da liberdade de contrato eespecificamente do declínio dos princípios, faz PATRICK SELIN ATIYAH a seguinte afirmação:

Sugeri no capítulo 12 que o período 1770-1870 poderia ser caracterizado como uma Idade dos

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Princípios; por contraste o século seguinte foi uma Idade de Pragma smo. Houve, sem dúvida, umdeclínio na importância atribuída aos princípios, na economia, nas questões morais, no direito, e porcerto na vida em geral. O conceito exato de um princípio tornou-se quase indigno de crédito.Flexibilidade, como oposição à rigidez, compromisso como oposição a determinação (single-mindedness), e pragma smo como oposição a princípio, tornaram-se as virtudes do mundo

moderno.52

O pragmatismo, como afirma WILLIAM JAMES, é “um nome novo dado a determinadas maneiras de pensarantigas”. Pelo que se vê, trata-se de um novo método hermenêutico, pois que segundo ele:

Um pragma sta se desvia da abstração e da insuficiência das soluções verbais, das inadequadas razõesa priori, dos princípios estabelecidos, dos sistemas fechados e dos pretensos absolutos e origens. Elese volta para o completo e para o adequado, para os fatos, para as ações, para o poder. Isto significa oreino de um estado de espírito empírico e o abandono sincero do estado de espírito racionalista; istosignifica a abertura e as possibilidades da natureza opostos ao dogma, à ar ficialidade e às falsas

imagens de finalidade na verdade.53

O pragmatismo, segundo o próprio JAMES, é somente um método,54 mas, em sendo instrumento, não se libertada realidade substancial, do conceito de verdade e dos princípios:

O ponto que agora faço questão que observem par cularmente é o que diz respeito à partedesempenhada pelas verdades mais an gas. O fracasso em levar em conta essa situação é que é afonte de muitas das crí cas injustas assestadas contra o pragma smo. Sua influência é absolutamentecontrolável. A lealdade que se lhes deve é o primeiro princípio – em muitos casos é o único princípio;pois desde há muito que a maneira mais usual de tratar os novos fenômenos que implicariam sérioreajustamento de nossas pré-concepções é ignorá-los completamente, ou desrespeitar os que dão

testemunho deles.55

As normas destinadas a reger a organização do mercado, pela adoção de medidas de política econômica, devemser interpretadas à luz de um pragmatismo consciente. Tal postura hermenêutica se revela como um método paraaplicação das normas que têm conteúdo econômico pertinente a todas as medidas de política econômica, em que sedeve levar em conta, como visto acima, a realidade vivida, que é sempre refratária a verdades absolutas.

Na verdade, as decisões tomadas para aplicação de uma determinada política econômica não podem partir deprincípios abstratos e absolutos, embora também não possam desgarrar-se deles. Devem elas levar em conta arealidade que se apresenta em determinado momento concreto e procurar dar-lhe o direcionamento que for julgado“correto”. As decisões de política econômica devem sempre ter diante de si as coordenadas da “praxis”, da

realização, da transformação do mundo.56 As medidas de política econômica partem da verificação de fatos, dapercepção de conflitos e da necessidade de tomar decisões que eliminem de maneira razoável esses conflitos. Oresultado dessas ações será necessariamente uma transformação da realidade. A decisão será inevitavelmentepragmática, porque não tem por finalidade atingir a verdade.

6.11. A norma jurídico-econômica e o princípio da proporcionalidade

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A Constituição Federal de 1967, com a Emenda de 1969, estabelecia no artigo 170 dois princípios importantes, oda preferencialidade do exercício da atividade econômica pela empresa privada e o da suplementaridade dainterferência do Estado na organização e exploração direta da atividade econômica pelo Estado.

A Constituição Federal de 1988, nos artigos 170 e 173, estabeleceu os princípios básicos de uma economia demercado, em que o exercício da atividade econômica cabe exclusivamente à Empresa. No artigo 174 estãoestabelecidas as funções do Estado, que, como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercerá asfunções de fiscalização, incentivo, e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para osetor privado.

Em que proporção deverá o Estado interferir na atividade econômica?

Com o Tratado da União Europeia, no art. 5º,57 subsidiariedade, segundo o qual a Comunidade não intervém, anão ser que e na medida em que os objetivos da ação proposta não possam ser realizados de maneira suficientepelos Estados-Membros, o princípio da proporcionalidade , segundo o qual a ação da Comunidade não deveexceder o que for necessário para atingir os objetivos do Tratado.

Esta relação de proporcionalidade pode ser vista num ângulo diferente, quando se trate da atuação do Estadoe da Empresa, no contexto de economia de mercado adotado pelo Constituinte brasileiro.

O princípio da proporcionalidade pode ser assimilado ao princípio da razoabilidade.

Em primeiro lugar, pode-se indagar em que proporção poderá o Estado restringir direitos fundamentais daEmpresa, em sua atuação livre no mercado. Tem importância verificar a compatibilização contextual dos princípiosconstitucionais. A Constituição coloca como um dos fundamentos da República a liberdade de iniciativa (art. 1º,IV). Estabelece ainda que a ordem econômica, fundada na livre iniciativa, tem como princípios basilares apropriedade privada e a livre concorrência (art. 170, caput e incisos II e IV).

Contrapostos a estes princípios estão outros não menos importantes. A própria Constituição firma comofundamentos da República, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (art.1º, II, III e IV). Ao estabelecer os parâmetros de uma economia de mercado, o artigo 170 coloca como marcosfundamentais a existência digna, a justiça social, a função social da propriedade, a defesa do consumidor e do meioambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e o tratamento favorecido paraas empresas de pequeno porte.

Restringindo-nos à consideração desses princípios fundamentais para o funcionamento adequado de umaeconomia de mercado, deve-se dizer que se deve levar em conta o princípio da unidade contextual da Constituição ea necessidade de uma adequação pragmática de todos eles.

Deve-se, em primeiro lugar, indagar sobre o grau de intervenção de um grupo de princípios sobre os outros, e,depois, sobre os meios que devem ser utilizados para efetivar essa intervenção. Em que medida os direitosfundamentais podem receber qualquer restrição dos poderes públicos? A partir de que circunstâncias será razoávellimitar aqueles princípios, para aplicação de outros princípios também constitucionais, e em que medida poderáocorrer essa limitação?

O princípio da proporcionalidade, ou da razoabilidade, pode ser visto como um princípio geral do Direito, comaplicação específica ao campo do Direito Econômico, para reger adequadamente as relações entre as Empresas,que têm o direito de propriedade, e consequentemente o direito de realizar contratos, e o direito de concorrer nomercado nacional e internacional, e os deveres impostos ao Estado como agente normativo e regulador da atividade

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econômica.58

A jurisprudência do Tribunal de Justiça se antecipou às mudanças do Tratado, provocando-as. Assim é que no

caso 8/74,59 o Tribunal assim se pronunciou:

Contexto econômico e jurídico:

Qualquer regulamentação comercial dos Estados-membros susce vel de entravar direta ouindiretamente, concreta ou potencialmente, o comércio intracomunitário deve ser considerada comomedida de efeito equivalente a restrições quantitativas.

Enquanto não for ins tuído um regime comunitário que garanta aos consumidores a auten cidade daindicação de origem de um produto, os Estados-membros podem tomar medidas para prevenirprá cas desleais a este respeito sob condição de que estas medidas sejam razoáveis e que nãocons tuam um meio de discriminação arbitrária ou uma restrição disfarçada no comércio entre osEstados-membros.

No caso 120/78, o Tribunal de Justiça decidiu em 20 de fevereiro de 1979:

Na ausência de uma norma comum, os obstáculos à livre circulação intracomunitária derivados dasdiferenças das legislações nacionais rela vas à comercialização de um produto devem ser aceitas namedida em que tais prescrições possam reconhecer-se como necessárias para sa sfazer exigênciasimpera vas que tenham, em especial, a eficácia dos controles fiscais, da proteção à saúde pública, da

lealdade nas transações comerciais e a defesa dos consumidores.60

A Comissão Europeia, ao analisar um caso de ajuda ao setor agrícola, criticou as autoridades italianas por nãoterem fornecido qualquer relação de proporcionalidade entre os custos suportados pelos produtores e o

financiamento que se pretendia outorgar.61 Em outro caso, a Comissão observa que o montante da ajuda de Estadonão deve ultrapassar o que é necessário para incitar a criação de empregos, recomendando que deve haver

proporcionalidade entre os encargos sociais e a remuneração dos trabalhadores.62 A Comissão, ao decidir qualquerdemanda, deverá levar em conta que deve aplicar o critério de proporcionalidade, cuidando para que o métodoproposto seja o menos restritivo razoavelmente necessário no âmbito das trocas comerciais e da concorrência para

alcançar os objetivos em questão, que devem eles próprios ser legítimos.63 Em se tratando de aplicação depenalidades, deverá a Comissão ter em conta o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, como decidido noseguinte caso:

Todavia, conforme ao princípio de proporcionalidade, faltas ocasionais ou individuais cujos efeitossobre o mercado são negligenciáveis não poderiam acarretar consequências jurídicas, financeiras ecomerciais importantes. Em princípio, quando uma isenção está subordinada a um determinadonúmero de condições, estas condições devem ser proporcionadas ao problema de concorrência que secoloca. Violações menores destas condições não deveriam acarretar inevitavelmente a re rada daisenção. A Comissão considera que, no que concerne ao mecanismo de recuperação das subvenções ea obrigação de fornecer informações, convém estabelecer uma dis nção entre violação menor eviolação substancial. A Comissão considera que a noção de violação tal como é u lizada no ar go 3permi rá às autoridades e às jurisdições nacionais determinar se uma das condições cons tui-se

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numa violação substancial.64

O Tribunal de Primeira Instância decidiu recentemente sobre a alegação de violação ao princípio deproporcionalidade:

No que concerne à violação do princípio de proporcionalidade, convém observar que a requerenteacusa a Comissão, em primeiro lugar, de não ter suficientemente levando em conta seu montante denegócios no mercado relevante, o que a teria levado a lhe infligir uma punição discriminatória emrelação às punições impostas às empresas de terceiro nível.

A este respeito, basta observar que decorre da decisão assim como da explicação dada pela Comissãoem seguida a uma arguição do Tribunal que ela levou em conta, na fixação dos pontos de par daespecíficos para o cálculo do montante das punições, um conjunto de fatores que refle am aimportância de cada empresa no setor das condutas ques onadas, entre as quais figurou o montantede negócios realizado no mercado relevante…

Neste contexto, não se poderia concluir ter havido uma disproporção do montante da puniçãoinfligida à requerente, aceitando-se que o ponto de par da de sua punição foi jus ficado à luz dos

critérios retidos pela comissão para a apreciação da importância de cada uma das empresas…65

O Tribunal de Justiça da Comunidade também já emanou decisões em que enfatiza proporcionalidade erazoabilidade como parâmetros para as normas de conteúdo econômico:

Desde que a proibição de importação prevista pela decisão li giosa pode ser imposta rela vamente alotes de produtos da pesca proveniente do conjunto do Japão e, em par cular, de regiões diferentesdaquelas em que se encontravam os estabelecimentos visitados pela missão de experts da Comissão,o juiz de reenvio se pergunta se ela está em conformidade com o princípio de proporcionalidade.

A este respeito, convém lembrar a jurisprudência da Corte segundo a qual, a fim de estabelecer seuma disposição de direito comunitário está em conformidade com o princípio de proporcionalidade,importa verificar se os meios que ela adota são aptos a realizar o obje vo visado e se eles não vão

além daquilo que é necessário para atingi-lo.66

Resulta deste exame das medidas que contêm um caráter restri vo para os inves mentosintracomunitários que as medidas discriminatórias (…) serão julgadas incompa veis com os ar gos 73B e 52 do Tratado rela vos à livre circulação de capitais e ao direito de estabelecimento, a menos queelas não estejam compreendidas no quadro de uma das exceções previstas pelo Tratado. No queconcerne as medidas não discriminatórias (…) elas são admi das na medida em que se fundem sobreuma série de critérios obje vos, estáveis e tornados públicos e possam jus ficar-se por razõesimperiosas de interesse geral. De qualquer forma, o princípio de proporcionalidade deverá ser

respeitado.67

7. TIPOS DE FONTES NO DIREITO ECONÔMICOComo observam Antônio Carlos dos Santos, Maria Eduarda Gonçalves e Maria Manuel Leitão Marques, “a

ordem jus-econômica é… eminentemente plural, sendo diversificado o elenco das suas fontes. Ao lado das

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tradicionais fontes formais de direito, é necessário considerar outras (“por vezes designadas fontes formais”), quer

de natureza mista, quer de natureza privada”.68

A par das normas constitucionais brasileiras de conteúdo econômico, que serão objeto de uma análise detalhadaem capítulo próprio, e da legislação ordinária, discutida e votada pelo Congresso Nacional, há que levar em contaas fontes internacionais. A este respeito vale recordar o disposto no parágrafo único do artigo 4º, segundo o qual“a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da AméricaLatina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.

Deve ser lembrado ainda o disposto no § 2º do artigo 5º, segundo o qual “os direitos e garantias expressos nestaConstituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratadosinternacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Vale lembrar o Tratado de Assunção, através do qual se constituiu o MERCOSUL. Como se verá no capítulo 3,que trata da ordem econômica internacional e regional, o artigo 10 do Tratado atribui ao Conselho do MercadoComum a competência para condução da política e para a tomada de decisões para assegurar o cumprimento dosobjetivos e prazos estabelecidos par a constituição definitiva do Mercado Comum.

Já o artigo 9º do Protocolo de Ouro Preto determina que “o Conselho do Mercado Comum manifestar-se-ámediante decisões, as quais serão obrigatórias para os Estados-Membros”.

Devem ser enfatizadas as decisões proferidas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, quecriam realidades novas, impõem comportamentos novos, disciplinam, controlam e fiscalizam o mercado. As decisõesproferidas pelo CADE constituem-se em forte limitação à liberdade de contratar. Os atos que lhes são apresentadosse incluem na categoria dos contratos empresariais, que, amparados em legislações próprias, têm como elementoconstitutivo básico a liberdade de contratar com quem quiserem, estabelecer as cláusulas que entendam necessáriaspara a efetivação do negócio jurídico, mas o CADE, com base na competência que lhe é atribuída pela Constituiçãoe pela Lei, pode limitar aquela liberdade, quando entenda que poderá acarretar danos ao mercado, à coletividade.

8. A REGULAÇÃO COMO FONTE DE DIREITO ECONÔMICODetermina o artigo 174 da Constituição Federal que “como agente normativo e regulador da atividade

econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendoeste determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.

O Estado, afastado da participação direta e ativa na atividade econômica, como disposto no artigo 173 daConstituição Federal de 1988, recebeu deste mesmo diploma o encargo de normatizar e de regular a atividadeeconômica.

O balizamento está fixado pelo próprio Constituinte, quando afirma que tal atividade deverá fazer-se na forma dalei. Esta fixará os parâmetros dentro dos quais o Estado regulador deverá atuar. É óbvio que o parâmetro maior é oda própria Constituição, na qual se fixa o princípio da reserva legal, constante do artigo 5º, inciso II, segundo oqual ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Este limite do poder normativo das agências pode ser mais detalhado através de dois princípios que decorrem doacima mencionado princípio da reserva legal. Trata-se dos princípios estabelecidos pela doutrina conhecida como“ne ultra vires procedatur” , e pela da razoabilidade. De acordo com o primeiro, o poder outorgado a uma

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agência reguladora para fazer normas não se estende para além da autoridade concedida pela específica leidelegante. No recurso ao poder judiciário, poderá este determinar concretamente se a normas contestadas seencontram nos limites do poder conferido. Mas não se concedeu aos entes reguladores “carta branca” para editarqualquer norma que eles queiram dentro da área de seu poder delegado. Mesmo uma norma que se atenha àmatéria incluída no campo de autoridade do órgão regulador pode ser inválida se for arbitrária, ou não razoável. Nãobasta, para validade da norma, que ela seja coerente com a constituição e com a lei. Ela deve ser razoável. Estarazoabilidade se afere se a norma estiver “razoavelmente relacionada com as finalidades da legislaçãoautorizativa”. Deve haver uma conexão racional entre os fatos a serem regulados e a escolha feita. Compete aos

tribunais dizer se se concretizou uma relação racional entre as normas reguladoras e a constituição e a lei.69

Como afirmamos em artigo publicado como capítulo de livro sobre regulação e concorrência,70 a regulação sedistingue quer da regulamentação, quer da concorrência, mas o seu contexto é o de uma economia de mercado. Daípor que LAURENT COHEN-TANUGI a conceitua como uma forma moderna de intervenção pública numaeconomia de mercado, que se caracteriza por uma proximidade maior com a vida econômica, por uma exigência deprocedimentos contratuais e jurisdicionais e por uma lógica interativa, jurídica, mas de maneira flexível, evolutiva,

pluralista e profissional.71

De um período de regulamentação da economia, passamos a outro de desregulamentação, como já assinalado,mas hoje vivemos uma outra fase, a da regulação. Esta tem por natureza atuar numa economia de mercado,justamente para preservar a concorrência sadia entre os operadores econômicos. Marie-Anne FRISON ROCHEpropõe cinco definições para caracterizar as diversas facetas da regulação:

Numa primeira acepção, a regulação pode ser definida como “uma técnica de intervenção de natureza políticanum setor que o exija, porque estão em jogo interesses da nação”, o que coloca em planos de conjunção a teoria daregulação e a teoria do serviço público.

Numa segunda perspectiva, a regulação pode ser vista como o parapeito protetor (le garde-fou ) dofuncionamento espontâneo de um setor técnico particular. De feição estática, a regulação se evidencia como umasubcategoria do direito da concorrência.

Numa terceira acepção, a regulação se define como “o meio dinâmico de fazer passar um setor de um estado aoutro”. Trata-se, por exemplo, da passagem de uma estrutura monopolística para uma outra pluralista, como ocorreuno setor das telecomunicações.

Numa quarta acepção “a regulação é definida como o meio dinâmico de manter os grandes equilíbrios de umsetor que não poderá nunca se aproximar tecnicamente da figura de um mercado espontâneo e duravelmenteconcorrencial” e deverá ser confiada a um organismo definitivamente autônomo.

Numa quinta e última acepção, “a regulação pode ser definida como a arte de dar a cada um dos operadores a

parte que lhe corresponda e de assegurar o equilíbrio entre todos”.72

A regulação implementada hoje pelas agências reguladoras funda-se no princípio da deferência. Entende-se queo legislador não tem condições de prever todas as situações concretas. Defere, assim, ao agente regulador afaculdade de formular decisões que conciliem a perspectiva do crescimento econômico impulsionado pela iniciativaprivada com o interesse público. Maior detalhamento será dado adiante, quando se analisarem os poderes dasagências reguladoras.

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9. A MEDIDA PROVISÓRIA: INSTRUMENTO DE CONDUÇÃO DA POLÍTICAECONÔMICA

O mercado exige uma forma normativa adequada ao seu funcionamento, que é sempre dinâmico. Necessitasempre adaptar-se ao contexto internacional e ao mutante contexto nacional. As empresas e os consumidores,maiores interessados em que o jogo do mercado atue de forma a trazer-lhes, a ambos, ganhos de eficiência, nãopodem esperar pelo complexo e normalmente demorado processo legislativo de elaboração das leis ordinárias.

Uma economia de mercado impõe a existência de instrumentos regulatórios mais ágeis e mais eficientes. Asdecisões de mercado normalmente antecedem as decisões jurídicas. A legalidade das primeiras exige umaprimoramento da gênese das segundas.

Para alcançar esse objetivo, o artigo 59, inciso V, da Constituição Federal inclui no processo de elaboração deleis as medidas provisórias, que poderão ser adotadas pelo Presidente da República em caso de relevância e deurgência.

Indaga-se, em primeiro lugar o significado de “relevância” e de “urgência”. Pergunta-se, depois, quem estáinvestido da necessária autoridade para definir os significados dessas palavras, que, quando situadas num contextojurídico-econômico, não podem receber somente do dicionário a amplitude de seu significado. São significantescondenados à eterna procura de seu significado contextual.

Ninguém tem qualquer dúvida de que no domínio das políticas econômicas, há necessidade de adoção de medidasurgentes e eficazes, para o que não se presta o processo legislativo comum, normalmente moroso. A necessidade derelevância e de urgência, entretanto, não pode confundir-se com o desregramento legiferante.

Deve-se perguntar se as medidas provisórias têm por finalidade reger o desenvolvimento econômico, ou têm porobjetivo favorecer ou pegar de surpresa os setores econômicos interessados ou envolvidos.

Deve-se ainda perguntar se, destinando-se a tratar o fenômeno econômico com a mesma lealdade que devereinar entre os integrantes do mercado, não deveria a medida provisória ser tratada com respeito aos princípios queregem a Administração Pública como um todo, ou seja, obediente ao princípio da legalidade, da impessoalidade, damoralidade, da publicidade e da eficiência.

Se aceita esta posição, talvez pudessem as medidas provisórias, antes de ser editadas, ser submetidas à consultapública, ao crivo de especialistas em questões jurídicas, econômicas, ambientais, industriais, em suma, de pessoascapazes de opinar criticamente sobre a matéria objeto dessas medidas mais relevantes do que urgentes. Aliás, aUnião Europeia vem adotando com sucesso essa sistemática, através dos livros brancos, livros verdes comoprecursores dos regulamentos.

É importante, por último, ressaltar que não se pode condenar um instrumento normativo simplesmente comfundamento em sua inadequada utilização. Se o decreto-lei foi inúmeras vezes mal utilizado, se a medida provisóriafoi uma enormidade de vezes não só mal elaborada, mal utilizada, e até mesmo usada para conseguir objetivosinconfessados, não se deve chegar à conclusão de eliminá-los, pura e simplesmente. Pode-se pensar napossibilidade, e até mesmo necessidade de usá-los constitucionalmente, legalmente e, por fim, adequada erazoavelmente.

10. A LEI DO PLANO

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A Lei do Plano é contemplada no artigo 174 da Constituição Federal. O planejamento é vinculante para o setorpúblico, mas é indicativo para o setor privado. A lei do plano concretiza em si mesma a característica daprospectividade. É necessário que o Estado saiba o que vai realizar e se vincule a essa criação. É imperioso que osetor privado saiba o que o Estado pretende implantar e criar, para que possa direcionar a própria trajetória,impregnada de liberdade, mas guiada para o interesse público.

A importância dessa fonte de Direito Econômico é de tal magnitude que o tema vem merecendo tratamento emcapítulo específico.

“Lex quaedam regula est et mensura actuum... Regula autem et mensura humanorum actuum est ratio: quaeest principium primum actuum humanorum, ut ex praedic s patet: ra onis enim est ordinare ad finem, quiest primum principium in agendis...” (Summa Theologica. Q. XC, Art. I).

“Lex est jussus imperan s obligans subjectos, ut secundum istum jusssum ac ones suas ins tuant. Auctorlegis semper est imperans, qua voce malumus u , quam cum aliis voce superioris.... Auctor legis vel Deusest vel Homo. Ille imperium exercet jure crea onis citra consensum hominis. Homo imperium velimmediate ex concessione divina nanciscitur, vel intercedente consensu alterius hominis. Hinc primadivisio legis in divinam et humanam” (Institutiones jurisprudentiae divinae. Lib. I, Cap. I, n. 28, 30, 78).

Afirma Kelsen que “a norma fundamental não é uma norma do direito positivo, isto é, de uma ordem coativaglobalmente eficaz posta através da legislação ou do costume... “A norma fundamental determina tão só ofundamento de validade, não o conteúdo de validade do direito posi vo. Este fundamento de validade écompletamente independente do conteúdo de validade... A norma fundamental de uma ordem jurídicaposi va não é de forma alguma uma norma de jus ça. Por isso, o direito posi vo, isto é, uma ordemcoa va criada pela via legisla va ou consuetudinária e globalmente eficaz, nunca pode estar emcontradição com a sua norma fundamental, ao passo que esta mesma ordem pode muito bem estar emcontradição com o direito natural, que se apresenta com a pretensão de ser o direito justo” (A Jus ça e odireito natural. p. 169-172).

O Direito: introdução e teoria geral: uma perspectiva luso-brasileira. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1984.p. 371-440.

Nouvelles études sur la pensée juridique. p. 166-167.

Ibid., p. 260. Segundo Léon Husson, o Direito “é obra de vontades que, pelo fato de procederem de um fundoinconsciente, não deixam de concre zar a inteligência. Ele persegue fins, mesmo que não tenha deles umaconsciência clara. Sua elaboração é um ato de prudência espontâneo ou refle do, que repousa sobreconhecimentos verdadeiros ou falsos, e supõe a escolha, ins n va ou raciocinada, de determinadosvalores... A ciência do Direito é para o Direito espontâneo aquilo que a experiência penetrada de razão épara o empirismo... Ciência do Direito e Filosofia do Direito são solidárias. A ciência do Direito temnecessidade da filosofia do Direito para manter viva nela o sen do de sua alta missão. Pertence à filosofiado Direito ser a consciência do jurista, assim como à ciência do Direito compete ser a consciência do juiz edo legislador” (HUSSON, Léon. Nouvelles études sur la pensée juridique. p. 37-38).

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Interpretazione della legge e degli atti giuridici – teoria generale e dogmatica. 2. ed. Milano: Giuffrè, 1971. p.185 e segs.

Ibidem. p. 83-87.

É importante essa conceituação da linguagem como o cerne do princípio. Aliás, o Apóstolo João começa o seuEvangelho afirmando que “no princípio era o verbo”. Afirma Gadamer que “a linguagem é o meio universalem que se realiza a compreensão mesma. A forma de realização da compreensão é a interpretação. Estaconstatação não quer dizer que não exista o problema par cular da expressão. A diferença entre alinguagem de um texto e a de seu intérprete, ou a falha que separa o tradutor de seu original, não é demodo algum uma questão secundária. Pelo contrário, os problemas da expressão linguís ca são narealidade problemas da compreensão. Todo compreender é interpretar, e toda interpretação sedesabrocha no meio de uma linguagem que pretende deixar falar o objeto e é ao mesmo tempo alinguagem própria de seu intérprete” (Verdad y método: fundamentos de una hermenéu ca filosófica.Salamanca, Sígueme, 1977. p. 467).

“... when lawyers reason or dispute about legal rights and obligations, particularly in those hard cases whenour problems with these concepts seem most acute, they make use of standards that do not func on asrules, but operate differently as principles, policies, and other sorts of standards” ( Taking rights seriously.Cambridge: Harvard University Press, 1978. p. 22).

Idem, ibidem. p. 22.

Les forces créatrices du droit. p. 329.

Ibidem. p. 336-337.

Introduction à l’étude du droit. p. 172-178.

AUSTIN, John. The province of jurisprudence determined and The uses of the study of jurisprudence. 1998. p.1-33. HART, H. L. A. El concepto de derecho. 1978. p. 11-13, 33-42, 208-228.

“Every law or rule (taken with the largest significa on which can be given to the term properly) is acommand. Or, rather, laws or rules, properly so called, are a species of commands (ob. cit. p. 13).

“En el caso de las reglas jurídicas se ha sostenido a menudo que la diferencia crucial (el elemento de “tenerque” o “deber”) consiste en el hecho de que las desviaciones de ciertos pos de conducta probablementesuscitarán una reacción hos l, y, si se trata de reglas jurídicas, serán cas gadas por los funcionarios... En elcaso de las reglas jurídicas esta consecuencia predecible es precisa y está oficialmente organizada...” (ob.cit. p. 12). Cf. também o Dic onnaire Encyclopédique de Théorie et de Sociologie du Droit, verbetes“Principes du Droit” e “Règle”, p. 317 e 346.

A palavra sanção vem do verbo la no – sancio, is, sanxi, sanctum, sancire – que tem o sen do fundamentalde estabelecer, garan r, ordenar. Só secundariamente vem o sen do de cas go, pena, através dos quais segarante o cumprimento da norma (cf. F.R. dos Santos Saraiva. Novíssimo Diccionário La no-Portuguez. Riode Janeiro/Paris: Garnier, 1910).

L’ordre juridique. Paris: Dalloz, 1975. p. 19.

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O direito como sistema autopoiético. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1989. p. 247.

Idem, ibidem. p. 252-253.

ESTEBAN ALONSO, Jorge de. La función transformadora en las constituciones occidentales. In: Constitución yeconomía. Madrid: Centro de Estudios de Comunicación Económica, 1977. p. 151.

Gérard Farjat assume a conceituação proposta por Michel Vasseur, segundo o qual “o Direito Econômico é umdireito de agrupamento e de síntese, que permite aos juristas visualizar as necesdidades da economia emtoda a sua amplitura e ter em conta regras que elas possam ter provocado, quaisquer que sejam asdisciplinas que, sob aspectos diversos, regem a a vidade econômica (FARJAT. 1982. p. 19-20; VASSEUR. Unnouvel essor du concept contractuel, les aspects juridiques de l’économie concertée et contractuelle.Revue Trimestrielle de Droit Civil. 1964. p. 1).

Droit Public Économique. 2. ed. Paris: L.G.D.J., 1997. p. 57.

La nuova costituzione economica: lezioni. Roma-Bari: Laterza, 1995. p. 23.

HAMILTON, Alexander et alii. O Federalista. Trad. Heitor Almeida Herrera. Brasília: Editora Universidade deBrasília, 1984. n. 10.

BEARD, Charles A. Une relecture économique de la Constitution des États-Unis. Paris: Economica, 1988.

SELIGMAN, Edwin R. A. The economic interpretation of history.

193 U.S. 197, 24 S. Ct. 436, 48 L.Ed. 679.

Law in books and law in action, The American Law Review. v. XLIV, p. 12-36, January-February 1910.

Ensaio sobre a filosofia do novo desenvolvimento. 1981. p. 337.

Idem, ibidem. p. 338.

Board of Trade of City of Chicago. v. U S, 246 U.S. 231 (1918). n. 98. Argued Dec. 18 and 19, 1917. DecidedMarch 4, 1918.

“Sous ce rapport, nous observons que l’activité du jurisconsulte (au sens le plus élevé du mot) oscille entre deuxpôles dis ncts, que je proposerai de dénommer le DONNÉ et le CONSTRUIT. Tantôt il s’agit de constaterpurement et simplement ce que révèle la “nature sociale”, interprétée d’après elle-même ou suivant lesinspira ons d’un idéal supérieur, pour abou r à des règles d’ac on, dont le fondement sera d’autant plussolide qu’elles con endront moins d’ar ficiel ou d’arbitraire. Et, c’est ce que j’appelle le DONNÉ, qui doitformuler la règle de droit telle qu’elle ressort de la nature des choses et, autant que possible, à l’état brut.GÉNY, F. Science et Technique en Droit Privé Positif. 1913, p. 96.

“El Derecho de una sociedad viva es por necesidad un Derecho vivo. Some do a la ley de evolución, es naturalque en ciertos momentos se aparte de las concepciones admi das hasta entonces para unirse, conrevolución o sin ella, a nuevas concepciones fundamentales. El Derecho es un fenómeno polí co y social; losjuristas no son los dueños y señores omnipotentes. Los sistemas creados por el tiempo se deshacen y rehacencon el empo; grupos nuevos se establecen y ocupan el lugar de los que vivieron antes. No podemos predecirel futuro del sistema francés de Derecho. Colocándonos en el terreno cien fico nos limitamos aquí a señalarsu existencia en el mundo actual y a poner de relieve los elementos de su unidad” (Tratado de derecho civil

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comparado. p. 538).

FRIEDMANN, W. Theorie générale du droit. 1965. p. 45.

The path of the law. Harvard Law Review. v. X, n. 8, p. 457-478, march 1897.

Teoria del desenvolvimiento económico: una inves gación sobre ganancias, capital, crédito, interés y cicloeconómico. 1957. p. 74-75.

Ensaio sobre a Filosofia do novo desenvolvimento. 1981. p. 30-31.

Dentre os princípios estabelecidos naquela Declaração, merecem referência alguns: “Primeiro Princípio: Ohomem tem o direito fundamental à liberdade, igualdade e condições de vida adequadas, num ambientede tal qualidade que permita uma vida de dignidade e bem-estar, e assume a responsabilidade solene deproteger e implementar o ambiente para as gerações presentes e futuras. ...” Segundo princípio: “Osrecursos naturais da terra incluindo o ar, a água, a terra, a flora, e a fauna e especialmente exemplaresrepresenta vos de ecossistemas naturais devem ser salvaguardados para o bene cio das geraçõespresentes e futuras através de cuidadoso planejamento ou gerenciamento, conforme adequado”. Princípioterceiro: “A capacidade da terra para produzir recursos vitais renováveis deve ser man da e, ondepra cável, restaurada e desenvolvida”. ... Princípio quinto: “Os recursos naturais não renováveis da terradevem ser empregados de tal forma a evitar o perigo de sua exaustão futura e a assegurar que osbene cios desta u lização sejam repar dos por toda a humanidade”...(Stockholm Declara on of theUnited Na ons conference on the Human Environment. Adopted by the U.N. Conference on the Humanenvironment at Stockholm, 16 June 1972. in Supplement of Basic Documents to Interna onal EnvironmentalLaw and World Order: A problem-oriented coursebook, by Lakshman D. Guruswamy et alii, St. Paul, Minn.West Publishing, 1994, pp. 106-111.

Stockholm Declara on of the United Na ons conference on the Human Environment. Adopted by the U.N.Conference on the Human environment at Stockholm, 16 June 1972, in Supplement of Basic Documents toInterna onal Environmental Law and World Order: A problem-oriented coursebook, by Lakshman D.Guruswamy et al.ii, St. Paul: Minn. West Publishing, 1994. p. 106-111.

“... A formação dos advogados é uma formação dentro da lógica. Os processos de analogia, discriminação, ededução são aqueles em que eles se sentem mais em casa. A linguagem da decisão judicial é principalmentea linguagem da lógica. E o método e forma lógicos exaltam esta ânsia pela certeza e pelo repouso que estáem cada mente humana. Mas a certeza é geralmente ilusão, e o repouso não é o des no do homem” (Thepath of the law. Harvard Law Review, v. X, n. 8, p. 465-466, march 25 1897).

“Devemos estar atentos para a armadilha da antiguidade, e devemos lembrar que para as nossas finalidadesnosso único interesse no passado é pela luz que ele projeta sobre o presente. Aguardo com interesse o tempoem que a parte desempenhada pela história na explanação do dogma deverá ser bem pequena, e em lugarde engenhosa pesquisa nós gastaremos nossa energia num estudo das finalidades que se procuraráalcançar e das razões para almejá-las. Como um passo para este ideal parece-me que todo advogadodeveria procurar conhecer economia. O presente divórcio entre as escolas de economia polí ca e de direitoparece-me uma prova de quanto progresso há ainda por ser feito no estudo filosófico” (The path of the law.Harvard Law Review, v. X, n. 8, march 25, 1897, p. 474). Cf. também: ANTHONY J. SEBOK, SYMPOSIUM: The

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path of the law 100 years later: Holmes’s influrnece on modern jurisprudence. Brooklyn Law Review, v. 68,n. 1, 1997, p. 1-5.

“A lawyer who has not studied economics... is very apt to become a public enemy” (BRANDEIS, Louis. TheLiving Law. 10 Illinois Law Review, 1915-1916, p. 461).

“Many lawyers s ll think that economics is the study of infla on, unemployment, business cycles, and othermysterious macroeconomic phenomena remote from the day-to-day concerns of the legal system. Actuallythe domain of economics is much broader. As conceived in this book, economics is the science of ra onalchoice in a world – our world – in which resources are limited in rela on to human wants” (Economicanalysis of law. 1998. p. 3).

MORGAN, Thomas D. Cases and materials on Modern Antitrust Law and its origins. 2001. p. 8.

Idem, ibidem. p. 17-18.

Idem, ibidem. p. 18. Cf. VINCENT-JONES, Peter. Contractual governance: ins tu onal and organiza onalanalysis. Oxford: Journal of Legal Studies, v. 20, n. 3, p. 317-351, 2000.

PERROUX, F. Ob. cit. p. 207.

Théorie générale du droit. 1965. p. 45.

DAVID, René. Tratado de derecho civil comparado. 1953. p. 538.

The rise and fall of freedom of contract. Oxford: Clarendon Press, 1988. p. 649.

WILLIAM JAMES. Pragmatismo (1925): “He turns away from abstrac on and insufficiency, from verbalsolu ons, from bad a priori reasons, from fixed principles, colsed systems, and pretended absolutes andorigins. He turns towards ac on and towards power. That means the empiricist temper regnant and thera onalist temper sincerely given up. It means the open air and possibili es of nature, as against dogma,ar ficiality, and the pretence of finality in truth” (Pragmatism: a new name for some old ways of thinking.London: Longmans, 1940. p. 51).

“It is a method only” (ibidem. p. 51).

“The point I now urge you to observe particularly is the part played by the older truths. Failure to take accountof it is the source of much of the unjust cri cism levelled against pragma sm. Their influence is absolutelycontrolling. Loyalty to them is the first principle – in most cases it is the only principle…” (ibidem. p. 61).

A ideia de “práxis” vem desde Platão e Aristóteles, significando o “ato de fazer”, como oposição à “teoria”. Aconcepção clássica e cristã recepcionou este conceito. Mas foi com Marx que sua formulação ganhou maisatualidade. Afirma ele que “toda vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que conduzem aomis cismo encontram sua solução racional na práxis humana e na compreensão dessa práxis... “Osfilósofos só interpretam o mundo de diferentes maneiras: do que se trata é de transformá-lo” (Teses sobreFeuerbach. In: A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 96-97).

An go art. 3 B. O art. 5 corresponde à versão consolidada do Tratado, tal como modificado pelo Tratado deAmsterdam, que entrou em vigor em 1º de maio de 1999 – Cf. LAMY DROIT ECONOMIQUE – CODE –Concurrence, Distribution, Consommation. O Tratado de Lisboa, de 2009, mantém a numeração.

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Observam P. J. G. Kapteyn & P. VerLoren van Themaat que “o princípio de proporcionalidade, ourazoabilidade, vem sendo desenvolvido como um princípio geral de direito na jurisprudência do Tribunalde Jus ça, e como tal vem sendo aplicado em medida crescente pelo Tribunal...” ( Introduc on to the Lawof the European Communities. 1998. p. 144-148).

Cour de Justice des Communautés Europeennes. Arrêt de la Cour Affaire 8-74 du 11 juillet 1974. Procureur duRoi contre Benoît et Gustave Dassonville (demande de décision préjudicielle, formée par le tribunal depremière instance de Bruxelles). LAMY – Juridisque Concurrence.

Caso Rewe-Zentral, AG, v. Bundesmonopolverwaltung für Branntwein – Caso Cassis de Dijon.

Decisão da Comissão, de 10 de novembro de 1999, n. 2000/286/CE [notificada sob o n. C(1999)3866].

Decisão da Comissão, de 11 de maio de 1999, n. 2000/128/CE [notificada sob o número C(1999) 1364].

Decisão da Comissão, de 8 de julho de 1999, n. 1999/797/CE [notificada sob o número C(1999) 1551/7].

Decisão da Comissão, de 15 de setembro de 1999, n. 1999/781/CE [no ficada sob o n. C(1999) 2935]. Cf.também a Decisão da Comissão, de 3 de fevereiro de 1999, n. 1999/690/CE [notificada sob o n. C(1999) 327].

Caso T-23/99, de 20 de março de 2002, LR AF 1998 A/S contra Comissão. Cf. também o Caso T-198/01, de 4 deabril de 2002, Technische Glaswerke Ilmenau GmbH contra Comissão, e Caso T-195/01 e T-207/01, de 30 deabril de 2002, Government of Gibraltar contra Comissão e Caso T-28/99, de 20 de março de 2002, SigmaTecnologie di rivestimento Srl contra Comissão.

Caso C-183/95, de 17 de julho de 1997, Affish BV contra Rijksdienst voor de keuring van Vee em Vlees; Cf.também Caso C-24/95, de 20 de março de 1997, Land Rheinland-Pfalz contra Alcan Deustschland GmbH.

Caso C-483/99, de 4 de junho de 2002, Comissão contra República francesa. Cf. também Caso C-430/99 e C-431/99, de 13 de junho de 2002, Inspecteur van de Belas ngdienst Douane, district Ro erdam contra Sea-Land Service Inc. et Nedlloyd Lijnen BV; Caso C-503/99, de 4 de junho de 2002, Comission desCommunautés européennes contre Royaume de Belgique; Caso C-367/98, de 4 de junho de 2002,Commission des Communautés européennes contre République portugaise; Caso C-53/00, de 22 denovembro de 2001, Ferring AS contra Agence centrale ds organismes de sécurité sociale (ACOSS).

Direito económico. Coimbra: Almedina, 2001. p. 21.

SCHWARTZ, Bernard, Administra ve law. 3. ed. Boston: Li le Brown, 1991. p. 171-173, § 4.4. Cf. tambémCRAIG, P. P., Administrative law. 1999. p. 3-44.

Concorrência e regulação no sistema financeiro. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 211-231.

L’emergence de la notion de régulation, Revue de la Concurrence et de la Consommation: droits et marchés.Documentation Française, n. 103, p. 41, mai-juin 1998.

FRISON-ROCHE, Marie-Anne. Les différentes défini ons de la régula on, Revue de la Concurrence et de laConsommation: droits et marchés. Paris: Documentation Française, n. 103, p. 42-43, mai-juin 1998.

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ORDEM JURÍDICO-ECONÔMICA

1. CONCEITO DE ORDEMA indagação agora proposta envolve o entendimento de vários conceitos incluídos na complexidade de ordem, de

direito e de economia.

O conceito de ordem traz-nos à mente ideias de instituição, de organização, e, por isso, mesmo de uma seleçãodirecionada dos elementos que integram um conjunto. Essa seleção se faz, é óbvio, com um objetivo, com umafinalidade. Toda organização tem um direcionamento para uma meta, um encaminhamento de elementos para um

futuro.1

Daí dever-se entender ordem como uma organização que envolve dois movimentos. Há um de colocar juntoelementos compatíveis, entre si coerentes, elementos que se interimplicam no modo da significação. Esse colocarjunto é um movimento estático, em que se visualizam os elementos que integram o conjunto numa perspectiva decompatibilidade, de não rejeição.

E existe um outro movimento, tão importante quanto o anterior, mas que muitas vezes é obscurecido por ele.Quando se fala em ordem, dentro de uma perspectiva sempre dualista de fixação dos significados, se pensa numaoposição semântica a desordem, e se corre o risco de aceitar o conceito de ordem, como um conceito meramenteestático. É preciso ter sempre em mente que o conceito estático se complementa, se integra e atinge sua plenasignificação com a perspectiva dinâmica. Dentro desse quadro, ordem significa um conjunto de elementoscompatíveis entre si e, para além dessa coerência, voltados para o futuro, direcionados a uma teleologia.

1.1. Conceito de ordem em KantPara KANT a história é a cultura em progresso, em caminhada contínua. Não se trata, contudo, de uma trajetória

plana e sem sobressaltos. Elemento fundamental nesse percurso é o antagonismo. Na quarta tese de seus Ensaios

sobre a História,2 afirma o papel transcendental desempenhado pelo antagonismo, que é o meio de que se serve anatureza para produzir o desenvolvimento de todas as suas disposições, e que é a causa de um ordenamento regular.

Para ele “o fim do direito não é a justiça, mas a manutenção da paz. A paz não é somente uma parte, mas todo ofim último da teoria do direito dentro dos limites da pura razão. A paz, com efeito, assegura a regra certa epermanente das ações humanas, de modo que o homem possa realizar as suas exigências de autonomia dirigida ao

seu ser individual”.3

Ora, esta manutenção da paz se consegue através da implantação de uma ordem, cujo conceito deverá servir denorte para a correta colocação do problema do enquadramento de ordem jurídica e econômica.

A oposição significativa entre o “chaos” e o “kosmos”, no sentido helênico da expressão, põe em evidência essecontraste e os elementos que integram o conceito de ORDEM.

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1.2. Ordem política e econômica: Max WeberAo conceituar “ordem jurídica” e “ordem econômica”, contrapõe MAX WEBER dois planos, o que deve ocorrer

e o que de fato ocorre. Para ele “a tarefa da ciência jurídica (de um modo mais preciso, a jurídico-dogmática)consiste em investigar o reto sentido dos preceitos cujo conteúdo se apresenta como uma ordem determinante daconduta de um círculo de homens, delimitado de algum modo; isto é, em investigar as situações de fato subsumidasnestes preceitos e o modo de sua subsunção. Procede de tal modo nessa tarefa que, partindo de sua indiscutívelvalidez empírica trata de determinar o sentido lógico dos preceitos singulares de todas as classes, para ordená-losnum sistema lógico sem contradição”. A este sistema dá o nome de “ordem jurídica”.

Contrariamente a essa perspectiva, “a ciência econômico-social considera aquelas ações humanas que estãocondicionadas pela necessidade de orientar-se na realidade econômica, em suas conexões efetivas. Chamamos“ordem econômica” à distribuição do poder de disposição efetivo sobre bens e serviços econômicos que se produzconsensualmente – consensus –, segundo o modo de equilíbrio dos interesses, e à maneira como esses bens e

serviços se empregam segundo o sentido desse poder fático de disposição que repousa sobre o consenso”.4

A conjunção desses dois sistemas se faz pela interferência de “um sistema fechado de pensamentos e de crençasque explicam a atitude do homem perante a vida e sua existência na sociedade, e que propugnam uma determinadaforma de conduta e ação que corresponde a tais pensamentos e crenças, e que contribui para realizá-los”, paraconcretizá-los. A esse sistema que procura amalgamar aqueles dois outros, o jurídico e o econômico, se dá o nomede ideologia.

Tais elementos, se perfeitamente analisados, explicam a evolução do pensamento constitucional brasileiro, no quepertine à conjunção da ordem jurídica com a ordem econômica, tendo sempre em vista a perspectiva estática edinâmica. Assim é que se pode estudar dentro de cada texto constitucional brasileiro a forma pela qual seinterimplicam a ordem jurídica e a ordem econômica, teleologicamente direcionadas à concretização da ideologiadominante num determinado período da história.

E a indagação que fica, após essas considerações, diz respeito à análise que pode ser feita dos modos e dasformas pelos quais esses elementos se fundem, se buscam e se repelem no decorrer da história. Haverá, assim, umaanálise que realçará os aspectos sincrônicos, e uma outra que buscará acentuar os envolvimentos e os progressosdiacrônicos que explicam os fenômenos da ordem jurídica e da ordem econômica.

2. KOSMOS E TAXISDesde o nascimento do pensamento grego, preocuparam-se os filósofos com a indagação da origem do universo

e da ordem imperante. Já Anaximandro perquiriu a respeito do “ápeiron”, o indefinido, a substância primária de quetudo se originou. Correlatamente com esse conceito básico, surgem outros dois: o de kosmos e o de taxis; o primeiroa representar a ordem encontrada, a ordem imanente ao universo, o segundo a indicar a ordem feita, a ordem criada.

A este conceito de taxis agrega Aristóteles o conceito de nomos, que é justamente a criação de uma ordem.5

Existe uma ordem interna ao universo, assim como se pode detectar uma ordem interior à sociedade, decorrentede uma situação de equilíbrio que surge e se forma ao longo do tempo, sem qualquer atuação conscientementequerida pelo homem. Não significa que essa ordem seja estática. Será dinâmica, a acompanhar a evolução natural

da própria sociedade.6

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A descoberta dessa ordem é feita pela teoria social, que procura justamente apreender essa estrutura ordenada eequilibrada, que é produto da vivência de uma coletividade e que não se pode dizer seja o resultado de uma intençãohumana.

Mas existe também uma ordem criada de fora, uma ordem feita. Como observa HAYEK, essa ordem érelativamente simples, pois não participa da complexidade intrínseca do kosmos, limitando-se aos dados estruturaisque o seu criador consegue captar; é uma ordem concreta, diferentemente da ordem espontânea (ou kosmos),necessariamente abstrata e apreensível com dificuldade pelo intelecto; e é uma ordem querida e criada emconsonância com os propósitos do seu idealizador. Mas, para que esta ordem criada possa subsistir, será necessárioque seu idealizador consiga adequá-la e colocá-la em sintonia com os direcionamentos imanentes à ordem

espontânea. As normas serão o instrumento de que se valerá o idealizador da ordem querida para criá-la.7

3. ORDEM E LINGUAGEMO estudo de uma ordem jurídica leva necessariamente à visão do Direito como fenômeno cultural e mais

especificamente como fenômeno de linguagem. O Direito nos aparece como palavra ao mesmo tempo racional eeficaz. A racionalidade reflete a coerência da realidade que o Direito transmite e à qual se vincula, a eficácia se liga

ao aspecto de criação, pois que o Direito é essencialmente performativo.8

A linguagem opera a fundamental transformação do registro estritamente verificativo para o operativo enormativo. Da informação que um transeunte transmite ao motorista estacionado em lugar proibido (Meu amigo, éproibido estacionar aqui), de valor meramente descritivo, a linguagem inserida num discurso prescritivo opera atransformação em norma (O guarda de trânsito diz: “Meu amigo, é proibido estacionar aqui”).

Assinala Thomas Yan-Patrick que esta transformação discursiva já é encontrável no Direito Romano. Segundo

observa, a fórmula não é uma expressão acrescentada, mas um produto das situações vinculativas.9

Esta inter-relação entre direito e linguagem se esclarece e se vivifica a partir do estudo do domínio mais amplo dacomunicação, que é fenômeno essencial de cultura, que não existe sem aquele instrumental. Através dacomunicação o emissor de uma mensagem escolhe no mundo de sua vivência as significações que interessam àmensagem que quer transmitir ao receptor. Os elementos dessa mensagem apresentam coerências quer sob oaspecto material quer sob o formal. O centro deste encontro é a palavra, que se pode definir como um encontrohistórico. Da palavra se passa ao contexto, que funciona precisamente como a sistematização das compatibilidadese a exclusão das incompatibilidades no plano do discurso. Essas compatibilidades geram as isotopias do discurso. A

isotopia constitui o quadro de organização e de compatibilização dos elementos integrantes do discurso.10

O entendimento do direito como ordem e como sistema surge desse pressuposto do direito como linguagem. Odireito pode e deve ser entendido como uma comunicação de uma mensagem prescritiva. Para que essamensagem possa ser captada e tornada eficaz, é necessário que os elementos comunicativos estejam em posição decoerência significativa, é necessário que haja um código normativo a operar como a isotopia significativa eprescritiva. Este código normativo, assentado num código moral, a partir do momento em que adquire as qualidades

de estabilidade e de fixidez, passa a apresentar-se como ordem ou como sistema.11

O conceito de ordem se prende à correlação e correspondência hierárquica existente dentro do conjunto dasnormas, ligando as normas particulares a uma norma fundamental. O sistema se revela a partir do exame da

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correlação entre o conjunto normativo e o vivido. Haverá sistema se se verificar a coerência orgânica efuncional entre os elementos desses dois conjuntos. O direito, como sistema de normas impostas, é reflexo de uma

visão do mundo, de uma razão imanente à organização social.12

Não se pode esquecer, nessa visualização do direito como linguagem, um aspecto de elevado significado para omais abrangente entendimento do fenômeno jurídico. É o fato de linguagem e mito serem parentes bem próximos.E o direito, enquanto linguagem, tem muito a ver com o mito. Através deste, o ser humano fundamentou sua crençade que poderia criar o mundo. O direito é também a criação de uma realidade, criação que se renova a cada

manifestação nova do fenômeno jurídico.13

O estudo que se vai fazer a respeito da ordem e do sistema jurídicos adotados no Brasil, no que tange àConstituição Econômica, não pode desprender-se desses pressupostos de caráter linguístico de formação do direito.

4. A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICAA Constituição Econômica se corporifica precisamente no modo pelo qual o direito pretende relacionar-se com a

economia, a forma pela qual o jurídico entra em interação com o econômico. Como já salientado no primeirocapítulo, constituição política e constituição econômica se interimplicam e se integram.

As constituições brasileiras, de 1934 em diante, são pródigas em enumerar princípios jurídicos dirigentes daatividade econômica do Estado, da atividade econômica privada e de suas inter-relações. Já a constituição doImpério e a primeira constituição republicana são sóbrias quanto a normas concernentes à economia.

A pergunta que então se faz é se, no período anterior a 1934, não teria existido uma Constituição econômica,fenômeno que somente teria surgido posteriormente àquela data. A indagação vai mais fundo, ao problema darelação entre Direito e Economia. Indaga-se a respeito da função do Estado que se utiliza de normas para conduzirtodo o sistema social, aqui incluídos os subsistemas da economia, do direito, da política, principalmente.

O conceito de Constituição Econômica vem dar resposta a estas indagações. O conceito jurídico deConstituição Econômica pretende ver como pode o Direito conduzir o fenômeno econômico. Este deve serconsiderado em sua substância, para que se consiga uma adequação entre a norma e o fato. Daí salientar VITALMOREIRA a oposição significativa entre uma concepção substancial e outra meramente normativa. Aquela parte

de uma apreensão perfeita do fato econômico e de sua subsunção à norma que o pretenda conduzir.14

Deverá, portanto, para que possa surgir a norma jurídica direcionadora do fenômeno econômico, haver a préviaconsideração da realidade econômica, apreendendo-se a sua natureza essencialmente móvel e mutável. É precisoque o legislador compreenda que o fato econômico não se deixa compreender nem dominar por completo pelanorma jurídica, e que esta, se quiser relacionar-se adequadamente com aquele, deve aceitar essa sua essencialidadee a ela se adequar.

É importante, para que se possa inquirir sobre a essencialidade do fenômeno econômico, tentar colocá-lo dentrodo quadro do sistema e do regime econômicos. A perfeita conceituação dessa distinção muito ajudará noentendimento da Constituição Econômica e, mais adiante, do conceito de Ordem Econômica.

O sistema econômico deve ser visto como o “conjunto coerente de estruturas econômicas, institucionais,jurídicas, sociais e mentais organizadas em vista de assegurar a realização de um certo número de objetivoseconômicos (equilíbrio, crescimento, repartição, etc.). O sistema econômico caracteriza, no plano teórico ou

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ideal, o espírito, a forma e a técnica da atividade econômica de uma Nação. Há um grande número de

classificação dos sistemas”.15

Como assinala AVELÃS NUNES, “os sistemas distinguem-se uns dos outros pela afirmação dedeterminadas forças produtivas e determinadas formas de organização material da produção, a baseeconômica (estrutura econômica ou infraestrutura) no seio da qual se desenvolvem determinadas relaçõessociais de produção e a partir da qual se erguem e instalam determinadas estruturas políticas, jurídicas, culturais,

ideológicas (superestrutura).16

Já o conceito de regime econômico decorre da “organização econômica de um país, que pode secaracterizar como um conjunto mais ou menos coerente de estruturas. O regime constitui uma aplicaçãoconcreta do sistema que é uma organização-tipo ou um ideal-tipo. Cada sistema econômico pode dar lugar aum grande número de regimes. O sistema capitalista conheceu diversos regimes no espaço e no tempo: ocapitalismo comercial, o capitalismo industrial, o capitalismo financeiro, o capitalismo de pequenasunidades, o capitalismo liberal, o capitalismo dirigista, o neocapitalismo, o capitalismo dualista nos paísessubdesenvolvidos. O sistema socialista abrange também diversas formas de regime: o socialismoautogestionário, o socialismo de mercado, o socialismo de Estado, o capitalismo de Estado, o socialismo

chinês, o socialismo dualista dos países subdesenvolvidos, etc.”.17

BERNARD CHENOT afirma que “quer seja ela escrita ou costumeira, quer deixe o campo aberto àsiniciativas individuais ou as dirija, uma constituição econômica existe em todo Estado: a análise das instituiçõesmostra quais relações são estabelecidas entre ela e o regime político ou a estrutura social e qual é a parte

destinada respectivamente à coletividade pública, os grupos, os indivíduos”.18

Historicamente, é a partir da Primeira Guerra Mundial que o conceito de Constituição Econômica toma impulso,19

que será ainda mais desenvolvido e concretizado a partir da crise do capitalismo em 1929, e mais ainda depois daSegunda Grande Guerra. Se a Revolução Francesa e a Independência Norte-americana trouxeram em seu bojo osfundamentos filosóficos da constitucionalismo do século XIX, com a ideologia dos direitos do homem e do cidadão,como forma de defesa contra o absolutismo monárquico vigorante até então, as duas Grandes Guerras e a crise docapitalismo no século XX trouxeram a ideia da Constituição Econômica, em que se pretende regular as relações

econômicas.20

Define VITAL MOREIRA a Constituição econômica como “o conjunto de preceitos e instituições jurídicasque, garantindo os elementos definidores de um determinado sistema econômico, instituem uma determinada formade organização e funcionamento da economia e constituem, por isso mesmo, uma determinada ordem econômica;ou, de outro modo, aquelas normas ou instituições jurídicas que, dentro de um determinado sistema e forma

econômicos, que garantem e (ou) instauram, realizam uma determinada ordem econômica concreta”.21

Desta definição se podem extrair todos os elementos que levam a conceituar o papel do Estado na edição denormas destinadas a reger o fenômeno econômico, bem como, especificamente, a sua função de ordenador dosmecanismos de mercado.

A Constituição Econômica opera a conversão do regime econômico em ordem jurídico-econômica. Tem estapor finalidade estabelecer os princípios e regras, informadores das normas que regerão as relações econômicas. E aregência dessas relações se dá sob dois prismas: a ordem jurídico-econômica aceita e acolhe o regime econômico

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existente, adotando-o como base de toda a organização que a norma implanta; a ordem jurídico-econômica procuracriar um novo regime econômico . Daí o grande número de normas programáticas existentes nas constituições

modernas, que têm por finalidade justamente reformular, dar outra forma, à ordem já adotada anteriormente.22

É importante, contudo, assinalar que existem limites à criatividade da constituição econômica diretiva, querdecorrentes do contexto da constituição política, quer ainda provenientes da constituição econômica estatutária.

A constituição econômica tem seu quadro contextual no todo da constituição política, cujos princípios devemtraçar os parâmetros para aquela. Não pode haver conflito entre os princípios estabelecidos pela constituiçãoeconômica e os adotados pela constituição política. A respeito dessa necessidade contextual, faz MANUELAFONSO VAZ severo reparo às posições assumidas por Gomes Canotilho e por Vital Moreira. A respeito daimperiosidade dessa adequação contextual, assim se expressa ele:

A Cons tuição econômica é, pois, uma parte da Cons tuição Polí ca e o seu objeto não se confundecom a ordenação total, global e acabada da sociedade. A Cons tuição econômica não se pode separarda Democracia nem das exigências de um Estado de Direito. A Cons tuição econômica é, no entanto,um conceito central em qualquer estudo de direito econômico, que não, propriamente, daConstituição.

Concluindo, diremos que não é a expressão Cons tuição econômica que, de per si, se torna sujeita acertos reparos, mas sim o enfoque ideológico que se lhe queira referir. De resto, a expressão, em simesma, fornece-nos até um quadro terminológico simples para significar os princípios jurídicos

fundamentais da organização econômica de determinada comunidade política.23

4.1. Normas programáticasComo assinalado acima, as Constituições modernas apresentam-se com grande número de normas

programáticas. O direcionamento de mudança de rumos entre o liberalismo e o socialismo vem passando pordiversas etapas intermediárias, em que se acentua a profunda transformação do Direito e dos papéis ou funções aserem desempenhados pelo Estado. Ao lado das normas de organização ou estruturais, e que se caracterizam porserem predominantemente de fixação de direitos, surgem as normas que têm acentuado caráter dinâmico. Pode-sedizer que as primeiras são a cristalização do direito aperfeiçoado até aquele momento, são a consumação de ummovimento de aquisição e fixação de um estatuto jurídico, e por isso mesmo salienta-se nelas o caráter estático deum conjunto normativo que confere ao Estado a sua estrutura definitiva e ao cidadão o ponto de apoio para defesade seus direitos. Já as segundas estão direcionadas para o futuro, são normas que pretendem criar um novo quadro

jurídico para o cidadão, que já não é mais um simples “civis” mas é sobretudo um “civis-laborator”.24

Este tipo de normas entrou para o corpo constitucional como uma forma de pacto ou de compromisso entre asforças liberais e as imposições e reivindicações de origem social. Como se verá adiante, a partir da Constituição de1934 as normas programáticas passaram a ter fundamental importância em todos os textos constitucionais.Através delas, o legislador maior traça rumos a serem seguidos e metas a serem alcançadas, fixando princípiosbásicos que nortearão a iniciativa do legislador ordinário e exigirão do administrador e do juiz o seu acatamento eaplicação nos atos de concretização das normas, lembrando-se sempre de que a finalidade intrínseca das normas

programáticas é a de criar uma nova realidade política, econômica e social.25

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É preciso lembrar que as normas programáticas não se reduzem a traçar um programa de ação, mas têm forçajurídica vinculante imediata. Não podem servir de desculpa para o administrador ou para o juiz para deixar decumprir as imposições contidas na Constituição. O texto constitucional de 1988, no § 1º do artigo 5º, tem dispositivoimportante a esse respeito: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicaçãoimediata”. Tais normas são justamente aquelas contidas em todo o Título II – dos direitos e garantias fundamentais– aí incluídos os direitos e deveres individuais e coletivos, bem como os direitos sociais elencados do artigo 6º atéo artigo 11.

Entender que o caráter programático da norma imporia, para sua eficácia, a exigência inarredável da leiconcretizadora seria deixar nas mãos do Congresso o poder de revogar, por omissão, a constituição. Mais confirma

o entendimento dessa eficácia imediata da norma programática a instituição do mandado de injunção.26

5. ORDEM JURÍDICO-ECONÔMICA BRASILEIRA

5.1. Conceitos complementares de ordemO estudo de um ordenamento jurídico deve partir da conceituação de ordem jurídica. Esta indagação é de suma

importância, porque o enfoque adotado terá profunda influência sobre as consequências que serão extraídas.

Pode-se visualizar a ordem jurídica sob dois aspectos, o formal e o material ou substancial.

Formalmente, a ordem jurídica será vista exclusivamente sob o prisma da correlação entre as normas, com apreocupação de ver se a norma tem validade. Este aspecto foi o que KELSEN enfatizou. Para ele “uma ‘ordem’ éum sistema de normas cuja unidade é constituída pelo fato de todas elas terem o mesmo fundamento de validade. Eo fundamento de validade de uma ordem normativa é – como veremos – uma norma fundamental da qual se retira avalidade de todas as normas pertencentes a essa ordem. Uma norma singular é uma norma jurídica enquantopertence a uma determinada ordem jurídica, e pertence a uma determinada ordem jurídica quando a sua validade se

funda na norma fundamental dessa ordem”.27

A preocupação de KELSEN é com o aspecto do encadeamento meramente lógico-formal, que dará ao sistema

coerência28 e, em decorrência, validade a cada norma que pertence ao sistema. A norma estará pertencendo àordem jurídica se estiver em consonância formal com a norma fundamental, independentemente da consideração doconteúdo.

Corrente diversa é trilhada por SANTI ROMANO, para quem “o direito, antes de ser norma, antes de serelacionar com uma ou várias ordens sociais, é organização, estrutura, atitude da mesma sociedade na qualele está em vigor e que por ele se erigem em unidade, em um ser existente por si mesmo. O conceitonecessário e suficiente a nossos olhos para traduzir em termos exatos o de direito enquanto ordem jurídicatomada em seu conjunto e em sua unidade é o conceito de instituição. Toda ordem jurídica é uma instituiçãoe, inversamente, toda instituição é uma ordem jurídica: há, entre estes dois conceitos, uma equação

necessária e absoluta”.29

Estas duas vertentes do conceito de ordem jurídica não são conflitantes, são antes complementares. Importaver a coerência formal entre as normas, para que se assegure a própria essência do sistema; mas é tambémfundamental atentar para o aspecto semântico do conteúdo da ordem jurídica, ou seja, para a coerência material

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existente entre as normas e a sociedade de que promanam e que pretendem reger.

5.2. Aspectos sincrônico e diacrônicoOs sistemas jurídicos que integram cada ordem podem ainda ser estudados sob o prisma sincrônico ou

diacrônico. Estes dois aspectos passaram a ser visualizados no Direito a partir dos estudos da linguagem comofenômeno de comunicação social.

A partir de Ferdinand de Saussure os estudos de linguagem passaram a enfatizar essa oposição.30

Os estudos jurídicos passaram a se preocupar com essas vertentes da indagação científica, pois que a língua doDireito tem necessidade do léxico, da sintaxe, da semântica, da estilística, enfim de toda a estrutura da língua em

cujo contexto ela se insere.31

A ordem jurídica não se concretiza sempre da mesma forma através dos tempos. De acordo com a suaintegração no contexto de uma instituição que se conforma com as peculiaridades da sociedade em que seextratifica, tem ela características absolutamente próprias, que devem ser distinguidas pelo intérprete. Um sistemade normas jurídicas é sempre o reflexo de uma determinada visão do mundo, de uma determinada ideologia,

justamente porque, a cada momento, é possível distinguir num sistema uma razão jurídica que lhe é peculiar.32 Daípoder-se fazer de toda ordem jurídica duas abordagens distintas, mas essencialmente complementares, portadorassempre do significado, de que a historicidade é intérprete e explicativa. O estudo sincrônico é semprecomplementar da abordagem diacrônica. Estas duas abordagens, reveladoras da razão jurídica prevalecente a cadamomento histórico, levam à verificação de que a sucessão dos sistemas jurídicos se traduz num discurso. Aidentificação e a perquirição da razão jurídica informadora de cada sistema jurídico farão com que este se nosmanifeste como discurso, ou seja, como o lugar em que se manifesta, através de um suporte linguístico, um universo

impregnado de sentido.33

O estudo do sistema jurídico num determinado momento e o da sucessão das razões jurídicas prevalecentes, ouseja, o estudo sob as perspectivas sincrônica e diacrônica terá como finalidade fornecer uma visão de conjunto,uma abordagem que revela um corte na linha do tempo e uma outra que revela uma sequência da linha do

tempo, tendo estes direcionamentos de inquirição a finalidade de oferecer o sentido completo.34

Assim, o estudo da ordem jurídica brasileira, sob o enfoque do ordenamento da economia, sob esta duplaabordagem, terá como finalidade descobrir a verdadeira razão jurídica que informou cada momento histórico darevelação discursiva através de um texto constitucional.

5.3. A Constituição de 1824A Constituição Imperial de 1824 surgiu dentro de um contexto preparado pela filosofia política que implantou a

ideia do valor do homem decorrente da sua inserção na natureza. Os direitos do homem emanavam dessa suaparticipação na natureza.

Pode-se assinalar um conjunto de fontes para o pensamento que veio impregnar o constitucionalismo do séculoXIX, influenciando também as duas primeiras constituições brasileiras. Há as fontes políticas que podem sintetizar-se quer na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, votada em 27 de agosto de 1789 pela Assembleia

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Constituinte e incorporada como preâmbulo à Constituição francesa de 1791, quer na Declaração de Direitos deVirgínia, de 16 de junho de 1776. E há as fontes filosóficas, que podem sintetizar-se no pensamento judeu-cristão,na doutrina dos direitos naturais e na filosofia das Luzes.

Há dois pontos comuns a todas estas fontes: exaltam o valor da pessoa humana como portadora de direitos quelhe foram conferidos pela própria natureza e acentuam a concepção de um poder político limitado.

A lei, como atuação do Estado, deve garantir a liberdade da pessoa humana e deve limitar a atuação dopróprio Estado, de tal sorte a garantir o desenvolvimento natural do homem em todas as suas atividades. Dondeos três grandes princípios solenemente proclamados em todas as declarações revolucionárias: o princípio da

liberdade, o princípio da legalidade e o princípio da igualdade.35

O liberalismo é o movimento que tomou como objetivo defender a liberdade, quer no plano político quer noeconômico, transformando um movimento de ideias em ideologia. Essa defesa se processou no plano formal,independentemente da consideração da situação real que envolve os indivíduos.

Do ponto de vista econômico, a doutrina que veio enfatizar essa corrente do pensamento foi a de ADAMSMITH. Para ele, o equilíbrio econômico sobreviria “numa sociedade onde se permitisse que as coisasseguissem o seu curso natural, onde houvesse liberdade perfeita e onde cada homem fosse totalmente livre

de escolher a ocupação que quisesse e de a mudar sempre que lhe aprouvesse”.36

Ao consultar o Diário da Assembleia Constituinte de 1824, deparamos com um reflexo desse pensamentoeconômico na manifestação de um dos constituintes, CARNEIRO DE CAMPOS:

Não posso deixar de me opor a um Projeto, que é contrário aos mais luminosos princípios de EconomiaPolí ca… A direção da indústria de um País não é um objeto arbitrário; ela é in mamente conexa coma qualidade e extensão do terreno, a que há de ser aplicada, com a posição e estado de adiantamento,em que se acha a Nação, e outras mais circunstâncias, que é escusado par cularizar. O interesseindividual melhor que ninguém dirige os trabalhos produ vos para o emprego mais vantajoso, Leisinvariáveis regulam proveitosamente a produção e conservação da riqueza, e promovem a sua marchaprogressiva. Se se inverte a ordem natural dos trabalhos, dando-se-lhe um impulso forçado, rompe-seinfalivelmente o equilíbrio das úteis relações, que entre eles deve subsis r, para que mutuamente seauxiliem, e não se tornem danosos, uns aos outros. Nesta parte nenhuma ingerência deve ter oGoverno; a sua proteção deve limitar-se somente a remover os embaraços, que possam entorpecer amarcha regular dos princípios elementares da riqueza; deve olhar para a indústria debaixo de umponto de vista geral, sem parcialidades, que desorganizarão a harmonia do todo.

(…)

Estes são os princípios mais sólidos e os mais luminosos de uma boa Economia Polí ca; esta jamaiscapitulará de boa administração aquela, que deixando de proteger um ramo de riqueza certa, que nãotem tocado a sua perfeição, vai sofregamente fomentar e estabelecer outro, com manifesto risco demalograr-se a nova empresa, de arruinar o que já possuía. Se se confessa que nós somos uma Naçãoagrícola, claro está que para a Agricultura é que devemos dirigir todas as nossas meditações, comopara objeto do nosso principal interesse. Ela não exige de nós favores; o nosso terreno ésuperiormente dotado de fer lidade, e as suas produções são as mais preciosas; mas reclama, o queincumbe ao Governo, a remoção dos grandes embaraços, que empecem o seu progresso e perfeição.

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Tratemos disto, quanto antes, e deixemos o mais ao interesse individual, que em geral caminha compassos certos e seguros. Firmemos sobre bases inabaláveis a segurança da propriedade… Feito isto,

não receemos, tudo o mais virá naturalmente.37

O Projeto de Constituição, lido na sessão do dia 1º de setembro de 1823, seguindo essa linha ideológica,declarava:

“Art. 7º A Constituição garante a todos os Brasileiros os seguintes direitos individuais:

I – A liberdade pessoal.

(…)

IV – A liberdade de indústria.

V – A inviolabilidade da propriedade”.

JOSÉ ANTÔNIO PIMENTA BUENO, ao comentar a Constituição do Império, e especificamente o TítuloOitavo, apresenta a divisão do Direito em relação às Pessoas, dizendo que os direitos naturais ou individuais “sãofilhos da natureza, pertencem ao homem porque é homem, porque é um ente racional e moral, são

propriedades suas e não criaturas da lei positiva, são atributos, dádivas do Criador”.38

A liberdade, a segurança individual e a propriedade são direitos individuais ou naturais, e, como tais, estãoacima das leis civis, devendo por estas ser reconhecidos e garantidos. Cada um desses direitos se divide em

diversos ramos, combinando-se também entre si na formação de direitos igualmente essenciais.39

A transcendência e inviolabilidade dos direitos individuais ou naturais têm como consequências a plenitude dodireito de propriedade , a liberdade de indústria e comércio, a abolição das corporações de ofício, a garantia dodireito de propriedade sobre os inventos, como se infere da leitura do artigo 179, §§ 22, 24, 25 e 26.

Consequência desses direitos individuais ou naturais decorre a liberdade de contratar. P IMENTA BUENOtece comentários a respeito desse direito amplo e inconcusso , que é a expressão da plenitude do direito depropriedade. Eis a sua definição:

O direito ou liberdade de contratar é de tal modo evidente que ninguém jamais dirigiu-se a impugná-lo; seria para isso necessário pretender que o homem não pode dispor de sua inteligência, vontade,faculdade ou propriedade.

Não basta porém reconhecer este direito como inconcusso, é demais necessário saber respeitá-lo emtoda a sua la tude e suas lógicas consequências, senão o princípio, posto que consagrado, será maisou menos inu lizado com grave ofensa dos direitos do homem; entraremos pois em resumida análisea respeito.

O contrato não é uma invenção ou criação da lei, sim uma expressão da natureza e razão humana, éuma convenção ou mútuo acordo, pela qual duas ou mais pessoas se obrigam para com uma outra, oumais de uma, a prestar, fazer ou não fazer alguma coisa. É um ato natural e voluntário cons tuído pelainteligência e arbítrio do homem, é o exercício da faculdade que ele tem de dispor dos diversos meiosque possui de desenvolver o seu ser e preencher os fins de sua natureza, de sua existênciaintelectual, moral e física.

(…)

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A lei do estado não deve intervir senão para dois únicos fins:

1º Para prescrever as formas legais ou solenidades externas.

2º Para sancionar as solenidades internas ou condições racionais e essenciais da validade dos

contratos.40

Esta análise desvenda a ideologia, a razão jurídica, que impregna a Constituição de 1824, do ponto de vista daEconomia. Esta é vista também como um fenômeno cujas leis são impostas pela natureza. Ao Estado cumpriasomente garantir o funcionamento natural dessas leis, a sua proteção deveria limitar-se somente a remover osembaraços, que pudessem entorpecer a marcha regular dos princípios elementares da riqueza . Não eratarefa do Estado conduzir a economia através de leis. Se o fizesse, estaria fatalmente rompendo o equilíbrio que asforças econômicas da natureza, deixadas ao seu fluxo natural, forçosamente alcançariam.

5.4. A Constituição de 1891O constitucionalismo brasileiro alcançou, com a Constituição de 1891, uma mudança política, permanecendo

imutável a ideologia que inspirava a ordem econômica reinante.

As ideias federalistas se manifestaram e se impuseram à consideração e discussão nacionais desde a AssembleiaConstituinte de 1824, mantendo-se vivas durante todo o período imperial. Ao eclodirem como regra jurídica, atravésdo Decreto n. 1, de 15 de novembro de 1889, vieram consolidar mudança de modelo político, sob inspiração do

modelo dos Estados Unidos da América.41 Mas esta alteração não teve qualquer influência no modelo econômico,que continuou inspirado no liberalismo econômico. Se o contexto político sinalizava a necessidade de mudanças notexto constitucional, o mesmo não ocorreu no plano socioeconômico, em que pese o acontecimento da libertação dosescravos.

O continuísmo ideológico, do ponto de vista econômico, mesmo que desvinculado da realidade, pode sercomprovado pelo teor do § 17 do artigo 72 da Constituição de 1891. Ali está dito:

O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriação por necessidadeou utilidade pública, mediante indenização prévia.

Como consequência desse direito fundamental, continuam garantidos a liberdade de indústria e comércio, o direitosobre os inventos industriais, a propriedade das marcas de fábrica. O contrato, como expressão do direito detransferir livremente a propriedade, continua sob o pálio da plena liberdade.

É preciso reconhecer que o texto constitucional de 1891, do ponto de vista social passou ao largo das profundasmudanças que já se operavam no mundo inteiro e que, no Brasil, eram ainda incipientes.

Como assinalam PAULO BONAVIDES e PAES DE ANDRADE, “uma coisa foi a ordem constitucionalformalmente estabelecida pela vontade da Assembleia Constituinte, onde se patenteara o primado da ideologia deelite da classe burguesa – que já recuara para posições comodamente conservadoras de sustentação de seusinteresses – e outra cousa muito diferente, a realidade e a organização da nação republicana, proveniente da crise docativeiro e da derrubada das instituições imperiais”. Enfatizam ainda que “entre a Constituição jurídica e aConstituição sociológica havia enorme distância; nesse espaço se cavara também o fosso social das oligarquias e sedescera ao precipício político do sufrágio manipulado, que fazia a inautenticidade da participação do cidadão no ato

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soberano de eleição dos corpos representativos”.42

O descompasso semântico entre a Constituição Formal e a Constituição Real foi impondo a ideia da necessidadede uma revisão constitucional. A questão social, que passou a ser sentida no Brasil, veio também exigir alteraçõesno contexto ideológico informador do texto constitucional.

Em discurso pronunciado no Senado, em 1919, RUI BARBOSA sustentava:

Enquanto as revoluções eram polí cas, nham praias que as circundavam e lhes punham raias visíveis.Depois que se fizeram sociais (e sociais são hoje todas), todas beiram esse Mar Tenebroso cujo torvomistério assombra de ameaças as plagas do mundo contemporâneo. Quem se poderia responsabilizar,hoje, por um movimento popular, uma vez solto?

(…)

Primeiramente, em 1889, como já ve ensejo de assinalar, a situação era, incomparavelmente, menos

grave do que hoje. Não havia, àquele tempo, ruína financeira. Não havia questão social.43

Especificamente sobre a influência inovadora da questão social, RUI BARBOSA afirma:

Trouxeram ao Brasil, criaram no Brasil a questão social. Ela urge conosco por medidas, que comseriedade atendam aos seus mais imperiosos reclamos. Mas como é que lhe atenderíamos nos limitesestritos do nosso direito constitucional?

Ante os nossos princípios cons tucionais, a liberdade dos contratos é absoluta, o capitalista, oindustrial, o patrão estão ao abrigo de interferências da lei, a tal respeito. Onde iria ela buscar,legi mamente, autoridade, para acudir a certas reclamações operárias, para, por exemplo, limitarhoras ao trabalho? Veja-se o que tem passado na América do Norte, onde leis adotadas para acudir atais reclamações têm ido esbarrar, por vezes, a tulo de incons tucionalidade, em sentenças detribunais superiores.

Daí um dilema de caráter revolucionário e corolários nefastos; porque ora a opinião das classes maisnumerosas se insurge contra a jurisprudência dos tribunais, ora os tribunais transigem com elas emprejuízo da legalidade cons tucional. Num caso é a jus ça que se impopulariza. No outro, a

Constituição que se desprestigia.44

Entretanto, a revisão constitucional, em 1926, foi surda a tais reclamos, mantendo inalterado o conteúdo doartigo 72, no que concerne ao direito de propriedade e a todas as suas consequências.

5.5. A Constituição de 1934O período posterior à Primeira Grande Guerra foi fecundo de transformações sociais, ou de juridicização de

transformações que vinham já, desde a segunda metade do século XIX e princípios do século XX, concretizando-seno seio da sociedade.

Os princípios liberais se esgotaram na defesa de uma liberdade abstrata que acabou por sufocar o própriocidadão que dela era titular. A sustentação da liberdade como um apanágio do homem, decorrente da próprianatureza, se esvaiu por entre os meandros da relação concreta entre o capitalista, detentor dos meios de produção, eo operário que lhe prestava seu trabalho. Esta relação degenerou em exploração.

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Este fato novo, a que se convencionou chamar de “questão social”, começou a ser notado a partir de meadosdo século XIX. A este respeito acentuou MARX:

A estrutura econômica da sociedade capitalista nasceu da estrutura econômica da sociedade feudal. Adecomposição desta liberou elementos para formação daquela.

O produtor direto, o trabalhador, só pôde dispor de sua pessoa depois que deixou de estar vinculado àgleba e de ser escravo ou servo de outra pessoa. Para vender livremente sua força de trabalho,levando sua mercadoria a qualquer mercado, nha ainda de livrar-se do domínio das corporações, dosregulamentos a que elas subordinavam os aprendizes e oficiais e das prescrições com que entravavamo trabalho. Desse modo, um dos aspectos desse movimento histórico que transformou os produtoresem assalariados é a libertação da servidão e da coerção corpora va; e esse aspecto é o único queexiste para nossos historiadores burgueses. Mas, os que se emanciparam só se tornaram vendedoresde si mesmos depois que lhes roubaram todos os seus meios de produção e os privaram de todas asgaran as que as velhas ins tuições feudais asseguravam à sua existência. E a história da expropriaçãoque sofreram foi inscrita a sangue e fogo nos anais da humanidade.

Os capitalistas industriais, esses novos potentados, veram de remover os mestres das corporações eos senhores feudais, que possuíam o domínio dos mananciais das riquezas. Sob esse aspecto,representa-se sua ascensão como uma luta vitoriosa contra o poder feudal e seus privilégiosrevoltantes, contra as corporações e os embaraços que elas criavam ao livre desenvolvimento daprodução e à livre exploração do homem pelo homem. Todavia, os cavaleiros da indústria sóconseguiram expulsar os cavaleiros da espada, explorando acontecimentos para os quais em nada

nham concorrido. Subiram por meios tão vis quanto os empregados outrora pelo liberto romano para

tornar senhor de seu patronus.45

A mesma questão foi por Engels analisada sob um outro aspecto:

Cada novo progresso da civilização é ao mesmo tempo um novo progresso da desigualdade. Todas asins tuições que a sociedade cria, nascida da civilização, frustram seu fim primi vo levam essaopressão até ao ponto em que a desigualdade, levada ao extremo, se muda de novo em sua contrária

e chega a ser causa de igualdade; perante o déspota todos são iguais: iguais a nada.46

Este pensamento não ficou solitário, pois que em 1891 o Papa Leão XIII publicou sua famosa Encíclica “RerumNovarum” sobre a “questão operária” e sobre a “economia social”. Leão XIII situa a solução dos graves problemassociais dentro dos parâmetros de uma justiça social. Lembra que o Estado pode melhorar a sorte da classe operária,removendo a tempo as causas das quais, como é previsível, hão de nascer os conflitos, editando leis sobre a jornadade trabalho, sobre a salubridade, sobre salário justo. Afirma Leão XIII:

Dissemos que não é justo que o indivíduo ou a família sejam absorvidos pelo Estado, mas é justo, pelocontrário, que aquele e esta tenham a faculdade de proceder com liberdade, contanto que nãoatentem contra o bem geral e não prejudiquem ninguém. Entretanto, aos governantes pertenceproteger a comunidade e as suas partes: a comunidade, porque a natureza confiou a sua conservaçãoao poder soberano, de modo que a salvação pública não é somente aqui a lei suprema, mas a causamesma e a razão de ser do principado; as partes, porque, de direito natural, o governo não deve visar

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só os interesses daqueles que têm o poder nas mãos, mas ainda o bem dos que lhe estão subme dos.

Tal é o ensino da filosofia, não menos que da fé cristã.47

O Papa Pio XI, no ano comemorativo da quadragésimo ano da Rerum Novarum, publicou a Encíclica“Quadragesimo Anno”, em que expõe o pensamento da Igreja sobre a questão social:

Como não pode a unidade social basear-se na luta de classes, assim a reta ordem da economia nãopode nascer da livre concorrência de forças. Deste princípio, como de fonte envenenada, derivarampara a economia universal todos os erros da ciência econômica individualista; olvidando esta ouignorando que a economia é juntamente social e moral, julgou que a autoridade pública a devia deixarem plena liberdade, visto que no mercado ou livre concorrência possuía um princípio dire vo capaz deregê-la muito mais perfeitamente que qualquer inteligência criada. Ora, a livre concorrência, aindaque dentro de certos limites é justa e vantajosa, não pode de modo nenhum servir de normareguladora à vida econômica. Aí estão a comprová-lo os fatos desde que se puseram em prá ca as

teorias de espírito individualista.48

Observa MIRKINE-GUETZEVITCH que o período posterior à primeira grande guerra foi a época em que seinstaurou na Europa um novo constitucionalismo, com a concretização de diversas tendências. Dentre estasacentua a da racionalização do poder e a da racionalização democrática. Esta racionalização democrática seexerce através de novas concepções sociais e da efetiva concretização dos direitos sociais. A declaração dedireitos sociais se faz com um direcionamento concreto: o que se quer é efetivamente implantá-los na vida real do

cidadão.49

A Constituição mexicana de 1917, por primeira, inclui no seu texto as inovações de caráter social. O artigo 27confere originariamente à Nação a propriedade das terras e das águas. Ela é que tem o direito de transmitir o seudomínio aos particulares, constituindo a propriedade privada. Terá sempre a Nação o direito de impor à propriedadeprivada as regras que dite o interesse público, assim como o direito de regular o aproveitamento dos elementosnaturais suscetíveis de apropriação, com vista à distribuição equitativa e à conservação da riqueza pública. O artigo123 estabelece as normas básicas relativas ao trabalho e à relação entre patrões e operários.

Outra constituição que, logo após a primeira grande guerra, adotou os princípios concretizadores dos direitossociais foi a Constituição de Weimar, de 1919. Alguns tópicos dessa constituição merecem ser lembrados:

Art. 151. A vida econômica deve ser organizada em conformidade com os princípios da jus ça e comvista a garan r a todos uma existência digna do homem. Nestes limites, a liberdade econômica doindivíduo deve ser respeitada.

(…)

Art. 152. As relações econômicas são regidas pelo princípio da liberdade dos contratos, nos termos dasleis.

(…)

Art. 153. A propriedade é garan da pela Cons tuição. Seu conteúdo e seus limites são fixados pelasleis.

(…)

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Art. 165. Os operários e empregados são chamados a colaborar com os empregadores, e em condiçõesde igualdade, na fixação dos salários e das condições de trabalho assim como com o conjunto dodesenvolvimento das forças econômicas produ vas. As organizações patronais e operárias e oscontratos que elas concluem são juridicamente reconhecidos.

Os operários e empregados designam, para velar pela defesa de seus interesses sociais e econômicos,representantes para formar conselhos operários de empresa, conselhos operários de distritoformados no quadro das regiões econômicas, e um conselho operário do Estado.

Com vista ao cumprimento de todas as tarefas econômicas e para colaborar na execução das leis desocialização, os conselhos operários de distrito e o conselho operário do Estado se reúnem aosrepresentantes dos empregadores e das outras partes interessadas da população para formarconselhos econômicos de distrito e um conselho econômico do Estado.

Nesse contexto mundial, a Constituição de 1934 veio dar forma jurídica aos anseios sociais, sem cancelar ounegar os princípios já inseridos nos textos constitucionais anteriores, mas colocando-os também no seio da novaideologia acatada pelo constitucionalismo social.

Já no preâmbulo da Constituição a Assembleia Nacional Constituinte fazia constar o sinal de mudança,declarando que tinha a intenção de organizar um regime democrático , que assegurasse à Nação a unidade, aliberdade, a justiça e o bem-estar social econômico, deixando evidenciada a nova ideologia.

Dentro desse novo contexto ideológico, o direito de propriedade individual continua garantido. O constituinte oinsere no capítulo dos direitos e garantias individuais . Mas os novos ventos imprimem a esse direito umaconfiguração diferente. A ideologia implantada após os movimentos inovadores da revolução social coloca peranteo interesse individual o interesse social ou coletivo , como limitador do direito que até então fora usufruído peloindivíduo em toda a sua plenitude. O § 17 do artigo 113 assim reza:

É garan do o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social oucoletivo, na forma que a lei determinar.

O confronto entre o interesse individual e o interesse da coletividade pode ser visto também no § 18 do artigo113:

Os inventos industriais pertencerão aos seus autores, aos quais a lei garan rá privilégio temporário ouconcederá justo prêmio, quando a sua vulgarização convenha à coletividade.

A Constituição de 1934 é a primeira a fazer constar um título referente à “Ordem Econômica e Social”. Nestetítulo pode-se perceber com clareza o novo direcionamento ideológico. O constituinte enfatiza elementos deconcretitude. A liberdade, a igualdade e a segurança não se concebem mais abstratamente, como predicados de umhomem puramente originado da natureza. Justiça, liberdade, igualdade e segurança são atributos que devem ser

verificados na vida concreta do homem situado .50 Estes elementos podem ser verificados num confronto decomplementaridade entre os artigos 115 e 121. A coincidência não só de conteúdo, mas até mesmo de redação,revelada pelo confronto entre o artigo 115 da Constituição brasileira e o artigo 151 da Constituição de Weimar émais um elemento de convicção da influência desta sobre a primeira.

Art. 115. A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da jus ça e as necessidadesda vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garan da

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a liberdade econômica.

Parágrafo único. Os poderes públicos verificarão, periodicamente, o padrão de vida nas várias regiõesdo país.

Art. 121. A Lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade enos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do país.

Os objetivos a serem alcançados – existência digna, padrão de vida, condições de trabalho – sãoeminentemente concretos. O constituinte parte do pressuposto de que os homens somente serão livres, terãosegurança, serão iguais, se, concretamente, tiverem condições de existência digna, um padrão de vida apropriado ao

ser humano e condições de trabalho que o respeitem.51

É importante ressaltar que o próprio artigo 113 , inserido no capítulo referente aos direitos e garantiasindividuais, introduz um elemento concreto novo , não existente nas constituições anteriores. É que ali, entre osdireitos à liberdade, à segurança individual e à propriedade, está inserido o direito à subsistência.

Observados esses parâmetros, será garantida a liberdade econômica, ou seja, o liberalismo é mantido, com as

restrições de ordem social que lhe são pré-traçadas.52

E o texto constitucional impõe a obrigatoriedade de o Estado, através de leis, direcionar a economia. Para queisso ocorra, “a União poderá monopolizar determinada indústria ou atividade econômica” (art. 116 ), a Leideverá promover o fomento da economia popular, o desenvolvimento do crédito e a nacionalização progressiva dosbancos de depósito; da mesma forma deverá providenciar a nacionalização das empresas de seguros (art. 117).

Todo o conjunto de direitos assegurados aos trabalhadores, com o intuito de lhes garantir uma vida condigna,constitui uma inovação constitucional nos mesmos moldes verificados em outros países, como visto acima pelasreferências aos textos constitucionais do México e da Alemanha.

São também inovações quanto ao papel a ser desempenhado pelo Estado, as normas referentes à educação, àfamília e à cultura.

5.6. A Constituição de 1937A Constituição de 1937 restringiu-se unicamente ao campo do nominalismo. Foi um nome sem qualquer

vinculação com a realidade política e social do país. Fruto de um amálgama de fascismo, corporativismo,

nacionalismo e de aparente liberalismo ,53 o fato é que os dois únicos artigos que nela tiveram eficácia foram oartigo 180, onde está dito que “enquanto não se reunir o Parlamento Nacional, o Presidente da Repúblicaterá o poder de expedir decretos-lei sobre todas as matérias da competência legislativa da União”, e oartigo 186 (“é declarado em todo o país o estado de emergência”). O país, nesse período, foi governadosomente através de decretos-leis.

Há, contudo, naquele texto alguma literatura que merece ser vista, porque, embora não posta em prática, é umreflexo do pensamento da época.

O direito de propriedade , como consta do § 14 do artigo 122, terá seu conteúdo e seus limites definidos nasleis que regularem seu exercício.

O artigo 135, incluído no título “Da Ordem Econômica”, traz pela primeira vez, no constitucionalismo brasileiro,

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a expressão “intervenção do Estado no domínio econômico”. Vale a pena ler a íntegra do artigo:

Art. 135. Na inicia va individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo,exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção doEstado no domínio econômico só se legi ma para suprir as deficiências da inicia va individual ecoordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir nojogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado.

A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estímuloou da gestão direta.

A primeira frase do art. 135 teve uma finalidade contestatória da tendência socializante da época. Rebate-se aideologia do socialismo, mostrando-se a força do indivíduo. O conteúdo ideológico de contestação é evidente,procurando-se evidenciar que nenhum movimento de socialização pode desconhecer que quem cria, quem organiza,quem inventa é o indivíduo. E, por isso, este não pode ser eliminado. É óbvio que a expansão do indivíduo encontraum limite no bem público, mas a ênfase dada a este não pode eclipsar o indivíduo.

Permanecem os dispositivos determinantes da atuação do Estado na esfera da atividade econômica, como sepode ver pelos artigos 140, 141, 144, dentre outros.

5.7. A Constituição de 1946O longo período ditatorial que se encerrou em 1945 veio trazer o renovado anseio da instauração da democracia.

A Constituinte foi abeberar-se nos princípios constitucionais que informaram a Constituição de 1891, sob o aspectopolítico, mas conservou as conquistas sociais de 1934.

O término da ditadura no Brasil coincidiu com o findar-se da segunda grande guerra que, por sua vez, selou aderrota das ditaduras europeias. Sentiu-se a necessidade imperiosa da implantação da democracia, que viesse trazerpara todos os povos a mais plena realização dos anseios políticos, econômicos e sociais. Sentiu-se que a única formade evitar a repetição dos horrores de uma nova guerra mundial seria instaurar em cada país uma democracia real,alicerçada em bases políticas sólidas, em bases econômicas e sociais equitativas e justas.

O preâmbulo da Constituição de 1946 se refere à “organização de um regime democrático” como a síntese

daqueles três elementos, o político, o econômico e o social.54

O alicerce daquela Constituição é todo ele neoliberal. Esta expressão vem significar que, aceitos os princípiosbásicos do liberalismo político e econômico, são eles amoldados pelas novas conquistas sociais e informados pela

nova postura do Estado perante o fenômeno econômico.55

Os valores liberais se consubstanciam na garantia da “inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, àliberdade, à segurança individual e à propriedade”, como dispõe o artigo 141.

O direito de propriedade é garantido, admitindo-se a possibilidade de desapropriação, que recebe limitaçõesbastante grandes: “necessidade ou utilidade pública, interesse social, indenização prévia e justa, e emdinheiro”, como consta do § 16 do artigo 141. E ainda, o artigo 147 limita o seu uso, condicionando-o ao bem-estar social.

Tentando resolver o dilema fundamental entre capital e trabalho, a Constituição impõe um equilíbrio inspirado nosprincípios da justiça social, essencialmente distributiva, entre a liberdade de iniciativa e a valorização do

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trabalho humano.56

Enquanto a Constituição de 1937 procurava reprimir os “crimes contra a economia popular”, a Constituição de1946 se pautou pela ideologia inspirada na legislação norte-americana antitruste. Assim é que o artigo 148 dispõeque “a lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ouagrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominaros mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros”.

Persiste a ideologia inspiradora de políticas tendentes a garantir a todos um “trabalho que possibilite existênciadigna”, como dado de concretização da dignidade humana.

A intervenção no domínio econômico é posta como atribuição da União, que poderá também monopolizardeterminada indústria ou atividade. Mas o próprio constituinte determina que a intervenção deve ater-se a objetivaro interesse público e não poderá ferir os direitos fundamentais garantidos pela Constituição (artigo 146).

É também a primeira vez que a expressão “plano” aparece para designar a atuação programada do Estado paraatingir objetivos de reorganização econômica de regiões do país.

É verdade que já na Constituição de 1934 despontou a expressão “plano nacional de viação férrea e o deestradas de rodagem” (artigo 5º, inciso IX), repetida no artigo 5º, inciso X, da Constituição de 1946. Mas é nestaúltima, nos artigos 156, 198 e 199, bem como ainda no artigo 29 das Disposições Transitórias, que o planoaparece como adoção de políticas destinadas a implantar “colonização e de aproveitamento das terraspúblicas”, “defesa contra os efeitos da denominada seca do Nordeste”, a “valorização econômica daAmazônia” e ainda o “aproveitamento total das possibilidades econômicas do rio São Francisco”. Não setrata de planos globais a exemplo do que já vinha sendo adotado na Rússia desde 1928, mas talvez imitações da

política rooseveltiana, principalmente a do “Tennessee Valley Authority Act”.57

5.8. A Constituição de 1967-1969A Constituição de 1967-1969 veio no bojo da Revolução Militar de 1964, que foi preparada com base na

ideologia da segurança nacional. A adoção e permanência dos regimes militares na América latina não é umacriação dos latino-americanos, porque a ideologia que orientou tal sistema é alienígena. Veio do Norte para o Sul ese chamava “Doutrina da Segurança Nacional”. Alicerçou-se essa doutrina nos princípios da Geopolíticaadaptada aos interesses do bloco político que criava para si um inimigo, a Rússia, com o objetivo de estimular ocrescimento e fortalecimento do Estado. A Geopolítica brasileira se propôs três objetivos: ocupar o territórionacional, expandir-se na América do Sul em direção ao Pacífico e ao Atlântico Sul, e formar uma potênciamundial.

À ideia de segurança nacional veio acrescentar-se a de desenvolvimento, com inspiração idêntica à que sepode encontrar num discurso de ROBERT MCNAMARA em 1967:

A segurança é desenvolvimento, e sem desenvolvimento não há segurança. Um país subdesenvolvidoe que não se desenvolve não a ngirá jamais algum nível de segurança, pelo simples mo vo de quenão pode despojar seus cidadãos de sua natureza humana.

Efe vamente, se existem condições prévias à segurança, estas são um mínimo de ordem e deestabilidade. Ora, sem uma evolução interna, por menor que seja, a ordem e a estabilidade tornam-se

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impossíveis, pois a natureza humana não pode ser indefinidamente frustrada. Então o homem reageporque deve reagir. É uma coisa que nem sempre compreendemos, assim como os governos dospaíses em questão.

(…)

Não estamos brincando com palavras. o problema é que durante muito tempo es vemosemaranhados numa floresta semân ca que nos levou a crer que a segurança, fenômenoexclusivamente militar, dependia principalmente da quan dade de material bélico. Ora, isso não éverdade, e, se queremos que a segurança sobreviva e se consolide na região meridional do mundo,devemos enfrentar a realidade.

O desenvolvimento é o progresso econômico, social e político.58

A doutrina da segurança nacional fixou pontos doutrinários básicos, como os de guerra total, guerra generalizada,guerra fria, guerra revolucionária, e ainda os de poder nacional, objetivos nacionais, estratégia nacional e segurançanacional. Estes foram os fundamentos ideológicos que inspiraram os militares e que serviram de fermento para aConstituição de 1967-1969.

A Constituição de 1967 foi votada sob pressão do Ato Institucional n. 4, de 7 de dezembro de 1966. Ali ressalta aideia da segurança nacional, a partir do artigo 89 (Toda pessoa natural ou jurídica é responsável pelasegurança nacional, nos limites definidos em lei). Este dispositivo deve ser visto em consonância com o inciso Vdo artigo 157, em que se destaca como um dos princípios da ordem econômica o desenvolvimento econômico. Taisprincípios figuram na Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, no artigo 86 e artigo 160. O princípio dodesenvolvimento nacional deixa de figurar num inciso para surgir no caput do artigo 160.

A ordem econômica e social adquire um valor teleológico. Ela tem por fim, o desenvolvimento nacional e a justiçasocial. A ordem enunciativa dos fins da ordem econômica e social pode não ter uma importância de prioridade deconceitos, mas, na verdade, o que a Revolução priorizava, em obediência aos princípios da Doutrina da SegurançaNacional, era a segurança do Estado. A pessoa humana não estava em primeira linha de cogitação. Os princípiosque são apontados como base são os seguintes:

– liberdade de iniciativa;

– valorização do trabalho como condição da dignidade humana;

– função social da propriedade;

– harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção (o texto de 67 dizia: entre osfatores de produção);

– repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação daconcorrência e o aumento arbitrário dos lucros.

O texto de 69 veio acrescentar ainda outro princípio: expansão das oportunidades de emprego produtivo.

Ponto importante a ressaltar naquele período foi o papel atribuído ao Estado. A redação do artigo 163 daEmenda n. 1 é coincidente com a do § 8º do artigo 157 do texto de 1967:

São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria oua vidade, mediante lei federal, quando indispensável por mo vo de segurança nacional ou para

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organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime de compe ção e de liberdadede iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais.

Para complementar a discriminação do papel do Estado referentemente à organização e exploração dasatividades econômicas, o artigo 170, §§ 1º, 2º e 3º, do texto de 69 elencou a competência do setor privado e dosetor estatal:

Às empresas privadas compete, preferencialmente, com o es mulo e o apoio do Estado, organizar eexplorar as atividades econômicas.

Apenas em caráter suplementar da inicia va privada o Estado organizará e explorará diretamente aatividade econômica.

Na exploração, pelo Estado, da a vidade econômica, as empresas públicas e as sociedades deeconomia mista reger-se-ão pelas normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto ao direitodo trabalho e ao das obrigações.

A empresa pública que explorar a vidade não monopolizada ficará sujeita ao mesmo regimetributário aplicável às empresas privadas.

Com base em tais princípios constitucionais o Estado assumiu o encargo de promover o desenvolvimentonacional, quer atuando no domínio econômico, quer intervindo indiretamente.

Inovação importante, do ponto de vista socioeconômico, foi o da criação das regiões metropolitanas , com ointuito de promover um desenvolvimento integrado de municípios que façam parte da mesma comunidadesocioeconômica.

5.9. A Constituição de 1988Em mensagem ao Congresso, datada de 28 de junho de 1985, o Presidente da República propunha a convocação

de uma Assembleia Nacional Constituinte, o que se efetivou através da Emenda Constitucional n. 26, de 27 denovembro de 1985. A Assembleia instalou-se em 1º de fevereiro de 1987.

O rompimento com o período político anterior propiciou a formação de uma ideologia marcada pelacontraposição aos fundamentos informadores do constitucionalismo anterior, nos campos econômico e social. Pode-se afirmar que houve acentuada ênfase no aspecto social, quer sob o aspecto de se dar uma configuração de altorelevo ao cidadão, o que levou o deputado Ulisses Guimarães a apelidar o novo texto de Constituição cidadã, quersob o prisma do novo papel a ser desempenhado pelo Estado.

O texto constitucional ganhou um Título em que se declaram os princípios fundamentais que informarão oEstado Democrático de Direito. Aí estão, enumerados no artigo primeiro, os princípios que devem servir de basepara a ordem política, mas também, e essencialmente, devem permear todo o conteúdo da constituição econômica.Dentre esses fundamentos vale enfatizar o da soberania, o da cidadania, o da dignidade da pessoa humana, e oda preservação e engrandecimento dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Oartigo terceiro da nova Constituição menciona os objetivos que devem nortear a ação das políticas a seremadotadas. Tais objetivos constituirão as metas que se propõem para serem alcançadas:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

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II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outrasformas de discriminação.

No âmbito das relações internacionais , a Constituição, no artigo quarto, estabelece também princípios quedevem ser observados e implementados. Dentre eles, pela sua importância para a adoção de políticas econômicas,merecem ser citados o da independência nacional, o da prevalência dos direitos humanos , o daautodeterminação dos povos e o da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.

O parágrafo único do artigo quarto coloca como objetivo e como princípio a busca da “integração econômica,política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.

Tais princípios e objetivos deverão estar presentes na análise de todos os dispositivos constitucionais, pois aConstituição Econômica não se restringe aos artigos contidos no Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira –,mas tem sua expressão e seu conteúdo em diversos outros tópicos da Constituição. Os princípios fundamentais,por isso mesmo que básicos, deverão informar o entendimento exegético de todos os tópicos pertinentes àConstituição Econômica.

Uma primeira alteração, relativamente aos textos constitucionais precedentes, de 1934 a 1967/69, é odeslocamento do capítulo referente aos direitos sociais , concernentes a indivíduos e grupos profissionais, queanteriormente estava incluído no título da Ordem Econômica e Social, para a formação de um título em que seestabelecem os Direitos e Garantias Fundamentais, aí incluindo quer os direitos e deveres individuais ecoletivos, quer os direitos sociais. Passa-se assim a entender que os direitos de cidadania estão intrinsecamentevinculados aos direitos decorrentes do trabalho, ou seja, parte-se do pressuposto de que todo cidadão é umtrabalhador, e, por outro lado, de que todo trabalhador é fundamentalmente um cidadão.

O Constituinte, contudo, desceu a requintes de minúcias, parece que impregnado pela ideia de que os indivíduossão incapazes de impor seus direitos, ou também imbuído da convicção de que os sindicatos, com sua mentalidadedeteriorada pelo longo período de serviço à causa da política dominante ou ao interesse pessoal de dirigentessindicais não teriam competência para negociar as condições mínimas garantidoras da dignidade do trabalhador. Porisso preferiu criar e enumerar os direitos dos trabalhadores, e o fez a ponto de gerar pesados obstáculos à livre

iniciativa e principalmente ao progresso através da competição.59

O Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira – compõe-se de quatro capítulos:

I – Princípios Gerais da Atividade Econômica.

II – Política Urbana.

III – Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária.

IV – Sistema Financeiro Nacional.

6. PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICAO capítulo relativo aos princípios gerais que devem presidir à atividade econômica centrava-se, na redação

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original da Constituição, sobre três temas básicos. Em primeiro lugar, são discriminados efetivamente os princípios,em segundo, era estabelecido o tratamento protecionista para a empresa brasileira de capital nacional, e, emterceiro lugar, é fixado o papel do Estado dentro da ordem econômica.

Deter-nos-emos, neste livro, na análise dos princípios gerais da atividade econômica, que são contemplados nocapítulo 1. Os outros temas serão objeto de tratamento em livro específico sobre políticas econômicas.

6.1. Os princípios geraisO artigo 170 traça a estrutura geral do ordenamento jurídico econômico. Este tem como fundamento a

valorização do trabalho humano e a livre iniciativa.60 Aceitos tais fundamentos, a Constituição estabelece afinalidade de toda a atuação através de políticas econômicas, qual seja a de assegurar a todos existência digna,

conforme os ditames da justiça social.61 Para que os fundamentos sejam concretizados e para que os fins sejamalcançados, necessário se faz adotar alguns princípios norteadores da ação do Estado. Surgem, ao lado deprincípios já consagrados, alguns outros que decorrem das tendências modernas.

Observe-se que os fundamentos estabelecidos para a ordem econômica e financeira na Constituição de 1988, ouseja, a valorização do trabalho humano e a liberdade de iniciativa, figuravam na Constituição de 1967/69 comoprincípios (artigo 160, incisos I e II).

6.1.1. Soberania nacionalEste princípio não é uma mera repetição do que está consagrado no inciso I do artigo 1º, mas uma sua

complementação. A soberania política dificilmente sobrevive se não se completar com a soberania do ponto de vistaeconômico. As políticas econômicas a serem adotadas devem levar o Estado a firmar sua posição de soberaniainterdependente perante os demais Estados. A soberania nacional, aqui focalizada, decorre da autonomia conseguidapelas pessoas que integram a nação. Não se pode falar de soberania da nação se os indivíduos que a compõem sãoincapazes de reger-se por um padrão de vida digno de uma pessoa humana.

O princípio da soberania, ao lado dos princípios da igualdade e da solidariedade, integra os chamados princípiosfundamentais do direito internacional do desenvolvimento. Como tal, é ele defendido pelos países do chamado 3ºmundo, como instrumento de implementação dos princípios de não intervenção e de não agressão.

A Resolução n. 2625 (XXV) da O.N.U., de 24 de outubro de 1970, assegura aos Estados o direito de nãosofrerem qualquer intervenção de outro Estado com a finalidade de lhe impor direcionamentos econômicos. Ver, aeste respeito, neste livro, no final do capítulo referente à Ordem Econômica Internacional e Regional, o texto daCarta dos direitos e deveres econômicos dos Estados. O texto da Resolução n. 2625 assim diz:

Nenhum Estado nem grupo de Estados tem o direito de intervir, direta ou indiretamente, sobqualquer pretexto, nos negócios internos ou externos de um outro Estado. Consequentemente, nãosó a intervenção armada, mas também qualquer outra forma de ingerência ou qualquer ameaça,voltadas contra a personalidade de um Estado ou contra seus elementos polí cos, econômicos eculturais, são contrárias ao direito internacional.

Nenhum Estado pode aplicar nem es mular o uso de medidas econômicas, polí cas ou de qualqueroutra natureza para constranger outro Estado a subordinar o exercício de seus direitos soberanos ou

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para obter dele vantagens de qualquer ordem que seja.

A soberania, quer política, quer econômica, vem encontrando limites em sua conceituação e extensão a partir daimplantação, e principalmente da solidificação, dos Mercados Comuns. A soberania é hoje vista como integrada aosprincípios consagrados pela ordem jurídica internacional.

6.1.2. Propriedade privadaA Constituição consagra aqui importante princípio da ordem econômica, assegurando o direito de propriedade

privada individual. Este princípio está já estabelecido no inciso XXII do artigo 5º, devendo ali entender-segarantido o direito de propriedade atribuído ao indivíduo. O direito de propriedade individual é um pressuposto daliberdade de iniciativa. Esta somente existe como consequência e como afirmação daquele.

Parece que neste ponto o constituinte cometeu um erro lógico, pois que colocou a liberdade de iniciativa comofundamento e o direito de propriedade como princípio. Na verdade, o fundamento do princípio da liberdade deiniciativa se encontra na aceitação do direito da propriedade privada. Este erro não foi cometido pelas constituiçõesde 1946 e de 1967/69.

6.1.3. Função social da propriedadeO inciso III do artigo 170 deve ser visto em consonância, ou até mesmo como repetição viciosa, do disposto no

inciso XXIII do artigo 5º O princípio da função social da propriedade passou a integrar os textos constitucionaisdesde 1934, contrariando o direcionamento do liberalismo impresso nos textos de 1824 e 1891 em que se garantia odireito de propriedade em toda a sua plenitude. O princípio da função social da propriedade está hoje fixado no art.421 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o novo Código Civil.

É este princípio que informa as disposições constitucionais insculpidas nos artigos 182 a 191, traçandoparâmetros para uma adequada política urbana e uma justa política agrária.

6.1.4. O princípio da livre concorrênciaAfirmando uma opção pelo regime de economia de mercado e assumindo essa postura ideológica, a

Constituição adota como princípio a mola básica que rege aquele tipo de organização da economia. Garante-se aliberdade de concorrência como forma de alcançar o equilíbrio, não mais aquele atomístico do liberalismo tradicional,mas um equilíbrio entre os grandes grupos e um direito de estar no mercado também para as pequenas empresas.

É preciso assinalar que o Constituinte optou por um aspecto positivo ao adotar como princípio a liberdade de

concorrência.62 Até então os textos constitucionais se preocupavam em reprimir o abuso do poder econômico.Aliás, a Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994, em seu artigo 1º, já definia bem a mudança de direcionamento, aoestabelecer:

Esta lei dispõe sobre a PREVENÇÃO e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientadapelos ditames cons tucionais de liberdade de inicia va, livre concorrência, função social dapropriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.

A Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011, que veio substituir a Lei n. 8.884, de 1994, adota o mesmo

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posicionamento de PREVENÇÃO e de repressão, como se vê pela dicção do art. 1º:

Esta Lei estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC – e dispõe sobre a prevençãoe a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames cons tucionais deliberdade de inicia va, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores erepressão ao abuso do poder econômico.

6.1.5. Princípio da defesa do consumidorO constituinte entendeu, seguindo as modernas correntes do direito, que um dos elos da economia de mercado é o

consumidor, e por isso impõe ao Estado a sua proteção. A proteção ao consumidor tem duas facetas, importantesambas; protege-se ao consumidor dentro de uma perspectiva microeconômica e microjurídica; mas ao Estadointeressa, também como uma das formas de preservar e garantir a livre concorrência, proteger o consumidor atravésda adoção de políticas econômicas adequadas.

Este direcionamento podia ver-se já no Programa de Proteção ao Consumidor constante da mensagempresidencial de JOHN KENNEDY, em 1962, ao Congresso, em que afirma:

O Governo Federal – por natureza o mais elevado interlocutor para todo o povo – tem obrigaçãoespecial de estar alerta para as necessidades do consumidor e para implementar os interesses doconsumidor. Desde que foi promulgada lei em 1872 para proteger o consumidor contra fraudesrela vas à u lização do correio dos Estados Unidos, o congresso e o Execu vo tornaram-se cada vezmais cônscios de sua responsabilidade de tornar garan do que a economia de nossa Nação servehonesta e adequadamente os interesses do consumidor.

Para promover a mais plena realização destes direitos do consumidor, será necessário que osprogramas do Governo existentes sejam fortalecidos, que a organização do Governo seja

implementada, e, em determinadas áreas, que sejam promulgadas novas leis.63

A Organização das Nações Unidas, através da Resolução n. 39/248, de 9 de abril de 1985, estabeleceudiretrizes destinadas a proporcionar aos governos um marco para a elaboração e o fortalecimento da legislaçãoe as políticas de proteção do consumidor.

No âmbito das Comunidades Europeias, foram promulgadas as Resoluções do Conselho de 14 de abril de 1975e de 19 de maio de 1981, para impor, a nível comunitário, uma política de proteção e de informação do consumidor.

Sob o influxo desse direcionamento comunitário, a Constituição Portuguesa de 1976, com a revisão de 1982 e asmodificações da Lei Constitucional de 8 de julho de 1989, estabeleceu, no artigo 60, a obrigatoriedade daimplementação de medidas destinadas a tornar efetiva aquela proteção. A Constituição Espanhola de 1978,no artigo 51, também impôs aos poderes públicos a obrigação da defesa dos consumidores.

No Brasil, na linha dessa conduta, o princípio constitucional da defesa do consumidor veio tomar corpo no artigo4º da Lei n. 8.078/90, estabelecendo os parâmetros da Política Nacional de Relações de Consumo, e fixando osprincípios que deverão nortear o Estado na implementação dessa política.

6.1.6. Princípio da defesa do meio ambiente

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Este princípio constitui-se numa limitação do uso da propriedade. Visa colocar a atividade industrial ou agrícolanos limites dos interesses coletivos.

O constituinte, ao inserir no texto constitucional o princípio garantidor da defesa do meio ambiente, está tornando-se um eco das preocupações internacionais a respeito do assunto. Em 1972, quando da realização da Conferência deEstocolmo, como determinado na Resolução 2398 (XXIII) da ONU, estabeleceu-se a Declaração da Conferência

das Nações Unidas sobre o meio ambiente humano.64 Em 1985, a Assembleia Geral das Nações Unidas atribuiu aoPrograma das Nações Unidas para o Meio Ambiente – P.N.U.M.A. – a tarefa de estabelecer as estratégias aserem adotadas para proteção do meio ambiente, colocando como marco para enfatizar essa preocupação o ano2000. Foi então criada uma Comissão presidida pela Primeira-Ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland. EssaComissão publicou em 1987 um relatório, que ficou conhecido como Relatório Brundtland, no qual se destaca oprincípio que se firmou como o do desenvolvimento sustentável. Em 1988, pela Resolução 43/196, a XLIII Sessãoda Assembleia Geral das Nações Unidas decidiu realizar até 1992 uma conferência sobre meio ambiente. O Brasilse ofereceu para sediar o evento. Realizou-se no Rio de Janeiro, no período de 3 a 14 de junho de 1992 aConferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Dessa conferência surgiu a Declaraçãodo Rio de Janeiro, podendo-se destacar, dentre os vinte e sete princípios, os seguintes:

Princípio 1

Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direitoa uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza.

Princípio 2

Os Estados, de conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de DireitoInternacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos segundo suas própriaspolí cas de meio ambiente e desenvolvimento, e a responsabilidade de assegurar que a vidades sobsua jurisdição ou controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas alémdos limites da jurisdição nacional.

Princípio 3

O direito ao desenvolvimento deve ser exercido, de modo a permi r que sejam atendidasequitativamente as necessidades de gerações presentes e futuras.

Em decorrência desse direcionamento, pode-se dizer que surgiu um novo corpo de normas destinadas a reger a

atuação do Estado no campo da preservação do meio ambiente.65

Em 2012, a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável – CNUDS – realizou no Riode Janeiro o evento denominado “Rio mais Vinte”, coroado pela Resolução conhecida como “O futuro que

queremos”66.

6.1.7. Princípio da redução das desigualdades regionais e sociaisTambém este princípio da ordem econômica e financeira está em sintonia com os objetivos estabelecidos no

artigo 3º da Constituição, que preconiza a erradicação da pobreza e a marginalização e redução das desigualdadessociais e regionais, bem como ainda a promoção do bem de todos, dentro de um quadro de garantia do

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desenvolvimento de âmbito nacional.

A Declaração do Rio, no princípio 5, impõe a necessidade de se eliminar as diferenças de desenvolvimento. Dizesse princípio:

Princípio 5

Todos os Estados e todos os indivíduos, como requisito indispensável para o desenvolvimentosustentável, devem cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza, de forma a reduzir asdisparidades nos padrões de vida e melhor atender as necessidades da maioria da população domundo.

A Resolução n. 66/288 da Assembleia Geral das Nações Unidas, que contém o documento final da “Rio maisVinte”, é também explícito no sentido de impor o dever de erradicação da pobreza como exigência para conseguir-se o desenvolvimento sustentável:

2. A erradicação da pobreza é o maior desafio global que o mundo hoje enfrenta e uma exigênciaindispensável para o desenvolvimento sustentável. Em razão disto, estamos comprome dos emlibertar a humanidade da pobreza e fome como questão de urgência.

6.1.8. Princípio da busca do pleno empregoEste princípio vinha já insculpido entre os fixados pelo artigo 160 da Constituição de 1967/69, como expansão das

oportunidades de emprego produtivo. Na verdade, a preocupação do constituinte se centra na ênfase dodesenvolvimento bem como na garantia de aproveitamento adequado de todas as potencialidades do país dentro doprincípio da eficiência.

6.1.9. Princípio do tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capitalnacional de pequeno porte

Aqui já se adentra a questão proposta pela pergunta a respeito da conveniência de o Estado assumir, nos dias dehoje, um tratamento a título de favorecimento. Esse questionamento será analisado no tópico seguinte. Aquiinteressa somente focalizar o problema relativo às empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.

Tal princípio encontra tratamento normativo mais amplo no artigo 179, ao determinar que será dispensado àsmicroempresas e às empresas de pequeno porte tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las.

O parágrafo único do artigo 170 assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. O intuito seria o de eliminarentraves burocráticos para o exercício de qualquer atividade econômica, porque o conteúdo desse dispositivo já estáincluído no “caput” do artigo que assegura a liberdade de iniciativa.

6.2. O tratamento protecionistaO artigo 171 trazia conteúdo altamente polêmico. Depois de distinguir entre “empresa brasileira” e “empresa

brasileira de capital nacional”, a Constituição dispunha naquele artigo que “a lei poderá conceder proteção ebenefícios especiais temporários para desenvolver atividades consideradas estratégicas para a defesa

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nacional ou imprescindíveis ao desenvolvimento do País” (parágrafo primeiro, inciso I). E permitia, ainda, aadoção de outras condições e requisitos, como o controle das atividades tecnológicas da empresa e a imposição depercentuais de participação no capital, de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou de entidades de direitopúblico interno.

Não há dúvida de que se tratava de medidas altamente protecionistas para as empresas brasileiras de capitalnacional, afrontando os princípios da livre concorrência. Indagava-se se tal protecionismo se coadunava com odirecionamento moderno da economia de mercado. Enquanto declinava o nacionalismo e se impunha atransnacionalização da economia, esse artigo contradizia frontalmente o princípio da liberdade econômica e criavaum novo protecionismo. Instituía-se um forte cartorialismo como forma de proteger paternalistamente a empresa

brasileira dos riscos da concorrência, ignorando que somente esta faz crescer e desenvolver.67

Na análise deste dispositivo constitucional e por ocasião da revisão constitucional, havia que levar-se em contaas duas vertentes de pensamento que se confrontam. De um lado, se exige uma abertura da economia, de outro,mostra-se necessário pensar numa forma possível de proteção da economia nacional. Surgiu, assim,, uma outrainterpretação que se expressa em termos de liberalismo social, e que fora propugnada pelo presidente mexicanoCarlos Salinas de Gortari:

SOBERANIA.

Para o liberalismo social a soberania é razão de sobrevivência e obje vo único que dá sen do àsmetas que perseguimos, precisamente porque queremos que sejam nossas e que ninguém no-lasdefina.

O neoliberalismo, em troca, considera que a globalização e os processos de integração regional sãorazões suficientes para declarar as fronteiras como estorvo, o nacionalismo como caduco e a soberaniada nação como preocupação do passado.

(…)

Só a proposta do liberalismo social fortalece nossa soberania. Maior inter-relação econômica nãoinclui, nem permi remos que inclua, a integração polí ca, pelo contrário, nos diversificamos nasrelações internacionais para ser mais fortes poli camente e, ao mesmo tempo, buscamos derivar afortaleza econômica interna da a va par cipação nas regiões que concentram a dinâmica docrescimento mundial.

Ao expressar a ideologia de seu partido, reafirmou Salinas de Gortari que ela “se fundamenta nonacionalismo”. E explica:

Nosso liberalismo social propõe um nacionalismo para o final deste século e para o século XXI: umnacionalismo que conserva seu sen do histórico e que é aberto e a vo perante o exterior, paraproteger melhor o próprio; é democrá co e respeita a dignidade das pessoas, para que todos seincluam na defesa da nação; é tolerante, defensor dos direitos humanos e das liberdades e promotor

da justiça.68

Não pode uma sede revisionista impensada partir do pressuposto da necessidade de modernização para adotardecisões que ponham em cheque a soberania nacional e que, sob pretexto de abrir a economia aos investimentosestrangeiros, chegue na verdade a entregar o mercado nacional ao poder econômico internacional. Mas também não

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se podia manter um posicionamento contrário ao moderno direcionamento da economia. Assim é que a EmendaConstitucional n. 6, de 15 de agosto de 1995, revogou a disposição contida no artigo 171 da Constituição Federal.

Permanece a disposição do artigo 172 segundo a qual “a lei disciplinará, com base no interesse nacional, osinvestimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros”. Estáclaro que a limitação imposta ao capital estrangeiro, a nível constitucional, foi sobremaneira forte, a ponto de afastá-lo.

A Lei n. 4.131, de 3 de setembro de 1962, que foi promulgada com a finalidade de disciplinar a aplicação docapital estrangeiro e as remessas de valores para o exterior, definiu, no artigo 1º, o que se deveria entender porcapital estrangeiro. Determinam os dois primeiros artigos dessa Lei:

Art. 1º Consideram-se capitais estrangeiros, para os efeitos desta lei, os bens, máquinas eequipamentos, entrados no Brasil sem dispêndio inicial de divisas, des nados à produção de bens ouserviços, bem como os recursos financeiros ou monetários, introduzidos no país, para aplicação ema vidades econômicas desde que, em ambas as hipóteses, pertençam a pessoas sicas ou jurídicasresidentes, domiciliadas ou com sede no exterior.

Art. 2º Ao capital estrangeiro que se inves r no País, será dispensado tratamento jurídico idên co aoconcedido ao capital nacional em igualdade de condições, sendo vedadas quaisquer discriminaçõesnão previstas na presente lei.

A Lei n. 4.390, de 29 de agosto de 1964, alterou alguns dispositivos da Lei n. 4.131, de 1962. E ainda, o Decreton. 1.251, de 1994, modificou o artigo 52 do Decreto n. 55.762, de 1965. A Medida Provisória n. 851, de 1995, alterou

os artigos 23 e 58 da Lei n. 4.131, de 1962, modificados pela Lei n. 4.390, de 1964. As Medidas Provisórias nos 911,953, 978, 1.004 e 1.027, todas de 1995, convalidam os atos praticados com base na Medida Provisória n. 851. A MPn. 1.027/95, por sua vez, foi convertida na Lei n. 9.069, de 1995, que altera os §§ 2º e 3º do artigo 23 e o artigo 58 daLei n. 4.131/62 (artigo 72).

Assinalem-se, para futuras análises, os trabalhos em torno da elaboração de um Código Internacional de Condutapara regular a atuação das Empresas Transnacionais.

6.3. O papel do Estado na ordem econômicaOs artigos 173 e 174 procuram definir o papel que deve passar a ser desempenhado pelo Estado. O artigo 173

se refere à exploração direta de atividade econômica pelo Estado, limitando-a. Já o artigo 174 delineia o papel doEstado como agente normativo e regulador da atividade econômica.

Para uma perfeita percepção da mudança de direcionamento, será útil confrontar os textos do artigo 163 daConstituição de 1967/69 e do artigo 173 da Constituição de 1988. Ei-los:

Art. 163. São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústriaou a vidade, mediante lei federal, quando indispensável por mo vo de segurança nacional ou paraorganizar setor que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime de compe ção e de liberdadede iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais.

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Cons tuição, a exploração direta de a vidadeeconômica pelo Estado só será permi da quando necessária aos impera vos da segurança nacional ou

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a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

Enquanto no texto de 1967/69 se diz que “são facultados” a intervenção e o monopólio, o de 1988 determinaque a exploração direta de atividade econômica pelo Estado “só será permitida”. Enquanto no primeiro caso háuma faculdade aberta ao Estado, no segundo existe uma proibição que permite exceções.

Para completar, a Constituição, no artigo 174, revela que o papel principal do Estado será o de “agentenormativo e regulador da atividade econômica”. E esclarece que essas funções se corporificam nafiscalização, no incentivo e no planejamento.

6.3.1. O abuso do poder econômico: papel repressor do EstadoHá que fazer-se uma observação quanto ao § 4º do artigo 173, cujo conteúdo é o seguinte:

A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação daconcorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

A Constituição de 1948 inscrevera essa matéria num artigo independente. Já a Constituição de 1967/69 deu aesse dispositivo o nível de princípio da ordem econômica e social e o inseriu no artigo 160. O constituinte de 1988errou gravemente ao colocar essa norma no contexto do artigo 173 que nada tem a ver com abuso de podereconômico. De qualquer sorte, pela importância que a matéria vem hoje tendo, tal norma mereceria figurar emartigo, e não num simples parágrafo.

O conteúdo desse dispositivo é a contrapartida à atuação do Estado para defender e garantir a livre atuação dasempresas no mercado, a que se fez referência acima.

Concretizando este princípio constitucional, o artigo 36, IV, da Lei nº 12.529, de 2011, repetindo o que já constavada Lei nº 8.884, de 1994, considera infração da ordem econômica o exercício abusivo de posição dominante.

6.3.2. A privatização: o afastamento do EstadoDentre as considerações sobre o novo papel do Estado no âmbito da atividade econômica, deve-se fazer uma

menção prévia sobre o fenômeno da privatização, que será objeto de estudo mais detalhado sobre as diversasmodalidades de atuação do Estado no domínio econômico.

A Constituição Federal de 1988 mudou fundamentalmente o direcionamento jurídico da posição do Estado nocampo da atividade econômica.

O artigo 170 da Constituição Federal, ao traçar os parâmetros da Ordem Jurídico-Econômica Brasileira,privilegiou o fundamento da liberdade de iniciativa , que, pela sua própria conceituação doutrinária e legal, limita aintervenção do Estado no domínio econômico.

E é este justamente o contexto normativo do Título VII da Constituição. Assim é que o artigo 173 da CFestabelece:

Ressalvados os casos previstos nesta Cons tuição, a exploração direta de a vidade econômica peloEstado SÓ SERÁ PERMITIDA quando necessária aos impera vos da segurança nacional ou a relevanteinteresse coletivo, conforme definidos em lei.

Vê-se, assim, que o Constituinte de 1988 mudou inteiramente a situação anterior, vigente ao tempo da

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Constituição de 1967, quando a atividade estatal era supletiva da iniciativa privada, justificando-se, àquela época,de forma ampla a exploração direta, pelo Estado, da atividade econômica.

Agora, após o texto constitucional de 1988, “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado SÓSERÁ PERMITIDA quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interessecoletivo”, exigindo-se ainda que os imperativos e o relevante interesse sejam definidos em lei. E o textoconstitucional valeu-se também do termo “imperativos”, que tem o sentido legítimo de mandamento, de ordem, deexigência.

Pelo conjunto dos elementos significativos utilizados pelo Legislador Constituinte, conclui-se que sua intenção foi,e é, a de vedar, proibir que o Estado aja como empresário.

Essa opção política, econômica e social é importante seja entendida em toda a sua profundidade, pois que será elaa condicionar o encaminhamento legislativo destinado a dar concretude ao mandamento constitucional.

O Legislador Constituinte quer afastar o Estado da atuação direta no âmbito da economia, do exercício eexploração direta da atividade econômica, e, portanto, da participação em empresas como acionista. Invocava-se aimpotência da empresa, diante dos ingentes desafios dos empreendimentos, para justificar a ação do Estado. Agora,a ineficiência deste fala em favor da iniciativa privada.

Por outro lado, o artigo 174 da Constituição Federal vem delinear qual será o papel do Estado dentro docontexto da Nova Ordem Jurídico-Econômica. Aí está preceituado que a atuação do Estado se dará comoAGENTE NORMATIVO E REGULADOR da atividade econômica. Dentro dessa sua nova configuração, terá ele,precipuamente, três funções: FISCALIZAR, INCENTIVAR e PLANEJAR.

A partir da Constituição Federal de 1988, as atividades ditas essenciais do Estado são aquelas discriminadasno Título VIII da Lei Maior, ou seja, a seguridade social, saúde, educação, e demais problemas correlatos.

No âmbito da economia, o Estado assume importante função, qual seja a de zelar superiormente e garantir,através da fiscalização, incentivo e planejamento, a eficácia dos princípios traçados no artigo 170 CF.

Os contornos constitucionais dessa Nova Ordem Jurídico-Econômica levam à conclusão lógica de que, a partirda promulgação da Constituição de 1988, todas as participações acionárias do Estado se tornaraminconstitucionais, a exigir uma pronta tomada de posição legislativa e administrativa no sentido de dar cumprimentoao novo imperativo constitucional.

Essa Nova Ordem exige que, de pronto, sejam transferidas para a iniciativa privada todas as participaçõesdo Estado na atividade econômica direta.

6.3.3. A efetivação das privatizaçõesA efetivação das privatizações iniciou-se com o governo Collor. A questão, contudo, não pode ser vista como

uma obra daquele governo, embora tenha começado a concretizar-se no período de sua gestão. Não se podemconfundir os planos de concretização constitucional e político-econômico, com eventos de índole meramente político-partidária.

A Constituição de 1988 veio concretizar os anseios de afastamento do Estado da atividade econômica,existentes anteriormente a ela. Promulgada a nova Constituição, iniciaram-se imediatamente os direcionamentostécnico-administrativos no sentido de concretizar a postura do Estado na Nova Ordem Jurídico-Econômica.

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Anteriormente à promulgação da Constituição de 1988, tinham sido já editados dois importantes diplomaslegislativos: o Decreto n. 91.991, de 28 de novembro de 1985, e o Decreto n. 95.886, de 29 de março de 1988, querevogou o primeiro. O artigo 1º deste último Decreto já instituía “o Programa Federal de Desestatização, com osseguintes objetivos: I – transferir para a iniciativa privada atividades econômicas exploradas pelo setor público;” E oartigo 2º do mesmo Decreto estabelecia: “O Programa Federal de Desestatização será executado por meio deprojetos de privatização e de desregulamentação”.

Na data em que tomava posse o Governo Collor, já estavam prontos os estudos e projetos destinados a viabilizara privatização, tanto que, na mesma data da posse, era editada a Medida Provisória n. 155, de 15 de março de

1990, instituindo-se o Programa Nacional de Desestatização.69

Essa Medida Provisória se transformou na Lei n. 8.031, de 12 de abril de 1990, dando assim condição dedefinitividade ao Programa Nacional de Desestatização.

A linha de pensamento desse Programa é a de reordenar a posição estratégica do Estado na economia,transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público. Essa determinaçãofoi mantida pela Lei n. 9.491/97.

É óbvio que a saída do Estado desse campo de atuação direta na economia efetivar-se-á simultaneamente com acontribuição para a redução da dívida pública , concorrendo para o saneamento das finanças do setor público,permitirá a retomada dos investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativaprivada, contribuirá para a modernização do parque industrial do País, ampliando sua competitividade ereforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia, permitirá que a Administração públicaconcentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução dasprioridades nacionais, contribuirá para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta devalores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa (cf.artigo 1º da Lei n. 8.031/90).

Para cumprimento desses imperativos, necessário se fazia transferir para o setor privado aquelas empresasque eram, e são, controladas, direta ou indiretamente, pela União, e aqueloutras que, criadas pelo setor privado,passaram ao controle, direto ou indireto, da União. Esse é o fenômeno da privatização.

O § 1º do artigo 2º da Lei n. 8.031/90 definia a privatização como a “alienação, pela União, de direitosque lhe assegurem, diretamente ou através de outras controladas, preponderância nas deliberações sociais e opoder de eleger a maioria dos administradores da sociedade”. Já a Lei n. 9.491, de 1997, substituiprivatização por desestatização, mas conserva a mesma definição, complementando-a com o conceito detransferência para a iniciativa privada “da execução de serviços públicos explorados pela União, diretamenteou através de entidades controladas, bem como daqueles de sua responsabilidade”.

Vê-se, portanto, que o direcionamento legislativo para a concretização do mandamento constitucional já estavaelaborado anteriormente à posse do presidente eleito em 1989 e empossado em 15 de março de 1990.

6.3.4. A privatização como fenômeno mundialNão se pode, portanto, entender que a privatização fosse a obra de um novo governo. É ela a nova orientação

de nível constitucional, além de ser também o eco de um movimento mundial.

A intervenção do Estado no domínio econômico atua de forma pendular. A períodos em que se defende

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intransigentemente o absenteísmo do Estado da esfera econômica sucedem-se outros em que se deseja e se exigeque o Estado intervenha, e até mesmo atue, no domínio econômico. Em movimento de ordem inversa, a períodos emque o Estado interveio e atuou no domínio econômico, às vezes mesmo de forma excessiva, sucedem-se outros emque se defende e se impõe uma retração, uma retirada.

A comunidade mundial vive hoje esse momento de recuo do Estado, que sente a necessidade de incentivar eestimular a iniciativa privada, vive e concretiza a conveniência de o Estado não atuar diretamente no domínioeconômico, a imperatividade de o Estado não explorar diretamente a atividade econômica. A atuação estatal vê-se,consequentemente, limitada à esfera normativa e reguladora da atividade econômica.

O movimento pela privatização encontra eco em todo o mundo. Desde os países antes tidos como capitalistas,ou neocapitalistas, até os países de corrente socialista, todos defendem a limitação do Estado, a sua contenção noâmbito da atuação como AGENTE NORMATIVO E REGULADOR, sem o absenteísmo característico do períodoliberal.

Para que se tenha uma visão isenta dessa anterioridade do movimento de privatização e de seu totaldescompromisso com um determinado Governo, basta lembrar as referências feitas por LUCIEN RAPP, em livroeditado na França em 1986. Ali diz ele:

Nos países em desenvolvimento o mesmo processo de priva zação, por razões financeiras, pode serobservado: na África, e por exemplo na Nigéria, cujo endividamento absorve 40% de suas receitas deexportação, mas também em Angola, em Moçambique, no Congo, no Senegal, em Máli ou na AméricaLa na NOTADAMENTE NO BRASIL; país em que o setor público produ vo ocupa um lugarfrequentemente dominante na economia porque as empresas públicas aí foram os instrumentos

privilegiados da planificação do desenvolvimento.70

O artigo 4º da Lei n. 8.031, de 12 de abril de 1990, veio estabelecer as formas operacionais:

Art. 4º Os projetos de privatização serão executados mediante as seguintes formas operacionais:

I – alienação de par cipação societária, preferencialmente mediante a pulverização de ações junto aopúblico, empregados, acionistas, fornecedores e consumidores;

II – abertura de capital;

III – aumento de capital com renúncia ou cessão, total ou parcial, de direitos de subscrição;

IV – transformação, incorporação, fusão ou cisão;

V – alienação, arrendamento, locação, comodato ou cessão de bens e instalações; ou

VI – dissolução de empresas ou desa vação parcial de seus empreendimentos, com a consequentealienação de seus ativos.

É preciso salientar que o legislador optou por indicar formas operacionais amplas, seguindo neste pormenororientação legislativa já existente e que permanece vigente e eficaz, qual seja o dispositivo do artigo 15 doDecreto-lei n. 2.300, de 21 de novembro de 1986, verbis:

Art. 15. A alienação de bens da União e de suas autarquias, subordinada à existência de interessepúblico devidamente jus ficado, será sempre precedida de avaliação e obedecerá às seguintesnormas:

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I – quando imóveis

II – quando móveis, dependerá de avaliação prévia e de licitação, dispensada esta nos seguintes casos:

……………………………………………………….(omissis)……………………………………………………

b) permuta;

c) venda de ações, que poderão ser negociadas em bolsa, observada a legislação específica;

……………………………………………………….(omissis)……………………………………………………

A Lei n. 8.031/90 conferiu à Comissão Diretora competência para a realização dos atos necessários àconcretização da privatização. Trata-se de poderes discricionários para tomar decisões quanto a questões que nãopodem ser previstas minudentemente pela lei.

Para a implementação de tal desiderato dispõe o artigo 6º da Lei n. 8.031:

Art. 6º Compete à Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização:

……………………………………………………….(omissis)……………………………………………………

V – coordenar, supervisionar e fiscalizar a execução do Programa Nacional de Desestatização;

VI – aprovar ajustes de natureza operacional, contábil ou jurídica, bem como o saneamento financeirode empresas, que sejam necessários à implantação dos processos de alienação;

VII – aprovar as condições gerais de venda das ações representa vas do controle acionário, daspar cipações minoritárias e de outros bens e direitos, aí se incluindo o preço mínimo dos bens ouvalores mobiliários a serem alienados;

VIII – aprovar a destinação dos recursos provenientes das alienações, previstas no artigo 15;

IX – aprovar as formas de pagamentos das alienações previstas no artigo 16;

……………………………………………………….(omissis)……………………………………………………

O artigo 9º do Decreto n. 99.463, de 16 de agosto de 1990, ao regulamentar a competência da ComissãoDiretora, manteve-se estritamente dentro dos limites da Lei n. 8.031/90. É, por isso mesmo, inquestionável a sua

constitucionalidade e legalidade. Nenhuma censura se lhe pode fazer.71

É óbvio que, para o exercício dessa competência, deveria a Comissão Diretora ter ao seu alcance uminstrumento normativo adequado. Não se lhe pode, portanto, censurar a utilização da Resolução, justamentecomo o meio próprio para aprovar as condições gerais de alienação de ações , fixando inclusive o preço mínimo,para aprovar as formas de pagamento do preço dos bens, direito ou valores mobiliários objeto daalienação, de acordo com as diretrizes e a política econômica do Governo Federal, estabelecidas pelo Ministério daEconomia, Fazenda e Planejamento (Decreto n. 99.463/90, art. 9º, IX e X).

E a Comissão Diretora exerceu esse poder discricionário que lhe é atribuído pela Lei e regulamentado porDecreto, através de Resoluções.

Por outro lado, o artigo 38 do Decreto n. 99.463/90 veio estabelecer para o adquirente de participaçãosocietária ou de elementos do ativo patrimonial de sociedade incluída no Programa Nacional de Desestatização umpoder, uma faculdade, em que estão contempladas outras formas de pagamento definidas em RESOLUÇÃO daComissão Diretora, inclusive a assunção de dívidas do controlador.

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Inegável, portanto, a teor do disposto na Lei n. 8.031/90, em seu artigo 6º, o poder discricionário conferidolegalmente à Comissão Diretora.

Nem poderia ser diversamente, posto que se trata de disciplinar, regulamentar e direcionar atividades jurídico-econômicas a ser desenvolvidas no fervilhar do mercado , que, pela sua própria natureza, não comporta umaregulamentação estrita, imutável e elaborada distantemente do acontecer imediato dos fatos.

O legislador previu as formas operacionais para pagamento das alienações, considerando o poderdiscricionário concedido à Comissão Diretora.

A discriminação das formas operacionais se fez exemplificativamente, não taxativamente. É o que se deduzdo teor do artigo 16 da Lei n. 8.031/90:

Art. 16. Para o pagamento das alienações previstas no Programa Nacional de Desesta zação, PODERÃOSER ADOTADAS as seguintes formas operacionais:

I – as ins tuições financeiras privadas, credoras das empresas depositantes de ações junto ao FundoNacional de Desesta zação, poderão financiar a venda das ações ou dos bens das empresassubmetidas à privatização, mediante a utilização, no todo ou em parte, daqueles créditos;

II – os detentores de tulos da dívida interna vencidos, emi dos pelo alienante das ações ou dos bense que contenham cláusula de coobrigação de pagamento por parte do Tesouro Nacional poderãoutilizá-los como forma de quitação de aquisição, caso sejam adquirentes das referidas ações ou bens;

II I – mediante transferência de tularidade dos depósitos e outros valores re dos junto ao BancoCentral do Brasil, em decorrência do Plano de Estabilização Econômica.

O legislador preferiu adotar a enumeração exemplificativa, e não taxativa, através da norma contida na Lei n.8.031, primeiro porque se trata de questão a ser dirimida no âmbito do mercado, que tem leis próprias que nãopodem sofrer a pressão presumidamente determinista da norma jurídica, segundo porque, do ponto de vistaconstitucional e legal, há órgãos que têm competência para intervir normativamente no domínio econômico eestabelecer regras e normas destinadas a reger as situações jurídico-econômicas.

7. OUTRAS FUNÇÕES DO ESTADOO s artigos 175, 176, 177, 178 e 180 da Constituição de 1988 contêm normas garantidoras da atuação do

Estado em determinados domínios, como o de prestação de serviços públicos sob regime de concessão, o dapropriedade das jazidas , o do monopólio de petróleo e gás natural, o do transporte aéreo, marítimo eterrestre, e ainda o da obrigação de promover e incentivar o turismo como fator de desenvolvimento social eeconômico..

Será importante ressaltar a mudança no direcionamento do papel do Estado. A Lei n. 8.987, de 13 de fevereirode 1995, veio disciplinar o regime de concessão ou permissão, para a prestação de serviços públicos prevista noartigo 175 da Constituição Federal. Saliente-se também a Lei n. 9.074, de 7 de julho de 1995, que outorga eprorroga concessões e permissões de serviços públicos.

A Emenda Constitucional n. 9, de 9 de novembro de 1995, alterou os parágrafos do artigo 177 da Constituiçãode 1988. Este artigo tinha, na redação original, dois parágrafos:

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§ 1º O monopólio previsto neste ar go inclui os riscos e resultados decorrentes das a vidades nelemencionadas, sendo vedado à União ceder ou conceder qualquer po de par cipação, em espécie ouem valor, na exploração de jazidas de petróleo ou gás natural, ressalvado o disposto no art. 20, § 1º.

§ 2º A lei disporá sobre o transporte e a utilização de materiais radioativos no território nacional.

A Emenda Constitucional n. 9/95 mudou a redação e acrescentou um parágrafo, ficando assim a redação atual:

1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das a vidades previstasnos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei.

2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre:

I – a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional;

II – as condições de contratação;

III – a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União.

3º A lei disporá sobre o transporte e a utilização de materiais radioativos no território nacional.

Esta alteração das disposições constitucionais acarretou o que se chamou de “quebra do monopólio” estatal dopetróleo.

A alteração introduzida no art. 178 através da Emenda Constitucional n. 7, de 15 de agosto de 1995, acarretoutambém a quebra do monopólio estatal estabelecida pela redação anterior. Por força dessa Emenda, o art. 178passou a ter a seguinte redação:

Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquá co e terrestre, devendo, quantoà ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido oprincípio da reciprocidade.

Parágrafo único. Na ordenação do transporte aquá co, a lei estabelecerá as condições em que otransporte de mercadorias na cabotagem e a navegação interior poderão ser feitos por embarcaçõesestrangeiras.

NORTH, Douglass C. “Institutions are the rules of the game in a society….Organizations provide a structure tohuman interac on (poli cal, economic, social and educa onal bodies…)”. Ins tu ons, ins tu onal changeand economic performance, 1990.

Idee zu einer allgemeinen Geschichte in weltbürgerlicher Absicht.

PASINI, D. Diritto, società e stato in Kant. p. 222.

Economía y sociedad: esbozo de sociología comprensiva. 1969. p. 251.

Cf. KIRK, G. S. e RAVEN, J. E. Os filósofos pré-socráticos. 1982. p. 95-139. ARISTÓTELES. Política. 1.326a: “A lei éuma forma de ordem, e uma boa lei deve necessariamente significar uma boa ordem”.

Assinala Ortega y Gasset: “Dotado de uma capacidade de trabalho prodigiosa, Mirabeau era um organizadornato. Onde quer que chegasse, estabelecia ordem, sintoma supremo do grande polí co. Estabelecia ordem

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no bom sen do da palavra, o qual exclui, como recursos normais, polícia e baionetas. Ordem não é umapressão que se exerce de fora sobre a sociedade, mas um equilíbrio que se cria em seu interior” (Históriacomo sistema – Mirabeau ou o político. Brasília: UNB, 1982. p. 82).

“Uma de nossas principais teses é que, embora ordem espontânea e organização devam sempre coexistir, nãoé possível combinar esses dois princípios de ordem a nosso bel-prazer. Isso é em geral poucocompreendido porque, para a determinação de ambos os pos de ordem, temos de nos valer de normas, eporque as diferenças importantes entre as normas exigidas pelas duas modalidades de ordemfrequentemente não são percebidas” (F. A. HAYEK. Direito, legislação e liberdade. v. I. p. 50).

A denominação de performativos provém do estudo de John L. Aus n: “Performative utterance”. Ali afirmaaquele autor: “Tendes todo o direito de ignorar o significado de ‘performativo’. É uma palavra nova e feia, etalvez não queira dizer mesmo nada. Contudo, pelo menos tem um lado posi vo: Não é uma palavraprofunda.” “Trata-se de enunciados absolutamente normais, com verbos comuníssimos na primeira pessoasingular do presente indica vo a vo, mas que, veremos logo, não podem de nenhum modo serverdadeiros ou falsos. Além disso poder-se-ia dizer que com o proferir enunciados de tal po se faz e nãosomente se diz alguma coisa.” “Ora, aos enunciados deste po eu os chamo de performativos” (Enunciaperforma vi. In: Diri o e analisi del linguaggio, a cura di Uberto Scarpelli. Milano: Edizioni di Comunità.1976. p. 123-141. Cf. também OPALEK, Kazimierz. Il problema del significato dire vo. Ibidem. p. 143-162.AUSTIN, J.L. Palabras y acciones, 1971. TWINING, William e MIERS, David. Come far cose con regole:Interpretazione e applicazione del diritto. 1990.

Observa Yan Patrick: “No direito primi vo romano, essencialmente ritualista e oral, a fórmula não é umaexpressão acrescentada, mas produto, por uma espécie de intrínseca regulação, das situações vincula vas.‘UTI LINGUA NUNCUPASSIT, ITA JUS ESTO”: não se poderia fazer ver melhor, com esta regra das XII Tábuasrela va aos atos jurídicos (NEXUM: emprés mo; MANCIPIUM: transferência real), que a força do direitoreside nas palavras que o realizam. Le droit entre les mots et les choses. In: Archives de philosophie dudroit. 1978. p. 95).

Greimas, o grande estudioso da linguagem a nível semântico, afirma: “o plano do discurso, no seu conjunto,é caracterizado por esta heterogeneidade fundamental: de um lado, os semas, os lexemas e os enunciadosque se encontram aí podem manter entre si relações de conjunção ou de disjunção: de outro lado, osmesmos elementos podem ser ligados por relaçoes hipotá cas. Resulta daí que os primeiros vãomanifestar, no interior do discurso, unidades situadas sobre a dimensão paradigmá ca, ao passo que osúl mos vão estabelecer, no mesmo discurso, a dimensão sintagmá ca: em outros termos, o plano dodiscurso, de acordo com o po de relações u lizadas, manifesta tanto o modo de existência paradigmá caquanto o de existência sintagmá ca” ( Semân ca estrutural. 1976. p. 56). Umberto Eco define a ISOTOPIAcomo a “constância de um percurso de sen do que um texto exibe quando é subme do a regras decoerência interpreta va, ainda que as regras de coerência se mudem conforme se pretenda especificarisotopias discursivas ou narra vas, destruir a ambiguidade de descrições finitas ou de frases e realizarcorreferências, decidir o que fazem determinados indivíduos, ou estabelecer a quantas histórias diversaspode dar origem a mesma conduta dos mesmos indivíduos” (Leitura do texto literário. 1983. p. 107).

Dis ngue Roland Barthes os dois planos integrantes dos eixos de linguagem, o dos sintagmas, que

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corresponde à combinação interna dos signos, a dar coerência formal ao discurso, e que cons tui a ordem;o plano associa vo é que cons tui o plano paradigmá co ou sistemá co ( Elementos de semiologia. 1971.p. 75).

“Todo direito, adverte André-Jean Arnaud, enquanto sistema de normas jurídicas impostas, é reflexo de umavisão de mundo, projetada em parte conscientemente e em parte inconscientemente, pela intermediaçãodo poder, na vida social e econômica do grupo sob forma de regras atribu vas, impera vas ou proibi vas,destinadas a assegurar a realização desta visão.” E prossegue: “Desta observação decorre uma explicação dadissemelhança possível entre os direitos. Cada um resulta de um princípio ou de um conjunto de princípios,geralmente não expressos, mas que a inquirição filosófica pode ajudar a descobrir. Em função destesprincípios, e a par r de sua qualidade de conjunto sistemá co, o direito se ordena, aparentemente ou não,em torno de uma razão. Pode ocorrer que esta razão se materialize em uma norma fundamental,hierarquicamente superior às outras. Mas em nenhum caso se iden fica com ela. O direito é talveznecessariamente ordenado. mas ele é essencialmente sistemá co. Assim se pode dizer que toda ordemjurídica está cons tuída em sistema... A ordem não pode estar em oposição com o sistema. Trata-se de doisníveis de tratamento diferentes” (Critique de la raison juridique. 1981. p. 22).

“Se até aqui, afirma Ernst Cassirer, nos esforçamos por desvendar a raiz comum da conceituação linguística emí ca, surge agora a pergunta de como se reflete esta conexão na estrutura do ‘mundo’ da linguagem e domito. Manifesta-se aqui uma lei que tem a mesma validade para todas as formas simbólicas e quedetermina essencialmente seu desenvolvimento. Nenhuma destas formas se apresenta, de pronto, comoconfiguração isolada, existente por si, reconhecível em si mesma, mas todas se desprendem aos poucos desua mãe-terra comum que é o mito. Todos os conteúdos do espírito, por mais que tenhamos de atribuir-lhes sistema camente um domínio próprio e fundamentá-lo em seu próprio ‘princípio’, autônomo, narealidade nos são dados primeiro apenas neste entrelaçamento. A consciência teórica, prá ca e esté ca, omundo da linguagem e do conhecimento, da arte, do direito e o da moral, as formas fundamentais dacomunidade e do Estado, todas elas se encontram originariamente ligadas à consciência mí co-religiosa”.“Este vínculo originário entre a consciência linguís ca e a mí co-religiosa expressa-se, sobretudo, no fatode que todas as formações verbais aparecem outrossim como en dades mí cas, providas de determinadospoderes mí cos, e de que a palavra se converte numa espécie de arquipotência, onde radica todo o ser etodo acontecer. Em todas as cosmogonias mí cas, por mais longe que remontemos em sua história, semprevolvemos a deparar com esta posição suprema da palavra” (Linguagem e mito. 1972. p. 63-64).

Afirma Vital Moreira que “uma concepção “substancial” e não “meramente norma va” da cons tuiçãopressupõe e exige uma permanente vinculação à realidade que (a) informa. A elaboração de um conceitojurídico de cons tuição econômica não pode ser levada a cabo sem que se tenha em conta a específicaestrutura econômica em que aquela encontra as suas raízes e que pretende garan r e dirigir. Sem essaligação à estrutura econômica, os preceitos econômicos da cons tuição nunca poderão ser compreendidosno seu sen do e alcance prá co-jurídicos, muito menos ser objeto de elaboração teórica” (Economia econstituição. p. 14-15). Cf. também do mesmo autor: Economia e cons tuição: para o conceito decons tuição econômica, in Bole m de Ciências Econômicas, (XIX), 1976, p. 1-48. Segundo Gaspar Ariño Or z,“entende-se por Cons tuição econômica o conjunto de princípios, critérios, valores e regras fundamentaisque presidem a vida econômico-social de um país segundo uma ordem que se acha reconhecida na

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Cons tuição. Natualmente, esta ‘ordem econômica cons tucional’ – não é uma peça isolada mas umelemento a mais dentro da estrutura básica da lei fundamental” (Economía y Estado: crisis y reforma delsector público. 1993. p. 95).

Léxique d’économie, 1992. Cf. também o verbete “Sistema” na Enciclopédia Verbo.

Os sistemas econômicos. 1991. p. 7.

Léxique d’économie. 1992.

Chenot. 1965. p. 93.

Observa Bernard Chenot que “a guerra de 1914, prolongando-se e revelando novas técnicas militares, obrigouo Estado a tomar em mãos a direção da vida econômica. Esta guerra foi, como se diz, ‘uma formidávelempresa cole vista’. Pois, com efeito, o governo teve que corrigir os desequilíbrios econômicos que o estadode guerra criou, estabilizando os preços, racionando o consumo dos gêneros alimen cios essenciais,proibindo a exportação de capitais. E mais, depois da guerra, o Estado foi chamado a mobilizar um númerosempre crescente de a vidades econômicas e a gerir ele próprio importantes empresas” (Organisationéconomique de l’État. 1965. p. 52).

Afirma Vital Moreira que “a ideia de cons tuição econômica nha precisamente por fim efe var essesobje vos de reordenação econômica, através, desde logo, do estabelecimento de uma cons tuição jurídicada economia. Tal como a ideia de cons tuição começou por ser uma ideia de luta no princípio do século 19,também agora a ideia de cons tuição econômica se apresentava como um Kamp egriff. Tal como na ideiade cons tuição se con nha a representação de uma nova sociedade e de um novo estado, contra arealidade do ancien régime, também agora na ideia de cons tuição econômica se con nha a negação daordem econômica liberal a favor da representação de uma nova ordem econômica” (Vital Moreira. 1979. p.21-22).

Economia e Constituição. 1979. p. 41.

Assinala Vital Moreira que “a caracterís ca mais notável das cons tuições econômicas contemporâneas é ofato de incluírem em geral um grande número de disposições des nadas a informarem a polí caeconômica, isto é, conterem uma ordem econômica programá ca, enfim, uma cons tuição econômicadiretiva” (Economia e Constituição. 1979. p. 117). Focalizando a Cons tuição sob o aspecto dire vo, GomesCano lho aponta importante evolução: “Uma irredu vel dualidade parece marcar as discussões em tornoda cons tuição: a ideia de sociedade civil e liberdade dos homens, assente no “mercado”; a ideia desociedade e igualdade, assente no “Estado”. A perspec va que se vai adotar parte, pelo contrário, da ideiade conformação da sociedade, numa determinada situação histórica, como um problema aberto. Mais doque apurar uma ontologia do “ser do Estado” ou do “ser do mercado” e considerar esses “seres” como“pontos” e “limites” absolutos, importa inseri-los num processo dialé co em que o problema dacons tuição social é um problema de transformação da realidade a realizar pelos homens. A “ordo” surgecomo problema de “evolução” ou de “construção”. O problema está em como se deve conformar arealidade e se a ideia da “boa conformação da realidade” deve explicitar-se ou não nos textoscons tucionais” ( Cons tuição dirigente e vinculação do legislador. 1982. p. 69-71). A dire vidade dacons tuição condiciona o surgimento das normas-fim e das normas-tarefa: “A relevância das normas-fim e

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normas-tarefa – normas que determinam os fins a alcançar e as tarefas a cumprir –, no âmbito dacons tuição dirigente, foi concretamente assinalada ao tratar-se das imposições cons tucionais. O maisfrequente neste tipo de normas constitucionais é que elas estabeleçam, como dever do legislador, alcançarcertos fins, mas sem prescreverem, em geral, os meios ou comportamentos através dos quais eles possamser ob dos. Como normas teleológicas, impõem heteronomamente fins; a decisão autônoma quanto aosmeios cabe no âmbito do poder-dever do legislador” (idem. ibidem. p. 446).

Direito econômico: a ordem econômica portuguesa. 1990. p. 90-91.

Acentua Norberto Bobbio que “nas cons tuições liberais clássicas a função principal do estado parece seraquela de tutelar (ou garan r) ; nas cons tuições pós-liberais, ao lado da função da tutela ou da garan a,surge sempre mais frequentemente a de promover” (La funzione promozionale del diri o, in Dalla stru uraalla funzione, p. 25). E noutro trabalho acentua ainda o mesmo Autor: “A função de um ordenamentojurídico não é só a de controlar os comportamentos dos indivíduos, o que pode ser conseguido através datécnica das sanções nega vas, mas também a de dirigir os comportamentos para certos obje vospreestabelecidos. O que pode ser alcançado preferivelmente através da técnica das sanções posi vas e dosincen vos. A concepção tradicional do direito como ordenamento coa vo diz-se fundada no pressuposto dohomem mau, cujas tendências an ssociais devem justamente ser controladas. Pode-se dizer que aconsideração do direito como ordenamento dire vo parte do pressuposto do homem inerte, passivo,indiferente, que deve ser es mulado, provocado, solicitado. Creio portanto que seja mais correto definir odireito, do ponto de vista funcional, como forma de controle e de direção social” (Verso una teoriafunzionalistica del diritto. In: Dalla struttura alla funzione. 1977. p. 87-88).

José Afonso da Silva define as normas programá cas como “aquelas normas cons tucionais, através dasquais o cons tuinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legisla vos, execu vos, jurisdicionais eadministra vos), como programas das respec vas a vidades, visando à realização dos fins sociais doEstado” (Aplicabilidade das normas constitucionais. 1968. p. 132).

A respeito desse tema será de leitura obrigatória ar go de Celso Antônio Bandeira de Mello, em que eledefende a eficácia imediata de todas as normas cons tucionais, incluídas as programá cas: “ Todas asnormas cons tucionais concernentes à Jus ça Social – inclusive as programá cas – geram imediatamentedireitos para os cidadãos, inobstante tenham teores eficaciais dis ntos. Tais direitos são verdadeiros“direitos subje vos”, na acepção mais comum da palavra” (Eficácia das normas cons tucionais sobre jus çasocial, in Revista de Direito Público. 57/58. p. 255).

Cano lho pensa da mesma forma: “Além de cons tuírem princípios e regras definidoras de diretrizes parao legislador e a administração, as “normas programá cas” vinculam também os tribunais, pois os juízes“têm acesso à cons tuição”, com o consequente dever de aplicar as normas em referência (por mais geral eindeterminado que seja o seu conteúdo) e de suscitar o incidente de incons tucionalidade, nos feitossubme dos a julgamento (cf. CRP, art. 207º) dos atos norma vos contrários às mesmas normas ( DireitoConstitucional. 1991. p. 193). Cf. também, do mesmo autor, Cons tuição dirigente e vinculação dolegislador. 1982. p. 277-315.

Teoria pura do direito. 1974. p. 57.

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Juan-Ramón Capella observa que o rendimento de uma linguagem depende de sua consistência: “Elrendimiento de los lenguajes se examina atendiendo a tres propiedades llamadas ‘consistencia’,‘completud’ y ‘decidibilidad’. Se dice que un lenguaje formalizado es consistente cuando carece decontradicción o, dicho en otras palabras, cuando no es posible demostrar en él una fórmula y su negación”(El derecho como lenguaje: un análisis lógico. 1968. p. 276).

L’ordre juridique. 1975. p. 19. Acentua ainda San Romano: “Isto significa que a ins tuição, no sen do emque a descrevemos, é a manifestação primeira, originária e essencial do direito. Este não se pode revelarsenão numa ins tuição, e a ins tuição existe como tal enquanto o direito a cria e a mantém em vida. Todaforça, quando é efe vamente social e se acha portanto organizada, se transforma por isso mesmo emdireito. E se, como acontece, ela se choca com uma outra ins tuição, pode-se bem ver aí uma razão de lhedenegar o caráter jurídico ou de a considerar muito simplesmente como an jurídica para esta ins tuição,isto é, para a ordem contra a qual ela se volta como força desorganizadora e an ssocial: mas ela é, aocontrário, uma ordem jurídica quando é considerada, não mais deste ponto de vista, a par r desta relação,mas em si, enquanto ela disciplina e regulamenta seus elementos próprios. Como se disse, uma sociedaderevolucionária ou uma associação de malfeitores não serão direito para o Estado que elas querem abaterou cujas leis elas violam, assim como uma seita proveniente de um cisma é declarada an jurídica pelaIgreja; mas isto não exclui, nestes casos, que se esteja em presença de ins tuições, de organizações, deordens que, tomadas isoladamente e intrinsecamente consideradas, são jurídicas. Inversamente, não édireito aquilo, e somente aquilo, que não se apresenta como organização social” (ibidem. p. 31-32).

Para Saussure, “a linguís ca sincrônica se ocupará das relações lógicas e psicológicas que unem os termoscoexistentes e que formam sistema, tais como são percebidos pela consciência cole va”, ao passo que “alinguís ca diacrônica estudará, ao contrário, as relações que unem termos sucessivos não percebidos poruma mesma consciência cole va e que se subs tuem uns aos outros sem formar sistema entre si” ( Cursode linguística geral. Cultrix, s/d. p. 116).

A esse respeito afirma Georges Mounin: “a língua do direito, para exprimir o que ela tem a dizer, temnecessidade, não somente do léxico específico do direito e de algumas par cularidades sintá cas próprias,mas de toda a língua francesa. (...) Haveria certamente perigo em querer fazer de uma determinada línguado direito uma essência sui generis exterior linguis camente à língua de todo o mundo” (La linguis quecomme science auxiliaire dans les disciplines juridiques. In: Arch. de philos. du droit. XIX, p. 12). Ver a esterespeito: GÉRARD CORNU, Linguis que Juridique. 1990. p. 38: “À primeira vista, o estudo do vocabuláriojurídico e do discurso jurídico se desenvolve sincronicamente. A linguís ca jurídica descreve ofuncionamento da linguagem do direito referindo-se ao uso atual que se faz dela. Mas o direito tem umadimensão histórica que ele comunica ao estudo de sua linguagem... A diacronia não é somente um olharsobre o passado longínquo. É um ponto de vista evolutivo que segue os movimentos mesmo recentes”.

Assinala André-Jean Arnaud que “todo direito, enquanto sistema de normas jurídicas impostas, é o reflexode uma visão do mundo, projetada em parte conscientemente e em parte inconscientemente, porintermédio do poder, na vida social e econômica do grupo sob forma de regras atribu vas, impera vas ouproibi vas, des nadas a assegurar a realização desta visão” ( Cri que de la raison juridique: où va lasociologie du droit? 1981. p. 22). O papel da razão jurídica é justamente o de conferir concorrência aosistema: “Sendo sistemá co, todo sistema de normas impostas apresenta os caracteres de um conjunto

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racional. Entendamos com isto acima de tudo que existem relações rigorosas entre os termos do conjunto.As regras jurídicas se encadeiam. Estaria faltando, sem a razão, um princípio de organização coerente dosistema” (ibidem. p. 23).

É o que ensina André-Jean Arnaud: “os documentos jurídicos – e mesmo parajurídicos – liberam discursos, nosen do admi do pela prá ca analí ca, que entende com isso. Numa perspec va de uma estrita análise decomunicação, o discurso é facilmente concebido como um po de mensagem linguís ca cons tuído poruma sequência de palavras e de frases preparadas para serem transmi das, especialmente a ouvintes.Coloca-se aqui, o acento sobre o caráter direto e con nuo da mensagem, sobre seu desenvolvimentosegundo leis próprias para reter a atenção do receptor para lhe transmi r uma convicção. É somente estaacepção que nos interessa. Preferimos considerar o discurso como o lugar em que se manifesta e setransforma, sobre um suporte linguístico, um universo carregado de sentido. Ora, sob este ponto de vista, ocaráter discursivo dos sistemas jurídicos é ineluctável” (ob. cit. p. 390).

Não podemos nos esquecer de que “o tempo e a linguagem são a trama da experiência humana. O tempoaparece como um fio horizontal: no duplo sen do da linha indefinida pela qual nós nos representamos odevir cósmico e de um meio que requer um horizonte. Mas precisamente, este horizonte somente se abre,com o poder representa vo que ele implica, por mercê da dimensão ver cal da linguagem. Porque, comosignificação, esta recusa a univocidade: o desenrolar-se linear da cadeia falada não é senão o resultadosensível de uma organização hierárquica, sem a qual os valores linguís cos não seriam concre zados. Elapromove a reflexividade, estrutura e gênese da consciência. E é desta altura alcançada que tomam forma oshorizontes do tempo. O devir vê sua plenitude móvel negada pela dupla abertura do futuro e do passado. Alinguagem leva a ausência à altura da realidade do sentido (JACOB, Andre. Temps & Langage. 1992. p. 367).

Jacques Robert relembra a clara dis nção entre “direitos do homem” e “direitos do cidadão”. Salienta que“os direitos do homem têm um caráter pré-social; os direitos do cidadão, ao contrário, são ligados àexistência da Cidade. – Os direitos do homem são antes de tudo a liberdade, a propriedade, a segurança.Trata-se de uma proclamação da liberdade civil, diferente da liberdade polí ca que seria uma liberdade-par cipação. Os direitos do cidadão se referem predominantemente à liberdade polí ca, mas somentepodem ser respeitados se os direitos do homem o são plena e precedentemente. É sabido: a verdadeiraliberdade só pode ser ao mesmo tempo autonomia e par cipação (Droits de l’homme et libertésfondamentales. 1993. p. 40).

SMITH, A. Inquérito sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. v. I, p. 231. Eis dois outros tópicos deseu pensamento que interessam à presente exposição: “Cada indivíduo esforça-se con nuamente porencontrar o emprego mais vantajoso para qualquer que seja o capital que detém. Na verdade, aquilo quetem em vista é o seu próprio bene cio e não o da sociedade. Mas o juízo da sua própria vantagem leva-o,naturalmente, ou melhor, necessariamente, a preferir o emprego mais vantajoso para a sociedade”. “Narealidade, (o indivíduo) não pretende, normalmente, promover o bem público, nem sabe até que ponto oestá a fazer. Ao preferir apoiar a indústria interna em vez da externa, só está a pensar na sua própriasegurança; e, ao dirigir essa indústria de modo que a sua produção adquira o máximo valor, só está apensar no seu próprio ganho, e, neste como em muitos outros casos, está a ser guiado por uma mão invisívela a ngir um fim que não fazia parte das suas intenções.... O estadista que tentasse orientar as pessoasprivadas sobre o modo como deveriam aplicar os seus capitais, não só estaria a sobrecarregar com uma

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tarefa desnecessária, como ainda assumiria uma autoridade que não só dificilmente poderia ser confiada auma única pessoa como, nem sequer, a qualquer conselho ou senado, e que representaria um perigo nasmãos de um homem que vesse a loucura e a presunção suficientes para se considerar capaz de a exercer”(ibidem. v. I, p. 758).

Manifestação do Sr. José Joaquim Carneiro de Campos, na sessão de 13 de outubro de 1823, quando sediscu a o Projeto sobre a isenção de direitos para os produtos das Fábricas de Ferro. Diário da AssembleiaGeral Cons tuinte e Legisla va do Império do Brasil, 1823, Edição facsimilar, Senado Federal, I I I, p. 234-235.A ideologia liberal se manifesta também em outros tópicos. O Sr. José Antônio da Silva Maia, na sessão dodia 28 de junho de 1823, assim se expressa: “É certamente princípio Constitucional, e incontestável, que umdos primários fins da Cons tuição, e por conseguinte da maior atenção, e mais próprio dos cuidados destaAssembleia, é garan r aos Cidadãos o direito da propriedade, dando as providências, que obstem aqualquer infração dele...” (ibidem. I, p. 320). O Sr. João Severiano Maciel da Costa, na sessão de 8 de agostode 1823, expressa-se no mesmo sen do: “Organizar a Cons tuição Polí ca do Império, e fazer as reformasindispensáveis e urgentes tal é a tarefa que se nos prescreve. É indispensável, Sr. Presidente, não exorbitardesse círculo sob pena de nos precipitarmos no mesmo abismo em que caíram as Cortes de Portugal. Asins tuições sociais jogam todas umas com outras; e Leis e providências destacadas não podem terharmonia” (ibidem. I I, p. 544). Lembra JOSÉ HONÓRIO RODRIGUES a figura de José da Silva Lisboa, o futuroVisconde de Cairu: “Ele conseguia conciliar seu liberalismo econômico com o conservadorismo polí co, oque não é nem será estranho à polí ca brasileira. Na verdade, ele inicia uma corrente ideológica que casa oliberalismo imperialista com o conservadorismo interno. Ele é um dos primeiros sipaios brasileiros,defendendo com o liberalismo econômico os interesses britânicos no Brasil, sujeitando nossa economia aoquadro imperial dirigido pela Grã-Bretanha e lutando por uma polí ca domés ca conservadora, que nãobusca o apoio popular, mas prefere o caminho da moderação, que faz concessões mínimas para ficar com asmáximas. Não foi uma aberração histórica essa união, mas foi um desserviço ao Brasil” (A assembleiaconstituinte de 1823. 1974. p. 269). No Decreto de 12 de novembro de 1823, em que dissolveu a AssembleiaCons tuinte, D. Pedro I afirma que o seu Projeto de Cons tuição “será duplicadamente mais liberal, doque o que a extinta Assembleia acabou de fazer”.

Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império. 1978. p. 381.

Idem. ibidem. p. 383.

Ibidem. p. 395-396.

Cf. RAUL MACHADO HORTA, A autonomia do Estado-Membro no direito constitucional brasileiro. 1964. p. 73e ss. Assinala Agenor de Roure que a finalidade precípua da proclamação da República fora, no pensamentodos próprios cons tuintes, a implantação do federalismo: “Júlio de Cas lhos, na sessão de 15 de dezembrode 1890, declarou desde logo: ‘Nós aqui estamos reunidos para ins tuir a República Federa va. Aqueles que,como nós, por longos anos, fizemos a propaganda da República, não a queremos unitária, mas simfederativa, essencialmente federativa’” (A Constituição republicana. 1979. p. 38).

História constitucional do Brasil. 1989. p. 251-252.

Tribunal parlamentar, República. p. 256-273, 1919. Apud RUI BARBOSA, República: teoria e prá ca. Vozes,1978. p. 340-341.

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Comentários à Constituição Federal brasileira. p. 474.

O capital. L. I, v. II, p. 830-831.

Anti-Düring. Trad. esp. 1975, p. 155.

Rerum novarum, n. 21.

Quadragesimo Anno, n. 88.

De acordo com esse autor, “as novas cons tuições foram redigidas numa época em que nenhum par dopolí co pode mais ignorar a questão social. No século XX, o sen do social do direito não é mais somenteuma doutrina, não é mais somente uma escola jurídica, é a própria vida. Por isso não é mais possíveldis nguir entre o indivíduo polí co e o indivíduo social; nós assis mos à transformação, não somente dateoria geral do Estado, mas também da doutrina dos direitos individuais. O Estado não pode mais se limitara reconhecer a independência jurídica do indivíduo, mas deve criar um mínimo de condições necessáriaspara assegurar sua independência social. Daí dois processos simultâneos: de um lado, entre os direitosindividuais fundamentais figura pouco a pouco a defesa da pessoa social, e de outro lado, em nome de umprincípio obje vo, solidariedade, ordem pública, etc (não queremos atrelar a constatação do fato anenhuma doutrina determinada) – em nome deste princípio social superior assis mos a uma limitação decertos direitos fundamentais, em par cular do direito de propriedade que evolui sob nossos olhos. Istosignifica que há ao mesmo tempo extensão dos direitos individuais e certas limitações destes direitosfundamentais anteriormente proclamados” (Les cons tu ons de l’Europe nouvelle. 1928. p. 37-38). Cf.também do mesmo autor a obra: Evolução constitucional europeia. Trad. brasileira, 1957.

A caracterização do homem situado é feita por Burdeau: “Com este advento surge na cena polí ca um sertotalmente novo: o homem concreto, definido não pela sua essência ou pelo seu parentesco com um poideal, mas pelas par cularidades que deve à situação con ngente em que se encontra colocado. Estehomem, que é menos do que ele produziu, é o homem situado; é aquele que nós encontramos nas relaçõesda vida quo diana... Em suma, é o homem condicionado pelo seu meio e que se revela pela observação dasua maneira de ser, náo por uma reflexão metafísica sobre o seu ser” (A democracia. 1975. p. 20).

O ar go 122 da Cons tuição criou a Jus ça do Trabalho, com representação paritária de empregados eempregadores. Este ar go deverá ser visto juntamente com o ar go 23, onde se prevê a representação dasorganizações profissionais na Câmara dos Deputados. São, como assinala Paulo Bonavides, ranços fascistasa antecipar a Carta de 1937. Sua permanência na Jus ça do Trabalho, hoje, cons tui verdadeiroanacronismo.

Observam Paulo Bonavides e Paes de Andrade: “Em rigor a organização dos poderes não rompera com osfundamentos liberais da tradição nacional, mantendo como órgãos da soberania, dentro dos limitescons tucionais, os três poderes clássicos da teoria de Montesquieu, independentes e coordenados entresi, vedando inclusive a delegação de suas atribuições. Quanto aos direitos e garan as individuais,man veram-se basicamente os de nossa tradição liberal, havendo até aperfeiçoamento com respeito àproteção dos direitos líquidos e certos contra atos manifestamente incons tucionais ou ilegais de qualquerautoridade, ins tuindo-se para tanto uma nova figura processual: o mandado de segurança. Mas nãopadece dúvida que a tônica da Cons tuição de 34 recaiu sobre o Estado social. O novo pacto, sobre declarar

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a inviolabilidade do direito à subsistência, já não man nha como as Cons tuições anteriores o direito depropriedade em toda a sua plenitude, senão que ao garan -lo assinalava que ele não poderia ser exercidocontra o interesse social ou cole vo, sujeitando-o assim às limitações que a lei determinasse” (Históriaconstitucional do Brasil. 1989. p. 326).

A ideologia que presidiu a elaboração da Cons tuição de 1937, segundo expressões de seu próprioidealizador, Francisco Campos, foi a seguinte: “O liberalismo polí co e econômico conduz ao comunismo. Ocomunismo se funda, precisamente, sobre a generalização à vida econômica dos princípios, das técnicas edos processos do liberalismo polí co. Toda a dialé ca de MARX tem por pressuposto essa verdade: acon nuação da anarquia liberal determina, como consequência necessária, a instauração final docomunismo. “O corporativismo mata o comunismo como o liberalismo gera o comunismo. O corporativismointerrompe o processo de decomposição do mundo capitalista previsto por MARX como consequêncianecessária da anarquia liberal”. … “O corpora vismo, inimigo do comunismo e, por consequência, doliberalismo, é a barreira que o mundo de hoje opõe à inundação moscovita”... “A liberdade na organizaçãocorpora va é limitada em super cie e garan da em profundidade. Não é a liberdade do individualismoliberal. É a liberdade da inicia va individual dentro do quadro da corporação.. A organização corpora va é adescentralização econômica, isto é, o abandono pelo Estado da intervenção arbitrária no domínioeconômico, da burocra zação da economia (primeiro passo avançado para o comunismo), deixando àprópria produção o poder de organizar-se, regular-se, limitar-se e governar-se. Para isto é necessário que oEstado delegue funções de poder público às corporações. O Estado assiste e superintende, só intervindopara assegurar os interesses da Nação, impedindo o predomínio de um determinado setor da produção emdetrimento dos demais. O Estado é a jus ça; as corporações, os interesses. Nos quadros do Estado, só osinteresses justos encontram proteção. O liberalismo econômico é, precisamente, o an poda. A liberdade ésimplesmente a liberdade individual” (Direito constitucional. 1942. p. 315-316).

Sobre a exigência dessa síntese como condição para a concre zação de uma democracia, afirma EduardoEspínola: “De nada vale apregoar como apanágio do indivíduo e conquista da democracia – a liberdade e aigualdade –, se essa liberdade, lema das reivindicações populares, conduz fatalmente, se não fordisciplinada como a experiência de todo o século XIX o demonstra, ao domínio e à riqueza de um pequenonúmero e à sujeição e miséria das grandes massas; se essa igualdade, em flagrante contradição com anatureza dos homens e com o critério hierárquico que preside a todas as organizações sociais e às própriasexigências da ordem pública, não é compreendida em termos hábeis e pra cado intransigentemente emtudo quanto se refere aos princípios de jus ça e moral cristã. A grande e secular oposição, a luta incessanteentre o capital e o trabalho, esses dois fatores da produção econômica, que deveriam estar sempre unidos,numa combinação harmônica para o próprio interesse dos capitalistas e dos operários, tem sido a causa dasmaiores perturbações sociais, separando os dois aliados naturais em campos inimigos, numa hos lidadeque nunca exis ria se o egoísmo individual não fosse tão pronunciado na a vidade humana. Sen u-sedesde logo a necessidade de intervir o Estado para amparar a parte mais fraca que, embora muito maisnumerosa, se via subme da, pelas con ngências da vida, ao domínio impera vo dos capitais” ( A novaConstituição do Brasil: direito político e constitucional brasileiro. 1946. p. 420).

Pondera Pinto Ferreira: “De uns tempos para cá, especialmente depois da Primeira Guerra Mundial, tornou-se comum a inclusão de disposi vos dessa natureza no regime cons tucional. Procurou-se então uma

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síntese entre o Estado de Direito e as reivindicações sociais do povo. É preciso entretanto relembrar que,afora as soluções extremistas, os Estados de Direito têm por limite os direitos fundamentais” (Curso dedireito constitucional. 1964. p. 307).

Observam Paulo Bonavides e Paes de Andrade que “a obra dos cons tuintes de 1946 representou evidentecompromisso entre forças conservadoras e forças progressistas atuantes, compromisso que repar udoutrina e técnica, ficando a doutrina principalmente com o futuro e a técnica preponderantemente com opassado” (História cons tucional do Brasil. 1989. p. 416). Referem-se eles às conquistas sociais traduzidasno ar go 157, quanto ao aspecto progressista, e ao conservadorismo representado pelo ar go 141. Aoanalisar os tópicos referentes à liberdade de inicia va e valorização do trabalho humano, themístoclesbrandão cavalcan afirma: “Já se diz que essa liberdade ou, como querem outros, essa de inicia va, é abase da democracia moderna. Cremos, entretanto, que com isso se restringe demasiado o significado doelemento humano – do homem no sistema econômico. São por conseguinte, três os elementos de nossavida econômica, um envolvendo os outros dois: a função social da vida econômica, a liberdade de inicia vae a valorização do trabalho humano. Essas são as bases mestras de todo o sistema econômico” (Manual daconstituição. 1963. p. 231).

“The Tennessee Valley Ahthority Act enumerates as its objectives the improvement of navigation, control offloods, withdrawal from cul va on and reforesta on of the valley’s marginal lands, agricultural andindustrial development of the district, and the furtherance of the na onal defense. For theaccomplishment of these general purposes, the Act establishes a Tennessee Valley Authority orCorpora on of which the United States is sole stockholder; its three directors are appointed by thePresident with senatorial approval for over-lapping nine-year terms. The Corpora on is given generousspecific powers and may, in addi on thereto, exercise whatever other powers are necessary for theexecu on of its delegated func ons. The statute provides in general terms that the Corpora on may besued: and judicial precedent as well as the Act’s legisla ve history indicate clearly that it will be liable forboth tort and contract claims. Unlike the N.I.R.A. (Na onal Industrial Recovery Act), the Tennessee ValleyAuthority Act involves no a empt at voluntary or compulsory coopera on of private capital with thena onal administra on; on the contrary the government is here undisguisedly going into business incompe on with private enterprise, and should the venture prove successful, il will be at the expense ofthose groups that profit through corporate financing and dividends. A acks upon this legisla on mayconsequently be an cipated from a variety of sources. Though aimed at the heart of the measure, theywiull probably be launched at par cular aspects deemed vulnerable” (The Tennessee Valley Authority –Comments. Yale Law Journal, v. XLIII, p. 815-826, 1933-1934).

Apud COMBLIN, Pe. Joseph. A ideologia da segurança nacional: o poder militar na América Latina. p. 65-66.

A esse respeito, lembra Diogo de Figueiredo Moreira Neto que o Cons tuinte preferiu manter a atitudepaternalista do Estado, na certeza de que os sindicatos não têm maturidade suficiente para defender seusassociados e lutar pela garan a da dignidade humana do trabalhador e pela valorização do trabalho. Assimdiz ele: “Como consequência, ao tornar o progresso algo que o Estado deve “proporcionar”, deses mula-seo real progresso, que a sociedade deve criar. Aí vão, como meros exemplos do que apontamos comoirrealismo an progressista, o es mulo à ociosidade pela redução a seis horas da jornada máxima paraturnos ininterruptos (art. 7º, XIV), pelo adicional de um terço no pagamento das férias (art. 7º, XVII), pela

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esdrúxula licença paternidade (art. 7º, XIX), pelo aviso prévio proporcional ao tempo de serviço (art. 7º,XXI), e o desestímulo à compe ção e ao aprimoramento pessoal, pela proibição demagógica de dis nçãoentre trabalhadores braçais e intelectuais (art. 7º, XXXII), por uma exagerada estabilidade no emprego (art.7º, I) e pelo grevismo incen vado (art. 9º) (O Estado e a economia na cons tuição de 1988. In: Revista deInformação Legislativa, a. 26, n. 102, p. 17, abr.-jun. 1989).

Este disposi vo deve ser visto em conexão com o conteúdo do inciso IV do artigo 1º, em que, como já visto,se colocam os valores sociais do trabalho e da livre inicia va como fundamentos do Estado Democrá co deDireito.

A finalidade da ordem econômica e financeira deve estar também em consonância com os disposi vos doinciso II I do ar go 1º, e com os constantes do ar go 3º, em que especificamente está consagrado oelemento teleológico do Estado Democrá co de Direito. Como assinala Orio Giacchi, “hoje a transformaçãodo Estado é exigida sobretudo pelo gigantesco fenômeno econômico que procuramos ilustrar. Mas, comodissemos, não se trata de um simples fenômeno econômico por assim dizer “natural”; em grande parte elese deve também a razões extraeconômicas e sobretudo a razões de moral social. O Estado se senteresponsável pelo fato de que liberdade e igualdade dos indivíduos e das comunidades compreendidas nasociedade por ele organizada, sejam uma real e substancial liberdade e uma verdadeira igualdade, atravésda eliminação da miséria, da ignorância, da excessiva desigualdade entre indivíduos, classes e regiões”(L’intervento dello stato nell’attività economica. In: Rivista Il Diritto dell’economia, 13(4):397-421, 1967).

Esse novo direcionamento é acentuado por ISABEL VAZ, ao afirmar que o Cons tuinte procurou adotar,predominantemente, um princípio garan dor da livre ação concorrencial e não um regime penal. Segundoela “a flexibilidade das normas, o apelo à boa-fé e a graduação dos procedimentos e sanções previstos naLei n. 8.158/91 – não obstante a coabitação com outros diplomas de caracterís cas predominantementepenais – induzem o intérprete a classificar o regime das leis brasileiras an truste mais como um “Direitoeconômico da concorrência” do que como um “Direito penal econômico” (Direito econômico daconcorrência. 1993. p. 10).

87th Congress 2nd Session, Document n. 364. Cf. meu Cláusulas abusivas nos contratos. 1993. p. 136-137.

Esta Conferência proclamou: “1. Man is both creature and moulder of his environment, which gives himphysical sustenance and affords him the opportunity for intellectual, moral, social and spiritual growth. Inthe long and tortuous evolu on of the human race on this planet a stage has been reached when, throughthe rapid accelera on of science and technology, man has acquired the power to transform hisenvironment in countless ways and on an unprecedented scale. Both aspects of man’s environment, thenatural and the man-made, are essen al to his well-being and to the enjoyment of basic human rights –even the right to life itself. 2. The protec on and improvement of the human environment is a major issuewhich affects the well-being of peoples and economic development throughout the world; it is the urgentdesire of the peoples of the whole world and the duty of all Governments” (Stockholm Declara on of theUnited Na ons Conference on the Human Environment. Adopted by the U.N. Conference on the HumanEnvironment at Stockholm, 16 June 1972. Report of the UN Conference on the Human Environment,Stockholm, 5-16 June 1972, U.N.Doc. A/CONF. 48/14 at 2-65, and Corr. 1 (1972), 11 I.L.M. 1416 (1972).

Observa a este respeito Michel Prieur: “O direito do meio ambiente não é senão a expressão formalizada de

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uma polí ca nova concre zada a par r dos anos 1960. Trata-se, no seio dos Estados industrializados, deuma tomada de consciência do caráter limitado dos recursos naturais tanto quanto dos efeitos nefastos daspoluições de toda natureza resultante da produção dos bens e de seu consumo. A necessidade desalvaguardar o meio ambiente pode ser tão somente um reflexo da sobrevida de um mundo desanparado.É interessante que este movimento se tenha desenvolvido simultaneamente em nível nacional, europeu einternacional” (Droit de l’environnement. 2e. éd. 1991. p. 25).

Resolution adopted by the General Assembly – 66/288 – The future we want.

Acentua Diogo de Figueiredo Moreira Neto, no ar go já citado: “O esta smo cartorial está presente emvários disposi vos, como no que define a empresa brasileira de capital nacional (art. 171, I I), no que proíbeos contratos de risco (art. 177, § 1º), no que cria o monopólio para a distribuição de gás (art. 177, IV) e comono que reins tui o regime regaliano para o subsolo, abandonado desde o Império por sua reconhecidaimprestabilidade para es mular a mineração” (ob. cit. p. 17). Em ar go publicado na Folha de S.Paulo, em 9de abril de 1991, Miguel Reale afirmava: “O governo, em suma, no plano prá co, padece do mesmo malque compromete a atual Cons tuição, a qual, ao mesmo tempo em que tece loas aos valores da livreconcorrência na tela nacional e na internacional, levanta barreiras e cria privilégios ruinosos inspirados emrenitente xenofobia e em não menos resistente amor às soluções ditadas soberanamente pelo PoderPúblico, tornando-se a sociedade civil mera des natária de determinações de anacrônico sen dosancionatório.”

SERRA ROJAS, Andrés. Liberalismo social: sistemas liberales en proceso de definición, estabilidad ysuperación para el próximo siglo XXI. 1993. p. 495, 499-500.

Essa lei foi revogada pela Lei n. 9.491, de 9 de setembro de 1997.

Techniques de privatisation des entreprises publiques. Paris: Librairies Techniques, 1986. p. 11. Cf. também:L’avenir de l’état dans une économie de marché. In: Revue Française d’Administration Publique, n. 61, jan.-mars 1992. Cf. ainda La France et les privatisations en Europe de l’Est. In: Revue Politique et Parlementaire.

O Decreto n. 99.463/90 foi revogado pelo Decreto n. 724/93. Este, por sua vez, foi revogado pelo Decreto n.1.204/94, e este, pelo Decreto n. 2.594/98.

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ORDEM ECONÔMICA INTERNACIONAL E REGIONAL

1. EXISTÊNCIA DE UM DIREITO ECONÔMICO INTERNACIONALAnalisaremos neste capítulo a questão da existência do Direito Econômico Internacional como ramo novo e

autônomo do Direito Internacional. A pergunta a ser respondida dependerá de uma análise detalhada do fenômenojurídico em duas vertentes, a das relações econômicas e a das relações internacionais.

Miguel Villoro Toranzo define o Direito como um “sistema racional de normas sociais de conduta, declaradas

obrigatórias pela autoridade por considerá-las soluções justas para os problemas surgidos da realidade histórica.”1

Essa definição caracteriza o Direito como ciência, como filosofia, como arte, como técnica, com objetomaterial próprio constituído justamente pelo “sistema racional de normas sociais de conduta”. Mas este objetomaterial pode ser visto sob vários aspectos. E aqui incide a distinção filosófica do objeto formal, que é justamente oaspecto sob o qual o objeto material é estudado. Daí dizer Villoro Toranzo que o Direito é ao mesmo tempo ciência,

filosofia, arte e técnica.2 O aspecto científico é constituído pelos dados jurídicos reais, históricos, racionais e ideais.O aspecto filosófico é constituído pela valoração e pela fundamentação filosófica dessa mesma valoração. Oaspecto artístico é representado pela construção de esquemas jurídicos e o aspecto técnico consiste justamente nastécnicas de formulação, interpretação e execução dos esquemas jurídicos elaborados.

Um ramo do Direito poderá ser visto como autônomo na medida em que implemente esses quatro aspectos, eespecificamente enquanto dotado de princípios que o informam, dando-lhe caráter de originalidade e desistematicidade.

Prosper Weil procura afastar a ideia de autonomia de uma disciplina específica do Direito. Assim diz ele:

O caráter econômico das matérias referidas não cons tui senão um simples coeficiente incapaz de darnascimento a uma disciplina autônoma, a um corpo de direito dis nto. Os termos de direitointernacional econômico ou de direito econômico internacional não podem ser empregados senãopara designar com um vocábulo explícito um conjunto de regras e de ins tuições reagrupadas para asnecessidades da exposição, em redor de um centro de interesse extraído do objeto econômico damatéria. No plano cien fico, o direito internacional econômico não cons tui senão um capítulo entre

outros do direito internacional geral.3

A discussão desse problema apresenta inegável interesse no plano da lógica formal, mas, do ponto de vista denosso interesse, aceitamos a tese de CARREAU segundo o qual o Direito Econômico Internacional não constitui

uma disciplina autônoma, mas “possui particularidades suficientes para assegurar sua individualização”.4

Assinalamos que, diferentemente daquele autor, estamos adotando a designação Direito Econômico Internacional,como forma de enfatizar o conteúdo econômico das normas de caráter internacional.

1.1. Aspectos de ordem econômica internacional

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Deixando de lado uma análise histórica do desenvolvimento do conceito de ordem econômica internacional, pode-se propor uma divisão importante para a conceituação atual. O século XIX apresentou uma perspectiva de ordemeconômica internacional privada, decorrente justamente dos cânones do liberalismo econômico, que atribuía aosindivíduos a atividade econômica, enquanto permanecia como atribuição do Estado a atividade política. A partir,contudo, do início do século XX, três fenômenos vieram mostrar a necessidade de o Estado se interessar pelosfenômenos econômicos: a Primeira Grande Guerra (1914-1918), a crise do capitalismo (1930) e a Segunda GrandeGuerra (1939-1945). As relações econômicas deixam o plano meramente individual ou privado, para inserir-se nocontexto das relações entre nações, operando-se uma verdadeira “publicização”. Passa-se a pensar na instituição deuma sociedade internacional com a finalidade de eliminar os conflitos, fundamentalmente de origem econômica, ecom o objetivo de alcançar a paz universal. O Direito Econômico Internacional passa a situar-se no âmbito de umdireito da paz. Raymond Aron assinala uma contradição fundamental entre a existência de convençõesinternacionais cada vez mais numerosas, uma legalização cada vez mais ampla, o respeito às leis por um númerocada vez mais crescente de Estados e, por outro lado, a inegável realidade internacional dos fatos das rivalidades de

poder, das contradições de interesses e das incompatibilidades ideológicas.5

1.2. ConceituaçãoO Direito Econômico Internacional surge com a finalidade precípua de estabelecer o enquadramento para a

adoção, por todos os sujeitos internacionais, de políticas econômicas destinadas a um aprimoramento constante donível de desenvolvimento. Hoje, os agentes encarregados da adoção de tais políticas não se restringem mais aosEstados nacionais, abrangendo também as instituições internacionais e as empresas multinacionais. Todos essessujeitos contribuem para a criação e para o funcionamento da organização internacional da economia.

Várias são as tentativas de definir esse fenômeno jurídico, que tem como finalidade reger a ordem econômicainternacional. Adotamos a conceituação de Carreau:

É o ramo do direito internacional que regulamenta, de um lado a instalação sobre o território dosestados de diversos fatores de produção (pessoas e capitais) de proveniência estrangeira e, por outro

lado, as transações internacionais relativas a bens, serviços e capitais.6

1.3. Especificidade do Direito Econômico InternacionalOs fatos político-econômicos que deram ensejo à moderna feição do Direito Econômico Internacional vieram

também moldurar-lhe as características específicas. Assinala Carreau que o Direito Econômico Internacional“apresenta caracteres originais bastantes para lhe assegurar uma especificidade qualitativa perante o direito

internacional público clássico”.7 Os acontecimentos acima assinalados evidenciaram aos Estados que a pazinternacional e sua segurança estão alicerçados na sua interdependência e cooperação econômicas, evidenciando-se que o desenvolvimento econômico de um está visceralmente ligado ao dos demais, eliminando-se as

desigualdades e diferenças geradoras de conflitos. 8

Essas características estão declaradas no preâmbulo da Nova Ordem Econômica Internacional – Noei:

Solenemente proclamamos nossa determinação de trabalhar urgentemente para o estabelecimento

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de uma nova ordem econômica internacional, baseada na equidade, na soberania, na igualdade, nainterdependência, no prevalecimento do interesse comum e na cooperação entre todos os Estados,independentemente de seus sistemas econômicos ou sociais, no sen do de reparar desigualdades einjus ças, eliminar a lacuna existente entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento social,baseada ainda na paz e na justiça para as presentes e futuras gerações.

A interdependência é hoje um fenômeno crescente, podendo-se mesmo dizer que se trata de uma lei da históriaeconômica contemporânea.

1.4. As normas do Direito Econômico InternacionalAs normas do Direito Econômico, quer as de Direito interno quer as de Direito Internacional, têm suas

características marcadas pelo relacionamento com o fenômeno econômico, que é essencialmente mutável emaleável.

Como observam Carreau, Juillard e Flory, tais normas se caracterizam como obrigações de comportamento,sendo formuladas no condicional ou também com expressões que indicam um esforço ou uma tentativa por parte doagente.

A norma de Direito Econômico está sempre aderida à realidade flutuante, aliando esta característica àgeneralidade inerente a toda norma jurídica.

Consequência dessa aderência à realidade concreta, surge a característica da maleabilidade, que dá à normadestinada a reger os fenômenos econômicos a possibilidade de mudança contínua.

Outra característica é a da prospectividade, ou, mais propriamente, da incitatividade e criatividade. Aqui anorma se entrelaça com o mito e com a ideia de direito , que servem de fundamento para o movimento rumo ao

futuro e ao impulso criador.9

Correlato com o problema da caracterização das normas do Direito Econômico Internacional está o de suasanção. Deve-se salientar desde logo que as questões jurídicas de conteúdo econômico sentem uma rejeição pelasolução judicial, normalmente formalista e demorada. Por outro lado, a composição harmônica que se busca nasolução dessas questões repudia a decisão de que decorra uma figura de vencedor e outra de vencido. Comoassinala Reuter, a sanção do mundo dos negócios se emparelha com a que a Igreja impõe: a excomunhão é umapena de exclusão, de não participação. Nem por isso essa sanção, que se caracteriza por uma pressão de caráterpsicológico e econômico, se torna menos eficaz.

Por outro lado, a sanção, no campo do Direito Econômico Internacional, procura assegurar a continuidade dacooperação, ou seja, não quer excluir, mas encontrar condições que possibilitem a perenidade da interdependênciaeconômica pacífica.

Como observa Carreau, “alergia ao juiz, procura de um compromisso mutuamente vantajoso, não participação

gradual dos recalcitrantes constituem as características da sanção das normas de D.E.I.”10

1.5. A ordem econômica internacional: sujeitosQuando se fala em ordem econômica internacional, faz-se referência a dois aspectos: o institucional e o

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pessoal. O primeiro é representado pelo ordenamento, pelo conjunto coerente de regras jurídicas, que tem comofunção concretizar os ideais políticos, econômicos e sociais. Já o segundo focaliza as pessoas que atuam naformação e concretização de tais normas.

A ordem econômica internacional tem como finalidade precípua a constituição de uma unidade que leve em contaa heterogeneidade, a diversificação dos ordenamentos nacionais. Esta superação da diversidade centrífuga temcomo finalidade demonstrar que a interdependência econômica é irrefragável e que a coexistência pacífica éuma condição irrecusável de sobrevivência.

Os sujeitos que atuam nesse domínio devem ter consciência profunda dessa irrecusabilidade da ordem econômicainternacional. Os Estados, os organismos internacionais e as empresas multinacionais devem procurar, não somentesubmeter-se às normas jurídicas de caráter internacional, mas efetivamente enquadrar-se na perspectivaprospectiva e criadora do ordenamento jurídico-econômico internacional, na certeza de que um novo mito se

projeta no mundo moderno.11

1.6. A nova ordem econômica internacionalO final da Segunda Grande Guerra (1939-1945) deixou fundamentalmente debilitadas ou mesmo destruídas as

grandes potências do passado recente (Alemanha, Japão, França, Itália e Inglaterra). Surgiram em seu lugar duasgrandes potências, os Estados Unidos e a União Soviética, que constituíram os dois grandes polos de atraçãomundial. A bipolarização que se formou, levou cada um desses países a procurar consolidar seus respectivosblocos, com finalidades políticas e econômicas. Esta bipolarização levou o mundo a situações radicalmenteconflitivas e violentas, e, ao mesmo tempo, à descoberta de que esta tendência não resolvia os problemas mundiais.Partiu-se então para a busca da harmonização dos conflitos humanos através da reforma do sistema internacional etambém dos sistemas internos, num esforço para superar o etnocentrismo até então imperante, caminhando-se para

a construção de uma política mundial, principalmente em nível econômico.12

A queda do ritmo de crescimento, o baixo nível de produção das nações industrializadas e seus efeitos, odesemprego, a inflação e o déficit, tiveram como consequência uma tomada de consciência no sentido de que osproblemas econômicos internacionais não poderiam mais ser resolvidos em nível nacional, mas deveriam buscarsoluções e decisões ao nível internacional.

O período posterior à Segunda Grande Guerra, veio dar continuidade a um esforço que já se iniciara a partir de1914-1918 e também implementar novas ideias e novos direcionamentos nas relações internacionais.

O chamado Direito Internacional clássico, que dominou inteiramente a cena mundial anteriormente à PrimeiraGuerra Mundial (1914-1918), pautava-se por uma ideologia de caráter eminentemente europeia. Fora plasmado pararegular as relações entre os Estados civilizados, assim entendidos os Estados europeus, e especificamente os daEuropa cristã.

A partir da Primeira Guerra Mundial, e mais fortemente a partir da segunda, introduzem-se critérios que seaplicam também aos países antigamente colônias. Consagraram-se o princípio da autodeterminação dos povos e o da

justiça e progresso social para todos os países da nova comunidade universal.13

Uma leitura comparativa de alguns tópicos do Pacto da Sociedade das Nações – 1918 – e da Carta dasNações Unidas – 1948 – revela uma mudança substancial de postura, posto que, como se dirá, ainda insuficiente a

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satisfazer os anseios de todas as nações. O preâmbulo do Pacto assim preconiza:

As Altas Partes Contratantes:

CONSIDERANDO que, para desenvolver a cooperação entre as Nações e para lhes garan r paz esegurança, é necessário aceitar certos compromissos tendentes a evitar a guerra, manterpublicamente relações internacionais fundadas na jus ça e na honra, observar rigorosamente asprescrições do direito internacional, reconhecidas, de hoje em diante, como regra de procedimentoefe vo dos Governos, fazer imperar a jus ça e respeitar escrupulosamente todas as obrigações dostratados nas recíprocas relações entre os povos organizados;

Adotam o presente Pacto, que cria a Sociedade das Nações.

Já a Carta das Nações Unidas aporta condições de uma cooperação mais concreta, no plano econômico, com afinalidade de promover o progresso econômico e social, de tal sorte a propiciar a todos melhores condições de vida.Os seguintes tópicos demonstram a nova postura ideológica:

Nós, os povos das Nações Unidas, decididos:

A preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes, no espaço de uma vidahumana, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade;

A reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoahumana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações, grandes epequenas;

A estabelecer as condições necessárias à manutenção da jus ça e do respeito das obrigaçõesdecorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional;

A promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de um conceito mais amplo deliberdade;

e para tais fins:

A empregar mecanismos internacionais para promover o progresso econômico e social de todos ospovos.

Explicitadas as finalidades pelas quais foi criada a nova sociedade de todas as nações, grandes e pequenas, aCarta expõe os objetivos e princípios que deverão nortear as ações:

Os objetivos das Nações Unidas são:

1) Manter a paz e a segurança internacional e para esse fim: tomar medidas cole vas eficazes paraprevenir e afastar ameaças à paz;

2) Desenvolver relações de amizade entre as nações baseadas no respeito do princípio da igualdadede direitos e da autodeterminação dos povos;

3) Realizar a cooperação internacional, resolvendo os problemas internacionais de caráter econômico,social, cultural ou humanitário, promovendo e es mulando o respeito pelos direitos do homem epelas liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião;

4) Ser um centro des nado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses obje voscomuns.

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Para dar concretude a tais objetivos e princípios, deverá a Assembleia Geral, como dispõe o art. 13 da Carta,“fomentar a cooperação internacional no domínio econômico, social, cultural, educacional e da saúde e favorecer opleno gozo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção de raça,sexo, língua ou religião”.

E o art. 55 estabelece as metas a serem alcançadas:

Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas eamistosas entre as Nações, baseadas no respeito do princípio da igualdade de direitos e daautodeterminação dos povos, as Nações Unidas promoverão:

a) A elevação dos níveis de vida, o pleno emprego e condições de progresso e desenvolvimentoeconômico e social;

b) A solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, de saúde e conexos, bem como acooperação internacional, de caráter cultural e educacional;

c) O respeito universal e efe vo aos direitos do homem e das liberdades fundamentais para todos,sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

Apesar de tais expressões, a realidade mostrou que se passou de um direito internacional de concepção europeiapara um direito das grandes potências, deixando de lado os parâmetros de uma colonização política para adotar os de

uma colonização e dominação econômica.14

Os países em desenvolvimento tomaram consciência de que aquele direito internacional não satisfazia a seusanseios, propugnando então pela adoção de uma Nova Ordem Econômica Internacional. Alguns marcos sãoimportantes nessa caminhada contra o neocolonialismo. Em 1955 realiza-se a Conferência de Bandung, na qualos países afro-asiáticos, tomando consciência da situação de exploração dos países em desenvolvimento, se propõema unir-se para resolver conjuntamente seus problemas. Em 1962 realiza-se a Conferência do Cairo, da qual oBrasil participa, e na qual se recomenda a convocação de uma conferência internacional para tratar de temas sobrecomércio e desenvolvimento, e principalmente das relações econômicas entre os países em via de desenvolvimento eos países desenvolvidos.

Atendendo a esse reclamo, o Conselho Econômico e Social da ONU, através da Resolução n. 917/XXXIV, de03.08.1962, decidiu convocar uma Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. NaResolução n. 1.875/XVII, de 08.12.1962, a Assembleia Geral endossou a convocação daquela conferência, que veioa se realizar em Genebra, no período de 23 de março a 15 de junho de 1964, quando se constituiu a Conferência dasNações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento – CNUCED –, ou, na terminologia inglesa: UNCTAD

(United Nations Conference on Trade And Development).15 Defendeu-se a necessidade de construir uma novaordem econômica para resolver os problemas do comércio e desenvolvimento, principalmente os atinentes aodesequilíbrio entre nações desenvolvidas e em vias de desenvolvimento.

A UNCTAD realizou outras reuniões, em Nova Delhi, em 1968, em Santiago do Chile, em 1972, em Nairobi,em 1976 e em Manila, em 1979.

O objetivo básico é o de promover o comércio internacional para acelerar o desenvolvimento, preconizando-seum Sistema Geral de Preferências – SGP – pelo qual os países desenvolvidos devem assegurar um tratamentopreferencial para os produtos manufaturados importados do Terceiro Mundo, a fim de reduzir a proteção efetiva e

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elevada que esses produtos padecem.

Esses esforços visavam romper os grilhões do imperialismo, que, engendrado principalmente pela Inglaterra, foiherdado pelos Estados Unidos e sucedido pelo sistema produtivo transnacional do capitalismo. Os anseiosformulados para a criação de uma nova ordem econômica internacional decorrem tanto dos países subdesenvolvidosquanto também, e principalmente, dos países desenvolvidos. Aqueles procuram se insurgir contra a manutenção dequalquer tipo de imperialismo; estes tentam, através de uma nova ordem, salvar aquele mesmo imperialismo que lhes

deu condições de bem-estar interno e de supremacia no âmbito externo.16

A necessidade de criar uma nova ordem econômica intensifica, para os países capitalistas, a busca de umasolução nos aspectos monetários da crise, enquanto que os países em desenvolvimento se preocupam com areformulação das estruturas profundas da economia, reivindicando o rompimento dos quadros do imperialismo

obstruidor do desenvolvimento. 17

Pode-se dizer que o Direito Econômico Internacional surgido depois da Segunda Grande Guerra foi um direitocodificador, porque se limitou a cristalizar as concepções até então predominantes. Já o Direito EconômicoInternacional surgido com a Nova Ordem Econômica Internacional é um direito reformador ou transformador,porque pretende estabelecer critérios concretizadores de um desenvolvimento satisfatório para todas as nações,

eliminando o grave hiato que as separa.18

Na 2.229a Reunião do Plenário, em 01.05.1974, como resultado dos esforços empreendidos pelos países emdesenvolvimento, a Assembleia da ONU aprovou a declaração da Nova Ordem Econômica Internacional etambém o Programa de Ação (Resoluções n. 3.201 (S-VI) e 3.202 (S-VI), para implementação dos princípiosestabelecidos na primeira (o texto completo destas Resoluções está no final deste Capítulo).

Em 12.12.1974, na 2.315a sessão da ONU, foi aprovada a Resolução n. 3.281 (XXIX), que adotou e proclamou aCarta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados. Esta Carta se baseia em 15 princípios fundamentais:

• Soberania, integridade territorial e independência política dos Estados;

• Igualdade soberana de todos os Estados;

• Não agressão;

• Não intervenção;

• Benefício mútuo e equitativo;

• Coexistência pacífica;

• Igualdade de direitos e livre determinação dos povos;

• Solução pacífica de controvérsias;

• Reparação das injustiças existentes por império da força, que privem uma nação dos meios naturais necessáriospara seu desenvolvimento normal;

• Cumprimento de boa-fé das obrigações internacionais;

• Respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais;

• Abstenção de todo intento de buscar hegemonia e esferas de influência;

• Fomento da justiça social internacional;

• Cooperação internacional para o desenvolvimento;

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• Livre acesso ao mar e desde o mar para os países sem litoral dentro do marco dos princípios acima enunciados.

A análise do contexto da declaração nos levará ainda à extração de alguns princípios fundamentais da NovaOrdem Econômica Internacional.

O Direito Econômico Internacional surge como concretamente inigualitário. Enquanto o Direito Internacionalclássico partia do pressuposto de que todos os países eram iguais, o novo Direito toma como ponto de partida adesigualdade concreta existente entre os países, a exigir posturas direcionadas a corrigir esse desequilíbrio. Já nopreâmbulo da Declaração se estabelece a obrigatoriedade de esforços no “sentido de reparar desigualdades einjustiças, eliminar a lacuna existente entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento social”, reconhecendoque “os vestígios da ocupação e dominação estrangeira, da discriminação racial, o ‘Apartheid’ e o neocolonialismoem todas as suas formas, constituem o maior obstáculo ao progresso e à emancipação dos países emdesenvolvimento”.

No art. 1º da Carta de Direitos está estabelecido que “todo Estado tem o direito soberano e inalienável deescolher seu sistema econômico, assim como seu sistema político, social e cultural, de acordo com a vontade de seupovo, sem ingerência, coação nem ameaça externas de qualquer espécie” e o art. 2º complementa: “todo Estado teme exerce livremente soberania plena e permanente, inclusive posse, uso e disposição, sobre toda a sua riqueza,recursos naturais e atividades econômicas”.

O reconhecimento da “igualdade soberana dos Estados” atribui a essa soberania um conteúdo substancial e nãomeramente formal. Atenta-se para o fato de que a soberania política é apenas formal, enquanto a soberania

econômica é que confere realidade e substancialidade.19 A este conceito se soma o de “igualdade preferencial” ,já que a nova ordem deve ser entendida como um redutor das desigualdades econômicas internacionais . Assimé que a Carta de Direitos estabelece, no item 3 do art. 13, a obrigação para os países desenvolvidos de “cooperarcom os países em desenvolvimento para o estabelecimento, fortalecimento e desenvolvimento de suasinfraestruturas científicas e tecnológicas e em suas investigações científicas e atividades tecnológicas, de modo aajudar a expandir e transformar as economias dos países em desenvolvimento”. E ainda, o art. 19 da Carta deDireitos estabelece para os países desenvolvidos a obrigação de “conceder um tratamento preferencial generalizado,sem reciprocidade e sem discriminação, aos países em desenvolvimento naquelas esferas da cooperaçãointernacional em que seja factível”.

Outro princípio fundamental é o da cooperação internacional em nível econômico. O preâmbulo daDeclaração coloca como objetivo básico a “cooperação entre todos os Estados, independentemente de seus sistemaseconômicos ou sociais”. O art. 11 da Carta de Direitos dispõe:

Todos os Estados devem cooperar para robustecer e melhorar con nuamente a eficácia dasorganizações internacionais na aplicação de medidas que es mulem o progresso econômico geral detodos os países, em par cular dos países em desenvolvimento, e, para isso, devem cooperar paraadotá-las, quando seja apropriado, às necessidades cambiantes da cooperação econômicainternacional.

A interdependência econômica é também um princípio fundamental, garantidor da segurança econômica. Anova ordem se baseia “na interdependência, no prevalecimento do interesse comum”, como consta do preâmbulo daDeclaração. A Carta de Direitos acentua essa interdependência no preâmbulo e também no art. 24, onde sedetermina que “todos os Estados têm o dever de conduzir suas relações econômicas mútuas de forma a levar em

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conta os interesses dos demais países. Em particular, todos os Estados devem evitar prejudicar os interesses dos

países em desenvolvimento”.20

Há que notar ainda dois aspectos assinalados por Maurice Byé: segundo o seu pensamento, a Nova OrdemEconômica Internacional está orientada para o desenvolvimento real dos povos dos países em desenvolvimentoatravés de uma política de industrialização em profundidade ; e, para isso, reivindicam uma mobilização geraldo conjunto da comunidade internacional sob forma de uma ajuda acrescida e concedida sem qualquer condição

política ou econômica.21

1.7. O Fundo Monetário Internacional – FMIA interdependência econômica existente entre os Estados leva à consideração da efetivação racional e eficiente

do meio destinado a facilitar as trocas comerciais e o seu financiamento. Para a concretização desse objetivo eranecessário criar um sistema monetário que colocasse num plano subalterno a nacionalidade da moeda.

A moeda sempre foi a expressão do poder de um soberano sobre determinado e limitado espaço territorial.Através dela o soberano vinculava os povos a seu poder, simbolizando assim o domínio político e econômico sobreeles exercido. Assim, por exemplo, a moeda romana espalhou-se pelo mundo conhecido de então e simbolizava o

domínio exercido pelo Império Romano.22 A moeda traduzia a ideia de que um império forte poderia dominar osdemais e deles tirar o necessário para garantir mais eficazmente o domínio. A moeda era um meio de garantia maiorda independência do que expressão de uma interdependência a vincular os impérios.

É certo, contudo, que as políticas monetárias adotadas pelos Estados têm profunda influência sobre as trocasinternacionais. Se um Estado desvaloriza a própria moeda relativamente à moeda de um outro país, consegue tornarmais caras as mercadorias daquele país e relativamente mais baratas as suas, de tal sorte a incrementar aexportação destas e a desestimular a importação daquelas. Da mesma forma, uma elevação das barreirasalfandegárias, através de subvenções ou onerações, traz como consequência a diminuição das importações eaumento das exportações. A política monetária torna-se, assim, uma arma nas mãos do Estado.

O incremento do comércio internacional veio exigir um eficiente instrumento dessa troca. O ouro foi o meioencontrado pelos países como forma de viabilizar os pagamentos internacionais, em substituição da moeda nacionalde cada um deles. Mas os graves problemas ocorridos no período entre as duas grandes guerras, de 1914 a 1939,vieram estimular a criação de um sistema monetário internacional.

Com essa expressão pretendeu-se significar o conjunto de regras criadas pelos Estados e por organismos

internacionais com a finalidade de facilitar as trocas internacionais, prevenir as crises e remediá-las.23

Como sistema, ressalta o seu caráter convencional, por decorrer da criação pelos Estados, e também o dapublicidade, por ter sido criado pelos e para os Estados, vinculando também a atividade comercial, em nívelinternacional, das pessoas privadas. Esse sistema pretende ser universal, ou seja, reunir sob sua abrangência todosos países do mundo, embora admitindo também aglomerações regionais.

A lógica do sistema não pode, contudo, deixar desconhecida a relação de poder que ela traz. A ordem monetáriafoi criada como manifestação de poder dos países que maior projeção têm no intercâmbio internacional. O sistemafoi elaborado como forma de impedir o surgimento de crises monetárias no mercado e, com isso, garantir às grandespotências a inalterabilidade de sua hegemonia. Estabelece-se, assim, um código de boa conduta. Os países que

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revelarem esse bom procedimento terão direito à ajuda e à cooperação que serão propiciados aos membros.24

A conversão entre moedas pressupõe a escolha de um padrão ou estalão. É a diversidade destes que propiciouo surgimento de sistemas diferentes. Três dentre estes tiveram maior projeção: o padrão-ouro, o chamado “Goldexchange standard” e o padrão-divisa, também chamado padrão-dólar.

O primeiro sistema vigorou de 1870 até agosto de 1914, quando a libra esterlina, o franco francês e o marco setornaram moedas nacionais de papel, e toda vinculação com o ouro se rompeu. A respeito desse sistema, disseRobert Mossé:

A teoria do estalão-ouro é confortável. Ela promete o céu, a terra e o mar, a saber, a conver bilidade,a estabilidade e a liquidez. Ela só esquece uma coisa: ela esquece que o estalão-ouro coincidiu com asgraves crises econômicas do século XIX, que ele coincidiu com o desemprego e que coincidiu com o

desenvolvimento de nosso espírito de quimera.25

O segundo sistema, o de padrão de câmbio-ouro – Gold Exchange Standard – veio estabelecer que o termode referência para a conversão das divisas seriam o ouro e algumas divisas nacionais chamadas divisas-chave.Passaram assim o dólar e a libra esterlina a desempenhar a função de moedas de reserva.

Em 15.08.1971, o Presidente Nixon suspendeu a conversibilidade do dólar em ouro. Surge, então, o terceirosistema, em que o termo de referência para conversão das moedas é uma moeda nacional, não mais conversível emouro. Surge assim o estalão-divisa, ou estalão-dólar.

Na Conferência de Bretton-Woods, realizada de 1º a 22 de julho de 1944, surge a instituição predestinada aadministrar, a partir de então, o sistema monetário internacional. A realização dessa conferência em territórioamericano decorreu exatamente do maior poderio dos Estados Unidos, que influíram poderosamente nas decisõesque foram tomadas.

Os princípios fundamentais que regem todo o funcionamento do Fundo podem ser assim sintetizados:

– a unidade da taxa de câmbio: os Estados deverão valer-se de uma única taxa de câmbio para a sua moeda,como preceitua o art. VIII dos Estatutos do Fundo, ficando proibida toda e qualquer prática monetáriadiscriminatória. Todos os Estados-Membros se comprometem a declarar oficialmente a paridade de sua moeda emouro ou em dólares dos Estados Unidos;

– a fixidez da taxa de câmbio veio impedir modificações da paridade das moedas dos Estados-Membros. Amargem de variação ficou, de 1944 a 1971, numa relação de mais ou menos 1% (um por cento). Somente osEstados Unidos não estavam adstritos a respeitar essa margem em relação ao dólar;

– a obrigação de transferibilidade dos pagamentos correntes: o país-membro tem obrigação de não imporrestrições sobre pagamentos e transferências, para que sua moeda seja conversível;

– a proibição de desvalorizações competitivas: o acordo de Bretton-Woods quis exatamente impedir asmanipulações perversas das taxas de câmbio, destinadas a melhorar a posição concorrencial das exportações sobreos mercados estrangeiros.

Em 1971, em virtude da grave crise monetária, o Presidente Nixon determinou a reformulação do sistema atéentão adotado, introduzindo como maior modificação a suspensão da conversibilidade do dólar em ouro.

Críticas importantes feitas ao sistema de Bretton-Woods decorrem principalmente de não se ter assegurado umareciprocidade de interesses entre os Estados.

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O conhecimento das regras impostas aos países-membros é importante, porque a vinculação ao Fundo MonetárioInternacional condiciona necessariamente as políticas econômicas adotadas por eles. A adesão de um país osujeita a todas as medidas de controle por parte do Fundo Monetário Internacional, bem como às sanções que lheforem impostas. O direito à ajuda do Fundo, principalmente através dos Direitos de Tiragem Especiais, estácondicionado à observância de uma “boa conduta”.

O estudo da adoção por um país de eficientes medidas de política econômica não pode desconhecer as suasvinculações com o Fundo Monetário Internacional. Daí a importância de sua menção, quando estudamos o Direito

Econômico Internacional.26

1.8. O acordo geral sobre tarifas e comércioO Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – General Agreement on Tariffs and Trade – GATT –, foi criado

em 1948, com a finalidade de expandir o comércio internacional, reduzindo os direitos alfandegários, através de

contingenciamentos,27 de acordos preferenciais, de barreiras não tarifárias, generalizando o princípio da cláusula denação mais favorecida e concedendo aos países em desenvolvimento um tratamento especial para a exportação deseus produtos manufaturados.

Para a consecução desses objetivos foram realizadas Negociações Comerciais Multilaterais, tambémconhecidas pela denominação de “rodadas”. Tais negociações se realizaram em Genebra (1947), Annecy (1949),Torquay (1950-1951), Genebra (1956), Genebra (1960-1961 – a chamada Rodada Dillon), Genebra (1962-1967 – achamada Rodada Kennedy), Rodada Tóquio (“Tokyo Round ou Nixon Round” – 1970), Rodada Uruguai (1986) e aRodada de Doha (2001 até hoje).

A Rodada Doha se propõe o objetivo de conseguir uma grande reforma do sistema de comércio internacional, pormeio da introdução de barreiras comerciais menores e revisão das regras do comércio, cujo objetivo fundamental émelhorar as perspectivas comerciais dos países em desenvolvimento. Esta Rodada foi lançada oficialmente naQuarta Conferência Ministerial da OMC em Doha, Qatar, em novembro de 2001.

São questões ainda não definidas os subsídios à agricultura mantidos pelos países centrais, que impedem aentrada de produtos originários dos países periféricos. Também há divergências sobre o quanto as nações em

desenvolvimento aceitariam abrir seus mercados para bens manufaturados e serviços.28

O art. XXVIII bis do Acordo Geral preceitua o seguinte:

1. As Partes Contratantes reconhecem que os direitos aduaneiros frequentemente cons tuemobstáculos sérios ao comércio; assim, são de grande importância para a expansão do comérciointernacional negociações em base recíproca e mutuamente vantajosa, des nadas à reduçãosubstancial do nível geral de tarifas e outros gravames sobre as importações e as exportações e empar cular a redução de tarifas e outros gravames sobre as importações e as exportações e empar cular a redução de tarifas tão altas que desencorajem a importação mesmo de quan dadesmínimas, e conduzidas com a devida atenção aos obje vos deste Acordo e às necessidades variáveisde cada parte contratante. Destarte, as Partes Contratantes podem patrocinar periodicamente taisnegociações.

2. As negociações disciplinadas por este ar go podem ser entabuladas com base em uma abordagem

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sele va produto por produto ou por procedimentos mul laterais aceitos pelas Partes Contratantesenvolvidas. Tais negociações podem des nar-se à redução de direitos, à consolidação de direitos aosníveis existentes ou a es pulações de que certos direitos ou a média dos direitos sobre categoriasespecíficas de produtos não devam exceder determinados níveis. A consolidação de direitos baixos oude isenções deve, em princípio, ser reconhecida como uma concessão de valor equivalente à reduçãode direitos altos.

As Partes Contratantes reconhecem que, em geral, o êxito das negociações mul laterais dependeráda par cipação de todas as Partes Contratantes, que umas com as outras mantenham uma proporçãosubstancial de seu comércio exterior.

3. As negociações devem ser feitas de modo que se ofereça oportunidade adequada a que sejamlevadas em consideração:

a) as necessidades de cada Parte Contratante e de cada indústria;

b) as necessidades que sentem os países de menor desenvolvimento, de um uso mais flexível daproteção tarifária para ajudar seu desenvolvimento econômico, e as necessidades especiais, queesses países sentem, de manter tarifas a fim de obter receita; e

c) todas as outras circunstâncias relevantes, inclusive as necessidades fiscais, de desenvolvimento,estratégicas e outras, das Partes Contratantes interessadas.

1.9. Constituição da Organização Mundial de ComércioO governo brasileiro, através do Decreto n. 1.355, de 30.12.1994, promulgou a Ata Final que incorpora os

Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT, assinada em Marraqueche,em 12.04.1994. O Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio de 1994 – denominado GATT 1994 – éjuridicamente distinto do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio datado de 30.10.1947. O acordoconstitutivo da Organização Mundial de Comércio – OMC – tem a explicitação de sua finalidade no preâmbuloda Ata Final. Eis o seu conteúdo:

Acordo Constitutivo da Organização Mundial de Comércio

As partes do presente Acordo,

Reconhecendo que as suas relações na esfera da a vidade comercial e econômica devem obje var aelevação dos níveis de vida, o pleno emprego e um volume considerável e em constante elevação dereceitas reais e demanda efe va, o aumento da produção e do comércio de bens e de serviços,permi ndo ao mesmo tempo a u lização ó ma dos recursos mundiais em conformidade com oobje vo de um desenvolvimento sustentável e buscando proteger e preservar o meio ambiente eincrementar os meios para fazê-lo, de maneira compa vel com suas respec vas necessidades einteresses segundo os diferentes níveis de desenvolvimento econômico;

Reconhecendo ademais que é necessário realizar esforços posi vos para que os países emdesenvolvimento, especialmente os de menor desenvolvimento rela vo, obtenham uma parte doincremento do comércio internacional que corresponda às necessidades de seu desenvolvimentoeconômico;

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Desejosas de contribuir para a consecução desses obje vos mediante a celebração de acordosdes nados a obter, na base da reciprocidade e de vantagens mútuas, a redução substancial das tarifasaduaneiras e dos demais obstáculos ao comércio, assim como a eliminação do tratamentodiscriminatório nas relações comerciais internacionais;

Resolvidas, por conseguinte, a desenvolver um sistema mul lateral de comércio integrado, maisviável e duradouro, que compreenda o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio, osresultados de esforços anteriores de liberalização do comércio e os resultados integrais dasNegociações Comerciais Multilaterais da Rodada Uruguai;

Decididas a preservar os princípios fundamentais e a favorecer a consecução dos obje vos queinformam este sistema multilateral de comércio, acordam o seguinte:

Art. 1º

Estabelecimento da Organização

Constitui-se pelo presente Acordo a Organização Mundial de Comércio (a seguir denominada “OMC”).

Importante ressaltar que, em 7 de maio de 2013, o diplomata brasileiro Roberto Carvalho de Azevedo foiescolhido Diretor-Geral da OMC, sendo a primeira vez que um representante do continente americano é escolhidopara o cargo.

2. EXISTÊNCIA DE UM DIREITO ECONÔMICO REGIONALAs tentativas de formação de uma unidade internacional, em nível mundial, foram acompanhadas também de

esforços de constituição de unidades regionais , quer sob o aspecto político, quer sob o prisma econômico. Aquiabordaremos os projetos para a constituição da unidade europeia e os que foram implantados com vista àconstrução da unidade latino-americana. A unidade europeia acabou transformando-se num modelo para outrasregiões, principalmente pelo sucesso alcançado.

2.1. A União EuropeiaUm estudo crítico das vicissitudes políticas, econômicas e culturais pelas quais passou a Europa leva à convicção

de que aquela parte do mundo trilhou sempre o caminho dialético marcado pelos esforços de unificação, de um lado,e pelas crises desagregadoras, de outro.

A Roma Imperial foi o primeiro esforço desenvolvido no sentido de unificar a Europa, sob o signo e o poder deRoma. Ao fulgor e ao fascínio dos tempos áureos do Império Romano, sucedeu-se a desagregação causada pelainvasão bárbara que levou o Império ao total desmantelamento. Nesse momento surge a força agregadora docristianismo, quer sob o aspecto religioso e doutrinário, quer sob o aspecto do prestígio e autoridade dos Papas. Estaautoridade dedicou-se a difundir tanto a religião cristã, quanto o sistema jurídico e social herdado do ImpérioRomano, por todo o período medieval. A partir do século XIV surge o prestígio e poderio unificador dos reis deFrança, que catalisam em redor de si todo o fausto da civilização europeia. Nova crise surge com a RevoluçãoFrancesa, que procura construir uma nova união no plano ideológico, que deu suporte para o constitucionalismo doséculo XIX. No plano da unificação política, foi sobremaneira importante o papel desempenhado por Napoleão, queprocurou construir um novo império, cujo desmantelamento provocou a convocação do Congresso de Viena, de que

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surge a Santa Aliança. O ideal de paz então implantado perdura, com mais ou menos graves, mas localizadas,convulsões, até que eclode a guerra de 1914-1918. A partir desta surge a ideia da Sociedade das Nações, natentativa de construir uma união destinada a reunir os países em torno de um concerto de paz. Nova crise, deenormes e ameaçadoras proporções, surge com a guerra de 1939-1945, cuja dimensão vem alertar a Europa para osperigos de um novo conflito.

A partir de 1945, intensificam-se os esforços para a construção de uma união duradoura. Ao lado do desafio deeconomias destroçadas, surge (ou é criado) um fantasma dinamizador dos mitos desenvolvimentistas. O LesteEuropeu se põe como um perigo a estimular a reconstrução econômica, política e militar dos países do ocidente da

Europa.29 Diversos acontecimentos se traduzem em marcos dessa meta de reconstrução da Europa. O conteúdodesses acontecimentos apresenta duas configurações fundamentais: numa primeira fase há um movimento decooperação, mas numa seguinte surge uma tendência para a integração.

Em 02.04.1947, o Congresso americano cria por lei o “European Recovery Program”, que corporifica ochamado Plano Marshall para a recuperação da Europa.

Em 16.04.1948, na Convenção de Paris, cria-se a Organização Europeia de Cooperação Econômica – OECE,através da qual os países integrantes se propõem como finalidade “praticar uma estreita cooperação nas suasrelações econômicas mútuas”. Tinha por missão precípua coordenar a repartição da ajuda do Plano Marshall entreos países europeus. Transformou-se em 1961 na Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico –OCDE –, como organismo de reflexão e de análise econômicas endereçadas aos países capitalistas. O art. 1º daConvenção que criou a OCDE estabelece:

A OCDE tem por objetivo promover políticas visando a:

a) Realizar a mais ampla expansão possível da economia e do emprego e a melhoria do nível de vidanos países-membros, sem prejuízo da estabilidade financeira e contribuir assim para odesenvolvimento da economia mundial;

b) Contribuir para uma expansão econômica sã, tanto nos países-membros como não membros emvias de desenvolvimento econômico;

c) Contribuir para a expansão do comércio mundial numa base mul lateral e não discriminatória, na

conformidade das obrigações internacionais.30

A fase da integração inaugura-se através da criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço – CECA –,pelo Tratado de Paris, de 18.04.1951, preparado por Jean Monnet e por Robert Schuman, que apresenta a finalidadedaquela organização:

A Europa não se fará de um golpe, nem por virtude de uma construção global. Far-se-á medianterealizações concretas – criando, antes de mais, uma solidariedade de fato. A congregação das naçõeseuropeias exige que a oposição secular entre a França e a Alemanha seja eliminada.

Com esta finalidade, o governo francês propõe que a ação incida imediatamente sobre um pontolimitado mas decisivo:

“O governo francês propõe que o conjunto da produção franco-alemã de carvão e de aço seja colocadasob uma Alta Autoridade Comum, no seio de uma Organização aberta à par cipação de outros paísesda Europa”.

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A colocação em comum das produções do carvão e do aço assegurará imediatamente oestabelecimento de bases comuns de desenvolvimento econômico, primeira “étape” da FederaçãoEuropeia, e mudará o des no destas regiões que durante tanto tempo se entregaram ao fabrico dearmas de guerra, de que elas têm sido as mais constantes ví mas. A solidariedade de produção queassim será forjada terá como resultado que qualquer guerra entre a França e a Alemanha se tornaránão somente impensável, mas materialmente impossível.

A Europa poderá, com acrescidos meios, prosseguir na realização de uma das suas tarefas essenciais: odesenvolvimento do continente africano.

Assim será realizada simples e rapidamente a fusão de interesses, indispensável ao estabelecimentode uma comunidade econômica, e introduzido o fermento de uma Comunidade mais larga e maisprofunda entre países durante longo tempo opostos por divisões sangrentas.

Mediante a colocação em comum de produções de base e a ins tuição de uma Alta Autoridade cujasdecisões vincularão a França, a Alemanha e os países que a ela aderirem, esta proposta realizará as

primeiras bases concretas de uma federação europeia indispensável à preservação da paz.31

O preâmbulo do tratado instituidor da CECA explicita as finalidades pelas quais foi criada e que reúne os paísesinteressados em torno de um objetivo amplo, que vai além do simples questionamento do problema industrial docarvão e do aço. Os países envolvidos têm um interesse na formação de uma Comunidade que preserve a paz:

Considerando que a paz mundial não pode ser salvaguardada senão por esforços criadores na medidados perigos que a ameaçam;

Convencidos de que a contribuição que uma Europa organizada e viva pode trazer para a civilização éindispensável para a manutenção de relações pacíficas;

Conscientes de que a Europa não se construirá senão por realizações concretas criando em primeirolugar uma solidariedade de fato, e pelo estabelecimento de bases comuns de desenvolvimentoeconômico;

Preocupados em concorrer pela expansão de suas produções fundamentais para a elevação do nívelde vida e para o progresso das obras de paz;

Decididos a subs tuir às rivalidades seculares uma fusão de seus interesses essenciais, a fundar pelainstauração de uma comunidade econômica as primeiras bases de uma comunidade mais ampla e maisprofunda entre povos por muito tempo opostos por divisões sangrentas, e a colocar as bases deinstituições capazes de orientar um destino a partir de agora partilhado,

Decidiram criar uma Comunidade europeia do carvão e do aço.

O art. 2º do Tratado expõe as finalidades pelas quais foi criada a Comunidade:

Art. 2º A Comunidade europeia do carvão e do aço tem por missão contribuir, em harmonia com aeconomia geral dos Estados-Membros e graças ao estabelecimento de um mercado comum nascondições definidas no art. 4º, para a expansão econômica, para o desenvolvimento do emprego epara a elevação do nível de vida nos Estados-Membros.

A Comunidade deve realizar o estabelecimento progressivo das condições garan doras por si mesmas

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da repar ção mais racional da produção no nível mais elevado de produ vidade, salvaguardando acon nuidade do emprego e evitando provocar, nas economias dos Estados-Membros, perturbaçõesfundamentais e persistentes.

O art. 46, que trata das disposições econômicas e sociais, dispõe:

Para orientar, em função das missões atribuídas à Comunidade, a ação de todos os interessados, e paradeterminar sua ação própria, nas condições previstas no presente tratado, a Alta Autoridade deve,recorrendo às consultas acima:

1º efetuar um estudo permanente da evolução dos mercados e das tendências dos preços;

2º estabelecer periodicamente programas provisionais de caráter indica vo referentes à produção, aoconsumo, à exportação e à importação;

3º definir periodicamente obje vos gerais concernentes à modernização, à orientação a longo termoda fabricação, e a expansão das capacidades de produção;

4º par cipar, por solicitação dos governos interessados, ao estudo das possibilidades de reemprego,nas indústrias existentes ou pela criação de a vidades novas, da mão de obra tornada disponível pelaevolução do mercado ou pelas transformações técnicas;

5º reunir informações necessárias à apreciação das possibilidades de elevação das condições de vida ede trabalho da mão de obra das indústrias de que está encarregada e dos riscos que ameaçam estascondições de vida.

Em 25.03.1957 surge o Tratado de Roma, que institui a Comunidade Econômica Europeia, que reúneinicialmente os mesmos países integrantes da CECA – Bélgica, Alemanha, França, Itália, Luxemburgo e PaísesBaixos – mas que se propõe a um objetivo bem mais amplo. As razões que levaram estes países a criar uma novaComunidade e os objetivos que se pretendiam alcançar podem ser apreendidos no preâmbulo do Tratado e nos seusarts. 2º e 3º:

DETERMINADOS a estabelecer os fundamentos de uma união cada vez mais estreita entre os povoseuropeus;

DECIDIDOS a assegurar por uma ação comum o progresso econômico e social de seus paíseseliminando as barreiras que dividem a Europa;

FIXANDO como finalidade essencial a seus esforços a melhoria constante das condições de vida e deemprego de seus povos;

RECONHECENDO que a eliminação dos obstáculos existentes exige uma ação concertada em vista degarantir a estabilidade na expansão, o equilíbrio nas trocas e a lealdade na concorrência;

PREOCUPADOS em reforçar a unidade de suas economias e em assegurar o seu desenvolvimentoharmonioso reduzindo a separação entre as diferentes regiões e o atraso das menos favorecidas;

DESEJOSOS de contribuir, graças a uma polí ca comercial comum, para a supressão progressiva dasrestrições às trocas internacionais;

QUERENDO confirmar a solidariedade que liga a Europa e os países de além-mar, e desejandoassegurar o desenvolvimento de sua prosperidade, em conformidade com os princípios da Carta das

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Nações Unidas;

RESOLVIDOS a fortalecer, pela cons tuição deste conjunto de recursos, as salvaguardas da paz e daliberdade, e convidando os outros povos da Europa que partilham seu ideal a se associar a seu esforço;

DECIDIRAM criar uma Comunidade econômica europeia.

Os arts. 2º e 3º do Tratado explicitam o objetivo e o direcionamento da ação da Comunidade paraconcretização dos fins propostos:

Art. 2º A Comunidade tem por missão, pelo estabelecimento de um mercado comum e pelaaproximação progressiva das polí cas econômicas dos Estados-Membros, promover umdesenvolvimento harmonioso das a vidades econômicas no conjunto da Comunidade, uma expansãocon nua e equilibrada, uma estabilidade aumentada, uma elevação acelerada do nível de vida e dasrelações mais estreitas entre os Estados que ela reúne.

Art. 3º Para os fins enunciados no art. precedente, a ação da Comunidade comporta, nas condições eem conformidade com os ritmos previstos pelo presente tratado:

a) a eliminação, entre os Estados-Membros, dos direitos aduaneiros e das restrições quan ta vas àentrada e saída de mercadorias, assim como de outras medidas de efeito equivalente;

b) o estabelecimento de uma tarifa aduaneira comum e de uma polí ca comercial comum para comterceiros Estados;

c) a abolição, entre os Estados-Membros, de obstáculos à livre circulação das pessoas, dos serviços edos capitais;

d) a instauração de uma política comum no domínio da agricultura;

e) a instauração de uma política comum no domínio dos transportes;

f) o estabelecimento de um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercadocomum;

g) a aplicação de procedimentos que permitam coordenar as polí cas econômicas dos Estados-Membros e enfrentar os desequilíbrios em suas balanças de pagamentos;

h) a aproximação das legislações nacionais na medida necessária ao funcionamento do mercadocomum;

i) a criação de um Fundo social europeu, para melhorar as possibilidades de emprego dostrabalhadores e para contribuir à elevação de seu nível de vida;

j) a ins tuição de um Banco europeu de inves mento, des nado a facilitar a expansão econômica daComunidade pela criação de recursos novos;

k) a associação dos países e territórios de além-mar, para aumentar as trocas e perseguir em comum oesforço de desenvolvimento econômico e social.

O art. 102-A do Tratado deixa evidente que, a partir de então, a política econômica adotada por um Estado nãopode mais prescindir de sua integração no contexto da Comunidade da qual faz parte. A adoção de uma política

econômica transcende aos limites territoriais e encontra implicações em nível de Comunidade,32 devendo osEstados-Membros, como consta do art. 6º, coordenar “suas respectivas políticas econômicas na medida necessária

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para atingir os objetivos do presente tratado”.

Na mesma data de criação da Comunidade Econômica Europeia, 25.03.1957, também em Roma era instituída aComunidade Europeia da Energia Atômica.

A adesão ao Tratado da CEE pelos demais países europeus foi ocorrendo posteriormente, como o permitia o art.237. Em 1972 ocorreram as adesões da Inglaterra, da Irlanda e da Dinamarca. Em 1979, a Grécia adereformalmente, pelo Tratado de Adesão assinado em Atenas, em 28.05.1979. Em 12.06.1985 foi a vez do Tratado deAdesão que incluiu Portugal, e em 01.01.1986 o da Espanha.

Em 28.02.1986 é firmado o Ato Único Europeu, que congrega os doze países que passaram a integrar aComunidade Europeia. Os países signatários estão decididos a “colocar em prática esta União europeia”,convencidos de que a “ideia europeia, os resultados conquistados nos domínios da integração econômica e dacooperação política assim como a necessidade de novos desenvolvimentos respondem aos anseios dos povosdemocráticos europeus”, e determinados a “melhorar a situação econômica e social pelo aprofundamento daspolíticas comuns e pela prossecução de objetivos novos e determinados também a assegurar um melhor

funcionamento das Comunidades”.33

Em 07.02.1992 surge como um marco importante em Maastricht o Tratado da União Europeia que assinalauma nova fase no processo de integração europeia com a instituição das Comunidades Europeias. O preâmbulodo novo Tratado enfatiza as razões de sua elaboração:

RESOLVIDOS a assinalar uma nova fase no processo de integração europeia iniciada com a ins tuiçãodas Comunidades Europeias;

RECORDANDO a importância histórica do fim da divisão do con nente europeu e a necessidade dacriação de bases sólidas para a construção da futura Europa;

CONFIRMANDO o seu apego aos princípios da liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos dohomem e liberdades fundamentais e do Estado de direito;

DESEJANDO aprofundar a solidariedade entre os seus povos, respeitando a sua história, cultura etradições;

DESEJANDO reforçar o caráter democrá co e a eficácia do funcionamento das ins tuições, a fim delhes permi r melhor desempenhar, num quadro ins tucional único, as tarefas que lhes estãoconfiadas;

RESOLVIDOS a conseguir o reforço e a convergência das suas economias e a ins tuir uma uniãoeconômica e monetária, incluindo, nos termos das disposições do presente Tratado, uma moeda únicae estável;

DETERMINADOS a promover o progresso econômico e social dos seus povos, no contexto da realizaçãodo mercado interno e do reforço da coesão e da proteção do ambiente, e a aplicar polí cas quegarantam que os progressos na integração econômica sejam acompanhados de progressos paralelosnoutras áreas;

RESOLVIDOS a instituir uma cidadania comum aos nacionais dos seus países;

RESOLVIDOS a executar uma polí ca externa e de segurança que inclua a definição, a prazo, de umapolí ca de defesa comum que poderá conduzir, no momento próprio, a uma defesa comum,

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fortalecendo assim a iden dade europeia e a sua independência, em ordem a promover a paz, asegurança e o progresso na Europa e no mundo;

REAFIRMANDO o seu obje vo de facilitar a livre circulação de pessoas, sem deixar de garan r asegurança dos seus povos, através da inclusão, no presente Tratado, de disposições rela vas à jus çae aos assuntos internos;

RESOLVIDOS a con nuar o processo de criação de uma união cada vez mais estreita entre os povos daEuropa, em que as decisões sejam tomadas ao nível mais próximo possível dos cidadãos, de acordocom o princípio da subsidiariedade;

Na perspectiva das etapas ulteriores a transpor para fazer progredir a integração europeia;

DECIDIRAM instituir uma UNIÃO EUROPEIA.

Os esforços serão encaminhados no sentido do estabelecimento de uma política econômica coerente entre osEstados que compõem a União.

Essa unificação pode ser vista no art. B do Título I:

Art. B. À União atribuem-se os seguintes objetivos:

– a promoção de um progresso econômico e social equilibrado e sustentável, nomeadamentemediante a criação de um espaço sem fronteiras internas, o reforço da coesão econômica e social e oestabelecimento de uma união econômica e monetária, que incluirá, a prazo, a adoção de uma moedaúnica, de acordo com as disposições do presente Tratado.

A par da mudança da denominação para “Comunidade Europeia”, da instituição da cidadania da União, parte-separa a concretização de uma uniformização da política econômica e monetária, como se verifica nos Títulos VIe VII. O art. 102-A dispõe sobre a unificação das políticas econômicas:

Art. 102-A. Os Estados-Membros conduzirão as suas polí cas econômicas no sen do de contribuir paraa realização dos objetivos da Comunidade, tal como se encontram definidos no art. 2º, e no âmbito dasorientações gerais a que se refere o n. 2 do art. 103. Os Estados-Membros e a Comunidade atuarão deacordo com o princípio de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência, favorecendo umarepartição eficaz dos recursos, e em conformidade com os princípios estabelecidos no art. 3º-A.

As políticas econômicas dos Estados-Membros passam a ser uma questão de interesse comum, e sãocoordenadas pelo Conselho, que dita as orientações gerais que deverão ser seguidas por eles (art. 103). Esta

limitação se traduz, por via de consequência, numa restrição ao princípio da soberania.34

Em 1º de maio de 1997, entra em vigor o Tratado de Amsterdã, que consolida os Tratados da ComunidadeEuropeia.

O Regulamento (CE) n. 974, de 3 de maio de 1998, introduziu o euro como moeda única:

Artigo 2º

Com efeitos a par r das respec vas datas de adoção do euro, a moeda dos Estados-Membrospar cipantes é o euro. A respec va unidade monetária é um euro. Cada euro divide-se em cemcêntimos.

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Em 1º de fevereiro de 2003, passa a vigorar o Tratado de Nice, com a reforma das instituições de modo apreparar o funcionamento com 25 países.

O Tratado de Lisboa, em vigor a partir de 1º de dezembro de 2009, institui a União Europeia:

Artigo 1º

Pelo presente Tratado, as ALTAS PARTES CONTRATANTES ins tuem entre si uma UNIÃO EUROPEIA,adiante designada por “União”, à qual os Estados-Membros atribuem competências para a ngirem osseus objetivos comuns.

O presente Tratado assinala uma nova etapa no processo de criação de uma união cada vez maisestreita entre os povos da Europa, em que as decisões serão tomadas de uma forma tão aberta quantopossível e ao nível mais próximo possível dos cidadãos.

A União funda-se no presente Tratado e no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (aseguir designados “os Tratados”). Estes dois Tratados têm o mesmo valor jurídico. A União subs tui-see sucede à Comunidade Europeia.

Artigo 2º

A União funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, daigualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos daspessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados-Membros, numa sociedadecaracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a jus ça, a solidariedade e aigualdade entre homens e mulheres.

Artigo 3º

(ex-artigo 2º TUE)

1. A União tem por objetivo promover a paz, os seus valores e o bem-estar dos seus povos.

2. A União proporciona aos seus cidadãos um espaço de liberdade, segurança e jus ça sem fronteirasinternas, em que seja assegurada a livre circulação de pessoas, em conjugação com medidasadequadas em matéria de controlos na fronteira externa, de asilo e imigração, bem como deprevenção da criminalidade e combate a este fenómeno.

3. A União estabelece um mercado interno. Empenha-se no desenvolvimento sustentável da Europa,assente num crescimento económico equilibrado e na estabilidade dos preços, numa economia socialde mercado altamente compe va que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social, enum elevado nível de proteção e de melhoramento da qualidade do ambiente. A União fomenta oprogresso científico e tecnológico.

A União combate a exclusão social e as discriminações e promove a jus ça e a proteção sociais, aigualdade entre homens e mulheres, a solidariedade entre as gerações e a proteção dos direitos dacriança.

A União promove a coesão económica, social e territorial, e a solidariedade entre os Estados-Membros.

A União respeita a riqueza da sua diversidade cultural e linguís ca e vela pela salvaguarda e pelodesenvolvimento do património cultural europeu.

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4. A União estabelece uma união económica e monetária cuja moeda é o euro.

5. Nas suas relações com o resto do mundo, a União afirma e promove os seus valores e interesses econtribui para a proteção dos seus cidadãos. Contribui para a paz, a segurança, o desenvolvimentosustentável do planeta, a solidariedade e o respeito mútuo entre os povos, o comércio livre eequita vo, a erradicação da pobreza e a proteção dos direitos do Homem, em especial os da criança,bem como para a rigorosa observância e o desenvolvimento do direito internacional, incluindo orespeito dos princípios da Carta das Nações Unidas.

6. A União perseguirá seus obje vos pelos meios apropriados, de acordo com as competências a elaatribuídas nos Tratados.

O sucesso da União Europeia é retratado no Discurso de Despedida do Presidente José Manuel Durães Barroso,em 21 de outubro de 2014, na sessão plenária do Parlamento Europeu:

Em 2004, ano em que ve o prazer e a honra de assumir a liderança da Comissão Europeia, éramos 15,lembram-se? Hoje, somos 28. Quase duplicámos o número de membros da União Europeia durante acrise. Haverá melhor prova da resistência e da capacidade de adaptação da nossa União? Penso que ofacto de nos termos conseguido manter unidos e abertos durante a crise confirma a resistência e aforça extraordinárias da União Europeia, facto que não deve ser subestimado.

Sei que, para alguns, estes feitos não significam muito. De certa forma, idealizam o passado e sonhamprovavelmente com uma Europa fechada. Consideram que a Europa era melhor quando metade docon nente se encontrava sob o jugo de regimes comunistas totalitários. Eu não penso assim.Considero que a Europa é melhor hoje do que quando metade se encontrava subjugada aocomunismo. O facto de a Europa ter sido capaz, durante toda a crise, de se abrir, consolidar e unirenquanto con nente em torno de valores da paz, da liberdade e da jus ça é algo que devemosfestejar e não algo que nos envergonhe, como parece ser o caso de alguns.

Por isso, penso que este é também um mo vo de celebração. Muitos previram, como provavelmentese lembram todos os que então seguiram estas questões atentamente, que a Comissão Europeia nãoseria capaz de funcionar com 25, 27 ou 28 membros, que a União Europeia ficaria bloqueada. A verdadeé que a União Europeia não ficou bloqueada pelo alargamento. A verdade que estou hoje emcondições de par lhar convosco é que, por vezes, juntar alguns dos países fundadores foi mais di cildo que reunir os 28 Estados-Membros da UE.

2.2. A perspectiva latino-americanaO surgimento e desenvolvimento das ordens econômicas internacionais , com mais profundidade e eficácia a

partir da Segunda Guerra Mundial, vem comprovar a importância da vida de inter-relação econômica a fundamentara convivência das nações. A convicção de que todos os confrontos bélicos tiveram por base e origem dissensões decaráter econômico levou os países a buscar uma solução radical, no exato sentido do termo, ou seja, a procurarcurar o mal pela raiz.

Pode-se ver que houve uma evolução sensível na visualização dos fenômenos da inter-relação econômica entreos países, no sentido de uma concretude maior, se se fizer um confronto entre os preâmbulos do Tratado da

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Sociedade das Nações35 e da Carta das Nações Unidas,36 e no intuito de se afirmar que a manutenção da paz e dasegurança internacionais está visceralmente vinculada ao emprego de mecanismos eficientes para promover oprogresso econômico e social de todos os povos.

A meta de um equilibrado desenvolvimento econômico impôs a adoção de medidas que propiciassem eincentivassem a criação de áreas economicamente homogêneas , aceitando-se o princípio de que é difícil aconvivência e a inter-relação no plano econômico entre países cujo nível de desenvolvimento econômico sejagravemente desigual. E como a convivência se concretiza primeiramente pela proximidade geográfica, necessário sefez criar mecanismos de homogeneização das relações econômicas regionais. As iniciativas de criação deordens econômicas regionais vieram a ser ratificadas pela Resolução n. 3.281 (XXIX), também chamada Carta dosDireitos e Deveres Econômicos dos Estados, que, em seu art. 12.1, se propõe a compatibilizar tais ordens com aordem econômica internacional:

Os Estados têm o direito de par cipar, com o assen mento das partes envolvidas, na cooperação sub-regional, regional e inter-regional no seu empenho de conseguir seu desenvolvimento econômico esocial. Todos os Estados par cipantes desta cooperação têm o dever de velar por que as polí cas das

associações a que pertencem mantenham correspondência com as disposições desta Carta.37

O movimento de unificação regional, após a Segunda Grande Guerra, teve seu modelo implantado a partir doTratado de Roma, que criou a Comunidade Econômica Europeia, como visto acima. Mas o mesmo movimento semanifestou através de outros modelos, como o da criação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio.

O Tratado de Montevidéu, de 1960, destinou-se, como o nome está a significar, à criação de uma zona de livrecomércio, através da eliminação das barreiras aduaneiras, na linha de pensamento traçada pelo Acordo Geral sobreTarifas e Comércio – GATT instituído em 1947. É esta uma primeira fase da adoção de políticas econômicas

destinadas a fortalecer os elos econômicos entre os países da América Latina.38 É o que se pode verificar em seupreâmbulo:

Os governos representados na Conferência Intergovernamental para o Estabelecimento de uma Zonade Livre Comércio entre Países da América Latina;

Persuadidos de que a ampliação das atuais dimensões dos mercados nacionais, através da eliminaçãogradual das barreiras ao comércio intrarregional, cons tui condição fundamental para que os países daAmérica La na possam acelerar seu processo de desenvolvimento econômico, de forma a assegurarum melhor nível de vida para seus povos;

Conscientes de que o desenvolvimento econômico deve ser alcançado mediante o melhoraproveitamento dos fatores da produção disponíveis e uma melhor coordenação dos planos dedesenvolvimento dos diferentes setores de produção, dentro de normas que contemplemdevidamente os interesses de todos e de cada um, e que compensem convenientemente, através demedidas adequadas, a situação especial dos países de menor desenvolvimento econômico relativo;

Convencidos de que o fortalecimento das economias nacionais contribuirá para o incremento docomércio dos países latino-americanos entre si e com o resto do mundo;

Seguros de que mediante fórmulas adequadas poderão ser criadas condições propícias para que asa vidades produtoras existentes se adaptem, gradualmente e sem perturbações, a novas

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modalidades de comércio recíproco, promovendo outros estímulos para sua melhoria e expansão;

Certos de que toda ação des nada à consecução de tais propósitos deve levar em conta oscompromissos derivados dos instrumentos internacionais que regem seu comércio;

Decididos a perseverar em seus esforços em favor de uma progressiva complementação e integraçãode suas economias com base numa efe va reciprocidade de bene cios, decidem estabelecer umazona de livre comércio e celebrar, com esse obje vo, um Tratado que ins tui a Associação La no-Americana de Livre Comércio.

De 1960 a 1980 surge um percurso evolutivo de considerável importância, passando-se de uma fase de simplescooperação para outra, de maior abrangência e de maior profundidade, de integração. Na primeira fase, enfatiza-se o esforço para a realização de um trabalho em comum para dar curso mais flexível à produção, para eliminar asbarreiras protecionistas que pudessem vir obstaculizar a fluência das relações de produção, circulação e consumo. Asegunda fase se caracteriza pela presença de um esforço global de reagrupamento, de unificação e de coordenaçãocom a finalidade de construir-se um conjunto coerente. Este esforço pode efetivar-se como forma de superação daintegração econômica nacional que se realiza através da criação de políticas econômicas nacionais que sefortalecem através de medidas fiscais, sociais e monetárias, tendentes a estabelecer barreiras excludentes dosdemais Estados. A fase da integração é justamente a tentativa de criação de uma integração econômicainternacional, que tem por finalidade precípua eliminar a discriminação, afastar toda e qualquer medida de

política econômica imposta por um Estado em seu exclusivo proveito.39 A diferença entre esses dois conceitosressalta logo à primeira leitura de confronto dos preâmbulos dos Tratados de 1960 e 1980. O preâmbulo deste últimoevidencia de logo que os esforços de formação de uma comunidade vão bem além da simples criação de uma zonade livre comércio:

ANIMADOS do propósito de fortalecer os laços de amizade e solidariedade entre seus povos;

PERSUADIDOS de que a integração econômica regional cons tui um dos principais meios para que ospaíses da América La na possam acelerar seu processo de desenvolvimento econômico e social, deforma a assegurar um melhor nível de vida para seus povos;

DECIDIDOS a renovar o processo de integração la no-americano e a estabelecer obje vos emecanismos compatíveis com a realidade da região;

SEGUROS de que a con nuação desse processo requer o aproveitamento da experiência posi va,colhida na aplicação do Tratado de Montevidéu, de 18 de fevereiro de 1960;

CONSCIENTES de que é necessário assegurar um tratamento especial para os países de menordesenvolvimento econômico relativo;

DISPOSTOS a impulsionar o desenvolvimento de vínculos de solidariedade e cooperação com outrospaíses e áreas de integração da América La na, com o propósito de promover um processoconvergente que conduza ao estabelecimento de um mercado comum regional;

CONVENCIDOS da necessidade de contribuir para a obtenção de um novo esquema de cooperaçãohorizontal entre países em desenvolvimento e suas áreas de integração inspirado nos princípios dodireito internacional em matéria de desenvolvimento;

CONSIDERANDO a decisão adotada pelas Partes Contratantes do Acordo Geral sobre Tarifas

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Aduaneiras e Comércio, que permite a celebração de acordos regionais ou gerais entre países emdesenvolvimento, com a finalidade de reduzir ou eliminar mutuamente os entraves a seu comérciorecíproco;

CONVÊM EM subscrever o presente Tratado, o qual subs tuirá, de acordo com as disposições nelecontidas, o Tratado que institui a Associação Latino-Americana de Livre Comércio.

A maior amplitude conceitual desse novo tratado se revela desde logo pelo conteúdo de seu art. 1º:

Pelo presente Tratado, as Partes Contratantes dão prosseguimento ao processo de integraçãoencaminhado a promover o desenvolvimento econômico-social, harmônico e equilibrado, da região e,para esse efeito, ins tuem a Associação La no-Americana de Integração (doravante denominada‘Associação’), cuja sede é a cidade de Montevidéu, República Oriental do Uruguai.

Os princípios informadores e norteadores dos esforços comuns a serem empreendidos pelas Partes Contratantessão os do pluralismo, pretendendo-se superar a diversidade política e econômica com a vontade unânime rumo àintegração, o da convergência, pretendendo-se com a multilateralização progressiva dos acordos chegar à

formação de um mercado comum,40 o da flexibilidade, em que se quer permitir a formação de acordos de alcanceparcial sem perder de vista a meta proposta.

A Constituição Federal de 1988 inclui entre seus princípios fundamentais, enumerados no Título Primeiro, eespecificamente no parágrafo único do art. 4º, a norma impositiva da busca da integração econômica:

A República Federa va do Brasil buscará a integração econômica, polí ca, social e cultural dos povosda América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

2.3. A perspectiva latino-americana: o MercosulOs dois Tratados de Montevidéu não conseguiram implantar o desiderato por eles manifestado, pois que para tal

seria necessária uma vontade efetiva, e esta não se pode dizer que tenha existido. Com efeito, os dois maiorespaíses da América do Sul, Brasil e Argentina, se distanciavam, e muito, dos objetivos a serem conseguidos atravésde uma Comunidade. Após a Segunda Grande Guerra, o que buscaram eles com pertinácia foi a hegemonia noContinente. Essa atitude, inspirada certamente pelos processos governamentais militares e autoritários que regeramseus destinos por muito tempo, fere profundamente os princípios norteadores dos tratados por eles assinados. Após aqueda daqueles governos, evidenciado o sucesso alcançado pelas Comunidades existentes e principalmente pelaComunidade Europeia, manifesta-se a tendência para a formação efetiva de um processo de implantação de bases

comunitárias.41

Brasil e Argentina iniciam a caminhada rumo à cooperação e à integração a partir da Declaração de Iguaçu, em1985, e do Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, em 1988. Em 26.03.1991, os Presidentes daArgentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinam, em Assunção, o Tratado que cria entre eles um Mercado Comum. Opreâmbulo deste Tratado expõe os motivos que levaram os quatro países à formação de uma nova união e as metasque pretendem alcançar:

CONSIDERANDO que a ampliação das atuais dimensões de seus mercados nacionais, através daintegração, cons tui condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento

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econômico com justiça social;

ENTENDENDO que esse obje vo deve ser alcançado mediante o aproveitamento mais eficaz dosrecursos disponíveis, a preservação do meio ambiente, o melhoramento das interconexões sicas, acoordenação de polí cas macroeconômicas e a complementação dos diferentes setores da economia,com base nos princípios de gradualidade, flexibilidade e equilíbrio;

TENDO EM CONTA a evolução dos acontecimentos internacionais, em especial a consolidação degrandes espaços econômicos, e a importância de lograr uma adequada inserção internacional paraseus países;

EXPRESSANDO que este processo de integração cons tui uma resposta adequada a taisacontecimentos;

CONSCIENTES de que o presente Tratado deve ser considerado como um novo avanço no esforçotendente ao desenvolvimento progressivo da integração da América La na, conforme o obje vo doTratado de Montevidéu de 1980;

CONVENCIDOS da necessidade de promover o desenvolvimento cien fico e tecnológico dos Estados-Partes e de modernizar suas economias para ampliar a oferta e a qualidade dos bens de serviçodisponíveis, a fim de melhorar as condições de vida de seus habitantes;

REAFIRMANDO sua vontade polí ca de deixar estabelecidas as bases para uma união cada vez maisestreita entre seus povos, com a finalidade de alcançar os objetivos supramencionados, acordam.

Os objetivos, as metas, a serem alcançados estão explicitados no art. 1º do Tratado, e os instrumentos a serem

utilizados vêm mencionados no art. 5º.42

O texto do Tratado está acompanhado de cinco anexos, sendo os quatro primeiros voltados para aimplementação de metas mais imediatas, e especificamente para a eliminação dos gravames e demais restriçõesaplicadas ao seu comércio recíproco. O Anexo V tem relevante função dentro do contexto, porque estabelece aspolíticas que o Grupo Mercado Comum, na concretização da competência que lhe é dada pelo art. 13 – fixarprogramas de trabalho que assegurem avanços para o estabelecimento do Mercado Comum. O GrupoMercado Comum “para fins de coordenação das políticas macroeconômicas e setoriais” constitui 10 Subgrupos deTrabalho, para Assuntos Comerciais, para Assuntos Aduaneiros, para Normas Técnicas, para Política Fiscal eMonetária Relacionadas com o Comércio, para Transporte Terrestre, para Transporte Marítimo, para PolíticaIndustrial e Tecnológica, para Política Agrícola, para Política Energética, e para Coordenação de PolíticasMacroeconômicas. Posteriormente foi criado o Subgrupo de Trabalho encarregado do estudo das “RelaçõesTrabalhistas, Emprego e Seguridade Social”.

Esse Tratado torna mais uma vez evidente que a adoção de políticas econômicas não pode mais fazer-serestritamente ao âmbito de um Estado. A necessidade da integração impõe direcionamentos à ação estatal rumo àconvergência dos esforços, eliminando-se as posições político-econômicas discriminatoriamente protecionistas. Osprogramas de trabalho acima enumerados tornam-se temas para trabalhos de aprofundamento, em que se poderáanalisar a convergência das medidas de política econômica a serem adotadas pelos países-membros.

2.4. A consolidação do Mercosul

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Em 17.12.1991, reuniram-se em Brasília os Presidentes e os Ministros das Relações Exteriores do Brasil,Argentina, Paraguai e Uruguai, e nessa ocasião foi assinado um Protocolo para a Solução de Controvérsias noMercosul, instituindo-se três fases: a da negociação direta , a da submissão do conflito ao Grupo MercadoComum e a da jurisdição do Tribunal Arbitral. O texto que surgiu dessa negociação ficou conhecido comoProtocolo de Brasília.

Em 16 e 17.12.1994, realizou-se em Ouro Preto a VII Reunião do Conselho do Mercosul, em que importantesdecisões foram tomadas para a consolidação dos valores democráticos, políticos, econômicos e sociais defendidospelo Mercosul. Foram aprovadas 18 decisões de fundamental importância para a implantação e para a consolidaçãodo Organismo Interestatal. São as seguintes:

1) Princípio da supervisão bancária global consolidada.

2) Padronização da informação para o mercado de valores.

3) Transportes de produtos perigosos.

4) Acordo sobre transporte multimodal internacional entre os Estados-Partes do Mercosul.

5) Norma de aplicação sobre despacho aduaneiro de mercadorias.

6) Acordo sobre propriedade intelectual.

7) Regime do setor açucareiro.

8) Políticas públicas que distorcem a competitividade.

9) Defesa da concorrência.

10) Tarifa Externa Comum – TEC.

11) Regime de adequação.

12) Código aduaneiro.

13) Norma de tramitação de decisões e critérios tarifários de mercadorias.

14) Protocolo de medidas cautelares.

15) Tribunais ad hoc do Protocolo de Brasília.

16) Adequação ao regime automotriz comum.

17) Requisitos específicos de origem para produtos excetuados da TEC.

18) Norma de aplicação sobre valoração aduaneira.

Grande importância teve a VII Reunião do Conselho do Mercosul, porque ali estabelecido o Protocolo Adicionalao Tratado de Assunção sobre a Estrutura Institucional do Mercosul – Protocolo de Ouro Preto.

O art. 34 desse Protocolo conferiu ao Mercosul personalidade jurídica, ao determinar expressamente: “OMercosul terá personalidade jurídica de Direito Internacional”. E, em virtude justamente dessa decisão, é que oMercosul poderá, no uso de suas atribuições, praticar todos os atos necessários à realização de seus objetivos, emespecial contratar, adquirir ou alienar bens móveis e imóveis, comparecer em juízo, conservar fundos e fazertransferências.

O art. 1º do Protocolo instituiu os órgãos que comporão a estrutura institucional do Mercosul: o Conselho doMercado Comum – CMC; o Grupo Mercado Comum – GMC; a Comissão de Comércio do Mercosul – CCM; aComissão Parlamentar Conjunta – CPC; o Foro Consultivo Econômico-Social – FCES; a Secretaria Administrativa

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do Mercosul – SAM.

Com base nas determinações do Protocolo de Ouro Preto, o governo brasileiro editou o Decreto n. 1.343, de23.12.1994, em que se altera a Tarifa Aduaneira do Brasil – TAB, para o fim da aplicação da Tarifa ExternaComum – TEC, aprovada no âmbito do Conselho do Mercado Comum do Mercosul. Este Decreto é um marcodecisivo na entrada em funcionamento de uma zona de livre comércio, como previsto no Tratado de Assunção, euma união aduaneira, tudo isto trazendo uma nova dimensão política ao processo de integração que se instalou e quese acha francamente em curso.

O Mercosul surge como a concretização de um novo espaço econômico, a incrementar e agilizar o intercâmbioentre os países do Cone Sul. Esse novo espaço exige a adoção de novas políticas econômicas dos países que fazemparte desse novo pacto. Serão políticas econômicas que deverão levar em conta não somente os aspectosquantitativos, mas também, e principalmente, os qualitativos, para que se possa alcançar uma verdadeira integraçãoe convergência política.

2.5. Situação atualNas relações internacionais, o respeito ao princípio da boa-fé é fundamental para a subsistência do

relacionamento intergrupal. O interesse econômico dos participantes do grupo não pode ficar subordinado apreferências políticas. A exclusão do Paraguai e a imediata inclusão da Venezuela como participante do grupo estãoainda a depender da transparência da tomada de decisões.

Por outro lado, constituem um obstáculo para a implementação plena da realidade do bloco as sucessivas medidasprotecionistas tomadas por governos dos respectivos países.

Para a subsistência e para a coesão das relações econômicas, necessário se faz que as instituições sejamfortalecidas e adquiram estabilidade.

Introducción al Estudio del Derecho. 1974. p. 127.

Ibidem. p. 147.

Derecho Internacional Económico: ¿Mito o Realidad? Estudios de Derecho Económico. 1980. I, p. 211. “Afirma,contudo, o mesmo autor: Quer isto dizer que a expressão mesma de direito internacional econômicodeveria ser proscrita de nosso vocabulário? Isto seria, seguramente, ir demasiado longe. Como osublinhamos, nada impede que nos interessemos mais par cularmente por tal ou qual setor de umadisciplina ou de reagrupar ao redor de um centro de interesse determinado certos elementos tomados devárias disciplinas. Assim nascem disciplinas como o direito monetário internacional ou o direito marí mointernacional e por cima da dis nção entre direito interno e direito internacional, disciplinas como odireito da arbitragem internacional ou o direito dos transportes internacionais; o já célebre direitointernacional do desenvolvimento é do mesmo gênero. Não é senão sob esta forma modesta e pragmá ca,desprovida de toda ambição cien fica, que o vocábulo de direito internacional econômico ou de direitoeconômico internacional pode ser recebido. Não se trata de um conceito, mas de um termo-resumo: não

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define o direito internacional econômico, descreve-o. Por isso o problema de seu conteúdo e de suadelimitação rela vamente a outros ramos do direito não tem nem significado, nem alcance: o direitointernacional econômico pode ser delimitado de mil maneiras diferentes e todas igualmente válidas”(ibidem. p. 208).

Droit international économique. 1980. p. 4.

Indaga Aron: “Mas será possível uma sociedade internacional homogênea, sem corrida armamen sta, semconflitos territoriais e ideológicos? A resposta é sim, num plano abstrato, sujeita a diversas condições. Ofim da corrida armamen sta exigirá não apenas que os Estados não alimentem suspeitas mútuas, mastambém que não queiram mais usar a força para impor sua vontade. As vontades de potências cole vasprecisariam desaparecer – ou antes, transformar-se. Quanto aos conflitos de natureza econômica, que nopassado não foram causa direta ou principal das guerras, mas que tornam inteligíveis, a nosso espíritou litarista, as guerras das civilizações tradicionais, eles em nossos dias têm diminuído de importânciaautonomamente: todas as sociedades modernas podem crescer em intensidade melhor ainda do que emextensão” (Paz e Guerra entre as Nações. Trad. de Sérgio Bath. 1979. p. 672).

Droit International Économique. 1980. p. 11.

Ibidem. p. 15.

Afirmam Carreau, Juillard e Flory: Os Estados, instruídos pela experiência das duas guerras mundiais,reconheceram o caráter indivisível da paz; eles raram algumas consequências jurídicas desse fato: a saber,sua interdependência diante da paz ou da guerra. Sobretudo, não teria toda cooperação internacional suaexplicação pelo funcionamento desta noção? Entretanto, é conveniente afirmar que a soberania estatalpermanece o fundamento central do direito internacional, restando à interdependência um papelsecundário, suple vo. A situação é exatamente inversa em direito internacional econômico. Ainterdependência econômica é um fato que se impõe a todos os países, tanto desenvolvidos como em viasde desenvolvimento, capitalistas e socialistas” (Droit Interna onal Économique. 1980. p. 16). Afirma aindao Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade que foi a par r dos anos cinquenta, com as nacionalizações quese seguiram, que o conceito de soberania permanente dos Estados (de conteúdo econômico,distintamente do conceito anterior de soberania, pura e ingenuamente político) passou a formar-se no seioda ONU, com a adoção de uma resolução em 1952 sobre o direito de se explorar livremente os recursos eriquezas naturais. Nessa época já se prenunciava a emergência polí ca do terceiro mundo, com ocomunicado final da Conferência de Bandung (abril de 1955). Na década seguinte verificou-se umamudança básica na terminologia adotada pelas resoluções da ONU: já não mais se falava de “direito deexplorar livremente os recursos” mas antes de “soberania permanente sobre os recursos”. A mudançaconceitual foi de grande importância por suas inúmeras implicações. Observa ainda que um marco nessaevolução foi a adoção pela Assembleia Geral da ONU, em 14 de dezembro de 1962, da famosa Resolução1.803 (XVII) sobre “Soberania Permanente sobre Recursos Naturais”, ponto de par da para resoluçõessubsequentes a respeito. As Nações Unidas e a nova ordem econômica internacional. In: Revista deInformação Legislativa, v. 21, n. 81, p. 213-232, jan.-mar. 1984.

A este respeito afirma Burdeau: Notaremos que esta análise da função que desempenha o mito se ajustaperfeitamente com a teoria da ideia de direito que propusemos para dar conta do fenômeno do Poder.

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Uma e outra enfa zam o fato segundo o qual o liame social não é uma relação está ca mas a fonte de umaforça cole va que visa a coerência do grupo no presente e a sua perpetuação no futuro. Esta força cole va,eu a chamo de ideia de direito. Na ó ca antropológica, ela está incluída no mito que diz ao grupo o que eleé, e funda, consequentemente, o poder norma vo do conjunto sobre os comportamentos individuais.Como a ideia de direito, o mito da representação reúne os homens ao redor de uma imagem: imagemdeles mesmos com o mito, imagem de um futuro desejável com a ideia de direito. Mas, num caso comonoutro, a imagem suscita a ação (BURDEAU, G. Traité de Science Poli que: la Revolte des colonisés. 1986. t.X, p. 362).

Droit international économique. 1980. p. 23.

Joseph Campbell, depois de assinalar as quatro funções dos mitos, a mística, a cosmológica, a sociológica e apedagógica, enfa za o surgimento de novos mitos que deverão reger o mundo moderno: “Você não podeprever que mito está para surgir, assim como não pode prever o que irá sonhar esta noite. Mitos e sonhosvêm do mesmo lugar. Vêm de tomadas de consciência de uma espécie tal que precisam encontrarexpressão numa forma simbólica. E o único mito de que valerá a pena cogitar, no futuro imediato, é o quefala do planeta, não da cidade, não deste ou daquele povo, mas do planeta e de todas as pessoas que estãonele. Esta é a minha ideia fundamental do mito que está por vir. (...) Sim, essa é a base do que o mito deveser. E já se encontra aqui: o olho da razão, não da minha nacionalidade; o olho da razão, não da minhacomunidade religiosa; o olho da razão, não da minha comunidade linguís ca. Você percebe? E esta será afilosofia do planeta, não deste ou daquele grupo. Quando a Terra é avistada da Lua, não são visíveis, nela,as divisões em nações ou Estados. Isso pode ser, de fato, o símbolo da mitologia futura. Essa é a nação queiremos celebrar, essas são as pessoas às quais nos uniremos” (O poder do mito. 1990. p. 33-34).

Enfa za Celes no Del Arenal “a consideração de que o modelo estatocêntrico, dominante nas relaçõesinternacionais, já não é válido para explicar os fenômenos internacionais”. Tende-se, por isso, a ressaltarmais os aspectos coopera vos do que os estritamente confli vos e violentos. Afirma-se, em consequência,que o sistema interestatal está sendo subs tuído por um sistema mundial, por uma sociedade global. Fala-se de polí ca mundial, de relações transnacionais. A clássica dis nção entre o interno e o internacionaltende, assim, a desvanecer-se (Introducción a las relaciones internacionales. 1990. p. 309).

Afirma Raymond Aron: “O direito internacional que se transformou no direito do sistema mundial é,essencialmente, o jus europaeum. Sua aplicação estava limitada, inicialmente, às nações cristãs, depois àseuropeias, estendendo-se em seguida às nações ‘civilizadas’ mais tarde, ‘nações amantes da paz’. Hoje, a‘igualdade soberana’, que em outros tempos era reservada aos privilegiados, isto é, aos ‘grandes’ dasociedade internacional (cujo centro era a Europa), é concedida explicitamente a todos os Estados,pequenos ou grandes, que resultaram da desagregação dos impérios coloniais. Os Estados que assumemresponsabilidade pelas populações ‘não autônomas’ precisam agora agir em função do seu bem-estar edesenvolvimento. Já passou o tempo em que um deputado, na Câmara dos Comuns, em Londres, podiadeclarar francamente, sem qualquer vergonha, que a Inglaterra só procurava lucro na administração daÍndia. A ideologia do dever que têm os países ricos e civilizados, com relação aos povos que não alcançaramainda os níveis da civilização moderna, é mais do que uma homenagem prestada pelo vício à virtude, é atomada de consciência de um fato histórico: a extensão mundial do sistema interestatal. Contudo, alémdesses fatos, não há qualquer indicação de progresso a respeito dos pontos essenciais. Para que se chegue

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ao império da lei, é preciso que os Estados renunciem a aplicar sua própria jus ça, que os cidadãos e osgovernantes acreditem que a sujeição dos Estados a um juiz imparcial é moralmente recomendável” (Paz eguerra entre as nações. 1979. p. 670).

A respeito dessa an ga ordem econômica internacional observa Héctor Cuadra: A ordem econômicainternacional aos olhos da imensa maioria da espécie humana se apresenta como uma ordem que é tãoinjusta e tão superada como a ordem colonial de que re ra sua origem e sua substância. Porque sesustenta, se consolida e prospera segundo uma dinâmica que sem cessar empobrece aos pobres eenriquece aos ricos, esta ordem econômica cons tui o obstáculo maior a toda oportunidade dedesenvolvimento e de progresso para o conjunto dos países do Terceiro Mundo (Aspectos jurídicos delnuevo orden económico internacional. Estudios de Derecho Económico. 1979. III, p. 168).

Ou ainda, para os críticos: Under no Circunstances Take Any Decision.

Afirma Maurice Byé que o capitalismo procura, através de uma nova ordem, superar a crise do imperialismo eorganizar a economia mundial como condição de sua sobrevivência: “É, portanto, normal que os paísessubdesenvolvidos se unam progressivamente, malgrado suas contradições imediatas, para afirmar anecessidade de uma nova ordem econômica internacional. Fazendo isto, eles exprimem a contestaçãofundamental de toda ordem imperialista (a atual ou aquela que poderia surgir da crise). É tambémcompreensível que os dirigentes dos países capitalistas industrializados evoquem, por sua vez, anecessidade de uma nova ordem econômica internacional. Não se trata somente, para eles, de ‘recuperar’a contestação precedente para melhor dominá-la. Eles testemunham a seu modo a gravidade desta crise doimperialismo e da necessidade de, para salvá-lo, instaurar uma ordem econômica nova” (Relationséconomiques internationales: I – échanges internationaux. 1977. p. 1.012).

Eis o pensamento de Maurice Byé: “Pode-se compreender que os dirigentes dos países capitalistasavançados procurem de imediato as soluções nos aspectos monetários da crise: eles procuram assim evitarde tocar nas estruturas profundas da economia; seus téoricos são mais sensíveis aos aspectos monetáriosda economia do que ao seu fundamento na produção; achava-se desde mais de um quarto de século que osEstados nham a gestão dos meios de pagamentos internacionais. Os responsáveis pelos países emdesenvolvimento são, pelo contrário, sensíveis primeiramente às realidades do desenvolvimento, isto é,resumidamente não da produção em si mas de uma organização da produção que assegure a médio e alongo prazo uma elevável e do grau de sa sfação das necessidades do conjunto de sua população, o queimplica de início uma dinâmica das condições objetivas da acumulação” (ibidem. p. 1.029-1.030).

Como acentuam Carreau, Juillard e Flory, “a concre zação de uma nova ordem internacional econômicapressupõe uma concepção do direito totalmente diferente. Este se torna agora um instrumento detransformação da sociedade econômica internacional em função do obje vo fundamental perseguido poresta nova ordem: reduzir o hiato de desenvolvimento, corrigir o desequilíbrio econômico entre paísesindustrializados e nações do Terceiro Mundo. Segundo essa missão, o direito internacional econômico‘novo’ deverá ser dirigista, intervencionista. Sua ideologia dominante será de inspiração terceiro-mundista”(Droit International Economique. 1980. p. 87).

O conceito de igualdade soberana é claramente enfa zado por Carreau, Juillard e Flory: “Este conceito deigualdade soberana mudou de sen do: outrora, ele nha um sen do nega vo, indicava a defesa do Estado

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que queria preservar sua independência polí ca formal. Agora, ele se torna um princípio a vo deintervenção em favor dos países mais desprovidos em nome de uma reconquista de sua independênciaeconômica real e de seu desenvolvimento. Em suma, a igualdade soberana real dos Estados jus fica, exigemesmo, um tratamento inigualitátrio de favor em proveito dos países mais pobres. Soberania formal(polí ca) e soberania real (econômica), não cons tuiriam a transposição para o plano do direitointernacional do velho e clássico debate sobre as liberdades?” (Droit Interna onal Économique. 1980. p.87-88).

Segundo observa Héctor Cuadra, “uma nova ordem econômica internacional implica necessariamente – sedeseja ser mais equita va e mais posi va desde o ponto de vista das necessidades essenciais dos homensde todos os países – em modificações profundas na orientação do crescimento econômico atual da maioriados países do Terceiro Mundo. Uma estratégia orientada para a sa sfação das necessidades básicas dasmaiorias (alimentação, moradia, cultura, saúde) é a que deve guiar este cresci mento e não uma estratégiadefortalecimento do poder do Estado ou de conservação dos privilégios atuais das classes dominantes. Senão se mudar a orientação atual do crescimento na maior parte dos países subdesenvolvidos, que sóacentuam as desigualdades e os desequilíbrios sociais no interior de suas sociedades, novas relaçõesinternacionais mais justas não beneficiarão aos povos destes países, mas tão somente farão consolidar osinteresses dos atuais grupos dominantes (oligarquias rurais, burguesias industriais, burocracias civis oumilitares, classes médias altas) em detrimento das maiorias populares”. E acrescenta ainda uma pesadaadvertência: “A construção da nova ordem econômica internacional a serviço do desenvolvimento dospovos implicará também, em muitos países do Terceiro Mundo, em conflitos internos para mudar adominação que exercem as minorias privilegiadas que controlam os governos desses países. Nessesconflitos, as forças sociais e polí cas internas, amantes da mudança, deverão estar na primeira fila” (Elnuevo orden económico internacional. In: Estudios de derecho económico, 1979. III, p. 179-180).

Relations Économiques Internationales. 1977. p. 1.030.

É ilustra vo o episódio do confronto entre Jesus e os fariseus, narrado por Mateus, 22, 15-22; Lucas, 20, 20-26; Marcos, 12, 13-17; e também por Paulo, Rom. 13, 7.

Segundo Jacques Blanc, pode-se afirmar que “o sistema monetário internacional é cons tuído pelo conjuntodos mecanismos financeiros e bancários que permitem as trocas econômicas entre as Nações” (Droitéconomique. 1979. p. 2). Pode-se também afirmar que “um sistema monetário internacional é acombinação de um sistema de trocas, e de uma ou várias moedas internacionais. A moeda internacionaldesempenha a nível internacional o papel de uma moeda em nível internacional: padrão das outrasmoedas, instrumentos de troca entre as moedas, uma moeda das moedas que permite reduzir as operaçõesde conversão, e reserva de valor para os Bancos Centrais” (Léxique d’économie. 4e. éd. 1992, verbete“Système Monétaire International”).

Afirma Jacques Blanc que esse empreendimento correria o risco de revelar-se logo incompleto econtestável. “Incompleto na medida em que toda ordem monetária é, em defini vo, inspirada pelasmanifestações de poder entre os Estados que par cipam do intercâmbio mundial. É fácil constatar que osnegócios monetários internacionais obedecem a uma determinada lógica e que os termos empregados poralguns jornalistas – são excessivos, porque se existe efe vamente uma evolução mais ou menos

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imprevisível do curso das divisas, não há também dúvida de que esta aparência de liberdade cegacorresponde de fato à expressão da vontade dos Estados mais fortes. Contestável, porque, precisamente,uma tal concepção dissimularia a influência e a importância da u lização, por estes Estados, do jogo dosmecanismos monetários para melhor estabelecer sua dominação” (Droit économique 2. 1979. p. VII). Cf.também CARREAU, D. Droit international économique. 1980. p. 102.

Apud BLANC, Jacques. Le Système Monetaire International. In: Droit économique 2. 1979. p. 11.

Como observa Dominique Carreau, “O FMI constitui um vasto pool, de recursos cuja utilização está reservadaaos países-membros que estejam em dificuldades temporárias de balanço de pagamentos, algumas dasquais decorrem de fatores de ordem interna (ou endógena) e outras de ordem externa (ou exógena). Nosdois casos, as condições da assistência do Fundo revelar-se-ão diferentes” (Droit interna onaléconomique. 1980. p. 132).

Polí ca econômica fundada no princípio da compensação, e que visa restringir ou suprimir a importação,estabelecendo, em função dos con ngentes, cotas legais para as mercadorias importáveis, traduzindo-senuma restrição quan ta va do fluxo sico das importações, sendo assim mais eficaz para restringir asimportações do que a restrição alfandegária (cf. Novo dicionário – Aurélio e Lexique d’économie, deAhmed Silem e Jean-Marie Albertini).

Recebi valioso subsídio do Mestrando Thiago Almeida, sobre os dados atuais da Organização Mundial doComércio. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dda_e/dda_e.htm>. Acesso em 15 dejunho de 2013. E também em <http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2008-07-14/indefinicoes-sobre-agricultura-podem-dificultar-conclusao-da-rodada-doha-diz-ministro>. Acesso em 15 de junho de 2013,como ainda em<http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/07/080721_dohaqanda_ac.shtml>. Acesso em:15 jun. 2013.

A criação desse mito provocador do desenvolvimento, por contraste, se deve ao discurso proferido porWinston Churchill, em 5 de março de 1946, no Westminster College, em Fulton, Missouri. Disse ele: “FromStettin in the Baltic to Trieste in the Adriatic, an iron curtain has descended across the continent.”

Apud CAMPOS, João Mota de. Direito Comunitário. 1989. v. I, p. 61.

Apud CAMPOS, João Mota de. Direito Comunitário. v. I, p. 90-91.

Como acentua Juan Ignacio Font Galán, a aproximação progressiva das polí cas econômicas dos Estados-Membros exige, por seu lado, que estes considerem, na elaboração de suas respec vas polí caseconômicas, não somente seus interesses nacionais, mas também o interesse comunitário, harmonizandoe coordenando suas polí cas econômicas conjunturais e estruturais com as dos demais países-membros daCEE (La Libre Competencia en la Comunidad Europea. 1986. p. 23).

Como assinala Henri Oberdorff, “a Europa comunitária prossegue seu caminho, com convicção, rumo àconcre zação do grande mercado interior, com mais prudência, e quem sabe com re cências para comalguns Estados, rumo à união polí ca. Para a ngir estes obje vos, os doze Estados-Membros harmonizamsuas legislações nos domínios cobertos pelos tratados de Roma. Eles constroem assim pelo direito e pelomercado um futuro comum às vezes qualificado de federal, ou mais modestamente de confederal” (Les

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constitutions de l’Europe des douze. 1992. p. 7).

Quanto às restrições ao princípio da soberania nacional, assinala Patrice Collas que “em alguns domínios,como o da polí ca monetária ou da polí ca estrangeira e de segurança, o tratado prevê transferênciasdeterminantes de competência dos Estados-Membros para a União. E suas transferências explícitaspoderiam ser agravadas pela interpretação do princípio de subsidiariedade em proveito das instânciascomunitárias, à qual estas úl mas são susce veis de se entregar” (Le Traité de Maastricht et laSouveraineté Na onale. In: Revue Poli que et Parlementaire: Maastricht et Europe, p. 7). Sobre acooperação em matéria de polí ca econômica podem-se ver decisões do Tribunal de Jus ção daComunidade, anteriores ao Tratado de Maastricht. Como exemplos, podem citar-se a decisão proferida nocaso 6/64, proferida em 15 de julho de 1964, no caso 203/80, proferida em 11 de novembro de 1981, no caso5/73, proferida em 24 de outubro de 1973 (cf. RUIZ-NAVARRO PINAR, J. L. Derecho comunitario básico:legislación y jurisprudencia. 1991. p. 28, 694 e 772). Deve-se também salientar o ponto de vista de RosemiroPereira Leal, em recente publicação.

Segundo este jurista, “o ufanismo da mundialização das economias estatais ainda não exclui, em CiênciaPolí ca, as convicções de que a soberania é condição sine qua non da própria legi midade do EstadoDemocrá co de Direito. ... Com efeito, o fortalecimento das Ins tuições e Organismos ComunitáriosInternacionais ainda não obteve a eficácia de torná-los mais soberanos que as soberanias dos EstadosSignatários dos estatutos (tratados) dessas En dades. Os termos ‘supranacional’ e ‘soberania comunitária’indicam somente maneiras de exprimir atuações das Comunidades, não significando propriamente asomatória das soberanias dos Estados componentes” (Soberania e mercado mundial. 1996. p. 64-65).

Parte I do Tratado de Versalhes, assinado em Versalhes, a 28 de junho de 1919.

Assinada em São Francisco a 26 de junho de 1945.

Ao final deste capítulo está o texto integral da Resolução n. 3.281 (XXIX), que deverá ser objeto de estudo.Como observa Fausto Pocar, “a importância desta disposição é notável porque implica o reconhecimentodo papel que estas organizações podem e devem desempenhar na instauração da nova ordem econômicainternacional, como sujeitos de cuja a vidade não se pode prescindir e isto, tanto em matéria deintegrações de países industrializados, aos quais se fixam obrigações de modo a evitar que fujam às suasresponsabilidades, quanto no que tange, ao contrário, aos países em via de desenvolvimento, obrigando-os a evitar uma dispersão dos recursos da implantação de programas de desenvolvimento econômico. Asintegrações regionais tornam-se assim um aspecto central da vida de relação internacional, não só numplano estritamente econômico, como também sob um ponto de vista mais especificamente jurídico”(Modelos de integração regional na Europa e na América La na e papel das integrações regionais, trad.Anna Maria Villela. Revista de Informação Legislativa, a. 21, n. 81, p. 9-18, jan.-mar. 1984).

Observa Andrea Comba que “o Tratado cons tu vo da ALALC correspondia, talvez mais ainda que aComunidade Econômica Europeia, aos esquemas do Acordo Geral. O seu obje vo era o de cons tuir umazona de livre comércio que se pudesse mais facilmente inserir num contexto de tendência universal comoo concebido pelo GATT, especialmente no seu espírito originário, onde as formas regionais de liberalizaçãoeram toleradas como etapas intermediárias para alcançar a liberdade generalizada das trocas. Também astécnicas u lizadas, que consis am em negociações bilaterais, produto por produto, recordavam as técnicas

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iniciais do Acordo Geral, antes do Kennedy Round e diferiam das já introduzidas na Comunidade EconômicaEuropeia e na Associação Europeia de Livre Comércio, que consis am em esquema de liberalizaçõesautomá cas e lineares” (Da Alalc à Aladi. Revista de Informação Legisla va, a. 21, n. 81, p. 33-46, jan.-mar.1984).

Bela Balassa sintetiza de forma lapidar a distinção entre os conceitos de cooperação e integração: “Excluída aintegração nacional do conceito, podemos definir integração econômica como um processo e condição deempresas. Vista como um processo, encerra várias medidas no sen do de abolir discriminações existentesentre unidades econômicas pertencentes a diferentes estados nacionais; vista como uma situação deempresas, pode ser representada pela ausência de várias formas de discriminação entre economiasnacionais. Interpretando nossa definição, deve-se fazer diferença entre integração e cooperação. Adiferença é qualita va assim como quan ta va. Ao passo que a cooperação inclui várias medidasdes nadas a harmonizar polí cas econômicas e diminuir a discriminação, o processo de integraçãoeconômica encerra medidas que obrigam à supressão de algumas formas de discriminação. Por exemplo,os acordos internacionais de polí cas de comércio pertencem à área da cooperação internacional,enquanto que a abolição de restrições de intercâmbio é um ato de integração econômica” (A procura deuma teoria de integração econômica. In: A Integração Económica da América La na: experiências eperspectivas, editado por Miguel S. Wionczek, 1966. p. 40-41).

A propósito do mecanismo da convergência dos acordos de alcance parcial, afirma Alberto Zelada Castedo:“La concepción enunciada está avalada por el hecho de que dentro del concepto de área de preferenciaseconómicas, tal como se ha visto, se combinam armónicamente y, por consiguiente, con un valorequivalente instrumentos de integración, de concertación y ámbito mul laterales – como la preferenciaarancelaria regional y los acuerdos de alcance regional – con mecanismos de concertación descentralizada yámbito restringido, sea bilateral o plurilateral, com los acuerdos de alcance parcial. De la noción misma deárea de preferencias económicas, entonces, así como de la asociación implícita pero necesaria entre ésta yla noción del proyecto integrador de la Aladi como un proyecto de integración económica regional, derivael concepto de la convergencia de las acciones originariamente descentralizadas. Dicho en otras palavras, lanoción de convergencia se inserta dentro de la lógica expansiva inherente al área de preferenciaseconómicas. Ésta, en efecto, tal como se desprende de la concepción que subyace ao Tratado deMontevideo 1980, apunta o debe apuntar en su desarrollo hacia dos metas: una inherente al espacio de lospaíses miembros, consistente en reducir y eliminar las discriminaciones transitorias y en equiparar lostratamientos privilegiados y otra situada más allá de ese espacio, consistente en incorporar los tratamientosprivilegiados al orden jurídico preferencial a otros países la no-americanos. Lo anterior supone que el áreade preferencias económicas no es una forma está ca de múl ples mecanismos de tratamientosprivilegiados, sino un proceso dinámico que apunta, necesariamente, tanto hacia su propioperfeccionamiento como hacia su encuentro con, por lo menos, el establecimiento de condicionespropicias para intentar el tránsito hacia el obje vo de largo plazo del mercado común la no-americano”(Convergencia y mul lateralismo en la Aladi, Estudios sobre integración económica y cooperación regionalen el Cono Sur, dir. de Raymundo Barros Charlín. 1985. p. 30-31).

Afirma a este respeito Paulo Roberto de Almeida: “A opção política fundamental – propriamente geopolítica,no bom sen do da palavra – feita pelas lideranças polí cas de ambos os países, no sen do de encerrar

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décadas de egoísmos nacionais estreitamente mesquinhos e rivalidades hegemônicas de origemsupostamente castrense para inaugurar uma nova era de concórdia e de cooperação polí ca e econômicano relacionamento bilateral, cons tui provavelmente o elemento mais significa vo da história da regiãoneste úl mo meio século. É certo também que, sem descartar a influência de fatores econômicos dotadosde forte capacidade de atração – como são hoje os fenômenos da globalização e da regionalização nocenário macroeconômico global – a definição estratégica pela integração Brasil/Argen na obedeceu acritérios essencialmente polí cos em sua mo vação e sustentação. Conformada essa nova a tude, estavaaberto o caminho para uma história do con nente radicalmente diferente do que ela foi até aqui, tanto doponto de vista econômico quanto no que se refere a seus aspectos propriamente polí cos” ( O Mercosul nocontexto regional e internacional. 1993. p. 72-73).

No final do capítulo está o texto integral do Tratado, para melhor estudo de seu conteúdo.

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INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO

O Estado passou a ter, no correr do século XX, acentuado papel no relacionamento entre o domínio jurídico e oeconômico. Hoje, e principalmente a partir da adoção pela Constituição de 1988 do regime de economia de mercado,aquela atuação, que vinha sendo aceita pacificamente, passou a ser questionada, de tal forma a perguntar-se qualdeve ser o papel do Estado na realização do fenômeno econômico, ou, por outra forma, qual será o futuro do Estado

numa economia de mercado.1

A indagação deverá fazer-se com maior abrangência, quer diacrônica, quer sincronicamente, para que se possater uma visão mais completa da questão. Essa análise deverá levar em conta que o fenômeno jurídico, tanto quanto oeconômico, não se restringem a contornos lógicos, mas se amoldam também à vivência histórica, ou seja, orelacionamento entre direito e economia não pode explicar-se somente à luz da lógica formal, mas receberá luztambém da experiência vivida. Afirmou Oliver Wendell Holmes que a vida do Direito não tem sido somente lógica,

mas também experiência.2 Para se ter um conhecimento mais adequado dessa vida, dever-se-á perscrutar o que foio Direito no passado, o que é no presente e o que será no futuro. Assim, no tema que agora nos ocupa, para melhorentender o papel desempenhado pelo Estado, ao editar normas para reger o fenômeno econômico, deveremos fazeruma abordagem teórica e, depois, um acompanhamento da história dessa atuação.

1. RELAÇÃO ENTRE DIREITO E ECONOMIAO estudo da atuação do Estado no domínio econômico exige que, preambularmente, se faça uma análise da

relação entre direito e economia . Diversos autores se detiveram na análise da inter-relação desses doisfenômenos culturais, focalizando aspectos a cada um deles pertinente, segundo sua linha de pensamento. Antes deadentrar o questionamento da utilização pelo Estado de instrumentos jurídicos para conduzir a economia, convémapresentar um escorço das principais teorias, sem qualquer preocupação com sermos completos.

2. O MATERIALISMO HISTÓRICO DE MARXUtilizando-se da tese de Feuerbach relativa à alienação do homem, afirmou Marx que Hegel somente se

interessou pela vida interior do homem, pela vida da ideia, esquecendo-se de sua vida real, concretamente histórica.Entende Marx que “a condição primária de toda a história humana é naturalmente a existência de seres humanosvivos. Por conseguinte, o primeiro estado de fato a verificar é a compleição corpórea destes indivíduos, e as

relações que ela lhes cria com o resto da natureza”.3 Para Marx, a base da história será o resultado da atuaçãoda força produtiva:

É assim que em tudo isto se manifesta o laço materialista que une os homens entre si, laçocondicionado pelas necessidades e pelo modo de produção. Este laço, que é tão velho como ohomem, toma incessantemente novas formas, o que equivale a dizer que apresenta uma “história”,mesmo que ainda não exista qualquer estupidez (Unsinn) polí ca ou religiosa que reúna, por

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acréscimo, os homens.4

N a Crítica da Economia Política (1859), expõe Marx as relações entre a infraestrutura – “estruturaeconômica da sociedade” – e a superestrutura. Assim diz ele:

Na produção social da sua própria existência os homens entram em relações determinadas,necessárias, independentes da sua vontade, quais sejam as relações de produção que respondem aum certo estádio do desenvolvimento das forças produ vas materiais. O conjunto das relações deprodução cons tui a estrutura econômica da sociedade, que é a base real em que se ergue umasuperestrutura jurídica e política, a que correspondem determinadas formas sociais de consciência.

Segundo essa concepção materialista da história, os homens não são determinados pela sua consciência, mas esta

é que é determinada pelo modo de produção da vida material.5

Fica, assim, evidenciada a influência que as condições materiais da vida humana exercem sobre o pensamento.

3. O PENSAMENTO DE STAMMLEROrientando-se a partir da distinção entre matéria e forma, afirma Stammler a supremacia da segunda sobre a

primeira. A matéria se manifesta na atividade concreta dos indivíduos associados, ao passo que a forma é dada pelaregulação geral que permeia toda atividade humana, que é condicionada pela forma.

Ao distinguir os planos da política e da economia, assinala:

Aquela se refere às regras vinculatórias que fazem possível a existência de uma comunidade jurídica,às normas que regulam simplesmente o agrupamento dos indivíduos vinculados e se propõemimplantar e manter em pé este agrupamento enquanto tal. A a vidade que se ocupa em ditar e fazerobservar o direito pode chamar-se polí ca, diferentemente da econômica, que afeta maisimediatamente a própria conduta dos indivíduos agrupados, e tende de um modo rela vamente

direto a procurar o necessário para subsistir com o proveitoso e o agradável.6

O plano da forma se atualiza no momento em que incide sobre a matéria da atuação, ou melhor, sobre acooperação entre os indivíduos para a satisfação de suas necessidades. Essa possibilidade de ordenação seapresenta como um condicionamento lógico que direciona a matéria, como cooperação, e que é logicamentecondicionada.

Após rejeitar o posicionamento materialista a respeito da relação entre economia e direito, afirma Stammler:

A regra exterior é o elemento que condiciona logicamente o conceito de cooperação humana. Paraencontrar a direção metodológica em que se projeta a vida e a vidade cole va dos homens, fora daqual a vida social não exis ria como objeto de uma ciência específica e peculiar, não há mais remédiodo que conceber a cooperação humana como um regime governado por regras exteriores. Portanto,toda modalidade de convivência que se enfoque como social leva implícito, necessariamente, oconceito de regra exterior, posto que sem ela seria formalmente impossível conceber a cooperaçãohumana como um conjunto de fins enlaçados entre si. (…) O elemento conceitual da regra exterior nãopretende, pois, ser o prius da conduta ordenada no tempo, mas sua condição puramente lógica; isto é,

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a noção formal e necessária que preside o conceito e a lei da vida social.7

4. A CONCEPÇÃO DE MAX WEBERMax Weber procura salientar que a ordem jurídica e a ordem econômica se situam em planos distintos. A

primeira tem um sentido ideal e se indaga que sentido normativo logicamente correto deve corresponder a umaformação verbal que se apresenta como norma jurídica. Ao passo que a segunda se pergunta sobre o que de fatoacontece numa comunidade em razão de existir a probabilidade de que os homens que participam da atividadecomunitária considerem subjetivamente como válida uma determinada ordem.

Para ele “a ciência econômico-social considera aquelas ações humanas que estão condicionadas pela

necessidade de orientar-se na realidade econômica, em suas conexões efetivas”.8

Por isso define a ordem econômica como “a distribuição do poder de disposição efetivo sobre bens e serviçoseconômicos que se produz consensualmente – consensus – segundo o modo de equilíbrio dos interesses, e àmaneira como esses bens e serviços se empregam segundo o sentido desse poder fático de disposição que descansa

sobre o consenso”.9

Acentua também que a “ordem jurídica ideal da teoria jurídica nada tem que ver diretamente com o cosmos doatuar econômico real, porque tais coisas se situam em planos distintos: uma na esfera ideal do dever-ser, a outra na

dos acontecimentos reais”.10

Mas essa distinção de planos não impede que a ordem jurídica e a ordem econômica se encontrem. Assinalaentão Max Weber:

Se, apesar disto, a ordem econômica e a ordem jurídica se encontram mutuamente na mais ín marelação, tal significa que esta úl ma não se entende em sen do jurídico mas sociológico: como validezempírica. Neste caso o sen do da expressão “ordem jurídica” se muda totalmente. Então não significaum cosmos lógico de normas “corretamente” inferidas, mas um complexo de mo vações efe vas do

atuar humano real.11

Nessa relação entre a economia e o direito, ressalta Weber que:

A aceleração moderna do tráfico econômico reclama um direito de funcionamento rápido e seguro,garan do por uma força coa va da mais alta eficácia e, sobretudo, a economia moderna destruiu porsua peculiaridade as demais associações que eram portadoras de direito e, portanto, garan a domesmo. Esta é a obra do desenvolvimento do mercado. O poderio universal da sociedade quecons tui o mercado exige, por um lado, um funcionamento do direito calculável segundo regrasracionais. E, por outro, a extensão do mercado, que mostraremos ser uma tendência caracterís cadaquele desenvolvimento, favorece, em virtude de suas consequências imanentes, o monopólio eregulamentação de toda força coa va “legí ma” por meio de um ins tuto coa vo universal,destruindo todas as estruturas coa vas par culares, que descansam, na maioria das vezes, em

monopólios econômicos, estamentais ou de outra classe.12

5. A ESCOLA HISTÓRICA DA ECONOMIA POLÍTICA

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As perspectivas acima apontadas, em que predomina o influxo da força produtiva, da força das ideias, da forçado contexto social, não exaurem a possibilidade receptiva do fenômeno jurídico. A partir de Montesquieu (L’Espritdes Lois), de Ihering (O espírito do direito romano) e de Frederick Pollock (genius of the common law),intensifica-se a tendência de inserção da relação direito e economia no contexto histórico.

A ideia fundamental assentada por essa tendência é a de que “a vida social não se pode reduzir a um complexode ações submetidas a leis econômicas ou sociológicas: ela é também expressão da cultura histórica, entendida como

manifestação suprapessoal própria de cada época”.13 Pode-se dizer que economia e direito são expressões de umamesma cultura, criações de um único espírito, componentes de um universo de valores e testemunhos do estilo deum povo e de uma época.

Assim é que o liberalismo econômico pode dizer-se radicado numa fé quase religiosa na harmonia do todo e naracionalidade da ordem imanente a esse todo. É esse mesmo espírito de racionalidade, de liberdade e de ordemrigorosa e indefectível que domina as leis constitucionais do início do século XIX. As teorias iluministas foram buscaro fundamento para essa crença na filosofia estoica, que acreditava numa ordem universal suprapessoal e supralegal,na qual os indivíduos se integravam, e que os indivíduos não deveriam jamais perturbar.

Com o andar do século XIX, com o avultar-se do surgimento e crescimento industrial, com a influência dodesenvolvimento das ciências naturais, o naturalismo e o positivismo perderam de vista o significado origináriodaquele conceito de liberdade, que passou a ser a vontade. Como assinala Raiser:

O papel de força motriz da economia capitalista tornou-se, então, a cega e desenfreada vontade deautoafirmação do indivíduo na luta pela existência. Como consequência, mudaram-se os valoresfundamentais do universo jurídico: o direito subje vo e a declaração de vontade se tornaram os eixos

da dogmática privatística.14

Ludwig von Raiser descreve de forma empolgante este relacionamento entre direito e economia e sua inserçãono contexto cultural formado pela evolução histórica. Assim diz ele:

A economia não consiste num conjunto desordenado de ações e de eventos, mas sim em umaestrutura dotada de forma e de sen do, na qual – excetuada a sua específica individualidade histórica– se podem encontrar elementos estruturais e es lís cos fundamentais determinantes. Esclarecer asua relação significa colocar em evidência o sistema material envolto na realidade econômica. Énecessário não esquecer que o conceito de sistema econômico material é somente umaesquema zação da realidade histórica. A experiência e a análise histórica ensinam que a economia deuma nação é a resultante de vários fatores concomitantes e de diversos princípios propulsores denatureza ideal ou moral, peculiares a sistemas diversos. De um lado, com efeito, no curso da história onovo não suplanta nunca completamente o velho, mas se superpõe a ele dando origem a uma vastagama de formas intermediárias; de outro, também no interior de um mesmo sistema, as diversasesferas da vida econômica não são sempre organizadas com base nos mesmos princípios estruturais.Só uma estrutura econômica tão variadamente ar culada mas em si unitária pode ser definida como oordenamento concreto da economia de uma nação.

No quadro de um dado sistema econômico, o ordenamento jurídico cons tui um elemento estruturalessencial, e, por outro lado, os princípios e as ins tuições jurídicas conquistam pleno significado sob o

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aspecto sociológico e dogmá co somente em relação com o correspondente sistema econômico.Procurarei agora esclarecer qual função desempenha e quais efeitos gere esta componente jurídica dosistema econômico.

O criador de toda a cultura, economia e direito incluídos, é o homem entendido como unidade sica,espiritual e moral, membro de comunidades suprapessoais como a família ou a nação. As condiçõesnaturais têm sem dúvida um papel essencial na criação de um ordenamento econômico, mas osfatores decisivos são, em úl ma instância, o espírito, a vontade, as ideias e o comportamento doshomens. É, portanto, discu vel a proposta, sugerida por Eucken, de dis nguir entre ordenamentosespontâneos e ordenamentos impostos. Tal proposta evoca ideias inspiradas no materialismo e noroman smo, e as respec vas filosofias da história. A cultura é sempre o produto, mais ou menosconsciente, de uma livre criação do homem. Mas como é diverso o grau de consciência, diversa étambém a capacidade do homem de conceber o sistema econômico como totalidade, como umaunidade regulada, e de realizá-lo segundo um projeto bem definido: independentemente do fato deque depois seja um sistema de mercado ou de economia planificada. O impulso do homem modernopara dominar racionalmente o mundo em que vive se reflete na crescente tendência – descrita muitobem por Max Weber – para organizar o sistema jurídico e os processos econômicos segundo princípioslógicos. Hoje perdemos a confiança na força da razão e dolorosamente nos apercebemos de que, nãoobstante o avolumar-se de nossos conhecimentos, não aumentou, antes diminuiu, a capacidade decriar e de organizar. Em lugar de dis nguir entre ordenamentos econômicos espontâneos ouimpostos, seria portanto melhor falar de ordenamentos econômicos adotados por tradição ou deordenamentos ideados com base em específicas escolhas polí cas. Um tal sistema, projetado emmodo consciente, poderá chamar-se, com Eucken, de “cons tuição econômica”. Não se deverá porémesquecer que tal cons tuição, idealizada e querida, às vezes até definida a nível cons tucional, nãocoincide com a “cons tuição vivente” que se afirma historicamente como resultante de um jogo de

forças contrapostas.15

Há que verificar-se ainda que hoje mais se enfatiza o aspecto promocional do Direito , como assinala NorbertoBobbio. O ordenamento jurídico liberal manifestava-se como garantidor de uma ordem econômica existente. Suaatuação não pode dizer-se abstencionista, porque se caracterizava pela força de garantia. Hoje, contudo, a funçãodo Direito passou a ser a de criar, a de dar forma a uma nova realidade. O direito se manifesta como forçaprospectiva, como força impulsionadora. Adverte, pois, Raiser:

Numa época em que o Estado intervém para programar e para dirigir a economia nacional, o papel doordenamento jurídico se manifesta completamente novo. Aos olhos do observador, economia edireito não estão mais ligados por uma relação meramente causal, mas por um nexo finalís co ouinstrumental: a ordem imposta pelo Estado sob forma de direito está direcionada à prossecução deobje vos estabelecidos pela polí ca econômica. Nesta perspec va, o direito da economia assume

relevo somente como “transposição jurídica das escolhas de política econômica”.16

Com base em tais pressupostos, assinala Raiser três funções fundamentais para o Direito:

A primeira tarefa do Direito é a de tornar possível a atuação da política econômica. O Direito é visto assim comoum instrumento para realizar, para tornar concreta a Constituição econômica.

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A segunda tarefa do Direito é a de imprimir certeza e estabilidade às relações econômicas. São característicaspróprias do Direito a regularidade e a legalidade , quer pela via jurisdicional, quer pela via legal. Por essascaracterísticas, podem-se prever valorações uniformes dos comportamentos sociais.

A terceira tarefa do Direito, a de mais elevado nível, é a de prossecução da justiça substancial, abandonando-seo campo da justiça formal. Como assinala Raiser, “o perfeito funcionamento da economia, a eficiência produtiva e oincremento da renda nacional não garantem de per si a justiça social. A justiça substancial deveria satisfazer a

mais verdadeira e profunda aspiração do homem”.17

A consecução dessa justiça substancial está condicionada à solução de três problemas. O primeiro é o daliberdade concreta , liberada dos condicionamentos meramente idealistas. O segundo é o da compatibilização doprincípio da propriedade privada com uma economia dirigida pelo Estado. O terceiro é o da solidificação daposição jurídica dos trabalhadores e dos consumidores, no confronto com o poder econômico privado dasempresas, que tendem sempre a uma concentração cada vez mais perfeita.

6. A ATUAÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO: CONTEXTOHISTÓRICO

Para melhor se entender a atuação que deverá ter, hoje, o Estado no domínio econômico, para se apreender o seupapel no mercado, hoje, será conveniente ter uma visão histórica da questão, atentos ao ensinamento de Raiser,acima exposto, de que “no curso da história o novo não suplanta nunca completamente o velho, mas se superpõe aele dando origem a uma vasta gama de formas intermediárias”. A atuação do Estado, no âmbito da relação direito-economia, se manifesta sempre num contexto de relação dialética, em que da oposição criativa de uma tese e deuma antítese surge uma síntese que é o resultado engendrado pelas posições que lhe deram origem.

A cada momento histórico, direito e economia se relacionaram de forma peculiar, como resultado do fenômenocultural de que são expressão. Em cada fase da história a relação direito – economia se exprimiu através de umalinguagem própria, formando um discurso propiciador da imposição de princípios destinados a reger a interação

humana.18

A cada passo da sucessão dos momentos históricos será possível detectar uma razão jurídica, que é o fruto daação hermenêutica que dá origem ao ordenamento jurídico imperante a cada momento. Como opção por uma visãodo mundo, num determinado período histórico, ela é expressão de um referencial, é uma tomada de posição filosóficae é uma decisão por uma determinada linha política. Nesse sentido está dotada de uma unidade, mas sujeitasempre, como expressão de linguagem e como discurso ordenador, à peculiaridade de uma polissemia disjuntiva,

sucessiva e simultânea.19

A sucessão dos eventos em que direito e economia se confrontaram numa perspectiva integracionista, sobqualquer tipo de influência do Estado, leva à indagação a respeito da razão jurídica que imperou em cada períodohistórico. Essa indagação passa a ser pertinente a partir do mercantilismo, principalmente porque foi aquele tipo deorganização da vida econômica que, pela oposição dialética que a ele fez o liberalismo, passa a ter repercussõessobre a organização moderna.

Tomaremos esse período, em que começam a formar-se os Estados modernos, como termo inicial dasindagações sobre a atuação do Estado no âmbito da relação direito – economia, principalmente porque, a partir

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dessa época, começam a delinear-se as diversas formas de atuação do Estado no que respeita à condução depolíticas econômicas. A Inglaterra realiza sua unidade a partir do reinado de Henrique VII (1485-1509), a Françaconsegue a sua unidade nacional a partir do reinado de Luís XI (1461-1483), a Espanha se unifica a partir de 1469,com o casamento de Fernando de Aragão com Isabel de Castela, Portugal consolida sua independência a partir de1640, quando se separa de Espanha.

O mercantilismo surge como reflexo das concepções ideológicas daquele momento. A ideia de nacionalidadecomeça a afirmar-se, o Estado se propõe a solidificar seu poder perante as nações estrangeiras, o poder central sedesenvolve e, com isso, ascendem as despesas públicas, o comércio internacional se desenvolve em busca deriquezas, dando-se ênfase aos metais preciosos como instrumentos de troca, e, ao mesmo tempo, desperta o espírito

capitalista.20

O capitalismo se define como um sistema econômico21 baseado na propriedade privada dos meios de produção,propiciadora de acúmulo de poupança com finalidade de investimento de grandes massas monetárias, dentro de umaorganização de livre mercado, através de uma organização permanente e racional. O capitalismo pode ser visto sobum prisma jurídico, e significa o estatuto jurídico que adota o princípio da propriedade privada dos meios deprodução. Pode visualizar-se sob o aspecto político, significando uma ideologia e um regime de livre empresa. Nosentido econômico se manifesta como um sistema que, adotando a apropriação privada dos bens de produção, dáorigem à economia de empresa e de mercado. O capitalismo, assim definido, existiu sempre, sob variadas formas,em todos os períodos da história. No período histórico que agora chama a nossa atenção, o de formação econsolidação do Estado moderno, adquire importância especial, porque passa a ser uma preocupação fundamentalpara o fortalecimento do poder econômico, quer aquele detido pelos particulares, quer o de que se utiliza o próprioEstado.

O mercantilismo se revela por princípios básicos, quais sejam a vontade de fortalecimento do poder através dabusca da riqueza (centralizada no ouro e na prata), o protecionismo pela implantação de fortes barreiras aduaneiras,o favorecimento da exportação e o correspondente desfavorecimento da importação, com a finalidade de

estabelecer uma balança comercial favorável.22 O mercantilismo utilizou de forma agressiva a xenofobia,incentivando assim as rivalidades internacionais. Procurou afastar os mercadores estrangeiros e, ao mesmo tempo,como forma de fortalecer o próprio comércio, vinculou os próprios mercadores através de concessões de licenças

para o exercício da atividade.23 O fortalecimento econômico do Estado, propiciado pelo mercantilismo, trouxe-lhe opoder absoluto, decorrente da centralização total dos poderes nas mãos dos soberanos.

David Hume, em seus Ensaios econômicos, procura refutar o mercantilismo, mostrando a importância docomércio exterior como estimulante da economia e fonte do progresso manufatureiro. É o primeiro a expor a teoriado equilíbrio automático das trocas. É o precursor de Adam Smith, seu amigo e a quem influenciou grandemente.

A teoria mercantilista é suplantada pela ideia do liberalismo econômico, que se assenta nos princípios doliberalismo filosófico e político trazidos principalmente pelas doutrinas jusnaturalistas do século XVII, em que seexaltam os princípios de liberdade, de valorização do indivíduo, de revolta contra os privilégios e contra o poderabsoluto dos reis. O liberalismo pode assumir variadas formas, mas o que sucedeu ao mercantilismo caracterizou-sepela defesa do princípio segundo o qual o desenvolvimento econômico deveria fazer-se em conformidade com as leisnaturais do mercado, sem os grilhões anteriormente postos pelo Estado. Neste ponto se sobressai a doutrina deAdam Smith.

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Defende-se, a partir de então, a teoria segundo a qual a economia está sujeita a leis naturais que a levamfatalmente a uma situação de equilíbrio entre os integrantes do mercado, com frutos positivos para toda a sociedade,que será rica se os seus integrantes o forem. O Estado não deveria, portanto, através da lei, interferir nofuncionamento do mercado. Eis o que diz Adam Smith:

Portanto, sem qualquer intervenção da lei, os interesses privados e as paixões dos homens levam-nos, naturalmente, a dividirem e a distribuírem o capital de qualquer sociedade entre os diferentesempregos com ele realizados, tanto quanto possível, na proporção mais vantajosa para o interesse detoda a sociedade.

As várias regulamentações do sistema mercan l vêm, necessariamente, perturbar mais ou menos esta

distribuição natural e muito vantajosa do capital.24

O trabalho de cada indivíduo contribui para o seu próprio enriquecimento, e o proveito da sociedade está na razãodireta do bem individual. O governante não deve interferir, de forma alguma, nesse processo natural dedesenvolvimento do mercado:

Cada indivíduo esforça-se con nuamente por encontrar o emprego mais vantajoso para qualquer queseja o capital que detém. Na verdade, aquilo que tem em vista é o seu próprio bene cio e não o dasociedade. Mas o juízo da sua própria vantagem leva-o, naturalmente, ou melhor, necessariamente, apreferir o emprego mais vantajoso para a sociedade.

Portanto, como cada indivíduo tenta, tanto quanto possível, aplicar o seu capital no apoio à indústriainterna e, por consequência, dirigir essa indústria de modo a que a sua produção tenha o máximovalor, cada um trabalha, necessariamente, para que o crédito anual da sociedade seja o maior possível.Na realidade, ele não pretende, normalmente, promover o bem público, nem sabe até que ponto oestá a fazer. Ao preferir apoiar a indústria interna em vez da externa, só está a pensar na sua própriasegurança; e, ao dirigir essa indústria de modo que a sua produção adquira o máximo valor, só está apensar no seu próprio ganho, e, neste como em muitos outros casos, está a ser guiado por uma mãoinvisível a a ngir um fim que não fazia parte das suas intenções. Nem nunca será muito mau para asociedade que ele não fizesse parte das suas intenções. Ao tentar sa sfazer o seu próprio interessepromove, frequentemente, de uma maneira mais eficaz, o interesse da sociedade, do que quandorealmente o pretende fazer.

O estadista que tentasse orientar as pessoas privadas sobre o modo como deveriam aplicar os seuscapitais, não só se estaria a sobrecarregar com uma tarefa desnecessária, como ainda assumiria umaautoridade que não só dificilmente poderia ser confiada a uma única pessoa como, nem sequer, aqualquer conselho ou senado, e que representaria um perigo nas mãos de um homem que vesse a

loucura e a presunção suficientes para se considerar capaz de a exercer.25

O constitucionalismo do século XIX surgiu impregnado de liberalismo, tanto político quanto econômico. AsConstituições brasileiras de 1824 e de 1891 basearam-se no princípio fundamental do liberalismo econômico e queserve de distintivo para o capitalismo: o princípio da propriedade individual dos bens de produção. Esteprincípio é fixado como absoluto naqueles dois textos.

Numa interpretação contextual, deve-se assinalar que este princípio está contido no título referente às “garantias

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dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros”. E o § 22 do art. 179 da Constituição de 1824 determina: “égarantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude”. Por sua vez, o § 17 do art. 72 da Constituição de 1891dispõe: “o direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude”.

Esse princípio informa toda a doutrina da economia de mercado então vigente. Corolário inarredável do princípioabsoluto do direito de propriedade individual é o da liberdade de iniciativa no mercado. Como consequência, adotao constitucionalismo do século XIX o princípio segundo o qual o Estado não deve intervir na atividade econômica,sob pena de romper o equilíbrio a que ela, natural e necessariamente, tende. O Estado tem uma funçãofundamental, qual seja a de garantidor da liberdade de mercado. Não seria adequado afirmar-se que naquelas duasConstituições inexistiriam disposições sobre a organização econômica da sociedade. Nem se poderia dizer quenaqueles textos não existisse uma Constituição econômica. O que se deveria dizer é que a ordem econômicaliberal ali está presente, com a imposição de o Estado garantir os direitos individuais, entre eles o direito individual

de propriedade em toda a sua plenitude.26 Não se pode esquecer que o constitucionalismo dos séculos XVIII e XIXsurgiu sob o pressuposto ideológico de defesa das liberdades individuais em confronto com o absolutismo até entãoimperante. E entre estas liberdades individuais estava o direito absoluto de propriedade individual, garantidor daatuação econômica individual no mercado. As normas constitucionais protetoras desses direitos têm um sentidonegativo, porque têm por objetivo impedir que o Estado os desrespeite, os afronte.

A concepção de um liberalismo atomista, de liberdade do indivíduo no âmbito do mercado, veio a ser desmentidapela realidade histórica. A partir de meados do século XIX o capitalismo se transforma. As unidades se unem,formando grupos, dando origem ao novo Estado industrial. Com os grupos econômicos surgem os primeiros

questionamentos sobre a plena liberdade de comércio.27 A crise se instaura e provoca, no período entre as duas

grandes guerras, o surgimento de um novo Direito e a imperiosidade da atuação do Estado no domínio econômico.28

A concentração econômica é o fenômeno pelo qual as empresas tendem a aumentar a sua dimensão, quer pelaampliação de sua extensão setorial e geográfica, quer também pela eliminação da concorrência. Pode-se afirmarque a decisão que leva à concentração tem sua origem em dois princípios fundamentais: o da maximização doslucros e o da segurança.

O fenômeno da concentração empresarial foi, segundo Farjat, o elemento decisivo para o surgimento do DireitoEconômico, pois que, a partir de então, surgiu a necessidade de o Estado intervir (através de normas) no mercado,não para impedir a concentração de empresas, como falsamente se entende, mas para garantir efetivamente aliberdade de mercado, com a proteção das classes que poderiam vir a ser desfavorecidas com a nova feição das

empresas.29

A concentração empresarial provocou dois fenômenos importantes: de um lado a grave situação da questãosocial. O grande poderio econômico acumulado pelas empresas passou a impor pesado ônus à classe trabalhadora.Daí surgiu a necessidade de elaboração de leis destinadas à proteção dos empregados, com a finalidade de garantir-lhes a observância dos direitos fundamentais garantidos ao homem. O Tratado de Versalhes, na letra a do art. 23da Parte I, já dispõe sobre a necessidade de o Estado interferir na ordem econômica com a finalidade de estabelecernormas garantidoras dos direitos relativos ao trabalho:

Art. 23.

Sob reserva e em conformidade com as disposições das convenções internacionais atualmenteexistentes ou das que se concluírem ulteriormente, os Membros da Sociedade:

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a) Esforçar-se-ão por assegurar e manter condições de trabalho equita vas e humanas para o homem,mulher e criança nos seus próprios territórios, assim como em todos os países aos quais se estendamas suas relações de comércio e indústria, e, nesse intuito, deverão criar e manter as organizaçõesinternacionais necessárias.

Ainda no âmbito das relações sociais de trabalho, o Tratado de Versalhes,30 na segunda parte do Capítulo XII,fixou os princípios que deveriam nortear a legislação dos Estados, estabelecendo assim os critérios que deveriamorientar a intervenção do Estado na regulamentação das relações de mercado, no atinente aos direitos dotrabalhador. Tais princípios são os seguintes:

1. O trabalho não pode ser considerado como simples mercadoria.

2. Deve-se garantir o direito de associação tanto para trabalhadores quanto para patrões.

3. Deve-se garantir aos trabalhadores um salário que seja capaz de garantir-lhes um nível de vida condizente como tempo e o país.

4. Deve-se adotar a jornada de oito horas ou a semana de 48 horas.

5. Adotar-se-á um período de repouso semanal de 24 horas, que deverá coincidir, sempre que possível, com odomingo.

6. Deverá ser suprimido o trabalho de crianças, e o trabalho dos jovens não deverá ser obstáculo à sua formaçãoe educação.

7. Para trabalho igual deverá haver salário igual, sem distinção de sexo.

8. As normas destinadas a reger as relações econômicas de trabalho deverão garantir a todos os trabalhadoresresidentes num país um tratamento equitativo.

9. O Estado deverá criar um serviço de inspeção para garantir a aplicação das leis que regem as relações detrabalho.

Essa tendência já estava manifesta na Constituição do México, 1917, que, em seu art. 123 já determina que o

Congresso da União “deverá emitir leis sobre o trabalho”. A Constituição de Weimar31 vem incorporar, no seu art.157, o princípio internacionalmente aceito no Tratado de Versalhes, estabelecendo que “o trabalho está sob proteçãoespecial do Império. O Império instituirá um direito do trabalho uniforme”.

Por outro lado, o fenômeno da concentração do poder econômico nas mãos de uns poucos veio trazer anecessidade de o Estado intervir para sanar a crise do liberalismo econômico, salvando a liberdade de iniciativa.Assinale-se que o Estado não interveio para coibir a liberdade econômica das empresas, mas para garanti-la maisconcreta e efetivamente. A primeira manifestação constitucional dessa tendência, temo-la na Constituição doMéxico de 1917, que, no seu art. 27, confere à Nação o direito de “impor à propriedade privada as regras que dite ointeresse público” e no art. 28, estabelece a proteção contra os monopólios e o combate à concentração ouaçambarcamento:

Art. 28.

Nos Estados Unidos Mexicanos não haverá monopólios nem exclusivos de qualquer espécie…

A lei cas gará severamente e as autoridades combaterão eficazmente toda a concentração ouaçambarcamento dos artigos de consumo necessários e que tenham por objetivo a alta de preços…

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Já a Constituição de Weimar vem estabelecer que “a organização da vida econômica deverá realizar os princípiosda justiça”, fixando os limites dentro dos quais “deve ser assegurada a liberdade econômica individual” (art. 151),estabelecendo-se ainda que “nas relações econômicas a liberdade contratual só vigora nos limites da lei” (art. 152).

Estava aberto o caminho para um novo contexto das relações econômicas no âmbito do mercado. Se continua o

liberalismo, como de fato se quis,32 aceita-se, a partir de então, o ingresso naquelas relações de um terceiropersonagem, o Estado. É preciso, contudo, assinalar que a relação que se estabelece entre Estado e empresa não selimita a influir nos interesses desta, mas transcende-os para defender primordialmente o interesse da coletividade.Um exemplo interessante desta nova perspectiva é, hoje, o projeto de lei para a nova lei de falências, em que se

procura, em lugar de liquidar a empresa, recuperá-la e dar-lhe continuidade.33

A Constituição brasileira de 1934 aderiu ao novo discurso manifestador das ideias imperantes, introduzindo, porvez primeira, um título configurador da nova postura do Estado dentro da ordem liberal. O ingresso do Estado paraatuar no mercado gera uma nova ordem a ser disciplinada, a Ordem Econômica e Social.

O art. 115 garante a liberdade econômica, mas a situa dentro da possibilidade de ser organizada pelo Estado,em conformidade com os princípios da Justiça e com as necessidades da vida nacional, e impondo-lhe um limitede caráter teleológico, o de possibilitar a todos existência digna.

Ao Estado destinam-se duas novas e importantes funções, a de atuar no mercado , podendo monopolizardeterminada indústria ou atividade econômica, quando assim o exigir o interesse público, mediante autorização de lei

especial,34 e a de influir no mercado, impondo-se-lhe o dever de promover o fomento da economia popular.35

A Constituição brasileira de 1937 é a primeira a valer-se da expressão “intervenção do Estado no domínioeconômico”, estabelecendo também a distinção, de caráter doutrinário, entre a intervenção mediata e imediata, econceituando-lhes as formas de manifestação: controle, estímulo e gestão direta. O art. 135 assim dispõe:

Na inicia va individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido noslimites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado nodomínio econômico só se legi ma para suprir as deficiências da inicia va individual e coordenar osfatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo dascompetições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado.

A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, reves ndo a forma do controle,do estímulo ou da gestão direta.

Esse dispositivo legal, pela ênfase dada ao papel do indivíduo no âmbito da atuação econômica, merece ulterioresconsiderações, em face dos contextos histórico e ideológico nos quais ele surgiu.

Paralelamente com o disposto no art. 117 da Constituição de 1934, o art. 141 da Constituição de 1937 explicita aforma de atuação do Estado sob a forma de controle, através do aspecto positivo do fomento, mas agora tambématravés do aspecto negativo da punição, instituindo os crimes contra a economia popular. Diz o art. 141:

A lei fomentará a economia popular, assegurando-lhe garan as especiais. Os crimes contra aeconomia popular são equiparados aos crimes contra o Estado, devendo a lei cominar-lhes penasgraves e prescrever-lhes processos e julgamentos adequados à sua pronta e segura punição.

É importante assinalar que o crime de usura, antes contemplado no parágrafo único do art. 117, passa a ser

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fixado no art. 142: “A usura será punida”.

Os arts. 141 e 142 têm importância histórica, porque propiciaram o surgimento, entre nós, das primeiras leis deproteção à liberdade de concorrência. Assim é que o Decreto-Lei n. 869, de 18.11.1938, define quais sejam oscrimes contra a economia popular e determina a sua punição. A competência para julgamento dos crimesdefinidos naquele diploma legal foi atribuída ao Tribunal de Segurança Nacional.

A Constituição de 1946 torna explícitos os parâmetros fundamentais que balizam a intervenção do Estado nodomínio econômico. Depois de fixar, no art. 145, os pilares da ordem econômica liberal que se instaura, a liberdadede iniciativa e a valorização do trabalho humano, o texto maior estabelece, no art. 146, que a intervenção temcomo princípio propulsor o interesse público , mas deverá ater-se ao limite dos direitos fundamentais , assimentendidos os direitos garantidos ao indivíduo. Assim determina o art. 146:

A União poderá, mediante lei especial, intervir no domínio econômico e monopolizar determinadaindústria ou a vidade. A intervenção terá por base o interesse público e por limite os direitosfundamentais assegurados nesta Constituição.

A mentalidade intervencionista do Estado está expressa nas determinações para que a lei disponha sobre oregime dos bancos de depósito, das empresas de seguro, de capitalização e de fins análogos (art. 149), disponhasobre a criação de estabelecimentos de crédito especializado de amparo à lavoura e à pecuária (art. 150), disponhasobre o regime das empresas concessionárias de serviços públicos federais, estaduais e municipais (art. 151), efacilite a fixação do homem no campo, estabelecendo planos de colonização e de aproveitamento das terras públicas(art. 156).

São importantes ainda o art. 154, que determina que a usura, em todas as suas modalidades, seja punida, como, eprincipalmente, a disposição do art. 148, que deu nova figura àquilo que os textos de 1934 e 1937 configuravamcomo simples crimes contra a economia popular. Surge a figura mais ampla das formas de abuso do podereconômico, que deverá ser reprimida por lei. E o texto constitucional define quais sejam essas formas:

A lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ouagrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fimdominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros.

Sob o império dessa disposição constitucional, surge a Lei n. 1.522, de 26.12.1951, que criou a Comissão Federalde Abastecimento e Preços – Cofap –, posteriormente substituída pela Superintendência Nacional do Abastecimento– Sunab –, criada pela Lei Delegada n. 4, de 26.09.1962. É importante assinalar ainda que, mesmo anteriormente aosurgimento da Constituição de 1946, a questão dos atos contrários aos interesses da economia nacional fora objetodo Decreto-Lei n. 7.666, de 22.06.1945, que foi revogado logo depois da queda do Governo Vargas através daDecreto-Lei n. 8.167, de 9.11.1945. Esse decreto-lei é importante, por ter sido o criador da Comissão Administrativade Defesa Econômica – Cade –, que depois o art. 8º da Lei n. 4.137, de 10.09.1962, transformou em ConselhoAdministrativo de Defesa Econômica. Esta lei tem fundamental importância por ter sido a regulamentadora da

disposição do art. 148 da Constituição de 1946.36

A Constituição de 1967 colocou a intervenção do Estado no domínio econômico sob inspiração de um temapropulsor novo: o desenvolvimento econômico. De fato, o art. 157 daquela Constituição colocou como um dosprincípios ideológicos da ordem econômica, ao lado dos de liberdade de iniciativa e de valorização do trabalho, o do

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desenvolvimento econômico. É interessante notar que a faculdade de intervir no domínio econômico e demonopolizar está inscrita como parágrafo do art. 157, significando que essa faculdade está vinculada aos princípiosideológicos que figuram como incisos do caput do artigo.

De fato, a partir do contexto revolucionário de 1964, adotou-se a fórmula de fazer com que o Estado tomasse aseu cargo o desenvolvimento econômico. Assim, o Estado passa a figurar, não mais como regulador da atividadeeconômica a ser desenvolvida pelos particulares (titulares da liberdade de iniciativa), mas como um ator, comoempresa a competir com a iniciativa privada (titular também o Estado da liberdade de iniciativa). É verdade que otexto constitucional submete essa atuação direta do Estado à condição da indispensabilidade, a ser revelada querpela exigência da segurança nacional, quer pela inexistência de eficiência do setor privado. Assim dispõe o § 8º doart. 157:

São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria oua vidade, mediante lei da União, quando indispensável por mo vos de segurança nacional, ou paraorganizar setor que não possa ser desenvolvido com eficiência no regime de compe ção e deliberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais.

A Emenda n. 1, de 17.10.1969, que deu praticamente nova redação ao texto constitucional de 1967, no títulorelativo à Ordem Econômica e Social, transformou o “desenvolvimento econômico” em “desenvolvimentonacional” e o colocou, juntamente com a exigência de justiça social (mas a ele sintomaticamente precedente), comofinalidades daquela mesma ordem. O Estado passa a atuar cada vez mais amplamente no domínio econômico. O §8º do art. 157 foi transformado no art. 163:

São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria oua vidade, mediante lei federal, quando indispensável por mo vo de segurança nacional ou paraorganizar setor que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime de compe ção e de liberdadede iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais.

À ideia de indispensabilidade, vinda do texto de 1967 e conservada no de 1969, o legislador maior acrescentouas de preferencialidade e de suplementaridade, estabelecendo ainda, para evitar uma concorrência deslealinstitucionalizada, a norma da imposição do regime privado. Tais ideias vêm expressas no art. 170:

Art. 170. Às empresas privadas compete, preferencialmente, com o es mulo e apoio do Estado,organizar e explorar as atividades econômicas.

§ 1º Apenas em caráter suplementar da inicia va privada o Estado organizará e explorará diretamentea atividade econômica.

§ 2º Na exploração, pelo Estado, da a vidade econômica, as empresas públicas e as sociedades deeconomia mista reger-se-ão pelas normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto ao direitodo trabalho e ao das obrigações.

§ 3º A empresa pública que explorar a vidade não monopolizada ficará sujeita ao mesmo regimetributário aplicável às empresas privadas.

A Constituição de 1988 trouxe outra fundamentação ideológica para a atuação do Estado no domínio econômico.Esta Constituição sofre a influência das Constituições de Portugal e da Espanha, mas recebe também o sopromodernizador do papel do Estado no domínio econômico.

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A Constituição portuguesa de 1976, no seu art. 81, enumera as incumbências prioritárias do Estado, entre elas ade “orientar o desenvolvimento econômico e social a fim de obter um crescimento equilibrado de todos os setores ede todas as regiões e de eliminar progressivamente as diferenças econômicas e sociais existentes entre as cidades eos campos”, e a de “assegurar uma concorrência equilibrada entre as empresas”. Inclui também o princípio da“planificação democrática da economia”, que é explicitado nos arts. 91 e seguintes. As modificações introduzidaspela revisão de 1982 e pela Lei Constitucional de 08.07.1989 geraram uma modificação do papel do Estado naeconomia, principalmente a redação do atual art. 85, que trata da reprivatização.

O art. 128.2 da Constituição espanhola estabelece que “a iniciativa pública é reconhecida na atividadeeconômica. Uma lei poderá reservar ao setor público recursos ou serviços essenciais, principalmente em caso demonopólio, e decidir igualmente o controle de empresas quando o exija o interesse geral”.

Além dessa influência ibérica, há que se assinalar-se também a que provém da situação de crise do Estadomoderno, no que tange ao desempenho no domínio econômico. A uma situação de entusiasmo com o chamadoEstado empreendedor sucede uma posição de desconfiança e descrédito, principalmente pela baixa eficiênciacomprovada. Surge assim nos países ocidentais um movimento de reprivatização da atividade econômica, bemcomo a pergunta sobre qual deva ser o novo papel do Estado numa economia de mercado. Surge então a árdua

tarefa de redefinir o papel do Estado de forma a ajustá-lo às exigências dos novos tempos.37

Essa mudança da forma de desempenho no âmbito da economia deverá provir de uma substancial alteração daconcepção filosófica do Estado. Será preciso compreender que o Estado não tem mais uma postura de dirigente ouimpulsionador da economia, mas incumbe-lhe assumir o papel de facilitador da atuação da empresa. Incumbe-lhe,antes de mais nada, estar ao serviço da sociedade, em vez de procurar assumir a direção de seus rumos. Incumbe-

lhe viabilizar e compatibilizar a primordial atividade e iniciativa individuais.38 O futuro do Estado está para serinventado e criado, o que faz descortinar diante dos economistas, dos políticos, dos sociólogos e dos juristas, dasociedade em geral, uma imensa tarefa superadora do passado.

Para implementar essa ingente tarefa de recriar o novo Estado apto a atuar no domínio econômico, ensina Pierre-Yves Cossé que o mundo moderno deverá se dedicar a suprir cinco graves carências, que se referem à necessidadede um amplo debate público sobre tais questões, à adoção de instrumentos adequados, à atenção ao princípio dasubsidiariedade, à internacionalização da economia e à postura do poder político perante a vida democrática.

Há necessidade de um debate aberto sobre a modernização da organização econômica, sobre os riscosindividuais ou coletivos, sobre a atuação do Estado e sobre o funcionamento do mercado. O fórum adequado paraeste debate deverá ser o Congresso Nacional, que, liberado de preocupações de higiene própria e de fisiologismosretrógrados, terá condições de captar a opinião nacional de todas as correntes e discuti-la com profundidade.

Outra tarefa será a realização de estudos de profundidade sobre tais questões, no que terá papel primordial auniversidade brasileira, liberada de academicismos formalistas para dedicar-se à discussão acurada dos problemasjurídico-econômicos nacionais. Como observa Cossé, “temos o hábito de planificar, pelo menos no discurso, o que éimplanificável, por exemplo a taxa de crescimento, e de não planificar o que resulta em grande parte de tendênciasconcretas e previsíveis, demográficas por exemplo, ou de comportamentos estáveis: educação, comunicação,saúde”.

Uma terceira tarefa decorre da compreensão do princípio de subsidiariedade, que explica que as decisõesnacionais, em termos de economia, não são mais integralmente soberanas. O Estado nacional deve inserir-se nos

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contextos regionais de que faz parte, quer para influenciá-lo, quer para “informar a todos os agentes econômicossobre o que foi decidido, tirar o melhor partido das novas regras do jogo e aliviar as estruturas administrativas”.

A internacionalização da economia traz ainda uma outra modificação que exige posicionamentos novos daAdministração estatal. Faz 30 anos, os homens que acompanhavam a evolução da economia mundial e tomavamdecisões pertenciam aos quadros do Estado. Mudou-se atualmente o quadro, pois que hoje “os homens de empresaestão abertos para o mundo e adquiriram uma cultura e uma prática internacionais”.

A quinta tarefa se refere à relação entre o poder político, que deverá afirmar-se dentro de nova figura, e orespeito às exigências da vida democrática. A crise política vivida pelo País nos últimos anos deverá vir a ser ogerme de uma nova postura perante os problemas com que o Estado moderno se defronta. Lembra Cossé:

O ce cismo e a inquietude, ligados à derrota das ideologias e à crescente complexidade do mundo,não devem ser u lizadas como uma arma a minar toda a ação polí ca. Sem reabilitação do polí co,toda mudança será vivida como um acontecimento nefasto e corremos o risco de uma paralisia. Oproblema é de convencer os cidadãos – e os intelectuais – de que graças a um desdobramento de suasmissões e a novos métodos de gestão, o estado nacional pode reencontrar uma legi midade e crescerem eficácia. A mutação necessária não é necessariamente uma perda de substância para os agentespúblicos e uma falta para os cidadãos habituados a um quadro e a modos de intervenção

determinados.39

A Constituição de 1988 surgiu sob o influxo de tais direcionamentos modernos, rompendo assim com a tendênciafrancamente intervencionista da Constituição de 1967-1969, mas deixando-se ainda impregnar de ideiasprotecionistas originadas de um tradicionalismo incoerente com a moderna tendência da atuação estatal.

O art. 173 da Constituição se coloca como um marco divisório, contrapondo-se ao art. 163 da Constituição de1967-1969. Diz o texto atual:

Ressalvados os casos previstos nesta Cons tuição, a exploração direta de a vidade econômica peloEstado só será permi da quando necessária aos impera vos da segurança nacional ou a relevanteinteresse coletivo, conforme definidos em lei.

Donde se deduz que a exploração direta da atividade econômica pelo Estado constitui-se numa exceção. A regraé a de que o Estado não deve atuar diretamente no domínio econômico. A exceção está restrita à necessidadedecorrente de dois fatores determinantes: imperativos de segurança nacional e relevante interesse coletivo.Mas tais fatores deverão ser definidos em lei. Ressalte-se a importância do Poder Legislativo na definição dessanecessidade (não conveniência) dessa intervenção direta do Estado.

A ressalva aos casos previstos nesta Constituição se refere às disposições contidas nos arts. 175, 176 e 177. Ocontexto constitucional traçado por estes artigos foi profundamente alterado, como já se mostrou no Capítulo 2. Seránecessário, diante das afirmações aqui feitas, reportar-se ao que já foi ali dito.

O art. 175 estabelece que “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessãoou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. Aqui estão incluídos os serviços detransporte coletivo, os de telecomunicações, os de fornecimento de energia elétrica, de água, etc. O Estado poderágeri-los diretamente através de empresas públicas ou sociedades de economia mista, ou ainda concedê-los oupermiti-los aos particulares.

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É importante repetir que as Leis n. 8.987, de 13.02.1995, e 9.074, de 07.07.1995, concretizando o permissivoconstitucional contido no parágrafo único – “a lei disporá sobre” –, vieram enfatizar a necessidade de o Estadotransferir para o setor privado a prestação de alguns serviços públicos.

O art. 176 prevê a propriedade da União relativamente às jazidas, recursos minerais e os potenciais deenergia hidráulica , fixando ainda que a pesquisa e a lavra, bem como o seu aproveitamento somente poderãoser efetuados por autorização ou concessão da União.

Nesse tema, a Emenda Constitucional n. 6, de 15.08.1995, alterou a redação do parágrafo único. Confrontem-seas redações, a anterior com a atual:

Redação primitiva:

§ 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere ocaput deste ar go somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, nointeresse nacional, por brasileiros ou empresa brasileira de capital nacional, na forma da lei, queestabelecerá as condições específicas quando essas a vidades se desenvolverem em faixa defronteira ou terras indígenas.

Redação atual:

§ 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere ocaput deste ar go somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, nointeresse nacional, por brasileiros ou empresa cons tuída sob as leis brasileiras e que tenha sua sedee administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essasatividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.

O art. 177 prevê as hipóteses de monopólio relativamente ao petróleo e a minérios e minerais nucleares.Também no tocante a esta matéria, houve alteração no texto constitucional, introduzida pela Emenda n. 9, de09.11.1995, e também pela Emenda n. 19/1998. Também aqui o § 1º foi o portador da mudança de postura doEstado. Confrontem-se, também aqui, as duas alterações:

Redação primitiva:

§ 1º O monopólio previsto neste ar go inclui os riscos e resultados decorrentes das a vidades nelemencionadas, sendo vedado à União ceder ou conceder qualquer po de par cipação, em espécie ouem valor, na exploração de jazidas de petróleo ou gás natural, ressalvado o disposto no art. 20, § 1º.

Redação atual:

§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das a vidades previstasnos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei.

Ressalvados esses casos expressamente apontados no texto constitucional, é vedada ao Estado a exploraçãodireta de atividade econômica. A ressalva contida no art. 173 permanece como mandamento vigente, mas o seualcance, ante as alterações introduzidas pelas Emendas n. 6, 7 e 9, bem como pela promulgação da legislaçãoregulamentadora já prevista constitucionalmente, foi substancialmente reduzido.

O Estado, quando explora diretamente a atividade econômica, o faz através de empresas públicas , desociedades de economia mista e suas subsidiárias (E.C. n. 19/98). Nestes casos, a Constituição lhes impõe a

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adoção do mesmo regime jurídico aplicável às empresas privadas, tornando explícita sua sujeição aos direitos eobrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários, e proíbe a concessão de privilégios fiscais que não sejamextensivos àquelas empresas. Estas determinações, previstas nos §§ 1º e 2º do art. 173, têm por finalidade precípuaimpedir uma posição dominante no mercado derivada de fatores estranhos à própria livre competição.

O Estado, sob a forma de pessoa de direito público ou de direito privado, está sujeito às normas da Lei n. 12.529,de 30 de novembro de 2011, como disposto no art. 31: Esta Lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas de direitopúblico ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito,ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime demonopólio legal.

É conveniente ressaltar que os §§ 4º e 5º do art. 173 estão indevidamente colocados como parágrafos do art.173, primeiro porque a matéria por eles tratada deveria ter sido colocada como um artigo, como ocorreu naConstituição de 1946, segundo porque o assunto ali versado não se inclui como dependente do caput.

Com o esforço por afastar a exploração direta do Estado na atividade econômica, restava ao Constituinte definir-lhe os novos papéis. Assim o art. 174 vem definir essa nova função: a de agente normativo e regulador daatividade econômica. Prescreve o texto:

Como agente norma vo e regulador da a vidade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, asfunções de fiscalização, incen vo e planejamento, sendo este determinante para o setor público eindicativo para o setor privado.

A atuação reguladora da atividade econômica por parte do Estado está sujeita ao princípio da subsidiariedade,no que tange a deixar aos indivíduos a tarefa de regulamentar a própria atividade, ou de não criar regras quedificultem, em lugar de viabilizar, a atividade econômica. É o fenômeno atualmente conhecido como

desregulamentação da economia.40

Valendo uma remissão às fontes do Direito, com peculiaridades às fontes do Direito Econômico, é importantedestacar o papel das fontes reais e de uma fonte formal de grande operacionalidade no mundo da economia, que éa medida provisória. As fontes reais são a origem das fontes formais, e estas não podem destacar-se daquelas sobpena de nascerem absolutamente ineficazes. Se o Direito Econômico pode ser visto como uma antítese dosistema liberal, deve sê-lo também como uma expressão de uma nova ordem econômica e social e,consequentemente, como um esforço constante de resposta adequada às exigências da realidade econômica e

social do momento.41 A medida provisória , consagrada no art. 59, V, e no art. 62, da Constituição Federal, é oinstrumento adequado de captação das fontes reais e sua transformação em fonte formal do Direito. Desnecessárioserá enfatizar sua necessidade para normatizar a relação de caráter econômico e social.

7. INTERVENÇÃO DO ESTADO: DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA CATÓLICAEm 01.05.1991, para que o “Centesimus Annus” de edição da Encíclica “Rerum Novarum” fosse comemorado,

o Papa João Paulo II lançou a Encíclica que leva aquele nome, defendendo a tese de que o papel do Estado nosetor da economia deve estar alicerçado numa ordem democrática e esta fundamentada numa “reta concepção

da pessoa humana” e no respeito a seus direitos,42 sendo certo que o econômico nada mais é do que um aspectoda vida humana.

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Reconhece-se a necessidade da institucionalização de uma economia de mercado, em que ao Estado toca atarefa de, através de prudentes decisões políticas e de sólido direcionamento jurídico, garantir a segurança aos queparticipam do mercado, quer como empresas, quer como consumidores:

A a vidade econômica, em par cular a da economia de mercado, não se pode realizar num vazioins tucional, jurídico e polí co. Pelo contrário, supõe segurança no referente às garan as daliberdade individual e da propriedade, além de uma moeda estável e serviços públicos eficientes. Aprincipal tarefa do Estado é, portanto, a de garan r esta segurança, de modo que quem trabalha eproduz possa gozar dos frutos do próprio trabalho e, consequentemente, sinta-se es mulado acumpri-lo com eficiência e hones dade. A falta de segurança, acompanhada pela corrupção dospoderes públicos e pela difusão de fontes impróprias de enriquecimento e de lucros fáceis fundadosem a vidades ilegais ou puramente especula vas, é um dos obstáculos principais aodesenvolvimento e à ordem econômica.

O Estado tem competência para intervir no setor econômico, e deve fazê-lo, secundando a atividade dasempresas, principalmente em momentos de crise, quando será mais importante sua presença para garantir aplenitude do exercício dos direitos humanos:

Outra tarefa do Estado é a de vigiar e orientar o exercício dos direitos humanos, no setor econômico;neste campo, porém, a primeira responsabilidade não é do Estado, mas dos indivíduos e dos diversosgrupos e associações em que se ar cula a sociedade. O Estado não poderia assegurar diretamente odireito de todos os cidadãos ao trabalho, sem uma excessiva estruturação da vida econômica erestrição da livre inicia va dos indivíduos. Contudo, isto não significa que ele não tenha qualquercompetência neste âmbito, como afirmaram aqueles que defendiam uma ausência completa de regrasna esfera econômica. Pelo contrário, o Estado tem o dever de secundar a a vidade das empresas,criando as condições que garantam ocasiões de trabalho, es mulando-a onde for insuficiente eapoiando-a nos momentos de crise.

A intervenção do Estado no setor econômico deve ocorrer também para propiciar o equilíbrio , e, nestascondições, será ela supletiva, exigida e limitada no tempo, para que não se fira o princípio da livre iniciativa nocampo econômico:

O Estado tem também o direito de intervir quando situações par culares de monopólio criem atrasosou obstáculos ao desenvolvimento. Mas, além destas tarefas de harmonização e condução doprogresso, pode desempenhar funções de suplência em situações excepcionais, quando setoressociais ou sistemas de empresas, demasiado débeis ou em vias de formação, se mostram inadequadosà sua missão. Estas intervenções de suplência, jus ficadas por urgentes razões que se prendem com obem comum, devem ser, quanto possível, limitadas no tempo, para não re rar permanentemente aosmencionados setores e sistemas de empresas as competências que lhes são próprias e para nãoampliar excessivamente o âmbito da intervenção estatal, tornando-se prejudicial tanto à liberdadeeconômica como à civil.

Defende finalmente o princípio de subsidiariedade, segundo o qual uma sociedade de nível superior não deveinterferir na vida de uma sociedade de ordem inferior, privando-a de suas competências, mas deve estimulá-la e

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apoiá-la para que ela, com sua própria potencialidade, consiga realizar as finalidades sociais que se propôs. Ainterferência desmesurada, pelo chamado Estado assistencial, leva à atrofia do setor privado (que se acostuma aoprotecionismo) e hipertrofia o setor público, com enorme carga de custos:

… Ao intervir diretamente, irresponsabilizando a sociedade, o Estado assistencial provoca a perda deenergias humanas e o aumento exagerado do setor estatal, dominando mais por lógicas burocrá casdo que pela preocupação de servir os usuários com um acréscimo enorme das despesas. De fato,parece conhecer melhor a necessidade e ser mais capaz de sa sfazê-la quem a ela está mais vizinho e

vai ao encontro do necessitado…43

Dando sequência ao pensamento de seus antecessores, BENTO XVI, na Encíclica Caritas in Veritate, sinalizaque a crise econômica de 2008-2009 exige uma reavaliação do papel e da medida do poder do Estado, sempre comatenção aos valores humanos:

Hoje, aproveitando inclusive a lição resultante da crise econômica em curso que vê os poderes públicos doEstado diretamente empenhados a corrigir erros e disfunções, parece mais realista uma renovada avaliação doseu papel e poder, que hão de ser sapientemente reconsiderados e reavaliados para se tornarem capazes, mesmo

através de novas modalidades de exercício, de fazer frente aos desafios do mundo atual…44

8. O PENSAMENTO DE ARIÑO ORTIZ

8.1. Razões que determinaram a intervenção do Estado

Gaspar Ariño Ortiz45 faz uma análise das razões pelas quais surgiu o fenômeno da intervenção do Estado nosetor da economia, das formas primitivamente assumidas pela atuação do Estado, e das mudanças dessas formaspara formas impostas pelas tendências atuais, sempre à luz do princípio fundamental do respeito aos direitoshumanos e de sua garantia, bem como da subsidiariedade e da solidariedade.

A primeira razão da intervenção do Estado se situa no fracasso do mercado e na necessidade imperiosa derecriar o mercado. A intervenção teve por finalidade justamente garantir a livre competição no mercado, dando-lhe consistência. O Estado veio assumir tarefas que, sem a sua interferência, poderiam constituir-se emperturbadoras do funcionamento adequado do mercado: a existência de monopólios naturais, de estruturas demercado não competitivas (monopólio de fato, abuso de posição dominante, distribuição assimétrica de

informação), bens públicos e externalidades.46

A segunda razão consiste nos critérios de equidade na distribuição. Ante a insuficiência dos puros e naturaiscritérios econômico-capitalistas, torna-se necessária a intervenção estatal para se eliminarem as desigualdades. OEstado assume o compromisso de atuar na justiça distributiva, buscando uma justa distribuição da renda.

Uma terceira razão, a que mais tem dado azo a críticas e servido de repulsa à crescente atuação do Estado nosetor econômico, é a que “consiste na obtenção rápida de determinados objetivos de política econômica e naluta contra o ciclo da economia”. O Estado passa a exercer a função empresarial com o fim de conseguir maisprontamente metas que só demoradamente seriam alcançadas pelos particulares.

Em decorrência dessas razões de intervir, a atuação do Estado passou a assumir quatro modalidades: a de

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regulação econômica , a de atuação fiscal e financeira, a de iniciativa pública, com a criação de empresaspúblicas que atuam concorrencialmente com empresas do setor privado, e a de reserva ao setor público , com ousem monopólio de fato.

8.2. Modalidades da atuação governamental

8.2.1. Regulação econômicaA atividade neste campo pode dar-se sob o enfoque da edição de normas destinadas a, de alguma forma, influir

na concretização do fenômeno econômico, e para consegui-lo “o Governo condiciona, corrige, altera os parâmetrosnaturais e espontâneos do mercado”, mas neste caso o faz sob dois enfoques: o de uma simples fiscalizaçãoadministrativa da atuação dos agentes econômicos, e o de uma influência mais determinante, quer sob o aspecto deestímulo quer sob o de apoio da atividade econômica.

8.2.2. Atuação fiscal e financeiraTambém aqui o Estado permanece fora da atividade econômica, mas edita normas de conteúdo financeiro ou

fiscal através das quais impulsiona medidas de fomento ou de dissuasão. Concedendo benefícios fiscais ou impondocargas tributárias mais ou menos pesadas, o Estado estimula determinadas atividades econômicas ou desestimulaoutras.

8.2.3. Iniciativa públicaAqui, como observa Ariño Ortiz, o Estado adota uma “iniciativa pública empresarial na atividade econômica,

mediante a criação ex novo de empresas concorrenciais nas mesmas condições de mercado que podem adotar osagentes privados”. Observa ainda:

A a vidade empresarial do Estado não tem sido consequência, em nenhum país, de um planosistemá co de atuação, mas tem sido resposta ocasional e variada a específicas necessidades de cadalugar. Umas vezes foi a reconstrução nacional, depois de uma guerra devastadora, outras vezes a‘necessária’ socialização de empresas em crise (para manter o emprego), outras a promoção industrialde zonas do território subdesenvolvidas (…) ou o caráter estratégico de determinados abastecimentosnacionais (mineração de carvão).

Entende, contudo, que se deva dar sempre ênfase à iniciativa privada, que é sempre mais criadora e se presta asecundar o desenvolvimento da personalidade do indivíduo, devendo ser sempre regra numa sociedade aberta e livre.Em sua opinião, a atuação do Estado na economia somente se justifica na medida em que sirva aos interesses gerais:

A intervenção empresarial do Estado deve vir exigida por um interesse geral prevalente e certo, pelaexistência de uma especial u lidade pública em tal atuação, pela necessidade de atender anecessidades coletivas, que de outra forma ficariam desatendidas.

8.2.4. Reservas ao setor público

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Entende ainda que podem ser reservados ao setor público de forma exclusiva alguns setores da economia, o quese traduz numa negação da liberdade de empreender em tais campos:

[Tais reservas] supõem, em princípio, um monopólio de iure a favor da Administração, que pode serou não acompanhado de um monopólio de facto na medida em que esta assuma diretamente aexecução de tal a vidade em todos os seus âmbitos ou a outorgue, também de forma exclusiva, a umterceiro.

Assinaladas essas modalidades da atuação do Estado, procura demonstrar “as linhas de evolução do setorpúblico espanhol” nos últimos anos. Estas linhas específicas são as seguintes:

1. Tendência a uma redução da atuação do Estado na área empresarial. A principal crítica feita à atuaçãodireta do Estado no setor econômico se prende à sua ineficiência. Neste ponto emite opinião que certamentepropiciará muita polêmica:

É significa vo que os grandes defensores da empresa pública não são hoje os socialistas, mas osSindicatos, o que encontra sua explicação em dois fatos: no extraordinário “poder sindical” que segerou no interior das empresas públicas e na debilidade destas, tradicional, perante a negociaçãocole va, que permite aos trabalhadores obter melhores condições no setor público do que no

privado. Naturalmente, isto se consegue à custa do resto da sociedade.47

2. Tendência à austeridade, reforma e flexibilidade do gasto. No que tange ao financiamento da economiapor parte do Estado, introduzem-se alterações de profundo significado. Incrementa-se a poupança pública,diminuindo-se a quantidade de recursos públicos destinados à inversão, dando-se prioridade à destinação de capitalsocial à infraestrutura social e à educação. Busca-se acabar com os projetos faraônicos e aumentar a eficácia erentabilidade das inversões públicas. Procura-se principalmente cortar o desperdício e o fausto oficial.

3. Novo sentido e eficácia da regulamentação econômica. Observa Ariño Ortiz que, na economia espanhola,à diminuição da atuação do Estado substitui-se “um aumento, um novo sentido e maior eficácia da função reguladorado Estado na atividade econômica”. A regulamentação econômica assume a feição de trabalhar em consonância

com o mercado e com a finalidade de preservá-lo e de aperfeiçoá-lo.48

Ao terminar sua exposição, vale-se da alegoria mítica de Homero, conhecida pela frase “navegar entre Cila eCaribde”, para expressar o dilema em que vive hoje o Estado quando se trata de incrementar ou regular a atividadeeconômica. A inexistência de qualquer papel destinado ao Estado poderia levar à exacerbação do individualismo,mas uma ingerência desmesuradamente indevida do Estado poderia levar à supressão da iniciativa individual, em

tese originadora da criatividade, da inventividade e da produtividade.49

9. INTERVENÇÕES DIRETA E INDIRETAComo visto, as formas ou modalidades pelas quais o Estado intervém no setor econômico são diversas e cada

uma delas pode assumir as mais amplas esfumaturas. Vimos que o Estado pode atuar diretamente no domínioeconômico, e pode atuar só indiretamente. No primeiro caso, assume a forma de empresas públicas , nomegenérico que compreende no sistema jurídico brasileiro as empresas públicas propriamente ditas e as sociedadesde economia mista, assim mencionadas no art. 173, §§ 1º, 2º e 3º, da Constituição Federal. No segundo caso,

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atuação indireta, o Estado o faz através de normas, que têm como finalidade fiscalizar, incentivar ou planejar ; oplanejamento, como se verá, é somente indicativo para o setor privado. Esta forma de atuação do Estado estáprevista no art. 174 da Constituição Federal.

Através da atuação direta o Estado passa a atuar como empresário, comprometendo-se com a atividadeprodutiva, quer sob a forma de empresa pública quer sob a de sociedade de economia mista. Sob estas duasformas pode ele atuar em regime concorrencial , em que se equipara com as empresas privadas, ou em regimemonopolístico. Como exemplos do primeiro caso (regime concorrencial) podem ser apontados o da CaixaEconômica Federal e do Banco do Brasil, a primeira, como empresa pública federal, e o segundo, como sociedadede economia mista, atuam em regime de concorrência com as demais entidades bancárias do País. Como exemplosdo segundo caso (regime monopolístico), devem-se considerar a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e aPetróleo Brasileiro S.A. – Petrobras –, a primeira como empresa pública federal, e a segunda como sociedade deeconomia mista. O monopólio da primeira está consagrado no art. 21, X, e o da segunda no art. 177, I, II e III, da

Constituição Federal.50

A intervenção direta pode fazer-se ainda por um outro caminho: o Estado assume a gestão da empresa privada,passando a dirigi-la quando interesses de ordem social o exijam. Caso específico dessa forma de intervenção é aprevista na Lei n. 6.024, de 13.03.1974, em que o Banco Central do Brasil assume a direção de instituiçõesfinanceiras privadas e públicas não federais, com o intuito de normalizar o seu funcionamento ou, se isto for inviável,

de decretar e realizar a sua liquidação extrajudicial.51

Bernard Chenot e Alberto Venâncio Filho adotam a denominação de Direito Regulamentar Econômico paracaracterizar o conjunto de normas destinado a reger, estimular e incentivar a atividade econômica do setor privado, ea de Direito Institucional Econômico para a situação em que o Estado se imiscui diretamente na atividade

econômica.52 Já J. Simões Patrício, M. Afonso Vaz e L.S. Cabral de Moncada adotam a terminologia de

intervenção direta e intervenção indireta.53

10. A INTERVENÇÃO DIRETAA organização da intervenção direta do Estado no domínio econômico tem embasamento legal no Decreto-Lei

n. 200, de 25.02.1967, e na legislação subsequente, que o modificou substancialmente. O art. 4º daquele diplomalegal, após distinguir a Administração Pública Federal em direta e indireta, enumera, dentre as categorias deentidades que compõem esta última, as autarquias, as empresas públicas as fundações públicas e as sociedadesde economia mista. O legislador se preocupou em definir cada uma destas entidades. Interessam-nos as definiçõesde empresa pública e de sociedade de economia mista. Por empresa pública entende ele “a entidade dotada depersonalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por Lei para aexploração de atividade econômica que o governo seja levado a exercer por força de contingência ou deconveniência administrativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito” e por sociedade deeconomia mista “ a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por Lei para a exploraçãode atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua

maioria à União ou à entidade da Administração Indireta”.54 Determina ainda o § 1º do mesmo artigo que “quando aatividade for submetida a regime de monopólio estatal, a maioria acionária caberá apenas à União, em caráterpermanente”.

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É importante assinalar também que o art. 6º do mesmo diploma legal já submete as atividades da AdministraçãoFederal ao princípio e exigência fundamental do planejamento, colocando-o sob os parâmetros do “desenvolvimentoeconômico-social do País” e da “segurança nacional”.

11. A INTERVENÇÃO INDIRETAAo atuar indiretamente na condução, no estímulo e no apoio da atividade econômica empreendida pelos

particulares, o Estado adota determinadas formas de política econômica, peculiares a cada campo de atuação. Apolítica econômica tem como objetivos fundamentais, nos países desenvolvidos, assegurar o crescimentosustentado da economia, assegurar o pleno emprego dos fatores de produção , particularmente da mão de obra,uma relativa estabilidade de preços , e garantir o equilíbrio da balança de pagamentos. Para garantir aconsecução desses objetivos, deverá o Estado adotar uma série de medidas de política econômica que podemdizer-se instrumentos para alcançar aqueles objetivos fundamentais, mas que não têm por isso sua importânciadiminuída. É imperioso notar que a adoção de uma determinada medida não exclui outras, até porque a utilizaçãoisolada de certa medida terá efeitos negativos em outros setores, de tal forma que se pode e se deve afirmar que a

situação de equilíbrio buscada como perfeita continuará sendo sempre uma meta a ser alcançada.55

É evidente que nenhum governo tem condição de adotar simultaneamente e na mesma medida essas quatropolíticas fundamentais a que os economistas denominam de “quadrado mágico” (crescimento, pleno emprego,estabilidade de preços e equilíbrio exterior), por isso as necessidades conjunturais é que determinarão o

privilegiamento de uma ou outra dentre elas.56

A adoção de determinada política econômica leva também a conflitos com o objetivo de outra, como, porexemplo, a adoção de uma política energética pode levar, e frequentemente leva, a confrontos com aspreocupações de uma política ambiental. Podem ocorrer também conflitos entre os objetivos imediatos de umapolítica social e os de uma política de competitividade industrial.

Existem ainda limitações ou restrições de ordem geográfica, ou demográfica. Por exemplo, qual seria aperspectiva de implantação de uma política agrícola num país de diminuta extensão territorial ou de territóriodesértico? Qual seria a perspectiva de adoção de uma política de crescimento num país de grande explosãodemográfica?

Acentuem-se ainda as restrições de ordem concorrencial internacional, as políticas protecionistas que impedem odesenvolvimento de países em fase de desenvolvimento.

A originalidade e novidade de determinadas políticas econômicas depende ainda de situações conjunturaispeculiares a cada país. Por exemplo, os Estados Unidos tiveram que defrontar-se com o problema da concentraçãode empresas já no final do século XIX, e a partir de então tiveram que adotar uma política econômica garantidorada livre concorrência . Tal problema somente veio preocupar os países europeus a partir da Primeira GrandeGuerra. No Brasil, tal questão somente veio a aflorar a partir dos anos 30; basta ver que somente após aConstituição de 1934 é que houve a preocupação com os crimes contra a economia popular. A Lei n. 4.137, de1962, que estabelece entre nós as primeiras normas garantidoras da liberdade de concorrência, pode dizer-se um

diploma teórico privado de eficácia.57

Ressalte-se ainda que uma política econômica que consiga a adesão dos setores interessados tem muito maiores

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probabilidades de sucesso do que uma imposta autoritariamente. Daí porque atualmente os países se voltam para a

adoção de políticas econômicas através do consenso.58

Não se pode desconsiderar a necessidade do planejamento que tem como finalidade conferir racionalidade,coerência às políticas econômicas adotadas. O planejamento tem como finalidade fixar metas que servem de norte

para os esforços empreendidos.59 Somente um planejamento global, que preveja todo o contexto econômico e social,será capaz de conferir coerência e compatibilidade às medidas de política econômica a serem adotadas. Medidas depolítica econômica adotadas hoje devem estar em consonância com as metas previstas para serem alcançadas noperíodo de 10 a 20 anos (planos de longo prazo), ou de cinco anos (planos de médio prazo), ou de um a dois anos(planos de curto prazo).

Jacques e Colette Nême60 sugerem uma divisão das políticas econômicas em três grupos:

a) Polí cas Econômicas de Salvaguarda: que compreendem as polí cas de regulação demográfica, asde provisionamento de gêneros alimentícios e as de proteção ambiental;

b) Polí cas de Crescimento Equilibrado: que compreendem as polí cas de garan a da livreconcorrência, as polí cas industriais, as de pesquisa e desenvolvimento com a finalidade de es mulara criação tecnológica, as polí cas de emprego, as polí cas de equilíbrio regional, polí cas da educação,da participação dos trabalhadores;

c) Polí cas de Regulação Conjuntural: dentre elas se destacam as polí cas monetárias, a polí caorçamentária, as políticas de preços e as políticas de rendas.

Adotando uma outra perspectiva, Philippe Maystadt61 conceitua uma política econômica geral do Estado, emque inclui a política dos preços, a política de rendas, a política da moeda, da poupança e do crédito e a política deemprego, política relativa à concorrência e à dimensão das empresas, política ambiental, política relativa ao comércioexterior e às trocas e política de equilíbrio territorial. Num contexto de políticas setoriais, inclui a política de minas ede recursos do subsolo, a política energética, a política dos transportes, a política de melhoria e de construção demoradias, a política relativa a determinados ramos da indústria; por exemplo, da siderurgia, e a política relativa adeterminadas prestações de serviços, por exemplo, o turismo.

Poderíamos acrescentar como de magna importância para os países em desenvolvimento uma política dedesenvolvimento. O estudo sobre esse tema levaria ao estudo de outros de não menor importância. O trabalhoconsistirá numa pesquisa sobre a legislação brasileira, no levantamento de problemas relativos ao estágio dedesenvolvimento brasileiro e, se possível, ao levantamento do pensamento do Poder Judiciário. Nessa pesquisa,diversos outros temas poderão ser abordados, como política de privatização, política de integração com ospaíses do Cone Sul, política habitacional, política de salários, política de proteção ao consumidor,integrada no esforço de garantia da livre concorrência.

Afirma a este respeito Jean-Claude Paye: “Parece que o mundo inteiro, e não somente o mundoindustrializado, tenha entrado numa fase de monoteísmo em matéria de religião econômica. Quer seja aleste ou a oeste, quer seja ao sul ou ao norte, todos e cada um proclamam agora sua fé na economia de

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mercado. E o único credo que talvez seja conveniente exprimir parece ser a crença na economia demercado e em suas virtudes. Depois de tantos anos em que, em muitos países, o Estado nha por missão e,dizia-se, por dever compensar as imperfeições do mercado, e até mesmo de se subs tuir ao mercado paraguiar um desenvolvimento econômico e social racional e equita vo, dá-se uma mudança importante. Aeconomia de mercado parece que está para triunfar em todo lugar” (L’État à l’épreuve du marché:l’encadrement ins tu onnel de l’économie de marché. Revue Française d’Administra on Publique. n. 61,p. 19-23), jan.-mar. 1992.

Afirmou Holmes: “The life of the law has not been logic: it has been experience. The felt necessi es of theme, the prevalent moral and poli cal theories, intui ons of public policy, avowed or unconscious, even

the prejudices which judges share with their fellow-men, have had a good deal more to do than thesyllogism in determining the rules by which men should be governed. The law embodies the story of ana on’s development through many centuries, and it cannot be dealt with as if it contained only theaxioms and corollaries of a book of mathema cs. In order to know what it is, we must know what it hasbeen, and what it tends to become. We must alternately consult history and exis ng theories oflegisla on. But the most difficult labor will be to understand the combina on of the two into new productsat every stage. The substance of the law at any given me pre y nearly corresponds, so far as it goes, withwhat is then understood to be convenient; but its form and machinery, and the degree to which it is able towork out desired results, depend very much upon its past” (The common law. p. 5).

Ideologia Alemã. p. 39.

Ideologia Alemã. p. 19.

Crítica da Economia Política. p. 13.

Tratado de filosofia del derecho. 1974. p. 141-142.

Economía y derecho, según la concepción materialista de la historia – una investigación filosófico-social. 1929.p. 94.

Economía y sociedad: esbozo de sociología comprensiva. 1969. p. 251.

Ibidem. p. 251.

Ibidem. p. 251.

Ibidem. p. 252.

Ibidem. p. 272.

RAISER, Ludwig von. Il compito del diri o privato: saggi di diri o privato e di diri o dell’economia di tredecenni. 1990. p. 37.

Ibidem. p. 38.

Il compito del diritto privato: saggi di diritto privato e di diritto dell’economia di tre decenni. 1990. p. 39-41.

Ob. cit. p. 41-42.

Ob. cit. p. 44.

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Como acentua H. A. Schwarz-Liebermann von Wahlendorf, “o direito aparece sobretudo como o lugarprivilegiado em que se realiza a formulação dos princípios que devem reger as relações entre asindividualidades de diversas ordens (sujeitos de direito) na perspec va de sua associação, de umaassociação que brota das necessidades que estes sujeitos arrostam (em úl ma instância, sempre homens,individualidades humanas) desde que se trate de organizar sua sobrevivência, nas condições deinterdependência e portanto de comunicação. (...) O ato de comunicação do direito se situaessencialmente no nível da decisão concreta, porque é ela que dá vida ao direito. A interpretação é acondição permanente e inexorável da realização, da atualização do direito. Ora, a interpretação implicauma maneira de compreender, e uma maneira de compreender está, ainda, ligada à formulação de termos;e mais, a exteriorização de uma compreensão está necessariamente ligada à linguagem no sentido ‘normal’do termo. A linguagem emerge, na ordem do direito, segundo os dados e as condições de umahermenêu ca” ( Poli que, droit, raison: récueil d’études. 1982. p. 163, 165). O confronto entre Direito eEconomia reclama sempre, por parte do Estado e de seus órgãos, uma postura decisória. A importância dadecisão, como forma de solução desse conflito permanente, é mostrada por Tércio Sampaio Ferraz Júnior:“Decisão é termo correlato de conflito, que é entendido como conjunto de alterna vas que surgem dadiversidade de interesses, da diversidade no enfoque dos interesses, da diversidade das condições deavaliação, etc., que não preveem, em princípio, parâmetros qualificados de solução, exigindo, por issomesmo, decisão. (...) Decidir, assim, é um ato de uma série que visa transformar incompa bilidadesindecidíveis em alterna vas decidíveis, que, num momento seguinte, podem gerar novas situações atémais complexas que as anteriores. Na verdade, o conceito moderno de decisão liberta-a do tradicionalconceito de harmonia e consenso, como se em toda decisão es vesse em jogo a possibilidade mesma desafar-se de vez de uma relação de conflito. Ao contrário, se o conflito é condição de possibilidade dadecisão, à medida que a exige, a par r dela ele não é eliminado, mas apenas transformado” ( A ciência dodireito. 1977. p. 89-90).

Ensina André-Jean Arnaud que “a razão jurídica é o motor em virtude do qual um sistema jurídico se organizade maneira coerente e própria para realizar certos fins. A perspec va teleológica é inseparável do aspectoestrutural do sistema jurídico, cuja dinâmica ela jus fica. A razão jurídica é a condição necessária esuficiente da existência de um sistema jurídico. Isto deve entender-se de quatro maneiras: primeiramente,é necessária uma razão susce vel de ditar raciocínios e condutas uniformes e conformes com as finalidadesperseguidas; em segundo lugar, somente esta razão pode estabelecer um conjunto suficientementeadaptado, ordenado e consistente para ser considerado como racional; em terceiro lugar, um mesmosistema não pode ser animado por mais de uma razão; em quarto lugar, conflitos de razões nascem dasimultaneidade de sistemas jurídicos, e o sistema de direito imposto não pode deixar de levá-las em conta,sob pena, por esse mo vo, de manifestar-se rapidamente como ultrapassado e defasado” ( Cri que de laraison juridique: 1. où va la sociologie du droit? 1981. p. 27).

Assinala Max Weber: “É verdade que a u lidade de uma vocação, e sua consequente aprovação por Deus, éorientada primeiramente por critérios morais e depois pela escala de importância dos bens produzidospara a ‘coletividade’, colocando-se, porém, logo em seguida, um terceiro, e do ponto de vista prá co, maisimportante critério: a ‘lucratividade’ individual do empreendimento. Com efeito, quando Deus, em cujasdisposições o puritano via todos os acontecimentos da vida, aponta, para um de Seus eleitos, uma

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oportunidade de lucro, este deve aproveitá-la com um propósito, e, consequentemente, o cristãoautên co deve atender a esse chamado, aproveitando a oportunidade que se lhe apresenta”. “Se Deus vosaponta um meio pelo qual legalmente ob verdes mais do que por outro (sem perigo para a vossa alma oupara a de outro), e se o recusardes e escolherdes um dos fins de vossa vocação, e recusareis a ser o servode Deus, aceitando suas dádivas e usando-as para Ele, quando Ele assim o quis. Deveis trabalhar paraserdes ricos para Deus, e, evidentemente, não para a carne ou para o pecado”. Aqui cita Weber parte de umsermão do pastor puritano Richard Baxter (Works of the puritan divines. I, cap. X, 1, 9, § 24). Salienta HenriDenis que essa mesma a tude perante a riqueza foi assumida também entre os católicos – conformeconsta do estudo feito por R. H. Tawney, (La religion et l’essor du capitalisme. Trad. franc. Paris, 1951).

O sistema econômico se define como “um conjunto coerente de estruturas econômicas, ins tucionais,jurídicas, sociais e mentais organizadas com a finalidade de assegurar a realização de um determinadonúmero de obje vos econômicos (equilíbrio, crescimento, repar ção...)”. Existem diversas classificaçõesde sistemas econômicos, dentre as quais se destacam hoje o capitalismo e o socialismo. Quando umordenamento jurídico adota um sistema econômico, passa ele a ter o nome de regime econômico (cf. SILEM,Ahmed; ALBERTINI, Jean-Marie. Lexique d’économie. Verbete système économique).

Adam Smith enfa za essa tendência do mercan lismo: “Embora o encorajamento à exportação e odesencorajamento à importação cons tuam os dois principais instrumentos através dos quais o sistemamercan l propõe enriquecer os países, contudo, em relação a determinadas mercadorias, parece terseguido um plano oposto: desencorajar a exportação e encorajar a importação. Todavia, segundo parece, oseu obje vo úl mo é sempre o mesmo – enriquecer o país através de uma balança comercial vantajosa” ( Ariqueza das nações. Gulbenkian, 1983. livro IV, cap. VIII, p. 217).

Assinala Pierre Deyon: “Mas o elemento comum, o elemento essencial é a teoria da balança comercial, oumais exatamente a convicção de que uma ação harmonizada, dirigida pelo Estado, deve permi r oequilíbrio posi vo desta balança; fonte de prosperidade e de poder. Esta permanente preocupação com oequilíbrio das importações e das exportações faz a realidade e a unidade do pensamento mercan lista” (Omercantilismo. 1973. p. 57).

A riqueza das nações. Gulbenkian, 1983. livro IV, cap. VII, p. 199.

A riqueza das nações. Gulbenkian, 1983. livro IV, cap. II, p. 755, 757-758.

Cf. VAZ, Manuel Afonso. Direito económico: a ordem económica portuguesa. 1990. p. 75.

As reações a esse liberalismo exacerbado já podem ser encontradas, mitigadamente, no constitucionalismode meados do século XIX. A Cons tuição francesa de 1848 já estabelecia, no seu art. 13: “A Cons tuiçãogarante aos cidadãos a liberdade do trabalho e da indústria. A sociedade favorece e encoraja odesenvolvimento do trabalho pelo ensino primário gratuito, a educação profissional, a igualdade dedireitos entre patrão e trabalhador, as ins tuições de previdência e de crédito, as ins tuições agrícolas, asassociações voluntárias, e o estabelecimento, pelo Estado, pelos departamentos e pelas comunas, detrabalhos públicos próprios para empregar os braços desocupados; ela fornece a assistência aos meninosabandonados, aos enfermos e aos velhos sem recursos, e aos quais suas famílias não podem socorrer”.

Como acentua G. Farjat, “os economistas colocam geralmente entre os anos 1850 a 1880 o aparecimento de

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um novo po de capitalismo (o capitalismo de grupo, ou oligopolís co, ou simplesmente ‘ o novo Estadoindustrial’ ), ou do verdadeiro capitalismo (a sociedade anterior sendo uma sociedade ‘pré-industrial’). Osjuristas colocam geralmente mais tarde o período das mutações jurídicas: o período entre as duas guerras,período marcado por uma intervenção do Estado, cuja intensidade muda as estruturas jurídicas” (Droitéconomique. 1982. p. 141).

Afirma Farjat que “a concentração capitalista é o fenômeno decisivo do direito econômico. É ela que está naorigem de todas as grandes mutações das sociedades industriais: a intervenção do Estado (teremos ocasiãode voltar a isto) é uma consequência da concentração. Mas, além do direito econômico, o nascimento e odesenvolvimento do direito do trabalho e do direito social são também consequências da concentração.Enfim, o direito do consumo e o direito do meio ambiente da qualidade de vida o são também em grandemedida” (ob. cit. p. 143).

Em 28.06.1919.

De 11.08.1919.

Aliás, o texto da Cons tuição de Weimar, no seu art. 17, estabelecia que “cada estado deve ter umaConstituição liberal”, no sentido predominantemente político, é verdade.

É esta a perspec va de Mar n Bassols Coma, que diz ser necessário “aprofundar os componentesfundamentais da fenomenologia da intervenção: o sujeito passivo da intervenção – a empresa –, o mo voou causa jus fica va – o interesse geral – e o sujeito a vo – o setor público – habilitado para concre zar asmodalidades da intervenção. É óbvio que o tratamento jurídico do fenômeno empresarial é, na maioria dasvezes, unidimensional e tradicionalmente tem sido contemplado desde uma ó ca puramente patrimonial,atendendo somente à problemática que afeta o capital, marginalizando-se os interesses dos que trabalhamnela e o interesse que para a cole vidade representa a empresa em si mesma considerada comoorganização econômica produ va”. Dentro desse contexto é que se mostra a diferença entre o modeloclássico de economia de mercado que só se preocupava com a defesa dos interesses dos credores, e omodelo concre zado pelo Direito moderno: “Diante da realidade da liquidação da empresa em mãos doscredores, o Direito moderno teve que reagir, quer através de meios priva stas (aperfeiçoamento dosprocedimentos concursais), quer através de procedimentos de intervencionismo público, para salvaguardara con nuidade da empresa ou evitar antecipadamente sua liquidação” ( Cons tución y sistema económico.2. ed. 1985. p. 209-210).

O art. 116 assim determina: “Por mo vo de interesse público e autorizada em lei especial, a União poderámonopolizar determinada indústria ou a vidade económica, asseguradas as indenizações devidas,conforme o art. 112, n. 17, e ressalvados os serviços municipalizados ou de competência dos Podereslocais”.

O art. 117 assim dispõe: “A lei promoverá o fomento da economia popular, o desenvolvimento do crédito e anacionalização progressiva dos bancos de depósito. Igualmente providenciará sobre a nacionalização dasempresas de seguros em todas as suas modalidades, devendo cons tuir-se em sociedades brasileiras asestrangeiras que atualmente operam no País. E o parágrafo único deste ar go determina: “é proibida ausura, que será punida na forma da Lei.”

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A Lei n. 4.137, de 1962, vigorou até 1994, quando foi revogada pela Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994, quevigora ainda. Está em tramitação no Congresso Nacional projeto de lei que revoga a lei atual.

Assinala Arturo Israel, conselheiro principal junto ao Banco Mundial: “Todos falam do consenso rela vo àsestratégias de desenvolvimento pelo mercado que todos os países em desenvolvimento atualmenteperseguem e per nente à necessidade de redefinir o papel do Estado, papel que não deve mais ser deprodução e de controle, mas de catálise ou de facilitação. Há também consenso sobre o fato de que é aqualidade antes que o tamanho do setor público que interessa. Mas tem-se descuidado de saberprecisamente o que convém entender com isso, ou seja, de saber o que cons tui a diferença entre os‘novos’ e os ‘antigos’ setores públicos” (L’État, garant du futur de l’économie de marché. In: RevueFrançaise d’Administra on Publique, n. 61, jan.-mars 1992. p. 139). É importante referir também opensamento de Gaspar Ariño Or z: “Assis mos, nos úl mos anos, em todos os países do mundo ocidental– não precisamos dizer do oriental, depois da queda do regime comunista – a uma generalizada tomada deconsciência de crise do público. Aquilo que, faz cinquenta anos, foi a expressão de entusiasmo de toda aEuropa pela empresa pública como grande instrumento do novo Estado social que eclodiu depois daSegunda Guerra Mundial, en trou hoje em crise. Vem-se estendendo a convicção de que o Estado de bem-estar, com seus níveis de gasto público cada vez mais altos, com sua baixa eficiência em muitas de suasa vidades, não poderia perdurar e que alguém viria antes ou depois dizer: ‘acabou-se a festa, voltemos atrabalhar’” (Economía y Estado: crisis y reforma del sector público. 1993. p. 25).

Como o acentua Yves Cannac, “será necessário que, fundamentalmente, o Estado realize uma mudança decultura. Isto pode parecer ar ficial, mas as empresas se dedicam, também, elas a transformar sua cultura.Trata-se de fazer evoluir a cultura de Estado de uma cultura de comando para uma cultura de serviço,porque, mesmo quando ele desempenha sua função de regulação, creio que ele deva concebê-la comouma maneira de servir à sociedade e não com arrogância. Isto vai desde o modo com que se elabora umaregra, mesmo inferior – que implica que haja uma preocupação séria com as condições nas quais ela poderáser aplicada pelos administrados ou pelas empresas, em lugar de publicá-la brutalmente – até aocomportamento do agente de guichê e até ao do diretor ou do ministro. Por espírito provoca vo, pode-selembrar que, no Japão, é o Primeiro Ministro que visita o empresariado e não o inverso. É uma maneira deafirmar que o Estado está a serviço da sociedade e que ele deve reduzir sua especificidade à parte que éverdadeiramente necessária” (Modernisa on de l’État: l’essen el reste à faire. In: Revue Françaised’Administra on Publique, n. 61, p. 149, janv.-mars 1992). Acentua Jean-Bap ste de Foucauld, Comissáriodo Plano, que “a descentralização se tornou hoje objeto de um amplo consenso e cons tui já umaaquisição de nossa sociedade. Ela modificou profundamente os circuitos da decisão e da ação públicas. Elacons tui um novo dado da reflexão concernente ao cidadão, à solidariedade nacional e territorial. Ela étambém um componente essencial da reforma do Estado, não podendo estas duas questões serdissociadas” (Décentralisation: l’âge de raison. 1993. p. 5).

COSSÉ, Pierre-Yves. Un Avenir à Inventer. In: Revue Française d’Administra on Publique, n. 61, p. 155-158,janv.-mars 1992.

O princípio da subsidiariedade pode ser entendido num duplo sen do. Segundo Michel Gentot, numaprimeira acepção, “o Estado não deve fazer o que a sociedade pode fazer e ele não deve subs tuir-se nosesforços e nas inicia vas das empresas, dos cidadãos e de seus grupamentos. O segundo aspecto do

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princípio de subsidiariedade é mais conhecido, e significa que o Estado não deve reger do centro o quepode sê-lo alhures, isto é, da periferia, através de mecanismos de descentralização e de desconcentração,mas também por meio de organismos públicos que permanecem na órbita do Estado, embora atuandoindependentes ao mesmo tempo dos ministros e do poder político” (Un double principe de subsidiarité. In:Revue Française d’Administra on Publique, n. 61, p. 153, janv.-mars 1992). Também Ariño Or z analisa oprincípio de subsidiariedade: “Com frequência o princípio de subsidiariedade se refere a dois fenômenosdiferentes: um é o que poderíamos chamar de subsidiariedade institucional, o que significa que não devemcentralizar-se no mais alto nível aquelas decisões que possam ser adotadas com igual ou maior eficiência aum nível polí co e administra vo inferior e, por conseguinte, mais próximo aos cidadãos. Este princípiotem sido defendido nas relações intergovernamentais, tanto nacionais (é o que se conhece com o nome dedescentralização político-administrativa: reserva aos Governos regionais e locais de todas aquelas questõesque afetem predominantemente seus interesses), como na ordem internacional: transferência aos órgãosdas organizações supranacionais – é o caso da Comunidade Europeia – só daquelas questões em que estejacomprome do o interesse comum, mantendo-se as competências em todas as demais questõesreservadas a cada Estado. Mas há outro sen do diferente do princí pio de subsidiariedade que se refere àsrelações entre o indivíduo e o Estado. Nesta ordem, o princípio contempla não uma questão organiza vamas substancial: qual deve ser o grau de intervenção e protagonismo do Estado na vida econômica e socialde um país, e qual deve ser o âmbito de livre atuação dos cidadãos e dos grupos sociais intermediários”(Economía y Estado: crisis y reforma del sector público. 1993. p. 64-65).

FARJAT, Gérard. Las enseñanzas de medio siglo de derecho económico. Estudios de derecho económico. II, p.13.

Afirma o Papa no Cap. V, n. 47: “Após a queda do totalitarismo comunista e de muitos outros regimestotalitários e de ‘segurança nacional’ assis mos hoje à prevalência, não sem contrastes, do idealdemocrá co, em conjunto com uma viva atenção e preocupação pelos direitos humanos. Mas, exatamentepor isso, é necessário que os povos, que estão reformando seus regimes, deem à democracia um autên coe sólido fundamento mediante o reconhecimento explícito dos referidos direitos” (Centesimus Annus. Ed.Paulinas. p. 87).

Defende Gomes Canotilho o princípio da democracia econômica e social colocando-o em contrariedade como da subsidiariedade, mas dá a este úl mo um conteúdo significacional diferente do que aqui se examina:“O princípio da democracia econômica e social exclui o princípio da subsidiariedade como princípiocons tucional. O princípio da subsidiariedade, tradicionalmente erigido em princípio cons tucional,significava que o Estado nha uma função apenas acessória ou complementar na conformação da vidaeconômica e social. Era uma ideia do capitalismo liberal. Todavia, como suges vamente foi salientado, oEstado, ao converter-se em Estado socialmente vinculado, colocou-se em ‘oposição à ideia desubsidiariedade ’. Isto não significa que tenha sido eliminado o princípio da autorresponsabilidade: cadaum tem, em princípio, capacidade para obter um grau de existência digno, para si e para a sua família(arqué po do ‘Grande-Pai’). O princípio da democracia econômica social e cultural é, porém, umaimposição cons tucional que obriga à adoção de medidas existenciais para os indivíduos e grupos que, emvirtude de condicionalismos pessoais ou de condições sociais, encontram dificuldades no desenvolvimentoda personalidade, em termos econômicos, sociais e culturais” (Direito Constitucional. 1991. p. 476).

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Caritas in veritate, § 24.

Economia y Estado: crisis y reforma del sector público. Madrid: Marcial Pons, 1993.

Por externalidades entende-se “a consequência nega va ou posi va da interdependência dos agenteseconômicos que escapa ao sistema de apreciação do mercado. A consequência benéfica para um agentedecorrente da ação de um outro agente é chamada economia externa; a consequência desfavorável ounociva é uma deseconomia externa” (Léxique d’économie. Cf. verbete Effet externe ou externalité).

Economía y Estado: crisis y reforma del sector público. 1993. p. 56-57.

Economía y Estado: crisis y reforma del sector público. 1993. p. 47-62.

Vale aqui lembrar o pensamento de José Eduardo Faria: “A negociação rela va a um formato mais originaldas ins tuições polí cas nacionais, em condições de propiciar o prevalecimento da ‘ razão da sociedade’frente à clássica ‘razão de Estado’, mediante regras de procedimento capazes de neutralizar o arbítriogovernamental explícito, difuso ou simbólico, se assenta, como se vê, na produção de um novo ‘sen do deordem’. Entre outras razões porque as ins tuições de direito vigentes, ainda apegadas a uma tradiçãoindividualista que remonta ao Corpus Juris do an go direito romano, às an gas Ordenações do direitofilipino e ao Código Civil francês do começo do século XIX, não apenas encontram enormes dificuldadespara colocar em perspec va democrá ca os fenômenos socioeconômicos cada vez mais complexos, pormeio de uma ampla reorganização e racionalização de burocracias estatais demasiado pesadas eemperradas para a execução de novas polí cas públicas, como também já não dão mais conta dos inúmerosconflitos cole vos que, mul plicando-se e intercruzando-se con nuamente, estão por trás da erosão dostradicionais mecanismos de formação das iden dades cole vas” ( Direito e economia na democra zaçãobrasileira. 1993. p. 149). O dilema entre a preponderância do interesse do Estado ou da segurança da pessoahumana é focalizado com profundidade por Mireille Delmas-Marty: “por detrás de cada Estado se esconde,como uma tentação permanente e qualquer que seja o regime polí co, a tentação da razão de Estado. Aesta tentação sempre ameaçadora quis-se opor um Estado de razão, de que a Convenção Europeia dosDireitos do Homem teria cons tuído a consagração em nível europeu” (Raisonner la raison d’État: vers uneEurope des droits de l’homme. 1989. p. 13). E mais adiante completa: “considerar que a necessidade possater vantagem sobre a lei representa de qualquer forma uma negação do Estado de direito e da garan aessencial que dele se espera: a segurança pessoal” (ibidem. p. 21).

A atuação da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos está prevista na Lei n. 6.538, de 22.06.1978.

J. Simões Patrício assinala caso idên co no Direito português, através do Decreto-Lei n. 574-A, de 12 deoutubro de 1974: “Tal diploma veio facultar ao Governo ‘intervir na administração’ das ins tuições decrédito e parabancárias – nomeando delegados seus administradores ou uma comissão administra va –desde que a extensão e a con nuidade da ‘situação de desequilíbrio’ em que se encontrassem taisempresas pudessem afetar o regular funcionamento delas ou tendessem a perturbar as condições normais(de funcionamento) dos mercados monetário, cambial ou financeiro” ( Curso de Direito Econômico. 2. ed.1981. p. 402-403).

Diz B. Chenot: “Durante o mesmo período, as leis e os regulamentos nos revelam derrogações, cada vez maisnumerosas e cada vez mais graves, aos princípios do individualismo liberal. O estatuto das profissões, a

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legislação social e até uma legislação estritamente econômica caracterizam em numerosos pontos umaevolução do direito” (Organisa on économique de l’État. 1965. p. 54). E quanto à a vidade estatal: “Umadupla cadeia de sintomas anuncia também o dirigismo. Ao mesmo tempo que o poder procura impor suavontade, por lei ou regulamento, aos atores da vida econômica, ele penetra entre eles e se imiscui mais oumenos abertamente na gestão dos negócios industriais e comerciais. O desenvolvimento das empresaspúblicas, entre as duas guerras, sublinha por seu turno a evolução do direito” (ibidem. p. 57). No mesmosen do, Venâncio Filho: “Adotamos, também, a classificação de Chenot, dividindo o Direito PúblicoEconômico em dois grandes setores: o Direito Regulamentar, que trata das formas regulamentares daintervenção do Estado, sendo a sua forma extrema o dirigismo total; e o Direito Ins tucional, em que oEstado se transforma em atos da vida econômica, apresentando como caso limite o cole vismo total” (Aintervenção do Estado no domínio econômico: o direito público econômico no Brasil. 1968. p. 69).

Segundo o ponto de vista de M. Afonso Vaz, “quando se fala da iniciativa econômica pública, da coexistênciade três setores de propriedade dos meios de produção e da reserva de setor público, está a referir-se um

po de atuação econômica do Estado substancialmente diferente daquela intervenção do Estado que seexpressa na imposição de limites à a vidade econômica privada. A dis nção baseia-se agora nos sujeitosque detêm o domínio da a vidade econômica, designando-se de intervenção direta se é o próprio Estadoque assume o papel de agente econômico e de intervenção indireta se o Estado condiciona, mo va ouenquadra o comportamento dos agentes econômicos dele independentes, sem tomar parte a va noprocesso produ vo, ou seja, não se assumindo como produtor ou distribuidor de bens ou serviços. Aofalarmos aqui de inicia va econômica pública temos essencialmente em vista a intervenção direta doEstado na economia, até porque a intervenção indireta não é propriamente uma a vidade econômica doEstado, mas a imposição de limites ou a concessão de bene cios à a vidade econômica dos par culares.Esta é uma intervenção ‘regulamentadora’, aquela é uma intervenção ‘produtiva’. No âmbito daintervenção direta distinguiremos a atuação do Estado em regime de monopólio, em regime de concorrênciae no uso de instrumentos específicos de ‘apropriação’ da propriedade ou da gestão das empresas privadas”(Direito econômico. 2. ed. 1990. p. 126-127). Cf. PATRÍCIO, Simões. Curso de direito econômico. 1981. p.327-718; MONCADA, Cabral de. Direito econômico. 2. ed. 1988. p. 183-397).

Essas são definições legais, dadas nos incisos II e III, respectivamente, do artigo 5º do Decreto-lei n. 200/67.

“Os economistas e os homens polí cos, como afirmam M. Bertonéche e J. Teulié, estão perenemente àprocura da receita mágica, que assegure ao mesmo tempo o pleno emprego e a estabilidade dos preçossem comprometer o crescimento da economia e o equilíbrio exterior. E a polí ca econômica surge, cadavez mais, como uma mistura de medidas técnicas e de componentes psicológicos e sociológicos. O sucessode um programa, qualquer que seja, supõe um certo consenso da cole vidade nacional ( Théorie macro-économique: textes fondamentaux. 1977. p. 464).

A este respeito, a opinião de Jacques e Cole e Nême: “Se estas quatro exigências se manifestam poucoconciliáveis, os governos serão levados a preferir uma ou outra dentre elas: o crescimento no Japão e naFrança depois da guerra, como na Espanha dos anos 60; o pleno emprego na Suécia e na Noruega; aestabilidade dos preços na RFA e na Suíça, o equilíbrio exterior para os Estados Unidos no fim dos anos 80”(Politiques économiques comparées. 1989. p. 17).

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A Lei n. 4.137, de 1962, foi revogada pela Lei n. 8.884, de 1994, que está atualmente em vigor. Tramita noCongresso Nacional o PL n. 06/2008, que reformulará totalmente o ordenamento da concorrência.

Observam Jacques e Cole e Nême que não se deve colocar nos textos legais demasiada severidade, poisque “as polí cas dos países la nos são frequentemente mais rigorosas em sua formulação do que em suaaplicação; enquanto que no Japão a oficiosa pressão dos poderes públicos – como o histórico imposto sobreo chá do establishment britânico –, invocando o interesse geral, tem resultados substanciais. Às vezes atémesmo a ausência de uma verdadeira polí ca econômica pode ser seguida por sucessos brilhantes, comopara os preços desde uns quarenta anos na RFA – enquanto que a longa prá ca de regulamentação francesateve efeitos pouco convincentes” (ibidem. p. 22).

Philippe Maystadt, referindo afirmação de R. Maldague (Le débat sur la planifica on en belgique,intermédiaire. 28 juin 1974), entende que “a única visão realista de um Plano, ao mesmo tempo cada vezmais di cil e indispensável, é a de um quadro de referência inserido numa perspec va de mais longotermo, no qual os poderes públicos iden ficariam alguns obje vos prioritários traduzidos em programasconcretos ‘finalizados’ e precisados cada ano, de orçamento em orçamento” (Poli ques d’interven on del‘État et administra on économique. In: FAVRESSE, Jean-Michel. Aspects juridiques de l’interven on despouvoirs publics dans la vie économique. 1976. p. 27).

Politiques économiques comparées. 1989. p. 40-42.

Poli ques d’interven on de l’État et administra on économique. In: Aspects juridiques de l’interven ondes pouvoirs publics dans la vie économique. 1976. p. 33-94.

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O NOVO PAPEL DO ESTADO

1. UMA NOVA PERSPECTIVA PARA O ESTADOPode-se afirmar que, após a crise de 1929, houve um período de crença no poder do Estado, no seu potencial de

organizar a economia. Essa crença foi alimentada pelas teorias de J. M. Keynes,1 o que leva a verem-se duasperspectivas no fenômeno do intervencionismo econômico, a intelectual, representada pelas ideias de Keynes, e ainstitucional, efetivada pelo desenvolvimento de uma administração pública econômica.

A partir, contudo, dos anos 60, alguns teóricos começam a questionar e avaliar os resultados da intervençãoefetuada pelo Estado e chegam à conclusão de que os custos da intervenção foram maiores do que os que teriamocorrido se se tivesse deixado o mercado organizar-se e reordenar-se pelos seus próprios mecanismos. Os custos daintervenção se manifestaram maiores, primeiramente pelo excessivo crescimento dos órgãos estatais encarregadosde intervir na economia, e, em segundo lugar, pela manifesta ineficiência provocada principalmente pelo esgotamentoda capacidade estatal de investir em novas tecnologias, causando a deterioração do serviço público a ser prestado.

Teve grande influência sobre essa nova posição o trabalho de Friedrich von Hayek, para quem a crise obedece auma lógica própria, que permite prevê-la e até mesmo preveni-la. Mas, uma vez desencadeada a crise, não será

possível sofreá-la, devendo-se simplesmente acompanhar o seu desenvolvimento até o fim.2 Este pensamento, quelevou à concepção do Estado mínimo, teve sua expressão nos Estados Unidos a partir dos trabalhos de Ronald

Coase.3

Assiste-se, a partir de então, a uma reabilitação do mercado, obviamente em moldes bem diferentes. Comoassinalado em capítulo anterior, já anteriormente à promulgação da Constituição de 1988, tinham sido já editados doisimportantes diplomas legislativos: o Decreto n. 91.991, de 28 de novembro de 1985, e o Decreto n. 95.886, de 29de março de 1988, que instituía o Programa Federal de Desestatização, com vistas à privatização edesregulamentação. Surgiu em 1990 a Medida Provisória n. 155, de 15 de março de 1990, que institui o ProgramaNacional de Desestatização, ultrapassando assim o âmbito federal. Essa Medida Provisória se transformou na Lei n.8.031, de 12 de abril de 1990. Esta lei foi reformulada pela Lei n. 9.491, de 1997. A linha de pensamento dessePrograma é a de reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privadaatividades indevidamente exploradas pelo setor público. O Estado não é eliminado, mas assume funções novas,até então desconhecidas com sua nova caracterização. E o Direito Econômico, como conjunto de normas que regema organização do mercado, vem não somente presidir à elaboração das novas regras de conduta no mercado, mas

sobretudo informar a criação e aplicação dessas regras.4

A partir de 1985, com o fenômeno da desregulamentação, ocorre um apagamento das chamadas economiasnacionais. O fenômeno da economia mundial, com sua interinfluência constante, leva o mundo a perspectivas novasna elaboração das normas destinadas a reger o fenômeno econômico. Os direitos comunitários, com a tendência deincrementar cada vez mais a formação de grandes blocos econômicos, têm uma influência gigantesca na formulaçãodos princípios que regerão a economia do futuro.

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1.1. A perspectiva dos blocos econômicosUm outro fenômeno deverá ser levado em conta na atuação/interferência do Estado no âmbito das atividades

econômicas. Enquanto cada Estado procura dirigir sua economia, adotar suas políticas econômicas e atuar comoempresário, dentro de seu limite territorial e como afirmação de sua soberania política e econômica, a Europa vêsurgir, paralelamente a ideia de um mercado comum, cujas regras devem ser compatibilizadas, harmonizadas. ODireito Econômico Comunitário surge assim como um sistema vivo, susceptível de gerar conflitos com os direitos

nacionais no que respeita à adoção de políticas econômicas.5

1.2. As agências reguladorasEmbora se possa dizer que exista uma tendência para afastar a aplicação dos pressupostos da teoria keynesiana

e uma tentativa muito forte para reabilitar a economia de mercado , substituindo-se assim os instrumentos deregulação estatal do mercado por outros existentes dentro do próprio mercado e que seriam capazes de atuar comoreguladores, é evidente que o Estado não pode omitir a sua função de ator dentro do mercado. Resta saber qual onovo papel que será atribuído a este velho e desgastado ator, que sempre ressurge das cinzas com uma nova feição.

Não se pode querer afastar completamente o Estado do compromisso segundo o qual o progresso materialdecorre da lógica da evolução do mundo, pois que ele passa a atuar como o garantidor da coerência e da segurançadessa nova forma de regulamentação dos comportamentos humanos.

Lembra Gentot que, nos Estados Unidos, as agências (executive agencies) surgiram como uma extensão dopoder executivo e dele dependentes. Dentre as primeiras podem citar-se a Interstate Commerce Commission,criada em 1887, o Conselho dos governadores do Federal Reserve System, em 1913, a Federal TradeCommission, em 1914, a Securities and Exchange Commission, em 1934, a Federal CommunicationCommission, em 1934, e a National Labor Relations Board, em 1935. Naquele país vem-se discutindo ainda hojea extensão dos poderes do Executivo, com base no art. II da Constituição dos Estados Unidos: “O poder executivoé confiado ao Presidente dos Estados Unidos “. Questiona-se, em decorrência disso, a independência das

Agências perante o Poder Executivo.6

Como se vê, a origem das agências reguladoras remonta ao século XIX, nos Estados Unidos. Em 1877, na

decisão Munn v. Illinois7, e em 1886, na decisão Wabash v. Illinois8, a Suprema Corte afirma que “com base nospoderes decorrentes da soberania, um governo pode regular a conduta de seus cidadãos reciprocamente, e,quando necessário para o bem público, a maneira pela qual cada um poderá usar sua propriedade”.

Como decorrência desse posicionamento judicial, o governo dos Estados Unidos cria, em 1887, a primeira agênciareguladora, a Interstate Commerce Commission (ICC) para os transportes ferroviários.

A partir da crise de 1929 e com a adoção das medidas de recuperação propostas por JOHN MAYNARDKEYNES, com o New Deal, foram criadas 38 agências.

O estudo que já foi feito nos capítulos anteriores revelou um período de um Estado garantidor da ordem liberal,um período de intervenção e um terceiro em que o Estado passou ao mesmo tempo a regulamentar e a atuar nodomínio econômico. Convém enfatizar mais uma vez que, enquanto a Constituição de 1967 instituía uma profundaintervenção e atuação do Estado no campo econômico, os Planos Nacionais de Desenvolvimento propugnavam pelainstitucionalização de uma economia de mercado.

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A atuação governamental no domínio econômico perdeu o nível de atuação direta, por força do disposto no art.173 da Constituição Federal, mas conservou o potencial de sustentáculo de atividades econômicas deficientes oumesmo de atenuador das situações e períodos de crise. Sob este aspecto assumem grande importância as políticaseconômicas, quer aquelas estruturais, quer as conjunturais, as de curto, médio ou longo prazo, políticas globais,setoriais ou mesmo regionais.

Para a consecução desses objetivos, a política econômica poderá servir-se da fiscalização, do incentivo ou doplanejamento. Dois aspectos, que se inserem dentro das duas últimas formas de atuação como agente normativo eregulador da atividade econômica poder-se-iam apontar as chamadas ajudas públicas e também a

planificação.9

O impulso para as reformas implantadas nesse setor tem seu ponto de partida na redação do art. 175 daConstituição Federal, que prevê a prestação de serviços públicos sob o regime de concessão ou permissão, sempreatravés de licitação.

Art. 175. Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão oupermissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especialde seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão daconcessão ou permissão;

II – os direitos dos usuários;

III – política tarifária;

IV – a obrigação de manter serviço adequado.

Para dar exequibilidade ao fundamento estabelecido no art. 175, vieram a lume a Lei n. 8.987/95, que dispõesobre o regime de concessão e permissão, e, a partir dela a Lei n. 9.074/95, que, no seu art. 4º, dispõe que “asconcessões, permissões e autorizações de exploração de serviços e instalações de energia elétrica e deaproveitamento energético dos cursos de água serão contratadas, prorrogadas ou outorgadas nos termos desta e da

Lei n. 8.987, de 1995, e das demais.10

Na medida em que os serviços públicos passam a ser executados pelas empresas, através do processo deprivatização, ao Estado é atribuída outra função, aliás também prevista na Constituição, que, no art. 174, estabeleceque, “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, asfunções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativopara o setor privado”.

Como as atividades econômicas privatizadas são de grande diversidade e de especialidades bem demarcadas, oEstado cria agências também diversificadas e especializadas para o exercício das incumbências constitucionais.Como veremos adiante, o Brasil vai já encontrar modelos de agências reguladoras que lhe servirão de protótipos

para a criação da nossa realidade regulatória.11

Atualmente, estão já criadas as seguintes agências reguladoras:

• Banco Central do Brasil – BACEN (Lei n. 4.595/64)

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• Agência Espacial Brasileira – AEB (Lei n. 8.854/94)

• Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL (Lei n. 9.427/96)

• Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL – (Lei n. 9.472/97)

• Agência Nacional do Petróleo – ANP – (Lei n. 9.478/97)

• Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA (Lei n. 9.782/99)12

• Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS – (Lei n. 9.961/00)

• Agência Nacional de Águas – ANA – (Lei n. 9.984/00)

• Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA – (Medida Provisória n. 2.157-5/01, revogada pela LeiComplementar n. 124/07, que restituiu a sigla SUDAM)

• Agência Nacional do Cinema – ANCINE – (Medida Provisória n. 2.228/01

• Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Terrestres –ANTT – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT (Lei n. 10.233/01)

• Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC – (Lei n. 11.182/05)

1.3. Os poderes das agênciasA característica da independência das agências perante o Poder Executivo provoca dois questionamentos

importantes. O primeiro deles é o relativo ao “poder de decisão”. Se são independentes, somente podem conceituar-se como agências reguladoras se tiverem real poder de decisão na área de atuação que lhes é afeta. Teriam elaspoder de decisão, ou estariam adstritas ao cumprimento de uma política traçada previamente pelo governo? Osegundo é pertinente à extensão do poder normativo. Poderiam elas criar normas jurídicas e, consequentemente,aplicar sanções pelo seu não cumprimento? Ou a sua atuação somente poderia exercer-se através derecomendações, de pareceres?

Informa Gentot que, segundo a doutrina dominante na França, tais agências “não dispõem de qualquer poder dedecisão e sua magistratura, puramente moral, se exerce por meio de recomendações e de relatórios públicos. O queimporta, portanto, é a qualidade e a competência das pessoas que compõem estas autoridades, a credibilidade de sua

independência perante o governo, sua função de vigilante, que não implica necessariamente a de gendarme”.13

Ante essa exigência de definição e caracterização dos elementos constitutivos de uma agência reguladora,14

enumera Gentot as notas distintivas que as devem integrar:

Relativamente ao objeto que deve constituir sua finalidade, deve-se dizer que têm elas por finalidade a“regulação de setores sensíveis” e ao mesmo tempo a “proteção dos administrados “, ou, na linguagem adotadapelo legislador brasileiro, a proteção do consumidor.

Quanto à sua natureza jurídica, são organismos públicos (a lei brasileira as caracteriza como autarquiasespeciais), desprovidos de poder jurisdicional. Elas não têm, diferentemente do que a lei concede ao CADE, noBrasil, o poder judicante.

Como autarquias especiais, têm personalidade jurídica e estão vinculadas às mutações da pessoa jurídica que éconstituída pelo Estado, mas participam da atividade de comando e de controle decorrentes da competência e daresponsabilidade do Estado.

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Seus membros são independentes e gozam de autonomia de gestão. A independência da Agência se confirmapelo fato de seus dirigentes terem mandato. São nomeados pelo Presidente da República, com prévia aprovação doSenado Federal.

Estão sujeitas somente a controles jurisdicionais sobre suas atividades, estando ausente todo controle hierárquicoou de tutela.

Dispõem de uma vasta gama de poderes, desde um simples poder “de influenciar” até poderes repressivos.15

A amplitude dos poderes das agências reguladoras, com ênfase para o princípio da deferência, foi

detalhadamente examinada na decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos no caso Chevron:16

Temos reconhecido há muito que se deve atribuir considerável respeito à interpretação de umdisposi vo legal que um órgão execu vo está encarregado de administrar, e o princípio da deferênciaà interpretação administrativa tem sido consistentemente seguido por esta Corte quando uma decisãoquanto ao sen do ou alcance de uma lei envolva a conciliação de polí cas conflitantes, e um plenoentendimento da força da polí ca legal em determinada situação tenha dependido mais do queordinariamente do conhecimento relativo a matérias submetidas à regulação das agências.

E noutro passo, a mesma Corte põe em evidência a flexibilidade das definições em face de casos concretos, poisque as decisões das agências não ficam como que cravadas em pedra. Elas evoluem na tentativa de acompanhar eapreender a significação de cada caso. A provocação das situações concretas perante o texto da lei tem porresultado deferir às agências o poder de interpretar e de fixar, caso a caso, o sentido e o alcance da lei.

A Corte assinala que os Juízes Federais devem, neste caso, respeitar as legítimas escolhas feitas pelas agências.Com efeito, a responsabilidade para analisar a adequação das escolhas políticas e para resolver a disputa entreentendimentos conflitantes do interesse público não competem ao Judiciário: “Nossa constituição atribui talresponsabilidade aos órgãos políticos”.

1.4. Regular por meio da informaçãoNo seminário realizado pelo Centro Robert Schumann do Instituto Universitário Europeu, em Florença, em março

de 1996, sobre as novas agências europeias, Giandomenico Majone afirma que as políticas públicas hoje dependemmais do que nunca, principalmente na área da regulação econômica e social, de uma informação relevante,oportuna e especialmente dotada de credibilidade. Afirma ele que “o papel da informação na elaboração daspolíticas contemporâneas não é somente instrumental mas também constitutiva”. Por outras palavras, ainformação é não somente um insumo necessário ao processo político: sob certas condições, a informação constitui apolítica. Neste sentido é que falo de “regulação por meio da informação”, para indicar que a provisão de informaçãoe de provas pode ser utilmente vista como um modo de regulação – uma alternativa para outros modos mais

coercitivos – antes que um mero prerrequisito para decisões reguladoras sólidas”.17

Observa Majone que alguns fatores estão lenta mas seguramente mudando a natureza da elaboração de políticasa níveis quer nacionais, quer supranacionais, quer internacionais.

Em primeiro lugar, a crescente interdependência econômica, financeira, ecológica e política entre as nações temcomo efeito o enfraquecimento do impacto das ações políticas no país de origem, enquanto potencialmentefortalecem seu impacto sobre outros países. Mas há que enfatizar que essa interdependência será cada vez mais

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fortalecida quanto mais confiável for a soma de informações comunicadas.

Em segundo lugar, a crescente complexidade das políticas públicas continua a corroer a efetividade das técnicastradicionais de comando-e-controle da burocracia governamental. Adquirem predomínio a informação e persuasãocom as quais se procura modificar os comportamentos das pessoas. Por isso, a mais importante característica danova forma de regulação econômica e social está em que o seu sucesso depende de se conseguir mudar as atitudes,

expectativas, hábitos de consumo ou padrões de produção de milhões de indivíduos.18

Se, por um lado, se poderia falar da “captura da agência” pelas empresas do setor que deveria ser fiscalizado,deve-se hoje reconhecer que através da atuação dessas agências será possível afirmar que os problemas públicos

são “socialmente construídos” antes que objetivamente acontecidos.19

Os instrumentos normativos para se conseguir a construção social dos problemas não se restringem maisunicamente aos textos legais tradicionais. Surgem no mundo jurídico figuras que se podem denominar de “soft law”,

ou seja, normas menos rígidas que as tradicionais, mas nem por isso menos eficazes.20 São resoluções, declarações,programas de ação, deliberações, memorandos, “guidelines “ e outros. Se sua eficácia não se revela diretamente

sobre as ações, estes instrumentos normativos influenciam a criação de normas e decisões legais.21

A delegação de poderes para elaborar políticas é outra peculiaridade das agências. A transferência de poderes

que os governos efetuam a elas, dá-lhes mais independência e credibilidade.22

Outro aspecto peculiar às agências é que elas podem constituir redes de comunicação com agências de outrospaíses, o que lhes dá também maior credibilidade, pois que adquirem maior poder de resistir às pressões políticas,

conferindo-lhes assim maior independência.23

Esta independência das agências, para que se torne efetiva, deverá ser democraticamente controlada. E quaisseriam os instrumentos adequados para concretizar esse controle? Repare-se que os tecnocratas que são colocadospara dirigir essas agências o são por indicação e nomeação do governo. Assim sendo, como é que se conseguirácontrolar democraticamente esse poder? Para que esse controle possa efetivar-se de maneira adequada, observaMajone, deveriam combinar-se diversos instrumentos: objetivos claros e delimitados, exigência de prestação decontas, revisão por supervisores profissionais e de igual nível, controle judicial (quando adequado) e participaçãopública (também quando apropriada). É verdade que não se exclui a supervisão do Poder Legislativo e do Executivo,mas qualquer tentativa de “captura” (“micromanage”) da agência por autoridades e razões meramente políticas

deveriam ser afastadas.24

Postos estes princípios gerais que deverão presidir à instituição e funcionamento das agências reguladoras, oSeminário do Robert Schumann Center passou ao delineamento de alguns tipos de agências, como a deMonitoramento das drogas e da Sujeição às drogas, a de Avaliação de Produtos Medicinais, a de Proteção do meioambiente e a de harmonização do mercado interno.

Quanto ao Observatório Europeu das Drogas e das Toxicomanias, assinala Georges Estievenart que a luta contraa droga tem sido sempre um problema muito difícil de ser equacionado, assim como coordenar as ações de tiporepressivo, adoção de medidas de saúde pública destinadas quer a remediar quer a prevenir a toxicomania.

A partir de 1993 foi instalado em Lisboa o Observatório, após aprovação do Conselho da Comunidade, em que se

analisou a vantagem de ter informações sobre a ausência delas.25 Com um começo modesto, em número deintegrantes e de orçamento, assinala que o Observatório se tornou um centro de excelência em matéria de medida

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técnica do fenômeno da droga na Europa. Mas dois pontos devem ser enfatizados como altamente positivos nesseObservatório: é que ele se transformou numa corrente de transmissão para os centros encarregados de tomar

decisões políticas da União, e se constituiu num centro de animação dos observatórios nacionais sobre drogas.26

Também em 1993 o Conselho da União Europeia adotou a regulação e as diretivas referentes à criação daAgência Europeia de Avaliação de Remédios (European Medicines Evaluation Agency), com sede em Londres, quecomeçou a funcionar em 1995. Esta agência tem como finalidade promover a livre circulação de produtos medicinaisdentro da União Europeia, procurando simultaneamente reforçar as medidas de proteção de saúde pública,

permitindo o rápido acesso a novos produtos para o mercado comunitário em escala.27 Ainda em 1993, a Comissãodecidiu instalar em Copenhagen a Agência para o Meio Ambiente. Assinala Domingo Jimenez-Beltrán que aproteção ao meio ambiente se tornou uma finalidade para a União Europeia no sentido de perseguir um crescimento

sustentável, não inflacionário, e com absoluto respeito ao meio ambiente.28

Esta agência é concebida não somente como um parceiro, com a finalidade de prover informações, mas tambémcomo um vigia, ou até mesmo um cão de guarda da legislação e dos compromissos da União Europeia. Sua função éessencial na medida em que o desenvolvimento da informação contribuirá certamente para um melhor e maisobjetivo controle do respeito, da adequação e eficiência da legislação ambiental da União. Desta forma os objetivosda agência consistirão em prover os Estados-Membros com uma informação objetiva, confiável e comparativa, para

que eles possam adotar políticas ambientais adequadas.29

Segundo Jean-Claude Combaldieu, presidente da Agência de Harmonização no mercado interior relativamente amarcas, projetos e modelos, a harmonização no mercado interior é uma realidade essencial e incontornável para ofuturo da Comunidade, ressalvando que “todas as agências comunitárias estão colocadas, em sua maior parte,

numa espécie de pote comum em cuja escuridão é difícil diferenciar as especificidades de cada uma”.30

1.5. Em busca de um modelo genuínoO novo modelo de atuação do Estado no âmbito do mercado, no Brasil, vem buscando inspiração nas formas de

controle já adotadas nos Estados Unidos e em recente implantação na Europa. É preciso, contudo, ter em mente queinspirar-se não é sinônimo de copiar. As características culturais, econômicas, políticas e sociais são profundamentediferentes lá e cá, e será preciso que o legislador brasileiro procure criar o modelo brasileiro , adaptado àsexigências de um País em desenvolvimento.

A inspiração colhida deve levar em conta características essenciais e procurar dar-lhes força informadora dasmedidas concretas a serem adotadas. Ou seja, o legislador brasileiro deverá haurir o que existe de essencialmentebom e aplicável ao Brasil.

A este respeito, assinala Pedro Dutra que a eficiência das agências reguladoras americanas deve seu sucessoprincipalmente à observância dos princípios constitucionais que regem a atuação fiscalizadora do Estado nosmercados privados, garantindo-lhes um funcionamento concorrencial e, ao mesmo tempo, protegendo osconsumidores contra abusos das empresas e mau funcionamento ou omissão dessas agências. Segundo ele, daobservância desse princípio decorrem as características básicas dessas agências reguladoras, e que são:

A primeira caracterís ca é a separação desses órgãos do governo, traduzida na independênciadecisória e financeira das agências, em mandatos com termo fixo para seus dirigentes e na proibição

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de ministros e órgãos do governo influir na ação das agências.

A segunda é o dever estrito de as agências agirem exclusivamente nos termos da Lei que lhesdisciplina a ação, estando seus dirigentes pessoal e penalmente a tanto obrigados.

A terceira caracterís ca é a atenta fiscalização pelo Senado da atuação das agências e de seusdirigentes, desde a aprovação destes até o exame de relatórios regulares, sempre em audiências

públicas.31

A respeito das prerrogativas outorgadas pelo legislador a essas agências, afirma Eurico de Andrade Azevedoque elas “caracterizam-se basicamente pela estabilidade de seus dirigentes (mandato fixo), autonomia financeira(renda própria e liberdade de sua aplicação) e poder normativo (regulamentação das matérias de sua competência,

sem invadir as chamadas reservas de lei”.32

Essas características podem deduzir-se também do ordenamento jurídico brasileiro, especificamente dasdisposições constantes do art. 5º, LIV, que consagram o princípio do devido processo legal, do art. 37, que impõe aobservância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e dos arts. 170 eseguintes que estabelecem a ordem econômica.

Com a criação dessas agências o Estado não fiscaliza diretamente a atividade do mercado, mas se vale deorganismos intermediários, que recebem a influência do Poder Executivo, do Poder Legislativo, da palavra definitivado Poder Judiciário, mas também da atuação reivindicatória e controladora dos consumidores, principais destinatáriosda atuação dessas novéis entidades.

Não se pode esquecer que o ordenamento jurídico brasileiro já contemplava órgãos de fiscalização e controle domercado, que já tinham uma estrutura definida legalmente e que já vinham se impondo, pela sua competenteatuação, ao respeito do Governo, do Judiciário e das empresas. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica foicriado em 1962 pela Lei n. 4.137, reestruturado pela Lei n. 8.884, de 1994, e totalmente reformulado pela Lei n.12.529, de 2011. Embora não tenha sido visto como uma “agência reguladora”, o Banco Central do Brasil veioatuando nessa condição desde sua criação (por transformação) através da Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964.As novas agências reguladoras, como iremos ver logo adiante, deverão atuar em consonância e coordenação comestes órgãos, que se situam num plano superior de coordenação e fiscalização geral.

2. AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICAA Lei n. 9.427, de 26 de dezembro de 1996, instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL –

autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, com sede e foro no Distrito Federal eprazo de duração indeterminado.

Essa Agência terá por finalidade regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização deenergia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal.

A ANEEL veio substituir o antigo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), que seextinguiu por força do § 4º do art. 34 da Lei n. 9.427/96.

Importa salientar dentre suas “incumbências”, ou competências, como definidas no art. 3º da Lei, as seguintes:

– implementar as políticas e diretrizes do governo federal para a exploração da energia elétrica e oaproveitamento dos potenciais hidráulicos, expedindo os atos regulamentares necessários;

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– dirimir, no âmbito administrativo, as divergências entre concessionárias, permissionárias, autorizadas, produtoresindependentes e autoprodutores, bem como entre esses agentes e seus consumidores;

– fixar os critérios para cálculo do preço de transporte de que trata o § 6º do art. 15 da Lei n. 9.074/95.

Três observações se impõem a respeito destas competências do órgão regulador criado: em primeiro lugar, suasubstituição ao Estado na implementação de políticas e diretrizes, que continuarão a ser formuladas pelo governofederal; em segundo lugar, a competência para dirimir conflitos em sua área específica; e, em terceiro, apossibilidade para a fixação de critérios para cálculo do preço, numa restrição clara à liberdade de mercado reveladana possibilidade de um preço ser controlado por se tratar de um serviço público.

Em 28 de novembro de 1997, expediu-se a Portaria n. 349, que aprova o Regimento Interno da ANEEL. NestaPortaria alguns dispositivos nos chamam a atenção, como, por exemplo, a atribuição de regulação econômica (art.23, I), de estudos de mercado, mediação administrativa, ouvidoria setorial e participação pública (art. 23, II e III), deregulação dos serviços de geração, de transmissão, de distribuição e de comercialização (art. 23, XII, XIII, XIV,XV) e de comunicação e relações institucionais (art. 23, XVIII).

Merecem especial destaque as alterações introduzidas pelo art. 4º da Lei n. 9.648, de 27 de maio de 1998, notexto da Lei n. 9.074/95 e da Lei n. 9.427/96, principalmente no que se refere à obrigação de “estabelecer, comvistas a propiciar concorrência efetiva entre os agentes e a impedir a concentração econômica nos serviçose atividades de energia elétrica, restrições, limites ou condições para empresas, grupos empresariais eacionistas, quanto à obtenção e transferência de concessões, permissões e autorizações, à concentraçãosocietária e à realização de negócios entre si” e também “zelar pelo cumprimento da legislação de defesa daconcorrência, monitorando e acompanhando as práticas de mercado dos agentes do setor de energiaelétrica” (incisos VIII e IX do art. 3º da Lei n. 9.427/96 com a alteração introduzida).

A análise dos textos legais e do que vem sendo efetuado pela ANEEL, quer em nível regulamentar quer no planoinstitucional, é um esforço efetivo e eficiente para criar a concorrência. Este clima de concorrência é hoje de

fundamental importância.33

O fenômeno da privatização e da criação da concorrência no setor elétrico não é somente um caso da AméricaLatina ou do Brasil especificamente. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE –

publicou um informe a respeito da adoção da política concorrencial pelo setor elétrico.34

O documento da OCDE mostra que, na Austrália, por exemplo, a geração, transmissão e distribuição deeletricidade para os consumidores tem sido responsabilidade dos governos dos Estados; os preços não estãovinculados com os custos; há deficiência no incentivo para aperfeiçoar o nível de serviços para os consumidores; ainfluência política, a centralização da capacidade decisória levaram a decisões inadequadas de investimento.

A partir de maio de 1990 deu-se início a um processo de reforma do sistema de eletricidade através daprivatização das empresas de propriedade do Estado, criação de uma regulação ágil para a prestação privada deserviços públicos; separação das atividades de geração, transmissão e distribuição, transformando-as em corpos

independentes, e adoção de preço que reflita o custo total da produção.35

No Canadá ocorreu fenômeno paralelo. O setor de eletricidade ali também estava verticalmente integrado econstituía a forma de prestação monopolística de serviços públicos. O incentivo para privilegiar as forças demercado e o esforço para promover um fornecimento de energia eficiente e de baixo custo levaram o Competition

Bureau a participar das reformas pró-competitivas do setor de eletricidade.36

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Também na Inglaterra o setor de eletricidade, depois de privatizado, passou a ser regulado por uma agênciaespecializada – OFFER – criada pelo Electricity Act de 1989. A política de privatização adotada pelo governo inglêsrefletiu a crença em que a empresa é mais eficiente e fornece melhores serviços ao consumidor. Os objetivoscolimados pelo governo inglês foram os de incrementar a concorrência quer na geração quer no fornecimento. O

Director General for Electricity Supply (DGES) é uma autoridade independente.37

Nos Estados Unidos os serviços de eletricidade são prestados por empresas privadas, que chegam a obter quase80% de todos os rendimentos de eletricidade. Procura-se promover a concorrência no setor de eletricidade, com adissociação das atividades de produção, transmissão e distribuição. Vêm-se adotando políticas regulatórias comoformas de propiciar o desenvolvimento de potentes forças de mercado. Em nível federal, a Federal EnergyRegulatory Commission – FERC – vem tentando assegurar o acesso de todos os produtores de eletricidade àslinhas de transmissão. Tenta-se uma maneira de passar de um monopólio regulado para um ambiente de

concorrência, descobrindo-se ao mesmo tempo qual o papel a ser desempenhado pelo governo.38

3. AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES

O Presidente Fernando Henrique Cardoso, em entrevista à revista Veja,39 afirmou: “O que estamos fazendo naprática? Criando agências de regulamentação. Criando um novo Estado. E quando falo de regulamentação, estoupensando também na radicalização da democracia. Controlar vai no sentido de radicalizar a democracia. Controlarpor meio de órgãos nos quais a sociedade tenha voz”.

As informações fornecidas através da INTERNET são bastante esclarecedoras a respeito da natureza e dopapel das agências reguladoras, e, no caso específico, da ANATEL. Dos arquivos fornecidos ao público consta oseguinte:

A publicação do Decreto que aprova o Regulamento da Agência Nacional de Telecomunicações e aimediata instalação da ANATEL são um marco na criação deste novo Estado, desenhado no programade governo “Mãos à Obra, Brasil” e reafirmado pelo Presidente da República em recente entrevista.Um Estado não mais empresário, mas fortemente regulamentador, um Estado não mais orientadopelos interesses das corporações, mas responsável pela ins tucionalização de canais diretos defiscalização e representação da sociedade, impermeáveis às pressões que, historicamente, vêmdissociando a administração pública do interesse público. Um Estado nem mínimo nem máximo, mas onecessário para bem proteger os direitos do cidadão.

No mesmo arquivo estão descritas as características da ANATEL:

A ANATEL surge como primeiro exemplo de como esta nova concepção se expressa na prá ca. Criadacomo autarquia especial, ela é administra vamente independente, financeiramente autônoma, nãose subordina hierarquicamente a nenhum órgão de governo – suas decisões só podem ser contestadasjudicialmente –, seus dirigentes têm mandato fixo e estabilidade. Acompanhando e fiscalizando todasas inicia vas da Agência, haverá um conselho consul vo, formado por representantes do Execu vo,do Congresso e de en dades das prestadoras de serviço, dos usuários e da sociedade em geral. Alémdisso, todas as normas elaboradas pela ANATEL serão antes subme das a consulta pública, seus atosdevem ser acompanhados por exposição formal de mo vos que os jus fiquem e haverá ainda um

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Ouvidor, que apresentará periodicamente avaliações críticas sobre os trabalhos da Agência. As sessõesdo Conselho Diretor serão públicas, podendo ser gravadas, salvo os casos em que a publicidade amplaponha em risco segredo protegido ou a in midade de alguém. Todas as atas de reuniões e osdocumentos relativos à atuação da ANATEL estarão disponíveis ao público na Biblioteca da Agência.

A abertura e ponto de partida para a exploração mediante concessão dos serviços de telecomunicação e para acriação de um órgão regulador foram dados pela Emenda Constitucional n. 8, de 1995, que alterou a redação doprimitivo art. 21 da Constituição Federal.

A criação e funcionamento de um órgão regulador dos serviços de telecomunicações foram efetivados através daLei n. 9.472, de 16 de julho de 1997, que, através de seus 216 artigos estabelece os princípios fundamentais, cria aagência e estabelece suas competências e seus órgãos, os princípios que regerão a atividade de controle, as formasde contratação de obras e serviços, organiza os serviços de telecomunicações.

Quanto aos princípios, vale ressaltar que a nova Lei procura colocar as empresas prestadoras de serviços detelecomunicações num contexto de mercado , em que é importante a competição entre elas, o respeito aos direitosdos consumidores e o papel simplesmente regulador (posto que fortemente) do Estado.

Dispõe o art. 1º da Lei que compete à União, por intermédio do órgão regulador e nos termos das políticasestabelecidas pelos Poderes Executivo e Legislativo, organizar a exploração dos serviços de telecomunicações. Estaatividade de organização inclui as seguintes competências, enumeradas no parágrafo único:

Disciplinar e fiscalizar a execução, comercialização e uso dos serviços e da implantação efuncionamento de redes de telecomunicações .

Ressalte-se aqui um aspecto importante. É que a competência para regular a atividade de telecomunicações é daUnião. O que significa que os Estados-membros perderam qualquer competência para regulação, em qualquer nível,dessas atividades.

Dentre os deveres atribuídos pela Lei ao Estado, no concernente à concorrência, devem citar-se a adoção demedidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços, que incrementem sua oferta e propiciem padrõesde qualidade compatíveis com a exigência dos usuários, o fortalecimento do papel regulador do Estado, a criação deoportunidades de investimento e o estímulo ao desenvolvimento tecnológico e industrial, em ambiente competitivo,bem como ainda a criação de condições para que o desenvolvimento do setor seja harmônico com as metas dedesenvolvimento social do País.

Aos usuários são conferidos direitos e deveres.

Dentre os primeiros, o art. 3º diz que o usuário tem direito de acesso aos serviços de telecomunicações, compadrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza, em qualquer ponto do Território Nacional; àliberdade de escolha de sua prestadora de serviço; de não ser discriminado quanto às condições de acesso e fruiçãodo serviço; ao prévio conhecimento das condições de suspensão do serviço; de resposta às suas reclamações pelaprestadora do serviço; de peticionar contra a prestadora do serviço perante o órgão regulador e os organismos dedefesa do consumidor; à reparação dos danos causados pela violação de seus direitos.

Dentre os segundos, merecem ser citados o dever de utilizar adequadamente os serviços, equipamentos e redesde telecomunicações, e a obrigação de comunicar às autoridades irregularidades ocorridas e atos ilícitos cometidospor prestadora de serviço de telecomunicações.

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São estabelecidas as regras comuns e as formas de concessão, por outorga ou por contrato.

É significativo o poder de decretar a intervenção na concessionária, nos casos especificados no art. 110.

Dentre as competências conferidas pela Lei à agência reguladora, algumas são significativamente importantesrelativamente ao que se poderia chamar de funcionamento privado do mercado. Dentre essas vale ressaltar asseguintes:

1. Implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de telecomunicações.

2. Expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público.

3. Celebrar e gerenciar contratos de concessão e fiscalizar a prestação do serviço no regime público, aplicandosanções e realizando intervenções.

4. Expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado.

5. Expedir e extinguir autorização para prestação de serviço no regime privado, fiscalizando e aplicando sanções.

6. Compor administrativamente conflitos de interesses entre prestadoras de serviço de telecomunicações.

7. Reprimir infrações dos direitos dos usuários.

8. Exercer, relativamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle, prevenção erepressão das infrações da ordem econômica, ressalvadas as pertencentes ao Conselho Administrativo de DefesaEconômica.

9. Rever, periodicamente, os planos enumerados nos incisos II e III do artigo anterior, submetendo-os, porintermédio do Ministro de Estado das Comunicações, ao Presidente da República, para aprovação.

10. Promover interação com administrações de telecomunicações dos países do Mercado Comum do Sul –MERCOSUL, com vistas à consecução de objetivos de interesse comum.

Os arts. 5º, 6º e 7º da Lei são importantes do ponto de vista do Direito Econômico, especificamente no que tangeàs novas funções atribuídas pela Constituição Federal ao Estado.

O art. 5º faz referência aos princípios constitucionais da soberania nacional, função social da propriedade,liberdade de iniciativa, livre concorrência, defesa do consumidor, redução das desigualdades regionais e sociais,repressão ao abuso do poder econômico e continuidade do serviço prestado no regime público. Ou seja, o legisladorse socorre de princípios constitucionais já enumerados no art. 170 e no § 4º do art. 173, acrescentando um princípioimplicitamente contido no art. 37 da CF.

O art. 6º repete, de forma exemplificativa, os princípios já enumerados no artigo anterior. Dizer que “os serviçosde telecomunicações serão organizados com base no princípio da livre, ampla e justa competição entretodas as prestadoras” nada mais significa que observar os princípios da liberdade de iniciativa e da livreconcorrência. Dizer que o Poder Público deve “atuar para propiciá-la, bem como para corrigir os efeitos dacompetição imperfeita e reprimir as infrações da ordem econômica “ nada acrescenta às disposiçõesconstantes da Lei n. 8.884/94.

O art. 7º é uma remissão aos princípios e normas já contidos na Lei n. 8.884/94, quer no que tange à referênciaàs normas gerais de proteção à ordem econômica, quer, mais especificamente, no que diz respeito ao controle daconcentração e às práticas que possam, por qualquer forma, limitar, falsear ou prejudicar a livre concorrência ou alivre iniciativa.

Merece especial atenção a disposição contida no § 2º do art. 7º da Lei. Ali está dito que “os atos de que trata o

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parágrafo anterior serão submetidos à apreciação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica –CADE, por meio do órgão regulador”.

No art. 8º da Lei estabelece o legislador que “fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidadeintegrante da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada aoMinistério das Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações, com sede no DistritoFederal, podendo estabelecer unidades regionais”. Deste dispositivo decorre a consequência lógica da existência deum organismo de âmbito nacional, a superar as competências dos Estados-membros.

4. AGÊNCIA NACIONAL DE PETRÓLEOA Agência Nacional do Petróleo – ANP – foi criada pela Lei n. 9.478, de 6 de agosto de 1997, que, no seu art.

7º, a qualificou como entidade integrante da Administração Federal indireta, submetida ao regime autárquicoespecial, como órgão regulador da indústria do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis, vinculado ao

Ministério de Minas e Energia.40

O art. 1º da Lei pode ser visto como uma versão diferente do mesmo conteúdo estabelecido no art. 170 daConstituição Federal. Aquele artigo expõe os princípios e objetivos da política energética nacional, podendocitar-se a preservação do interesse nacional, a promoção do desenvolvimento, a ampliação do mercado de trabalho evalorização dos recursos energéticos, a proteção dos interesses do consumidor, do meio ambiente e a promoção daconservação de energia, a promoção da livre concorrência e a ampliação da competitividade do País no mercadointernacional.

A Agência Nacional do Petróleo difere fundamentalmente das duas anteriores no tocante à característica de seuobjetivo. Enquanto a ANEEL e a ANATEL têm como finalidade a concessão, controle e fiscalização de um serviçopúblico, a ANP, com base na disposição do art. 177, com as alterações introduzidas pela Emenda n. 9, de 1995,preservado o monopólio da União Federal, tem como finalidade “promover a regulação, a contratação e afiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo” como consta do art. 8º da Lei.

Essa diferença decorre do contexto e fundamento político-econômico estabelecidos no art. 1º, pois que ali estáreferida de modo especial a preservação do interesse nacional.

O art. 11 tem conteúdo normativo importante relativamente à independência da Agência. Os integrantes daDiretoria serão nomeados pelo Presidente da República, após aprovação do Senado Federal, e terão um mandatode quatro anos. Permite a lei a recondução, mas não a limita (como consta do § 3º do mesmo artigo).

O art. 14 estabelece o período de doze meses de quarentena para os ex-Diretores da ANP.

Segue ainda o quadro constitucional o art. 17, que determina que o processo decisório deverá obedecer aosprincípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. Teria sido conveniente que tivesse constadotambém, por se tratar de um órgão regulador do setor empresarial, o princípio da eficiência, que veio a ser incluídono art. 37 da Constituição Federal pela Emenda n. 19.

5. BANCO CENTRAL DO BRASILComo já acenado acima, o Banco Central do Brasil, surgido da transformação da Superintendência da Moeda e

do Crédito, por determinação do art. 2º da Lei n. 4.595, de 1964, inserido no contexto do sistema financeiro

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nacional, sempre teve funções de regulação e de controle, como se depreende dos arts. 8º a 16 da citada lei.

É verdade que suas competências, discriminadas mais especificamente nos arts. 10 e 11, se inserem hoje numcontexto semântico que lhes dá uma significação inteiramente diferente. Aliás, é este um problema que desafia ointérprete da lei. Esta, criada pelo legislador num determinado contexto político, econômico e jurídico, se destacadaquela moldura que a enformou para adaptar-se a tempos e contextos novos, sem necessidade de modificação dostermos. A nova realidade se encarrega de dar-lhes novo sentido.

Pode-se exemplificar o acima dito com a invocação do disposto no artigo 10, inciso X, letra “c”, da Lei n. 4.595,de 1964. Através daquele dispositivo o Banco Central do Brasil tem competência privativa para “concederautorização às instituições financeiras, a fim de que possam:… c) ser transformadas, fundidas,incorporadas ou encampadas.”

Ora, esta competência se conserva. O que mudou foi o quadro dentro do qual se insere. Se em 1964 não haviauma preocupação com a preservação da concorrência, passa esta a ser um prerrequisito essencial, quer pelodispositivo constitucional garantidor da liberdade de iniciativa e da livre concorrência, quer também pelo contexto dedesregulamentação e pela moldura de concorrência traçada hoje pela Lei n. 12.529, de 2011. Aquela competênciatem agora um novo contexto de exigências que devem ser observadas rigorosamente pelo Banco Central, como“agência reguladora” da atividade bancária.

O legislador criou todo um contexto legislativo para reger o sistema financeiro nacional, através das seguintes leis:

1. Lei n. 4.595, de 31.12.1964, que dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias, cria o ConselhoMonetário Nacional e dá outras providências.

2. Lei n. 4.728, de 14.07.1965, que disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o seudesenvolvimento.

3. Lei n. 6.024, de 13.03.1974, que dispõe sobre a intervenção e liquidação extrajudicial de instituições financeirase dá outras providências.

4. Lei n. 6.045, de 15.05.1974, que altera a constituição e a competência do Conselho Monetário Nacional e dáoutras providências.

5. Lei n. 6.385, de 07.12.1976, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de ValoresMobiliários.

6. Lei n. 6.404, de 15.12.1976, que dispõe sobre as sociedades por ações.

7. Lei n. 7.450, de 23.12.1985, que altera a legislação tributária federal e dá outras providências.

Aqui vale uma observação. O Banco Central do Brasil recebeu da Lei n. 6.024, de 1974, a competência paraintervir em instituições financeiras, nos casos especificados naquele diploma.

Ao comentar os arts. 69 e seguintes da Lei n. 8.884, de 1994, citei como modelos de intervenção os das Leis n.6.024/74 e 6.404/76 e do Decreto-lei n. 7.661/45.

A criação das agências reguladoras virá certamente fornecer ao Juiz Federal a possibilidade de uma soluçãoadequada do problema da indicação do interventor. Basta-lhe determinar que a agência reguladora específica decada setor proceda à intervenção, na forma da lei.

6. AGÊNCIAS REGULADORAS E AS RELAÇÕES DE CONCORRÊNCIA

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A criação das agências reguladoras tem a ver com a autorização, concessão ou permissão de prestação deserviços públicos por empresas privadas, competência de estudo do Direito Administrativo. Mas, por outro lado,essas mesmas empresas passarão a concorrer no mercado, com a finalidade de prestar ao consumidor um serviçomais eficiente, de menor custo, de melhor qualidade, de menor preço. Essa dupla perspectiva se insere no contextode interdisciplinaridade, característica essencial do Direito moderno, e principalmente do Direito Econômico.

A concorrência no mercado sujeitará essas empresas, por um ângulo diferente mas correlato, à competênciafiscalizadora dos órgãos legalmente habilitados para essa função. É natural, portanto, que na lei criadora de cadauma dessas agências reguladoras se encontrem dispositivos pertinentes à concorrência e, por isso mesmo, àcompatibilização da atuação de todos os agentes interessados na regulação e fiscalização. Serão dispositivos legaisque se situam num contexto de ligação e de coerência, pois que objeto de estudo de dois ramos do Direito.

Já assinalamos tal situação, acima, ao tratar das normas referentes à ANATEL. Será, contudo, importanteestabelecer um cotejo entre as normas específicas de cada uma dessas agências, como indicação de fontes deestudo.

Em se tratando da relação de controle competitivo entre a ANATEL e o CADE, três diplomas são pertinentes edevem ser interpretados conjuntamente: a Lei n. 9.472, de 16 de julho de 1997, o Decreto n. 2.338, de 7 de outubrode 1997 e a Portaria Conjunta n. 1, de 9 de setembro de 1998, assinada entre os Presidentes do CADE e daANATEL.

Relativamente à Lei n. 9.472/97, cinco artigos têm pertinência direta com o controle da concorrência:

Art. 2º O Poder Público tem o dever de:

II I – adotar medidas que promovam a compe ção e a diversidade de serviços, incrementem sua ofertae propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários;

V – criar oportunidades de inves mento e es mular o desenvolvimento tecnológico e industrial, emambiente competitivo.

Art. 5º Na disciplina das relações econômicas no setor de telecomunicações observar-se-ão, emespecial, os princípios cons tucionais da soberania nacional, função social da propriedade, liberdadede inicia va, livre concorrência, defesa do consumidor, redução das desigualdades regionais e sociais,repressão ao abuso do poder econômico e continuidade do serviço prestado no regime público.

Art. 6º Os serviços de telecomunicações serão organizados com base no princípio da livre, ampla ejusta compe ção entre todas as prestadoras, devendo o Poder Público atuar para propiciá-la, bemcomo para corrigir os efeitos da competição imperfeita e reprimir as infrações da ordem econômica.

Art. 7º As normas gerais de proteção à ordem econômica são aplicáveis ao setor de telecomunicações,quando não conflitarem com o disposto nesta Lei.

§ 1º Os atos envolvendo prestadora de serviço de telecomunicações, no regime público ou privado,que visem a qualquer forma de concentração econômica, inclusive mediante fusão ou incorporação deempresas, cons tuição de sociedade para exercer o controle de empresas ou qualquer forma deagrupamento societário, ficam subme dos aos controles, procedimentos e condicionamentosprevistos nas normas gerais de proteção à ordem econômica.

§ 2º Os atos de que trata o parágrafo anterior serão subme dos à apreciação do ConselhoAdministrativo de Defesa Econômica – CADE, por meio do órgão regulador.

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§ 3º Pra cará infração da ordem econômica a prestadora de serviço de telecomunicações que, nacelebração de contratos de fornecimento de bens e serviços, adotar prá cas que possam limitar,falsear ou, de qualquer forma, prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa.

Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público epara o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência,imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:

XIX – exercer, rela vamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle,prevenção e repressão das infrações da ordem econômica, ressalvadas as pertencentes ao ConselhoAdministrativo de Defesa Econômica – CADE.

O Decreto n. 2.338/97 veio, na sua função regulamentar, detalhar as normas já contidas no preceito legal acimacitado.

Art. 16. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público epara o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, e especialmente:

XX – exercer, rela vamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle,prevenção e repressão das infrações da ordem econômica, ressalvadas as pertencentes ao ConselhoAdministrativo de Defesa Econômica – CADE, observado o art. 18;

Art. 17. No exercício de seu poder norma vo rela vamente às telecomunicações, caberá à Agênciadisciplinar, entre outros aspectos, a outorga, a prestação, a comercialização e o uso dos serviços, aimplantação e o funcionamento das redes, a u lização de órbita e espectro de radiofrequências, bemcomo:

III – estabelecer, visando a propiciar a compe ção efe va e a impedir a concentração econômica nomercado, restrições, limites ou condições a empresas ou grupos empresariais quanto a obtenção etransferência de concessões, permissões e autorizações;

IX – definir os termos em que serão compar lhados com os usuários os ganhos econômicos doconcessionário decorrentes da modernização, expansão ou racionalização dos serviços, bem como denovas receitas alternativas;

Art. 18. No exercício das competências em matéria de controle, prevenção, e repressão das infrações àordem econômica, que lhe foram conferidas pelos arts. 7º, § 2º, e 19, inciso XIX da Lei n. 9.472, de 1997,a Agência observará as regras procedimentais estabelecidas na Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994, esuas alterações, cabendo ao Conselho Diretor a adoção das medidas por elas reguladas.

Parágrafo único. Os expedientes instaurados e que devam ser conhecidos pelo ConselhoAdministrativo de Defesa Econômica – CADE, ser-lhe-ão diretamente encaminhados pela Agência.

Saliente-se que a Lei n. 8.884, de 1994, foi revogada pela Lei n. 12.529, de 2011.

Para possibilitar a implementação conjunta e coerente dessas normas de controle da concorrência e aplicaçãodos princípios constitucionais e legais relativos à espécie, os Presidentes do CADE e da ANATEL deliberaramexpedir uma Portaria conjunta com a finalidade de criar uma Comissão que deverá elaborar proposta de plano decooperação institucional, determinando os procedimentos operacionais para atuação do CADE e da ANATEL naprevenção e na repressão às infrações contra a ordem econômica, quando se tratar de matéria que esteja no âmbito

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de competência das duas entidades.41

Relativamente à ANEEL, podem-se mencionar também os dispositivos pertinentes à preservação daconcorrência, quer na Lei n. 9.427, de 26 de dezembro de 1996, quer no Decreto n. 2.335, de 6 de outubro de 1997,quer também na Resolução n. 94, de 30 de março de 1998, emanada pelo Diretor-Geral da Agência.

A Lei n. 9.427/96 estabelece normas pertinentes à concorrência no setor elétrico em decorrência da privatizaçãoe do consequente ingresso de novos agentes no setor de energia:

Art. 3º Além das incumbências prescritas nos incisos I I, I I I, V, VI, VII, X, XI e XII arts. 29 e 30 da Lei n.

8.987, de 13 de fevereiro de 1995, aplicáveis aos serviços de energia elétrica,42 competeespecialmente à ANEEL:

VIII – estabelecer, com vistas a propiciar concorrência efe va entre os agentes e a impedir aconcentração econômica nos serviços e a vidades de energia elétrica, restrições, limites ou condiçõespara empresas, grupos empresariais e acionistas quanto à obtenção e transferência de concessões,permissões e autorizações, à concentração societária e à realização de negócios entre si;

IX – zelar pelo cumprimento da legislação de defesa da concorrência, monitorando e acompanhandoas prá cas de mercado dos agentes do setor de energia elétrica, na forma a ser estabelecida emregulamento.

O Decreto n. 2.335/97 minudencia, com visível parcimônia, os dispositivos já contidos na lei:

Art. 4º À ANEEL compete:

II – incentivar a competição e supervisioná-la em todos os segmentos do setor de energia elétrica;

XII – autorizar cisões, fusões e transferências de concessões.

Art. 12. A ação regulatória da ANEEL, de acordo com as diretrizes e competências estabelecidas nesteanexo visará primordialmente à:

IV – manutenção da livre competição no mercado de energia elétrica.

Art. 13. O exercício da livre compe ção deverá ser es mulado pelas ações da ANEEL, visando àproteção e defesa dos agentes do setor de energia elétrica e à repar ção de forma justa dosbenefícios entre esses agentes e os consumidores.

Parágrafo único. A ANEEL celebrará convênios de cooperação com a Secretaria de Direito Econômicodo Ministério da Jus ça e demais órgãos de proteção e defesa da ordem econômica com o obje vo deharmonizar suas ações institucionais.

Também a Agência Nacional do Petróleo, criada pela Lei n. 9.478, de 6 de agosto de 1997, se coloca no contextode promoção e defesa da concorrência, como se pode comprovar pelo seus arts. 1º, 10 e 72:

Art. 1º As polí cas nacionais para o aproveitamento racional das fontes de energia visarão aosseguintes objetivos:

IX – promover a livre concorrência;

Art. 10. Quando, no exercício de suas atribuições, a ANP tomar conhecimento de fato que possaconfigurar indício de infração da ordem econômica, deverá comunicá-lo imediatamente ao Conselho

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Administra vo de Defesa Econômica – CADE e à Secretaria de Direito Econômico do Ministério daJustiça, para que estes adotem as providências cabíveis, no âmbito da legislação pertinente.

Parágrafo único. Independentemente da comunicação prevista no caput deste ar go, o ConselhoAdministra vo de Defesa Econômica – CADE no ficará a ANP do teor da decisão que aplicar sanção porinfração da ordem econômica come da por empresas ou pessoas sicas no exercício de a vidadesrelacionadas com o abastecimento nacional de combus veis, no prazo máximo de vinte e quatro horas

após a publicação do respectivo acórdão, para que esta adote as providências legais de sua alçada.43

Art. 72.

Parágrafo único.

II I – a ANP avaliará, periodicamente, o grau de compe vidade das refinarias, realização dosrespec vos planos de inves mentos e a consequente redução dos subsídios rela vos a cada umadelas.

O Decreto n. 2.455, de 14 de janeiro de 1998, que veio detalhar a normatização estabelecida pela lei, enfatiza asquestões pertinentes à concorrência nos arts. 3º, 4º e 14:

Art. 3º Na execução de suas atividades, a ANP observará os seguintes princípios:

IV – regulação pautada na livre concorrência, na obje vidade, na pra cidade, na transparência, naausência de duplicidade, na consistência e no atendimento das necessidades dos consumidores eusuários;

Art. 4º À ANP compete:

XVI – dar conhecimento ao Conselho Administra vo de Defesa Econômica – CADE, de fatos, no âmbitoda indústria de petróleo, que configurem infração da ordem econômica.

Art. 14. A ANP regulará as a vidades da indústria de petróleo e a distribuição e revenda de derivadosde petróleo e óleo combus vel, no sen do de preservar o interesse nacional, es mular a livreconcorrência e a apropriação justa dos bene cios auferidos pelos agentes econômicos do setor, pelasociedade e pelos consumidores e usuários de bens e serviços da indústria do petróleo.

Não consta ainda a existência de um entendimento entre a ANP e os órgãos de defesa da concorrência nosentido de uma colaboração para o controle adequado do mercado.

7. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIADando seguimento ao movimento de criação de agências reguladoras, surge no cenário legislativo e institucional a

Agência Nacional de Vigilância Sanitária, criada pela Medida Provisória n. 1.791, de 30 de dezembro de 1998, logotransformada na Lei n. 9.782, de 26 de janeiro de 1999, com as transformações introduzidas pela Medida Provisórian. 1.814, de 26 de fevereiro de 1999.

O art. 1º da Lei n. 9.782/99 encampa os objetivos já estabelecidos pelos arts. 15 a 18 da Lei n. 8.080, de 19 desetembro de 1990. Estes artigos tratam da competência e atribuições de todos os órgãos governamentais envolvidosno programa de definição da política nacional de vigilância sanitária como também na definição do Sistema

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Nacional de Vigilância Sanitária.

O art. 3º cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministérioda Saúde, conferindo-lhe, ainda, no parágrafo único independência administrativa, estabilidade de seus dirigentes eautonomia financeira. São, como já vimos, os requisitos essenciais a uma agência reguladora, para que possa atuarcom eficiência no mercado.

Para o perfeito entendimento da função desta lei no contexto do ordenamento jurídico-econômico de proteçãoda concorrência, dever-se-á fazer uma análise contextual das competências e atribuições da Agência, a partir,principalmente, do art. 6º, que define sua finalidade institucional e, como consequência, do alcance de suacompetência no âmbito de organização do mercado relevante de proteção e defesa da saúde. Veja-se o alcance doart. 6º:

A Agência terá por finalidade ins tucional promover a proteção da saúde da população, porintermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços subme dosà vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a elesrelacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras.

A exegese deste texto deverá fazer-se em consonância com o disposto nos arts. 1º e 2º da mesma Lei n.9.782/99, que definem o objetivo do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e a competência da União Federalnessa área, bem como em sintonia com os arts. 7º e 8º da mesma Lei, que definem a competência e atribuições daAgência. Mas não se limita a estes dispositivos o contexto enformativo e explicativo da exegese da Lei. Seuentendimento e sua perfeita aplicação exigem ainda que se faça sua inserção no quadro mais amplo dos dispositivosda Lei de Proteção da Concorrência, mais especificamente o contexto dos arts. 36 e 38 da Lei n. 12.529, de 2011.

8. A CRIAÇÃO DE NOVAS AGÊNCIASDentro do contexto geral de uma intervenção estatal sobre o domínio econômico foram criados diversos órgãos,

cuja função precípua era a de dirigir em nome do Estado os variados setores da economia nacional, com funções decriação, desenvolvimento, coordenação, supervisão e direcionamento. O Estado tinha um papel muito pujante nacondução do fenômeno econômico. Embora não se possa dizer que tenha havido um dirigismo econômico, pode-sedizer que havia uma forte interação dos movimentos centrífugos e centrípetos da atuação econômica do Estado emrelação às empresas, reduzidas, muitas vezes, a uma situação de dependência do Estado, quase como condição desobrevivência.

Mudado o contexto para uma economia de livre funcionamento do mercado, com promoção (advocacy)44 daconcorrência entre as empresas, alguns daqueles órgãos perderam suas funções ou lhes foram atribuídas outras,compatíveis com o novo quadro da economia. Mas diversos outros órgãos autônomos vêm sendo criados, com afinalidade de coordenar e promover a concorrência nos diversos setores.

Assim é que a criação de agências para regulação de outros setores do mercado continuou, como visto acima,com a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, da Agência Nacional de Águas – ANA, daAgência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA, que fez ressurgir a SUDAM, da Agência Nacional do Cinema– ANCINE, da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, Agência Nacional de TransportesTerrestres – ANTT, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT, e da Agência Nacional de

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1.

Aviação Civil – ANAC.

Cada uma dessas agências poderá ser estudada dentro da perspectiva de uma economia de mercado, comoquadro em que as empresas concorrem com a finalidade de aumentar o bem-estar do consumidor, de propiciar oprogresso econômico e a inovação e de criar condições de desenvolvimento.

9. CONTROLE DA ATUAÇÃO DAS AGÊNCIASO Senado Federal, por meio da Resolução n. 4, de 12 de março de 2013, alterou a redação do seu Regimento

Interno, para introduzir o art. 96-A, adotando-se medida salutar de obrigação de prestação de contas por parte dosdirigentes das agências. Ficam eles obrigados a comparecer anualmente perante o Senado, para prestar contassobre o exercício de suas atribuições e sobre o desempenho da agência. Deverão também apresentar uma avaliaçãodas políticas públicas no âmbito de suas competências.

Pretende-se, com esta medida, submeter a atuação das agências ao crivo de fiscalização democrática dolegislativo. É óbvio que essa prestação de contas, pelo crivo da transparência que deve nortear todos os atos daadministração pública, ficará disponível para a sociedade.

Espera-se, como é natural, que esta exigência leve as agências a adotarem uma postura essencialmente técnica,como forma de regulação do mercado, impedindo-se a politização da direção dessas autarquias. Espera-se que essamedida legislativa enfatize cada vez mais a competência técnica dos dirigentes e integrantes encarregados deefetivar uma regulação cada vez mais eficiente e justa das relações de mercado, com uma proteção eficaz dosinteresses dos consumidores.

10. ANÁLISE DO IMPACTO REGULATÓRIOO ente regulador, quer antes, quer depois da adoção de determinada medida regulatória, deve sempre ter

presentes os impactos que se produzirão no mercado, na relação entre empresas, na relação entre empresas econsumidores. Ocorrerá, assim, uma análise ex ante e uma análise ex post.

A OCDE, em 1997, apresentou um modelo de análise de impacto regulatório, com a finalidade de adoção depráticas de excelência nos países que a integram. A implementação da regulação exige por parte dos Governosmedidas que aumentem a eficácia, a eficiência e a transparência. A regulação é um instrumento muito importante edeve ser utilizada para promover o interesse público. E, para isto, as decisões a serem tomadas devem ser muitobem analisadas e examinadas, para que os impactos que provocarem sejam benéficos, quer para as empresas, quer

para o cidadão-consumidor, propiciem os investimentos e estejam integradas no contexto do mercado global. 45

A Análise de Impacto Regulatório – AIR – é, portanto, um instrumento a ser usado por quem deva decidir. É ummétodo para examinar de forma sistemática e consistente os potenciais impactos provocados pelas decisões de

governo, e para levar esta informação aos que devem tomar decisões.46

O modelo de análise sugerido pela OCDE propõe a adoção de dez medidas a serem tomadas para se obter omáximo benefício com a regulação. As melhores práticas sugeridas são as seguintes:

Maximizar o compromisso político para a adoção da Análise de Impacto

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Regulatório.Alocar cuidadosamente as responsabilidades para a implementação doselementos programáticos da AIR. Para isto deverá haver um órgão centralpara supervisionar o processo de AIR e para garantir consistência,credibilidade e qualidade. Este órgão deve ter suficiente autoridade ecompetência para exercer esta função.Formar e treinar os reguladores, através de programas adequadamenteestruturados.Usar um método consistente, mas flexível, tendo por base o princípio docusto/benefício. A flexibilidade propiciará mudanças, tendo em vista ospossíveis efeitos positivos ou negativos. Sugere-se a implementação deinstruções com autoridade suficiente para maximizar a consistência.Desenvolver e implementar estratégias de reunião de dados, sabendo-se que aqualidade dos dados é essencial para uma análise proveitosa.Focar os esforços de AIR. Os recursos devem ser destinados para aqueles alvosem que os impactos sejam mais significativos.Integrar a AIR com o processo de tomada de decisões, começando o mais cedopossível.Comunicar os resultados. Os resultados da AIR, formalizados pelos experts,devem ser comunicados de forma clara aos que devem tomar as decisões.Associar de forma ampla o público destinatário ao processo. Deve haverenvolvimento dos grupos de interesse, através de um processo de consultapública.Aplicar a AIR tanto à regulação já existente quanto àquela a ser implementada.

A União Europeia, em 15 de janeiro de 2009, adotou também uma Normativa de Análise de Impacto, emsubstituição às anteriores, de 2005 e 2006. Esta normativa é um instrumento-chave para assegurar que as iniciativasda Comissão e a legislação da União sejam preparadas de forma transparente, compreensiva e equilibrada. Deveser um auxílio para a tomada de decisão política, não um substituto para ela.

Ao elaborar um processo de análise de impacto, algumas questões devem ser previamente respondidas:

– qual a natureza e a abrangência do problema, como ele se desdobra e quem é mais afetado por ele?

– qual é a visão dos grupos interessados?

– a União deve envolver-se na solução do problema?

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– se positiva esta última resposta, quais objetivos devem ser estabelecidos para tratar o problema?

– quais as principais opções políticas para alcançar estes objetivos?

– quais os prováveis impactos econômicos, sociais e ambientais destas opções?

– como as principais opções diferem em termos de eficácia, eficiência e coerência para a solução dosproblemas?

– como deverão ser organizadas as futuras medidas de monitoração e de avaliação?

A normativa estabelece os passos que deverão ser seguidos:

– identificação do problema;

– definição dos objetivos;

– desenvolvimento das principais opções políticas;

– análise dos impactos das opções;

– comparação das opções;

– delineamento da política de monitoração e de avaliação.47

O Brasil, desde 28 de março de 2002, com o Decreto n. 4.176, estabeleceu normas e diretrizes para coordenaçãoe implementação dos atos normativos no âmbito do Poder Executivo.

O Anexo I deste Decreto se aproxima bastante da temática sugerida no texto da OCDE, ao mencionar asquestões que devem ser analisadas na elaboração de atos normativos, ao estabelecer os passos que devem serperseguidos no detalhamento dos problemas, fixação dos objetivos, dentre os quais, exemplificativamente, osseguintes:

– Deve ser tomada alguma providência?

– Qual o objetivo pretendido?

– Quais as razões que determinaram a iniciativa?

– Que repercussões tem o problema que se apresenta no âmbito da economia, da ciência, da técnica eda jurisprudência?

– Qual é o conjunto de destinatários alcançados pelo problema, e qual o número de casos a resolver?

– O que poderá acontecer se nada for feito?

– Quais as alternativas disponíveis?

– Qual foi o resultado da análise do problema? Onde se situam as causas do problema? Sobre quaiscausas pode incidir a ação que se pretende executar?

– Quais os instrumentos de ação que parecem adequados?

O Decreto n. 6.062, de 16 de março de 2007, instituiu o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucionalpara Gestão em Regulação – PRO-REG – com a finalidade de contribuir para a melhoria do sistema regulatório, dacoordenação entre as instituições que participam do processo regulatório exercido no âmbito do Governo Federal,dos mecanismos de prestação de contas e de participação e monitoramento por parte da sociedade civil e daqualidade da regulação de mercados (art. 1º).

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O PRO-REG passou a exercer suas atividades com a formulação e implementação de medidas integradas quetenham por objetivo:

– fortalecer o sistema regulatório de modo a facilitar o pleno exercício de funções por parte de todosos atores;

– fortalecer a capacidade de formulação e análise de políticas públicas em setores regulados;

– melhorar a coordenação e o alinhamento estratégico entre políticas setoriais e processo regulatório;

– fortalecer a autonomia, transparência e desempenho das agências reguladoras;

– desenvolver e aperfeiçoar mecanismos para o exercício do controle social e transparência no âmbitodo processo regulatório.

Em dezembro de 2010, foi publicado documento em que se adota a “Análise do Impacto Regulatório”, fruto doConvênio de Cooperação entre Brasil e Reino Unido, para apoiar a atuação do Programa de Fortalecimento daCapacidade Institucional para Gestão em Regulação – PRO-REG.

A regulação do mercado por parte das agências reguladoras é hoje um fenômeno mundial, como demonstrado.Os contatos de informação com outros países trazem uma valiosa contribuição, mas não se pode esquecer apeculiaridade cultural de cada um. É o que se depreende do documento que resultou do Convênio mencionado:

A regulação é um instrumento de governo que tem enormes consequências para o dia a dia de umasociedade, assim como para o desempenho de uma economia. […]

Por isso é importante olhar para a forma e os procedimentos existentes para preparar e implementar aregulação. A tendência internacional sugere que muitos países estão se concentrando em manter umapolí ca regulatória de qualidade que abranja toda a administração em seu conjunto e seja guiada porcritérios objetivos e procedimentos mais claros e sistematizados.

Afirma Alain-Serge Mescheriakoff que “nasce a ideia de que incumbe ao Estado minorar os efeitos das criseseconômicas, melhor ainda evitá-las a fim de conduzir os homens à felicidade terrena. Esta concepção doEstado-providência terá campo de aplicação a par r das desordens econômicas após a guerra de 1914-1918e sobretudo depois da grande depressão de 1929” (Droit public économique. 2e ed. revue et augmentée,1996. p. 50).

Cf. HAYEK, Friedrich A. La route de la servitude. Paris: PUF, Quadrige, 1985. Droit, legislation et liberté. Paris:PUF, 1980.

Observa Coase: “It would seem desirable to summarize the burden of this long sec on. The problem whichwe face in dealing with harmful effects is not simply one of restraining those responsible for them. Whathas to be decided is whether the gain from preven ng the harm is greater than the loss which would besuffered elsewhere as a result of stopping the action which produces the harm. […]Furthermore we have totake into account the costs involved in opera ng the various social arrangements (whether it be theworking of a market or of a government department), as well as the costs involved in moving to a new

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system. In devising and choosing between social arrangements we should have regard for the total effect.This, above all, is the change in approach which I am advocating” (The problem of social cost. In: The journalof law and economics, v. III, 44, p. 27-28, october 1960).

Observa A.-S. Mescheriakoff que para a concepção extraída dos trabalhos de Hayek “o mercado, bem melhordo que o plano, é ‘redutor de incerteza’ (a expressão é de P. Massé, Le plan ou l’an -hasard. Paris:Gallimard, 1965). Nesta perspec va, o papel do Estado não é mais de se subs tuir ao mercado mas o demelhorar tanto quanto possível o seu funcionamento. Uma nova teoria econômica, a das ‘antecipaçõesracionais’ se des na a formalizar este novo papel. O Estado deve desempenhar um papel de estabilizadordas condutas econômicas e não querer modificá-las artificialmente. Fala-se de um ‘novo Estado gendarme’,gendarme do mercado, ‘de intervencionismo liberal’ des nado a fazer respeitar a ‘regra do jogo’” ( Droitpublic économique. 1996. p. 71).

No caso COSTA-ENEL (Caso 6/64, decidido pelo Tribunal de Justiça da Comunidade em 15 de julho de 1964) oTribunal afirma: “Diferentemente dos tratados internacionais, o Tratado CEE estabeleceu um ordenamentojurídico próprio integrado ao sistema jurídico dos Estados-Membros desde a entrada em vigor do Tratado eque se impõe às suas jurisdições. Ao estabelecer-se uma Comunidade de duração ilimitada, dotada deins tuições próprias, de personalidade, de capacidade jurídica, de uma capacidade de representaçãointernacional e, mais concretamente, de poderes reais se instaura uma limitação de competências ou umatransferência de faculdades dos Estados-Membros à Comunidade, os quais limitaram seus direitos desoberania e criaram um corpo de Direito aplicável a seus cidadãos e a eles próprios. Esta integração noDireito interno de cada país-membro de normas procedentes de fontes comunitárias e, com caráter maisgeral, dos termos e do espírito do Tratado tem como corolário a impossibilidade dos Estados de fazerprevalecer, contra um ordenamento jurídico aceito por eles sobre uma base recíproca, uma medidaunilateral ulterior que se oponha a tal ordenamento comunitário; o Direito que surge do Tratado cons tuiuma fonte autônoma à qual não pode opor-se, com base em sua natureza específica original, um textojurídico interno, qualquer que seja ele, sem perder seu caráter comunitário e sem que se ques one aprópria base jurídica da Comunidade” (José Luis Ruiz-Navarro Pinar. Derecho comunitario básico:legislación y jurisprudencia. Madrid: Editorial Universitas, 1991. p. 28-50). No caso NICOLO, o Conseil d’Étatse pauta pelo mesmo pensamento: “A hierarquia que se estabelece entre o tratado internacional e a lei édefinida pelo ar go 55 da Cons tuição segundo o qual: ‘Os tratados ou acordos regularmente ra ficados ouaprovados têm, desde sua publicação, uma autoridade superior à das leis, sob reserva, para cada acordo outratado, de sua aplicação pela outra parte’” (LONG, M. et alii. Les grands arrêts de la jurisprudenceadministrative. Paris: Dalloz, n. 116, 1993. p. 742-751).

Observa Gentot que a extensão dos poderes do Presidente da República, dentre eles a possibilidade legal derevogar o mandato de um membro da Federal Trade Commission antes de sua expiração. No casoHumphrey’s Executor v. United States, a Suprema Corte decidiu que o Congresso nha do a intenção decriar um corpo independente de toda autoridade executiva, exceto em sua escolha, e livre para exercer seujulgamento sem a autorização dos representantes da administração e, assim fazendo, ele não nha violadoa Constituição.

94 US 126 (1877).

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118 US 557 (1886).

Cf. MESCHERIAKOFF, Alain-Serge. Droit public économique. 1996. p. 143. Ver também MENY, J.-C. Y. Politiquespubliques. 1989. Em trabalho publicado no Movimento Editorial da Faculdade de Direito da UFMG, em 1997,observei que um Estado não pode adotar polí cas econômicas restritamente a determinado campoeconômico-social, sem se preocupar com os reflexos das medidas ali adotadas sobre outros campos(LEOPOLDINO DA FONSECA, J. B. Direito econômico: polí cas econômicas. Belo Horizonte: Faculdade deDireito da UFMG, 1997. p. 5-6). Jacques e Cole e Nême também observam que toda polí ca econômicadeve ser coerente em seus obje vos, seus meios e os prazos que ela se impõe. A planificação explicita equan fica esta coerência. Nos países desenvolvidos, de economia de mercado, sua origem varia. Aplanificação conduz a hierarquizar os obje vos, a quan ficá-los e a verificar a compa bilidade dos meioscom os fins de maneira mais sistemá ca que uma simples polí ca econômica ( Poli ques économiquescomparée. Paris, Presses Universitaires de France, p. 26, 1989). No mesmo sen do a análise feita porCalixto Salomão Filho, quando, ao comentar os princípios fundamentais da ordem econômica brasileira,estabelecidos no ar go 170 da Cons tuição Federal de 1988, afirma: é claro que mesmo entre essesprincípios fundamentais, é possível o conflito. Medidas obje vando a jus ça social podem não sertotalmente compatíveis com a livre iniciativa, e vice-versa. Nesse caso, não parece haver outra alternativa anão ser dar prevalência ao princípio mais diretamente afetado pela medida específica em análise” (Direitoconcorrencial: as estruturas. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 177).

Após apresentar os modos tradicionais de intervenção do Estado e que seriam o exercício da a vidade peloEstado em regime de monopólio, o exercício pelo par cular com regulamentação direta pelo Estado e ocontrole da entrada no mercado realizada pelo Estado num processo compe vo de licitação, acrescentaCalixto Salomão Filho que a Lei n. 9.074/95 optou por um quarto caminho, numa tenta va de restringir oscustos fixos de acesso a fatores de produção, prevendo ainda que “as priva zações seguidas de concessõespoderão ser feitas sem reversão dos bens des nados ao serviço público (v.g. linhas de transmissão) queeram u lizados (direito de uso) pelas empresas públicas (ou de economia mista) e con nuarão a sê-lopelos par culares (art. 28)” ( Direito concorrencial: as estruturas. São Paulo: Malheiros, 1998. nota 60, p.196).

Na Espanha, San ago Mar nez Lage, ao in tular o editorial da Gaceta jurídica de la C. E., n. 128, com apergunta “¿Órganos sectoriales de defensa de la competencia?”, observa que a adoção de “entesreguladores” seria uma pura tradução da denominação americana “regulatory agencies”. Cita como jáexistentes na Espanha a Comisión Nacional del Mercado de Valores (criada pela Lei n. 24/1988), a Comisióndel Sistema Eléctrico Nacional (CSEN, criada pela Lei n. 49/1994, reformada pela Lei n. 54/97), a Comisióndel Mercado de las Telecomunicaciones (CMT, criada pelo Real Decreto-lei n. 6/1996, reformada pela Lei n.12/97, e em vias de ser novamente reformada pelo Proyecto de Ley General de Telecomunicaciones), aComisión Nacional de Energía (CNE, em vias de criação se for aprovado o Proyecto de Ley del Sector deHidrocarburos), e o Comisionado para el Mercado de Tabacos (Co. M.T., em vias de ser criado se aprovado oProyecto de Ley de Ordenación del Mercado de Tabacos) (San ago Mar nez Lage, “¿Órganos sectoriales deDefensa de la Competencia?” Gaceta jurídica de la C.E. y de la competencia. Boletín, n. 128, p. 1, nov. 1997).

A Lei n. 11.972, de 2009, alterou a Lei n. 9.782/99.

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Les Autorités Administratives Indépendantes. 1994. § 47.

Discorda Mar nez Lage da denominação de “agência reguladora”, por lhe parecer que detêm estes órgãosum papel mais acentuado de “vigilância”: “No nos proponemos llevar a cabo un análisis sistemá co de lascompetencias de estos entes, ni un intento de catalogación de los mismos según sus funciones – tarea máspropia de un administra vista – aunque no podemos dejar de llamar la atención sobre lo inadecuado de sudenominación como entes reguladores, pues todos ellos aparecen legalmente configurados en muchamayor medida como entes vigilantes que como entes reguladores. Quisiéramos, en cambio, subrayar laexistencia de un fenómeno claramente percep ble en la evolución de la prác ca totalidad de estosorganismos: su progresivo deslizamiento hacia la vigilancia de la competencia en el mercado” (¿ÓrganosSectoriales de Defensa de la Competencia? Gaceta jurídica de la C.E. y de la competencia, n. 128, p. 2, nov.1997).

Ibidem, n. 47-48.

Chevron U.S.A. Inc. v. NRDC, 467 U.S. 837 (1984).

MAJONE, G., New Agencies in the EC: Regula on by Informa on. The new european agencies: conferencereport, Alexander Kreher (editor), San Domenico, Badia Fiesolana, 1996. p. 5.

MAJONE, G., ob. cit. p. 6.

MAJONE, G., ob. cit. p. 7.

No capítulo 1 enfa zamos algumas das caracterís cas do Direito Econômico, dentre as quais o declínio doprincípio da generalidade das leis, o princípio da mobilidade e a crise da impera vidade das leis. Citamoscomo exemplo as normas emanadas pelo Banco Central do Brasil, que já se afirmava, desde 1965, comouma autêntica Agência Reguladora do setor financeiro. Afirmou-se que a urgência do fenômeno econômicoexige a formulação mais rápida de normas reguladoras. As agências reguladoras que hoje estão seimplantando deverão fazer uso cada vez mais acentuado desse novo po de normas, mantendo o respeitoabsoluto ao critério da legalidade, imposto pela Cons tuição Federal. (OCDE/GD(97)132. Applica on ofCompetition Policy to the Electricity Sector, p. 151-152).

Ao se referir ao maior custo da elaboração de normas através dos órgãos cons tucionalmente competentespara elaborar leis, afirma POSNER que a elaboração de normas reguladoras pelas agências se torna uminstrumento norma vo de menor custo. Assim diz ele: “We must also consider, however, the increase over

me in the cost of statutory rulemaking brought about by the fact, emphasized earlier in this paper, thatlegislatures cannot be expanded to handle a rising workload without very sharp increases in the costs ofenactement. This problem has been met by increased delega on to administra ve agencies (as well as bymore flexible principles of statutory construc on on the part of both courts and agencies. The importanceof agencies, rela ve to courts, as sources of rules has increased drama cally, and this is consistent with theview that society is seeking to adapt to changes over me in the rela ve costs of different methods ofproducing rules” (POSNER, Richard A., Economic Analysis of Legal Rulemaking. In: The Journal of LegalStudies. V. III, p. 280, January, 1974).

MAJONE, G. (New agencies in the EC: Regulation by Information, In: The new european agencies: conferencereport. p. 9).

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MAJONE, G. ibidem. p. 9).

MAJONE, G. ibidem. p. 10).

Diz Es evenart: “Et donc finalement on a pu réaliser un consensus sur la créa on d’une agence de droitcommunautaire, et on a demandé à la Commission à ce moment-là de faire une proposi on – je crois en1991 – et ce e proposi on a été faite début 1992 et a été négociée jusqu’au mois de février 1992, où leréglement a finalement été adopté à l’unanimité par le Conseil, puisque basé sur l’ar cle 235 du Traité.Pour quelles raisons a-t-on fait finalement ce grand pas, si on le met en perspec ve avec le cadre juridiquepré-existant? C’est que l’absence d’informa on, c’est aussi une poli que. Donc décider de faire del’informa on, ce n’est pas neutre poli quement, c’est décider d’apporter de la vérité sur un sujet, c’est-à-dire décider que la décision poli que pourra moins se faire à l’avenir sans référence aux réalitésprésentées par un système d’informa on qui fonc onne plus ou moins correctement” (ESTIEVENART,Georges, L’Observatoire Européen des Drogues et des Toxicomanies. In: The new european agencies –conference report. p. 17).

“Il y a un autre élément qui me paraît tout à fait décisif aussi dans la structure de ce e agence, et c’est uneplus-value énorme par rapport aux prédécesseurs, aux précurseurs (le Groupe Pompidou du Conseil del’Europe), ce sont les courroies de transmission vers les niveaux de la prise de décision poli que del’Union. Une autre plus-value de départ de ce e agence, c’est que justement elle n’est pas du toutappelée à fonc onner comme un ins tut. Elle est surtout appelée à fonc onner comme un animateur, cequi correspond bien d’ailleurs à la pe te taille de son staff, au départ en tout cas, comme un animateurd’un réseau d’observatoires nationaux sur la drogue” (idem, ibidem. p. 18).

“Criteria and procedures for approval of human and veterinary medicines, together with several otherimportant aspects of pharmaceu cal legisla on, have been extensively harmonised within the EuropeanUnion. The Community provisions applicable to medicinal products include binding legisla on (regula onsand direc ves), as well as ‘so law’ in the form of numerous guidelines on the conduct of the quality,safety and efficacy studies and a no ce to applicants describing the administra ve procedures to befollowed in order to obtain authorisation of medicinal products” (SAUER, Fernand. Ibidem. p. 24).

“As many of us have repeated, should we not have had an EEC nor an EU, we should have needed one onenvironment grounds. In the dynamic process, during the 80’s, the required shi from a ‘reac veenvironmental policy’ to an ‘ac ve’ one was evident, from ‘end of the pipe’ solu ons to ac on at thesource’, from ‘correc on’ to ‘preven on’, from the ‘environment as burden’ to ‘environment as achallenge and an opportunity’ for assuring a con nuous and balanced improvement in the quality of life,which implied an increase in the ins tu onal capaci es to provide the policy-makers (and the public ingeneral) with the best information to develop and implement adequate measures at national and EU level”(JIMENEZ-BELTRAN, Domingo. Ibidem. p. 29-30).

Afirma Jimenez-Beltrán: “The objec ves of the Agency are to provide the Community and the MemberStates with objec ve, reliable and comparable informa on, enabling them to develop and implementadequate environmental policies, and to assure that the public is properly informed about the state of theenvironment “ (JIMENEZ-BELTRAN, Domingo, The European Environment Agency. The new europeanagencies – conference report, p. 30).

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COMBALDIEU, J. C. Histoire, experience et futur de l’office de l’harmonisa on dans le marché intérieur(Marques, Dessins et Modéles), The new european agencies – conference report. p. 49).

DUTRA, Pedro, Agência de vigilância sanitária. In: Revista do Instituto Brasileiro das Relações de Concorrênciae de Consumo: doutrina, jurisprudência, legislação, São Paulo, n. 7, v. 5, p. 3, 1998. Ver também do mesmoautor: Regulação na Forma da Lei. In: Revista do Ins tuto Brasileiro das Relações de Concorrência e deConsumo: doutrina, jurisprudência, legislação, São Paulo, n. 10, v. 5, p. 5-6, 1998; Novos ÓrgãosReguladores: Energia, Petróleo e Telecomunicações. In: Revista do Ins tuto Brasileiro das Relações deConcorrência e de Consumo: doutrina, jurisprudência, legislação, São Paulo, p. 37-50, março, 1997;Regulação: Segurança Jurídica e Inves mento Privado. In: Revista do Ins tuto Brasileiro das Relações deConcorrência e de Consumo: doutrina, jurisprudência, legislação, São Paulo, n. 3, v. 5, p. 5-6, 1998; Reformado Estado: Avanço e Memória. In: Revista do Ins tuto Brasileiro das Relações de Concorrência e deConsumo: doutrina, jurisprudência, legislação, São Paulo, n. 5, v. 5, p. 5-6, 1998; A Saúde da Regulação. In:Revista do Ins tuto Brasileiro das Relações de Concorrência e de Consumo: doutrina, jurisprudência,legislação. São Paulo, n. 6, v. 5, p. 17-18, 1998; Regulação: O Desafio de uma Nova Era. In: Revista doIns tuto Brasileiro das Relações de Concorrência e de Consumo: doutrina, jurisprudência, legislação, SãoPaulo, n. 2, v. 5, p. 5-15, 1998. Ver também: BENJÓ, Isaac, A Urgência do Aparato Regulatório no EstadoBrasileiro. In: Revista do Ins tuto Brasileiro das Relações de Concorrência e de Consumo: doutrina,jurisprudência, legislação, São Paulo, p. 3-12, abril 1997.

Ao se referir a estas “caracterís cas” das agências reguladoras, na terminologia adotada por Pedro Dutra, oProfessor Eurico de Andrade Azevedo, em excelente ar go afirma que “as agências reguladoras federaisforam criadas como autarquias sob regime especial, regime este caracterizado pelo conjunto de privilégiosespecíficos que a lei outorga à en dade para a consecução de seus fins”. Permito-me somente umadivergência, não de conteúdo, mas somente terminológica quanto ao uso da palavra “privilégios”, hoje tãodistorcida. Bastaria consultar o Dicionário do Aurélio, para encontrarmos outro termo que acredito diga amesma coisa, mas de maneira mais adequada. Ali se define “privilégio” como a “Vantagem que se concedea alguém com exclusão de outrem e contra o direito comum”. Creio, contudo, que seria melhor outrosinônimo oferecido pelo mesmo dicionarista: “prerroga va”, que não se presta ao uso deprecia vo hojevulgarizado (Agências reguladoras. In: Revista de Direito Administrativo. n. 213, p. 141-148, jul.-set. 1998).

Como enfa zou Judith Warrick em palestra proferida em Seminário promovido pela CEMIG – CentraisElétricas de Minas Gerais, no período de 9 a 11 de novembro de 1998, toda a América La na passa por umprocesso de priva zação e de criação de um ambiente de compe vidade no setor elétrico, enfrentandoproblemas comuns a todos os países, ou seja, um contexto econômico incerto composto por regulações,polí cas e problemas que poderiam tornar a operação de uma empresa de eletricidade di cil em qualquerambiente. Afirmou ela: “Our objec ve this a ernoon is to share experiences about opera ng in acompe ve environment and restructuring the industry. I’ve been asked to lead-off and address severaltopics:

• Why and how should competition be introduced?

• What is the importance of vertical disaggregation in restructuring?

• What strategic actions are necessary in a competitive environment?

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• How can the continuity of a competitive market be insured?

• The importance of a transitional period.

• And finally, some reflections on the future, including New Products, Investments, Returns”.

E, ao finalizar as considerações sobre a primeira parte, por que introduzir a concorrência, assim o faz: “So Iconclude that a system should be opened to as much compe on as possible, as soon as possible. I furtherstrongly believe that while today some aspects of the electricity have characteris cs of a monopoly, in thenear future there will be essen ally no monopoly aspects in the provision of electricity. I recognize thatthis is a radical view – one not shared by many of my fellow observers of the electricity industry. As I said, Iempathize with those who prefer to move more slowly. I empathize with those faced with real- me, real-life problems of subsidies and overstaffing, of bureaucra c and opera onal inefficiencies, of financialdistress and capacity short-ages, of a desperate need for capital. Nonetheless, in my experience, the vastmajority of non-market solu ons to overcome system inefficiencies simply don’t work. They virtuallyalways create new, o en much greater problems. Making tough decisions, by defini on, isn’t easy. But Ican’t remember when a Band-Aid approach hasn’t been worse than le ng the market work. So, let’sassume that the system is ready to be opened, and that the powers that be open it quickly and completely”(texto fornecido gentilmente pela Direção da CEMIG, através do Dr. Rubens Ferreira Campos).

Cf. OCDE/GD(97)132.

OCDE/GD(97) 132, “Application of Competition Policy to the Electricity Sector”, p. 7).

“The Canadian electricity sector has traditionally consisted of vertically integrated, regulated or government-owned monopoly u li es. However, in Canada, as in other countries, there is growing interest in usingmarket forces to promote the efficient and low cost supply of power. ( Applica on of compe on policy tothe electricity sector. OCDE/GD(97)132, p. 27). “Over the past three years, the compe on Bureau has beenac ve in promo ng pro-compe ve structural and regulatory reforms in the Canadian electricity sector. In1993, the Bureau provided a submission to the Na onal Energy Board’s Review of Inter-U lity electricityTrade in Electricity. The Compe on Bureau has played an ac ve role in recent ini a ves rela ng to theopening of the Canadian electricity system to compe on. This role will con nue as deregula on of theCanadian electricity sector proceeds” (Applica on of compe on policy to the electricity sector,OCDE/GD(97)132, p. 32-33).

The Government believes that compe on is the best guarantee of customers interests. It also provideschoice for customers, and an underlying principle of the priva sa on was that decisions about the supplyof electricity should be driven by the needs of customers. Compe on was introduced, in both supply andgeneration, in 1990. (Application of competition policy to the electricity sector. OCDE/GD(97)132, p. 134).

Regula on and an trust have had an uneasy coexistence, given their somewhat inconsistent thrusts:an trust encourages compe on but for the most part does not a empt to control a firm’s prices,investments, and technology choices, whereas regula on does a empt to control such decisions and o enrestricts entry into the industry as well, thereby reducing compe on. The difficul es in reconciling theseapproaches, and the distor ons that stem from regula ng monopolies, have created growing support formoving toward a more integrated compe ton-cum-an trust regime. Regulatory reforms in the 1970s and

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1980s demonstrated that largely unregulated compe on yields more efficient performance in suchtradi onally regulated industries as air transport, railroads and trucking, natural gas produc on, and long-distance telephone service. More recently, technological advances have further increased the scope forcompe ton in local telephone and cable service and in the electric power industry. Regulatory regimesshould adapt to changing condi ons, to help shrink the boundaries of the regulated sector and rely moreon competition (Application of competition policy to the electricity sector. OCDE/GD(97)132, p. 140).

Edição de 10.09.1997.

Redação alterada pela Lei n. 11.097, de 2005.

O texto integral dessa Portaria foi publicado pela Revista de direito econômico, n. 28, p. 121-122,agosto/dezembro de 1998.

Dentre as incumbências prescritas nos arts. 29 e 30, rela vamente à matéria concorrencial, vale ressaltar asseguintes: es mular o aumento da qualidade, produ vidade, preservação do meio ambiente econservação (art. 29, X); incen var a compe vidade (art. 29, XI); es mular a formação de associações deusuários para defesa de interesses rela vos ao serviço (art. 29, XII), e ainda dispõe o legislador que “noexercício da fiscalização, o poder concedente terá acesso aos dados rela vos à administração,contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da concessionária” (art. 30).

Com a redação dada pela Lei n. 10.202, de 2001.

Lembra-me, neste ponto, a carta remetida pelo Prof. ALBERTO VENÂNCIO FILHO ao Sr. Presidente do IBRAC,Dr. Carlos Francisco Magalhães, e ao Sr. Presidente do CADE, Prof. Gesner de Oliveira, publicada na Revistado IBRAC, n. 1, v. 5, p. 3-4, 1998, em que o Mestre assinala que “em trabalhos doutrinários, como nospronunciamentos do CADE, está se desenvolvendo uma a tude perversa de citação de termos em inglês,perfeitamente traduzíveis para o vernáculo”. Outras vezes se fazem traduções com base numa semelhançade formas, embora os significados sejam diferentes. Assim, o termo “advocacy” é definido pelo RandomHouse Unabridged Dic onary como “the act of pleading for, suppor ng or recommending ac ve espousal”.O Black’s Law Dic onary define “advocacy” com os mesmos termos. A mais adequada tradução para oportuguês seria a de “defender, patrocinar, promover”. Se consultarmos o verbete “advocacia”, nodicionário do Aurélio, ali encontraremos: ação de advogar, profissão ou exercício da profissão de advogado.Daí por que optamos por traduzir a expressão inglesa “advocacy of compe on” por “defesa, patrocínio oupromoção da concorrência”.

Regulatory Impact Analysis: Best Practices in OECD Countries, Foreword, p. 3.

Regulatory Impact Analysis: Best Practices in OECD Countries: What is Regulatory Impacta Analysis? p. 14.

European Commission, Impact Assessement Guidelines, 15 january 2009. Cf.<http://ec.europa.eu/governance/impact/consultation/ia_consultation_en.htm>; poderá tambémconsultar-se: <http://ec.europa.eu/governance/impact/docs_en.htm>.

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PLANEJAMENTO ECONÔMICO

1. A BUSCA DA RACIONALIDADEA partir do século XVIII acentuou-se um grande esforço do pensamento filosófico para estabelecer, através da

razão, critérios de condução das atividades humanas. O pensamento iluminista correlaciona racionalismo edemocracia. É a partir da formulação dos princípios racionalistas que se chega à afirmação da igualdade de todosos seres humanos e à condenação de qualquer forma de autoritarismo. Mas é também partindo da conceituação dasupremacia racional que se buscam critérios para organizar toda a sociedade. A racionalidade no agir pressupõeuma adequação entre os meios utilizados e os fins a serem alcançados.

Esta racionalidade pode ser encontrada nas relações de mercado , e era assim que Adam Smith concebia ofuncionamento do mercado, como impregnado de leis que funcionavam de tal modo a levar aquelas relações a umasituação de harmonia. A esta situação se costuma denominar de racionalidade do mercado.

Mas, ainda no século XIX, ficou evidenciado que aquela racionalidade, deixada ao livre funcionamento de suasforças intrínsecas, não produziu resultados satisfatórios. De uma racionalidade que privilegiou exclusivamente ointeresse individual, atribuindo ao indivíduo todo o valor, exaltando-o acima da própria sociedade, se passa a umaoutra fase. Era necessário enfatizar o interesse da sociedade, como forma de buscar um novo equilíbrio social, umanova racionalidade. À racionalidade do mercado, centrada sobre o interesse exclusivo do indivíduo, substitui-seuma racionalidade social, que procura concretizar os interesses do grupo social, no pressuposto de que se estariapropiciando um equilíbrio em que todos os indivíduos viessem a ser beneficiados.

Mas esse esforço de valorização do social não chegou a produzir frutos concretos. A necessidade de encontrar-se um outro caminho ficou demonstrada quer com os acontecimentos econômicos que antecederam e sucederam àPrimeira Grande Guerra, quer com os que se seguiram à Grande Depressão. A partir de então, busca-se umaracionalidade que venha a ser criada de fora, com a participação do Estado. Surgem, a partir do término daPrimeira Grande Guerra, os esforços dos planificadores públicos. A planificação passa a ser vista como dotada deuma força externa aos fenômenos sociais e econômicos, a aplicar-se sobre eles para alcançarem as metaspropostas. A ação dos planificadores públicos encontrou um problema substancial, qual seja o de sua compatibilidadecom o planejamento empresarial, que continuou subsistindo atrelado às leis do mercado. Essa busca decompatibilização é essencial, para que os esforços desenvolvidos não se contraponham, mas persigam a possibilidade

de colocação de metas que interessem a ambos os lados.1

1.1. Razão e democraciaA marca fundamental dos poderes da mente humana se exterioriza a partir do momento em que o homem

descobre que pode organizar a sua própria vida individual e a vida da sociedade em que se situa. O poder é visto eexplicitado em lei como uma decorrência da razão humana. Quando os textos constitucionais afirmam que “o poderemana do povo e em seu nome é exercido”, estão a aceitar pressupostos racionalistas que, em lugar de submeter-sea um fatalismo, ou um determinismo ou uma intromissão do divino na condução dos negócios humanos, atribuem ao

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homem o poder de reger sua própria vida. Esse poder se estende a todos os campos da vida social: a organizaçãopolítica e a organização econômica. Aquela foi de imediato objeto do estabelecimento de normas nos textosconstitucionais, esta só mais tardiamente veio a se impor. Pressupõe-se então que o povo possa se organizareconomicamente, fazendo com que a atividade econômica se reja segundo as exigências da organização política esocial. O homem se capacita de que pode introduzir uma organização econômica no plano social, não somenteno plano da individualidade ou no plano corporativo, como forma de concretizar a democracia, que é então entendida

como participação de toda uma coletividade.2

1.2. Racionalidade e mercadoÉ fundamental para a vida moderna aceitar-se a tese de que a racionalidade do mercado, a adequação interna de

seus elementos constituintes, possa vir a ser objeto da intervenção de um ator que está impregnado por uma lógicadiferente da que rege os seus critérios intrínsecos. O Estado, quando intervém no mercado, o faz levado por forçasde coerência diferentes daquelas que ali atuam. Diferentes, contudo, não significa que devam ser-lhes contrárias.Esta diferença se manifesta como resultado de princípios de origem distinta, a liberdade individual e o interessesocial. Daí por que o Estado intervém secundando os direcionamentos intrínsecos do mercado, mas tambémalterando seus rumos. Como veremos mais adiante, a prática da planificação deve situar-se no contexto de um

discurso aberto e racional, devendo sujeitar-se a amplas discussões para se atingir uma forma de consenso.3

1.3. Planejamento e racionalidadeO planejamento econômico surge no século XX como forma de imprimir ao mercado um direcionamento

diferente daquele que o regeria se deixado às suas “leis naturais”. O planejamento tem como finalidade fazer comque a tomada de decisões e a informação de ações sejam impregnadas de racionalidade. Distingue JohnFriedmann uma planificação “ortogonal”, criada para uma ordem hierárquica e estática, em conformidade com

uma razão divina ou cósmica,4 de uma planificação científica e técnica, dotada de dinamicidade e de criatividade,voltada para o futuro e para a criação de uma nova realidade; procura valer-se do conhecimento científico e técnicopara poder influir as ações no âmbito público. Para esse autor, o planejamento pode revestir-se de três formas: demanutenção, de mudança evolutiva, e de transformação radical.

Lembra Friedman que a ideia de planejamento social vem já de dois séculos, tendo assumido formas variadasnesse lapso de tempo. Saint-Simon (Claude-Henry de Rouvroy – 1760-1825) pode ser considerado o pai do

planejamento social,5 através de três de suas obras: O Organizador, O Novo Cristianismo e Da Reorganizaçãoda Sociedade Europeia. Seguidor do pensamento de Saint-Simon, Augusto Comte (1798-1857) publica em 1822 oPlano de Trabalhos Científicos Necessário para a Reorganização da Sociedade, em que defende a seguintetese:

A elaboração de qualquer plano para a organização social abarca necessariamente duas séries detrabalhos tão diferentes em seus objetos como nos esforços intelectuais que requerem. Uma, teóricaou espiritual, aponta para o desenvolvimento da concepção condutora do plano – isto é, para o novoprincípio des nado a coordenar as relações sociais – e para a formação do sistema de ideias gerais,preparadas para guiar a sociedade. A outra, prá ca ou temporal, decide sobre a distribuição da

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autoridade e a combinação de ins tuições administra vas que melhor se adaptem ao espírito do

sistema previamente determinado pelos trabalhos intelectuais.6

Distingue Friedman quatro perspectivas do planejamento: a da reforma social, e a de mobilização social, quesão de tendência radical, e ainda a análise de políticas e a aprendizagem social, que são de tendênciaconservadora.

A tradição da reforma social, de tendência radical, mas de orientação social, reúne autores que queremencontrar caminhos adequados para institucionalizar a prática da planificação e fazer com que o Estado tenha umpapel mais efetivo na condução da economia. Como representantes desta corrente, podemos assinalar John

Maynard Keynes (General Theory – 1936) e Herbert Hoover.7 Foi dentro do pensamento desta corrente queFranklin Delano Roosevelt criou o National Planning Board. Cite-se ainda Harlow S. Person, para quem “aplanificação se canaliza mediante uma ‘mente institucional’ que é mais poderosa do que qualquer soma de suaspartes. Mediante a percepção, a memória e o raciocínio, a mente institucional realiza a análise científica, projeta

um plano de ação global e coordena as ações posteriores” .8 Deve-se ainda fazer referência a Rexford G.Tugwell, que publicou em 1932 The Battle for Democracy, em que defende a tese segundo a qual a planificação éuma atividade superpolítica, destinando-se a ser o quarto poder do governo.

O tema da racionalidade é estudado e apregoado por Max Weber,9 Karl Mannheim,10 sob o prisma sociológico,

e por Karl Popper, sob o aspecto crítico.11

A tradição da mobilização social, também de tendência radical, mas de transformação social, desenvolveu-sedesde 1820, na França e na Inglaterra, simultaneamente, tomando como ponto de partida a repulsa contra a ordemexistente, principalmente contra a brutalização que se seguiu à Revolução Industrial, e pretendia reformarradicalmente a sociedade. Aqui surge o pensamento utópico de Robert Owen e de Charles Fourier, cujaimaginação visionária os levou a criar “comunidades intencionais”, que aspiravam à perfeição de organização. Afeição do anarquismo social se apresenta com Pierre Joseph Proudhon (1809-1865), com Michael Bakunin (1814-1876), com Peter Kropotkin (1842-1921) e com Georges Sorel (1847-1922). A perspectiva do materialismohistórico tem como seu maior representante Karl Marx (1818-1883).

A tradição da análise de políticas, que se insere numa perspectiva conservadora e de orientação social, partiado pressuposto de que “os métodos objetivos da ciência podiam, e na realidade deviam, usar-se para tomar decisõesmais racionais sobre políticas, e, segundo, que decisões mais racionais melhorariam materialmente a capacidade de

solução de problemas das organizações”.12 Aqui surge a obra de Herbert Simon e a análise de Amitai Etzioni.13

Por último, a tradição da aprendizagem social, de caráter conservador, mas com tendência de transformaçãosocial. John Dewey foi o grande representante desta tradição, que ensina que o caminhar humano começa e acabacom ação, através da qual existe um processo de aprendizagem que conduz ao progresso. Podem ser apontados,como seus discípulos, Mao-Tse-Tung, Lewis Mumford e Edgar S. Dunn Jr. Em sua obra Liberalism and socialAction afirma:

A planificação organizada, realizada para a criação de uma ordem em que a indústria e as finançasestão socialmente dirigidas em bene cio de ins tuições que proporcionam a base material para aliberação cultural e o crescimento dos indivíduos, é agora o único método de ação social pelo qual oliberalismo pode realizar seus obje vos declarados. Esta planificação requer, por sua vez, uma nova

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concepção e lógica da inteligência liberada como força social.14

1.4. Gênese da racionalidadeO planejamento econômico passou a ser adotado justamente com o objetivo de enfeixar as diversas medidas de

política econômica dentro de um contexto que lhes conferisse unidade dentro da multiplicidade.

Na concretização dessa sua finalidade intrínseca, independe da ideologia política adotada pelos diversos países.Assim é que J. K. Galbraith afirma ser possível a adoção do planejamento econômico dentro do contexto do

mercado, que aceite as leis de mercado e que sirva para o bom funcionamento dessas leis.15 Dentro dessa moldurade adaptação, de incentivo e estímulo às leis de mercado é que se pode entender um planejamento econômico nosEstados Unidos. Não se pode negar a existência de planejamento econômico, naquele país, somente pelo fato de sepensá-lo como um protótipo de liberalismo econômico. Como afirma Jean Vergeot, citando um artigo do ProfessorGerhard Colm:

Se planificação econômica nacional é entendida no sen do de uma organização formal para dirigir osrecursos produ vos da Nação para as finalidades da mais alta prioridade nacional, então éverdadeiramente duvidoso que se possa falar de planificação econômica nos Estados Unidos. Em largamedida, o desenvolvimento e a afetação dos recursos nacionais estão dirigidos pelas leis do mercado,pelo jogo recíproco da oferta e da procura. Seria, entretanto, um erro concluir que não existe

planificação econômica nos Estados Unidos.16

Dentro de um contexto de Planejamento dos Programas Públicos, podem citar-se o “Interstate HighwaySystem”, instituído com a finalidade de construção de um plano rodoviário em escala nacional, o “Tennessee ValleyAuthority”, criado como o primeiro modelo de planificação regional, e a “National Aeronautics and SpaceAdministration”, que vem exercendo profunda influência no avanço das ciências e no desenvolvimento tecnológicodas indústrias de ponta. Não se pode deixar de citar também uma planificação dos negócios privados (BusinessPlanning), e uma planificação da política econômica (Economic Policy Planning).

Tem particular importância o “Economic Policy Planning”, que é fruto de um movimento legislativo existentedesde muito tempo antes, mas reflexo do pensamento de que o Estado poderia e deveria atuar no domínio

econômico.17 Dentro desse contexto evolutivo, convém não esquecer a “Interstate Commerce Commission”, quefoi criada em 1887 com a finalidade de fiscalizar a tarifação dos transportes internos; lembre-se ainda o “ShermannAct”, editado em 1890, com a finalidade de propiciar o funcionamento adequado do mercado, proibindo as coalizõese monopólios; em 1914, através do “Clayton Act”, cria-se a “Federal Trade Commission” que tem por finalidadeconcretizar a aplicação da legislação antitruste; em 1920 cria-se a “Federal Power Commission”, para o controleda tarifação da energia elétrica; em 1934 é instituída a “Federal Communications Commission” para fiscalização econtrole dos telégrafos, telefone e rádio. O “New Deal” revela mais profundamente a atitude planificadora doEstado. E, depois da Segunda Grande Guerra, o “Full Employment Act”, em 1946, dá ao Presidente dos EstadosUnidos o poder “de coordenar e de utilizar todos os planos, funções e recursos” do governo federal para instaurar emanter uma situação que garanta trabalho a cada um e se possível a todos, e para favorecer ao máximo o emprego,

a produção e o poder de compra”.18

Por outro lado, a antiga União Soviética passou a adotar o planejamento econômico já a partir de 1917, quando da

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instituição do Conselho Superior da Economia Nacional, que tinha por atribuição formular princípios gerais e elaborarum plano destinado a regular a vida econômica da União. No período de 1921-1928 é criado o Gosplan (ComissãoCentral do Plano de Estado), que tem como uma de suas finalidades a luta contra a escassez de recursos e areconstrução de uma economia devastada pela guerra. Já em 1925-1926, o Gosplan estabelece as primeiras cifrasde controle da economia nacional. Dentro da concepção de que a vida econômica da União Soviética é determinadae dirigida por uma plano estatal da economia, surge em 1928 o 1º Plano Quinquenal, para o período 1928-1932.

O planejamento soviético alicerçou-se em bases diferentes, e principalmente no princípio da propriedade

coletiva dos meios de produção ,19 e, consequentemente, no princípio da direção planificada dodesenvolvimento pelo Estado. A destruição do princípio da propriedade privada dos meios de produção e suasubstituição pelo da propriedade coletiva trouxe como consequência a eliminação do princípio da liberdade deiniciativa, e, coerentemente com esta mudança, à adoção de uma direção planificada e centralizada da

economia.20

A racionalidade no controle das medidas de política econômica surge assim dentro de dois quadros econômicosabsolutamente distintos. Não se pode aceitar que o planejamento seja um instrumento de busca da racionalidadevinculado a uma ideologia política. Se se aceitar que o planejamento tenha como finalidade a busca de umacoerência e adequação das medidas de política econômica adotadas por um país, não se poderá restringir suaadoção somente por países que se pautam por uma economia de mercado ou por aqueles que a rejeitam.

É sob esse pressuposto que se deve entender a iniciativa da França, em 1947, de adotar o planejamentoeconômico como forma de coordenar racionalmente as medidas de política econômica. A estranheza que aqueladecisão causou num primeiro momento se deveu ao fato de se haver atrelado o instituto do planejamento econômicoà implantação de uma ideologia política totalitária vinculada à negativa da propriedade privada dos meios deprodução. O I Plano Econômico francês, adotado para o período de 1947-1952, por iniciativa de Jean Monnet, tevepor finalidade contribuir para a reconstrução da economia francesa depois da Segunda Grande Guerra,proporcionando à França meios de produção modernos para produzir mais e mais rapidamente. Esta palavra deordem leva o País a “concentrar seus esforços na reconstituição – renovando-os, porque mesmo antes da guerra jáestavam obsoletos – dos setores de base, os que fornecem os recursos-chave e que constituíam à época autênticosgargalos de estrangulamento: transportes, energia, siderurgia, materiais de construção, máquinas agrícolas, a que se

acrescentará logo a própria agricultura”.21

O II Plano francês, para o período de 1954-1957, enfatiza não mais os setores de base, mas algumas ações debase que são ainda hoje atuais e relativamente aos quais teve papel precursor: desenvolvimento da pesquisacientífica e técnica, difusão dos métodos modernos de produção, especialização e adaptação das empresas,reconversão da mão de obra, organização dos mercados agrícolas.

O III Plano francês, para o período de 1958-1961, teve tríplice meta a ser atingida: o restabelecimento dosequilíbrios, que tinham sido rompidos pela aceleração do período anterior; encaminhar a economia para o MercadoComum; e preparar a formação e o pleno emprego da juventude.

O IV Plano francês, para o período de 1962-1965, recebe o novo nome de “Plano de DesenvolvimentoEconômico e Social”, por se preocupar com aspectos sociais do desenvolvimento (saúde, cultura e urbanização) ecom aspectos regionais.

O V Plano francês, para o período de 1966-1970, tem uma perspectiva peculiar, porque faz sobressair a

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compatibilidade entre planejamento e mercado. O Comissariado Geral do Plano ressalta, pela primeira vez, que:

Plano e Mercado não são dois instrumentos alternativos de uma mesma função, um se colocando como substitutodo outro, mas desempenham duas funções diferentes, um se posicionando como complemento do outro. Traduzindopelo mecanismo dos preços a relação entre a oferta e a procura de um produto dado num dado instante, o mercadotem por função esclarecer e reaproximar as decisões dos produtores e as dos consumidores, enquanto que, numaeconomia de expansão rápida que torna os investimentos mais rapidamente obsoletos, o plano atua por seu ladocomo redutor da incerteza por um estudo do mercado generalizado e transformador de atitudes em face damudança. Pela primeira vez também é esboçada uma distinção entre os ‘objetivos’ que os Poderes Públicos seempenham em defender, sem contudo garanti-los, e as ‘previsões’ que se limitam, para outros elementos daeconomia, a indicar as evoluções prováveis fundadas sobre as opções nacionais e a taxa escolhida de crescimentogeral, mas admitindo certas hipóteses, e estando por conseguinte sujeitas a revisão e a ajustamento se os

acontecimentos mostram sua falha.22

Ao prefaciar o VII Plano francês, para o período de 1976-1980, o Presidente da República, Valéry GiscardD’Estaing, afasta os falsos conceitos sobre o Plano, ou seja, os daqueles que nele pretendem ver quer uma infalívelpredição do futuro, quer um meio ilusório de desenvolver a economia pela constrição, e afirma que a essência doPlano consiste em:

Definir a linha de desenvolvimento da França até o fim de 1980. Precisar este eixo é tanto mais importantequanto sem isto num contexto internacional tumultuado, o sofrido correria o risco, no perpassar das necessidades doquotidiano, de levar vantagem sobre o querido. Somente uma ação perseverante a serviço de um projeto coerentepode permitir extrair os meios necessários à manutenção da independência nacional e à realização progressiva de

nossas escolhas de sociedade.23

A elaboração do XI Plano francês se efetuou através de estudos de profundidade realizados por Grupos eComissões de Trabalho. Os Grupos Transversais se dedicaram às visualizações gerais: mundo-Europa,perspectivas econômicas, emprego e além-mar; as Comissões tiveram por missão o estudo do Estado, administraçãoe serviços públicos do ano 2000: modernização e eficácia; competitividade francesa, agricultura, alimentação edesenvolvimento rural, coesão social e prevenção contra a exclusão; meio ambiente, qualidade de vida ecrescimento. Os Grupos se dedicaram a temas como descentralização: balanço e perspectivas; educação eformação; criação cultural, competitividade e coesão social; pesquisa, tecnologia e competitividade; cidades. AComissão “Competitividade Francesa”, presidida por Jean Gandois, salienta:

As mutações do sistema produ vo devem apoiar-se sobre um tecido industrial denso e coerente, istoé, sobre uma indústria performa va. Igualmente as empresas subme das a uma forte concorrênciadevem fundar sua estratégia sobre a qualidade e a fiabilidade dos produtos e dos processos deprodução. Isto supõe uma polí ca do emprego de meio-termo visando a elevação dos níveis de

qualificação e favorecendo as capacidades criadoras e as competências.24

2. O PLANO É UMA LEIO V Plano francês se pauta por acentuar o seu caráter de Lei. É ele proposto como uma solução razoável: não

seria ele uma simples panaceia, não seria uma ofensa às liberdades individuais nem à liberdade de empresa. Na

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verdade, “o espírito e a originalidade do Plano francês são principalmente a de buscar uma via intermediária entre osdois extremos que são o estatismo e o laisser-faire incondicional, preservando o dinamismo da iniciativa privadamas submetendo-a a uma orientação em conformidade com o bem comum. Justamente por se estar no país de

Descartes, pode-se dizer que o Plano é uma ‘solução razoável ’”.25

É necessário não se esquecer de que o Plano é uma lei, e o é porque “para a elaboração do V Plano, mais aindado que no passado, procurou-se responder às exigências de uma discussão democrática. Em todos os estágios e pela

voz de seus representantes mais qualificados, foi o conjunto da população francesa que foi consultado”.26 E oParlamento foi acionado em duas oportunidades: pronunciou-se a respeito das grandes opções do Plano e, depois,sobre o próprio Plano.

2.1. O pensamento de Henri JacquotHenri Jacquot, ao estudar a natureza dos planos franceses, alerta para a realidade de que eles não são

imperativos, mas são, por outro lado, mais do que meramente indicativos, assinalando a necessidade de, para defini-los adequadamente, situá-los em seu contexto.

A sua natureza jurídica poderia evidenciar-se, então, dentro do critério por ele proposto, através de dois métodos:ou se encontraria uma definição a priori do ato jurídico e far-se-ia a indagação sobre se o Plano ali poderia serincluído, ou se partiria do Plano, do estudo de suas características intrínsecas, para verificar se estas lhe permitemum lugar no mundo dos atos jurídicos.

Dentro dessa segunda perspectiva, mostra ele dois caminhos. Salienta, quanto ao primeiro, que os órgãosencarregados da elaboração e discussão do Plano trabalham dentro de um quadro de normas estabelecidas peloExecutivo e aprovadas pelo Parlamento, e que, ao final, o projeto do Plano é ratificado pelo Parlamento. Assim, suaelaboração e aprovação seguem o mesmo procedimento de outros atos jurídicos. O segundo caminho se refere aoconteúdo, que se mostra dotado da característica comum a todo ato jurídico, a normatividade.

Propostos esses caminhos para o estudo da questão, conclui Jacquot, num trabalho de 1969, que o Plano deveriaser colocado na categoria dos atos coletivos. Posteriormente, assinala, mudou o seu pensamento, para ver no Planoum simples comprometimento unilateral do Estado. Rejeita a posição de Laubadère, segundo a qual o Plano seriauma norma de referência. Entende, assim, que seria preferível falar de “normas objetivos”, porque o Plano “seapresenta como um conjunto de medidas a serem tomadas, de tarefas a serem cumpridas, de objetivos a realizar

durante um determinado período”.27

A eficácia do Plano, segundo ainda Jacquot, não advém do sopro da vontade geral e menos ainda do comando doPoder Público, mas sim, e sobretudo, do consentimento, da adesão dos subordinados. Daí ter-lhe atribuído, numaprimeira fase de seu pensamento, a natureza de “ato coletivo”, pois que consistiria numa “declaração de vontadecomum do Estado e dos outros produtores públicos e privados, traduzindo seu acordo para realizar conjuntamentedurante o período coberto pelo Plano um determinado número de tarefas, de objetivos que parecem essenciais ao

desenvolvimento da Nação”.28

Pareceu-lhe posteriormente que essa tese dificilmente se adequava à evolução posterior do Plano, não sepodendo sustentar que o Plano fosse fruto de acordos elaborados por representantes dos grupos socioeconômicos,pois que a experiência dos últimos Planos revelou que eles servem para afirmar as opções econômicas da maioria, a

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médio prazo.

Crê, então, ser “mais correto e mais conforme à interpretação oficial ver nele não um ato coletivo, mas um

simples comprometimento unilateral do Estado”.29

Assim, o comprometimento dos Poderes Públicos, pelo fato de haver aprovado o Plano, gera para elesobrigações de comportamento, ou seja, os Poderes Públicos estarão adstritos a agir de forma a perseguir ealcançar os objetivos fixados, a tomar todas as medidas que sejam necessárias, suficientes e adequadas pararealização das metas estabelecidas no Plano.

Ressalte-se, contudo, a objeção feita por Burdeau a essa conclusão de Jacquot, ao dizer que “é necessárioreconhecer que esse comprometimento, que cria uma obrigação de comportamento, tem um caráter bem mais

político do que jurídico”.30

2.2. O pensamento de LaubadèreAndré de Laubadère parte da noção de planos econômicos, como “documentos adotados pelos poderes públicos

e destinados a analisar as probabilidades de evolução econômica e a definir as orientações desta evolução que asautoridades públicas consideram como desejáveis e em cuja direção eles pretendem impulsionar os agentes

econômicos”.31 Analisa primeiramente as características gerais do Plano, atribuindo-lhe ou deduzindo dele asqualidades essenciais de uma planificação indicativa, flexível e concertada (ou acordada).

Quanto à indicatividade, afirma que “os planos franceses são do tipo indicativo, por oposição aos planosimperativos que se encontram nos países socialistas. Os planos indicativos não dão ordens: enunciam objetivos e

preferências (opções) e contêm recomendações e não prescrições”.32

Assinala a heterogeneidade do conteúdo do Plano, revelando, em primeiro lugar, uma análise da situaçãoexistente, a seguir, um conjunto de previsões sobre as tendências das taxas de desenvolvimento e, finalmente, oconjunto das disposições optativas, que conferem ao Plano uma característica, a nosso ver fundamental, de desejo ede instrumento de orientação. Esta orientação e as recomendações constantes do Plano têm essencialmente umcaráter optativo e indicativo, qualidades que distinguem o Plano francês do Plano holandês, que se limita a previsões

expressas em cifras.33

Quanto à flexibilidade, entende que é a “possibilidade de modificações e de adaptação de um plano no curso de

sua execução”.34

A terceira característica revela, segundo Laubadère, um aspecto fundamental e distintivo do Plano francês:“sendo simplesmente indicativo, o plano não terá chance de alcançar sucesso, se não for ‘aceito’ pelas pessoasinteressadas na sua aplicação e se não for entendido como uma obra coletiva, uma espécie de bem-comum, umalinha de conduta que elas têm interesse de seguir”.

Feita essa análise das características do Plano, passa ele a inquirir de sua juridicidade. Assinala que, paraalguns autores, o Plano não é um ato jurídico, mas meramente técnico e político. Assim, as obrigações por elecriadas provêm do âmbito moral, não tendo qualquer origem no Direito.

Entende, contudo, que é necessário reconhecer ao Plano uma certa juridicidade, porque, se se afirma apenas queo Plano não pertence à ordem, ao contexto jurídico, não se lhe podem atribuir efeitos jurídicos. Ficará então

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destituído de qualquer utilidade, porque não se prestará a um controle administrativo da economia, e com ele nãopoderá ser questionada a responsabilidade do Estado.

Da rejeição da tese da não juridicidade do Plano, conclui que convém afirmar a sua juridicidade. Mas estaafirmação obriga a se perguntar em que categoria de atos jurídicos se pode colocar o Plano, e, por outro lado, que

consequências devem ou deveriam ser agregadas ao reconhecimento da juridicidade do Plano.35

Reconhece, contudo, a dificuldade de incluir o Plano francês, com as características acima delimitadas, dentro docontexto da definição clássica do ato jurídico e a classificação dos atos jurídicos até hoje admitidos. Somente umalonga reflexão poderá levar a uma reconsideração da teoria dos atos jurídicos e de sua classificação. Enquanto issonão se faz, será necessário contentarmo-nos com a afirmação decepcionante de que “o Plano é um ato jurídico sui

generis, cuja natureza não pode ser definida senão pelos efeitos que ele possa produzir”.36

Relativamente aos efeitos, assinala que “o Estado tem o dever, não somente moral, mas jurídico, de executar, noque lhe diz respeito, o Plano e de tomar as medidas necessárias à sua execução.” A ausência de sanção para ocumprimento das normas contidas no Plano não é obstáculo para o reconhecimento de sua juridicidade, até porqueinúmeras normas, de cuja juridicidade se não duvida, estão destituídas de sanção, máxime algumas normasconstitucionais.

2.3. O pensamento de BurdeauPara Georges Burdeau, a ideia de planificação está ligada à própria ideia de responsabilidade: “desde que um

responsável, em qualquer domínio que seja, pretende agir como tal, faz planos para dominar o acaso e conjuraracontecimentos prejudiciais. Ao nível do Estado, é uma idêntica consciência de sua responsabilidade a respeito da

sociedade que prova o cuidado de planejar”.37

Assinala ainda que o planejamento aparece como um dos imperativos fundamentais de nosso tempo. Daí por quehoje a maioria dos países estabelece planos de desenvolvimento econômico.

Na origem da tendência moderna para o planejamento existem dois fatores: o primeiro é fruto das exigênciasdemocráticas, o segundo deflui do contexto econômico internacional.

Quanto ao primeiro fator, a partir “do momento em que a democracia não se satisfaz mais com a igualdade dasoportunidades, mas se orienta em direção à igualação das fruições, é necessário que uma vista sistemática presidaao ordenamento da vida econômica de tal maneira que o máximo de necessidades possa ser satisfeito. Nenhuma dasreivindicações enunciadas hoje sob o título de direitos sociais pode atingir seu objetivo sem uma direção da

economia”.38

O segundo fator, que orienta os governantes rumo à planificação, é “a preocupação de fundar a situaçãointernacional do Estado sobre o poderio econômico. Uma liberdade completa correria o risco de torná-lo tributário doestrangeiro quanto a certos provisionamentos ou de desequilibrar seu balanço de pagamentos. O Estado vai então

estimular ou efetuar por si mesmo investimentos que se não produziriam espontaneamente”.39

Para que um Plano seja coerentemente jurídico, no mais estrito sentido, será necessário que haja uma extinção daliberdade-autonomia. Os planos não se limitam a traçar esboços do futuro. Eles definem praticamente umaestratégia para alcançá-lo. E, como observa Burdeau, “para que não se restrinjam a ser exclusivamente um desejo, oplano deve tornar obrigatórios os comportamentos que esta estratégia pressupõe. Em síntese, não há plano

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econômico senão imperativo, isto é, autoritário”.40 Pode-se, então, dizer que a “economia planificada é umaeconomia de comando”. A liberdade econômica é indivisível: restringida e delimitada em um ponto, ela se extingue.

Ao lado desse conceito de planejamento imperativo, Burdeau encontra um outro a que denomina “planificaçãoedulcorada”. E explica a razão do termo empregado:

… porque ela traz em si ao mesmo tempo a vocação do plano a executar e as atenuações que traz aesta conduta a preocupação de não proscrever quer a liberdade das escolhas, quer a doscomportamentos. Edulcorada porque, pragmática, a planificação francesa é uma perfeita ilustração dascontradições internas da democracia governante em que a vontade do povo teoricamente todo-poderosa deve compor-se com as intenções de todos os indivíduos que são o povo.

Ao salientar suas características, afasta o Plano francês dos planos autoritários, para dizer que aquele possui ascaracterísticas do planejamento liberal, que é indicativo, democrático, descentralizado e macroeconômico.

A noção do Plano poderia até mesmo envolver um novo conceito de contrato social. O plano apareceria entãocomo o catalisador das diversas forças sociais. A chamada vontade nacional seria assim uma espécie de resultantede forças. O plano, pela sua forte aparência de racionalidade, assumiria um papel pedagógico, que levaria osinteresses divergentes a se unirem na consecução de um objetivo apontado como meta de todos os desejosnacionais. Assim, “a razão de ser do plano é de mobilizar as energias de tal modo que desta mobilização sedesprenda uma vontade coletiva que será a asseguradora de seu sucesso. O plano não procede de uma vontade

democrática, mas visa criá-la”.41

Todas as ideologias formam a imagem de uma ordem social proposta como desejável, como meta dos esforçosde toda a comunidade. A dificuldade maior surge quando se trata de concretizar aquela imagem. O Parlamento nãoé o órgão mais indicado para realizar a obra do planejamento. Os técnicos se apresentam como mais qualificadospara essa tarefa, sob o pressuposto de dar mais racionalidade às medidas a serem empregadas. O resultado maisbrilhante do plano é o de dar azo a essa imagem de que a sociedade está guiada por uma racionalidade que, livre das

crenças ideológicas, permitirá aos homens perseguir cientificamente o domínio de seu destino.42

A intervenção do Parlamento na aprovação do Plano traz consigo a impressão de que o plano tenha um valor

imperativo, quando na realidade não o tem. Assinala, então, Burdeau que o papel do Parlamento é simbólico.43

O Plano não pode ser preparado a não ser por um grupo restrito de técnicos. E, em razão da sua organicidade,que lhe dá a característica de um todo, não pode estar sujeito a emendas a serem propostas pelos membros doParlamento: “um bom plano comporta uma lógica e uma coerência tais que constitui um todo indivisível. A aceitação

ou rejeição pura e simples são as únicas medidas que ele tolera”.44

Assinala Burdeau uma característica do Plano, ou seja, o sistema normativo do planejamento tem comocaracterística essencial a flexibilidade que lhe garante uma sobrevivência muito maior do que a das normas criadaspela técnica legislativa tradicional. Assim, “o planejamento flexível tem como qualidade essencial o apelo à

persuasão mais do que à constrição. Mas onde há persuasão, não há regra”.45

Não se pode, contudo, deixar em segundo plano uma importante contribuição de Burdeau na caracterização doPlano, ou seja a sua qualificação como mito. No contexto da sociedade técnica (ou tecnocrata), a significação doPlano se revela com uma clareza que se torna indiscutível: o Plano é um mito produzido pela sociedade dos novos

tempos para, ao mesmo tempo, conseguir um consenso favorável e garantir suas chances de futuro.46

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Não quer ele, com esse conceito, denunciar o caráter ilusório ou mistificador que se queira atribuir ao Plano.Verifica ele somente que “uma obra que se prevalece da racionalidade de sua elaboração não tem, paradoxalmente,possibilidade de preencher a sua finalidade, se não se integrar no universo de crenças e de representações que é ouniverso político. O que se questiona não é o seu conteúdo, é a natureza de constrição que ele é capaz de exercer”.O Plano passa a ter, consequentemente, uma ação psicológica, passa a ter, assim, uma significação mítica. Suaforça impositiva se alicerça sobre a crença que os homens tenham no mundo que ele prefigura.

O Plano passa a ser um objeto de fé. Consequentemente, a fé no Plano se constitui num poderoso fator deintegração social.

Observa então:

A força atuante do plano nada tem a captar do ordenamento norma vo imaginado pelas teoriasracionalistas do Poder. Que importa que ele não seja uma regra, se ele é uma imagemsuficientemente persuasiva para que os comportamentos com ele se conformem? Que importa quenão seja ele editado pela via do comando, se sua sanção resulta da situação inconfortável daquelesque dele se desviam? A pressão exercida pela representação de um futuro de que nos assenhoreamos

e que temos por inevitável, torna supérfluo o recurso a imperativos formais.47

O Plano contém em si uma antecipação temporal, ou uma concretização do futuro no presente. Por um artifíciode linguagem, consciente ou não, inclui no presente dos homens, como se fosse uma experiência vivida, o futuro noqual eles creem. Tal efeito se consegue pela utilização do verbo no presente:

Com esta atualização do futuro, afasta-se todo finalismo que poderia parecer gerador de obrigação.Faz-se então apelo à intemporalidade do mito. Mais nada age do exterior sobre a sociedade: nenhumasujeição, nenhum comando, o grupo obedece a seu dinamismo interior. Se existe constrição, ela

procede das coisas, não da vontade dos governantes.48

Os tempos e as mentalidades mudaram. Se os homens do século XVIII sentiram a necessidade de formular umconjunto de leis, foram levados a isso para se afirmar livres relativamente às constrições do passado. O Plano surgehoje como uma técnica de regulação que corresponde à mentalidade dos homens de hoje, para os quais legislar émodelar o futuro com base nos cânones de hoje. E sua perspectiva mítica emana uma energia que é suscetível deincutir na coletividade o sentido da necessidade de sua eficácia.

2.4. O pensamento de FarjatGérard Farjat conceitua o Plano como possuidor de uma estrutura formal não enquadrável nas categorias

jurídicas até hoje reconhecidas. Seria ele então constituído de uma categoria nova de Direito Econômico dentrodo contexto do sistema jurídico. Para demonstrar que o Plano apresenta as características da lei, embora sobenfoques novos, analisa as categorias jurídicas da generalidade e da obrigatoriedade.

Quanto à generalidade, tem-na o Plano, como é normal a toda lei. E essa generalidade transparece do fato de oPlano se referir a todos os aspectos da vida nacional, quer os sociais, quer até mesmo as atividades culturais. Nãohá dúvida de que é um ato de alcance geral, englobando o Estado, os empresários, desconhecendo a divisão doDireito em público e privado.

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Quanto à obrigatoriedade, reconhece poder-se contestar o caráter jurídico do Plano. Chega-se ao ponto deafirmar que “o Plano não é obrigatório para o Estado. Nem o Governo, nem o Parlamento são vinculados pelo Plano.Dentro dos próprios períodos de aplicação (inicialmente, quatro anos; depois cinco, desde o V Plano), podem sempreintervir modificações. E modificações fundamentais efetivamente ocorreram durante o período de aplicação de

diversos planos”.49 Mas reconhece que tal revisibilidade não retira ao Plano a juridicidade, ao afirmar que seriaerrado negar o caráter jurídico do Plano em razão de sua revisibilidade. Os países socialistas também reconheciamessa revisibilidade, porque a mobilidade está essencialmente ligada ao fenômeno econômico, e o Direito Econômiconão a pode desconhecer.

É verdade, contudo, que o Plano não tem uma eficácia direta, não produz efeitos imediatos. As normas do Planonão são autoaplicáveis, mas precisam de diplomas legais que lhes estabeleçam a ligação entre o abstrato da normagenérica e o concreto da vida real. Assim, para ele “tudo se passa como se o Plano não contivesse senão objetivos,recomendações e definisse orientações para o futuro . Nesse sentido, ele foi um dos motivos da construção

doutrinária dos atos prospectivos.”50

2.5. O pensamento de QuadriGiovanni Quadri assinala que o Direito Público da Economia abandona a rigidez das figuras jurídicas tradicionais

em favor de instrumentos mais elásticos e informais. Afirma que planos e programas são os atos típicos do DireitoPúblico da Economia, reconhecendo que são eles os instrumentos mais idôneos para o desenvolvimento da direçãopolítico-econômica. Tais instrumentos, segundo ele, “representam a figura mais difusa e constante a que a legislaçãode todos os países, quer socialistas, quer de economia capitalista ou, como se diz, mista, recorre para disciplinar a

intervenção do Estado na Economia”.51

Assinala como características do Plano a sua “flexibilidade ou elasticidade, a sua fluidez (fluência), isto é, aaptidão para modificar-se continuamente de acordo com a diversificada situação econômica, e o seu caráter

temporário”.52

Conclui que o Plano é um conceito econômico e não um conceito jurídico, ao ver nele:

Um conjunto de previsões econômicas e de indicações de direcionamentos e de intervençõeseconômicas no setor público e no privado, dirigidas a alcançar determinadas finalidades polí cas esociais, como o desenvolvimento econômico geral ou de determinados setores, a superação de umacrise econômica, a eliminação dos desequilíbrios entre as várias partes do território ou de diversosestratos da população, o pleno emprego, o equilíbrio do balanço de pagamentos, etc.

Ainda para Quadri:

O plano se torna figura juridicamente relevante (Rechtsfigur, de acordo com a terminologia alemã) nomomento em que é transformado em ato jurídico: numa deliberação polí ca, numa lei, num atoadministra vo, numa dire va, etc. Neste sen do o plano cons tui o instrumento jurídico de maior

relevo para a ação de direcionamento políticoeconômico do Estado.53

Conclui, então, a sua indagação a respeito da eficácia jurídica do Plano, afirmando que “o Plano contém sempre acláusula ‘rebus sic stantibus’: será aplicado somente se não se mudar a situação econômica ou o equilíbrio das

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forças políticas”.54

2.6. O pensamento de GordilloAgustín Gordillo, depois de se perguntar sobre o que é juridicamente o Plano, procura responder que ele pode ser,

de acordo com a perspectiva de exame, tanto uma norma quanto um princípio jurídico, um regulamento ou umato administrativo, ou pode ser também uma simples comunicação sem efeito jurídico direto; em suma, o Planonão tem nenhuma juridicidade específica própria, somente dele, nem constitui uma categoria jurídica específica aacrescentar às já existentes, como se fora um “tertium genus”.

No conteúdo do Plano vê ele algumas partes que contêm apenas análises de situações e fatos econômico-sociais. Estas partes têm uma finalidade justificativa, sendo comparáveis às exposições de motivos que antecedemàs leis, só que, no Plano, tais exposições se encontram enxertadas nele, como se fossem exposições de motivosincorporadas.

Há ainda um segundo conjunto constituído pelos enunciados de princípios, que estabelecem as grandes linhasde orientação a ser seguidas. São princípios tidos como elásticos, dada a sua amplitude e abstração, que os tornamaptos a servir para a interceptação de uma norma ou para a solução de um caso não previsto por uma normaespecífica.

Num terceiro enfoque, distingue Gordillo aquelas “disposições que enunciam com um mínimo de precisão osobjetivos, preferências, ações a empreender etc.” Conclui ele:

A juridicidade de tais normas é clara, posto que em primeiro lugar e pelo que diz respeito àAdministração, seu caráter, embora rela vamente discricionário, é de qualquer modo obrigatório; deoutra forma teríamos que negar caráter jurídico a toda lei que outorgasse faculdades mais ou menos

amplas à administração, o que parece não ter sentido.55

Com relação aos particulares, o Plano, pela sua indicatividade, tem o alcance de ser o fundamento legal daação que tais indivíduos vão desenvolver e dos benefícios que vão receber.

A obrigatoriedade do Plano em relação à Administração Pública tem como consequência o comprometimento desua responsabilidade perante os particulares que cumpriram ou estão cumprindo as metas propostas pelo Plano,engajando-se nos programas propostos pela Administração.

Admite que seja questionável a juridicidade do Plano no que tange às normas meramente indicativas,relativamente àquelas de conteúdo imperativo, não aceita seja questionável o seu caráter normativo.

Entende, assim, não ser possível encerrar numa só categoria jurídica a todos os elementos componentes do Plano,pois que “as normas jurídicas do plano (…) podem ser de tipos diferentes: normas que obrigam, embora com certadiscricionariedade, à Administração; normas que conferem um fundamento jurídico à ação dos particularesconformada ao plano, para receber em consequência as vantagens que o plano propõe; normas que marcam umcerto rumo de ação ao Estado e por isso comprometem, dentro de certos limites, a responsabilidade da

administração”,56 para concluir que “o plano, em suma, é um complexo de diversos atos, jurídicos e não jurídicos,legais e regulamentares, gerais e particulares, que se entroncam entre si, formando o sistema que há de orientar a

ação do Estado e da sociedade num período dado”.57

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2.7. O pensamento de ChambreHenri Chambre perquire a natureza jurídica dos atos de planificação, relativa ao Plano soviético, partindo da

verificação de que o Soviete Supremo, de acordo com o disposto na Constituição de 1936, “aprova, em forma de lei,os planos da economia nacional e os Sovietes Supremos das Repúblicas federadas fazem o mesmo com os planos de

economia de sua República.58

Essa verificação, contudo, não o satisfaz, pois que é um critério meramente formal. Parte, assim, em busca de umoutro critério, ao afirmar que “a aprovação dos planos nas formas prescritas dá-lhes força jurídica, mas a natureza

dos planos depende de seu caráter normativo ou não”.59

Após verificar que nos Planos existe uma unidade invariável e também uma indissolubilidade de conteúdoeconômico e de forma jurídica, adere à opinião daqueles que respondem positivamente à pergunta a respeito dajuridicidade do Plano, pois que “embora constituídos por um conjunto de tarefas concretas e precisas, os planosprocuram regulamentar o desenvolvimento de toda a economia nacional tomada como um todo e que, por isso,

possuem um caráter normativo”.60

Em decorrência desse caráter normativo atribuído pelo Direito soviético ao Plano, os atos de planificação seconstituem numa fonte de direito destinada a regulamentar todas as relações econômicas que se estabelecem entreos agentes no curso da execução do Plano.

2.8. O pensamento de MaystadtPhilippe Maystadt informa que a planificação indicativa ou “programação” foi introduzida na Bélgica por

decreto real de 14.10.1959, com a finalidade de estabelecer um programa de desenvolvimento econômico e socialpara alcançar os objetivos gerais da política econômica. É verdade que a concretização “do programa dependiaunicamente da autodisciplina dos poderes públicos e da cooperação voluntária do setor privado. Nenhuma medida

coercitiva era utilizada”.61

A Lei-Quadro de 15.07.1970, que organiza a planificação, traz profunda evolução tanto no que concerne ànatureza jurídica, quanto ao conteúdo do Plano. “A intenção declarada é que o plano (e não mais o programa) tenhauma certa força obrigatória e que ele seja ao mesmo tempo mais global (por tomar em consideração aspectos nãoquantitativos) e mais bem detalhado (por setor e por região). Ver-se-á, todavia, que a intenção não se traduziu em

fatos senão imperfeitamente”.62

Observa aquele autor que as “opções” e os próprios planos “contêm previsões” e que os objetivos definidos

pelo Plano são predominantemente quantitativos63 e concluem:

A planificação poderia desempenhar um papel central se fosse concebida não somente como umquadro previsional que permita prever com maior ou menor incerteza as possibilidades e os riscos dofuturo, mas também e sobretudo como um instrumento de ação, susce vel de reorientarvoluntariamente a economia, graças à coordenação das múl plas intervenções possíveis dos poderespúblicos. Mas uma tal concepção da planificação, ao mesmo tempo mais rigorosa e mais voluntarista,não se imporá espontaneamente; ela implica uma evolução polí ca profunda, traduzindo-se pela

escolha de um novo modelo de desenvolvimento.64

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2.9. O pensamento de BernardPhilippe J. Bernard alerta-nos para a verificação de que “a planificação soviética tem caráter imperativo. Isto

equivale a dizer que os planos soviéticos não estão constituídos somente por um conjunto de diretrizes gerais, masque estas se decompõem numa série de normas concretas que, dirigidas a todos os agentes econômicos, traçam

rigorosamente o marco de sua atividade”.65

Salienta então as funções que foram desempenhadas pelos planos soviéticos, que eram uma função de previsão(com a definição de objetivos com a data e o volume que se deseja alcançar), uma função de gestão (pois que oPlano serve de base para a determinação de créditos de inversão, matérias-primas, materiais, mão de obra e entregade produtos finais), uma função de controle (determinando a distribuição de recompensas, censuras ou castigos,como consequência da execução do Plano) e, por último, uma função de mediação do crescimento dos diversossetores da economia.

2.10. O pensamento de KuceraJoseph Kucera, ao tratar da Teoria do Direito Econômico Socialista e de sua aplicação na Tchecoslováquia, nos

traça alguns elementos de definição do Plano com base na Constituição tcheca de 1960 e no Código Econômico daTchecoslováquia de 1964.

A Constituição da República Socialista Tchecoslovaca, de 11.07.1960 (n. 100 da Coletânea das LeisTchecoslovacas), dizia no seu art. 7, n. 2, que “o sistema econômico socialista, no qual os meios de produção sãocoletivizados e o conjunto da economia nacional planificado, garante, com a colaboração consciente de todos os

cidadãos, o desenvolvimento vigoroso da produção e a elevação do nível de vida dos trabalhadores”.66

A Lei Constitucional de 27 de outubro de 1968 (n. 143 da Coletânea das Leis da República SocialistaTchecoslovaca) no seu art. 10, n. 1, dispunha que “a economia tchecoslovaca, em harmonia com o sistemaeconômico socialista, é uma economia planificada”. O mesmo art. 10, n. 3, determina que “os planos de Estado dodesenvolvimento da economia nacional e os outros planos da economia nacional são obrigatórios para a gestão e asatividades econômicas”.

E ainda o art. 10 daquela Lei Constitucional, no n. 5, preceituava:

Os planos de Estado do desenvolvimento da economia nacional de prazo médio são promulgados sobforma de lei. A lei concernente ao plano de Estado de desenvolvimento da economia nacional daRepública Socialista Tchecoslovaca é adotada pela Assembleia Federal; de acordo com esta lei, osConselhos Nacionais adotam respec vamente a lei concernente ao plano de Estado dodesenvolvimento da economia nacional da República Socialista Tcheca e da República SocialistaEslovaca.

O Código Econômico da Tchecoslováquia, de 1964, dizia no seu preâmbulo:

Todas as a vidades das organizações de Estado e outras são dirigidas segundo o princípio docentralismo democrá co. Este princípio é concre zado por meio de uma unidade incessantementeconsolidada e aperfeiçoada da direção central exercida pelo Estado e que é indispensável à garan ado desenvolvimento proporcional planificado da economia nacional.

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O art. 11 desse Código estabelecia que “o instrumento principal da direção consiste no Plano de Estado dedesenvolvimento da economia nacional; o conjunto das atividades de direção e econômicas de todos os órgãos e detodas as organizações socialistas dele procede e com ele deve conformar-se”.

Com base nesses pressupostos constitucionais e legais, observou Kucera:

A socialização dos meios de produção exigiu necessariamente a direção planificada central da atividadedas organizações socialistas. O setor privado foi posto em segundo plano de sorte que certasins tuições de direito civil perderam suas funções. Desse modo o alargamento da direção planificadada economia socialista tornou necessária a criação de ins tuições novas que não puderam serincluídas no quadro do Código Civil senão com extremas dificuldades. As mais importantes dentre elas

foram os atos de planificação.67

A ideia fundamental da Lei n. 69-1958 da Coletânea das Leis Tchecoslovacas, era:

A posição que as partes contratantes ocupam umas em relação às outras, no sistema socialista, diferequalita vamente daquela que existe na sociedade liberal. Os interesses dos organismos socialistas,enquanto partes contratantes, podem ser temporariamente opostos nos pontos de menorimportância, mas, em sua essência, estão sempre em harmonia uns com os outros e conformes com ointeresse da comunidade. Daí resulta que os interesses das organizações socialistas, enquanto partescontratantes, não se esgotam pela execução da obrigação em questão, mas que o seu interesseprimordial é de preencher, pelo caminho da execução da obrigação, seu dever comum para com a

Sociedade, isto é, de realizar os objetivos impostos pelo Plano de Estado.68

Assim, de acordo com o art. 3º da lei supra, “as organizações socialistas são obrigadas a cooperar e a se ajudarmutuamente quando da execução do plano de desenvolvimento da economia nacional”. O plano é, pois, umaverdadeira regra de direito, justamente pelo fato de vincular a todas as organizações socialistas.

2.11. O pensamento de StaïnovPetko Staïnov procura estabelecer uma distinção entre planificação e programação, aquela constituída de

normas de conteúdo imperativo e peculiar aos países socialistas, esta constituída de normas indicativas e própriasdos países do Ocidente. Salienta ele:

A verdadeira planificação deve apresentar-se como uma a vidade dos órgãos do Estado, pela qual seprocura organizar de um modo durável e permanente as relações e os liames entre os diversos ramosde toda a economia do país impondo para tal fim, pela vontade do Estado, planos por ele elaborados,concordantes e sincronizados entre eles para chegar-se a uma melhoria determinada da produção e da

distribuição e a assegurar a satisfação das necessidades coletivas.69

Os planos e os atos administrativos de planificação deverão ser, por isso, essencialmente imperativos e nãosimplesmente indicativos. Quanto à programação, apresenta-se como uma forma de menor intervenção do Estadona vida econômica do país, pois que “se exprime por atos que têm sobretudo um alcance indicativo e não

imperativo”.70 A programação econômica assim constituída de normas indicativas é a adotada nos países doOcidente.

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Assinala então Petko Staïnov que:

Na doutrina jurídica socialista o plano econômico é considerado como um ato jurídico ou maispropriamente como uma norma jurídica obrigatória para todos aqueles que com ela tenham qualquervinculação. Por este ato o Estado organiza de um modo unificado as vinculações econômicas entre asempresas e, em geral, as atividades econômicas no país.

Segundo ele ainda:

A planificação é uma a vidade des nada a se desenrolar durante um período determinado, umprocesso durável ou ainda uma cadeia de atos jurídicos e de a vidades materiais e técnicascondicionadas e ligadas entre elas, com a finalidade de realizar uma economia mais racional com amira da elevação do bem-estar geral. Mas a essência mesma da planificação cons tui a a vidade

jurídica desenvolvida pelos órgãos competentes do Estado.71

Assim, segundo o pensamento jurídico socialista, “o plano econômico geral do Estado é uma norma jurídica e,

como contém ordens não individualizadas aprovadas pelo Parlamento, possui uma força de lei”.72 Sobressai o seucaráter imperativo, com a peculiaridade própria dos diplomas destinados a reger a economia de ser limitado quantoà sua duração.

Distingue-se então o Plano econômico nacional constituído de ordens gerais , com a previsão de uma duraçãomais longa, de atos administrativos de execução, que têm por finalidade tornar mais tangível e concreta a normagenérica do Plano nacional.

A característica de lei atribuída ao Plano Econômico com o qualificativo da imperatividade defluía também dostextos constitucionais da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, da Iugoslávia, da Hungria e da China, que sãocitadas como exemplos.

O art. 11 da Constituição da URSS dispunha que “a vida econômica da URSS é determinada e dirigida por um

plano estatal da economia nacional”.73

O art. 26 da Constituição da Iugoslávia determinava que “as comunidades sociopolíticas adotarão medidas, dentrodo marco de seus direitos e obrigações, para alcançar um sistema econômico único; planejarão o desenvolvimentoda economia e das bases materiais de outras atividades, e com este objetivo elaborarão planos econômicos sociais”.

O art. 7º da Constituição da Hungria estabelecia que “a vida econômica da República Popular da Hungria é

determinada pelo plano estatal da economia popular”.74

A mesma característica se deduz do que constava do art. 10 da Constituição da China, que estabelecia que o

Estado “promove o desenvolvimento planificado e proporcionado da economia socialista”.75

2.12. A definição da Constituição de PortugalA Constituição de Portugal, de 02.04.1976, no seu art. 91, n. 1, marcava a diferença fundamental entre os planos

dos países socialistas e os dos países ocidentais. Dizia aquele texto:

Para a construção de uma economia socialista, através da transformação das relações de produção e deacumulação capitalistas, a organização econômica e social do país deve ser orientada, coordenada e

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disciplinada pelo Plano.

E o art. 92 dispunha:

1. O plano tem caráter impera vo para o setor público estadual e é obrigatório, por força de contratos-programa, para outras atividades de interesse público; e

2. O plano define ainda o enquadramento a que hão de submeter-se as empresas dos outros setores.

Esses dispositivos tiveram nova formulação através da revisão constitucional de 1982 e da Lei Constitucional de08.07.1989. A questão relativa aos objetivos e à natureza do plano adquiriu orientação diferente da que lhe foidada na redação original. O artigo 91 foi alterado para estabelecer:

Objetivos dos planos.

Os planos de desenvolvimento econômico e social terão por obje vos promover o crescimentoeconômico, o desenvolvimento harmonioso de setores e de regiões, a justa repar ção individual eregional do produto nacional, a coordenação da polí ca econômica com a polí ca social, educa va ecultural, a preservação do equilíbrio ecológico, a defesa do meio-ambiente e da qualidade da vida dopovo português.

Quanto à natureza dos Planos, o art. 92 veio proporcionar nova definição:

Natureza dos planos.

Os planos de desenvolvimento econômico e social de médio prazo e o plano anual, que tem suaexpressão financeira no orçamento do Estado, contêm as orientações fundamentais dos planossetoriais e regionais que serão aprovados quando da aprovação da polí ca econômica. Eles sãoelaborados pelo Governo de conformidade com o seu programa.

A sétima revisão constitucional, em 2005, deu nova formulação ao capítulo referente ao Plano:

Artigo 90 – Objetivos dos planos.

Os planos de desenvolvimento econômico e social têm por obje vo promover o crescimentoeconômico, o desenvolvimento harmonioso e integrado de sectores e regiões, a justa repar çãoindividual e regional do produto nacional, a coordenação da polí ca econômica com as polí cas social,educa va e cultural, a defesa do mundo rural, a preservação do equilíbrio ecológico, a defesa doambiente e a qualidade de vida do povo português.

Artigo 91 – Elaboração e execução dos planos.

1. Os planos nacionais são elaborados de harmonia com as respec vas leis das grandes opções,podendo integrar programas específicos de âmbito territorial e de natureza setorial.

2. As propostas de lei das grandes opções são acompanhadas de relatórios que as fundamentem.

3. A execução dos planos nacionais é descentralizada, regional e setorialmente.

2.13. A Definição da Constituição da EspanhaJá o art. 131 da Constituição espanhola de 1978 dispõe a respeito do plano econômico e de sua natureza:

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1. O Estado poderá, por uma lei, planificar a a vidade econômica geral para velar pelas necessidadescole vas, equilibrar e harmonizar o desenvolvimento regional e setorial e es mular o crescimentodas rendas e da riqueza e sua mais justa distribuição.

2. O Governo elaborará os projetos de planificação levando em conta previsões que lhe serãofornecidas pelas comunidades autônomas, assim como conselhos e da colaboração dos sindicatos eoutras organizações profissionais, patronais e econômicas. Será constituído para esse fim um Conselhocuja composição e funções serão definidas por lei.

2.14. O contexto semânticoVistos esses pressupostos, verifica-se que a conceituação do Plano Econômico e de sua força vinculante estão a

depender do contexto cultural e ideológico em que se insere. Daí a importância de se visualizar o Plano Econômicocomo um fenômeno de linguagem, predominantemente sob o aspecto semântico. É verdade que a perspectivasemântica não elimina a visualização sintática e pragmática, posto que nada pode significar se não estiver numcontexto, e nada significa sem uma tendência para a comunicação intersubjetiva, visando influenciar, levar, conduzir

o interlocutor.76

Por se inserir dentro do contexto significativo do ordenamento jurídico, é que o Plano Econômico adquire suaessência de normatividade jurídica. Como um documento consistente num conjunto de normas de orientação, dediretrizes e de prioridades, que se antepõem ao Estado na formulação e condução da política econômica, o Planosurge como fenômeno de linguagem que se destina a intercomunicar os componentes de uma sociedade, interliga-seaos componentes do conjunto normativo (sintaxe), significa o pré-conceito imanente dentro do ordenamento jurídico(semântica), e se destina a prefixar e coordenar a ação dos que inserem a própria atividade no contexto jurídico

normativo (pragmática).77

3. HISTÓRIA DO PLANEJAMENTO NO BRASILComo visto acima, a partir da Primeira Guerra Mundial e da quebra da Bolsa de Nova York, passou-se a

conceber a necessidade de o Estado intervir no domínio econômico, e o instrumento para tornar eficiente esta novaatitude foi o planejamento.

A Constituição de 1934 já insere no seu contexto a palavra “plano”, ao estabelecer, no art. 5º, inciso IX, acompetência privativa da União Federal para “estabelecer o Plano nacional de viação férrea e o de estradas derodagem, e regulamentar o tráfego rodoviário interestadual”. Ainda no mesmo art. 5º, incisos XIV, XV e XVI,se encontra a atribuição de competências privativas à União para “traçar diretrizes da educação nacional”, para“organizar defesa permanente contra os efeitos da seca nos Estados do Norte” e para “organizar aadministração dos Territórios”.

3.1. Plano especial de obras públicasA Constituição de 1937 não traz a expressão “plano”, mas é sob o seu império formal que surge o primeiro

impulso planejador, através do Decreto-Lei n. 1.058, de 19.01.1939. Nos “considerando” desse texto legal, está

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explicitada a sua finalidade:

Considerando que urge promover a criação de indústrias chamadas básicas, como a siderurgia e outras,a execução de obras públicas, bem como prover a defesa nacional dos elementos necessários à ordeme à segurança do País;

Art. 1º Fica instituído o Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional (…).

No art. 4º do mesmo texto está determinado o seguinte:

Art. 4º O Presidente da República determinará, anualmente, a aplicação do crédito pelos diversosMinistérios, des nando-o à criação de indústrias básicas, execução de obras públicas produ vas eaparelhamento da defesa e segurança nacionais.

3.2. Plano de obras e equipamentosNo final de 1943, através do Decreto-Lei n. 6.144, de 25.12.1943, e do Decreto-Lei n. 6.145, de 29 de dezembro

de 1943, surge o Plano de Obras e Equipamentos, que se destina a substituir o anterior, dando-lhe maior vulto,tendo sido fixado para ele o prazo de cinco anos.

O art. 1º do Decreto-Lei n. 6.144 estabelecia o seguinte:

Art. 1º Fica ins tuído o ‘Plano de Obras e Equipamentos’, para vigorar por cinco exercícios, a par r de1º de janeiro de 1944.

É interessante observar que o Decreto-Lei n. 6.145, que estabeleceu a receita do “Plano de Obras eEquipamentos” para o exercício de 1944, fixou a receita do Ministério da Viação e Obras Públicas em Cr$554.116.423,00, enquanto o Ministério da Educação e Saúde recebia Cr$ 113.461.589,00, e os demais Ministériosrecebiam cifras bem menores. A queda do governo de Getúlio Vargas deu a este Plano duração efêmera.

3.3. Plano SalteA Constituição de 1946, no seu art. 5º, segue a mesma linha das anteriores, ao fixar como competência da União

“estabelecer o Plano nacional de viação” e “organizar defesa permanente contra os efeitos da seca, das endemiasrurais e das inundações”. Os arts. 198 e 199 trazem inovação, ao estabelecerem, o primeiro, normas para aexecução do plano de defesa contra os efeitos da denominada seca do Nordeste, e o segundo, dispositivo específicoquanto à execução do plano de valorização econômica da Amazônia através da destinação, por um período de 20anos consecutivos, de quantia não inferior a 3% da sua renda tributária.

É na vigência dessa Constituição que surge o denominado Plano Salte, através da Lei n. 1.102, de 18.05.1950. Oart. 1º desse texto estabelece:

Art. 1º É o Presidente da República autorizado a realizar, durante os exercícios de 1950 a 1954, osempreendimentos rela vos à saúde, alimentação, transporte e energia integrantes do plano previstono texto e nos anexos da presente lei – Plano Salte.

Parágrafo único. O Poder Execu vo promoverá entendimentos e firmará acordos com os governosestaduais e municipais, as autarquias, as sociedades de economia mista, en dades paraestatais

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existentes ou que venham a ser criadas em virtude de lei e en dades privadas, no sen do decoordenar atividades relacionadas com os programas de trabalho deste Plano.

Através do Decreto n. 28.225, de 12.06.1950, foi criada a figura de um Administrador-Geral do Plano Salte, coma finalidade de coordenar a sua execução:

Art. 1º O Presidente da República, na realização dos empreendimentos constantes do Plano Salte, aque se refere o art. 1º da Lei n. 1.102, de 18 de maio de 1950, será assis do por um delegado de suaconfiança com a denominação de Administrador-Geral do Plano Salte.

Art. 2º Além das atribuições que lhe forem especialmente conferidas, mediante instruções baixadasde conformidade com o art. 16 da Lei n. 1.102, de 18 de maio de 1950, compete ao Administrador-Geraldo Plano Salte coordenar os diversos programas de trabalho, previstos no mesmo Plano, a fim deestabelecer a ordem de prioridade e a forma por que devam ser executados.

Observe-se que o Plano Salte estava sendo criado já no final do governo Dutra, com prazo de execuçãoprojetado sobre o período do governo seguinte.

3.4. Comissão mista Brasil-Estados UnidosEm 19.12.1950, os governos do Brasil e dos Estados Unidos firmam um acordo com a finalidade de promover a

execução de programas de desenvolvimento econômico do Brasil. Alicerçado neste acordo, o Ministro deEstado das Relações Exteriores, através da Portaria de 24.10.1951, traça instruções para o funcionamento da SeçãoBrasileira da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos:

Art. 1º A Comissão Mista Brasil-Estados Unidos de Desenvolvimento Econômico criada por decisão dosGovernos Brasileiro e Norte-Americano nos termos do acordo firmado em 19 de dezembro de 1950,por troca de notas entre o Ministério das Relações Exteriores do Brasil e a Embaixada dos EstadosUnidos da América, tem por finalidade promover, com a cooperação técnico-financeira dos EstadosUnidos da América, a execução de programas de desenvolvimento econômico do Brasil.

A competência dessa Comissão Mista estava discriminada no art. 2º daquela Portaria, e suas atribuições eramespecificamente as seguintes:

a) promover a prestação de serviços de assistência técnica, de natureza bilateral com o obje voprincipal de facilitar a elaboração de programas e projetos de desenvolvimento econômico,particularmente nos setores de transportes, energia, agricultura, mineração e indústria;

b) receber e estudar os pedidos de assistência técnica que venham a ser feitos por órgãos da União, dosEstados, dos Municípios e outras entidades, providenciando seu atendimento;

c) cuidar da difusão e utilização eficiente da assistência técnica fornecida por intermédio da Comissão;

d) examinar os recursos naturais e possibilidades do Brasil, com vistas à aplicação, mutuamentevantajosa, de conhecimentos tecnológicos e de capitais, e a promoção de iniciativas;

e) elaborar ou cooperar na elaboração de programas e projetos de desenvolvimento econômico;

f ) cooperar na obtenção de créditos e financiamento para a realização de projetos consideradostécnica e economicamente justificáveis.

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Os resultados dos trabalhos dessa Comissão Mista foram altamente positivos, tendo dado origem a 14 projetossobre a economia básica do País. A criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, pela Lei n. 1.628,de 20.06.1952, foi resultado dos trabalhos dessa Comissão. O art. 8º dessa lei cria “o Banco Nacional doDesenvolvimento Econômico, que também atuará, como agente do Governo, nas operações financeiras que sereferirem ao reaparelhamento e ao fomento da economia nacional”. Mais recentemente, foi ele transformado deautarquia federal em empresa pública (Lei n. 5.662/71), e posteriormente transformado em Banco doDesenvolvimento Econômico e Social – BNDES.

3.5. Programa de metasCom a candidatura à Presidência da República, para o período 1956-1960, o Presidente Juscelino Kubitschek de

Oliveira apresentou como plataforma de governo o seu Plano de Metas. Confrontando-se este plano com osanteriores, ver-se-á que sua globalidade e abrangência contrastam com os anteriores, que primam por suas

características setoriais.78 O sistema de planejamento concebido por Kubitschek é muito mais abrangente. Acriação de um Conselho de Desenvolvimento, através do Decreto n. 38.774, de 01.02.1956, e regulamentado peloDecreto n. 38.906, de 15.03.1956, foi uma medida de grande importância, pois que centralizou o processo, paraassegurar coerência na sua concepção e aplicação, e para garantir-lhe maior abrangência. O art. 1º do Decreto n.38.906/56 estabelece as finalidades da criação daquele Conselho:

Art. 1º O Conselho do Desenvolvimento (CD), criado pelo Decreto n. 38.774, de 1º de fevereiro de1956, diretamente subordinado ao Presidente da República, tem por fim:

I – estudar as medidas necessárias à coordenação da polí ca econômica do país, par cularmente notocante ao seu desenvolvimento econômico;

II – elaborar planos e programas visando a aumentar a eficiência das a vidades governamentais efomentar a iniciativa privada;

III – analisar relatórios e estatísticas relativas à evolução dos diferentes setores da economia nacional;

IV – estudar e preparar anteprojetos de lei, decretos ou atos administra vos julgados necessários àconsecução dos objetivos mencionados nos incisos I e II;

V – manter-se informado da implementação das medidas cuja adoção haja aprovado.

O art. 3º do Decreto n. 38.906/56 determinava que o Conselho seria assistido por Consultores Especiais,escolhidos pelo Presidente da República, dentre pessoas de notório saber e competência técnica.

A linha ideológica que incorporou o Programa de Metas foi estabelecida pelo próprio Presidente quando aindacandidato, nos termos seguintes:

Sou, decididamente, pelo princípio da livre empresa consagrado no regime cons tucional vigente.Tudo farei de minha parte para que o progresso do Brasil resulte, principalmente, da a vidadeincessante, inteligente e dedicada dos homens de empresa, onde quer que se encontrem, na lavoura,na indústria, no comércio, sejam eles nacionais ou estrangeiros.

Estou convencido, entretanto, de que a a tude do Governo no campo econômico não deve ser a deexpecta va passiva, mas a de intervenção em apoio da inicia va privada, orientando-a e

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suplementando-lhe os esforços, no sen do de acelerar-se o processo de acumulação de riquezas dacoletividade e da divisão equitativa dos bens e benefícios do progresso.

Todavia, deverá essa intervenção se processar no quadro de um plano de desenvolvimento em que sedefina, de forma clara, o campo de ação da inicia va privada e se delimite obje vamente o âmbito deatuação direta do Estado, coordenando-se esses dois setores, de modo que se evitem atritos,inibições ou excessos de inves mentos simultâneos a absorverem fatores de produção limitados

gerando pressões inflacionárias.79

O Programa de Metas estabeleceu cerca de 30 metas principais, centralizando-se nos seguintes setores: Energia,Transportes, Alimentação, Indústrias de Base e Educação. O Conselho de Desenvolvimento expõe a significaçãodo Programa de Metas nos seguintes termos:

Em sua acepção mais ampla, (as metas do governo) compõem-se de projetos de inves mentos quevisam a elevar quanto antes o padrão de vida do provo brasileiro, ao máximo compa vel com ascondições de equilíbrio econômico e estabilidade social.

O conjunto de metas cons tui um esforço de programação, preferindo-se esta denominação, por maismodesta, à de planejamento.

Vários mo vos tornam impra cável, ou mesmo indesejável, qualquer tenta va de planificaçãointegral da economia, tal como acontece nos regimes coletivistas.

Em primeiro lugar, a autonomia das várias unidades polí cas do país, que há de ser respeitada epreservada, permite-lhes orientar livremente a aplicação dos recursos financeiros e materiais quelhes são afetos. Ao Governo Federal incumbe um trabalho constante de coordenação.

Em segundo lugar, a filosofia econômica adotada em nossa Cons tuição e a de livre inicia va, que temcomo cossectários a soberania do consumidor, a liberdade de escolha de ocupação pela mão de obrae, finalmente, a iniciativa individual na aplicação da propriedade.

Por fim, um plano de alto sen do polí co – o da construção da nova capital em Brasília – tem tambémum grande significado econômico, porque possibilitará e provocará o alargamento da frente deocupação humana sobre vas ssimas áreas da hinterlândia, incorporando ao patrimônio a vo do Paísregiões de ponderável poder econômico. Ar culados ao Plano de Brasília estão alguns projetos,

especialmente de transportes, contemplados no Programa de Metas.80

Após o levantamento das necessidades inerentes a cada um desses setores, o governo fixa o Programa da AçãoGovernamental.

No tocante à meta de energia elétrica, o levantamento e a fixação da ação pode assim ser visto:

Apesar dos esforços con nuados que veem sendo exercidos, nos úl mos anos, pelo Governo Federal,pelos Governos Estaduais e pela empresa privada, con nua a ser a deficiência de energia elétrica umdos mais sérios entraves ao desenvolvimento da economia brasileira e um dos fatores limita vos damelhoria do padrão de vida da população, principalmente a do interior do país.

Esforços redobrados são ainda necessários por parte de todas as en dades direta ou indiretamenteresponsáveis pela solução do problema de energia, de modo a que a oferta de eletricidade con nue aexpandir, em ritmo acelerado, na medida das necessidades do desenvolvimento econômico geral, o

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parque de usinas geradoras e sistemas elétricos correlatos.81

Diante desse diagnóstico, o governo estabeleceu as metas a serem alcançadas . O Programa da AçãoGovernamental está assim expresso:

Programa da Ação Governamental.

Em virtude dos problemas apontados, uma das primeiras preocupações do atual Governo foi a deprocurar formular um programa de energia elétrica aplicável a todo o país, tanto em termos de obrasespecíficas, compreendendo geração, transmissão e distribuição, como das necessidades financeiras,em moeda nacional e estrangeira.

O primeiro balanço da situação, elaborado pelo Conselho do Desenvolvimento em princípios de 1956,revelou imediatamente três aspectos fundamentais da questão:

a) que os programas até então concretamente formulados, embora assegurassem a realização da metapreestabelecida de 5 milhões de kW, eram insuficientes para fazer face às necessidades doquinquênio de 1960 a 1965, tornando-se portanto urgente a imediata mobilização de esforços nosentido de ampliá-los à medida de atenderem necessidades previsíveis;

b) que compe ria ao Governo Federal a par cipação vigorosa na execução desse programa, não sóatravés de financiamentos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico, mas também por meioda execução direta de novos empreendimentos; e

c) que era indispensável criar ambiente propício aos inves mentos privados na indústria de energiaelétrica, de vez que todos os recursos públicos capturáveis para esse fim, estavam já muito aquém dasnecessidades do programa.

Decidiu, então, o Governo, atacar frontalmente esses obstáculos, tomando medidas para tornar eficazsua par cipação no programa e procurando incen var, no empreendimento, maior par cipação do

capital privado.82

Indaga Celso Lafer a respeito da razão de planejar de que se imbuiu o governo Kubitschek, vendo na mudançadas vinculações do processo eleitoral uma resposta para esse questionamento. A maior participação política na

escolha dos mandatários passa a vinculá-los aos compromissos assumidos.83

Fazia parte integrante e central daquele Plano o Projeto Brasília, que, apesar de quaisquer restrições que sequeiram fazer, foi na verdade o carro-chefe, a síntese de todo o Plano, porque representou a criação de um novopolo de projeção para o desenvolvimento econômico e social.

Pode-se dizer que o Plano de Metas foi coroado de sucesso, quer pela sua organicidade, quer pela coerência

entre a fase de conhecimento e a de projeção e decisão.84

3.6. Comissão Nacional de PlanejamentoDepois da saída do Presidente Juscelino Kubitschek e da renúncia do Presidente Jânio Quadros, seguiu-se

período de grande turbulência política. Poucos dias antes da renúncia editou-se o Decreto n. 51.152, de 05.08.1961,com que se criou a Comissão Nacional de Planejamento.

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Os “considerando” são importantes para o entendimento da finalidade da criação dessa Comissão:

Considerando

a) que é obje vo fundamental do País melhorar as condições de bem-estar do povo brasileiro, o quedepende de um esforço de desenvolvimento da economia nacional;

b) que esse desenvolvimento deve ser orientado no sen do de uma efe va ocupação do vastoterritório brasileiro e do crescimento equilibrado das distintas regiões que o constituem;

c) que o incremento rápido da renda ‘per capita’ brasileira não pode ficar entregue ao automa smo domercado, pois as suas condições estruturais e o comportamento vegeta vo da economia nacional nãoasseguram o crescimento mínimo compatível com as necessidades do País;

d) que as técnicas e programação foram criadas e aprimoradas como instrumento para a ngir o ritmode desenvolvimento mais rápido compatível com os recursos disponíveis;

e) que o desenvolvimento acarreta inevitáveis mudanças da estrutura econômica e social do país, bemcomo requer a atualização constante de aspectos de seu aparelho institucional;

f) que cabe ao Governo alta responsabilidade como elemento propulsor e disciplinador do processode desenvolvimento, em coordenação com a ação dos setores privados que, [sic] deve es mular eamparar;

g) que o desenvolvimento é obje vo nacional permanente que só poderá ser alcançado pelacon nuidade administra va e pela racionalização crescente do esforço cole vo, que permitem aredução constante dos custos sociais desta política;

h) que o planejamento com a ampla colaboração de todas as classes sociais é o único meio quepossibilitará o país estabelecer a completa determinação do seu des no, sem sacrificar as liberdadesdemocráticas e individuais, decreta:

Art. 1º Fica criada a Comissão Nacional de Planejamento, que terá por incumbência elaborar um planoplurienal de desenvolvimento econômico e social do País, controlar sua execução e sugerir asmodificações ditadas pelo comportamento das conjunturas nacional e internacional.

Parágrafo único – A Comissão Nacional de Planejamento é diretamente subordinada ao Presidente daRepública.

3.7. Plano Trienal de DesenvolvimentoNo final do ano de 1962, às vésperas do plebiscito em que se decidiria o retorno ao Presidencialismo, o

economista Celso Furtado, num prazo de seis meses, elabora o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico, parao período 1963-1965. Um clima de grande efervescência política, uma inflação altamente crescente e um ambientede grande liberdade social propício às reivindicações vieram trazer a impossibilidade de implementação daquelePlano. Principalmente a política de combate à inflação, que exigia do governo medidas coercitivas contrárias a um

populismo que se impunha na área social, veio impedir por completo a eficiência do Plano Trienal.85 Paracompreender o processo brasileiro de planejamento econômico, será conveniente salientar dois tópicos do PlanoTrienal de Desenvolvimento, o primeiro quanto aos objetivos básicos que são fixados, o segundo quanto ao papel aser desempenhado pela planificação em uma economia subdesenvolvida:

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Objetivos Básicos:

A política de desenvolvimento planejada para o próximo triênio visa aos seguintes objetivos básicos:

1. Assegurar uma taxa de crescimento da renda nacional compa vel com as expecta vas de melhoriade condições de vida que mo vam, na época presente, o povo brasileiro. Essa taxa foi es mada em 7por cento anual, correspondente a 3,9 por cento de crescimento per capita.

2. Reduzir progressivamente a pressão inflacionária, para que o sistema econômico recupere umaadequada estabilidade de nível de preços, cujo incremento não deverá ser superior, em 1963, àmetade do observado no ano corrente. Em 1965 esse incremento deverá aproximar-se de 10 porcento.

3. Criar condições para que os frutos do desenvolvimento se distribuam de maneira cada vez maisampla pela população, cujos salários reais deverão crescer com taxa pelo menos idên ca à doaumento da produ vidade do conjunto da economia, demais dos ajustamentos decorrentes daelevação do custo de vida.

4. Intensificar substancialmente a ação do Governo no campo educacional, da pesquisa cien fica etecnológica, e da saúde pública, a fim de assegurar uma rápida melhoria do homem como fator dedesenvolvimento e de permi r o acesso de uma parte crescente da população aos frutos do progressocultural.

5. Orientar adequadamente o levantamento dos recursos naturais e a localização da a vidadeeconômica, visando a desenvolver as dis ntas áreas do país e a reduzir as disparidades regionais deníveis de vida, sem com isso aumentar o custo social do desenvolvimento.

6. Eliminar progressivamente os entraves de ordem ins tucional, responsáveis pelo desgaste defatores de produção e pela lenta assimilação de novas técnicas, em determinados setores produ vos.Dentre esses obstáculos de ordem ins tucional, destaca-se a atual estrutura agrária brasileira, cujatransformação deverá ser promovida com eficiência e rapidez.

7. Encaminhar soluções visando a refinanciar adequadamente a dívida externa, acumuladaprincipalmente no úl mo decênio, a qual, não sendo propriamente grande, pesa desmesuradamenteno balanço de pagamentos por ser quase toda a curto e médio prazos. Também se tratará de evitaragravação na posição de endividamento do país no exterior, durante o próximo triênio.

8. Assegurar ao Governo uma crescente unidade de comando dentro de sua própria esfera de ação,submetendo as dis ntas agências que o compõem às diretrizes de um plano que vise à consecuçãosimultânea dos objetivos anteriormente indicados.

Quanto ao alcance da planificação em uma economia subdesenvolvida, o Plano Trienal traz ensinamentos ediretrizes fundamentais para a instituição jurídico-econômica que pretendia instalar-se em moldes científicos no País:

A planificação econômica pode ser entendida como um esforço de coordenação, com vistas a finspreestabelecidos, [sic] das principais decisões que estão sendo permanentemente tomadas em umsistema econômico.

A planificação não pretende estabelecer em detalhe o que deverá ocorrer no sistema econômico,cabe-lhe antecipar as principais modificações estruturais requeridas para a manutenção de um

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determinado ritmo de desenvolvimento e indicar as medidas a serem tomadas a fim de que osinvestimentos, considerados essenciais àquelas modificações, sejam feitos oportunamente.

A planificação econômica não é objetivo que possa ser alcançado de uma vez. Constitui, em última instância, umatécnica de governar e administrar, e como tal deve ser introduzida progressivamente, à medida que o quadro político,institucional e administrativo o comportem. Não poderá haver planejamento, por exemplo, se os poderes Legislativoe Executivo não trabalharem com certa harmonia de vistas, se dentro do Poder Executivo os dirigentes máximos nãotomarem decisões coordenadamente, se as autoridades monetárias não obedecerem a um comando único e se essecomando não estiver sintonizado com as autoridades fiscais, se a Administração não possuir a necessária integraçãopara executar com regularidade as tarefas que lhe forem cometidas, etc.

A experiência de outros países tem indicado que são necessários alguns anos para alcançar umarazoável eficácia na execução de um plano bem concebido. Mas, exatamente porque o planejamentoé um processo con nuo, que se introduz por etapas e se aperfeiçoa na medida em que é implantado,

o mais importante é iniciá-lo.86

3.8. Programa de Ação Econômica do GovernoO Programa de Ação Econômica do Governo – Paeg –, instituído pelo Governo Revolucionário, depois de haver

diagnosticado como causa da estagnação o recrudescimento do processo inflacionário, procura fixar os objetivos aserem alcançados pelo esforço governamental: acelerar o ritmo de desenvolvimento do País, conter o processoinflacionário e eliminar os déficits na balança de pagamento.

O Paeg se pautou por ser um plano indicativo, o que o compatibilizava com o desenrolar-se de uma economia de

mercado.87

Pelo Decreto n. 53.890, de 20.04.1964, se fixa a incumbência do Ministro de Estado Extraordinário para oPlanejamento e Coordenação Econômica, qual seja:

Dirigir e coordenar a revisão do plano nacional de desenvolvimento econômico, em cooperação comos órgãos competentes da Administração, exercendo, simultaneamente, a função de Coordenador-Geral da Assessoria Técnica da Presidência da República, com as atribuições definidas no Decreto n.52.256, de 11 de julho de 1963, que dispôs sobre a Coordenação do Planejamento Nacional.

O Decreto n. 53.914, de 11.05.1964, dispõe sobre as competências do Ministro de Estado Extraordinário para oPlanejamento e Coordenação Econômica:

a) dirigir e coordenar a revisão do plano nacional de desenvolvimento econômico, em cooperação comos Ministérios e demais órgãos da administração direta ou descentralizada do Governo da União;

b) coordenar e harmonizar, em planos gerais, regionais e setoriais, os programas e projetoselaborados por órgãos da administração pública, en dades paraestatais, sociedades de economiamista, e empresas subvencionadas pela União;

c) conhecer e coordenar os planos de ajuda externa, econômica, financeira e de assistência técnicaprestadas aos órgãos e entidades referidas na alínea ‘b’;

d) coordenar a elaboração e a execução do Orçamento Geral da União e dos orçamentos dos órgãos e

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en dades referidos no item ‘b’ harmonizando-os com o plano nacional de desenvolvimentoeconômico;

e) assessorar o Presidente da República na decisão de assuntos relacionados com o plano dedesenvolvimento econômico e na formulação de planos e projetos de desenvolvimento econômico esocial;

f) exercer outras funções e encargos que lhe sejam atribuídos pelo Presidente da República.

3.9. Plano Estratégico de DesenvolvimentoA Constituição de 1967, aprovada em 24.01.1967, fixava, como competência da União, no art. 8º, “planejar e

garantir a segurança nacional”, “estabelecer o plano nacional de viação”, “organizar a defesa permanente contra ascalamidades públicas, especialmente a seca e as inundações”, “estabelecer e executar planos regionais dedesenvolvimento” e “estabelecer planos nacionais de educação e de saúde”.

Entre as atribuições do Poder Legislativo está a de dispor, mediante lei, sobre “planos e programas nacionais,regionais e orçamentos plurianuais”.

Assentados esses pressupostos constitucionais, surge, para o período 1968-1970, o Plano Estratégico deDesenvolvimento – PED. Aceito o continuísmo revolucionário no plano político, o Plano Trienal em que se insere oPED fixa como objetivo básico o desenvolvimento econômico e social, com base no princípio fundamental fixadopelo item V do art. 157 da Constituição Federal: o desenvolvimento econômico. Fixado esse objetivo o Plano definetambém o quadro dos valores que regem a filosofia de atuação do Governo:

• fortalecimento da empresa privada;

• estabilização gradativa do comportamento dos preços;

• responsabilidade do governo na consolidação da infraestrutura;

• expansão das oportunidades de emprego;

• fortalecimento e ampliação do mercado interno.

O PED representa, sem dúvida, mais um esforço do governo no caminho do planejamento, dando continuidade

aos trabalhos e ao esforço de previsão e execução de programas anteriormente realizados.88

3.10. Legislação sobre planejamentoDentro do período de execução do PED surge um diploma legal de importância para o conceito de Plano

Nacional, a Lei Complementar n. 3, de 07.12.1967, que dispõe sobre os Orçamentos Plurianuais de Investimento. Osarts. 1º e 2º desse diploma estabelecem:

Art. 1º Na forma do disposto no art. 46, inciso II I, da Cons tuição, serão elaborados Planos Nacionais,observadas as regras estabelecidas nesta Lei.

Art. 2º Entende-se por Plano Nacional o conjunto de decisões harmônicas des nadas a alcançar, noperíodo fixado, determinado estágio de desenvolvimento econômico e social.

§ 1º O Plano Nacional será apresentado sob a forma de diretrizes gerais e dele constarão as definições

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básicas adotadas, os elementos de informação que as jus ficarem e a determinação dos obje vosglobais pretendidos.

§ 2º O Plano Nacional deverá indicar as decisões alterna vas que poderão ser adotadas durante suaexecução, a fim de que o resultado final seja efetivamente alcançado.

O art. 3º impõe ao Poder Executivo a obrigação de elaborar Planos Nacionais Quinquenais, que serão submetidosao Congresso Nacional, que os apreciará:

Art. 3º O Poder Execu vo elaborará Planos Nacionais Quinquenais, que serão subme dos àdeliberação do Congresso Nacional até o dia 1º de março do ano imediatamente anterior ao términodo Plano Nacional que estiver em vigor.

§ 1º O Congresso Nacional apreciará cada Plano Nacional no prazo de 120 dias.

§ 2º Esgotado o prazo previsto no parágrafo anterior, sem deliberação, a matéria será consideradaaprovada.

Em 29.01.1969 surge o Ato Complementar n. 43, que contém disposições importantes. O art. 1º fixa acompetência do Poder Executivo para elaborar os Planos e o prazo para sua apresentação:

Art. 1º O Poder Execu vo elaborará Planos Nacionais de Desenvolvimento, de duração quadrienal,que serão subme dos à deliberação do Congresso Nacional até 15 de setembro do primeiro ano demandato do Presidente da República.

O art. 2º trata da competência específica do Congresso Nacional:

Art. 2º O Congresso Nacional apreciará cada Plano Nacional de Desenvolvimento no prazo de 90(noventa) dias, podendo aprová-lo integralmente ou formular as ressalvas ou restrições que julgarcabíveis, man da necessariamente a coerência global do plano e sua viabilidade em face dos recursosdisponíveis.

O art. 10 fixa prazo para apresentação do primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento:

Art. 10. O primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento será encaminhado ao Congresso Nacional atéo dia 15 de setembro de 1971.

Em 17.10.1969, é promulgada a Emenda Constitucional n. 1, que, no tocante ao planejamento econômico, não trazmaiores alterações. Continua como competência da União, estabelecida no art. 8º, incisos V, XI, XIII e XIV,“planejar e promover o desenvolvimento e a segurança nacionais”, “estabelecer o plano nacional deviação”, “organizar a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente a seca e asinundações” e “estabelecer e executar planos nacionais de educação e de saúde, bem como planosregionais de desenvolvimento”. Continua como atribuição do Poder Legislativo dispor sobre “planos eprogramas nacionais e regionais de desenvolvimento”.

Em 21.10.1969, é editado o Ato Complementar n. 76, em que se alteram dispositivos do Ato Complementar n. 43:

Art. 1º Os ar gos 1º, 7º, 8º e 10 do Ato Complementar n. 43, de 29 de janeiro de 1969, passam a vigorarcom a seguinte redação:

Art. 1º O Poder Execu vo elaborará Planos Nacionais de Desenvolvimento, de duração igual à do

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mandato do Presidente da República, os quais serão subme dos à deliberação do Congresso Nacionalaté 15 de setembro do primeiro ano do mandato presidencial.

Art. 10. O primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento será encaminhado ao Congresso Nacional até15 de setembro de 1971 e terá vigência nos exercícios de 1972, 1973 e 1974.

3.11. I Plano Nacional de Desenvolvimento – I PNDDentro desse contexto, surge a Lei n. 5.727, de 04.11.1971, que dispõe sobre o I Plano Nacional de

Desenvolvimento – PND –, para o período de 1972 a 1974.89

O I PND propõe em forma de síntese o elenco das realizações nacionais, que compreendem os seguintes itens:

I – Consecução dos obje vos nacionais de desenvolvimento e transformação social mediante processode compe ção capaz de assegurar níveis internacionais de eficiência aos setores público e privado; eprocesso de integração, com ar culação harmônica entre Governo e setor privado, União e Estados,entre regiões desenvolvidas e regiões em desenvolvimento, entre empresa e trabalhadores.

I I – Implantação de novos instrumentos para modernizar a empresa nacional, fortalecendo-lhe acapacidade compe va e eliminando as condições de desigualdade em que opera, rela va àestrangeira.

I I I – Atuação eficiente do Governo, na administração direta, autarquias ou empresas governamentais,definindo suas tarefas com clareza e preservando a viabilidade e dinamismo do setor privado. O setorpúblico procurará operar mediante estruturas simples e modernas, aperfeiçoando-se os sistemas decoordenação e acompanhamento da execução.

IV – Mobilização ainda mais intensa do sistema financeiro nacional e do mercado de capitais, paramaior par cipação no financiamento da formação real de capital do setor privado e na criação desólidas estruturas das empresas; e ainda garan a de acesso da pequena e média empresas a sistemasque permitam a melhoria de sua estrutura financeira.

V – Implementação de Polí ca Tecnológica Nacional, que permita a aceleração e orientação datransferência de tecnologia, para o País, associada a forte componente de elaboração tecnológicaprópria. O Brasil ingressará na era nuclear, com a construção da Primeira Central Nuclear.

Implantar-se-á sistema de Centros de Tecnologia em áreas de Infraestrutura e Indústrias Básicas.

VI – Política de aproveitamento dos recursos humanos do País.

VII – Efe vação de certo número de grandes programas de inves mentos, cada um deles de valorsuperior ao equivalente a um bilhão de dólares, em cinco anos.

VIII – Realização de Estratégia Regional para efetivar a Integração Nacional.

IX – Abertura social, para assegurar a par cipação de todas as categorias sociais nos resultados dodesenvolvimento.

X – Estratégia Econômica Externa para, no tocante às exportações, assegurar o crescimento da receitaacima de 10% ao ano.

O I Plano Nacional de Desenvolvimento faz uma opção decidida pela economia de mercado , com marcante

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influência do governo:

O modelo econômico que se está construindo orienta o seu regime de mercado para adescentralização das decisões econômicas e dos resultados da expansão da renda, visando à formaçãoprogressiva do mercado de consumo, fundando-se tal modelo na aliança entre Governo e setorprivado, entre a União e os Estados.

O próprio PND assinala os pontos essenciais a esse modelo econômico escolhido e definido:

I – Incorporação dos modernos instrumentos de evolução das economias desenvolvidas entre os quaisse destacam:

1) Influência crescente do Governo na gestão do sistema econômico, com expansão de seusinvestimentos e da sua capacidade de regulamentar.

2) Incremento da prosperidade social, pela elevação anual do nível de renda e do padrão de bem-estar.

3) Coerência e racionalidade das decisões, mediante planejamento a longo prazo.

II – Criação de uma economia que capacite o Brasil a enfrentar a compe ção econômica e tecnológicamoderna.

II I – Vitalidade do setor privado, originada de uma nova concepção de empresa, inclusiva [sic] comtendência a fusões e modernas estruturas de produção e de comercialização.

IV – Promoção, pelo Governo, das condições para a modernização, dinamismo e competição, medianteincentivos ao setor privado.

V – Equilíbrio entre União e Estados, em termos de federalismo coopera vo, por melhor corresponderà tradição brasileira e ao imperativo da maior eficiência operacional do setor público.

Quanto à modernização da empresa nacional, quer pública quer privada, no que diz respeito à tecnologia e àcapacidade gerencial, o Plano propõe incentivos fiscais de imposto de renda à fusão e à incorporação deempresas, conjugando-as à abertura de capital, na forma do Decreto-Lei n. 1.182/71.

O Congresso Nacional, ao apreciar o texto do PND, formulou seis ressalvas.

3.12. II Plano Nacional de Desenvolvimento – II PNDO II Plano Nacional de Desenvolvimento – II PND –, enviando ao Congresso Nacional, em 10.09.1974, através

da Mensagem n. 430, foi aprovado pela Lei n. 6.151, de 04.12.1974, para o período de 1975 a 1979.90

Depois de definir como indicadores de perspectivas a ultrapassagem da barreira de uma renda de mil dólaresper capita, a ultrapassagem da barreira de U$ 100 bilhões em seu PIB, já em 1977, a criação de oportunidades deemprego com uma taxa para além de 3,5% ao ano, a elevação da população ativa, em 1980, a um nível de 40milhões de pessoas, a elevação do comércio exterior a um nível para cima de U$ 40 bilhões, o II PND fixa astarefas que deverão ser implementadas para a consecução daqueles resultados. E são:

I – O Brasil deverá ajustar a sua estrutura econômica à situação de escassez do petróleo, e ao novoestágio de sua evolução industrial.

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I I – Espera-se consolidar, até o fim da década, uma sociedade industrial moderna e um modelo deeconomia competitiva.

II I – A polí ca de energia, num País que importa mais de dois terços do petróleo consumido(respondendo este por 48% da energia utilizada), passa a ser peça decisiva da estratégia nacional.

IV – A polí ca cien fica e tecnológica, com a execução do JI [sic] e do II I Plano Básico deDesenvolvimento Cien fico e Tecnológico, e do primeiro Plano Nacional de Pós-Graduação, contarácom recursos de aproximadamente Cr$ 22 bilhões, no período;

V – Na área de integração nacional, será realizado programa que contará com recursos no montante deCr$ 165 bilhões.

VI – A ocupação produ va da Amazônia e do Centro-Oeste receberá impulso com o Programa de PolosAgropecuários e Agrominerais da Amazônia (Polamazônia), o Complexo Minero-Metalúrgico daAmazônia Oriental e o Programa de Desenvolvimento de Recursos Florestais, além da execução deprogramas especiais, como o de desenvolvimento do Pantanal.

VII – A estratégia de desenvolvimento social, servida por um Orçamento Social da ordem de Cr$ 760bilhões, no quinquênio, será desdobrada nos seguintes principais campos de atuação:

– Conjugação da Política de Emprego (…) com a de Salários.

– Política de Valorização de Recursos Humanos.

– Política de Integração Social.

– Programa de Desenvolvimento Social Urbano.

VIII – Na Integração com a Economia Mundial, ganha mais importância a conquista de mercadosexternos, principalmente para manufaturados e produtos primários não tradicionais (agrícolas eminerais).

O II PND procura consolidar um modelo econômico-social baseado numa economia moderna de mercado, numforte conteúdo social, num pragmatismo reformista, nos campos econômico e social, e numa orientação denacionalismo positivo voltada para assegurar a execução da estratégia nacional de desenvolvimento, realizando oequilíbrio entre capital nacional e estrangeiro, e garantindo, na articulação com a economia internacional, aconsecução das metas do País.

Seguindo a linha de pensamento proposta no I PND, o II PND estimula uma política de fusão de empresasnacionais para adquirir escala econômica. Propõe também a reforma da Lei das Sociedades Anônimas, o querealmente se efetivou.

3.13. III Plano Nacional de Desenvolvimento – III PNDO III Plano Nacional de Desenvolvimento – 1980/85 foi aprovado pela Resolução n. 01, de 1980, do Congresso

Nacional.91 Assinala este documento que uma de suas principais características é a flexibilidade, que éindispensável para uma permanente adaptação e ajustamento do comportamento e das ações do governo e dasociedade à conjuntura econômica e social existente.

Dentre as bases propostas para sustentar as definições e opções do PND, devem-se salientar duas, porque

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definem a ideologia subjacente a todo este Plano:

VI – o reconhecimento também da opção brasileira pela economia de mercado, onde o planejamentodo desenvolvimento e toda a atuação governamental devem voltar-se para a orientação, apoio ees mulo aos setores privados, limitando-se o Governo, como produtor e inves dor, aos campos ea vidades exigidos pelo interesse e segurança nacionais e aos projetos não desejados ou inviáveispela livre iniciativa;

VIII – o objeto do esforço nacional é a valorização do homem brasileiro. Isto ganha par cularexpressão na tenta va de a ele garan r condições dignas de trabalho e remuneração adequada àsatisfação de suas necessidades básicas.

Ao definir os Grandes Objetivos Nacionais, distinguem-se um objetivo-síntese e os objetivos nacionais. Oobjetivo-síntese é assim definido:

O obje vo-síntese deste II I PND é a construção de uma sociedade desenvolvida, livre, equilibrada eestável, em benefício de todos os brasileiros, no menor prazo possível.

Para a consecução desse objetivo-síntese, o governo deverá acionar alguns objetivos nacionais, que são comoinstrumentos indispensáveis àquele fim:

I – Acelerado crescimento da renda e do emprego.

II – Melhoria da distribuição da renda, com redução dos níveis de pobreza absoluta e elevação dospadrões de bem-estar das classes de menor poder aquisitivo.

III – Redução das disparidades regionais.

IV – Contenção da inflação.

V – Equilíbrio do balanço de pagamentos e controle do endividamento externo.

VI – Desenvolvimento do setor energético.

VII – Aperfeiçoamento das ins tuições polí cas: Aqui se salienta que à busca de um melhor padrãomaterial de vida, se devem associar melhores condições da qualidade de vida e de uma melhorconvivência social. Somente cidadãos com uma sa sfatória qualidade de vida terão condições deconcretizar um objetivo democrático.

O III PND foi o último Plano do período revolucionário. A mudança de governo foi também uma tentativa demudar os rumos da mentalidade orientadora da forma de tratar a relação entre direito e economia.

3.14. I Plano Nacional de Desenvolvimento – Nova RepúblicaO I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) da Nova República, para o período de 1986 a 1989, teve suas

diretrizes aprovadas pela Lei n. 7.486, de 06.06.1986.92

Já na “Apresentação” da ideologia do Plano se podem notar diferenças básicas de direcionamento, cujo núcleo éuma destacada orientação social. No nível econômico, já se assinala a prioridade reconhecida ao setor privado e anecessidade de o Estado se dedicar às suas funções tradicionais. Eis o preâmbulo dessa apresentação:

A Nova República instalou-se com o compromisso de mudar a vida polí ca, econômica e social do país.

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O I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República – I PND-NR – para o período 1986-89, éparte desse processo de mudança. Este é um plano de reformas, de crescimento econômico e decombate à pobreza. Todos os programas e recursos aqui definidos dirigem-se para essas três metasestratégicas.

Por isso, este plano difere dos anteriores em vários aspectos. Difere em sua opção. O I PND reflete adecisão pela retomada do crescimento econômico, desta vez com clara orientação social. O governorecusa a recessão como alterna va de polí ca econômica. Mas este plano também parte da tese deque nenhum modelo de crescimento é capaz, por si só, de erradicar a pobreza que a nge, em níveisintoleráveis, grande parcela da população brasileira. Não se trata somente de evitar novos sacri ciosaos trabalhadores e às camadas mais pobres. A retomada do crescimento, conforme os propósitosdeste plano, supõe a gradual recuperação do salário real.

Nas opções deste plano, o governo considerou também, como ponto essencial, que a erradicação dapobreza exige inves mentos com esse fim específico. Assim, a meta de combate à pobreza passa, deum lado, pela melhoria na distribuição de renda, através da recuperação dos salários. E, de outro, pelaconcentração de esforços e recursos em programas sociais para reduzir os problemas de saúde,alimentação e habitação dos brasileiros mais pobres.

O I PND da Nova República difere dos planos anteriores também na concepção de desenvolvimento.Este governo parte da tese de que cabe ao setor privado o papel de destaque na retomada docrescimento. O Estado retorna, portanto, às suas funções tradicionais, que são a prestação dos serviçospúblicos essenciais e as a vidades produ vas estratégicas para o desenvolvimento nacional de longoprazo e complementares à iniciativa privada.

Essas prioridades exigem reformas profundas na organização e nos métodos do setor público, a fim deredefinir a par cipação do Estado nessa nova etapa de desenvolvimento. A reforma do setor públicoé, assim, meta estratégica deste plano e, ao mesmo tempo, condição dos demais obje vos deretomada do crescimento e combate à pobreza.

No decorrer da execução do I PND-NR, se se admite tenha sido ele verdadeiramente implementado, surge aConstituição Federal de 1988, que tem como novidade a caracterização do planejamento como atividade própria doEstado, no contexto da ordem econômica.

O Anteprojeto Constitucional, elaborado pela Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, instituída93 peloDecreto n. 91.450, de 18.07.1985, registra no art. 324 o seguinte:

Art. 324. O Estado deverá, mediante lei especial, estabelecer normas para o planejamento daa vidade econômica do País, com o planejamento impera vo para o setor público, e o planejamentoindica vo para o setor privado, de forma a atender às necessidades cole vas, equilibrar as diferençasregionais e setoriais, estimular o crescimento da riqueza e da renda e sua justa distribuição.

§ 1º A formulação dos planos nacionais e regionais de desenvolvimento contará com a par cipação, naforma da lei, de pessoas jurídicas de direito público, comissões especiais, organizações profissionais eentidades de classe.

§ 2º O planejamento harmonizará o desenvolvimento econômico com a preservação do equilíbrioecológico e da qualidade do meio ambiente.

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Essa disposição se insere no contexto da competência da União para “planejar e promover o desenvolvimentonacional, ouvidos os Estados e os órgãos regionais interessados” (art. 72, inciso XII, do Anteprojeto).

Já no Projeto de Constituição elaborado pela Comissão de Sistematização, no inciso IX do art. 20, figura acompetência da União para “elaborar e executar planos nacionais e regionais de desenvolvimento econômico esocial, aprovados pelo Congresso Nacional”.

O art. 195 do Projeto estabelecia:

Art. 195. Como agente norma vo e regulador da a vidade econômica, o Estado exercerá funções decontrole, fiscalização, incen vo e planejamento, sendo este impera vo para o setor público eindicativo para o setor privado.

§ 4º Lei Complementar estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimentonacional equilibrado, definindo:

I – os critérios de zoneamento econômico, ar culador dos inves mentos públicos e norteador dosinvestimentos privados;

II – o sistema nacional de planejamento econômico e social que funcionará intera vamente com oregional.

O texto definitivo da Constituição de 1988, no seu art. 174, deu a feição definitiva do planejamento econômicobrasileiro, ao estabelecer:

Art. 174. Como agente norma vo e regulador da a vidade econômica, o Estado exercerá, na forma dalei, as funções de fiscalização, incen vo e planejamento, sendo este determinante para o setor

público e indicativo para o setor privado.94

§ 1º A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacionalequilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.

Essa análise nos revela que a vocação para tornar-se direito, existente na estrutura interna dos Planos, veiogradativa e firmemente tornando-se realidade nos textos constitucionais. E o § 1º do art. 174 sacramenta essatendência, ao dizer que a lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacionalequilibrado.

3.15. Planos conjunturaisDepois da intenção de globalidade (pois procuram projetar um conjunto de mudanças em todos os setores da

sociedade) desses Planos e mesmo concomitantemente com o período de execução do I PND-NR, seguem-se, apartir de 1986, Planos que se devem chamar de setoriais, ou até mesmo unidirecionais, porque partem todos eles do

pressuposto de que a raiz dos males econômico-sociais reside na inflação.95 Desde o Plano Cruzado até o PlanoReal, o combate, concentrado no controle monetário, visa conter a inflação. Não se vê, como nos anteriores, afixação de metas a serem alcançadas, Não existe um plano de médio ou de longo alcance. Poder-se-ia até mesmopensar que, depois de debelada a inflação, teria cessado qualquer razão de ser para ações governamentais.

Através do Decreto-Lei n. 2.283, de 27.02.1986, e Decreto-Lei n. 2.284, de 10.03.1986, que instituiu o que seapelidou de “Plano Cruzado”, instituiu-se um plano monetário de combate à inflação, passando por drástica

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medida de congelamento de preço , como determinado no art. 35 deste segundo diploma legal. Muda-se a moeda,de cruzeiro para cruzado, conforme determinado no art. 1º daqueles diplomas.

No ano seguinte, o Decreto-Lei n. 2.335, de 12.06.1987, institui novo congelamento de preços, criando um novoindexador, a Unidade de Referência de Preços – URP.

Em janeiro de 1989, o governo opta por adotar novo congelamento de preços e cria regras para a desindexaçãoda economia, através da Medida Provisória n. 32, de 15.01.1989, que foi convertida na Lei n. 7.730, de 31.01.1989.O art. 1º desses diplomas muda a denominação da moeda, de cruzado para cruzado novo. O art. 8º da lei determinaque “ficam congelados, por prazo indeterminado, todos os preços, inclusive os referentes a mercadorias, prestaçãode serviços e tarifas, nos níveis dos preços já autorizados pelos órgãos oficiais competentes ou dos preçosefetivamente praticados no dia 14.01.1989”.

A esses diplomas seguiram-se a Medida Provisória n. 38, de 03.02.1989, a Medida Provisória n. 40, de08.03.1989, e a Lei n. 7.738, de 09.03.1989.

Em março de 1990, volta a ser instituído o cruzeiro e se toma uma das mais drásticas e contestadas medidas decontrole inflacionário. Através da Medida Provisória n. 168, de 15.03.1990, que se converteu na Lei n. 8.024, de12.04.1990, institui-se um severo controle da economia nacional. Os arts. 5º, 6º, 7º, 8º e 9º desses diplomasinstituíram pesado confisco dos ativos financeiros, como forma de restringir o meio circulante, medidaposteriormente contestada, quase à unanimidade, pelos tribunais do País. A Medida Provisória n. 154, de 15.03.1990,depois convertida na Lei n. 8.030, de 12.04.1990, vedou “quaisquer reajustes de preços de mercadorias eserviços em geral, sem a prévia autorização em portaria do Ministro da Economia, Fazenda e Planejamento”.

Em 1993, implementa-se novo esforço no combate à inflação, através da Medida Provisória n. 336, de28.07.1993, que confere à unidade do sistema monetário brasileiro a denominação de “cruzeiro real”. Essa MedidaProvisória foi convertida na Lei n. 8.697, de 27.08.1993.

Em 28.02.1994 surge a Medida Provisória n. 434, que institui a Unidade Real de Valor, dotada de curso legalpara servir exclusivamente como padrão de valor monetário. De acordo com o disposto no § 1º do art. 1º, “a URV,juntamente com o cruzeiro real, integra o Sistema Monetário Nacional, continuando o cruzeiro real a ser utilizado

como meio de pagamento dotado de poder liberatório, de conformidade com o disposto no art. 3o”. O art. 2ºdetermina que “a URV será dotada de poder liberatório a partir de sua emissão como moeda divisionária peloBanco Central do Brasil, quando passará a denominar-se Real”.

Como complementação das medidas adotadas desde março de 1994, a Medida Provisória n. 542, de 30.06.1994,cria o Plano Real, determinando, em seu art. 1º, que: “A partir de 1º de julho de 1994, a unidade do SistemaMonetário Nacional passa a ser o Real (art. 2º da Lei n. 8.880, de 27 de maio de 1994), que terá curso legalem todo o território nacional”.

Na Exposição de Motivos Interministerial n. 205,96 explicitam-se os fundamentos do novo Plano:

Com a presente Medida Provisória, o Programa de Estabilização Econômica conduzido pelo Governode Vossa Excelência chega à sua terceira fase, marcada pela entrada em circulação de uma nova moedanacional de poder aquisitivo estável – o Real.

2. A par r de 1º de julho, com a entrada da nova moeda, os brasileiros começarão a sen r os efeitos daqueda decisiva da inflação. Cabe recapitular as medidas preparatórias que, cuidadosamenteelaboradas e implementadas ao longo dos úl mos doze meses, permitem a Vossa Excelência

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transmi r ao País a convicção de que a vitória agora conquistada sobre a inflação nada tem de ar ficialou efêmera, mas inaugura um ciclo duradouro de estabilidade, prosperidade crescente e – o que émais importante – de justiça social na história brasileira.

Tentando romper um hábito que se vinha querendo afirmar, de acabar com a inflação através de congelamentode preços, a Exposição de Motivos assim expõe a questão:

Ao longo dos úl mos meses, temos reiterado que, no mundo do Real, não haverá controle de preçosou congelamento. A experiência passada mostrou abundantemente que esses expedientes não sãomais que ar ficialismos que acabam por provocar excesso de demanda, deses mulo à produção e,consequentemente, desabastecimento.

Apesar dessas reiteradas afirmações, algumas empresas fixaram preços ar ficialmente elevados parase proteger de um eventual controle de preços. Muitos desses aumentos ocorreram durante oprimeiro mês da existência da URV. Embora vários tenham sido rever dos em seguida, uma vezconstatado que não haveria congelamento, estabeleceu-se um novo patamar de inflação emcruzeiros, ligeiramente superior ao anterior.

O Governo, através dos Ministérios da Fazenda e da Jus ça, empenhou-se no combate a aumentosabusivos de preços por parte dos setores de alta concentração econômica, dentro do espírito do art. 36da Lei n. 8.880. Nesse sen do, várias portarias foram baixadas reduzindo alíquotas do imposto deimportação, par ndo do princípio de que a concorrência externa é o melhor freio aos abusos do podereconômico numa economia de mercado.

Em contraste com os úl mos meses, com o advento do Real, a taxa de inflação deverá cair para níveismuito baixos, refle ndo basicamente o efeito de resíduos esta s cos, fatores sazonais e reajustesabusivos de caráter localizado. Para combater esses úl mos, o Governo conta com instrumentoseficazes. Com efeito, a promulgação da Lei n. 8.884 reforçou substancialmente o instrumental jurídicoà disposição da sociedade para coibir ações atentatórias à livre concorrência e ao equilíbrio domercado. Agora, o Governo dispõe de amparo legal efe vo para o combate a prá cas abusivas depreços.

A essas inicia vas em relação aos monopólios e oligopólios, deverão somar-se vários outroselementos de disciplinamento de preços. O primeiro é o planejamento coordenado da ação dasagências de governo responsáveis pela operação dos instrumentos de es mulo à produção e aoabastecimento de produtos agrícolas.

O segundo é o prosseguimento das ações de desregulamentação, que constitui uma das reformas maisimportantes para modernizar a economia, eliminar o poder dos cartórios e assegurar o bomfuncionamento dos mercados. O Governo está comprome do com a con nuidade do programa dedesregulamentação, e uma série de providências neste sen do encontra-se em estágio avançado deelaboração. Esta Medida Provisória já contém uma providência simples de desregulamentação quepode beneficiar imediatamente o consumidor. Com a possibilidade de medicamentos que nãorequerem prescrição médica num maior número de pos de estabelecimentos, deve ocorrer umaumento da concorrência e consequente redução de preço. A medida procura, além disso, ampliar adistribuição de medicamentos, facilitando o acesso aos produtos de venda livre às camadas mais

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carentes da população.

A terceira, finalmente, é a continuação da liberalização comercial, com a redução progressiva dos picosainda remanescentes na tarifa de importação brasileira no âmbito da construção do Mercosul.

4. PLANEJAMENTO ECONÔMICO E IDEOLOGIAA exposição sobre a adoção do planejamento econômico nos Estados Unidos e na URSS, no período posterior à

Primeira Grande Guerra, deixou claro que o planejamento econômico não está impregnado, essencialmente, por umadeterminada ideologia. A decisão de planejar não depende de um pressuposto ideológico, tanto é assim que países dedirecionamentos político-econômicos completamente divergentes podem adotar o planejamento econômico. Mastodo planejamento econômico, se quiser ser eficiente, deverá buscar uma ideologia como forma de se justificarperante a sociedade, de ser aceito por ela, e de propor-se a ele como seu condutor. Há uma relação profunda entreo mito, a ideologia e a linguagem que lhes serve de condutor e que serve para convencer a sociedade de suaveracidade. Em tese de doutoramento, procuramos evidenciar essa relação, que nos parece essencial para acompreensão do planejamento econômico. Por isso nos permitimos, na sequência, adotar o pensamento e aexposição que fizemos naquele trabalho, com modificações que o decurso do tempo impôs.

4.1. Planejamento: mito da criação pela linguagemOs textos constitucionais originados do período posterior à Revolução Francesa são o fruto daquele pensamento a

que André-Jean Arnaud apelida de “Paix Bourgeoise”. Este mito da paz burguesa teve como elementosconstitutivos o mito do individualismo absoluto e a relação específica desse mito com o reino do Direito.

Esse mito encontrou a sua realização na canalização dos esforços de todos na luta pela criação de um outro mito,o da legalidade, que seria a garantia da plena individualidade de cada cidadão. É certo que esse mito deixou suamarca definitiva nas instituições jurídicas, a partir dos textos constitucionais que consagram os princípios aceitos esolidificados. Mas é também certo que, após 1871, na Europa, a paz burguesa não representou mais a ideia de ummundo social racionalmente calmo, como fora o objetivo de seus criadores.

Como o assinala André-Jean Arnaud, a paz burguesa foi pouco a pouco mudando de fisionomia. Observa esseautor que essa mudança foi feita tateadamente, “mantendo-se de uma forma ou de outra… graças aos diversosfatores políticos e econômicos que substituíram progressivamente a ‘paz burguesa’ autêntica pela Pax

Americana”.97

No âmbito da mentalidade criada pela Pax Americana, procurou-se saciar a ânsia humana de ser cada vez maisplenamente com a criação e produção sempre maior e mais sofisticada de bens. Esse período pode ser visto entre asduas grandes guerras, alcançando o seu apogeu após a segunda grande guerra. Mas o crescimento econômico levouà concentração da riqueza nas mãos de um grupo de pequenas dimensões, em detrimento do bem-estar da maioria.

Acentuou-se então a preocupação com o social, com a distribuição dos benefícios do crescimento a um númerocada vez mais abrangente de pessoas. Pode-se dar a esse período o nome de era da Pax Socialis.

Os Planos Econômicos seriam o fruto dessa mentalidade, que busca uma coexistência pacífica não só no planoformal da legalidade, mas também no plano material, pela aspiração à criação de uma comunidade humana justa(justiça distributiva), na qual, reconhecendo-se que nenhuma ordem é eterna, se procura criar uma verdadeira e

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concreta igualdade entre os homens.

Mas essa evolução se fez e se manteve dentro de um contexto de linguagem, sob uma tríplice concepção defunção e valor: mitológica, metafísica e pragmática.

Como observa Ernst Cassirer, “se o homem moderno já não crê numa magia natural, continua acreditando numa

espécie de ‘magia social’”.98 Linguagem e mito são parentes próximos, conservando uma mesma essência.99 OsPlanos Econômicos extraem a sua força dessa comunhão de linguagem e mito. Procuram eles criar uma novarealidade político-social, convencendo através da força da palavra.

A humanidade marcou o seu desenvolvimento pela apresentação de duas etapas, que não se seguem, mas sesuperpõem. Diz Cassirer:

(O homem) Começou como Homo Magus, mas da idade da magia passou para a idade da técnica. OHomo Magus das civilizações primi vas tornou-se num Homo Faber, ar fice e artesão. Se admi rmostal dis nção histórica, os nossos mitos polí cos modernos apresentam-apresentam-se como coisamuito estranha e paradoxal. Porque o que neles encontramos é a combinação das duas a vidades queparecem excluir-se uma à outra. O polí co moderno teve de combinar em si duas funções diferentes emesmo incompa veis. Tinha de ser ao mesmo tempo Homo Magus e Homo Faber. (…) É essa estranhacombinação que constitui um dos mais extraordinários aspectos dos nossos mitos políticos.

Os novos mitos políticos não surgem por acaso, mas são feitos de acordo com um plano preconcebido. InsinuaCassirer:

Os novos mitos polí cos não crescem livremente; não são frutos bravios de uma imaginaçãoexuberante. São coisas ar ficiais fabricadas por artesãos hábeis e matreiros. Estava reservado aoséculo XX, à grande era da técnica, desenvolver uma nova técnica de mito. A par r de agora os mitospodem ser fabricados no mesmo sen do e de acordo com os mesmos métodos u lizados no fabrico

das outras armas – as metralhadoras e os aviões.100

Ao uso semântico da palavra se alia o uso mítico. A palavra não só manifesta uma realidade a ela subjacente, a

ela referida, mas efetivamente procura criar uma nova realidade.101

4.2. Planejamento: mito prospectivoO Plano Nacional de Desenvolvimento é a expressão mais fiel dessa nova feição da lei. Acentua-se o seu

caráter prospectivo e, sobretudo, criador.

Assim é que o planejamento, na linguagem do próprio PND – III PND, capítulo III – Estratégia –, “é uminstrumento que auxilia a sociedade a ordenar os seus esforços no sentido de atender às suas aspirações. Asociedade brasileira tem mostrado que suas aspirações fundamentais correspondem, no plano econômico, à elevaçãopersistente dos níveis de bem-estar, e, no plano político, à construção de uma sociedade aberta e democrática”.

Ao focalizar os “Grandes Objetivos Nacionais”, no Capítulo II, o III PND acentua que o seu objetivo-síntese é “aconstrução de uma sociedade desenvolvida, livre, equilibrada e estável, em benefício de todos os brasileiros, nomenor prazo possível”.

A linguagem não se refere a algo já pronto, a um ergon, não é semanticamente estática, mas se relaciona

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(contém em si) com uma enérgeia. A lei do Plano manifesta justamente essa perspectiva dinâmica, construtiva,sendo, dessa forma, a manifestação mais patente do dever-ser, que é a essência da lei, da linguagem prescritiva ,em confronto com a linguagem descritiva.

O mito se reveste de uma plasmação intuitiva, diferente da formação de conceitos discursivos, teóricos, e atravésdessa plasmação, a palavra fixadora da lei se assimila ao mais alto Deus Criador. A Lei do Plano cria uma nova

realidade, propõe um dever-ser miticamente aureolado.102

O Plano Econômico, da mesma forma que as Constituições, faz parte de uma Cosmogonia Mítica. A lei do Plano,através da sua linguagem, envolve o povo num círculo mágico, de tal sorte que só lhe é possível viver com o Direito,

na medida em que também lhe é possível viver nestas configurações.103

5. PLANEJAMENTO E MERCADO – PREVISIBILIDADEA exposição sobre o planejamento no mundo e no Brasil leva forçosamente a nos indagarmos sobre a

possibilidade, conveniência ou até mesmo necessidade de adoção de um planejamento econômico no contextoconstitucional de uma economia de mercado.

Encontramos a resposta a esta indagação no ordenamento jurídico brasileiro. O artigo 174 determina a função doEstado na nova realidade de economia de mercado, estabelecendo que “Como agente normativo e regulador daatividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo eplanejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.

Há uma obrigatoriedade para o Estado. O plano por ele estabelecido deverá reger todos os seus programas deação. A indicatividade se destina a informar a iniciativa privada sobre as ações do Estado. O plano a ser adotadotem a finalidade de conferir transparência e certeza sobre as ações a serem empreendidas pelo Estado.

O Tribunal eleitoral deveria exigir dos candidatos à Presidência da República um Programa de Metas a seremimplementadas. O artigo 94 da Lei n. 4.737, de 15 de julho de 1965, que institui o Código Eleitoral se restringe àexigência de formalidades que devem ser cumpridas pelos candidatos.

Ao exigir dos candidatos um autêntico PLANO, estaria o Tribunal Superior Eleitoral vinculando a postura doscandidatos e dando ao eleitor a possibilidade de escolher programas de governo, em lugar de escolher candidatostotalmente desvinculados e descomprometidos das “promessas” eleitorais.

O Tribunal Superior Eleitoral, recebido dos candidatos o PLANO, deveria submetê-lo a um processo de consultapública. Por esse caminho, o povo seria ouvido para dizer o que quer. E não seria alvo de “promessas” que nãoterão condição de serem implementadas.

Esta consulta pública deverá receber o aporte da crítica, para a edificação de um PLANO realmenteconsentâneo com a realidade do País, nele incluindo as metas a serem alcançadas em termos de infraestrutura,saúde, educação, segurança, inovação e tecnologia.

O Rapport Attali, apresentado ao governo francês em 2008 e aprovado pela Comissão designada para suaelaboração serve de confronto construtivo. Dentre as várias contribuições, assinale-se a oposição entre as medidasde preocupação exclusiva com o PIB e o crescimento da produção:

Mensurado estritamente pelo PIB, o crescimento é um conceito parcial para descrever a realidade domundo: precisamente, ele não inclui as desordens da mundialização, as injus ças e os desperdícios, o

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aquecimento climá co, os desastres ecológicos, o esgotamento dos recursos naturais… O crescimentoda produção, entretanto, é a única medida operacional da riqueza e do nível de vida disponível,permi ndo comparar as performances dos diferentes países. E mais, esta medida está fortementerelacionada com a inovação tecnológica, indispensável ao desenvolvimento durável e à realização de

outros objetivos de desenvolvimento (saúde, educação, serviços públicos etc.) 104

O cumprimento do PLANO apresentado pelo candidato será fiscalizado pela nação. Somente assim estará sendoeficaz e eficiente a determinação constitucional de vinculação do setor público. A exigência da apresentação de umPLANO pelos candidatos possibilitará sua indicatividade para o setor privado, e será satisfeita a exigência detransparência e previsibilidade.

A questão da compatibilidade do PLANO com um regime de economia de mercado foi analisada em tese dedoutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais por Andrea Queiroz

Fabri, publicado pela Editora Forum.105

Esta contraposição constante entre o interesse público e o privado é assinalada por John Friedman: “Enquantoa planificação empresarial con nuou aferrada ao modelo original de racionalidade de mercado, osplanificadores públicos se fizeram paladinos de uma forma modificada de racionalidade social, centradaexplicitamente nas consequências sociais. A planificação pública se viu assim em confronto com osinteresses privados. Os respec vos critérios para determinar o que era racional eram diametralmenteopostos. Mas os negócios eram poderosos, e os planificadores raramente conseguiram mais do que osinteresses privados estavam dispostos a aceitar. (...) Provavelmente seja correto dizer que, na maioria doscasos, somente quando os programas do setor público são amplamente compa veis com os interesses docapital empresarial tais programas são lançados com êxito (Planificación en el ámbito público. 1991. p. 37).

Burdeau defende o sen do de democracia como forma de par cipação na construção e na organização dasociedade. Segundo ele “o povo já não par cipa do exercício do poderio estatal para impedir osgovernantes de atentarem contra a independência das iniciativas individuais e contra o livre jogo das forçaseconômicas; u liza os direitos polí cos para promover uma reforma da estrutura social e, se necessário,para nela operar uma revolução” (A democracia: ensaio sintético. 1975. p. 46).

“O consenso, afirma Burdeau, é uma disposição do espírito que traduz um acordo com uma situação. Seucaráter essencial é a generalidade ao mesmo tempo de seu objeto e da a tude que o exprime.Generalidade quanto ao objeto porque ele não se dirige especialmente a tal ou qual aspecto do sistemasocial ou da organização polí ca, ele se dirige a um conjunto” ( Traité de science poli que: la revolte descolonisés. 1986. t. X, p. 26).

Assinala Friedman que “antes do século XIX, havia prevalecido um tipo de planificação muito diferente. Comose pretendia impor uma ordem racional, euclidiana, sobre as formas orgânicas da natureza, querodenominá-lo ortogonal (Houghton-Evans, 1980). (...) O impressionante projeto de Pierre Charles l’Enfantpara a capital federal em Washington D.C. (1791) é uma prova mais recente. Em sua forma mais pura, oprojeto ortogonal se pode encontrar nas concepções do espaço utópico expresso na Cidade do Sol de

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Campanella, no século XVII, com seus padrões simétrico-hierárquicos (Campanella, 1981), e na cidade deBrasília (século XX), projetada por Lúcio Costa e Oscar Niemayer em forma de avião com asas em flecha”(Planificación en el ámbito público. 1991. p. 38).

É dele a frase que ficou célebre e que veio a ser utilizada pela ideologia socialista do século XIX: “de cada umsegundo a sua capacidade, a cada capacidade segundo as suas obras”. Este mesmo lema veio a sertrabalhado no preâmbulo da Cons tuição Tcheca de 1960: “... Desde já se realiza a divisa do socialismo:cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo seu trabalho”.

Plans des Travaux Scien fiques Nécessaires pour Réorganiser la Société. Disponível em:<http://www.uqac.ca/jmt-sociologue>. Ou <http://classiques.uqac.ca/>. Acessado em: 24 jun. 2013.

Foi secretário de comércio de 1921 até 1929, quando se tornou presidente dos Estados Unidos. Entendia que aracionalização cien fica poderia alcançar uma síntese do velho e do novo industrialismo sem sacrificar oesforço individual, o compromisso popular e a empresa privada (FRIEDMAN, ob. cit., p. 109).

FRIEDMAN. Ob. cit., p. 115.

Cf. Economía y sociedad: esbozo de sociología comprensiva. 1969.

Cf. Liberdade, poder e planificação democrática (Freedom, Power & Democratic Planning). 1972; O homem ea sociedade: estudos sobre a estrutura social moderna (Man and Society in an Age of Reconstruc on). 1962.Observa Friedman que “Karl Mannheim não era, como Weber, protestante por educação; como judeu,amava o momento utópico, transcendente da realidade, mais do que a ordem racionalizada do presente.Também estava menos interessado do que Weber em meramente entender a sociedade; como Marx,desejava mudá-la. Sua sociologia estava orientada para a mudança e, mais par cularmente, para formasplanificadas de mudanças guiadas por uma inteligentsia técnica (ob. cit., p. 121).

Cf. A sociedade aberta e seus inimigos. Aí afirma Popper: “O que cri co sob o nome de engenharia utópicarecomenda a reconstrução da sociedade como um todo, por exemplo, mudanças muito radicais cujasconsequências prá cas são di ceis de cal cular, devido a nossas limitadas experiências. Pretende planificarracionalmente para a totalidade da sociedade, embora não possuamos nada parecido com o conhecimentofatual que seria necessário para tornar efe va uma pretensão tão ambiciosa. Não podemos possuir talconhecimento porque temos uma experiência prá ca insuficiente neste po de planificação, e oconhecimento de fatos deve estar baseado na experiência. Atualmente, o conhecimento sociológiconecessário para a engenharia de grande escala simplesmente não existe” (apud FRIEDMAN. Ob. cit., p.137).

FRIEDMAN. Ob. cit. p. 160.

Cf. The active society. 1968.

DEWEY, John. Excerpts from Liberalism and Social Ac on, 1935. Dinsponível em:<http://teachingamericanhistory.org/library/document/excerpts-from-liberalism-and-social-action/>.Acessado em: 24 jun. 2013.

Na introdução à segunda edição norte-americana, afirma Galbraith: “A noção de planejamento formulada naprimeira edição não era sa sfatória. Como o precisou cri camente o professor Meade (Is ‘the new

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industrial state’ inevitable?) pode haver planejamento dentro do marco do mercado e planejamento quesubsuma o mercado. Uma empresa pode planejar a prestação mais eficiente de serviço ao mercado peloprocedimento de inves gar a perspec va do comportamento do mercado e dar resposta à imagemresultante de sua inves gação (...) o que lhe permi rá adaptar-se melhor às preferências do mercado. E aempresa pode também planejar no sen do, diferente, de conseguir os preços, os custos e as reações deconsumidores e produtores que ela deseje. Há uma diferença essencial entre essas duas classes deplanejamento: a primeira responde mais eficazmente ao mercado; a segunda substitui o mercado (El nuevoestado industrial. 1974. p. 20).

VERGEOT. Les plans dans le monde. 1970. p. 293.

Como o afirma Vergeot, “o ‘programm planning’ e o ‘business planning’ são planificações parciais ouprogramas. O Economic Policy Planning, ao contrário, aplicando-se à economia tomada como um todo, éuma planificação global e uma incontestável planificação. Os Estados Unidos chegaram a isto por etapas,correspondentes a sequências de atos legisla vos célebres que fizeram com que passassem de umaeconomia de concorrência a uma economia de pleno emprego; eles a pra cam hoje com estruturas e sobformas mais ou menos originais, em que se encontra a estra ficação conservada dessas reformassucessivas, mas cuja análise não está des tuída de um vivo interesse ( Les plans dans le monde. 1970. p.300).

VERGEOT. Ob. cit. p. 306.

Principalmente no período de construção do socialismo, como o explicita Vergeot, a economia se baseia naapropriação socialista dos meios de produção sob a forma de propriedade de Estado (pública) e depropriedade cole va das en dades coopera vas. Esta úl ma se aproximará gradualmente da propriedadede Estado até o estabelecimento de uma forma unificada de propriedade comunista pública dos meios deprodução (VERGEOT, ob. cit. p. 370).

Como salienta Vergeot, “O Estado sovié co exerce uma direção planificada do desenvolvimento daeconomia nacional da URSS em conformidade com o princípio leninista de centralização democrá ca. Istocaminha simultaneamente com um reforço e um desenvolvimento mais avançado da independência e dainicia va das empresas e outras organizações econômicas em matéria de gestão e de propriedade, e daextensão de seu poder no quadro de um plano econômico nacional único. De acordo com uma fraseatribuída a Stalin: ‘Planificar não é prever, é agir’, esta ação planejadora tem por finalidade umdesenvolvimento harmonizado da produção, ele próprio considerado como um meio de assegurar amáxima renda nacional perante um mínimo de despesas em recursos e em mão de obra (VERGEOT. Ob. cit.p. 374).

VERGEOT. Ob. cit. p. 10.

VERGEOT. Ob. cit. p. 13-14. No número especial publicado pela Documenta on Française, em colaboraçãocom o Comissariado Geral do Plano, se enfatizam dois aspectos:

o de que o Plano funciona como um quadro de marca previsional da economia francesa, e o de que o Plano,se organiza a economia, cuida também e igualmente dos problemas sociais, das realidades humanas: “nãose trata somente de organizar da melhor forma a expansão de nossa economia, mas também de definir as

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condições da repar ção, porque produzir só tem sen do se as necessidades do homem são melhorsa sfeitas. Ora, esta sa sfação supõe não somente um progresso do nível de vida de cada um, masigualmente um esforço cole vo para criar condições de existência mais sa sfatórias e assegurar umaparticipação mais equitativa no enriquecimento geral” (Le Ve. Plan, n. spécial [220-221], oct.-nov. 1966).D’ESTAING, Prefácio ao 7e. Plan de développement économique et social – 1976-1980.

GANDOIS, Jean. France: Le choix de la performance globale: rapport de la commission compé vitéfrançaise. 1992. p. 13.

Cf. Le V e. Plan, Documentation française. p. 8.

Ibidem. p. 10.

JACQUOT, H. Le statut juridique des plans français. 1973. p. 224.

Idem. ibidem. p. 225-226.

Idem. ibidem. p. 229.

BURDEAU. Traité de Science Politique. 2e éd., 1974. tome VIII, nota 100, p. 649. Essa objeção de Burdeau noslembra o posicionamento de Norbert Löhfink, que vê em determinadas coletâneas de direitomesopotâmico uma finalidade de propaganda: “Acresce ainda que surgem como codificações de direitostextos que às vezes não expressam nenhum direito, mas visam a coisas bem diferentes. Muitas coletâneasde direito mesopotâmico não passavam de escritos de propaganda. Não eram absolutamente codificaçõesde direitos, ainda que de propósito se apresentassem como tais. E pelo menos uma camada dereelaboração da lei deuteronômica deve ter sido apenas uma parte de uma obra histórica, a obra históricadeuteronomista, em sua primeira redação, que pretendia suscitar novamente a consciência religiosanacional, abalada pela crise assíria” (Grandes manchetes de ontem e de hoje. 1984. p. 273).

Droit public économique. 3e éd. 1979. p. 322.

Idem. Ibidem. p. 329.

Como assinala Jean Vergeot, “tecnicamente, a planificação holandesa a curto prazo con nua a ser umaplanificação altamente formalizada, com o emprego de um modelo econômico completo, do mesmo poque o do plano a longo termo, e do sistema tradicional das contas nacionais. Nos Países-Baixos, aformalização cons tui o nó da concertação, e ela é considerada sob este ponto de vista como um bommétodo; seus par dários es mam que ela leva à obje vidade, embora numerosos elementosdiscricionários intervenham no momento de colocar as relações” (Les plans dans le monde. 1970. p. 105).

Droit public économique. 3e éd. 1979. p. 330.

Idem. Ibidem. p. 337.

Idem. Ibidem. p. 338.

BURDEAU. Traité de science politique. 1974. t. VIII, p. 634.

Ibidem. p. 634.

Ibidem. p. 634.

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Idem. Ibidem. p. 635.

Ibidem. p. 642.

Ibidem. p. 643-644.

Ibidem. p. 645.

Ibidem. p. 646.

Ibidem. p. 649.

Ibidem. p. 649.

Ibidem. p. 651.

A fenomenologia deixa de ser contemplação para fazer-se ação, transformação do “expectadordesinteressado” e do “mundo”. A distância que a consciência interpõe entre ela e o mundo, e pela qualtoma conhecimento do mesmo, é também aquela em virtude da qual atua sobre o mundo para transformá-lo: “Essa possibilidade de desprender-se de uma situação para adotar um ponto de vista sobre ela (ponto devista que não é conhecimento puro, mas indissoluvelmente compreensão e ação) é precisamente o que sechama liberdade”, como ensina André Dartigues, Fenomenología. Herder, 1981. p. 126).

Droit économique. 1982. p. 132.

Ibidem. p. 133-134.

QUADRI. Diritto pubblico dell’economia. 1980. p. 115.

Ibidem. p. 115.

Ibidem. p. 116.

Ibidem. p. 128.

GORDILLO. Planificación, participación y libertad en el proceso de cambio. 1973. p. 133-134.

Ibidem. p. 135.

Ibidem. p. 136.

CHAMBRE. A economia planificada. 1967. p. 27.

Ibidem. p. 28.

Ibidem. p. 29.

JACQUEMIN et alii. Poli ques d’Interven on de l’État et Administra on Économique. In: Jean-MichelFavresse, Aspects juridiques de l’interven on des pouvoirs publics dans la vie économique. 1976. p. 24. Aprogramação belga de 1959 se propunha ser “um conjunto coerente e estruturado (ao mesmo tempoprevisões e orientações), que fornece um quadro para as ações a u lizar com a finalidade de alcançar umobje vo julgado ó mo”. A programação belga se assemelha à francesa, apresentando como caracterís cas:a de ser democrática, procurando conciliar a eficiência com a garan a de preservação da liberdade deiniciativa; a de ser indicativa, sendo impera va somente em relação ao Poder Execu vo, notadamente paraos inves mentos de infraestrutura, e devendo conservar uma grande maleabilidade e permanecer uma

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criação con nua, sobretudo num país cuja economia depende muito do seu comércio exterior; e,finalmente, a de ser ativa, no sen do de os Poderes Públicos se u lizarem de todos os meios à suadisposição para favorecer e es mular financeiramente as inicia vas privadas que se integrem no plano,como também para frear e desencorajar os que dele se afastem” (VERGEOT, Jean. Les Plans dans le Monde.1970. p. 31-32).

Ibidem. p. 25.

Ibidem. p. 28.

Ibidem. p. 32.

BERNARD. Destino de la planificación soviética. 1967. p. 100.

Ao tratar da legislação outrora existente nos países do Leste Europeu e na China, estamos reproduzindotexto de nossa tese de doutoramento (O Plano Nacional de Desenvolvimento como Expressão daLinguagem do Direito), defendida em 1989. As modificações posteriores àquela data certamente terãoeliminado o caráter de centralização econômica então existente. Mas é importante ter em mira asreferências agora reproduzidas, como forma de possibilitar um confronto com pontos de vista de países doOcidente.

KUCERA, Joseph. La Théorie du Droit Économique Socialiste: Son Application en Tchécoslovaquie. In: Annalesde l’Université Sciences Sociales de Toulouse (Anciennes Annales de la Faculté de Droit de Toulouse). v.21, ADVANCE 1 e 2, p. 337, 1973.

Ibidem. p. 253.

STAÏNOV, Petko. La Nature Juridique des Actes de Planifica on dans l’État Socialiste. In: Revue du DroitPublic et de la Science Politique en France et à l’Étranger. Paris, n. 5, v. 79, p. 919-920, sept.-oct. 1963.

Ibidem. p. 920.

Ibidem. p. 932.

Ibidem. p. 932.

A Constituição da URSS aqui citada é a de 05.12.1936, com a atualização de 1974.

Constituição da República Popular da Hungria (Ley XX de 1949 con las modificaciones sancionadas por la Ley Ide 1972 y por la Ley I de 1975).

Apud DI RUFFIA, Paolo Biscaretti. Costituzioni Straniere Contemporanee. 1975. p. 401.

Segundo Juan Ramón Capella, o estudo de qualquer linguagem pode ser feito em três níveis: a) no sintático,os signos são considerados na sua conexão lógica, independentemente de seu significado e da pessoa queos usa; b) no semân co, examina-se a relação entre o signo linguís co e seu significado; c) no pragmá co,estuda-se a relação entre o signo e o usuário da linguagem (El Derecho como Lenguaje. 1968. p. 22). Em Oplano de desenvolvimento como expressão da linguagem do direito procuramos especificamente mostrarque o plano é uma lei e que se reveste da obrigatoriedade que lhe é própria exatamente por se inserir numcontexto de linguagem.

O plano nacional de desenvolvimento como expressão da linguagem do direito. Tese, p. 41, 1989.

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A este respeito afirma Celso Lafer: “O período de 1956-1961, no entanto, deve ser interpretado de maneiradiferente pois o Plano de Metas, pela complexidade de suas formulações – quando comparado com essastenta vas anteriores – e pela profundidade de seu impacto, pode ser considerado como a primeiraexperiência efe vamente posta em prá ca de planejamento governamental no Brasil. Daí a importância doestudo do Plano de Metas se se deseja conhecer não só a evolução histórica do planejamento no Brasilcomo também as condições atuais do planejamento no País, as quais resultam em parte de determinadasopções tomadas e desenvolvidas naquele plano e, em parte, do progresso mais recente na aplicação denovas metodologias” (O Planejamento no Brasil – Observações sobre o Plano de Metas (1956-1961). In:Planejamento no Brasil, Betty Mindlin Lafer, p. 30, 1975).

Presidência da República, Conselho de Desenvolvimento. In: Programa de metas, Introdução, 1958. t. I, p. 5.

Ibidem. p. 18-19.

Presidência da República, Conselho de Desenvolvimento. In: Programa de metas. Energia e Transportes,1958. t. II, p. 5.

Presidência da República, Conselho do Desenvolvimento. In: Programa de metas. Energia e Transportes,1958. t. II, p. 7-8.

Como acentua ele: “A Administração Pública de um país é um sistema aberto para o sistema polí co comoum todo; a Administração Pública Brasileira, no período em estudo, à medida que se viu forçada a enfrentaro problema da expansão das oportuni dades de emprego, colocado pela ampliação da par cipação polí ca,enfrentou uma situação dilemá ca que exigia novas premissas. Se essas observações são corretas, pode-se, então, chegar a uma primeira conclusão: a ampliação da par cipação polí ca provocou um dilema quenão se resolvia no contexto das premissas existentes e a solução aventada para enfrentar esse dilema foi oplanejamento: a decisão de planejar, portanto, resultou da percepção da dinâmica do sistema polí co” (OPlanejamento no Brasil – Observações sobre o Plano de Metas (1956-1961). In: Be y Mindlin Lafer.Planejamento no Brasil. 1975. p. 34).

Como afirma Celso Lafer, “à luz dos dados expostos, é possível dizer que o Plano de Metas foi um casobastante bem sucedido na formulação e implementação de planejamento. Com o risco de ultrapassar oslimites impostos a este trabalho, pode-se sugerir, concluindo, que os problemas por ele ocasionados aosgovernos que se sucederam resultaram justamente do seu sucesso” (ob. cit. p. 49).

Como observa Roberto B. M. Macedo, “a inconsistência na utilização dos instrumentos de política econômica,constatada no Governo Goulart, resultava em grande parte da sua a tude polí ca, pois, embora arriscasseuma polí ca reformista e sendo basicamente apoiado por áreas vinculadas ao movimento trabalhista deentão, não pretendia cair na ojeriza daqueles que, de fato, como demonstraram mais tarde, de nham osmecanismos de poder. Quando se instala uma polí ca an -inflacionista, o uso dos instrumentostradicionais, como a contenção de crédito, aumento de impostos, suspensão de subsídios, contençãosalarial e outros, exige do Governo não só a consistência na sua u lização mas também um poder coerci voque esteja à altura de impô-los à cole vidade. O Governo Goulart, além de u lizar inconsistentemente osmeios de que dispunha, man nha-se no poder à custa de um equilíbrio de forças bastante instável e, destaforma, não pretendendo hos lizar as forças que, em princípio, procurava representar, não nha condiçõesde impor sua vontade às demais. Por isso mesmo, quando se recusava a controlar os aumentos aos

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trabalhadores, por não querer impor os sacri cios da luta an -inflacionária a estes úl mos – como se forapossível isolá-los milagrosamente – não nha também condições de estendê-los às demais classes, quepressionavam o Governo no sen do da expansão monetária (Plano Trienal de Desenvolvimento Econômicoe Social (1963-1965). In: Betty Mindlin Lafer, Planejamento no Brasil. 1975. p. 64).

Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social 1963-1965. In: Presidência da República, dezembro1962, p. 7-16.

Como assinala Celso L. Martone, “dentro do caráter ‘indicativo’ que deve ter o planejamento numa economiade mercado, o PAEG representou um esforço no sen do de interpretar o processo recente dedesenvolvimento brasileiro e de formular uma polí ca econômica capaz de eliminar as fontes internas deestrangulamento que bloquearam o crescimento da economia” (Análise do Plano de Ação Econômica doGoverno (PAEG 1964-1966). In: Betty Mindlin Lafer. Planejamento no Brasil. 1975. p. 71).

Depois de fazer análise detalhada, sob o prisma econômico, do Plano Estratégico de Desenvolvimento,Denysard O. Alves e João Sayad concluem: “O PED representa, de certa forma, um avanço na experiênciabrasileira de planejamento. Em primeiro lugar, porque na época de sua elaboração já era bem ní da aconsciência da necessidade de planejamento ao menos das a vidades governamentais, cuja importânciana vida econômica da nação não permite uma ação desordenada. Por outro lado, pode-se afirmar que jáexis a uma tradição de planejamento governamental, obrigando os novos governos de qualquer níveldesde o federal ao estadual a apresentar seus planos de ação. Ao mesmo tempo já exis a na época daelaboração do PED uma estrutura administra va com experiência de planejamento, o Escritório dePesquisa Econômica Aplicada. Tendo acabado de realizar o Plano Decenal de Desenvolvimento Econômicopara o Governo anterior, podiam contar com um manancial de informações e pessoal experimentado, oque, evidentemente, deve ter influído na elaboração do Plano. Finalmente, o PED optou por um horizontede tempo restrito, o que possibilitou a u lização de um modelo econômico mais adequado, com um poderanalí co maior e a definição mais precisa das metas quan ta vas” (O Plano Estratégico deDesenvolvimento 1968-1970. In: Betty Mindlin Lafer. Planejamento no Brasil. 1975. p. 107-108).

Plano Nacional de Desenvolvimento PND 1972-1974, publicado no Suplemento ao DOU, 17 de dezembro de1971.

Publicado no DOU, 06.12.1974.

O ar go único dessa Resolução estabelecia: “São aprovadas as partes reformuladas do II I Plano Nacional deDesenvolvimento (PND), para os exercícios de 1980 a 1985, publicadas no Suplemento do Diário Oficial n.31, de 13 de fevereiro do corrente ano.”

Publicada no DOU, 12.06.1986.

Cf. publicação em Suplemento Especial ao de n. 185 de DOU, Seção I, edição de 26.09.1986.

O Constituinte brasileiro se baseou na redação primitiva do art. 92 da Constituição portuguesa de 1976: “1. OPlano tem caráter impera vo para o setor público estadual e obrigatório, por força de contratos-programa,para outras a vidades de interesse público. 2. O Plano define ainda o enquadramento a que hão-desubmeter-se as empresas dos outros setores”. Atualmente, o Título I I da Parte I I (Organização Econômica)referente a “Planos” da Cons tuição Portuguesa na redação dada pela Revisão VII, de 2005, não contempla

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mais aquela caracterização de imperatividade para o setor público e de indicatividade para o setor privado.

A decisão de um combate inflexível contra o fenômeno inflacionário não é uma decisão solitária do Governobrasileiro. Como observa Frédéric Loisel, “a decisão dos principais países industrializados de não maistolerar taxas de inflação elevadas foi uma das maiores mudanças de direcionamento das polí caseconômicas dos anos 80. Já vai longe o tempo em que a inflação era apresentada como um tributo a pagarao crescimento da economia, um resgate a pagar ao emprego. O dilema inflação-desemprego era cruel. Eratambém confortável, ao dar a ilusão aos responsáveis pela polí ca econômica da possibilidade de umcontrole visual da economia. A crise inflacionária, que simultaneamente se declara e se propaga nos paísesda OCDE no curso do decênio 70, pôs fim a todas estas incertezas. Fenômeno complexo, ao mesmo tempodesequilíbrio real e monetário, a inflação foi sobretudo di cil de ser dominada em razão de suascaracterís cas estruturais. Seus mecanismos de difusão internacional a tornaram ainda mais di cil de sercontrolada. Mas surgiu um consenso sobre a imperiosa necessidade de jugular este flagelo. Os efeitosbenéficos da inflação não enganavam mais a ninguém e cada um podia ver sua devastação. O caoseconômico e social causado pela hiperinflação em várias regiões do mundo oferecia um espetáculo própriopara convencer os mais re centes da necessidade de uma desinflação radical, sem cair no excesso inversoe temível da deflação ( Le Délit d’Infla on. 1993. p. 71). Sobre o tema vale também a opinião de MauriceFlamant: “A inflação foi – e permanece ainda – um grande problema de nosso século. Quer por seu lentoimpulso quer por seu turbilhão, ela corrói ou até mesmo destrói as moedas e os preços, os salários ouquaisquer outras rendas, assim como patrimônios. Em síntese: todos os valores; tudo aquilo a que ohomem gosta de se apegar, se referenciar. (...) A economia de nosso fim de século exigiria um acordo entreos diversos grupos de par cipantes para consen r em alguns sacri cios em prol da estabilidade monetária,este bem precioso mas perdido. Somente com esta condição que poderia ser atenuado um mal odiado masnão vencido” (L’Inflation. 1991. p. 117-118).

Cf. Publicação no DOU, 30.06.1994, Seção I, Edição Extra n. 123-A, p. 9.766-9.771.

ARNAUD, André-Jean. La paix bourgeoise. In: Quaderni fioren ni per la teoria del pensiero giuridicomoderno. n. 2, p. 174, 1973.

CASSIRER, E. O mito do Estado. 1976. p. 299.

CASSIRER, E. Antropologia filosófica: Ensaio sobre o homem; introdução a uma filosofia da cultura humana.1977. p. 175.

CASSIRER, E. O mito do Estado. 1976. p. 300.

Não podemos desvincular a dimensão semântica da pragmática. Observa a este respeito Paolo Semama que“toda tenta va de interpretar rigorosamente um enunciado do ponto de vista semân co, prescindindototalmente de sua dimensão pragmá ca, está des nada ao insucesso” ( Linguaggio e Potere. 1974. p. 153).Gadamer focaliza na linguagem uma enérgeia. Seguindo o pensamento de Humboldt, admite que alinguagem tem uma existência autônoma perante um indivíduo de uma comunidade linguís ca, e tem porfunção inserir esse mesmo indivíduo numa determinada relação com o mundo e num determinadocomportamento para com ele. Ao relacionar linguagem e logos, reconhece que há “uma ideia que nãogrega e que faz mais jus ça ao ser da linguagem; a ela se deve o fato de que o esquecimento da linguagempelo pensamento ocidental não fosse total. É a ideia cristã da encarnação. Encarnação não é

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evidentemente corporalização. Nem a ideia da alma nem a ideia de Deus vinculadas a esta corporalizaçãocorrespondem ao conceito cristão da encarnação”. E mais adiante explica o seu pensamento: “Quando oVerbo se faz carne, e só nesta encarnação se cumpre a realidade do espírito, o logos libera com ele aomesmo tempo uma espiritualidade que significa simultaneamente sua potencialidade cósmica. O caráterúnico do sucesso da redenção introduz no pensamento ocidental a incorporação da essência histórica epermite também que o fenômeno da linguagem emerja de sua imersão na idealidade do sen do e seofereça reflexão filosófica. Pois, diferentemente do logos grego, a palavra é então puro suceder ( verbumproprie dicitur personaliter tantum) (GADAMER, H. G. Verdad y método. 1977. p. 502 e 503).

Cf. CASSIRER, E. Linguagem e mito. 1972. p. 53.

Idem. ibidem. p. 23.

Rapport de la Commission pour la libération de la croissance française, sous la présidence de Jacques Attali.Acessado em: 26/06/2013 : www.ladocumentationfrancaise.fr/var/storage/rapports-publics/.../0000.pdf.

FABRI, Andrea Queiroz. Planejamento econômico e mercado: aproximação possível. 2010.

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ECONOMIA DE MERCADO E CONCORRÊNCIA

1. O MERCADONo capítulo 3, ao comentar os princípios gerais estabelecidos pela Constituição de 1988, está dito que houve uma

opção pelo regime de economia de mercado e consequentemente se estabeleceu a garantia da liberdade deconcorrência. São dois conceitos que se implicam mutuamente: é essencial ao mercado que seus participantesconcorram livremente.

O Título VII, que estabelece os parâmetros de uma ordem econômica e financeira, sem mencionar a palavra“mercado”, enumera todos os componentes de uma organização liberal de mercado. A Constituição espanhola de27 de dezembro de 1978 menciona explicitamente a adoção de um regime de economia de mercado, ao dispor que“a liberdade de empresa é reconhecida no quadro da economia de mercado. Os poderes públicos garanteme protegem seu exercício e a defesa da produtividade em conformidade com as exigências da economiageral e, no que couber, da planificação”.

Explicitando a conceituação de mercado, afirma Thomas D. Morgan:

Provavelmente nenhum conceito é mais importante para as discussões econômicas do que o conceitode transações que se realizam no mercado. Não se preocupe. O conceito é uma metáfora. A imagemmental criada é a de vendedores apregoando suas mercadorias numa praça pública.… O “mercado”descrito na teoria econômica e nos casos de an truste, contudo, não tem endereço de rua nemnúmero de FAX. O que é de importância essencial para as finalidades da teoria econômica é que àsvezes as pessoas podem concretamente transacionar umas com as outras, e por vezes não podem.Aquelas que podem são as que par cipam do mercado…. O que a metáfora faz é permi r que oseconomistas falem da enorme quan dade de meios através dos quais podem realizar-se trocas livres

de bens e de serviços.1

O mercado é o lugar em que atuam os agentes da atividade econômica, e em que se encontram a oferta e ademanda de bens e serviços e em que, consequentemente, se determinam o preço e as quantidades. Para que essaatuação possa realizar-se de maneira eficiente, de forma a permitir a todos a plena expansão de sua atividade, énecessário assegurar a todos aqueles agentes uma adequada possibilidade de exercerem sua atividade. Para que talaconteça, será imprescindível que todos tenham garantida a possibilidade de entrar no mercado, de nele permanecere de sair dele a seu exclusivo critério.

A mudança do direcionamento constitucional veio na esteira de uma alteração de rumos, quando se analisaram osefeitos da atuação estatal em confronto com os da empresa para sanar “as falhas de mercado”. Como salientaRonald Coase, os mercados são instituições que têm como finalidade facilitar as trocas, ou seja, eles existem parareduzir o custo de realização das transações. Entretanto, reconhece que um mundo sem custos de transação seriacomo um mundo físico sem a fricção. Dentro do mercado as transações não se realizam sem custos. O Estado seriao mais hábil e adequado para eliminar esses custos e para sanar as “falhas de mercado”? Sua conclusão é de que

não, pois a máquina administrativa não está isenta de custos.2 Porém, apesar dessa ausência de custos, revela-se

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essencial a intervenção Estatal, uma vez que ela garante e impõe aos agentes de mercado o respeito a custosidênticos, como o respeito ao meio ambiente, aos direitos do consumidor e à função social da propriedade.

Os custos de transação estão dispersos no chamado ciclo econômico: produção, circulação e consumo, impondoao agente econômico o uso de um comportamento racional para redução dos custos, como força motriz apta aincrementar a atividade econômica, vedando-se o aumento da lucratividade com base em medidas violadoras destaética-legal concorrencial.

O regime de economia de mercado foi objeto do ensinamento de BENTO XVI, na Carta Encíclica “Caritas inVeritate”, de 2009:

O mercado, se houver confiança recíproca e generalizada, é a ins tuição econômica que permite oencontro entre as pessoas, na sua dimensão de operadores econômicos que usam o contrato comoregra das suas relações e que trocam bens e serviços entre si fungíveis, para sa sfazer as suascarências e desejos. O mercado está sujeito aos princípios da chamada jus ça comuta va, que regulaprecisamente as relações do dar e receber entre sujeitos iguais. Mas a doutrina social nunca deixou depôr em evidência a importância que tem a justiça distributiva e a justiça social para a própria economiade mercado, não só porque integrada nas malhas de um contexto social e polí co mais vasto, mastambém pela teia das relações em que se realiza. De fato, deixado unicamente ao princípio daequivalência de valor dos bens trocados, o mercado não consegue gerar a coesão social de quenecessita para bem funcionar. Sem formas internas de solidariedade e de confiança recíproca, omercado não pode cumprir plenamente a própria função econômica. E, hoje, foi precisamente esta

confiança que veio a faltar; e a perda da confiança é uma perda grave.3

Deve-se, pois, afirmar que o regime de economia de mercado deve estar centrado num contexto de humanismosocial. A pessoa humana, o cidadão, o trabalhador, o empreendedor são balizas que se estabelecem como marcopara a adoção e delimitação de práticas de mercado sustentadas no princípio da liberdade.

Um regime de economia de mercado somente tem sentido, no modelo aceito e implantado pela Constituição de1988, dentro de parâmetros estritos de respeito à dignidade da pessoa humana, concretizada na figura doconsumidor. Para preservar esta nova ordem econômica faz-se necessário que exista um aparelhamento preparadopara atuar nesse novo contexto. A efetividade da política de concorrência depende de fatores como a qualidade dasinstituições do país e, mais particularmente, de seu sistema judicial, como será exposto mais adiante ao tratarmos da

magistratura econômica.4

2. A CONCORRÊNCIAApós um estudo da gênese e conceituação do Direito Econômico, do conceito de ordem econômica, da

visualização da evolução constitucional e do surgimento e da adoção da regulação, o Direito se defronta com oímpeto da evolução dos mercados e com uma concorrência cada vez mais inovadora.

Já em 1992, Gérard Farjat observava que o Direito Econômico se apresentava não mais como uma perspectivade intervenção do Estado, mas como “um direito da organização da economia cujo cerne é hoje o direito da

concorrência”.5

Adam Smith já enfatizava, em “A Riqueza das Nações”, a necessidade de uma concorrência sadia, considerando

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que era seu elemento essencial a lealdade (fairness).

Foi ele um dos precursores do liberalismo, com a sua ideia da “mão invisível”, gestada no bojo da filosofiailuminista, dominante na Europa no século XVIII. Os ideais iluministas de crença no poder da razão constituíram abase filosófica para o surgimento do constitucionalismo francês (1791) e norte-americano (1776).

Adam Smith, como filósofo e professor de Filosofia, assenta as bases da economia clássica.6 Rejeita ainterferência do Estado no mercado e parte do pressuposto de que os indivíduos, ao dirigir a própria indústria, sãosempre guiados por uma mão invisível, e, ao satisfazer o seu próprio interesse, promovem, frequentemente, de uma

maneira mais eficaz, o interesse da sociedade.7 Enfatiza o antagonismo entre o interesse dos comerciantes e ointeresse público:

O interesse dos comerciantes, em qualquer ramo de a vidade, é, todavia, sob muitos aspectos,sempre diferente e mesmo oposto, ao do público. O interesse dos comerciantes está sempre em

alargar o mercado e estreitar a concorrência.8

O liberalismo que ele apregoa está fundado num profundo senso ético, o que se confirma pela sua exigência de“lealdade” na disputa pelas vantagens decorrentes da concorrência. Afirma Smith que “na corrida da busca dariqueza, das honrarias e promoções, o homem pode correr o mais rápido que puder, exigindo o máximo deseus músculos, para superar todos os seus competidores. Mas se ele empurrar ou jogar ao chão algumdeles, colocará termo à admiração dos expectadores. Será uma violação da lealdade (fair play), o que se não

pode admitir”.9

Assumindo uma postura filosófica indagadora da psicologia das pessoas, Smith observa que todas são guiadaspelo egoísmo, ao afirmar que “não é da bondade do homem do talho, do cervejeiro ou do padeiro quepodemos esperar o nosso jantar, mas da consideração em que eles têm o seu próprio interesse. Apelamos,não para a sua humanidade, mas para o seu egoísmo, e nunca lhes falamos das nossas necessidades, mas

das vantagens deles”.10

Dando seguimento à sua perspicácia, procurando identificar os motivos que levam os indivíduos a procurar opróprio proveito, assinala que “é raro que pessoas que exercem a mesma atividade se encontrem, mesmo numafesta ou diversão, sem que a conversa acabe numa conspiração contra o público, ou numa maquinação

para elevar os preços”.11

Essa tendência de defesa do racionalismo e da liberdade veio aliada à Revolução Industrial, que teve início naInglaterra e se expandiu pela Europa continental e pelos Estados Unidos. No período compreendido entre 1760 e1840, há uma profunda transformação dos métodos de produção, evoluindo da manufatura para a introdução dasmáquinas, para a utilização do carvão, para uma maior eficiência no uso da energia da água e da energia a vapor.

A influência do Iluminismo se fez ainda ver tanto na Declaração de Direitos de Virgínia (1776), em que se

garantem os direitos à vida, à liberdade e à busca da felicidade,12 quanto na Declaração dos Direitos do Homem edo Cidadão (1789), que reconhece que os homens nascem e permanecem livres e iguais em direito, acentuando-se

que a liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudica a outrem.13

Enquanto o século XVIII apregoava a liberdade individual, o século XIX passou a assistir ao fenômeno daconcentração de empresas e ao aviltamento das liberdades individuais. A Revolução de 1848 foi um resultado dos

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graves problemas sociais decorrentes da exploração do trabalho humano. Para se ter uma ideia da transformaçãoeconômica e social do século XIX, muito ajuda a leitura de obras como “Les Misérables”, de Vitor Hugo, e “HardTimes”, de Charles Dickens. É também imprescindível conhecer o pensamento econômico e social de KarlMarx (“O Capital”) e de Leão XIII (Encíclica “Rerum Novarum”).

Uma precursora do jornalismo investigativo (muckrakers), IDA MINERVA TARBELL, reuniu, em 1904, emlivro a história e a análise da Standard Oil, afirmando que “a perfeição da organização da Standard, ahabilidade e a audácia com que estruturou seus projetos, tornou-a o mais importante truste do mundo –aquele cuja história se presta melhor para exemplificar o assunto das combinações de capital”. Revela aautora que teve toda a assistência dos dirigentes da Standard para acesso aos fatos e documentos, mas ao aceitaraquela ajuda “claramente afirmou que queria os fatos, e que se reservava o direito de usá-los segundo seupróprio julgamento de seu significado, e que o seu intuito era apreender mais perfeitamente o que havia

sido concretamente feito, e não aceitar o que meus informantes pensavam que haviam feito”.14

3. O DIREITO DA CONCORRÊNCIAO Direito da Concorrência “moderno” tem origem e influência inegável no Direito americano da virada do

século XIX para o século XX. O Direito “Antitruste” americano é o primeiro a propor uma visão global de umDireito da Concorrência, como um instrumento de regulação do mercado. Marco importante dessa mudança devisão é o “Caso Standard Oil”. Os irmãos Rockfeller arquitetaram, a partir de 1870, um empreendimento que, apartir da produção de petróleo, se tornou um gigante por meio de concentrações horizontais (aquisição de empresasconcorrentes) e verticais (aquisição de empresas a montante e a jusante: refinarias, empresas de transporte,ferrovias etc.). Em 1888, o senador John Sherman requereu a abertura de uma Comissão para analisar ofuncionamento do “trust”, pautando-se pela defesa dos consumidores e dos pequenos produtores agrícolas ou

industriais.15

4. PRECEDENTES DO SHERMAN ACTA Lei Sherman, nos Estados Unidos, em 1890, foi uma decorrência e uma consequência da cultura de liberdade

de comércio do Common Law. A inovação legal se insere em um contexto já existente e de manifestações judiciaiscomo garantia da liberdade de comércio.

Este fundamento cultural já se manifestara, por exemplo, na decisão do caso “John Dyers”, relativa a casoocorrido em 1415 na Inglaterra. John Dyer (tintureiro) se comprometera a não exercer sua profissão na cidade por

seis meses. A Corte entendeu que essa obrigação era contrária ao common law e, portanto, nula,16 consagrando-sedesde então a limitação da “cláusula de não concorrer”.

Em 1602, a Court of King’s Bench anulou o monopólio concedido a Edward Darcy pela Rainha Elisabeth I para

impressão de cartas de baralho por um período de vinte anos sob condição de pagamento de cem marcos anuais.17

Possivelmente um dos primeiros casos decididos pelos tribunais, relativamente à cláusula de não concorrência,entendida como uma cláusula ancilar, tenha sido o caso Mitchel v. Reynolds, julgado pelo King’s Bench, em 1711.Reynolds vendera sua panificadora a Mitchel, tendo constado do contrato de compra e venda que o vendedor nãopoderia estabelecer-se no mesmo ramo comercial na mesma cidade pelo prazo de cinco anos. Apesar dessa

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cláusula, Reynolds montou uma panificadora, sob o argumento de que aquela era a única atividade profissional quesabia desempenhar e que não poderia sobreviver sem ela. Mitchel exigiu em juízo o cumprimento da cláusula. O Juiz

Parker entendeu que a cláusula contratual era válida, pois que razoável, e que deveria ser mantida.18

Assinale-se ainda a decisão Morris Run Coal Co. v. Barclay Coal adotada pela Suprema Corte da Pensilvania

em 1871.19 O caso se refere a cinco empresas de carvão da Pensilvania que formalizaram um acordo para divisãode mercado. A Corte decidiu que uma restrição geral do comércio e do emprego é nula, pois a restrição, para serválida, deve ser parcial e razoável. Um bom teste para aferir a razoabilidade é verificar se aquela restrição propiciauma proteção leal às partes e se não interfere com os interesses do público.

5. O SURGIMENTO DO SHERMAN ACTEm 1890, na 51ª Sessão do Congresso, foi aprovada a Lei Sherman, por proposta do Senador John Sherman,

inspirada justamente na crença nos benefícios da livre concorrência.

George Stigler, em estudo sobre as razões do surgimento da Lei Sherman, observa que o setor agrário norte-americano estaria passando por momento de dificuldade, possivelmente em decorrência do monopólio das ferrovias.A reação a esse monopólio deu origem à criação da Interstate Commerce Commission (1887). Entretanto, essainiciativa governamental, por si só, não seria capaz de desencadear e explicar a adoção da Lei Sherman. SegundoStigler, a razão que explica a promulgação da Lei Shermam, em 1890, seria que “a oposição do Common Law àrestrição do comércio e aos monopólios… era parte da nossa herança inglesa”. Ao aderir a essa política decontrariedade aos monopólios, a Lei Sherman deu um reforço ao instituir a indenização em triplo (treble damages),

ao passo que a legislação inglesa se contentava com a determinação de não executoriedade.20

Para dar eficácia à nova lei, fazia-se necessária a criação de um órgão com competência para examinar e decidiras questões decorrentes da sua aplicação. Em setembro de 1914 é criada a “Federal Trade Commission”, comoautoridade independente, com a finalidade de “impedir que pessoas, sociedades ou empresas, exceto bancos etransportadores ordinários sujeitos às leis que regulam o comércio, empreguem métodos ilícitos deconcorrência que afetem o comércio e práticas ilícitas ou enganosas que afetem o comércio”.

Thomas D. Morgan divide em quatro épocas a história do Direito Antitruste norte-americano, à luz das decisõesda Suprema Corte.

Na primeira época, que compreende o período de 1890 até 1914, discutem-se problemas atinentes ao alcancejurisdicional e à finalidade da Lei. É nesse período que já se afirmam alguns conceitos , como o de combinação depreços (price fixing – “Trans-Missouri”), divisão de mercado (“Addyston Pipe”), fusão (“NorthernSecurities”), monopólio e regra da razão (“Standard Oil”) e fixação de preço de revenda (resale price

maintenance – “Dr. Miles”), que ainda perduram no pensamento antitruste.21

Dentro desse primeiro período, no caso “Addyston Pipe & Steel Co.”, o Juiz William Howard Taft (1898)afirmou: “Quando o único objetivo de ambas as partes ao fazer um contrato… é apenas o de restringir aconcorrência, e aumentar ou manter preços, parece que nada haveria a justificar ou escusar a restrição, eque estaria havendo necessariamente uma tendência para monopolizar, e que, portanto, deveria ser

proibido”.22 Observa Gellhorn que o conceito de restrição de comércio não pode ser visto como um conceito fixo eimutável, pois que os acordos que sejam essenciais para a criação de comércio não podem ser classificados como

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ilegais.23 Por onde se deduz que a regra da razão é essencialmente uma regra de “construção”, entendida comointerpretação criativa.

O segundo período, conhecido como “era Brandeis”, de 1915 até 1939, coincidiu com o período em que LouisDembitz Brandeis (1856-1941) integrou a Suprema Corte. É a época de afirmação da chamada “regra da razão”.Podem apontar-se como casos paradigmáticos julgados nesse período o “Board of Trade of City of Chicago”(1918), o “American Column & Lumber Company” (1921), o “General Electric Company” (1926), o “TrentonPotteries Company” (1927) e o “Appalachian Coals, Inc.” (1933).

No caso “Board of Trade of City of Chicago”, afirma Brandeis que:

a legalidade de um acordo ou regulação não pode ser definida por um teste tão simples quanto saberse restringem a concorrência. Todo acordo rela vo ao comércio, toda regulação de comércio,restringe. Vincular, restringir é de sua própria essência. O verdadeiro teste de legalidade é se arestrição imposta é tal que meramente regula ou até por isso mesmo promove a concorrência ou se éde tal sorte que suprime ou mesmo destrói a concorrência. Para determinar essa questão o tribunaldeve ordinariamente considerar os fatos peculiares ao negócio ao qual a restrição é aplicada; suacondição antes e depois da imposição da restrição; a natureza da restrição e seu efeito concreto ouprovável. A história da restrição, o perigo que se crê existir, a razão para adotar o remédio específico, opropósito ou finalidade que se procurou a ngir, são todos fatos relevantes…. Mas a prova realizadatorna claro que a regra era uma regulação razoável do negócio, coerente com as determinações da Lei

Antitruste.24

O terceiro período, de 1940 até 1973, é marcado pela preocupação com a regra “per se”25 e com a estrutura domercado. Figuram nessa época importantes julgados como “Socony-Vacuum Oil Co.” (1940), “AluminumCompany of America” (1945), “American Tobacco co.” (1946), “United Shoe Machinery Corp.” (1953), “E.I.du Pont de Nemours &Co.” (1956), “Arnold, Schwinn & Co.” (1967) e “Brown Shoe Co., Inc.” (1962).

Esse período desenvolveu diversos princípios fundamentais, evoluindo a doutrina no sentido de fornecer umaadvertência quanto a práticas consideradas ilegais, e evitando proibir práticas que pudessem ser pró-competitivas.Assim é que, no caso “Brown Shoe Co.” o Juiz Warren emanou ensinamento que é ainda hoje aceito quanto àfinalidade da proteção antitruste: “De certo, alguns dos resultados de operações grandemente integradasou em cadeia são benéficas para os consumidores. Sua expansão não é tornada ilegal pelo simples fato deempresas pequenas e independentes serem adversamente afetadas. É a concorrência, não os concorrentes,

que a Lei protege…”.26

No quarto período, que tem seu começo em 1974 e vem até a atualidade, indaga-se sobre como abordar asquestões antitruste numa forma consistente com a visão tradicional e com uma sólida análise econômica. Profundasalterações na composição da Suprema Corte e a afirmação dos grandes expoentes da análise econômica – Bork,Posner, Easterbrook e Kozinski – quer com as obras por eles publicadas, quer com sua atuação nos Tribunais deApelação, trazem uma nova afirmação doutrinária para as questões antitruste. Podem citar-se casos como“General Dynamics Corp.” (1974), “Continental T.V., Inc. v. GTE Sylvania Inc.” (1977), “Goldfarb v. VirginiaState Bar” (1975), “Matsushita Electric Industrial Co. v. Zenith Radio Corp.” (1986) e “Monsanto Co. v.Spray-Rite Service Corp.” (1984).

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O Direito, que tem como característica fundamental a dinamicidade, acompanha sempre, e por vezes impulsiona,a evolução social e econômica. A aliança entre os estudos de Direito e Economia, na área do Direito Antitruste, temprovocado mudanças significativas no pronunciamento da Suprema Corte, podendo apontar-se o exemplo da decisãono caso Leegin Creative Leather Products, INc. v. PSKS, Inc, em 28 de junho de 2007. Superou-se oentendimento adotado em 1911 no caso Dr. Miles, em que se aplicou a regra per se para as relações verticais defixação de preço mínimo de revenda.

Baseando-se nos ensinamentos de jus-economistas de renome – Hovenkamp, Bork, Posner, Comanor, Scherer eRoss, entre outros –, o Justice Anthony Kennedy, aceitando a aplicação da regra da razão, mostra que os acordosde fixação de preços nas relações verticais podem ter efeitos procompetitivos ou anticompetitivos , a dependerdas circunstâncias que envolvem o caso.

Segundo o pensamento que predominou, a regra do “stare decisis” não impõe uma aderência contínua à regra“per se”. A Lei Sherman deve ser tratada como uma norma de common law, cuja proibição de restrição docomércio evolui para encampar a dinamicidade das condições econômicas de cada época. A aplicação da regra da

razão ao caso a caso concretiza essa perspectiva do common-law.27

Convém assinalar uma diferença de terminologia: nos Estados Unidos se diz “Direito Antitruste”, em razão daorigem da legislação, destinada a impedir os “trustes”, enquanto na Europa e no Brasil é mais adequado falar-se em“Direito da Concorrência”, tratando de um conjunto de normas direcionadas a preservar as relações de mercado.

6. A CONCORRÊNCIA NA UNIÃO EUROPEIAA instauração de um sistema de Direito da Concorrência na Europa foi uma condição imposta pelos aliados, após

a Segunda Grande Guerra, para que pudessem ser recebidos os benefícios do Plano Marshall. Entendia-se que aconcorrência e o Direito da Concorrência seriam um instrumento econômico para a promoção e instalação de uma

democracia política.28

Em 1950, Tulio Ascarelli, analisando o projeto de lei antitruste para a Itália, assinalava que “a luta contra oscartéis e monopólios está na base da vivacidade de iniciativa econômica… que construiu a grandezaamericana e determinou seu progresso técnico… pois somente num ambiente de livre iniciativa econômica é

possível a democracia.29

Essa afirmação de Ascarelli é repetida por Tay-Cheng Ma: “… a mais importante tradição da literaturaantitruste, especificamente de 1950 até 1970, defende ardorosamente que a lei antitruste tem por finalidade

promover a transição democrática e a estabilidade, impedindo a concentração econômica”.30

Referindo-se à exigência feita pelo Plano Marshall, Rafael Mendizábal Allende, Magistrado do TribunalConstitucional da Espanha, informa que a legislação editada em diversos países praticamente não chegou a serimplementada, até porque era dissociada da realidade histórica e econômica da maioria deles. Exemplifica o caso daLei Espanhola de 20 de julho de 1963, chamada Lei Antimonopólio:

En realidad, la Ley de represión de las prác cas restric vas de la competencia carece de autén cosprecedentes en el panorama histórico español. Se trata de una norma trasplantada, sin raícesprofundas en nuestra vida colec va, a la que incorpora un criterio diametralmente dis nto del quehasta ahora había recogido la estructura económica española, de signo dirigista y monopolista. Sin

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embargo, aunque desconectados intelectual y vitalmente de la nueva Ley, existen ciertosantecedentes con más valor anecdó co que efec vo y que, por esa falta de conexión, carecen de lavirtud propia de la materia histórica: no explican ni jus fican y, en defini va, no sirven para entender

mejor la norma actual, es decir, no actúan como su razón narrativa, pero son siempre interesantes.31

Essa visão pessimista está hoje plenamente superada. Todos os países que integram a União Europeia têm sualegislação de concorrência e instituições competentes para dar-lhe a devida implementação. Passados já mais de 50anos de concretização do mercado interior pode-se dizer que a União Europeia é hoje uma realidade palpável, nãoplenamente acabada, mas suscetível de múltiplos e contínuos aperfeiçoamentos. E uma das mais decisivas, ecertamente a mais concreta, tem sido a persistente aplicação de uma vigorosa Política de Concorrência pelas

instituições competentes.32 O discurso de despedida do Presidente José Manuel Durão Barroso, na sessão plenáriado Parlamento Europeu, em Estrasburgo, no dia 21 de outubro de 2014, é uma reafirmação do otimismo social,político e econômico que se concretiza na participação dos 28 Estados-Membros da União.

Entretanto, não há harmonia, não há consenso, não há paz sem crise.

Em 23 de junho de 2016, o Reino Unido decidiu separar-se da União Europeia. Todos indagam sobre qual arepercussão que essa separação virá ter, no âmbito do Direito da Concorrência, no controle das normas de conduta,no controle da concentração de empresas, no reenvio prejudicial (previsto no artigo 267 do TFUE), nas ajudas deEstado e nas regras de licitação pública. Em artigo publicado em 28 de julho de 2016, Nicole Kar enfatiza que “nãohá concretamente nenhuma clareza sobre o quê signifique o afastamento da União Europeia e o que vaisignificar para a aplicação da legislação da União (e para a legislação do Reino Unido derivada da

legislação da União) no Reino Unido, incluindo-se o Direito da Concorrência”.33

7. A LEGISLAÇÃO DE CONCORRÊNCIA NA EUROPA

Justamente para dar cumprimento às exigências do Plano Marshall,34 editou-se o Tratado da ComunidadeEconômica do Carvão e do Aço – CECA –, assinado em 18 de abril de 1950, com a missão de contribuir para oestabelecimento de um mercado comum, a expansão econômica, o desenvolvimento do emprego e a elevação donível de vida nos Estados-membros. Seu artigo 65 tratava especificamente dos “Acordos e Concentrações”.

O Tratado de Roma, assinado em 25 de março de 1957, teve como finalidade precípua o estabelecimento de ummercado comum em que as atividades econômicas, no seu todo, pudessem ser realizadas dentro de moldes deliberdade equilibrada e harmoniosa por todos os participantes. Para isso, propunha o estabelecimento de um regimeque garantisse que a concorrência não fosse falseada no mercado comum.

Foi reformulado pelo Tratado de Maastricht (1992), pelo Tratado de Amsterdã (1997), pelo Tratado de Nice(2000) e pelo Tratado de Lisboa (2009), quando foi renomeado para Tratado sobre o Funcionamento da UniãoEuropeia – TFUE.

As normas sobre concorrência que devem vigorar nesse mercado estão estabelecidas hoje nos arts. 101 e 102 doTratado de Lisboa – TFUE. O atual art. 101 diz:

1. São incompa veis com o mercado comum e proibidos todos os acordos entre empresas, todas asdecisões de associações de empresas e todas as prá cas concertadas que sejam suscep veis de afetaro comércio entre os Estados membros e que tenham por obje vo ou efeito impedir, restringir ou

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falsear o jogo da concorrência no interior do mercado comum, designadamente as que consistam em:

a) Fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condiçõesde transação;

b) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;

c) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;

d) Aplicar, rela vamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestaçõesequivalentes colocando-os, por esse fato, em desvantagem na concorrência;

e) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestaçõessuplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com oobjeto desses contratos.

2. Os acordos ou decisões proibidos em virtude do presente artigo são nulos de pleno direito.

3. As disposições do parágrafo nº 1 podem, todavia, ser declaradas inaplicáveis:

– a qualquer acordo, ou categoria de acordos, entre empresas;

– a qualquer decisão, ou categoria de decisões, de associações de empresas, e

– a qualquer prá ca concertada, ou categoria de prá cas concertadas, que contribuam para melhorar aprodução ou a distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou econômico,contanto que aos utilizadores se reserve uma parte equitativa do lucro daí resultante, e que:

a) não imponham às empresas envolvidas quaisquer restrições que não sejam indispensáveis àconsecução desses objetivos;

b) Nem deem a essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência rela vamente a uma partesubstancial dos produtos em causa.

A estrutura normativa do art. 101 do Tratado da União Europeia revela duas partes; na primeira se caracterizamos atos que se consideram restringentes ou falseadores da concorrência no mercado comum, e que, por isso mesmo,se consideram nulos de pleno direito; na segunda se mencionam as práticas que, embora formalmente restritivas, sepermitem por causa da finalidade com que se realizam (a melhoria da produção ou distribuição e a promoção do

progresso técnico ou econômico).35

As normas estabelecidas no Tratado foram pormenorizadas em diversos diplomas emitidos pelo Conselho ou pelaComissão.

Dentre esses diplomas, vale ressaltar o Regulamento nº 17/62, que continha normas processuais relativas àanálise de condutas, substituído pelo Regulamento nº 1/2003, que disciplina de forma inovadora o controle dos atoscontemplados pelos arts. 101 e 102 (antigos 85 e 86) do Tratado. O Regulamento nº 4.064/89 do Conselho queestabelecia as normas aplicáveis a todas as operações de concentração de dimensão comunitária, modificado peloRegulamento nº 1.310/97 (em vigor em 1º de março de 1998), foi, por sua vez, substituído pelo Regulamento nº 139,de 2004. A reflexão e a reformulação da implementação dos regulamentos que vinham sendo aplicados desde 1962deveu-se à nova configuração do Tratado, a partir de 1º de dezembro de 2009, com a instituição da União Europeia,pela integração de 28 países.

A crescente consolidação do Tratado e a adesão paulatina de outros países tiveram como consequência oacréscimo das regras comunitárias, mas também provocaram o surgimento de leis nacionais sobre concorrência,

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normalmente enfatizando os dois ângulos principais desse fenômeno jurídico-econômico, as normas de regulação domercado para garantir a concorrência e as normas destinadas a coibir a concorrência desleal.

Os Estados-membros têm sua legislação nacional, mas estão ao mesmo tempo vinculados à legislaçãocomunitária. Para garantia de uma harmonização na decisão das questões referentes à concorrência, o Tratado daUnião Europeia institui a figura da apreciação a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça. No Tratado de Lisboa, estacompetência está estabelecida no art. 267 (ex-artigo 234 TCE).

A leitura das decisões do Tribunal de Justiça da União ou do Tribunal Geral deixa entrever que o Direito daConcorrência propiciou uma aproximação do Common Law e do Civil Law. Como assinala Giorgio Bernini,assistimos “ao fenômeno da recepção de alguns princípios característicos da legislação antitrusteestadunidense no seio do ambiente europeu… ambiente que tinha sido berço de uma ideologia bem diferente

em matéria de restrições da livre concorrência e de formações monopolísticas”.36

8. LEGISLAÇÃO DE CONCORRÊNCIA NO BRASILComo já visto detalhadamente no capítulo 3, o comportamento do mercado pode ser visto, no Direito brasileiro,

sob perspectivas evolutivas bem distintas. Num primeiro momento acreditava-se num funcionamento natural domercado, atuando todos os seus participantes de forma a propiciar aos demais um comportamento absolutamentelivre de injunções. Ao Estado estava reservado somente o papel de garantidor desse funcionamento, não lhe sendopermitida qualquer atuação naquele contexto. Num segundo momento, após perceber-se que o funcionamentonaturalmente livre do mercado não almejava o ideal de equilíbrio, passou-se a admitir a necessidade de interferênciade um elemento que patrocinasse a consecução do equilíbrio. Num terceiro estágio, aquele elemento que seria o fielda balança, passou também, e de maneira intensa, a atuar como um participante do mercado. Nessa fase, acumulaas duas funções. Num quarto estágio, percebe-se a tendência de redução da participação, para limitar-se a atuaçãodo Estado somente ao papel de agente normativo e regulador. A história da constituição econômica brasileira revelatodos esses passos e marcos.

As Constituições de 1824 e de 1891 se inserem dentro do contexto ideológico do liberalismo, quer político, quereconômico, afirmando-se o princípio da plena liberdade no mercado e de não intervenção do Estado.

A evolução ideológica ocorrida a partir da Primeira Guerra Mundial tem grande influência sobre oconstitucionalismo brasileiro, passando o Estado a ser, em lugar de garantidor, um criador de normas para reger aconduta dos participantes do mercado.

Como já visto no capítulo 3, a Constituição de 1934 institui a intervenção do Estado no domínio econômico. AConstituição de 1937 atribui ao Estado a tarefa de “coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ouresolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses daNação, representados pelo Estado”. E o art. 141 da Carta de 1937 estabelece que “os crimes contra aeconomia popular são equiparados aos crimes contra o Estado, devendo a lei cominar-lhes penas graves eprescrever-lhes processos e julgamentos adequados à sua pronta e segura punição”. Nesse contexto surge oprimeiro diploma antitruste brasileiro, o Decreto-lei nº 869, de 18 de novembro de 1938. Dispunha aquele diploma, noseu art. 1º, que “serão punidos na forma desta lei os crimes contra a economia popular, sua guarda e seu

emprego”. O art. 2º define a tipologia desses crimes.37

Observa Benjamin M. Shieber que o Decreto-lei nº 869/38 não chegou a ser posto em prática, pois que não foi

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criado um órgão especializado em Direito Antitruste:

O decreto-lei nº 869 teve repercussão no campo de regulamentação dos preços e supressão dosar cios e fraudes na venda de mercadorias, mas não a teve no campo dos abusos de naturezaan truste. A nosso ver um fator que contribuiu sensivelmente para este desuso encontra-se no fatode que não se cuidou de criar um órgão especializado com competência para executar os disposi vos

antitruste do decreto-lei n. 869.38

Em 1945, por iniciativa de Agamenon Magalhães, então Ministro da Justiça,39 surge o Decreto-lei nº 7.666, de 22de junho de 1945, a partir do qual se modifica o enfoque. Se o Decreto-lei nº 869 falava em “crimes contra aeconomia popular”, o Decreto-lei nº 7.666/45 já se referia a “atos contrários à ordem moral e econômica”.

Contribuição importante desse Decreto-lei foi a criação de um órgão capaz de dar cumprimento às disposiçõesnele estabelecidas. Pode-se acoimar esse texto de falha técnica, pois, desde logo, a partir do art. 2º, atribuicompetência àquele órgão, para somente no art. 19 criá-lo: “A fim de dar cumprimento ao disposto neste decreto-lei, fica criada a Comissão Administrativa de Defesa Econômica (C.A.D.E.), órgão autônomo, compersonalidade jurídica própria, diretamente subordinado ao Presidente da República”.

Competência específica atribuída àquela Comissão foi a de legitimar acordos em restrição da concorrência, comoconsta do art. 11 daquele diploma, quando os atos, os ajustes, os acordos ou as convenções entre empresascomerciais, industriais ou agrícolas, de qualquer natureza ou entre pessoas ou grupo de pessoas vinculadas a taisempresas ou interessadas no objeto de seus negócios, viessem a ter por efeito: a) o equilíbrio da produção com oconsumo; b) a regulação do mercado; c) a estabilização dos preços; d) a padronização ou racionalização daprodução; e e) o estabelecimento de uma exclusividade de distribuição em detrimento de outras mercadorias domesmo gênero ou destinadas à satisfação de necessidades conexas.

Com a queda do governo Vargas, no final de 1945, esse Decreto-Lei foi revogado, mas a semente estavairrevogavelmente lançada. Sua influência se fez sentir na elaboração da Constituição de 1946, condensando-se opensamento ali vigorante no art. 148:

Art. 148 – A lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder econômico inclusive as uniões ouagrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fimdominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros.

A partir de abril de 1948, Agamenon Magalhães encaminha o Projeto de Lei nº 122, que veio dar origem à Lei nº

4.137, de 10 de setembro de 1962.40 Sustentando a adequação do seu projeto à realidade jurídica do momento, o seuautor proferiu palestra no Clube Militar do Distrito Federal em 22 de junho de 1949, quando afirmou que aqueleprojeto “adota as diretrizes da legislação dos Estados Unidos com as modificações impostas pelas nossascondições econômicas e políticas. O projeto é a regulamentação do artigo 148 da Constituição, que mandareprimir toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos deempresa, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar

arbitrariamente os lucros”.41

Enquanto tramitava esse projeto de lei, surge a Lei nº 1.521, de 26 de dezembro de 1951, que regula o julgamentodos crimes contra a economia popular. A Lei nº 1.522, de 26 de dezembro de 1951, cria a COFAP – ComissãoFederal de Abastecimento e Preços, para efetivar a intervenção no domínio econômico, por meio da fixação de

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preços , da desapropriação de bens e serviços e do controle do abastecimento. Essa Comissão foi depois substituídapela SUNAB – Superintendência Nacional de Abastecimento –, criada pela Lei Delegada nº 5, de 26 de setembrode 1962, para substituir a COFAP e para implementar as políticas intervencionistas no domínio econômicoestabelecidas pela Lei Delegada nº 4, de 26 de setembro de 1962.

Essas duas leis se colocam em contradição com a evolução conceitual de concorrência, porque a primeira delasvolta a definir os atos a ela contrários como crimes e porque a segunda cria órgãos de fixação e controle de preçospelo Estado. A contrariedade àquela tendência se vê na possibilidade de o Estado fixar e controlar preços de bens eserviços.

Em 10 de setembro de 1962 surge a Lei nº 4.137, que tem por finalidade regular a repressão ao abuso do podereconômico, nos termos estabelecidos pelo art. 148 da Constituição de 1946. O art. 2º dessa lei fixa a tipificação dasformas, criando uma definição estipulativa:

Art. 2º Consideram-se formas de abuso do poder econômico:

I – Dominar os mercados nacionais ou eliminar total ou parcialmente a concorrência por meio de:

a) ajuste ou acordo entre empresas, ou entre pessoas vinculadas a tais empresas ou interessadas noobjeto de suas atividades;

b) aquisição de acervos de empresas ou de cotas, ações, títulos ou direitos;

c) coalisão, incorporação, fusão, integração ou qualquer outra forma de concentração de empresas;

d) concentrações de ações, tulos, cotas ou direitos em poder de uma ou mais empresas ou de uma oumais pessoas físicas;

e) acumulações de direção, administração ou gerência de mais de uma empresa;

f) cessação parcial ou total das atividades de empresa, promovida por ato próprio ou de terceiros;

g) criação de dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresas.

II – Elevar sem justa causa os preços, nos casos de monopólio natural ou de fato, com o obje vo deaumentar arbitrariamente os lucros sem aumentar a produção;

II I – Provocar condições monopolís cas ou exercer especulação abusiva com o fim de promover aelevação temporária de preços por meio de:

a) destruição ou inutilização, por ato próprio ou de terceiros, de bens de produção ou de consumo;

b) açambarcamento de mercadorias ou de matéria-prima;

c) retenção, em condições de provocar escassez, de bens de produção ou de consumo;

d) u lização de meios ar ficiosos para provocar a oscilação de preços em detrimento de empresasconcorrentes ou de vendedores de matérias-primas;

IV – Formar grupo econômico, por agregação de empresas, em detrimento da livre deliberação doscompradores ou dos vendedores por meio de:

a) discriminação de preços entre compradores ou entre vendedores ou fixação discriminatória deprestação de serviço;

b) subordinação de venda de qualquer bem à aquisição de outro bem ou à u lização de determinadoserviço; ou subordinação de utilização de determinado serviço à compra de determinado bem.

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V – Exercer concorrência desleal por meio de:

a) exigência de exclusividade para propaganda publicitária;

b) combinação prévia de preços ou ajuste de vantagens na concorrência pública ou administrativa.

O art. 8º da Lei cria o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, com sede no Distrito Federal e comjurisdição em todo o território nacional, como um órgão vinculado ao Ministério da Justiça, com a incumbência deapurar e reprimir os abusos do poder econômico. Junto ao CADE funciona uma Procuradoria, que tem suacompetência fixada no art. 25. A lei cria um Processo Administrativo (arts. 26 a 47) e um Processo Judicial (arts. 48a 71), estabelecendo-se ainda uma Fiscalização, disciplinada nos arts. 72 a 81.

O Decreto nº 99.244, de 10 de maio de 1990, cria a Secretaria Nacional de Direito Econômico, com acompetência, dentre outras, para promover a defesa do consumidor, para prevenir e reprimir os abusos do podereconômico, para aplicar a legislação de intervenção no domínio econômico para assegurar a livre distribuição debens e serviços.

Vê-se que a conceituação de livre concorrência vem se afirmando aos poucos, titubeando entre “intervenção nodomínio econômico” e “livre distribuição de bens e serviços”.

A Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, representa um retorno à configuração dos atos contrários à ordemeconômica como crimes. Entendo que os arts. 4º, 5º e 6º dessa lei foram tacitamente revogados pela Lei nº 8.884, de1994. Esta lei regulou inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior, qualificando como “infrações” contra a

ordem econômica as mesmas condutas descritas pela lei anterior.42

Poucos dias depois, em 9 de janeiro de 1991, surge a Lei nº 8.158, que tem por finalidade instituir normas para adefesa da concorrência. Esta lei dispõe, no art. 23, que são “mantidas as normas definidoras de ilícitos e sançõesconstantes da Lei nº 4.137, de 10 de setembro de 1962, assim como em outros diplomas legais relativos àprática de abuso do poder econômico”. Diante deste dispositivo legal, encontramo-nos perante uma situaçãolegalmente híbrida. O art. 2º da Lei nº 4.137/62 define como “formas” de abuso do poder econômico dominar osmercados, o ajuste ou acordo entre empresas, a aquisição de acervos de empresas, a coalizão,incorporação, fusão, integração, a concentração de ações etc. Por outro lado, o artigo 4º da Lei nº 8.137/90dispõe que “constitui crime contra a ordem econômica” fazer ajuste ou acordo de empresas, aquisição deacervos de empresas ou cotas, ações, títulos ou direitos, coalizão, incorporação, fusão ou integração deempresas, concentração de ações etc. E ainda, o art. 2º da Lei nº 8.158/91 tipifica aquelas figuras como simplesdistorções que possam ocorrer no mercado; e o art. 3º da mesma lei lhes confere o status jurídico de “infração àordem econômica”.

A atuação do CADE, no período de 1962 até 1994, foi muito restrita, pois que coincidiu com uma fase de forteintervenção governamental sobre a fixação de preços, como foi a atuação da SUNAB, com o tabelamento depreços e a fiscalização, e como foram o Plano Cruzado e o Plano Verão.

Dentro desse quadro é que surgiu o Projeto de Lei nº 3.712-E, de 1993, que transformou o ConselhoAdministrativo de Defesa Econômica – CADE – em Autarquia, e dispôs sobre a prevenção e a repressão àsinfrações contra a ordem econômica, e que deu origem à Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, publicada no DiárioOficial da União, de 13 de junho de 1994. A partir de então, com uma atuação muito esclarecida e decidida doConselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE –, fortaleceu-se o conceito de economia de mercado.

Depois de grandes esforços revisionais, tendo em vista a experiência acumulada pelo CADE, pela SEAE e pela

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SDE, com a provocação constante dos profissionais dedicados à área, quer juristas, quer economistas, surge a Lei nº12.529, de 30 de novembro de 2011, com vigência prevista para cento e oitenta dias de sua publicação oficial. Aelaboração da nova lei incorporou diversas sugestões vindas da OCDE, dando importância à colaboraçãointernacional no setor de concorrência.

9. A LEI 12.529, DE 2011A nova lei, promulgada em 30 de novembro de 2011 e em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias de sua

publicação oficial, imprimiu uma reformulação sensível na estrutura organizacional e funcional do ConselhoAdministrativo de Defesa Econômica.

O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência é constituído pelo CADE, Conselho Administrativo de DefesaEconômica, autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, com personalidade jurídica, e pela SEAE, Secretaria deAcompanhamento Econômico, órgão subordinado ao Ministério da Fazenda, como previsto no art. 3º da Lei.

9.1. Estrutura Organizacional do CADE

A Lei nº 12.529/2011 estrutura o CADE com três órgãos: o Tribunal, com função judicante,43 aSuperintendência-Geral, incumbida de zelar pelo cumprimento da lei, monitorando e acompanhando as práticas demercado, e o Departamento de Estudos Econômicos, a quem incumbe elaborar estudos e pareceres econômicos, deofício ou por solicitação do Plenário, do Presidente, do Conselheiro-Relator ou do Superintendente-Geral, zelandopelo rigor e pela atualização técnica e científica das decisões do órgão.

O CADE é uma autarquia em regime especial, mas não é uma agência reguladora, e sim uma autoridadegarantidora da defesa da concorrência. Nesta qualidade tem a missão e o poder de dialogar com outras autoridadespúblicas e também com organismos internacionais para concretizar seu objetivo. O CADE tem como missão zelarpela livre concorrência no mercado, sendo a entidade responsável, no âmbito do Poder Executivo, não só porinvestigar e decidir, em última instância, sobre a matéria concorrencial, como também promover, fomentar edisseminar a cultura da livre concorrência.

Em março de 1999, em Seminário realizado no CADE, o Ministro Carlos Mário Velloso, então Presidente doSupremo Tribunal Federal, em saudação aos Conselheiros, assim se expressou: “Senhores Conselheiros do Cade,

meus colegas de Magistratura…”.44

9.2. O Tribunal Administrativo de Defesa EconômicaIntegram o Tribunal o Presidente e seis Conselheiros, como consta do art. 6º da Lei nº 12.529/11. Devem eles ter

notório saber jurídico ou econômico, pois que as matérias a serem decididas estão sempre compreendidas nestesdois campos do saber. Serão todos nomeados pelo Presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal.

A nova lei trouxe importante inovação relativamente aos mandatos dos Conselheiros, que passaram a ser de 4(quatro) anos, não coincidentes, sendo vedada a recondução. A não coincidência dos mandatos tem por finalidadeevitar que, na hipótese de se encerrarem simultaneamente, o CADE possa ficar sem quorum suficiente parajulgamento dos processos. Com efeito, o § 1º do art. 9º da Lei dispõe que “as decisões do Tribunal serão tomadas

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por maioria, com a presença mínima de quatro membros, sendo o quorum de deliberação mínimo de trêsmembros”, o que também representou um incentivo à celeridade em atenção às necessidades do mercado.

Quanto à competência, a Lei distingue três aspectos, que estão discriminados nos arts. 9º, 10 e 11:

a) A competência do Plenário do Tribunal, que consiste genericamente em zelar pela observânciadesta lei, ou seja, decidir sobre todas as questões relativas à concorrência;

b) A competência do Presidente do Tribunal, a quem incumbe representar legalmente o Cade noBrasil ou no exterior, em juízo ou fora dele, e, obviamente, presidir o órgão.

c) A competência dos Conselheiros do Tribunal, que se pode resumir em pra car todos os atospertinentes à decisão das questões submetidas ao Tribunal, com a prolação de votos nos processos.

9.3. A Superintendência-GeralA criação da Superintendência-Geral foi uma importante inovação da Lei 12.529/11. Constitui-se de um

Superintendente-Geral e dois Superintendentes-Adjuntos. Suas atribuições específicas, como determinado pelo art.

12, foram definidas pela Resolução que estabeleceu o Regimento Interno do CADE –RICADE.45 OSuperintendente-Geral deve ser portador de notório saber jurídico ou econômico, sendo nomeado pelo Presidente daRepública para um mandato de dois anos, permitida a recondução para um único período subsequente.

A nova Lei atribui ao Superintendente-Geral uma competência muito vasta. Esta extensão é decorrência dointuito de aliviar a carga do Tribunal, para deixar a este mais disponibilidade para análise e decisão de questões maisimportantes.

O art. 13 discrimina a competência da Superintendência-Geral, que pode ser resumida na incumbência de zelarpelo cumprimento da Lei, monitorando e acompanhando as práticas de mercado. O Superintendente-Geral poderáparticipar das sessões de julgamento no Tribunal, proferindo sustentação oral, mas sem direito a voto.

9.4. A Procuradoria Federal junto ao CADEO art. 15 da Lei 12.529/11, ao dispor que funcionará junto ao CADE uma Procuradoria Federal Especializada,

está a exigir dos Procuradores um conhecimento referente às questões que são objeto de análise e decisão doCADE. Ao valer-se do adjetivo “especializada”, entendendo-se que a lei não contém palavras inúteis, está claroque o legislador está a exigir conhecimento aprofundado da área de concorrência. É requisito indispensável para quepossa o Procurador envolver-se no conteúdo dos processos de competência do CADE. O conhecimento específicoterá que versar sobre questões atinentes à ordem econômica, e mais detalhadamente sobre a organização domercado e a liberdade de concorrência.

A Advocacia Geral da União – AGU – terá atuação especializada no CADE, com a função primordial derepresentá-lo judicial e extrajudicialmente.

9.5. A Secretaria de Acompanhamento EconômicoA Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE – é um órgão vinculado ao Ministério da Fazenda e tem

como competência promover a concorrência em órgãos de governo e perante a sociedade. Opina em todos os

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aspectos que se referem à promoção da concorrência, elabora estudos, propõe revisão de leis, como previsto no art.19 da Lei.

9.6. Ministério Público FederalA introdução deste dispositivo pela Lei nº 8.884/94 representou novidade, pois que a Lei nº 4.137, de 1962, não o

continha. Na verdade, a designação de membro do Ministério Público Federal para oficiar nos processos que estãosujeitos à decisão do CADE vem como demonstração de um interesse maior da União Federal. As questões sujeitas

à decisão do CADE envolvem a comunidade nacional e repercutem sobre a ordem econômica como um todo46 e,por isso, exigem a fiscalização do órgão competente para que represente os interesses da União Federal.

A Lei 12.529/2011 dispõe que o Procurador-Geral da República designará membro do Ministério Público Federalpara, nesta qualidade, emitir parecer nos processos administrativos para imposição de sanções administrativas porinfrações à ordem econômica. Poderá o Ministério Público atuar de ofício ou a requerimento do conselheiro-relator.

A Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, em seu art. 1º, explicita o mandamento da Constituiçãoquanto à defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuaisindisponíveis.

9.7. Pontos Fundamentais da Nova LegislaçãoO advento da Lei nº 12.529, de 2011, veio consolidar a cultura da concorrência. Neste capítulo pretende-se

somente remeter o leitor para o aprofundamento de temas que vêm sendo objeto de discussão, análise e de decisõesdo CADE.

9.7.1. Finalidade e amplitude: aplicação da Lei de ConcorrênciaA Lei 12.529, de 2011, veio dar nova estrutura aos órgãos encarregados de dar concretude aos dispositivos

constitucionais que adotaram o regime de economia de mercado. Oficializou-se, de vez, a denominação que erautilizada na prática de Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC.

A nova lei dá seguimento à prossecução do objetivo já estabelecido anteriormente, de prevenção e repressão àsinfrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livreconcorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.

Este objetivo deve ser perseguido em nome da coletividade, que é a titular dos bens jurídicos protegidos pelalegislação de defesa da concorrência.

9.7.2. Âmbito territorial de aplicaçãoA Lei 12.529/11 adota, no seu art. 2º e em seus parágrafos, o princípio da territorialidade, segundo o qual deverá

ela aplicar-se às práticas cometidas no todo ou em parte no território nacional ou que nele produzam ou possamproduzir efeitos. Não importa a nacionalidade da empresa ou a localização de sua sede principal, o que importa é averificação da existência de práticas contrárias à ordem econômica, quer aquelas aqui efetivadas quer as que,mesmo que praticadas no exterior, venham a ter efeito no território nacional.

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O caso Gazprom, empresa russa, é também o exemplo de análise da aplicação territorial da lei. A Rússia nãocompõe a União Europeia, mas a Comissão Europeia passou a examinar a conduta daquela empresa no território daUnião Europeia. As implicações são de ordem concorrencial, mas também de relacionamento político. Em 31 deagosto de 2012, a Comissão Europeia abriu processo contra a Gazprom. Em 4 de setembro de 2012, a ComissãoEuropeia abriu processo para analisar a suspeita de “obstrução à concorrência nos mercados do gás da EuropaCentral e do Leste”. Procura-se verificar se a Gazprom “impediu a diversificação do fornecimento de gás” e se“impôs aos seus clientes preços do gás injustificados, ligando-os aos preços do petróleo” e “se forem provadas, taispráticas são suscetíveis de constituir uma restrição à concorrência e de provocar uma subida dos preços, assimcomo a deterioração da segurança do fornecimento”, o que consequentemente “prejudica os consumidoreseuropeus”.

Em 22 de abril de 2015, a Comissão remete acusação formal (Statement of Objections) contra aquela empresasob fundamento de alegado abuso de posição dominante na Europa Central e do Leste no suprimento do mercado degás. Afirma Margrethe Verstager, Comissária responsável pela política de concorrência, que “todas as empresasque operam no mercado europeu – independentemente de serem ou não europeias – têm que respeitar as

regras da União Europeia”.47

No Direito brasileiro, merece citação a decisão proferida pelo CADE no Processo Administrativo nº08012.004599/1999-18, o chamado “cartel das vitaminas”. O Conselheiro Ricardo Villas Boas Cueva votou nosentido da aplicação do art. 2º da Lei 8.884/94:

Induvidosa, portanto, a aplicabilidade das normas brasileiras de defesa da concorrência, ainda quenenhum ato tenha sido pra cado em território nacional, e mesmo que nenhum efeito tenha de fatose produzido, bastando que se prove a potencialidade dos danos internamente, dos atos pra cadosfora do Brasil.

Em voto-vista no mesmo processo, o Conselheiro Paulo Furquim de Azevedo compartilha do pensamento doRelator, fazendo importante adendo:

Uma jurisdição é afetada por cartel – e, portanto, este deve ser objeto de condenação nesta jurisdição– se sua área de abrangência inclui no todo ou em parte o objeto do cartel (i.e. o mercado afetado pelaconduta concertada).

É absolutamente irrelevante o local onde o acordo é desenhado (onde ocorreram reuniões,acompanhamento de condutas etc.)… Relevante é o espaço abrangido pelo objeto do acordo... O localonde o cartel é ‘celebrado’ é irrelevante em uma análise de mérito. Importa saber qual foi o espaçoabrangido pelo acordo entre empresas…

9.7.3. Controle de condutasPode-se afirmar que os dois pilares da legislação de concorrência são o controle de concentração de empresas e

o controle de condutas.

Em se tratando de condutas, a lei se aplica às pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado. Asinfrações ocorridas implicam a responsabilidade da empresa, e individualmente dos dirigentes ou administradores,solidariamente. Esta solidariedade alcança as empresas ou entidades integrantes do grupo econômico.

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A lei de concorrência adota o princípio da desconsideração da personalidade jurídica, incorporando as conquistasdo Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil de 2002. A repressão das infrações da ordem econômica, doponto de vista administrativo, não exclui a punição de outros ilícitos.

O art. 36 da Lei nº 12.529, de 2011, pode ser dividido em duas partes: uma primeira informa os pressupostos paraque se concretize uma infração da ordem econômica; a segunda enumera as condutas.

Previamente à análise dos pressupostos e das condutas, o intérprete tem que identificar o mercado, tanto relativoao produto quanto ao âmbito geográfico. As noções de mercado relevante quanto ao produto e mercado relevantegeográfico, são um ponto de partida obrigatório.

Para que uma conduta se caracterize como infração da ordem econômica é necessário que tenha por objeto oupossa produzir os seguintes efeitos:

I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

II – dominar mercado relevante de bens ou serviços;

III – aumentar arbitrariamente os lucros;

IV – exercer de forma abusiva posição dominante.

Ao afirmar que uma cláusula contratual ou uma conduta tem um objeto anticoncorrencial, estamos perquirindo arespeito dos elementos formadores, constitutivos, da cláusula ou da conduta. Por outro lado, dizer que uma cláusulaou conduta tem ou pode ter um efeito anticoncorrencial, significa analisar os resultados reais ou potenciais dalidecorrentes. O intérprete não pode restringir-se à letra do simples enunciado do teor da cláusula contratual.Necessário se faz visualizar a natureza da operação, o contexto econômico e jurídico em que se insere, umaapreciação razoável dos fatos, tendo sempre em vista a inafastabilidade dos princípios da proporcionalidade e dasegurança jurídica.

As condutas puníveis são aquelas que decorrem do abuso por parte do agente econômico, cuidando a legislaçãode excetuar, no art. 36, § 1º, a inexistência de ilicitude o domínio do mercado pela eficiência.

Observa BORK que o tamanho da empresa criado e atingido por crescimento interno não pode ser atacado pela

legislação antitruste, a menos que ocorra abuso dessa posição.48 Em artigo recente, analisando o caso Google,BORK e SIDAK reforçam esse entendimento, afirmando que o propósito de derrotar os rivais não é um parâmetro

a ser utilizado no Direito Antitruste, pois que competidores fortes procuram vencer os rivais:49

Graças à contribuição da Escola de Chicago da “Law and Economics”, os tribunais têm enfa zado jádesde 1970 que a lei an truste protege os consumidores através da proteção do processo dacompe ção… Esta dis nção entre monopolização por meios ilegais e crescimento derivado decompe ção por mérito é crucial ao exame das técnicas de busca adotadas por Google e pelas quais as

agências dos Estados Unidos e da Europa tem investigado a Google desde 2010.50

Esta foi também a posição assumida pelo Juiz Learned Hand, ao opinar no caso “Aluminum Co of América”:

Um único empresário pode ser o sobrevivente de um grupo de empresas em a vidade comoconsequência de sua elevada perícia, previsão e esforço… O concorrente bem sucedido, porque se

sentiu instigado a competir, não pode ser punido quando vence.51

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Na decisão do processo “United States Steel Corporation”, o Juiz Day afirma:

Concordo em que a lei não coloca objeção ao mero tamanho de uma empresa, nem ainda aocon nuado exercício de seu poder legal, quando este tamanho e este poder verem sidoconquistados por meios legais e implementados por crescimento natural, embora seus recursos,

capital e poder lhe possam dar uma posição dominante no mercado em que está incluída.52

Em recente decisão da Suprema Corte norte-americana, o Juiz Scalia também reforça o ponto de vista de que ocrescimento por eficiência, mesmo que atinja a situação de monopólio, não constitui ilegalidade:

É jurisprudência firmada que esta infração requer, além de a empresa possuir poder de monopólio nomercado relevante, “a intencional aquisição ou manutenção deste poder diferentemente docrescimento ou desenvolvimento como consequência de um produto superior, a sagacidade negocialou uma con ngência histórica. A mera detenção do poder de monopólio, e a concomitantepossibilidade de se cobrar um preço monopolís co, é não somente admissível por lei, mas é umimportante elemento do sistema de mercado. A oportunidade de cobrar preço monopolís co – aomenos por um curto período – é o que atrai a “sagacidade negocial” em primeiro lugar; mas tambémes mula o risco que produz inovação e o crescimento econômico. Para garan r o incen vo parainovar, a posse do poder de monopólio não pode ser da como ilegal, a menos que seja acompanhada

por um elemento de conduta anticompetitiva”.53

Bork e Sidak, endossando opinião de Easterbrook, afirmam que “a intenção de vencer os rivais não é umadequado parâmetro para julgar o antitruste… Competidores vigorosos almejam vencer os rivais…

Penalizar esta intenção é penalizar a concorrência”.54

A partir da identificação da conduta e do seu legal processamento, o CADE imporá uma sanção que poderá ter aobrigação de fazer ou não fazer, conhecidas estas como extraordinárias quando a realidade do caso exigir, a partirde sua gravidade ou seu interesse público, e ainda uma multa, sanção ordinária, que sempre acompanhará a punição.Esta análise será exercida a partir dos critérios de julgamento previstos no art. 46 da Lei do CADE.

9.7.4. O controle das concentraçõesO art. 1º da Lei n. 12.529, de 2011, dispõe sobre a prevenção e a repressão das infrações contra a ordem

econômica. Com a exigência da análise prévia dos atos de concentração, o legislador se preocupa em preservar uma

concorrência viável, factível, possível no ambiente de mercado.55 A repressão pressupõe que já tenha ocorrido orompimento daquele equilíbrio e tem por meta reconstituí-lo.

O caput do art. 88 da Lei n. 12.529 tem uma abrangência muito grande, porque abrange os atos de concentraçãoeconômica que possam por qualquer forma lesar a concorrência, colocando-os num plano de possibilidade. E quem

terá que avaliar a possibilidade de lesão é o CADE.56

Aqui está uma diferença fundamental entre o conteúdo do art. 36 e dos arts. 88 e ss. Naquele se analisa umaconduta já configurada na realidade e que se caracteriza como infração, determinando-se sua cessação, mastambém impondo-se, conforme o caso, a penalidade prevista em lei. O conteúdo dos arts. 88 e ss é um negóciojurídico que poderá produzir efeitos negativos para o mercado, e que, por isso mesmo, poderá ser proibido (§ 5º do

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art. 88) ou poderá ser autorizado ou terá que ser desfeito, parcial ou totalmente. A análise dos órgãos deconcorrência tem um conteúdo de previsibilidade, de projeção no futuro e, por que não dizer, de previsão científica.

Dando eficácia ao mandamento da Lei n. 12.529, de 2011, o CADE editou o Guia para Análise da ConsumaçãoPrévia de Atos de Concentração. A Lei veda a consumação de atos de concentração econômica antes da decisãofinal da autoridade antitruste – prática que a literatura internacional denomina “antecipação da consumação” (gunjumping). Antes de finalizada a análise prévia do CADE, as partes não podem concluir o ato de concentração.

O Regimento Interno do CADE, no § 1º do art. 108, determina que as notificações dos atos de concentraçãodevem ser protocolizadas, preferencialmente, após a assinatura do instrumento formal que vincule as partes e antesde consumado qualquer ato relativo à operação, ficando as partes adstritas a manter as estruturas físicas e ascondições competitivas inalteradas até a avaliação final do CADE.

Tendo em vista que os negócios jurídicos assumem uma grande diversidade de configurações, impõe-se, emobediência aos princípios da segurança jurídica e da transparência, traçar com clareza e objetividade as exigências eos limites a serem observados pelos agentes econômicos. Não é possível estabelecer em abstrato taiscondicionamentos, devendo a análise ser feita caso a caso, com estrita observância do princípio do devido processolegal.

9.8. Análise de Atos de ConcentraçãoAo examinar os atos de concentração, o CADE deverá proceder não somente a uma indagação jurídica da

operação, mas, sobretudo, a uma análise econômica. E, como a lei não traz maiores detalhes para verificação do quepossa vir a ser uma eliminação ou redução da concorrência em parte substancial de mercado relevante , asautoridades encarregadas de analisar (aprovando, condicionando ou proibindo) tais atos procuram fixar os critérios aserem utilizados, de sorte a garantir a necessária transparência e a segurança jurídica.

Para atender a essa necessidade, as autoridades criaram GUIAS ou ORIENTAÇÕES.

Nos Estados Unidos, o Department of Justice e a Federal Trade Commission estabeleceram em 1992 um“Horizontal Merger Guidelines”, revisto em 1997, e substituído pelo texto de 2010, atualizado pelo “Policy Guideto Merger Remedies”, de 2011.

Na União Europeia, as “Orientações para a apreciação das concentrações horizontais nos termos doregulamento do Conselho relativo ao controle das concentrações de empresas” , de 2004, foram substituídaspelas “Orientações sobre a aplicação do artigo 101 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeiaaos acordos de cooperação horizontal” – TFUE, de 2011.

As Orientações de 2011, da União Europeia, deixam evidente que os acordos de cooperação horizontal podemdar origem a vantagens econômicas significativas, mas também podem dar origem a problemas de concorrência. Oart. 101 do TFUE dita o enquadramento jurídico para uma apreciação equilibrada, que leva em consideração tanto osefeitos anticompetitivos quanto os procompetitivos. O objetivo das orientações é o de fornecer um “quadroanalítico” para os tipos de acordos de cooperação horizontal mais correntes. Para concretização dessa análise,devem ser levados em conta “critérios econômicos como o do poder de mercado das partes, bem como outrosfatores associados à estrutura dos mercados”.

No Brasil, o CADE editou em 2016 um “Guia de Análise de Atos de Concentração Horizontal”, que detalha ospassos que devem ser seguidos pelo CADE na apreciação dos atos de concentração econômica que preencham os

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requisitos previstos nos artis. 88 e 90, I a IV, da Lei n. 12.529, de 2011. O Guia propõe como objetivos:

1) Dotar de maior transparência a análise empreendida pelo CADE;

2) Orientar a Administração a empregar as melhores prá cas de concorrência na análise de Atos deConcentração – ACs – que produzam concentração horizontal; e

3) Auxiliar os agentes de mercado a compreender as etapas, as técnicas e os critérios adotados nasanálises realizadas pelo CADE.

Na análise a ser feita, o Guia impõe a necessidade de verificar os efeitos positivos e negativos da concentração,pois que “não é possível definir, a priori, se a concentração será benéfica ou prejudicial, sendo necessária aanálise específica caso a caso, com ponderação das eficiências vis-à-vis seus efeitos negativos. Trata-se dacondição de efeito líquido não negativo sobre o bem-estar econômico dos consumidores”.

9.9. Exigência de apresentaçãoA Lei n. 12.529, 2011, impõe a submissão dos atos de concentração econômica ao CADE. Os atos têm sua

grandeza aferida pelo faturamento das empresas quando:

– um dos grupos tenha do faturamento equivalente ou superior a R$ 750.000.000,00 (setecentos e

cinquenta milhões de reais);57

– pelo menos um outro grupo envolvido tenha do um faturamento equivalente ou superior a R$75.000.000,00 (setenta e cinco milhões de reais).

Nem todos os atos de concentração apresentam o mesmo nível de preocupação para o mercado. Há alguns queexigem mais detida análise pelo potencial de afetação do comportamento das empresas participantes do mercado.Há outros, contudo, que aportam menor influência. Atendendo a essa diferença, o CADE estabeleceu oProcedimento Sumário, a ser aplicado aos casos que, em virtude da simplicidade das operações, tenham menor

potencial ofensivo à concorrência.58 A decisão de enquadramento do pedido no rito sumário é discricionária,atendidos os princípios de conveniência, oportunidade e, principalmente a experiência já adquirida pelos órgãos deconcorrência na análise de atos de concentração. Podem enumerar-se as joint-ventures clássicas ou cooperativas,os casos de substituição de agente econômico, as hipóteses de baixa participação de mercado com sobreposiçãohorizontal ou integração vertical. Em síntese, todos os casos que, a critério fundamentado da Superintendência-Geral,forem considerados simples o suficiente para merecerem uma análise mais aprofundada.

10. O CARTELPode-se conceituar o cartel como uma conduta adotada por concorrentes no mercado com o objetivo de

combinar preços, dividir mercados, estabelecer quotas e combinar condições para concorrer em licitações públicas.Esta conduta, pela sua própria característica, tem por resultado reunir os concorrentes, com a finalidade deuniformizar sua conduta no mercado, inviabilizando, assim, a própria concorrência que deveria existir. Por meio docartel firma-se um pacto de não concorrência.

O Conselheiro Ruy Santacruz, na decisão do Processo Administrativo 08000.045337/97-48, conhecido como

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Cartel do Aço (CSN, Cosipa e Usiminas), traz uma conceituação perfeita da configuração do cartel:

Cartel é um acordo entre empresas no qual, na maioria das vezes, o preço é fixado ou mercado édividido. Outras variáveis de mercado também podem ser consideradas no cartel, tais como qualidadedo produto, lançamento de novos produtos, etc. O obje vo do cartel é elevar os preços aoconsumidor, através da redução da concorrência, aproximando o resultado do mercado em termos delucratividade ao que seria alcançado numa situação de monopólio. Além do efeito direto sobre o bem-estar econômico na forma da elevação compulsória de preços ao consumidor, o que caracteriza umatransferência de renda deste para o produtor, o cartel, ao reduzir a concorrência entre as empresas,reduz também a pressão para a melhoria da qualidade dos produtos, para redução dos custos deprodução e para a busca e introdução de inovações de um modo geral. Sendo assim, é consideradoinfração da ordem econômica em todos os países que aplicam leis de defesa da concorrência (tambémconhecidas como leis an truste). Conselheiro Ruy Santacruz, processo Administra vo08000.045337/97-48, no CADE, Cartel do Aço (CSN, Cosipa e Usiminas).

É óbvio que tal uniformização tem três consequências negativas. A primeira é que os produtores ampliarãosobremaneira seus ganhos. Paralelamente, num segundo plano, o consumidor vai pagar mais caro pelos mesmosprodutos. Com a eliminação da concorrência e o aumento dos lucros da empresa, as empresas não terão qualquerestímulo para inovar, com reflexo negativo na qualidade dos produtos.

Haverá, assim, uma “colusão”, que se define como um ajuste secreto e fraudulento entre duas ou mais partes,com prejuízo para terceiros. O sentido etimológico esclarece o significado do termo. A palavra tem sua origem nolatim “co-ludere”, que significa “jogar com”, “jogar junto”. Seria como dois times de futebol combinarem de “jogarjuntos”. Não haveria rivalidade. Ora, o cartel elimina justamente a “rivalidade”, a “concorrência”, que deve reinar nomercado.

Entretanto, quem pratica colusão procura sempre esconder a combinação realizada, para dar impressão de estarconcorrendo. Daí uma característica essencial do cartel: o segredo. Quem participa sela um pacto de absoluto sigilo,para que os de fora não percebam o conluio.

Teremos, consequentemente, dois elementos fundamentais: o grande prejuízo causado aos consumidores e osegredo que impede que as autoridades percebam a configuração do ilícito. Será difícil quantificar o prejuízo causadoaos consumidores, e, por outro lado, o sigilo com que procedem as empresas e os dirigentes envolvidos dificulta asua persecução.

A partir de 1999, o CADE teve oportunidade de resolver diversos casos de cartéis.

11. O PROGRAMA DE LENIÊNCIAO legislador brasileiro, com a Lei n. 10.149/2000, pautando-se pela experiência norte-americana e europeia,

introduziu na Lei n. 8.884, de 1994, os arts. 35-B e 35-C, criando o “acordo de leniência”, com a finalidade deextinção da ação punitiva da Administração Pública ou de redução da penalidade aplicável às infrações à OrdemEconômica, desde que atendidas as condições impostas.

Ainda na vigência da Lei n. 8.884, de 1994, o CADE teve oportunidade de concretizar o primeiro acordo de

leniência. Como relatado em publicação do próprio órgão,59 “em outubro de 2003, um dos membros de cartel

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promovido por empresas de serviços de vigilância do Rio Grande do Sul para fraudar licitações públicasapresentou-se à SDE para delatar um cartel e cooperar com as autoridades”. A decisão do CADE foiproferida em 2007, aplicando multas superiores a R$ 40 milhões, e concedendo anistia ao beneficiário do Programade Leniência, por ter cumprido as condições que lhe foram impostas no Acordo.

A Lei n. 12.529, de 2011, trata desta questão de forma mais completa e com mais propriedade ao estabelecer oPrograma de Leniência, atribuindo ao CADE, por intermédio da Superintendência-Geral, a competência paracelebração do acordo, dando mais segurança jurídica à condução do processo. Como esse acordo extingue ou reduza penalidade, trata-se de uma competência de um órgão judicante, a qual não pode ser atribuída a um órgãomeramente de instrução.

O art. 86 da Lei estabelece a possibilidade de realização de um acordo entre o CADE e pessoas físicas oujurídicas que sejam autoras de infração à ordem econômica. Esse acordo visa estimular que as pessoas envolvidasdelatem a participação, recebendo como recompensa a extinção da ação punitiva da Administração Pública – aanistia –, ou a redução de um a dois terços da penalidade aplicável – a leniência ou abrandamento da pena. Essacolaboração é considerada efetiva se houver a identificação dos demais envolvidos na infração e se a Administraçãoconseguir informações e documentos que comprovem a infração.

Destaca-se ainda que o Programa de Leniência incentiva uma verdadeira “corrida” entre os agentes de mercadopela denúncia, uma vez que prestigia o primeiro delator, com a possibilidade da extinção da punibilidade de suaconduta, a qual, inclusive, poderá ter efeitos nas ações penais sobre o mesmo objeto, quando tipificadas no art. 87 daLei n. 12.529/11.

A delação premiada entrou hoje no noticiário brasileiro. A utilização de criminosos como informantes é o tema doartigo escrito por STEPHEN TROTT, Juiz norte-americano da Corte de Apelação do Nono Circuito, e que foi

traduzido pelo Juiz Federal Sérgio Fernando Moro.60

12. COMPROMISSO DE CESSAÇÃODispõe o art. 85 da Lei n. 12.529 que “nos procedimentos administrativos mencionados nos incisos I, II e III

do art. 48 desta Lei, o Cade poderá tomar do representado compromisso de cessação da prática sobinvestigação ou dos seus efeitos lesivos, sempre que, em juízo de conveniência e oportunidade, devidamentefundamentado, entender que atende aos interesses protegidos por lei”.

A verificação e comprovação da existência de prática que possa ser declarada contrária à ordem econômica,além de serem grandemente onerosas para a Administração Pública, podem não ser convenientes para os interessesde uma empresa. Essa declaração pode vir a ser-lhe desvantajosa, tornando possível a celebração dessecompromisso em todas as modalidades processuais que visem a apuração ou mesmo o processamento de infração à

ordem econômica, previstos nos incs. I, II e III do art. 48 da Lei do CADE.61

A criação legal do “compromisso de cessação” deixa no âmbito da incerteza a infringência contra a ordemeconômica. Ese compromisso se insere no instituto jurídico da transação, previsto nos arts. 840 a 850 do CC de2002. As características da transação se evidenciam como um acordo, que se manifesta com o propósito deextinguir um litígio, em que existe uma reciprocidade de concessões e em que permanece inequívoca a incerteza

quanto ao direito das partes.62

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Na verdade, diferentemente do acordo no âmbito civil, aqui ocorre um acordo entre a autoridade encarregada deinvestigar e o representado cuja atividade econômica se analisa. Com esse acordo extingue-se ou paralisa-se ainvestigação, havendo reciprocidade de concessões: a autoridade não investiga mais e o representado paralisa aprática de atos que geraram suspeitas de infração contra a ordem econômica. O elemento da incerteza, de dúvida,está presente porque nem a autoridade nem o representado têm segurança sobre o desfecho da investigação, quepoderia confirmar a existência de infração, mas poderia também afastar essa hipótese.

A transação também ocorre no âmbito processual, conservando as mesmas características supradescritas,deixando o juiz as tarefas de julgador, com função estritamente jurisdicional, para transformar-se em um pacificador.Aos riscos de uma investigação administrativa cujo desfecho é uma incógnita para a autoridade e para orepresentado, preferem estes uma transação em que se abandona a busca da justiça alicerçada na estrita legalidade

para contentarem-se com uma solução que pacifica a pretensão bilateralmente.63

De qualquer forma, a atividade econômica e, mais especificamente, a atividade empresarial, que têm como umade suas características fundamentais o dinamismo e a celeridade de decisões, não se coadunam com a morosidade ea lentidão dos processos administrativos e judiciais. Preferem, por isso, uma transação que resolve maispragmaticamente a pendência, deixando-lhes o tempo gasto em tramitações administrativas, que reputam perdido,para maior dinamização de sua atividade.

12.1. Extensão do compromissoO objetivo primordial da existência e concretização do compromisso de cessação, do ponto de vista da

Administração, é o de fazer cessar a prática dos atos que ela entende estarem em conflito com a ordem econômica.Por outro lado, por parte do agente econômico, interessa não empenhar o seu tempo de atividade empresarial emprocessos de desfecho incerto e, acima de tudo, de longa duração. É economicamente mais vantajoso para aempresa não alimentar uma situação de dúvida sobre a lisura de sua conduta no mercado.

Para atingir esse objetivo comum, o legislador fixa um parâmetro aceitável bilateralmente: o agente econômicocessa a prática dos atos que a Administração entende lesivos, e, por outro lado, essa cessação não equivale àconfissão nem ao reconhecimento de ilicitude da conduta que está sendo objeto de investigação por parte daSuperintendência-Geral.

O Regimento Interno do CADE, nos arts. 179 a 181, estabelece os procedimentos a serem seguidos para aapresentação do requerimento pelos interessados em formalizar um compromisso de cessação, para o processo denegociação e para a concretização da proposta final de termo de compromisso que será encaminhada peloSuperintendente-Geral ao Presidente do Tribunal, que determinará, em caráter de urgência, a inclusão do feito empauta para julgamento.

O CADE editou um “Guia de Termo de Compromisso de Cessação para Casos de Cartel”, mas deixouexplícito que, “embora o presente Guia trate apenas dos procedimentos de negociação de TCC em casos decartel, o TCC constitui instrumento apto a ser utilizado em investigações de outras infrações à ordemeconômica previstas na Lei nº 12.529/2011. Os parâmetros dessas negociações, no entanto, não estãonecessariamente pautados pelos mesmos trâmites e critérios aqui descritos”.

Aliás, essa extensão do TCC a outros tipos de infrações já tinha sido objeto de decisão do CADE no P. A. n.08012.003303/98-25 – Philip Morris Brasil S.A. – Souza Cruz S.A. – em 2000, ainda, pois, no regime da Lei n.

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8.884, de 1994. O processo versava sobre cláusulas de exclusividade nas cadeias de distribuição e de varejo de

cigarros.64

13. OS GUIASA Lei n. 12.5229/11 e o Regimento Interno do CADE, dando cumprimento à lei, disciplinam a competência do

Tribunal para editar normas. O art. 9º, quer da Lei, quer do RICADE, estabelece a competência do CADE paraeditar normas para instruir o público sobre as formas de infração contra a ordem econômica. O art. 231 doRegimento Interno dita que “O Plenário do Tribunal poderá editar resoluções para disciplinar atos eprocedimentos relativos ao funcionamento do Cade, às formas das deliberações do Conselho, às normas deprocedimento”.

Para a adequada aplicação da Lei de Concorrência, seguindo o exemplo das autoridades internacionais,principalmente norte-americanas e europeias, o CADE vem editando guias. Desde a promulgação da Lei n. 12.529,em 2011, foram editados os seguintes GUIAS:

Guia para Análise de Atos de Concentração Horizontal

Guia para Programas de Conformidade (compliance)

Código de Conduta dos Agentes Públicos do CADE

Guia para Análise da Consumação Prévia de Atos de Concentração Econômica

Guia de Termo de Compromisso de Cessação para Casos de Cartel

Guia do Programa de Leniência Antitruste do CADE

Guia de Atos de Concentração no Mercado de Prestação de Serviços de Ensino Superior

14. JURISPRUDÊNCIA DO CADEAs decisões proferidas pelo CADE, a partir da promulgação da Lei n. 8.884, de 1994, vêm se projetando no

cenário jurídico-econômico brasileiro. Assinale-se que a Lei n. 12.529, de 2011, reuniu no art. 36 todo o conteúdonormativo dos arts. 20 e 21 da lei anterior. O intérprete e aplicador da lei deve arrimar-se nos pressupostos fáticos,jurídicos e econômicos para julgar as questões que são submetidas ao Tribunal. Deverá ele ainda, e em especial, terconhecimento da jurisprudência norte-americana e europeia para fundamentar seus julgados. Pode-se, pois, afirmarcom segurança que o estudioso do Direito da Concorrência tem que conhecer a jurisprudência do CADE.

Não será possível, em um capítulo, revelar toda a riqueza da jurisprudência do CADE de 1994 até hoje. Éaconselhável, ao que parece, enumerar alguns dentre os processos julgados nesse período, deixando ao leitor amissão de analisar os seguintes Atos de Concentração – A.C. – e Processos Administrativos – P.A.:

1. C. n. 27/95 – K&S Aquisições Ltda e Kolynos do Brasil S.A. – 1998

2. A. C. n. 08012.002315/99-50 – Brasil Álcool S.A. – 1999

3. P. A. n. 08012.003303/98-25 – Philip Morris Brasil S.A. – Souza Cruz S.A. – 2000

4. C. n. 87/96 – Banco Francês e Brasileiro S/A e Americas Finance Co. – 1999

5. P.A. n. 08000.015337/1997-48 – CSN-COSIPA-USIMINAS – Cartel do Aço – 1999

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6. P. A. n. 08000.012252/94-38 – CIEFAS – CRMRJ – 2000

7. A. C. n. 08000.000588/97-64 – Silcar – Itambé – 2000

8. P.A. n. 53500-000359/99 – ANATEL – TVA – TV Globo – 2001

9. P.A. n. 08012.009118/1998-26 – Cartel licitação de Estaleiros – EISA-MARÍTIMA – 2001

10. P. A. n. 08012.002127/02-14 – Cartel das Britas – 2005

11. P. A. n. 08012.004086/2000-21 – Cartel de vergalhões de Aço – 2005

12. P. A. n. 08012.001826/2003-10 – Cartel dos Vigilantes – 2007 – Primeiro Acordo de Leniência dahistória do CADE

13. P. A. n. 08012.004599/1999-18 – Cartel Internacional das Vitaminas – 2007

14. P. A. n. 08012.000283/2006-66 – Cartel de Extração de Areia – 2008

15. P. A. n. 08012.009888/2003-70 – Cartel dos Gases – 2010

16. C. n. 08012.004423/2009-18 – BRFoods – Perdigão S.A. e Sadia S.A. – 2011

17. P. A. n. 08012.01215/2007-96 – Cartel Revenda de Combustíveis – Caxias do Sul – 2012

18. A. n. 08012.004702/2004-77 – Cartel das empresas de peróxido de hidrogênio – 2012

19. A. n. 08012.011142/2006-79 – Cartel do Cimento – 2014

Merece especial ênfase a decisão proferida pela 4ª Vara Federal do Distrito Federal no Proc. n.2005.34.00.015042-8 – em que foi autora a Nestlé Brasil Ltda., que se insurgiu contra a decisão proferida peloCADE em 2004.

15. A MAGISTRATURA ECONÔMICAA Constituição determina, no inc. XXXV do art. 5º, que “a Lei não excluirá da apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Óbvio, portanto, que as decisões proferidas pelo CADE estão sempresubmetidas à apreciação do Poder Judiciário.

É certo que as decisões do Tribunal não comportam revisão no âmbito do Poder Executivo, como disposto no § 2ºdo art. 9º da Lei n. 12.529, e devem ser comunicadas ao Ministério Público para as demais medidas legais cabíveisno âmbito de suas atribuições. Se não cumpridas administrativamente, cabe à Procuradoria Federal, junto ao CADE,“promover a execução judicial das decisões e julgados do Cade”, como previsto no inc. III do art. 15 da Lei.

Esses dispositivos tratam do que vem sendo enfatizado como aplicação pública das decisões dos Tribunais deConcorrência. A Procuradoria do CADE poderá, pois, exigir judicialmente o cumprimento de obrigações defazer tanto quanto o de obrigações de pagar as multas impostas .

Entretanto, ao lado dessa aplicação pública, o art. 47, da Lei n. 12.529, prevê a possibilidade da aplicação

privada, ao dispor que “Os prejudicados, por si ou pelos legitimados referidos no art. 82 da Lei no 8.078, de11 de setembro de 1990, poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ouindividuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica, bemcomo o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, independentemente do inquérito ouprocesso administrativo, que não será suspenso em virtude do ajuizamento de ação”.

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O Direito americano prevê a hipótese ao determinar o pagamento de “treble damages”. O Direito europeu vemsalientando esta questão desde o julgamento dos processos Courage, C-453/99 e Manfredi, C-295/04. A ComissãoEuropeia vem acentuando a necessidade de criação de mecanismos para tornar efetiva a indenização às vítimas decondutas anticoncorrenciais. Em 26 de novembro de 2014 foi editada a Diretiva 2014/104/EU, publicada no JornalOficial da União em 5 de dezembro de 2014, estabelecendo regras para promoção de ações por danos.

Cabe à Comissão Europeia, juntamente com as autoridades nacionais da concorrência (“ANC”), aaplicação dessas proibições (aplicação pública). Ao mesmo tempo, as disposições do Tratado criamdireitos e obrigações para os par culares, cuja aplicação está a cargo dos órgãos jurisdicionaisnacionais (aplicação privada). Entre esses direitos figura o direito a reparação por perdas e danossofridos em consequência de uma infração às regras de concorrência da UE. Desde 2001, o Tribunal deJus ça tem declarado, repe damente, que, em virtude do direito da UE, qualquer pessoa deve ter apossibilidade de exigir uma reparação por esses danos (Courage, C-453/99 e Manfredi, C-295-298/04).Passados mais de dez anos, a maior parte das ví mas de uma infração ao direito da concorrênciacon nua a não dispor de meios para, individual ou cole vamente, exercer de modo efe vo esse

direito a uma reparação previsto pela UE.65

Levadas as questões ao Poder Judiciário, o magistrado deve necessariamente utilizar-se de um instrumentaleconômico. A análise e decisão das questões relativas à concorrência impõem um conhecimento de Economia. Jádesde a primeira edição de sua obra, Economic Analysis of Law, em 1973, e repetido sistematicamente em todas asedições, incluída a 9ª edição, de 2014, o Professor Richard A. Posner insiste em que “a economia é um poderosoinstrumento para analisar uma vasta gama de questões jurídicas, mas a maioria dos advogados e estudantes– mesmo os mais brilhantes – tem dificuldade para interrelacionar princípios econômicos e problemas legais

concretos”.66

O movimento iniciado na Universidade de Chicago, com Aaron Director e Ronald H. Coase, trouxe comoresultado a adoção de uma metodologia adequada ao tratamento de questões jurídicas cujo cerne é o elementoeconômico.

As decisões que tratam de questões ligadas ao Direito da Concorrência têm que acatar certos balizadores comoo do custo e benefício, da importância do mercado relevante, da participação de mercado, da eficiência, damaximização da riqueza ou da felicidade e outros. Procura-se uma decisão que leve os interessados a umposicionamento em que haja menor custo e maior benefício. Ora, a avaliação desses parâmetros dentro de umasituação concreta que se antepõe ao juiz exige deste uma sólida preparação e conhecimento econômico.

Em 1977, Alexis Jacquemin e Guy Schrans já observavam que o problema de uma magistratura econômica não énovo e vai muito além da perspectiva limitada de criar uma magistratura nova ou de introduzir transformações. Ocrescente desenvolvimento da vida econômica incita a promoção de diversos tipos de instituições que o direitohabilita para formular uma apreciação de uma determinada situação econômica, a título quer preparatório, quer

consultivo, quer decisório.67

Salientam esses autores que a intervenção de uma autoridade para solucionar um conflito de conteúdoessencialmente econômico pode ocorrer em diversos níveis, resumidos em dois polos: o da legalidade da decisão eo da oportunidade dessa mesma decisão.

Afirmam os autores que:

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na realidade, os “poderes” (quer seja o do Estado, da empresa ou de um par cular) têm direito a umamargem de decisão discricionária. Não é concebível, em nosso sistema econômico descentralizado,que todos os poderes estejam vinculados. Em regra geral, o juiz deve respeitar esta margem dediscrição, mas deve traçar seus limites com clareza, não somente no que concerne ao controle dalegalidade interna e externa, mas também no domínio mais delicado da oportunidade. Desde que olegislador tenha orientado a significação que convém dar a uma noção vaga ou que tenha estabelecidoqualquer escala de prioridade entre diversos valores que se põem diante do juiz, este deve podercontrolar. Não é preciso dizer que a tarefa do juiz seria grandemente facilitada se todo “poder”,público ou privado, dotado de uma margem de discrição, desse conhecimento explicitamente dosmo vos que levam a u lizar seu poder discricionário desta ou daquela maneira. A mo vação dos atos

ou decisões é portanto um dos elementos essenciais da magistratura econômica.68

O juiz, ao apreciar uma questão já decidida pelo CADE, estará diante de uma decisão discricionária, comsuficiente motivação de conteúdo jurídico e econômico. E é uma decisão proferida por todo um corpo de técnicosaltamente especializados, desde os economistas que compõem os órgãos instrutórios até aqueles que, em conjuntocom juristas especializados, proferem a decisão de mérito.

Outro questionamento é o relativo ao pronunciamento dos economistas, em pareceres a favor ou contradeterminado posicionamento. Diferentemente de um perito, que traz somente dados, somente matéria fática, oeconomista emite opiniões. Nesses processos, além de o julgador poder nomear uma pessoa reconhecidamentecompetente sobre a matéria discutida, as partes trazem pareceres de economistas e de juristas para fundamentarsuas posições. São opiniões que podem influenciar a decisão do magistrado, que podem dar-lhe fundamentos paradecidir.

Um mesmo conflito existente no mercado pode gerar posicionamentos distintos, com efeitos econômicos tambémdiferentes. Poderá, nessa hipótese, haver concomitância de procedimentos – um perante o CADE, outro perante oPoder Judiciário –, como o prevê o art. 29 da Lei n. 8.884/94. Perante o CADE, o que se defende é o interessepúblico de preservação da liberdade e do equilíbrio do mercado, reflexamente incidente sobre o interesse dasempresas que figuram no processo. O que se pretende prevenir ou reprimir junto ao CADE é o dano potencial ouefetivo ao mercado. Concomitantemente, pode a empresa pleitear perante o Poder Judiciário a reparação por umdano efetivo (ou não), em que poderá haver condenação por perdas e danos. Porém, os parâmetros de prova noscasos de concorrência são diferentes dos que temos perante o Poder Judiciário. A análise econômica que se faz dosatos de concentração, das condutas lesivas, ou não, à ordem econômica, impregna essas provas de uma forteinfluência do elemento econômico.

A efetividade da política de concorrência, alerta Paolo Buccirossi, depende de alguns fatores externos, como aqualidade das instituições de um país, em geral, e, em particular, do sistema judicial. E, certamente, entre a promoçãoe aplicação da política de concorrência e o sistema judicial existe uma inerente complementaridade, pois os tribunaisdesempenham um importante papel na concretização das propriedades de deterrência de um regime político de

concorrência.69

Como observei em artigo publicado em 2008, o relacionamento entre o Direito e a Economia impõe que asdecisões a serem proferidas, tanto pelo Tribunal do CADE quanto pelo Poder Judiciário, sejam proferidas em tempoeconômico, ou seja, somente serão eficientes e terão eficácia se ocorrerem com uma limitação temporal

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insuscetível de delongas. Escrevi naquela ocasião que “essa exigência de celeridade não se compadece com aatual morosidade das decisões do judiciário federal, decorrente certamente da enorme pletora de processosali em tramitação. Pode-se perguntar, concretamente, quanto tempo tramitará o processo ajuizado pelaNestlé, impugnando a decisão do CADE. Se o tempo necessário à decisão se pautar pelo andamento normal,

de cinco a quinze anos, qualquer que seja a decisão, será ela inócua e ineficaz”.70

Em 4 de outubro de 2016, o Conselheiro Alexandre Cordeiro Macedo exarou Despacho Decisório n.20/2016/GAB6/CADE no Processo n. 08700.003861/2016-30. O inteiro teor do despacho se acha disponível no sítiodo CADE. Mas dele extraio somente um trecho que pode servir de conclusão ao capítulo, com a indagação: “asquestões que envolvam o funcionamento do mercado, principalmente sob a ótica da concorrência, estariama exigir uma magistratura econômica?”

Do ponto de vista histórico, registro que a operação de aquisição da Garoto pela Nestlé ocorreu emfevereiro de 2002 e foi apresentada para a avaliação desta autarquia em março do mesmo ano (fls. 2 e7 dos autos nº 08012.001697/2002-89)….

“Em 4 de fevereiro de 2004 o Conselho entendeu, por maioria de cinco votos contra um, que aoperação deveria ser reprovada porque ocasionava elevada concentração e grande risco de efeitosdeletérios nos mercados de chocolates sob todas as formas e no mercado de coberturas de chocolate(fls. 5089-5213 dos autos nº 08012.001697/2002-89)….”

A Nestlé contestou judicialmente a decisão. Foi ques onada sua legalidade e proporcionalidade. Aação foi distribuída à 4ª Vara Federal no Distrito Federal em 24.05.2005 e tombada sob nº2005.34.00.015042-8….

A sentença desafiou apelação por parte do CADE, recurso recebido com efeito suspensivo ao qual aQuinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por maioria de dois votos a um, deuprovimento parcial, de modo a não anular toda a a vidade administra vo-judicante desenvolvidapelo CADE, mas apenas o pedido de reapreciação fundado em proposta de desinvestimento parcial…

De acordo com o Parecer nº 22/2016 da PFE-CADE (SEI nº 0161377), o cenário atual após 14 (catorze)anos indica dois possíveis caminhos para o desfecho do processo judicial….:

Por outro lado, a exigibilidade da decisão administra va do Cade pende, há 11 (onze) anos, de umadecisão judicial, não havendo perspec va de julgamento dos embargos infringentes opostos pelaNestlé em 2009. Na prá ca, mesmo que sejam manejados os recursos ao STJ e ao STF, considerando asespecificidades destes recursos existe uma probabilidade do Cade ao final (sem se poder precisartemporalmente este final) rejulgar o pedido de reapreciação originário, tal qual decidido pelo TRF1.

16. CONCLUSÃOAo finalizar este capítulo, devo dizer que ele não tem fim, e sim um “fim” ou “finalidade”, que é dizer aos leitores

que a relação processual (no sentido de “procedere” – caminhar para diante ) entre Direito e Economia éinstigante e deve provocar uma mudança de direcionamento e de posicionamento. O campo de estudo e de pesquisaque se abriu a partir da instauração do conceito de economia de mercado tem como consequência um alargamentopujante dos problemas. Como comprovação da importância da nova área do Direito, basta ver pelos jornais as

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notícias de decisões proferidas pelo CADE e sua repercussão jurídica, econômica e social no cenário da realidadebrasileira.

Cases and materials on Modern antitrust law and its origins. 2001. p. 8.

The Firm, the Market, and the Law, I I I. In The Firm, the Market and the Law. Chicago: The University ofChicago, 1990. p. 7.

Bento XVI. Caritas in Veritate, n. 35.

Buccirossi, PAOLO et alii. Compe on Policy and Produc vity Growth: An Empirical Assessment. DiscussionPaper. N. 22. Düsseldorf: Ins tute for Compe on Economics, may 2011. p. 3. Ver também meu estudo:Economia de Mercado e Magistratura Econômica, In: VIEIRA, José Ribas (org.). 20 anos da cons tuiçãocidadã de 1988 – Efetivação ou Impasse Institucional? Rio de Janeiro: GEN-Editora Forense, 2008. p. 41-57.

FARJAT, Gérard. La No on de Droit Economique, Archives de Philosophie du Droit, Droit et Économie. Paris:Édi ons Dalloz-Sirey. tome 37, p. 27-62. Trad. J.B. Leopoldino da Fonseca, por expressa e escrita autorizaçãodo autor e da Editora, publicado pelo Movimento Editorial da Faculdade de Direito da UFMG, 1996.

The Theory of Moral Sentiments (1759) e Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations (1776).

Riqueza das Nações. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1950. v. I, p. 758.

Ibidem. p. 477.

“In the race for wealth, and honours, and preferments, he may run as hard as he can, and strain every nerveand every muscle, in order to outstrip all his compe tors. But if he should jostle, or throw down any ofthem, the indulgence of the spectators is en rely at an end. It is a viola on of fair play, which they cannotadmit of”. The Theory of Moral Sentiments. Oxford: Oxford University Press, 1974. p. 83.

Ibidem. p. 95.

Ibidem. p. 280.

“Sec on 1. That all men are by nature equally free and independent and have certain inherent fights, ofwhich, when they enter into a state of society, they cannot, by any compact, deprive or divest theirposterity: namely, the enjoyment of life and liberty, with the means of acquiring and possessing property,and pursuing and obtaining happiness and safety”.

Art. 1er. Les hommes naissent et demeurent libres et égaux en droits…. Art. 4. La liberté consiste à pouvoirfaire tout ce qui ne nuit pas à autrui: ainsi, l’exercice des droits naturels de chaque homme n’a de bornesque celles qui assurent aux autres Membres de la Société la jouissance de ces mêmes droits. Ces bornes nepeuvent être déterminées que par la Loi”.

TARBELL, Ida M. The History of the Standard Oil Company. Briefer edi on. Edited by David M. Chalmers.Kindle, pos. 178 e 214-221 de 4003.

MAINGUY, Daniel et alii. Droit de la Concurrence. Paris: Litec, 2010. p. 13.

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“On hearing the plantiff’s attempt to enforce this restraint, Hull J. exclaimed: In my opinion, you might havedemurred upon him that the obliga on is void, inasmuch as the condi on is against the common law, andby God, if the plaintiff were here, he should go to prison until he had paid a fine to the King”.

“… That the said Grant to the Plaintiff of the sole making of Cards within the Realm was void; and that for tworeasons: 1. The same is a Monopoly, and against the Common Law; 2. That it is against divers Acts ofParliament” (The Case of Monopolies. (1602) Trinity Term, 44, Elizabeth I, In the Court of King’s Bench. Firstpublished in the Reports, Volume 11, page 84b).

“What makes this the more reasonable is that the restraint is exactly proportioned to the consideration. Viz.the term of five years… and if upon them it appears to be a just and honest contract, it ought to bemaintained” (Mitchel v Reynolds 1 Peere Williams 181, 24 ER 347, Report Date: 1711, Case 44). MORGAN,Thomas D. Cases and materials on Modern antitrust law and its origins. 2001. p. 20-21.

Pennsylvania State Reports containing cases decided by the Pennsylvania Supreme Court, vol. LXVIII. Casesargued at October Term, 1870, and January and May Terms, 1871.

STIGLER, George. The Origin of the Sherman Act. Journal of Legal Studies, v. XIX. january, 1985. p. 1-11.

(Modern antitrust law and its origins – St. Paul, Minn., West Publishing, 2001. p. 31-117). O princípio da regrada razão, suscitado a par r do caso “Standard Oil Company of New Jersey et alii v. United States”. A ementadaquele julgado estabelece a linha de pensamento predominante na corte: “A lei an truste de 2 de julhode 1890 deve ser construída sob a luz da razão; e, assim construída, proíbe todos os contratos ecombinações que acarretem uma desarrazoada e indevida restrição do comércio e do intercâmbiointerestadual”. Para o perfeito entendimento desse princípio, muito contribui apresentar o contraste entreo pensamento dos Juízes White e Harlan. Afirmou o Jus ce White: “Se o critério pelo qual se deve decidirem todos os casos se cada contrato, combinação, etc., restringe o comércio dentro da compreensão da lei, éo efeito direto ou indireto dos atos envolvidos, então certamente a regra da razão se torna o guia, e aconstrução que demos à lei, em lugar de ser refutada pelos casos decididos, será por aqueles mesmoscasos demonstrada como correta. Isto é verdade, porque a construção que nós extraímos da história da lei eda análise de seu texto é simplesmente que em cada caso em que se afirme que um ato ou atos estãoviolando a lei, a regra da razão, à luz dos princípios da lei e do interesse público que a lei incorpora, deveser aplicada. Disto se segue que, quer esta regra quer o resultado do teste direto ou indireto, em seuúl mo aspecto, chegam a uma única e mesma coisa, de tal forma que a diferença entre as duas é porconseguinte somente aquela que se obtém entre coisas que não se distinguem completamente.

United States v. Addyston Pipe & Steel Co., 85 Fed 271 (6th Cir. 1898) modified & affirmed 175 U.S. 211 (1899).

“As this discussion indicates, the concept of restraint of trade (and what is reasonable or unreasonable) isneither an absolute nor an unvarying standard. Every bargain which reserves business to the bargainers andexcludes others is a restraint of trade. But it would be a reductio ad absurdum to conclude that agreementsessen al to the crea on of trade were also illegal restraints of trade. Yet some bargains may preclude agreat deal of trade or compe on, and their cost to compe on (and society) may outweigh any possiblebenefit. The important policy ques on, therefore, is not whether the restraint is ancillary, but ratherwhether it further limits compe on or protects an exis ng property value” (GELLHORN, Ernest; KOVACIC,William. Antitrust Law and Economics in a Nutshell. Saint Paul: West Publishing, 1994. p. 8-9).

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“But the legality of an agreement or regula on cannot be determined by so simple a test, as whether itrestrains compe on. Every agreement concerning trade, every regula on of trade, restrains. To bind, torestrain, is of their very essence. The true test of legality is whether the restraint imposed is such as merelyregulates and perhaps thereby promotes compe on or whether it is such as may suppress or evendestroy compe on. To determine that ques on the court must ordinarily consider the facts peculiar tothe business to which the restraint is aplied; its condi on before and a er the restraint was imposed; thenature of the restraint and its effect, actual or probable. The history of the restraint, the evil believed toexist, the reason for adop ng the par cular remedy, the purpose or end sought to be a ained, are allrelevant facts.... But the evidence admi ed makes it clear that the rule was a reasonable regula on ofbusiness consistent with the provisions of the Anti-Trust Law” (246 U.S. 231).

É o que o Direito Antitruste caracteriza como “per se violation”, uma violação da Lei Sherman. Contrapõe-se aela a adoção da “regra da razão”. Será oportuna a leitura da decisão da Suprema Corte americana no caso“Leegin Crea ve Leather v. PSKS (2007): “O recurso à regra per se deve ser limitado àquelas restrições quesempre ou quase sempre tendem a restringir a concorrência ou limitar a produção... que tenham efeitosmanifestamente anticompetitivos”.

370 U.S. 294.

Ver o “Syllabus”: “Stare decisis does not compel con nued adherence to the per se rule here. Because theSherman Act is treated as a common-law statute, its prohibi on on ‘restraints of trade’ evolver to meet thedynamics or present economic condi ons. The rule of reason’s case-by-case adjudica on implements thecommon-law approach”.

MAINGUY, Daniel et alii. Droit de la Concurrence. Paris: Litec, 2010. p. 14.

ASCARELLI, Tulio. Sul proge o di legge “an trust”, in Rivista Trimestrale di diri o e Procedura Civile, a. IV,1950, p. 752.

MA, Tay-Cheng. Antitrust and Democracy: Perspectives from Efficiency and Equity. In: Journal of CompetitionLaw & Economics, v. 12, n. 2, june 2016, p. 233-261 (Tay-Cheng Ma é Professor de Economia na ChineseCulture University, Taiwan).

MENDIZABAL ALLENDE, Rafael de. El tribunal de defensa de la competencia. Madrid: Revista de DerechoJudicial, 1965. p. 14.

VELASCO SAN PEDRO, Luís Antonio. La Política europea de la competencia ante el nuevo milênio. In: 50 añosde Unión Europea: Reflexiones desde la Universidad. Valladolid: Septem Ediciones, 2001. p. 249.

KAR, Nicole; COCHRANE, Emma; DOYLE, Verity. A Possible Par ng of the Ways. Compe on Law Insight –Antitrust Law and Policy in a Global Market, v. 15, issue 8, 28 july 2016, p. 16-17.

O Plano Marshall deve seu nome ao General George Marshall, Secretário de Estado do governo Truman. Foiassinado em 5 de julho de 1947 em Harvard, des nando-se à recuperação econômica dos países europeusdevastados pela guerra. Josef Stalin o rejeitou e proibiu aos países de sua órbita que o assinassem.

Vale aqui a observação de Farjat: “A caracterís ca, sem dúvida universal, das leis ‘an truste’, é que elascondenam as lesões à concorrência no seu ar go primeiro e as preservam nos ar gos seguintes. Poder-se-

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ia concluir daí que os poderes públicos dos países de economia capitalista seguem a palavra de JeanCocteau: “quando os acontecimentos nos ultrapassam, finjamos pelo menos que os estamos a organizar”(Droit économique. 1982. p. 470).

BERNINI, Giorgio. La Tutela della Libera Concorrenza e i Monopoli. I. Common Law e Legislazione An trustStatunitense. Milano: Giuffrè, 1963. p. 9.

Podemos antecipar desde logo a questão da pologia dos crimes contra a economia popular, pois queentendemos terem eles uma natureza pológica diferente daquela consagrada pelo Direito Penal. Neste,os crimes se caracterizam como lesões de bens essenciais do ser humano, e, por assim serem, são maisfacilmente apreensíveis por uma definição. Já a pologia em outras áreas do Direito não se podecaracterizar como no Direito Penal. Nelson Hungria, o grande comentarista da matéria, fez umaclassificação daquelas en dades criminais: “Pode dizer-se, de modo geral, que o decreto-lei n. 869considera crime contra a economia popular todo fato que represente um dano efe vo ou potencial aopatrimônio de um indefinido número de pessoas. As en dades criminais que ele define podem ser assimclassificadas: a) monopólios; b) ar cios, fraudes e abusos contra a economia popular; c) usura (pecuniáriae real). (Dos crimes contra a economia popular. 1939. p. 16).

Abusos do poder econômico: Direito e experiência antitruste no Brasil e nos E.U.A. 1966. p. 6.

Agamenon Magalhães foi certamente impulsionado pela lembrança do dinamismo de Delmiro Gouveia(1863-1917), que implantou a 300 quilômetros de Maceió a Companhia Agro Fabril Mercan l (fundada em1914), a primeira indústria, na América do Sul, a fabricar linhas para costura e fios para malharia. DelmiroGouveia foi assassinado em 1917. Posteriormente, um grupo escocês adquiriu a fábrica, e, em abril de 1930,um grupo de demolidores destruiu me culosamente todo o maquinário de fabricação inglesa e lançou nolocal da Cachoeira de Paulo Afonso os destroços. Livravam-se, assim, da concorrência de umempreendimento que se agigantava promissoramente no interior do Nordeste (Ver Delmiro Gouveia –Uma fábrica no sertão. Disponível em: <http://www.brasiloeste.com.br/noticia/729/>. Acessado em: 04.set. 2006).

Benjamin Shieber elabora um histórico bastante detalhado da tramitação desse projeto no Congresso. Cf.Abusos do Poder Econômico. 1966. p. 9-19. Ver também: BRANCO, Nelson de Azevedo; BARRETO, Celso deAlbuquerque. Repressão ao abuso do poder econômico - Lei antitruste. 1964. p. 51-54.

Abuso do Poder Econômico. Revista Forense, ago. 1949, p. 604.

Vide o § 1º do art. 2º do Decreto-lei n. 4.657/42, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Ao decidir o Recurso Especial n. 590.960/DF, o Ministro Luiz Fux se manifestou a respeito da “funçãojudicante” do CADE, citando trabalho meu: “A decisão proferida pelo CADE tem, portanto, no dizer de HELYLOPES MEIRELLES, uma natureza administra va, mas também jurisdicional, até porque a nova lei an truste,no art. 3º, como já salientado, conceitua o CADE como um ‘órgão judicante’. Não resta dúvida que asdecisões do CADE, pela peculiaridade de versarem sobre matéria especificamente complexa, que requerum órgão especializado, apresentam natureza bastante similar a uma decisão judicial. E o legislador quisexatamente atribuir a essa decisão uma natureza especificamente judicial, posto que de origemadministra va” (FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Lei de Proteção da Concorrência. Rio de Janeiro:

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Editora Forense, 2001. p. 312-313)”, DJ 21.03.2005, p. 234.

Seminário Internacional sobre Regulação e Defesa da Concorrência no Setor Bancário. Promoção doMinistério da Justiça e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE – e ASBACE.

Cf. Regimento Interno consolidado em 07 de outubro de 2014.

Relembre-se que a coletividade é a titular dos bens protegidos pela Lei.

Comissão Europeia, Relatório da Comissão, Relatório sobre a Polí ca de Concorrência 2012, p. 9-10. Cf.BULLETIN, nº 84 (417), The Polish Ins tute of Interna onal Affairs, September 13, 2012. EuropeanCommission, Press Release Database, 22 de abril de 2015.

Bork, R. H. The antitrust paradox: A policy at war with itself. 1993. p. 430.

BORK, Robert H.; SIDAK, J. Gregory. “… intent to harm rivals is not a useful standard in an trust.... Vigorouscompe tors intend to harm rivals.... To penalize this intent is to penalize compe on...” What does theChicago School teach about internet search and the antitruste treatment of Google? Journal of Compe onLaw & Economics, v. 8, n. 4, 2012, p. 663-700.

Tradução livre do original: Thanks to the contribution of the Chicago School of law and economics, the courtshave emphasized since the late 1970s that an trust law protects consumers by protec ng the compe veprocess.1 That process necessarily entails certain compe tors losing customers or exi ng the market whileother compe tors gain customers. In par cular, the Chicago School has helped to clarify the SupremeCourt’s ruling that a monopoliza on claim under sec on 2 of the Sherman Act requires, in addi on to thepossession of monopoly power in the relevant market, “the willful acquisi on or maintenance of thatpower as dis nguished from growth or development as a consequence of a superior product, businessacumen, or historic accident.” 2 This dis nc on between monopoliza on through unlawful means andgrowth from meritorious rivalry is crucial to examining the search prac ces for which an trust agencies inthe United States and Europe have been inves ga ng Google since 2010 (BORK, R.H.; SIDAK, J.G. What doesthe Chicago School teach about internet search and the an trust treatment of Google? Journal ofCompetition Law & Economics, v. 8, n. 4, dec. 2012, p. 663-700).

United States Circuit Court of Appeals, Second Circuit, 1945. 148 F. 2d. 416.

251 U.S. 417 (1920) 40 S.Ct. 293, 64 L.Ed. 343.

540 US 398 (2004). Verizon Communica ons Inc. v. Law Offices of Cur s V. Trinko. Julgado em 13 de janeirode 2004.

Idem, Ibidem.

Costuma-se usar a expressão “workable competition”, expressão que foi cunhada por J. M. Clark em 1940.

A respeito da avaliação da possibilidade de lesão à concorrência expressou-se a Juíza Federal RosimayreGonçalves de Carvalho, no Processo n. 1998.34.00.001835-3: “Noutro giro, não cabe às partes valorar se o atoconfigura concentração econômica prejudicial aos princípios estampados no ar go 1º da Lei An truste ounão, uma vez configuradas as hipóteses do art. 54, caput e parágrafo 3, devem submeter à apreciação doCADE, a quem compete avaliar se o agrupamento societário representará ofensa à livre concorrência oudominação do mercado. É cogente o disposi vo ao exigir a apresentação do ato ao CADE, previamente ou

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no prazo máximo de 15 (quinze) dias úteis, contados da sua realização” (Usiminas – Usinas Siderúrgicas deMinas Gerais S/A e Outras x Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE).

O texto original da Lei estabelecia R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais), mas a PortariaInterministerial n. 994, de 30 de maio de 2012, alterou o valor do faturamento.

Resolução n. 2, de 29 de maio de 2012.

Coleção SDE/CADE n. 01/2009. p. 19.

TROTT, Stephen. The Use of a Criminal as a Witness: A Special Problem. Lecture Supplement. October 2007.Revision. Trad. Sérgio Fernando Moro: “O Uso de um Criminoso como Testemunha: um problema especial”.Revista CEJ, Brasília, a. XI, n. 37, abr./jun. 2007, p. 68-93.

A criação do compromisso de cessação vem na esteira do Direito Antitruste norte-americano, com a figura do“consent decree”, estabelecido já no art. 5º do Clayton Act, de 1914. O texto do “Federal Rules of CivilProcedure”, de 1938, e o Tunney Act, de 1974, confirmam a utilização da medida nos processos antitruste.

Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, vol. II. Teoria geral de obrigações. 8. ed. 1986. p.173-174.

Assinala CALAMANDREI que em alguns países o incen vo legal à conciliação é cada vez maior em razão de“um crescente sen do de ce cismo contra a legalidade e contra a jus ça jurídica, tanto que se criou atémesmo uma palavra irônica para indicar a ilusão daqueles que creem poder resolver todas as controvérsiascom uma decisão segundo o direito (decisionismus); pode ocorrer assim que o favor com que se contemple afunção conciliadora vá de encontro com o descrédito da legalidade, e seja indício de um retorno à concepçãoda justiça como mera pacificação social” (Instituciones de derecho procesal civil según el nuevo código. v. I.1973. p. 199).

Foi Relator o Conselheiro Mércio Felsky.

Documento de Trabalho dos Serviços da comissão – Resumo da Avaliação de Impacto – Ações de indenizaçãopor violação das regras da EU no domínio an truste que acompanha a proposta de DIRETIVA DOPARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO rela va a certas regras que regem as ações de indenização noâmbito do direito nacional por infrações às disposições do direito da concorrência dos Estados-Membros eda União Europeia. (Estrasburgo, 11.6.2013 – SWD (2013) 204 final). Cf. KIRST Philipp & VAN DER BERGHRoger. The European Direc ve on Damages Ac ons: A Missed Opportunity to Reconcile Compensa on ofVic ms and Leniency Incen ves. In: Journal of Compe on Law & Economics, v. 12, n. 1, march 2016, p. 1-30.

POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. Ninth edition. New York: Wolters Kluwer, 2014. p. 3.

Éléments structurels d’une magistrature économique. Revue Trimestrielle de Droit Commercial, n. 3, juillet-septembre, 1977. p. 421.

JACQUEMIN, Aléxis ; SCHRANS, Guy. Éléments structurels d’une magistrature économique. RevueTrimestrielle de Droit Commercial, n. 3, juillet-septembre, 1977, p. 421-434.

BUCCIROSSI, Paolo et alii. Competition Policy and Productivity Growth: An Empirical Assessment. DiscussionPaper nº 22. Düsseldorf: Düsseldorf Institute for Competition Economics. May, 2011.

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70 LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Economia de Mercado e Magistratura Econômica. In: VIEIRA, JoséRibas. 20 anos da Cons tuição Cidadã de 1988 – Efe vação ou Impasse Ins tucional? Rio de Janeiro: GEN-Editora Forense, 2008. p. 49.

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ECONOMIA DE MERCADO E A CRISE FINANCEIRA

1. O FENÔMENO DA CRISEDesde a promulgação da Constituição de 1988, como já visto no Capítulo 3, vem-se implantando e aperfeiçoando

o regime de economia de mercado. Afastou-se o Estado da atividade empresarial, restrita agora a setoresindispensáveis para a segurança nacional (artigo 173 CF). A ação do Estado vem se firmando como normatizadora ereguladora da atividade econômica (artigo 174 CF). Para isso, a partir de 1997, começaram a ser criadas eimplantadas as agências reguladoras (vide capítulo 6).

A confiança na edificação de um novo capitalismo, de um neoliberalismo, veio aumentando a concretização dasliberdades no âmbito econômico. Essa harmonia e tranquilidade crescentes sofreram, contudo, um baque queinterrompeu e questionou o entusiasmo com as conquistas do liberalismo econômico.

O final do ano de 2007, todo o decorrer de 2008 e parte de 2009 foram caracterizados pelo desenrolar-se da crisefinanceira surgida nos Estados Unidos, pelos seus efeitos sobre o mercado mundial e pelas análises elaboradas portodos os setores para compreensão e tomada de posições frente àquele fenômeno.

Pareceu a muitos que se tratava de uma catástrofe irremediável que se abatia sobre todo o mundo, partindo dasgrandes potências econômicas e repercutindo sobre os países emergentes e mais gravemente sobre ossubdesenvolvidos, rompendo definitivamente com as estruturas de mercado que se desenvolviam gradativamente.Tratava-se, realmente, de uma crise de grandes proporções, que provocou medidas econômicas enérgicas e

corajosas por parte de todos os governos.1

Há que considerar, à primeira vista o que significa uma “crise”. Sólon estudou os ciclos de vida humana e chegouà conclusão de que, a cada sete anos, o ser humano atravessa uma fase de dificuldades e de mudanças queinterferem profundamente em seu modo de pensar e em sua ação. Assim, se referiu à crise dos sete anos, à crise daadolescência, à crise da juventude, chegando até aos setenta anos.

A palavra “crise” é de origem grega. O verbo “κρινω” significa “eu julgo”, donde o substantivo “κρισις” quesignifica “julgamento”. Não há como dizer que o fato de julgar ou o julgamento sejam maus. A palavra crise indica apostura do ser humano diante de um quadro de fatos que exigem sua análise, sua reflexão e decisão para tomaratitudes.

Se formos ao dicionário do Aurélio vamos encontrar uma série de significados da palavra “crise”. Ao se referir à“crise social”, define-a como uma “situação grave em que os acontecimentos da vida social, rompendo padrõestradicionais, perturbam a organização de alguns ou de todos os grupos integrados na sociedade”. Do ponto de vistaeconômico, define-a como um “ponto de transição entre um período de prosperidade e outro de depressão”.

Donde se deduz que a “crise” é um fenômeno de mudança social e econômica, que pode ser brusco ou leve, eque exige dos atores humanos uma reflexão, uma análise, uma decisão e uma ação. Pode-se assim dizer que a“crise” é em si mesma um fenômeno altamente produtivo, altamente criativo. O que marca o crescimento dahumanidade são as sucessivas crises, as sucessivas provocações de mudanças.

A vida humana, sob o aspecto quer biológico, quer social, quer econômico, quer político, não se realiza de forma

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absolutamente linear. A cada período de paz, de tranquilidade, ocorre uma turbulência, fonte de repensamento equestionamento da fase de quietude e de projeção de novo período de paz e de tranquilidade sob conteúdos e formasdiferentes. Toda crise, embora provoque muitas vezes sobressaltos, é sempre bem-vinda, porque é sempreimpregnada de fecundidade. Ela balança, quebra a ordem existente e constrange para produzir algo novo. Fazendoeco a Kant, Leonardo Boff afirma que “a paz é o equilíbrio do movimento e não a ausência do movimento. E oestado normal do universo é movimento, como também o da nossa vida. Nesse sentido, vejo que toda criseacrisola, purifica. A palavra crise é filologicamente muito fecunda, pois sua raiz, no sânscrito, significa

limpar, purificar”.2

2. CRISE – FENÔMENO CÍCLICOAs crises econômicas, sociais e políticas fazem parte de um desenrolar do pensamento e da vida da humanidade.

Sucedem-se periodicamente, em tratos de tempo mais ou menos longos. Cada crise provoca um questionamentocomposto de duas etapas: uma análise retroativa dos fatos e das relações de causa e efeito e a projeção criadorapara o futuro.

A título exemplificativo, pode-se estudar o surgimento da chamada revolução industrial, a partir da Inglaterra, emfinais do século XVIII e princípios do século XIX, que, com a introdução de novas tecnologias, conseguiu tornar osmétodos de produção mais eficientes – produzia-se maior quantidade em menor tempo; com isso o preço dosprodutos caiu, facilitando o consumo. No entanto, com a introdução de máquinas, tornou-se dispensável a mão deobra, com o que o desemprego cresceu enormemente. Por outro lado, como a disputa por emprego se tornou maior,os proprietários de fábricas passaram a preferir mulheres e crianças, impondo jornadas de trabalho excessivas.

Como reação a essa exploração, surgiram os movimentos sociais, na defesa dos trabalhadores. É verdade, assim,que a revolução industrial provocou o surgimento de novas posturas e análises críticas. Aquele fenômeno industrialprovocou toda uma série de mudanças econômicas, sociais e políticas.

A reação intelectual e doutrinária a essa situação de crise econômica e social ocorreu a partir das obras de Marx,Proudhon e da encíclica de Leão XIII, como já vimos no capítulo 3. Todo aquele trabalho de análise crítica resultounuma reformulação do liberalismo, sob o impacto do socialismo.

Donde se conclui que as crises, em lugar de causar a destruição e o desespero, são essencialmente um fenômeno

de projeção criadora de uma nova realidade. É a destruição criativa a que se refere Schumpeter.3

3. DIAGNÓSTICO DA CRISEMuito se escreveu a respeito da crise financeira e econômica de 2008, bem como sobre seus efeitos sobre a

permanência de uma política de economia de mercado, sobre a liberdade de conduta das empresas, sobre o retornoe incremento da intervenção do Estado na economia. Ao final deste capítulo apontam-se algumas fontes quepoderão servir de pesquisa para o aprofundamento da questão.

O início dessa crise verificou-se com a chamada “bolha imobiliária” nos Estados Unidos. Os bancosintensificaram o financiamento para a aquisição de imóveis, com garantia hipotecária. Não houve, contudo, umcuidado com a análise do valor garantidor do imóvel nem com a capacidade de pagamento futuro do tomador doempréstimo. Mas por qual motivo houve esse encaminhamento de recursos financeiros para o setor imobiliário?

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A resposta se encontra no contexto de medidas tomadas pelo Banco Central americano, a cuja frente estavaAlan Greenspan. A política adotada a partir de 2001 foi a de redução dos juros para incrementar o consumo einvestimentos produtivos. Com isso, os poupadores passaram a ter menor rendimento para suas poupanças. Osbancos, então, procuraram novas aplicações para aqueles recursos, mesmo que mais arriscadas. Grande parte dessapoupança foi encaminhada para o mercado de crédito imobiliário.

A valorização irreal dos imóveis, objeto de financiamento para aquisição, bem como a incapacidade real oupotencial dos tomadores de pagar os empréstimos, muita vez com emprego instável ou mal remunerado, não foram

objeto da atenção dos bancos, ávidos por maiores lucros.4

Essa questão foi analisada por ANDREW G. HALDANE, Diretor Executivo para a Estabilidade Financeira do

Banco de Inglaterra,5 em conferência realizada em 13 de fevereiro de 2009. Quais teriam sido as falhas demercado, decorrentes da falta de adequada mensuração dos riscos de gerenciamento, que teriam provocado oestouro do crédito? Segundo ele, essas falhas de mercado poderiam ser classificadas em três categorias, a saber, amiopia do desastre, as externalidades de rede e incentivos descontrolados.

Por miopia do desastre, entende ele a propensão dos agentes econômicos para subestimar a probabilidade deresultados adversos e também para desconsiderar eventos de um passado distante. Depois de um largo período detranquilidade econômica, a que ele denomina Era Dourada, os agentes econômicos perdem a sensibilidade paramaus eventos passados e a acuidade visual para prever problemas futuros. Foi, segundo ele, uma primeiraexplicação para a explosão repentina e inadvertida da crise.

As externalidades em cadeia, uma segunda razão, são uma das características da atividade financeira, pois osistema financeiro é composto por instituições financeiras que se interconectam mundialmente. Assim, avaliar osriscos dentro de toda essa cadeia constitui uma ciência muito complexa, que exige que se conheça não somente acontraparte de uma negociação, mas também a contraparte dessa contraparte, e assim por diante, o que geracontágio ou bolhas.

Em terceiro lugar, estaria o descontrole dos incentivos. Com as inovações introduzidas na comunicaçãofinanceira, passou a existir uma grande distância na cadeia entre o tomador final e o investidor. E no meio dessacadeia localizavam-se os gerentes e empregados de instituições financeiras, interessados em promover o maiornúmero possível de empréstimos sem submeter o risco dessas operações a seus superiores por receio de perderseus bônus ou mesmo seus empregos. Mas não se pode esquecer a desinformação das autoridades reguladoras,quer por ausência de iniciativa dos agentes financeiros, quer mesmo por excessiva confiança e descuido dasautoridades.

Os estudos e as observações da OCDE acompanharam muito de perto os problemas financeiros que deramorigem à crise. Diversas reuniões de chefes de Estado e de ministros da área econômica foram realizadas paradiagnosticar os problemas e para traçar direcionamentos para o futuro da atividade econômica. Na Comunicação do

G20, na Reunião de Ministros realizada em 8 e 9 de novembro de 2008,6 foi dito que “a atual crise financeira éamplamente um resultado do risco excessivo e das práticas inapropriadas de gerenciamento de risco nosmercados financeiros, sem consistência com as políticas macroeconômicas, que deram surgimento adesequilíbrios domésticos e externos, como também a deficiências na regulação financeira e na supervisãoem alguns países desenvolvidos”.

Apontaram, então, os ministros que o desafio central é o de resolver a crise financeira de uma forma duradoura e

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mitigar o seu impacto, adotando medidas compreensivas, coordenadas e tempestivas, para evitar que novosdesastres financeiros ocorram, como acentuou Maílson da Nóbrega, “nas barbas de multidões de analistas

financeiros, economistas, comentaristas, banqueiros, reguladores”. 7 As medidas a serem tomadas deverãorestaurar o crescimento e a estabilidade financeira, como também minimizar os impactos sociais negativos sobre ospaíses emergentes e subdesenvolvidos.

Como observou Mailson da Nóbrega, uma saída tola seria culpar o neoliberalismo pela crise. Esta não surgiu dacrença cega na economia de mercado, na liberdade de mercado, mas sim da intervenção do Estado, que editounorma favorecedora do financiamento da casa própria para milhões de americanos que, ou não tinham condições desaldar seus débitos, ou supervalorizaram seus imóveis para obter mais dinheiro. Assim surgiu e explodiu a bolha

imobiliária que deu origem à crise.8

Colaborando com o esforço mundial para superação da crise financeira e econômica, a OCDE defende o pontode vista segundo o qual “mercados florescentes são cruciais para o crescimento e a prosperidade”. Aceito estepressuposto de uma economia de mercado, a crise atual veio lembrar a necessidade e a importância “de um quadroregulamentar sólido e eficaz e de uma vigilância adequada”. A crise foi resultado, quer das falhas de mercado,quer também da falência das ações dos poderes públicos.

Se, como ensina Saint-Exupéry, a derrota fortifica os fortes, as crises servem para fortificar as instituiçõessociais. A crise lança o desafio, não de destruir o mercado, ou de reforçar o Estado, mas de construir um quadromais sólido de governança empresarial e de regulação estatal, com o que se conseguirá um equilíbrio razoável entreo funcionamento adequado dos mecanismos de mercado e a ação reguladora dos poderes públicos. O que se deveráfazer, para conseguir esse objetivo, é reforçar tanto a instituição da economia de mercado, quanto a atuação

reguladora eficiente do Estado.9 Assim é que a OCDE sugere a adoção e o respeito a alguns princípios para areforma, restaurando a confiança pública nos mercados financeiros, e também princípios para guiar a estratégia daretirada paulatina das medidas de apoio para superação da crise.

Ainda em 2009 a OCDE publicou o livro The financial crisis: reform and exit strategies,10 em que estabeleceos princípios que devem orientar a reforma dos incentivos no mercado financeiro e os que devem estar à frente dasmedidas a serem tomadas para a estratégia de saída da crise. O livro expõe um sumário dos temas maisimportantes, que merece ser transcrito:

Princípios para reforma

É necessário discu r muitas questões para restaurar a confiança pública nos mercados financeiros epara colocar em ordem os incen vos para encorajar um balanço prudente entre risco e a busca doretorno na a vidade bancária. Enquanto há considerável espaço para flexibilidade em níveisespecíficos, algumas poucas prioridades estratégicas para a reforma política sobressaem:

Tornar mais eficiente o quadro regulatório, enfa zar as regras prudenciais e negociais de conduta ereforçar os incentivos para sua aplicação.

Realçar a integridade e transparência dos mercados; como prioridades deve incluir-se a abertura eproteção contra fraudes.

Reformar a regulação do capital para assegurar mais capital de risco (e menores influências) nosistema.

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Evitar obstáculos para os fluxos de investimento internacional.

Fortalecer a governança das ins tuições financeiras e assegurar prestação de contas para proprietáriose credores com capital de risco.

Uma vez passada a crise, permitir que pessoas com capital de risco, inclusive grandes credores, percamdinheiro quando cometem enganos.

Fortalecer o entendimento de como as polí cas tributárias afetam a estabilidade dos mercadosfinanceiros.

Dar resposta à acrescida complexidade dos produtos financeiros e à transferência de risco (inclusive orisco de longo prazo) para os lares com uma educação melhorada e com programas de proteção aoconsumidor.

Princípios estratégicos para a saída da crise:

As reformas com estes direcionamentos deverão ser concre zadas o mais rápido possível. Aestabilização da situação econômica e financeira levará tempo. Mas logo que isso aconteça, osgovernos precisarão começar o processo de distanciamento das medidas extraordinárias de apoio queforam se acumulando no período de contenção da crise. Como a situação estará ainda frágil, arecuperação não deverá ser ameaçada por uma precipitada re rada das diversas medidas de apoio.Conduzir corretamente o processo de saída será mais importante do que fazê-lo rapidamente. Emborahaja espaço para pragma smo, princípios claros para guiar o processo devem ser estabelecidos desdelogo. E seriam:

O prazo para saída estará condicionado em parte pela evolução da reforma regulatória e outrasconsistentes com os princípios acima.

Os níveis dos campos de concorrência efe va deverão ser reestabelecidos e o apoio deverá serretirado.

As empresas viáveis deverão ter sua saúde restaurada e expecta va de operar em base comercial nomercado.

O apoio não deverá ser re rado precipitadamente, mas deverá ser avaliado numa basecrescentemente realista.

Se as empresas beneficiárias não encontrarem meios para se desvincular do apoio, então estaavaliação deverá conter um elemento crescente de punição.

Na medida em que conjuntos de patrimônio líquido se tornarem disponíveis, as empresas depropriedade ou controladas pelo Estado deverão ser priva zadas, esperando-se que operem semrecurso a quaisquer garantias implícitas que a propriedade de estado inclui.

Os maus a vos que permanecerem em mãos do governo deverão ser administrados de forma arecuperar o máximo possível para o contribuinte.

Reforçar a confiança pública e a estabilidade financeira dos sistemas privados de pensão e promover

formas de organização mista para reduzir o risco.11

A análise da crise mundial foi feita também por BENTO XVI, em sua recente encíclica Caritas in Veritate. Alição de um humanismo integral, que parte do princípio da liberdade enriquecedora de cada pessoa e de todos,

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eliminadora das desigualdades sociais, enfatiza o pensamento de que “somente se for livre é que odesenvolvimento pode ser integralmente humano; apenas num regime de liberdade responsável, podecrescer de maneira adequada”. Ao se referir à crise, o Papa evita uma atitude de derrotismo e defende anecessidade de criação de uma nova realidade:

Os aspectos da crise e das suas soluções bem como de um possível novo desenvolvimento futuroestão cada vez mais interdependentes, implicam-se reciprocamente, requerem novos esforços deenquadramento global e uma nova síntese humanista. A complexidade e gravidade da situaçãoeconômica atual preocupa-nos, com toda jus ça, mas devemos assumir com realismo, confiança eesperança as novas responsabilidades a que nos chama o cenário de um mundo que tem necessidadede uma renovação cultural profunda e da redescoberta de valores fundamentais para construir sobreeles um futuro melhor. A crise obriga-nos a projetar de novo o nosso caminho, a impor-nos regrasnovas e encontrar novas formas de empenhamento, a apostar em experiências posi vas e rejeitar asnega vas. Assim a crise torna-se ocasião de discernimento e elaboração de nova planificação. Com

esta chave, feita mais de confiança que resignação, convém enfrentar as dificuldades da hora atual.12

4. OS “ISMOS”Os substantivos derivados de adjetivos e que denotam doutrinas, filosofias ou tendências formam-se com o

acréscimo do sufixo “ismo”. Assim, de “cristão” temos “cristianismo”, de “judaico” temos “judaismo”, de“fundamental” temos “fundamentalismo”. De “radical” temos “radicalismo”, como de “sectário” temos“sectarismo”. Observa Leonardo Boff que muitas dessas palavras adquirem, conforme o contexto, o sentido deacusação. Mas “fundamentalista”, “capitalista” é sempre o outro. No campo das doutrinas sociais, políticas eeconômicas, quando queremos diagnosticar as causas dos problemas da humanidade, dizemos que uma delas é o“liberalismo” ou o “capitalismo”. Ou, colocando-nos do ângulo oposto, encontramos o mal da sociedade no“socialismo” ou no “comunismo”.

A recente crise financeira e econômica deu ensejo à procura dos fenômenos sociais causadores daquelaconvulsão social e econômica. E foi fácil encontrar: vamos condenar o “capitalismo”, vamos reduzir a pó o“liberalismo”.

Se não podemos condenar uma pessoa, sem o devido processo legal, através do qual analisamos a situaçãoconcreta, a situação pessoal, a situação social, e assim por diante, para ter uma visão completa do problema, tambémnão podemos aprioristicamente aprovar, ou condenar uma doutrina, uma filosofia, uma tendência (social, econômicaou política) sem uma análise acurada de seu significado e, principalmente, sem ter em conta a evolução dessesignificado dentro do contexto social, econômico e político concreto.

O termo “liberalismo” significa a defesa da liberdade no campo social, econômico e político. Do ponto de vistapolítico, enaltece-se a liberdade do indivíduo perante a autoridade constituída. As constituições, a partir daDeclaração de Virgínia e da Revolução Francesa, consagram a liberdade do cidadão, tracejando limites à autoridadedo Estado e dos governantes. No campo econômico, o liberalismo se caracteriza por propugnar pela liberdade dosagentes econômicos dentro do mercado, com ausência de intervenção do Estado ou mesmo com uma forma deregulação estabelecida nos limites da constituição.

Para entender o que significou “liberalismo” no final do século XVIII e começo do século XIX, é necessário ver

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o contexto social, político e econômico. O liberalismo surgiu como oposição semântica a “absolutismo”,“despotismo”.

O importante é ter sempre em vista a “medida” desse liberalismo, levando sempre em conta que o poder decriação, de organização e de invenção provém da iniciativa individual, mas também do fato de a sociedadeproporcionar aos indivíduos a implementação dessa iniciativa. Daí a necessidade de exercício da liberdade noslimites do bem público.

5. O FIM DO CAPITALISMOSchumpeter, ao fazer a análise crítica do capitalismo, do socialismo e da democracia, nos leva à reflexão sobre

tais conceitos e sua inserção no mundo da realidade social, econômica e política.

As afirmações por ele feitas em seu livro “Capitalismo, socialismo e democracia” têm de ser entendidasdentro do contexto de formação e afirmação de sua vida intelectual e do contexto social da época em que escreveuo livro.

Joseph Alois Schumpeter nasceu em 1883 e morreu em 1950, sendo, pois, contemporâneo da explosão docapitalismo, de sua crítica, de sua crise e de seu confronto ideológico com o socialismo. Essa colocação contextual éimportante para entender a leitura de Capitalismo, socialismo e democracia. Este livro teve sua primeira ediçãoem 1942 e a segunda em 1946, depois da segunda grande guerra mundial. E nesta edição acrescentou um novocapítulo.

É verdadeiramente provocadora sua afirmativa na “Preliminar” da parte segunda do livro: “Pode sobreviver ocapitalismo? Não; não creio que possa”. Logo assinala que se deve partir de uma análise detalhada dos fatos,sem o que não haverá ciência, mas profecia. E esta não é função do cientista. Nessa análise da vida social interfereum sem-número de variáveis que tornam até a simples diagnose muito difícil, que não dizer uma prognose. E a fraseacima vem explicada ainda no capítulo preliminar:

… a tese que me esforçarei por fundamentar é a de que as realizações presentes e futuras do sistemacapitalista são de tal natureza que rechaçam a ideia de sua derrocada sob o peso da quebra econômica,mas que o mesmo êxito do capitalismo mina as ins tuições sociais que o protegem e cria,“inevitavelmente”, as condições em que não lhe será possível viver e que assinalam claramente o

socialismo como seu herdeiro legítimo…13

No capítulo 28 do livro, Schumpeter destaca o paradigma inglês da vitória do socialismo, que não foi possível serprevista pelos primitivos pensadores socialistas:

Também observamos outra coisa que não previram nem podiam prever, a saber: a extensão em queresultaria possível expropriar a estrutura burguesa sem destruir formalmente o marco legal da ordemcapitalista e por métodos tão pouco revolucionários como a imposição de tributos e as medidas de

política salarial.14

Pela análise que faz do socialismo, percebe-se que não endossa nem uma nem outra dessas posições, passando adar uma contribuição própria para uma equilibrada ponderação desses dois movimentos sociais.

Diferentemente de Schumpeter, Paul Krugman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2008, refere-se ao

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“capitalismo triunfante”, tecendo a história do colapso do socialismo “não só como ideologia dominante, mas

também como ideia capaz de influenciar o raciocínio”.15

Paul Krugman observa que “como na era vitoriana, o capitalismo é seguro não só por causa de seusucesso – que, como veremos daqui a pouco, tem sido muito real – mas também porque ninguém tem

alternativa plausível”.16

Amartya Sen, depois de citar as crises de 2008, propõe dois questionamentos: um sobre a natureza docapitalismo, e outro sobre a necessidade de ser ele mudado. Aborda a questão com três perguntas:

• Precisamos realmente de uma espécie de um “novo capitalismo” ou de um sistema econômico quenão seja monolí co, que seja formado por uma diversidade de ins tuições escolhidaspragmaticamente, e que seja baseado em valores sociais que possamos defender eticamente?

• A segunda pergunta se refere à espécie de economia que é necessária hoje, especialmente perante acrise econômica atual. Como avaliamos o que é ensinado e defendido entre os economistas acadêmicoscomo um guia para a polí ca econômica – inclusive a revivescência do pensamento de Keynes nosúltimos meses na medida em que a crise se tornou mais violenta?

• Terceiro, além de construir nosso caminho para uma melhor avaliação de quais mudanças de longoprazo sejam necessárias, temos que pensar – e pensar rápido – sobre como sair da crise atual com o

menor dano possível.17

Depois de uma análise de todo o panorama da crise e de uma releitura do pensamento de Adam Smith,18 concluinão ser necessário um “novo capitalismo”, mas sim uma releitura de antigas ideias e principalmente umaprofundamento da relação entre ética e economia:

As atuais crises econômicas, reafirmo, não exigem um “novo capitalismo”, mas exigem um renovadoentendimento de an gas ideias, como aquelas de Smith e, mais perto do nosso tempo, de Pigou,muitas das quais foram lamentavelmente esquecidas. O que também é necessário é uma percepçãoclarividente de como as diversas ins tuições concretamente funcionam e de como uma diversidadede organizações – desde o mercado até as ins tuições de Estado – pode ir além de soluções de curto

prazo e contribuir para produzir um mundo econômico mais decente.19

6. A GLOBALIZAÇÃOA crise de 2008 reforçou também o questionamento da globalização.

Ao escrever a respeito do impacto da globalização sobre os direitos humanos, FRANK J. GARCIA se pergunta:“Mas o que é globalização?” Pondera que a descrição dos direitos humanos, ou pelo menos sua enumeração,poderia ser encontrada na Declaração dos Direitos Humanos, no texto da ONU de dezembro de 1948. E aglobalização? Poderia ela ser vista justamente nos fatos econômicos que se concretizaram na reformulação domercado e sua infraestrutura reguladora. Não há dúvida de que os direitos humanos estão sendo afetados. Mas étambém a ocasião para sua efetivação e solidificação. Para isto será necessário haver uma competente atuaçãoregulatória do Estado, com o que se garantirá a inalienabilidade dos valores humanos dentro do contexto de

mercado.20

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Em lugar de procurar definir, talvez seja melhor descrever o fenômeno, analisar as formas concretamentehistóricas pelas quais ele se manifestou e se desenvolveu. Esse seria um trabalho descritivo e analítico de situaçõesconcretas em diversas partes do mundo.

Aceitando o pressuposto de que a abertura política, a estabilização econômica e a reforma social são os grandesdesafios com que se defronta a América Latina, lembra JOSÉ EDUARDO FARIA que as relações internacionaisse caracterizam hoje por dois movimentos diametralmente opostos:

• o da globalização ou integração econômica, alimentado pelos interesses polí cos, comerciais eeconômico-financeiros dos oligopólios, dos grandes bancos e de alguns poucos governos nacionais;

• o da balcanização ou fragmentação sociocultural, uma vez que a globalização é um processo dedecisões privadas e públicas tomadas na forma de sucessivos e inacabados desafios e ajustes, gerandointensas transformações, cujas origens e consequências são extremamente complexas por causa de

suas múltiplas dimensões não econômicas.21

Para concretização daqueles três pressupostos, os Estados adotaram três estratégias fundamentais:desregulação, deslegalização e desconstitucionalização. Através dessas estratégias, partindo da verificação deque o Estado se mostrou ineficiente na condução ou na direção da atividade econômica, procura-se transferir para aesfera privada todas aquelas atividades econômicas antes sob o encargo do Estado. As normas regentes daatividade econômica passaram a ser vistas como um obstáculo para o desenvolvimento. Era preciso exercer asatividades econômicas com mais eficiência. E isto somente seria possível com a transferência das empresas públicaspara as mãos de particulares, nacionais ou estrangeiros.

As empresas não têm mais nacionalidade. Esta foi derrubada e as empresas transpuseram os limites territoriaisdos Estados. À internacionalização seguiu-se a mundialização ou globalização. Os Estados passam a dependerdiretamente da conjuntura mundial ou daquela de seus grandes parceiros. Surge um espaço mundial cada vez maisunificado, em decorrência das trocas internacionais, com uma interdependência macroeconômica. Esse espaçounificado coloca em contato todo um conjunto de sistemas econômicos díspares, criando novos problemas para que

cada partícipe dessa nova comunidade formule suas políticas e tome suas decisões.22 É óbvio que há uns poucosindependentes e a grande massa dos países dependentes, que recebem dos primeiros a receita de seucomportamento. E este deverá pautar-se pela conduta e pelas exigências dos primeiros. A abertura política, aestabilização econômica e reforma social, com exigências de desregulação, deslegalização e desconstitucionalização,são impostas aos países em desenvolvimento através de um receituário político, econômico e social a que sedeu o nome de consenso de Washington. Da obediência a esse receituário e da onda de globalização decorreu, nocampo agora sob estudo, uma crescente onda de desemprego.

Mas o desemprego pode e deve ser visto também como consequência da busca da eficiência e da inovaçãotecnológica. “Com efeito, a inovação é a procura e a descoberta, desenvolvimento, melhoramento adoção ecomercialização de processos novos, de produtos e de estruturas e procedimentos organizacionais. Ela

envolve incerteza, assunção de riscos, exame e reexame, experimentação e testes”,23 que constituem pontoscentrais da globalização.

Ao falar de globalização, temos de admitir que as empresas estão no centro do processo. As empresasmultinacionais são um exemplo típico desse rompimento das fronteiras nacionais e de avanço dominador sobreoutros mercados. Por que as empresas deslocam seus centros de produção em lugar de continuar adotando uma

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estratégia de exportação? Quais foram os fatores determinantes da multinacionalização?

A decisão das empresas de produzir no estrangeiro decorre ordinariamente da existência de imperfeições demercado. As empresas procuram situar-se em países em que lhes seja mais fácil o acesso às matérias-primas, emque a mão de obra seja mais barata. O domínio de inovação tecnológica é também um fator de extensão dostentáculos da empresa para outros países.

Enveredando por esse caminho, as empresas estarão adotando uma concepção de organização mundial, que lhes

permitirá aproveitar de vantagens concorrenciais.24

6.1. A eficiência e a inovação como fontes do desempregoAs empresas que quiserem sobreviver deverão investir, ou fundir-se para concorrer. E o sucesso na concorrência

dependerá da eficiência, quer a alocativa, quer a distributiva, quer a produtiva (economias de escala e custos detransação), quer a dinâmica. As empresas transpõem os limites nacionais para buscar parceiros, ampliando seumercado. As empresas evoluem qualitativamente, estendem a amplitude de seus mercados, aumentam e fortalecem

a concorrência.25

A partir do momento em que surgem inovações tecnológicas, haverá inegavelmente reflexos nos níveis deemprego. A empresa que antes precisava de trezentos empregados para o setor de contabilidade, por exemplo,passará a ter necessidade de, no máximo, dez ou menos para desempenhar as mesmas tarefas.

Que fazer? Impedir a evolução tecnológica em nome da proteção do maior número de empregos? Deixar deinvestir em pesquisa e desenvolvimento é voltar as costas para o futuro. A evolução tecnológica está aí como umfato inevitável e inegável. Não adianta, como o salmista, dizer “super flumina Babylonis illic sedimus et

flevimus.”26 Talvez haja algo mais substancial a fazer do que simplesmente deplorar e chorar as “cebolas doEgito”. Se não há mais como construir pirâmides, talvez seja possível descobrir um novo mundo a construir. E essenovo mundo deverá reger-se por novas leis, novo ordenamento jurídico, através dos quais, aí sim, deverá procurar-sesempre preservar a dignidade da pessoa humana, observando mandamento ético que vem atravessando ostempos e que se incorpora na atual Constituição Federal.

As pequenas e médias empresas, que surgiriam a partir da nova iniciativa dos desempregados, e por elesmantidas, teriam condição de sujeitar-se às mesmas exigências legais, de ordem trabalhista, tributária eprevidenciária, que são impostas às grandes empresas? Ou o “dono” da pequena e média empresa e seus

“empregados” estariam se unindo numa nova forma societária para a descoberta de um novo mundo?27

Ao tratar deste tema, pareceu-me importante submetê-lo à opinião de um Economista. Pedi ao então Conselheirodo Conselho Administrativo de Defesa Econômica, Prof. Dr. Ruy Santacruz que fizesse uma crítica ao que já haviaredigido. Sua análise é valiosa, e por isso a transcrevo integralmente, para não deturpar o seu pensamento:

Globalização não me parece um fenômeno econômico. Também é econômico, mas é muito mais doque isso. Globalização econômica é um termo moderno para um processo an go, que se aprofundouapós a Segunda Guerra Mundial, de internacionalização do Capital das empresas e,consequentemente, de aproximação e integração das economias nacionais.

Mas globalização é muito mais, sendo fruto direto do desenvolvimento da tecnologia de informação.

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Globalização é informação. Com informação disponível, abundante, observa-se um inevitávelprocesso de aproximação cultural entre as nações. Esse corte sociológico ou antropológico dofenômeno não pode em hipótese alguma ser encarado como uma imposição de uma ou mais culturasdominantes sobre outras, dominadas. Essa é uma visão terceiro-mundista empobrecida.

Do ponto de vista econômico, a informação rápida e abundante perante aplicações financeirasimediatas entre agentes econômicos separados por oceanos faz com que os efeitos financeiros nummercado se espalhem nos demais. Ou melhor, o mercado financeiro tornou-se único. Contra grandes epequenas nações, como se viu na década de 80, quando o dólar se desvalorizou em mais de 100% emrelação à moeda japonesa, como consequência da especulação internacional e contra a vontade dasautoridades norte-americanas. Ou a favor de grandes e pequenos, como se viu na década de 90,quando o fluxo financeiro em direção aos países menos desenvolvidos se intensificou, criandoespaços para novos inves mentos e para o desenvolvimento econômico com a criação de novosempregos.

Já do ponto de vista da integração econômica produ va (e não apenas financeira) das nações, a perdade nacionalidade das empresas conduz as decisões privadas para as melhores oportunidades de lucro,onde quer que estejam. Soma-se a esse fato a crescente automatização da produção e a necessidadede se obter ganhos de eficiência e produtividade para fazer frente à crescente pressão da concorrênciainternacional.

Tem-se, pois, um quadro de desemprego estrutural, isto é, desemprego decorrente não de umaqueda na atividade econômica, mas da simples extinção do posto de trabalho.

O fato é que a busca por ganhos de produ vidade acaba com o emprego, entendido como a relaçãotradicional de trabalho, estável e dependente entre empregado e empregador, criando uma demandapor trabalho, sem vínculo estável.

O novo trabalhador não se enquadra mais no sistema fordista. A especialização é subs tuída pelageneralização. A relação de trabalho tradicional tende a se reduzir, bem como o desemprego aaumentar. Essa situação traz uma contradição em si; ao reduzir o emprego e o número de empregados,reduz a renda disponível para consumo. Assim, desemprega-se para ganhar produ vidade e lucrarmais (ou não perder lucro para a concorrência). Mas a consequência é a redução de consumo, quedanas vendas, perdas de lucratividade.

Do ponto de vista da Jus ça do Trabalho, parece-me ser esta uma fase de transição longa, muito longa,para um sistema ainda desconhecido. Nessa transição, o empregado (no an go sistema) precisarámais do que nunca da proteção do Estado.

O papel do C.A.D.E. nessa situação é ambíguo. Focalizado no consumidor, não pode se posicionarcontra estratégias empresariais que busquem a inovação tecnológica, com a melhoria da qualidade

dos produtos, redução de custos e preços.28 O problema é que isso vem normalmente acompanhadode automação empresarial e consequente fechamento de pontos de trabalho, terceirização daprodução com perda de vínculo empregatício, etc.

De fato, sempre que uma operação de aquisição reduz a concorrência, o CADE só pode aprová-la setrouxer eficiências econômicas, principalmente na forma de redução de custos, aumento de

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produtividade, obtidos frequentemente com a perversa automação, terceirização, etc.

Nesse quadro, entendo que cabe ao governo es mular o treinamento para que o trabalhador queperdeu o emprego possa obter trabalho. Também cabe ao governo proteger e es mular as a vidadesque garantem emprego, sem se tornar obstáculo à busca de eficiência produ va. Cabe ao Estadoproteger o trabalhador com vínculo emprega cio tradicional, nesse momento em que as empresasacenam com o fantasma do desemprego para subtrair direitos.

Não se pode concluir esta análise sem trazer o ensinamento de Bento XVI, na encíclica Caritas in veritate. Aofalar da globalização salienta que a vida econômica tem necessidade do contrato para regular as transações, masdeve ir além desse aspecto formal na exigência de leis justas e de formas de redistribuição guiadas pela política,que tragam em seu certe o espírito do dom. E afirma: “A economia globalizada parece privilegiar a primeiralógica, ou seja, a da transação contratual, mas direta ou indiretamente dá provas de necessitar também das

outras duas: a lógica política e a lógica do dom sem contrapartidas”.29

7. PERSISTÊNCIA DE UMA ECONOMIA DE MERCADOA crise financeira de 2008 serviu para reforçar a ideia de uma economia de mercado, mais sólida, mais humana,

mais carente de eliminar as desigualdades sociais. Não será necessário mudar o capítulo VII da ConstituiçãoFederal de 1988. Será importante, isto sim, reforçar e dar maior transparência à sua aplicação. Deve-se procurarsolidificar o conceito e a prática de uma economia de mercado, em que todos tenham participação efetiva. Deve-se,por outro lado, tornar mais pujante e transparente a atuação reguladora do Estado.

A subsistência de uma economia de mercado é analisada no capítulo III da encíclica Caritas in Veritate, que édedicado ao tema da fraternidade, desenvolvimento econômico e sociedade civil. Salientam-se dois aspectosnegativos da atuação humana. Em primeiro lugar, a convicção de autossuficiência e de conseguir eliminar os malesapenas com a consecução do bem-estar material. Em segundo, a convicção de autonomia para a economia,eliminando influências “morais”, impelindo o homem a abusar dos instrumentos da economia de forma destrutiva.

Esses dois aspectos negativos não destroem a necessidade da existência um mercado, consistente com o idealhumano da solidariedade. O mercado foi construído e aperfeiçoado através dos tempos pela ação inteligente dohomem num esforço para reunir as pessoas, e não para separá-las. É o que enfatiza Bento XVI:

O mercado, se houver confiança recíproca e generalizada, é a ins tuição econômica que permite oencontro entre as pessoas, na sua dimensão de operadores econômicos que usam o contrato comoregra das suas relações e que trocam bens e serviços entre si fungíveis, para sa sfazer as suascarências e desejos… De fato, deixado unicamente ao princípio da equivalência de valor dos benstrocados, o mercado não consegue gerar a coesão social de que necessita para bem funcionar. Semformas internas de solidariedade e de confiança recíproca, o mercado não pode cumprir plenamente aprópria função econômica.

A a vidade econômica não pode resolver todos os problemas sociais através da simples extensão dalógica mercan l. Esta há de ter como finalidade a prossecução do bem comum, do qual se deve ocupartambém e sobretudo a comunidade polí ca. Por isso, tenha-se presente que é causa de gravesdesequilíbrios separar o agir econômico – ao qual compe ria apenas produzir riqueza – do agir

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político, cuja função seria buscar a justiça através da redistribuição.30

Encontramos essa visão humanista da economia também em Amartya Sen, que procura mostrar que a economiado bem-estar pode ser substancialmente enriquecida através do contato permanente com a ética. Segundo ele, o“aspecto do bem-estar” não pode ser entendido adequadamente sem a preocupação com a justiça distributiva, em

que a visão da pessoa transcende a figura de cada indivíduo para englobar todos os que compõem o grupo social.31

E essa ideia encontra raízes em Adam Smith e no pensamento dos estoicos. Smith é conhecido mais pelo seuaspecto de economista, destacando-se sua defesa do liberalismo econômico. Esquece-se sua vertente filosófica, quedesponta como uma atualidade impressionante. A leitura da sua Teoria dos sentimentos morais traz umacontribuição inestimável para a adequada visão de uma economia de mercado. Logo no capítulo primeiro insiste naideia de simpatia e de solidariedade:

Por mais egoísta que se possa supor o homem, há evidentemente certos princípios em sua naturezaque o levam a se interessar pela sorte dos demais e que lhe tornam necessária a sua felicidade,embora disto nada obtenha, a não ser o prazer de vê-los felizes. De tal natureza é a piedade e acompaixão, isto é, a emoção que experimentamos diante da miséria alheia, quer a vejamos, quersejamos levados a imaginá-la com muita vivacidade. É fato por demais manifesto que nosso pesarprovém do pesar dos outros, dispensando-se a apresentação de exemplos para prová-lo. Com efeito,este sen mento, como todas as outras paixões originais da natureza humana, não é experimentadosomente pelos homens virtuosos e dotados de humanidade… O malfeitor mais brutal, mais

endurecido dentre os que violam as leis da sociedade, não carece totalmente deste sentimento.32

Enfatiza Adam Smith os sentimentos do amor, da gratidão, da amizade e da mútua estima, com os quais asociedade se torna florescente e feliz. Mas esta benquerença não é suficiente, pois que sem justiça ela se destrói:

A sociedade, todavia, não pode subsis r entre aqueles que estão sempre propensos a prejudicar-se ea causar danos reciprocamente. Desde que sobrevêm os prejuízos, desde que se instalam oressen mento recíproco e a animosidade, todos os laços da sociedade são desfeitos… A benevolênciaé, portanto, menos essencial para a existência da sociedade do que a jus ça. A sociedade podemanter-se sem benevolência […] mas o predomínio da injus ça a destruirá absolutamente. Abenevolência é o ornamento que embeleza mas não o fundamento que suporta o edi cio… Aocontrário, a jus ça é o pilar principal que sustenta toda a construção. Se for suprimida, o grande eimenso edi cio da sociedade humana, cuja construção e sustentação parecem ter sido o cuidado

particular e o desvelo da Natureza, este edifício seria instantaneamente reduzido a átomos.33

Não se esquece Adam Smith de mostrar que no mercado deve haver concorrência; todos têm o direito de obtermaior vantagem do que os concorrentes, mas deve haver um jogo leal. A lealdade impõe aos contendores o respeito.O concorrente desleal atrairá fatalmente o ódio da sociedade:

Na corrida em direção às riquezas, às honras e aos favores, o homem pode correr o mais rápido quelhe seja possível e tensionar cada músculo e cada nervo para ultrapassar todos os seus concorrentes.Mas se ele quisesse atropelar e derrubar qualquer deles, acabaria a indulgência dos espectadores. É

uma violação do jogo leal que não podem admitir.34

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Vê-se, pois, que o liberalismo do economista vinha já delimitado pelos conceitos morais e éticos do professor defilosofia.

A relação entre economia e ética é exposta por Amartya Sen, como uma relação de origem.35 A economia, nocampo da política, se originou da “ética” e daquilo a que ele denomina “engenharia”. Para a primeira, busca apoioem Aristóteles, na Ética a Nicômaco e na “Política”, para a segunda, num contemporâneo indiano de Aristóteles,ambos do século V antes de Cristo, Kautilya, em “Arthasastra”.

Em Aristóteles estão dois pontos éticos, o do valor maior e o do altruísmo. Afirma ele que “a vida empenhadano ganho é uma vida imposta, e evidentemente a riqueza não é o bem que buscamos, sendo ela apenas útil

no interesse de outra coisa”,36 e enfatiza que “o fim do Estado é a promoção comum de uma boa qualidade

vida”.37 Além dessa defesa da existência de um bem maior a ser alcançado, mostra que essa busca deve ir além doindivíduo e envolver a sociedade: “Ainda que valha a pena atingir esse fim para um homem apenas, é mais

admirável e mais divino atingi-lo para uma nação ou para cidades-Estados”.38

Relativamente à abordagem “engenheira”, a obra Arthasastra, de Kautilya, traça as“instruções para aprosperidade material” destinadas a dar ao imperador indiano Chandragupta diretrizes práticas para governo.

A economia tem de buscar fundamentos mais profundos na moral e na ética, é o que afirma Amartya Sen:

Eu gostaria de afirmar que as questões profundas suscitadas pela concepção de mo vação e realizaçãosocial relacionada à é ca precisam encontrar um lugar de importância na economia moderna, mas aomesmo tempo é impossível negar que a abordagem da engenharia também tem muito a oferecer à

economia.39

8. O DIREITO ECONÔMICO DEPOIS DA CRISETodos esses acontecimentos que jogaram tanto os países desenvolvidos quanto os emergentes, e mais ainda os

subdesenvolvidos, numa espiral de preocupação e de medo, conduziram-nos também a tomar medidas econômicasde emergência. Tais medidas envolveram os Estados numa nova postura de socorro, de regulação, para evitar malessistêmicos de dimensões impossíveis de previsão.

Esse quadro trouxe questionamentos sobre a dimensão das mudanças que deveriam processar-se noordenamento jurídico. A sociedade se defronta sempre com uma evolução em que atuam duas forças dedirecionamento muitas vezes conflitante. Há uma força voltada para o passado, procurando preservar os valoresfirmados pela tradição, aqueles que se consolidaram através da vivência de muitos anos e de muitas pessoas, emlugares diferentes. Há outra força direcionada para o futuro, quer no esforço de acompanhar a evolução dos fatos,quer na tentativa de criar novas realidades, novos conceitos, novos valores.

Essas duas forças atuam conjuntamente, quase como no jogo de “cabo de guerra”, em que os contendoresprocuram puxar a corda para o seu lado, na tentativa de derrotar os que se encontram na ponta oposta. Naquelejogo há vencidos e vencedores. No jogo das forças valorativas que atuam no contexto de uma sociedade não há nemvencidos nem vencedores. As duas tendências se opõem, se digladiam, enriquecendo-se sempre mutuamente. Osvalores do passado dão solidez e equilíbrio às conquistas do futuro; as inovações do presente e do futuro,implantando novos relacionamentos, dão vida nova, enriquecem e criam condicionamentos diferentes para os valoresque se enfrentam.

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O estudo e a normatização dessas novas realidades de organização do mercado e da sociedade como um todoprovocam um reposicionamento doutrinário e jurídico. O Direito Econômico, que se encontra justamente no centrodesse campo dialético, de evolução constante e de revitalização sempre presente da força criadora da mente,assume naturalmente novas feições e novas posturas. O debate, a interação, a interimplicação se revelam pujantesno confronto entre o Direito e a Economia, envolvendo toda uma gama de campos de conhecimento e denormatividade, Ética, Moral, Política, Sociologia.

A ideia de evolução pode trazer, equivocadamente, a perspectiva de progresso, no sentido de melhoria contínua.Etimologicamente, progredir vem do verbo semidepoente latino progredior que significa somente “avançar, irpara diante, caminhar para frente”, sem qualquer conotação de melhoria, de acréscimo de qualidade ou de valor.É nesse sentido que Victor Hugo, referindo-se ao “progresso”, afirma liricamente que “os homens no trabalhosão grandes pelos passos que dão; seu destino é de caminhar, carregando a tocha, não é de alcançar ameta, é de estar em marcha. E esta marcha, que tem o infinito por recompensa, será continuada para alémdo túmulo. É o progresso, jamais o homem se dá repouso”.

Nessa marcha constante, há sempre algo que fica para trás, há costumes, relacionamentos, bens que se revestemde novas roupagens. O que fica para trás, possivelmente morreu, mas poderá ainda ressurgir. Esta ideia de morte ede renovação nos é apresentada de maneira provocadora por Grant Gilmore. Começa o seu trabalho afirmando que“fala-se que o contrato, assim como Deus, morreu. E realmente é assim. Não vale a pena discutir mais. Osarautos do movimento ‘o contrato morreu’, chegaram a sustentar que o contrato, a partir do momento em

que morreu, não pode mais ser um válido argumento para reflexão”. 40 A sua argumentação chega a bomtermo quando, na última frase de seu livro, afirma que “o contrato morreu – mas quem sabe se o vento da

primavera (a onda da Páscoa) não poderá inesperadamente trazer a sua ressurreição?”.41

9. OS TRABALHOS DE FARJATEssa evolução do Direito Econômico pode ser demonstrada, tomando como roteiro a obra e a evolução do

pensamento de GERARD FARJAT, desde 1963, quando publicou L’ordre public économique , passando por1971, quando publicou Droit économique, com uma segunda edição em 1982; Em 1975 publicou Droit privé del’économie: théorie des obligations. Em 1992, publica na revista Archives de Philosophie du Droit, n. 37 – droitet économie – um artigo intitulado La notion de droit économique, que traduzi para publicação pelo MovimentoEditorial da Faculdade de Direito da UFMG. Esse artigo é marcante pela fixação do momento de uma alteraçãoideológica. O termo final dessa comparação toma como marco a publicação, em 2004, do trabalho intitulado Pourum droit économique .

Da mesma forma que Hedemann observava que o Direito Mercantil tinha sido ultrapassado pelo DireitoEconômico, temos de reconhecer que o Direito Econômico de quarenta anos atrás não se apresenta hoje da mesmaforma. Como forma de pensamento jurídico, não se furta à força propulsora das mudanças sociais, econômicas epolíticas.

Aceitando, com Washington Albino, que o Direito Econômico se consolida em um conjunto de normas, deconteúdo econômico, que tem por objeto regulamentar as medidas de política econômica, harmonizando-as semprecom a ideologia adotada na ordem jurídica, somos levados a concluir que, alterando-se a correlação ideologia/ordem

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jurídica, haverá também alteração no conteúdo econômico que será objeto das políticas econômicas a serem

adotadas.42

A evolução ideológica nos mostra que, depois de um período de implantação do liberalismo político e econômico,

nos albores do século XIX, ocorre um momento de crise.43 A resposta do Direito foi, entretanto, muito lenta.

Ao liberalismo político e econômico do século XIX, com a consagração incondicionada do princípio da autonomiada vontade, sucede uma fase de questionamentos em decorrência da concentração econômica, do acirramento dasdificuldades de relacionamento entre patrões e empregados, da destruição e necessidade de reconstrução de apósprimeira guerra mundial, 1914-1918, e da profunda crise econômica de 1929. O Estado passa a intervir, quer paraproteger, quer para dirigir.

10. O ESTUDO DO INTERVENCIONISMOA obra inicial de FARJAT, de 1963 até 1982, é um estudo justamente desse período de forte intervencionismo do

Estado. A ordem pública econômica se caracteriza por medidas de organização da economia. Sua definição deordem pública econômica como “o conjunto de regras obrigatórias nas relações contratuais, relativas àorganização econômica, às relações sociais e à economia interna do contrato” reflete justamente a formacom que o Estado passa a intervir a partir de princípios do século XX.

Apoia-se no ensinamento de Jean Marchal,44 para quem, no princípio do século XX, o jogo da demanda e daoferta encontrava-se inteiramente falseado, e o equilíbrio natural que se esperava que o Código Civil de Napoleãoviesse produzir estava fatalmente rompido. Mostra assim que a evolução econômica tinha trazido transformaçõesprofundas e que, sem a intervenção do Estado, a sociedade estaria com a realidade econômica inviabilizada. Comodecorrência do aparecimento de fortes grupos econômicos, a concorrência desaparece. Assiste-se a uma firmeconcentração horizontal e a uma integração vertical de empresas, como provocadoras de transformaçõeseconômicas que operam uma verdadeira mudança de natureza da sociedade.

A intervenção do Estado, reclamada inicialmente pela classe operária, que contestava a validade do direitoclássico, foi também defendida pela burguesia. Seria um erro, afirma FARJAT, pensar que a contestação do sistemaliberal tenha surgido somente do proletariado. As diferentes camadas sociais que compõem a burguesia também

passaram a exigir uma intervenção do Estado em seu proveito.45

Dentre as técnicas de intervenção, assinala FARJAT no âmbito contratual a intervenção do Estado para sugerir,

para regulamentar, para controlar, para proibir e para provocar e impor atividades contratuais.46

Em sua obra Droit privé de l’économie, FARJAT acentua sua análise das transformações sociais causadaspela rejeição, por parte da sociedade moderna, das ideias liberais incrustadas no Código de Napoleão. Mostra queduas transformações são inegáveis: a evolução do papel do Estado e o aparecimento de poderes privadoseconômicos e sociais.

Quanto à intervenção ou também à direção da economia pelo Estado, tais atitudes em relação à atividadeeconômica são apresentadas como justificadas pelo interesse público, uma espécie de interesse geral econômico.Como técnicas desses dois tipos de atuação do Estado surgem o planejamento e as regulamentações de preços ede crédito. Assinala ainda que a questão de saber se esta política intervencionista ou diretiva está realmente em

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conformidade com o interesse geral exige uma verificação, um balanço sociológico, econômico e político.47

E m Droit économique, com a primeira edição em 1971 e a segunda em 1982, FARJAT se pergunta, noprefácio da segunda edição se o Direito Econômico, aceito como antítese ao modelo jurídico liberal, não estaria em

perigo sob a ameaça do retorno de um liberalismo “puro e duro”.48

Nessa obra afirma que “o direito econômico não está de forma alguma limitado à intervenção do Estado,mas compreende igualmente a ‘organização da economia’ pelos poderes privados econômicos e o direito da

concentração”.49

Para a teoria geral do Direito Econômico, assinala três caminhos, de acordo com a postura dos agenteseconômicos. Uma primeira via é a da concentração capitalista em que a “propriedade coletiva” é de basepatrimonial; a segunda via é a da estatização socialista em que a “propriedade coletiva” repousa nos mecanismosde direito público. A estes dois modelos acrescenta um terceiro sistema, vulgarizado na França, a que se deu o nomede “economia concertada”, sistema que encontra sua manifestação na planificação à francesa, nos mecanismos

de incitação, consistente em uma colaboração entre os poderes públicos e os empresários.50

11. ENCAMINHAMENTO PARA UMA NOVA FASEAs novas estruturas apresentam traços fundamentais, que fazem surgir um novo modelo, que apresenta aspectos

antitéticos ao modelo jurídico liberal:

• À proibição de se organizar os mercados sucede um direito da organização dos mercados ou doenquadramento das relações patrimoniais individuais;

• Ao lado das fórmulas jurídicas próprias do capitalismo individual existem fórmulas de cole vização dodireito;

• A distinção entre direito público e direito privado se apaga.51

Ao tratar da intervenção estatal na atividade econômica, acentua que o Estado usa de técnicas diferentes, e que

deixando seu domínio tradicional de atividades, assume funções novas.52 Surgem novas técnicas de comando,evolui a noção de serviço público, surge o Estado empreendedor e utilizam-se técnicas mistas.

Depois de um compreensivo estudo das divisões do sistema jurídico clássico e do Direito Econômico, dasmutações fundamentais sofridas pelo Direito no final do século XIX e primeira metade do século XX, da situação doDireito Econômico nos grandes sistemas jurídicos das sociedades industriais, apresenta os traços característicosdesse novo ramo do Direito.

Uma observação final merece destaque. A relação de interimplicação entre Direito e Economia é enfatizada porFARJAT:

É natural pensar-se que aquilo que o direito perdeu, a economia ganhou. A matéria revelaefe vamente, como a técnica reformadora, uma certa interpenetração do econômico e do jurídico. Odireito posi vo sugere efe vamente que um princípio único dá sua coesão ao direito novo: asexigências da economia, a finalidade econômica. O ‘economismo’ dá ao Direito Econômico uma

coerência ideológica, como o princípio da autonomia da vontade dava ao direito clássico.53

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Em 1992, FARJAT publica na revista Archives de Philosophie du Droit, n. 37, um artigo intitulado La notion

de droit économique, que serve como que de passagem para um novo ambiente, um novo contexto.54 Oposicionamento do autor se revela de maneira bem clara no RESUMO por ele próprio elaborado como proêmio:

RESUMO – Enquanto ramo do direito, o Direito Econômico é um direito da organização da economia,cujo cerne é hoje o direito da concorrência com desdobramentos consideráveis, mas incertos nassociedades liberais ou em via de liberalização. É também uma disciplina, ou seja, um subsistema dodireito comparável à equity, de qualquer forma um ‘renascimento’ do direito, como resposta às

“pressões” da economia política.55

O Direito Econômico se volta então para uma nova realidade, para se inserir em um novo contexto, o daeconomia de mercado. Tem por missão garantir o funcionamento adequado, dentro de novos enquadramentos, deum mercado em que exista uma livre concorrência. No artigo mencionado FARJAT situa com clareza esse novocontexto:

De alguma maneira a análise econômica cons tui uma fonte real do direito, na medida em que elaenriquece a teoria do contrato ou do ato jurídico. Mas ela “enriquece” mais diretamente ainda osistema jurídico quando ela lhe “proporciona” um domínio e conceitos! Temos em mente o direito daconcorrência. Trata-se de uma regulação jurídica: os conceitos, como os de posição dominante e deabuso dela, de mercado contestável, de dependência e muitos outros estão já subme dos a uma

lógica jurídica. Esta transferência (?) não se opera sem consequência.56

12. O DIREITO DA CONCORRÊNCIA COMO CENTROPode-se dizer que o Direito da Concorrência é hoje o centro de preocupação do Direito Econômico.

Garantindo-se, e ao mesmo tempo impondo-se, às empresas o direito e o dever de concorrer, haverá umbenefício geral para toda a sociedade.

Se têm o direito e o dever de concorrer, estará assegurado o direito à livre iniciativa. Estará assegurado o direitode ingressar no mercado e garantida a sua permanência. Se se garante a livre concorrência, impõe-se aosconcorrentes o dever de ofertar sempre pelo melhor preço, pela melhor qualidade. Estimula-se a inovação.

Com a garantia da livre-concorrência, protege-se ao consumidor, a quem se garante o direito da livre escolha.57

Protege-se também o trabalhador, pois que estarão integrando o mercado empresas, grandes, médias, de pequenoporte e microempresas, a propiciar-lhe maior oportunidade de trabalho, com perspectivas de melhores salários.

A regulação do mercado, por parte do Estado, garantirá ao consumidor melhores condições de acesso aosserviços públicos concedidos.

Em seu mais recente livro, Pour un droit économique,58 FARJAT reafirma seu ponto de vista expresso noartigo acima mencionado. A concorrência está no coração da economia das sociedades desenvolvidas. Endossa oponto de vista de A. PIROVANO, segundo o qual “A economia de mercado é antes de tudo uma ordemconcorrencial, e os itens da lei de concorrência podem ser vistos como o ‘direito constitucional’ de um

mercado que transcende as fronteiras nacionais”.59

O fechamento do quarto capítulo, dedicado ao Direito de um modelo econômico, o Direito da Concorrência,

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assinala uma advertência importante: “O direito da concorrência não é protetor dos ‘fracos’. Sua finalidademais coerente é a manutenção de uma luta efetiva entre os agentes econômicos em um nível de mercadovariável (setorial, nacional, regional, mundial). Sob este ponto de vista o direito da concorrência assegurauma polícia da concorrência em relação às pequenas e médias empresas e de certos grupamentos. Asautoridades podem ter políticas rigorosas mesmo em relação a agentes econômicos poderosos quando se

tratar de cartéis.”60

13. QUESTÕES DO DIREITO ECONÔMICO ATUALO estudo das questões de Direito Econômico não pode desconhecer que passamos de uma relação sistêmica

para uma relação intersistêmica, ou seja, há uma superação dos limites territoriais centrados em uma soberanianacional. Os ordenamentos jurídicos têm de conviver, procurando uma harmonização viabilizadora de umaconvivência internacional. A concorrência, a inovação, a defesa do consumidor, a empregabilidade não são maisquestões que se restringem aos limites nacionais.

Essa superação de limites é vista por FARJAT, em seu último livro, como centrada em quatro grandes questões:a mundialização, a ética, a cultura e as relações do econômico com o político.

Ressalta FARJAT que o Direito Econômico “é o direito dos que decidem, dos organizadores da economia”.E os que decidem, os que organizam a economia, estão localizados em diversas partes do mundo. Uma decisão

tomada pela China ou pelo Japão pode ter reflexos mundiais.61

14. A MUNDIALIZAÇÃOAs relações econômicas não podem mais ser vistas dentro de um estreito contexto nacional. A produção de bens

tem de ser vista e programada para além das fronteiras. Os problemas fitossanitários têm largos reflexos sobre aexportação e importação de bens. Os auxílios estatais para setores de atividade ou para empresas têm reflexosinternacionais.

Esse rompimento das fronteiras dá ao Direito Econômico uma nova perspectiva. E nesse sentido observaFARJAT: “Nenhuma reflexão séria pode situar-se fora desse quadro na época contemporânea. Enquanto‘tradutora de uma evolução suscetível de modificar as condições de criação e de aplicação do direito…’, emrazão de ‘sua lógica de funcionamento e de seu papel na estruturação das relações sociais’, amundialização traduz uma verdadeira reviravolta das relações planetárias e constitui um campo de estudo

exemplar para a vida do direito econômico”.62

Quanto ao aspecto da extensão do Direito Econômico para além das fronteiras nacionais FARJAT lembra algunstópicos importantes:

• O primeiro deles é o adelgaçamento das fronteiras, caminhando para uma perspec va desolidariedade internacional. Será necessário encontrar uma instância convergente, lugar de encontroentre diversas instâncias. É o que ocorre, por exemplo, no caso do Tribunal de Jus ça dasComunidades Europeias em decisões de reenvio (art. 234 do Tratado).

• A extensão progressiva a todo o mundo do modelo de mercado e da economia liberal (as

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priva zações e a desregulamentação). Assiste-se, pela primeira vez na história do mundo, àmundialização do modelo de um sistema social.

• A mundialização toca a fundo a questão de valores universais.

• São os Estados que figuram como promotores do jogo da mundialização. E apresenta como exemploa intervenção dos Estados Unidos no Iraque.

• A ordem econômica liberal tem sido uma ordem construída: GATT, OMC e outros organismos. Aqui faz

FARJAT uma lembrança da oposição elaborada por FRANÇOIS GENY: le donné et le construit.63

A extensão das relações econômicas para limites além das fronteiras nacionais leva FARJAT a se interrogar sejá não é chegado o tempo de uma ordem pública econômica e social transnacional. Lembra que os capitais navegampor toda parte, acentuando que “é impossível abrir o ‘dossier’ da miséria do Terceiro Mundo, sem deixar deobservar que países virtualmente fortes economicamente, como a Argentina e o Brasil, têm dívidas

equivalentes ao montante de seus capitais nacionais estabelecidos no estrangeiro”.64

Nesse contexto, os Estados Unidos mantêm uma posição dominante, no setor de expressão e de transmissão da

cultura: a língua. E com a língua, a dominação do mercado mundial da comunicação.65

15. A ÉTICAO Direito Econômico Internacional deve também estar impregnado de uma preocupação ética. E o que entende

FARJAT por ética? Dá ele mesmo a resposta para essa indagação: “A ética, ou os fragmentos de um discursomoral, abrange as construções empíricas que correspondem às necessidades de valores que acompanhamtodas as atividades humanas. Estas construções promanam de um sistema moral, ou nele se inspiram, e têm

por objeto promover e regular estas atividades”.66

No relacionamento entre ética e economia, pode-se afirmar que os sistemas se comunicam e se falam, mas variaa posição de um e de outro. Lembra FARJAT que muitas vezes “o sistema econômico se apodera da ética”, mashá ocasiões em que “a ética é invocada quando exigências sociais não são levadas em conta, ou são maltomadas em conta pelo mercado, quando o mercado elimina exigências sociais, enfim, quando se vê omercado apropriar-se erradamente de um setor de atividade social”.

Ao se manifestar sobre a necessidade da ética no mercado, FARJAT suscita a questão da responsabilidadesocial da empresa. O termo “responsabilidade” deve ser entendido etimologicamente como “resposta”.Pressupõe-se que a empresa recebe da sociedade alguma coisa, alguma vantagem e lhe dá resposta através de umdeterminado comportamento.

Como visto, o mercado é o lugar em que, para a necessária circulação de riquezas, atuam diversos entescoletivos: a empresa; o consumidor, polarizando oferta e demanda; o Estado, como atuante ou como regulador e osdiversos grupos de interesse, que reúnem pessoas para a defesa de seus interesses e de seus direitos.

Cada um desses agentes tem uma função específica a desempenhar no mercado, sem perder a sintonia comaquela que deve ser posta em prática pelos outros participantes.

Adam Smith afirma que o consumo é o único fim e propósito de toda a produção; e o interesse do produtor sódeve ser atendido na medida em que possa ser necessário para se promover o interesse do consumidor. Mas

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reconhece que essa ordem foi invertida, no sistema mercantil, que quase sempre sacrificou o interesse doconsumidor ao do produtor.

Não se pode desconhecer que a empresa deve adotar uma estrutura que viabilize uma conduta mais eficiente nomercado e que resulte em uma performance que lhe permita competir, quer em nível nacional, quer em nívelinternacional.

A empresa deve sempre buscar a eficiência, que se traduzirá na busca da maximização de riqueza, entendidaesta não no sentido de acumulação improdutiva, mas no de criação da maior possibilidade de bem-estar. Não hácomo querer negar, consequentemente, que o objetivo da empresa deva ser o de procurar sempre o maior lucropossível e compatível com o contexto de mercado. Lembre-se ainda Adam Smith ao afirmar que o nosso jantar nãodeve ser esperado da bondade do açougueiro ou do padeiro, mas do interesse que cada um deles tem de aumentar opróprio lucro, a própria riqueza.

A empresa, se quiser permanecer no mercado, deverá buscar sempre maximizar a sua performance, investindocada vez mais em tecnologia, o que importa, muita vez, em eliminar mão de obra inadequada para as necessidadesimpostas pela inovação incessante. Não quer isso dizer que esteja ferindo os princípios impostos pela ConstituiçãoEconômica, que traça as linhas mestras de uma economia de mercado.

Voltar-se contra os princípios da economia de mercado é condenar-se uma estrutura somente por preconceitocontra um nome. O mercado não significa a aceitação de uma luta feroz entre os participantes. A ideia central deuma economia de mercado é a da lealdade (fairness), traduzida, como visto, pelo contexto constitucional brasileirona interação dos princípios constantes nos artigos 1º e 3º, e 170 e seguintes da Constituição. O mercado tem comopressupostos éticos o respeito à dignidade da pessoa humana e a disposição para tornar concretos os valores sociaisdo trabalho e da livre iniciativa.

A garantia constitucional de uma existência digna e da concretização da justiça social traça os parâmetros dentrodos quais deverão todos os agentes da economia de mercado atuar. Mas cada um irá atuar de acordo com suafunção específica.

A empresa terá de competir no mercado, e, para isso, tem de buscar sempre maior eficiência, o que se alcançacom maior capacidade de inovação, o que pressupõe sempre lucro capaz de propiciar investimentos criativos.

O parâmetro balizador da função social tem como finalidade exigir que a empresa, buscando sempre o lucro,respeite o contexto da constituição econômica. Mas isso não quer dizer que a empresa deva desempenhar atividadessociais, beneficentes. Essas atividades estão afetas ao Estado. Esse é que, como regulador, tem por meta aprimorara educação e a saúde, para criar uma geração de pessoas capazes de se autossustentar no futuro.

Ao Estado é que incumbe o dever de promover a educação, com a finalidade de promover o plenodesenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

O desenvolvimento harmônico das atribuições de cada integrante do mercado terá como resultado a implantaçãode uma economia de mercado, nos moldes pretendidos pela Constituição Econômica.

Cada um desses agentes apresentou, no correr dos tempos uma evolução em sua conformação e forma deatuação.

Ensina ARNOLD WALD que “no correr do século XX, o espírito associativo se desenvolveu e asempresas não são mais necessariamente individuais ou familiares, abrindo-se o respectivo capital em todosos países, inclusive no Brasil. Por outro lado, empregados e executivos passaram a participar mais

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ativamente da empresa, numa mudança ligada à profissionalização dos executivos e às novas técnicas deadministração, que repercutem na psicologia de comando, que se torna menos autoritário e maisconsensual. Na própria gestão e no controle da empresa estabeleceu-se um novo equilíbrio de poderes entre

acionistas controladores, minoritários, administradores e empregados.”67

Surge com essa evolução um novo padrão de administração a que se convencionou chamar de “governançacorporativa”. A empresa, ao buscar afirmar-se no mercado, luta cada vez mais pela inovação tecnológica e é elaque cria oportunidades de trabalho sempre renovadas e estimula cada vez mais a formação de mão de obra. Aliberdade de iniciativa, que é direito fundamental da atividade empresária, encontra limites nos artigos 170, III, daConstituição Federal e nos artigos 164, 167 da Lei n. 6.404/76.

O Estado, depois de passar por uma fase de simples garantidor de uma situação de liberdade política eeconômica, após intervir para salvar o próprio liberalismo e depois de atuar ele próprio como empresário, afasta-separa assumir uma postura de regulador, ou seja, acentua seu papel de provedor de uma economia de mercado emque a concorrência leal seja a nova forma de relacionamento da economia.

O consumidor, após figurar como cliente ou como freguês, assume uma postura atuante para assegurar ofundamental direito de escolha dentro do mercado.

A empresa poderá, por força do princípio da função social da propriedade, que limita a própria liberdade decontrato, e como concretização do princípio da liberdade de iniciativa, terceirizar a sua função social, financiandoentidades especializadas no trabalho social, que estão mais aptas a atuar nesse domínio.

Como acentua FARJAT, a Comissão Europeia, através do Livro Verde lançado em 2001, introduz o tema de umgerenciamento para um desenvolvimento durável, como um capítulo da ética empresarial. Assim, a responsabilidadesocial das empresas é “um conceito segundo o qual as empresas decidem, numa base voluntária, contribuir

para uma sociedade mais justa e para um ambiente mais limpo”.68

As empresas se apercebem de que a sua responsabilidade social pode revestir-se de um valor econômico direto.É óbvio que sua obrigação primeira seja a obtenção de lucros , mas, respeitado esse dever, compreendem elas quepodem contribuir para o cumprimento de objetivos sociais e ambientais, que se apresentam assim comoinvestimento estratégico.

Mas o que é a responsabilidade social da empresa? “Ser socialmente responsável não se restringe aocumprimento de todas as obrigações legais – implica ir mais além através de um ‘maior’ investimento emcapital humano, no ambiente e nas relações com outras partes interessadas e comunidades locais. Aexperiência adquirida com o investimento em tecnologias e práticas empresariais ambientalmenteresponsáveis sugere que ir para além do simples cumprimento da lei pode aumentar a competitividade deuma empresa”, é a resposta dada pelo Livro Verde.

A responsabilidade social das empresas apresenta uma dimensão interna e uma externa. Do ponto de vistainterno, as práticas socialmente responsáveis podem ser as seguintes:

• Gestão dos recursos humanos, o que implica atrair trabalhadores qualificados; propiciar aaprendizagem ao longo da vida; responsabilização dos trabalhadores; propiciar um equilíbrio entrevida profissional, familiar e tempos livres, igualdade em termos de remuneração, perspec vas decarreira para as mulheres, regimes de par cipação nos lucros e no capital da empresa; preocupaçãocom a empregabilidade e segurança dos postos de trabalho.

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• Saúde e segurança no trabalho.

• Adaptação à mudança: reestruturar uma empresa de forma socialmente responsável significa levarem consideração e equilibrar os interesses de todas as partes interessadas que são afetadas pelasmudanças e decisões.

• Gestão do impacto ambiental e dos recursos naturais.69

Do ponto de vista externo, entende-se que a responsabilidade social da empresa ultrapassa seus próprios limites ealcança a comunidade na qual ela se insere, os parceiros comerciais, fornecedores e consumidores. Neste ponto seinsere também o respeito aos direitos humanos, através da aceitação e cumprimento de códigos de ética. É evidentea contribuição social da empresa com as comunidades locais em termos de emprego, remuneração, benefícios eimpostos. Vê-se, pois, que o tema da responsabilidade social das empresas vem dar resposta a um questionamento

ético.70

16. A CULTURAQual o modelo de Direito Econômico que se deverá escolher? FARJAT se mostra preocupado com o sentido

estreito com que se entende a cultura. Esta não se restringe a um conteúdo, mas deve ser sempre um processo deabertura. Observa que “a verdadeira cultura decorre mais do processo do que das normas, é uma maneira de

apreender a vida, uma abertura crítica ao mundo, um elemento fundamental do liame social”.71

Critica acerbamente a forma pela qual o povo americano entende cultura, como restrita e limitada aocomportamento: diferentes maneiras de viver, os modos de trabalhar, de comer, de se vestir, de se divertir: oamerican way of life. A valorização demasiada daquilo que é mercadoria leva ao abandono da verdadeira cultura e

à deterioração dos valores, privilegiando-se o pragmatismo.72

Existe um Direito Econômico da cultura e da formação dos homens. Mas não se pode esquecer que a cultura damaioria depende do poder econômico. Acentua FARJAT que “o domínio da opinião permite o controle dasestruturas e dos sistemas sociais”. Ressalta o papel desempenhado pelo que chama de “videologia”, mostrandoque “ela é mais vaporosa, flexível e menos dogmática do que as ideologias políticas tradicionais, masconcorre para criar uma sensibilidade comum através do mundo que predispõe à difusão de novos valoresde que os mercados têm necessidade… A videologia influencia os espíritos avançando sobre as pontas dos

pés”.73

17. AS RELAÇÕES ENTRE ECONÔMICO E POLÍTICONa análise dos papéis desempenhados pela economia e pelo político, não se pode estabelecer uma hierarquia

permanente entre ambos. Será sempre necessário ter em mente os valores fundamentais para evitar-se ototalitarismo do sistema econômico.

É importante ministrar à população educação de elevado nível técnico, mas isso não é uma garantia deestabilidade democrática; se esta mesma população está inteiramente destituída de senso crítico e está despolitizada,ficando à mercê de propagandas eficazes. Reside aí o perigo do totalitarismo do mercado, em que se fornece pão ecirco.

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Considera FARJAT que, depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, o aspecto mais urgente não é oeconômico, advertindo que os conflitos revelam que o Estado de Direito se encontra em regressão consternadora nonível internacional. Daí entender que deve haver um entrelaçamento entre o social, o político e o econômico:

Estas observações têm um interesse para o o direito econômico: elas permitem ao mesmo temposituar as responsabilidades no funcionamento do liame social e orientar eventualmente o direitoeconômico para as prioridades sociais. Nossas explanações sobre a questão da formação dos homensprovocavam já a reflexão: as boas respostas para os problemas da sociedade, inclusive seus problemas

econômicos, não são necessariamente de natureza econômica.74

18. CONCLUSÃOAs considerações que constam deste capítulo decorrem dos fatos sociais, políticos e econômicos ocorridos a

partir de 2007 e que passaram a exigir a atenção dos responsáveis pela adoção de políticas econômicas. Aquelesfenômenos revelam que o Direito está sempre provocado pela realidade econômica e social e tem que dar umaresposta a esses eventos, que são jurígenos. A chamada crise de 2008 não foi somente econômica. A partir daeclosão da crise, ao lado da preocupação por ela gerada, surgiram vários posicionamentos. Muitos foram apressadosem chegar logo à condenação dos fenômenos sociais (neoliberalismo, capitalismo, globalização etc.) sem a devidareflexão que as circunstâncias exigiam.

Não é finalidade deste capítulo dar a palavra final, porque esta definitivamente não existe. O que me levou aacrescentá-lo é a necessidade de alertar para a imperiosidade da reflexão. Somente depois de ler as opiniões devários pensadores, de analisar os relatórios de diversas entidades, entre elas a OCDE, pode-se partir para umatomada de posição que não será nunca uma condenação ou uma aprovação definitiva.

O que se pode afirmar, com certa segurança, é que a crise de 2008 despertou para a importância da inserção daeconomia e da política em um contexto ético.

Será importante uma releitura da obra do “pai do liberalismo”, para nos convencermos de que “o apoio que oscrentes e defensores do comportamento autointeressado buscaram em Adam Smith é na verdade difícil deencontrar quando se faz uma leitura mais ampla e menos tendenciosa da obra smithiana. Na verdade, oprofessor de filosofia moral e economista pioneiro não teve uma vida de impressionante esquizofrenia. Defato, é precisamente o estreitamento, na economia moderna, da ampla visão smithiana dos seres humanos

que pode ser apontado como uma das principais deficiências da teoria econômica contemporânea”.75

Será, pois, preciso caminhar em direção a uma concepção humanista. E essa foi uma excelente contribuição dacrise. Mas é preciso refletir, e refletir muito, antes de assumir posições. A crise, como ensina Bento XVI, nos obrigaa projetar de novo o nosso caminho, e para isso, obriga-nos ao “discernimento e elaboração de novaplanificação”. Essa reflexão nos conduzirá à verificação de que a crise trouxe uma contribuição muito positiva,pois deixou evidente que o “novo” capitalismo, o “novo” neoliberalismo, o “novo” socialismo, a “nova”

globalização exigem uma “nova síntese humanista”.76

19. REFERÊNCIAS PARA APROFUNDAMENTO DA QUESTÃO

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Muito se escreveu sobre a crise de 2008. Como este livro tem uma finalidade didática, creio ser de muita ajudaao leitor trazer uma listagem de obras importantes para alimentar a reflexão. Prefiro esta forma a incluir nabibliografia geral alguns trabalhos que devem ser ressaltados por sua pertinência à questão. Alguns podem serobtidos através da Internet, ressaltando-se as publicações da OCDE.

BENTO XVI. Carta encíclica Caritas in veritate. São Paulo: Paulinas, 2009.

FARJAT, Gérard. Pour um droit économique. Paris: PUF, 2004.

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Relatando a eclosão da crise, assim escreveu Paul Krugman: “Em 9 de agosto (de 2007), o banco francês BNPParibas suspendeu os saques em três de seus fundos – e assim começava a primeira grande crise financeirado século XXI. Sinto-me tentado a afirmar que essa crise não se assemelha a nada que tenhamos vistoantes. Porém, eu seria mais exato se afirmasse que ela se parece com qualquer outra que já presenciamosem diferentes épocas, só que, agora, é como se todas es vessem acontecendo de uma vez, ao mesmotempo” (A crise de 2008 e a economia da depressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 173).

BOFF, Leonardo. Fundamentalismo: a globalização e o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Sextante, 2002.p. 89-90.

SCHUMPETER, J. A. Capitalism, socialism y democracy, London, Taylor & Francis e-Library, 2003, p. 81.

A história da crise sob o enfoque do desenrolar econômico dos fatos pode ser vista com rara exposiçãodidá ca no capítulo A hecatombe financeira de 2008, no livro Sob a lupa do economista de Carlos EduardoS. Gonçalves e Mauro Rodrigues, Editora Campus Elsevier, 2009. p. 31-36.

Why Banks failed the stress test, conferência realizada em 12 de fevereiro de 2009 – Marcus Evans-Conferences.

G-20. Communiqué, São Paulo, 8-9 de novembro de 2008.

NÓBREGA, Maílson da. Crise: como chegamos a este ponto? Veja, p. 106, 11 de março de 2009.

Idem, Ibidem. p. 106.

OCDE. Réponse stratégique à la crise financière et économique: contributions à l’effort mondial. I – Finance,Concurrence et Gouvernance. 2009.

O livro, em inglês ou francês, pode ser adquirido diretamente através do sí o www.oecd.org/bookshop.Trata-se de publicação técnica, mas de fácil leitura. É importante para melhor conhecimento e análise dacrise de 2008.

OECD. The financial crisis: Reform and exit strategies, Paris: OECD-OCDE, p. 9-11, 2009.

BENTO XVI. Caritas in veritate, n. 21.

Capitalismo, socialismo y democracia. Edição espanhola, 1971. p. 95.

Ibidem. p. 472.

KRUGMAN, Paul R. A crise de 2008 e a economia da depressão. Trad. André Lara Resende. Rio de Janeiro:Elsevier, 2009. p. 11.

KRUGMAN, Paul R. A crise de 2008 e a economia da depressão. Trad. André Lara Resende. Rio de Janeiro:Elsevier, 2009. p. 14.

Capitalism beyond the crisis. The New York Review of Books, v. 56, n. 5, march 26 2009.

Adam Smith foi professor de filosofia, tendo escrito várias obras de caráter filosófico, que na verdadeficaram, senão esquecidas, pelo menos em segundo plano. São pouco conhecidos seus Essays onphilosophical subjects e principalmente sua The theory of moral sentiments.

SEN, Amartya. Ibidem.

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Direito e globalização econômica: implicações e perspec vas. São Paulo: Malheiros Editores, 1996. p. 133-134.

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SACHWALD, Frédérique. Les défis de la mondialisation: innovation et concurrence. Paris: Masson, 1994. p. 39.

Idem. p. 25.

Salmo 137: Super flumina Babylonis illic sedimus et flevimus dum recordaremur Sion. Tradução: À beira doscanais de Babilônia nos sentamos, e choramos com saudades de Sião.

Ver o Estatuto da Microempresa – Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006.

Aliás, a preocupação com o consumidor no contexto do mercado, encontra convergência importante na Lei n.8.078/90 – Código de Proteção ao Consumidor – que, no inciso II I do ar go 4º estabelece textualmente: “APolí ca Nacional de Relações de Consumo tem por obje vo o atendimento das necessidades dosconsumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, amelhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo,atendidos os seguintes princípios: ... I I I – harmonização dos interesses dos par cipantes das relações deconsumo e compa bilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimentoeconômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170da Cons tuição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores efornecedores.” A Lei n. 8.884/94 focaliza também a defesa dos direitos dos consumidores como uma dascondições ou como a causa final, das relações de mercado. Assim é que o ar go primeiro dessa Leidetermina que ela dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica... defesados consumidores... E ainda, o ar go 54 faculta ao CADE autorizar atos de concentração, fixando, dentreoutras condições, “que os bene cios decorrentes sejam distribuídos equita vamente entre os seusparticipantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais, de outro...

Caritas in veritate. n. 37.

BENTO XVI. Caritas in veritate, n. 34, 35 e 36.

Sobre ética e economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 75.

Théorie des sentiments moraux. Paris: Quadrige/PUF, 2003. p. 23-24.

Ibidem. p. 140-142.

Ibidem. p. 136.

Sen, Amartya Kumar. Sobre é ca e economia. Trad. Laura Teixeira Mo a. São Paulo: Companhia das Letras,1999. p. 19.

Ética a Nicômaco, I.I-1.5 na tradução inglesa de Ross (1980). p. 1-7.

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Política, III. IX, na tradução inglesa de Barker, 1958. p. 117.

Ética a Nicômaco, I.2.

Idem, Ibidem. p. 22.

GILMORE, Grant. The death of contract. Columbus: Ohio State University Press, 1974. p. 1.

Idem, Ibidem. p. 112.

Rudolf Stammler cri ca o pensamento de Marx, par ndo da formulação sucinta do pensamento deste:“Todas as aspirações humanas que surgem na História, tendendo à realização, transformação e manutençãode uma ordem jurídica existente surgem como produto empírico da atuação concreta de uma determinadavida social e de uma cooperação regulada. Toda mutação jurídica procede, quanto a seu conteúdo especial,de aspirações, desejos e impulsos empiricamente condicionados que somente podem conceber-segene camente como produto de uma situação história concreta dentro de uma existência social humanaregulada de determinado modo.” Adotando um posicionamento neokan ano, refuta o posicionamentomarxista, afirmando que “a ideia desta qualidade formal de alcance absoluto que no querer social empíricopode concorrer é o ideal social. O ideal social nos oferece uma pauta de juízo empiricamenteincondicionada, indispensável para dirigir e orientar todo o material que se nos apresente na experiênciahistórica através de ins tuições jurídicas já existentes ou daquelas a que se aspira, se é que estasins tuições hão de poder demonstrar-se como legí mas obje vamente” ( Economía y derecho según laconcepción materialista de la historia: una inves gación filosófico social. Madrid: Editorial Réus, 1929. p.552-555).

Refiro-me sempre ao conceito e mológico de “crise” como um momento de reflexão, de julgamento, deques onamento e, por consequência, de criação. A este respeito, vale lembrar a obra de Georges Ripert,Les forces créatrices du droit, de 1955, lançada em edição fac-similar em 1994.

Cours d’économie politique. 1957.

L’ordre public économique. p. 58.

Ibidem. p. 191-263.

Droit privé de l’économie. Paris: Presses Universitaires de France, 1975. p. 57-70.

Droit économique. Paris: Presses Universitaires de France, 1982. p. 5.

Ibidem. p. 6.

Ibidem. p. 22-31.

Ibidem. p. 709-710.

Ibidem. p. 398-467.

Ibidem. p. 723.

Este ar go foi por mim traduzido e publicado pelo Movimento Editorial da Faculdade de Direito da UFMG,em 1996.

La notion de droit économique. In: Archives de Philosophie du Droit. Paris: Sirey, 1992. t. 37, p. 27.

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Ibidem. p. 60.

Importante, rela vamente à livre escolha, a leitura de Free to choose: a personal statement de Milton &Rose Friedman.

FARJAT, Gerard. Pour un droit économique. Paris: PUF, 2004.

Ibidem. p. 121.

Ibidem. p. 146.

Ibidem. p. 147.

Ibidem. p. 148.

Ibidem. p. 149-151.

Ibidem. p. 155.

Ibidem. p. 156.

Ibidem. p. 157.

Comentários ao novo Código Civil: Livro II – Do Direito de Empresa. p. 1.

Livro Verde, n. 1. Introdução, n. 8.

Livro Verde, n. 2.1.

Ibidem. p. 158-159.

Ibidem. p. 163.

Ibidem. p. 166.

Ibidem. p. 167.

Pour un droit économique. Paris: PUF, 2004. p. 172.

SEN, Amartya. Sobre ética e economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 44.

Caritas in veritate, n. 21.

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