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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO DIREITO DE REGRESSO NOS CONTRATOS DE FOMENTO MERCANTIL RÔMULO MALLMANN COPETTI Itajaí, Junho de 2007.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO

DIREITO DE REGRESSO NOS CONTRATOS DE FOMENTO MERCANTIL

RÔMULO MALLMANN COPETTI

Itajaí, Junho de 2007.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO

DIREITO DE REGRESSO NOS CONTRATOS DE FOMENTO MERCANTIL

RÔMULO MALLMANN COPETTI

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Msc. Adilor Danieli

Itajaí, Junho de 2007.

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AGRADECIMENTO

Agradeço ao meu pai Jairo por toda a força durante toda minha vida, minha mãe Gisa e

minhas irmãs Bruna e Camila, a Deus e a todos aqueles que de alguma forma contribuíram para

que eu alcançasse mais um objetivo na vida.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus colegas e além de tudo familiares: Maurício, Alcindo e Alceu, pela

oportunidade de aprender com vocês o verdadeiro significado de trabalho em equipe.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, Junho de 2007.

Rômulo Mallmann Copetti Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Rômulo Mallmann Copetti, sob o

título Direito de Regresso nos Contratos de Fomento Mercantil, foi submetida em

Data de 25/06/2007 à banca examinadora composta pelos seguintes professores:

Prof. Msc. Adilor Danieli; Prof. Msc. Antônio Augusto Lapa; Profª. Msc. Aparecida

Correia da Silva, e aprovada com a nota 9,5.

Itajaí, Junho de 2007.

Professor Msc. Adilor Danieli Orientador e Presidente da Banca

Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANFAC Associação Nacional das Sociedades de Fomento Mercantil

CC/2002 Código Civil Brasileiro de 2002

BACEN Banco Central do Brasil

LUG Lei Uniforme de Genebra (Decreto nº. 57.663/66)

LD Lei das Duplicatas (Lei nº. 5.474/68)

LC Lei do Cheque (Lei nº. 7.357/85)

TFR Tribunal Federal de Recursos

MAS Ação de Mandado de Segurança

ART. Artigo

STJ Superior Tribunal de Justiça

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Agiotagem

Comércio especulativo de empréstimos clandestinos e informais, cobrando juros

excessivos com vistas a auferir lucros exagerados ou vantagens exorbitantes.

Cedente-faturizado

A operação de factoring é um contrato atípico (não tem legislação específica),

mas se utiliza de instituto típico, como a cessão de crédito, em que o faturizado

(cliente da empresa de factoring) cede ou vende os títulos oriundos de suas

operações mercantis para o faturizador (empresa de factoring).

Cessionário-faturizador

Empresa de factoring que, através da cessão de crédito da operação de fomento

mercantil, adquire os créditos do cedente-faturizado.

Cessão pro soluto

Quando o faturizador adquire os títulos do faturizado, através de cessão de

crédito, na operação de fomento mercantil, assumindo a responsabilidade (risco)

pela solvência do sacado-devedor.

Cessão pro solvendo

Quando a responsabilidade do sacado-devedor é assumida, por escrito, pelo

faturizado, em face dos títulos cedidos por meio de cessão de crédito na operação

de fomento mercantil.

Direito de Regresso

Direito assegurado, pela lei ou pelo contrato, àquele que pagou a obrigação e que

busca ressarcir-se frente aos demais obrigados. Ação ou o direito que se atribui

ao credor ou a quem pagou por outrem, de ir buscar deste a quantia ou a

importância desembolsada.

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Endosso

Declaração cambial lançada no título cambial à ordem, operando-se, por meio

dele, a circulação, a fim de transferi-lo a terceiro. Nas operações de factoring, em

que o crédito transferido está geralmente representado por duplicatas ou

cheques, é imprescindível o endosso, pois é o meio para transferência do título.

Ao endossar, o endossante (sacador-faturizado) transfere ao endossatário o título,

em conseqüência, os direitos nele incorporados.

Endosso em preto/branco

O endosso poderá ser em preto quando o endossante transfere à pessoa

expressamente determinada e indicada. O endosso em branco ocorre quando não

há referência ou indicação, transferindo-o assim que for o portador.

Factor

Empresa de factoring, faturizador, cessionário, e endossatário dos títulos

adquiridos.

Fator

Deságio (diferencial ou comissão) entre o valor de face do título cedido e o

pagamento feito pela empresa de factoring.

Faturização, Fomento Mercantil ou Factoring.

Instituto pelo qual um industrial ou comerciante (faturizado) cede à instituição

(faturizador), total ou parcialmente, créditos oriundos de vendas efetuadas a

terceiros, mediante pagamento de determinada comissão a cargo do cedente.

Faturizado

Cliente da empresa de factoring, também conhecida como contratante-faturizada,

cedente endossante, emitente-sacador dos títulos cedidos na operação de

factoring.

Jurisprudência

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Entende-se literalmente que é a ciência do Direito vista com sabedoria, como

sábia interpretação e aplicação das leis a todos os casos concretos que se

submetam a julgamento da justiça.

Sacado-devedor

Aquele que adquiriu mercadoria ou serviços do faturizado e, em face do

pagamento ser a prazo, contra ele foi sacada duplicata, em que figura como

sacado-devedor.

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SUMARIO

RESUMO ........................................................................................... XII

INTRODUÇÃO......................................................................................1

CAPÍTULO 1.........................................................................................3

ASPECTOS GERAIS DO FOMENTO MERCANTIL ............................3 1.1 HISTÓRICO ......................................................................................................3 1.2 FACTORING NO BRASIL ................................................................................6 1.3 LEGISLAÇÃO.................................................................................................10 1.4 PROJETO DE LEI ..........................................................................................12 1.5 CONCEITO DE FOMENTO MERCANTIL E DE FACTORING .......................12 1.6 DENOMINAÇÃO E ETIMOLOGIA..................................................................16 1.7 ESPÉCIES DE FOMENTO MERCANTIL .......................................................19 1.7.1 CONVENCIONAL..............................................................................................20 1.7.2 MATURITY ......................................................................................................21 1.7.3 TRUSTEE .......................................................................................................22 1.7.4 MATÉRIA-PRIMA.............................................................................................24 1.7.5 EXPORT, EXPORTAÇÃO, IMPORTAÇÃO OU IMPORTAÇÃO-EXPORTAÇÃO ..............24

CAPÍTULO 2.......................................................................................26

CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL.........................................26 2.1 CARACTERÍSTICAS E NATUREZA JURÍDICA ............................................26 2.2 REQUISITOS BASICOS DO CONTRATO .....................................................29 2.3 OBJETO DO CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL...............................31 2.4 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ........................................................................33 2.5 CESSÃO E ENDOSSO...................................................................................35 2.5.1 COMPRA DE CRÉDITO (CESSÃO DE CRÉDITO)...................................................36 2.5.2 ENDOSSO ......................................................................................................38 2.6 TÍTULOS DE CRÉDITO..................................................................................40 2.6.1 DUPLICATA MERCANTIL ..................................................................................42 2.6.2 CHEQUE ........................................................................................................46

CAPÍTULO 3.......................................................................................52

DIREITO DE REGRESSO ..................................................................52 3.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS...............................................................52 3.2 ACORDO VERBAL ........................................................................................53 3.3 RESPONSABILIDADE DA EMPRESA-FATURIZADA NA OPERAÇÃO DE FOMENTO MERCANTIL ......................................................................................54 3.4 RESPONSABILIDADE OBRIGATÓRIA.........................................................56 3.4.1 CRÉDITO INEXISTENTE ....................................................................................58

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3.4.2 ANTECIPAÇÃO, PRORROGAÇÃO, DEDUÇÃO OU COMPENSAÇÃO ..........................60 3.4.3 VÍCIO E EVICÇÃO.............................................................................................63 3.5 REGRESSO MEDIANTE CLÁUSULA CONTRATUAL PRO SOLVENDO....66 3.6 A CESSÃO DE CRÉDITO E SEUS EFEITOS EM RELAÇÃO A INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR.............................................................................68 3.7 ENDOSSO E SEUS EFEITOS EM RELAÇÃO À INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR ............................................................................................................71 3.8 TRIBUNAIS E DIREITO DE REGRESSO.......................................................74

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................77

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS............................................80

ANEXOS.................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

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RESUMO

O presente trabalho tratou da possibilidade do direito de

regresso no contrato de fomento mercantil, prática esta cada vez mais comum e

corriqueira nas relações comerciais, ou seja, a possibilidade da empresa de

factoring cobrar da empresa faturizada o valor de um título não pago pelo

cedente. Apresentamos a evolução histórica do instituto do factoring, o qual

iniciou na era romana, chegando até os dias atuais. Destaca-se que o factoring

não possui legislação específica, no entanto aguarda-se a tramitação no

Congresso do Projeto 230, enquanto isto é regido por legislação esparsa e

jurisprudência. Neste estudo foram adotados os conceitos mais utilizados, o que

não impediu, porém, que outras nomenclaturas utilizadas pelos doutrinadores

fossem abordadas durante o trabalho. Após isto, desenvolveu-se o contrato de

factoring, dando uma visão panorâmica como um todo, examinando e

comentando suas características especiais, e cada um de seus requisitos e

objetos. Por fim, faz-se uma análise sobre o direito de regresso no contrato de

factoring, por ser uma matéria das mais controvertidas e discutidas, tanto no

âmbito comercial como no jurídico, buscando-se delimitar o perfeito

enquadramento deste instituto. Neste estudo, utiliza-se a pesquisa bibliográfica,

jurisprudencial e as experiências pessoais quanto à prática no dia a dia. Dentro da

relevância jurídica, no trabalho aqui apresentado, foi analisado o cabimento do

direito de regresso, visto que o factoring é um contrato atípico, e ao ser analisado,

acarreta muitas dúvidas, não somente aos que com ele operam, mas também aos

juristas que enfrentam grandes dificuldades ao julgarem os processos que

envolvem o tema, devido a não haver legislação específica sobre o instituto.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto o estudo do direito

de regresso nos contratos de fomento mercantil.

O seu objetivo geral é a análise do instituto do fomento

mercantil e dos respectivos contratos no direito brasileiro, aprofundando o direito

de regresso nestas operações.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando das origens

históricas do instituto do factoring, abordando-se o conceito e a etimologia do

factoring, as características e espécies praticadas no Brasil.

No Capítulo 2, tratando especificamente do contrato de

fomento mercantil, abordam-se as características e a natureza jurídica do

contrato, os requisitos básicos, o objeto do contrato, a prestação de serviços, as

espécies de títulos de crédito que podem ser negociados, as modalidades de

factoring e as formas de transferência dos créditos, por cessão de créditos e por

endosso.

No Capítulo 3, tratando do direito de regresso nas operações

de fomento mercantil, abordagem sobre as responsabilidades de cada parte do

contrato na cessão de crédito, subdividindo-a em responsabilidade obrigatória

pelo crédito cedido e responsabilidade opcional pela solvência do devedor, e a

necessidade de cláusula “pro soluto” específica quanto ao direito de regresso.

O presente se encerra com as Considerações Finais, nas

quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação

à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o direito de regresso nos

contratos de fomento mercantil.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

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√ O Fomento Mercantil é uma atividade comercial, que

possui elementos específicos da atividade bancária, e funciona basicamente com

o desconto de cheques e duplicatas cobrando para isto uma comissão.

√ O Fomento mercantil não possui legislação específica e

se baseia principalmente nos institutos do direito civil brasileiro.

√ A empresa de factoring pode cobrar judicialmente os

títulos pagos pelo devedor, de quem assinou o contrato, mesmo que não esteja

estipulado expressamente.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados

o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa

Bibliográfica. O objeto limita-se à conceituação do instituto e à identificação das

espécies praticadas no país, assim como o estudo das principais características,

requisitos e elementos dos contratos de fomento mercantil, na lei e na doutrina.

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CAPÍTULO 1

ASPECTOS GERAIS DO FOMENTO MERCANTIL

1.1 HISTÓRICO

A figura do agente mercantil, denominado outrora de factor,

já é conhecida desde os primórdios da civilização, devido à necessidade destes

povos de efetuarem trocas de mercadorias entre os povos da época, o que

desenvolvia plenamente o comércio, que se baseava principalmente no escambo

(troca), e que mais tarde evoluiu para a promessa de entrega de mercadorias e

pagamento.

Remonta dos primórdios da civilização ocidental, através do

“Código de Hamurabi”, o qual consistia em um bloco de pedra onde estavam

gravadas as normas e procedimentos que regulamentavam o comércio naquela

época. Neste sentido ensina Luiz Lemos Leite1:

Os romanos que construíram um dos maiores impérios da História, para manter a hegemonia do poder nos territórios conquistados cuidaram de organizar a sua economia explorando as possibilidades comerciais das várias regiões subjugadas. Estabeleceram em pontos estratégicos do seu vasto território a figura do factor – agente – via de regra, um comerciante próspero e conhecido de determinada região que se encarregava de promover o comércio local, de prestar informações creditícias sobre outros comerciantes, receber e armazenar mercadorias provenientes de outras praças e fazer a cobrança, pela qual recebia em pagamento uma remuneração. Era um autêntico consultor de negócios.

Segundo o mesmo autor2: “O uso milenar das funções de

um factor, por comerciantes, era feito com a finalidade de facilitar e garantir bons

1 LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p 28 2 LEITE. ob. cit. p. 28

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negócios.” Ainda alerta para um outro ponto histórico: “Vale fazer o registro de

que, desde as origens da humanidade, na história de todos os povos que

desenvolveram suas mais distintas economias, sempre houve uma grande

preocupação com o “risco do negócio”“.

Fran Martins3 nos resume brevemente, a importância dos

povos antigos, principalmente gregos e romanos, para o que hoje temos como o

factoring moderno:

A origem da faturização ou factoring remonta a mais longínqua antiguidade quando, na Grécia e em Roma, comerciantes incumbiam agentes (factors), disseminados por lugares diversos, a guarda e a venda de mercadorias de sua propriedade. Posteriormente, o costume se difundiu na Idade Média, principalmente entre os comerciantes dos países mediterrâneos. Evoluiu desse modo, o factoring de um simples contrato de comissão para constituir um contrato em que o factor assume a posição de financiador dos comerciantes, adquirindo os seus créditos, mediante o pagamento dos mesmos em épocas aprazadas, mas, em regra, antes do vencimento.

Mediante ao que diz Leite4, sobre os factors e sua

importância como um elo de ligação entre dois povos vizinhos, e até mesmo

dentro do próprio império Romano:

Os factors, por serem profundos conhecedores do mercado e da tradição creditícia dos comerciantes locais, faziam-se intermediários úteis nas trocas comerciais e no desenvolvimento da economia do Império Romano, desempenhando um papel de essencial importância.

Com a expansão, e com a chegada da época dos grandes

descobrimentos pelos países europeus, difundiram estes tipos de comércios entre

suas colônias, conforme complementa Leite:

Veio então a época dos grandes descobrimentos, em que, principalmente, Espanha, Holanda, Inglaterra, Veneza e Portugal

3 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 470-471. 4 LEITE, ob. cit. p. 28

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lideravam o comércio internacional, com a conquista de seus longínquos territórios ultramarinos. No caso particular de Portugal, estabeleceram-se, em suas colônias da Ásia e África, as factorias – empórios, armazéns de mercadorias, enfim, um centro polarizador entre a Metrópole, as colônias e outros povos vizinhos.

Para Antonio Carlos Donini5:

A origem inconteste do factoring, tal qual praticamos na atualidade, remonta a partir do século XVI na Inglaterra, juntamente com os descobrimentos marítimos e a colonização britânica no Novo Mundo, onde os factors atuavam como representantes – depositários nas colônias (inclusive Estados Unidos) para interesses britânicos, recebendo e distribuindo as mercadorias importadas, efetuando a cobrança das mesmas e ainda efetuando antecipação ou adiantamentos aos exportadores ingleses.

E continua:

Mais tarde, com a independência dos Estados Unidos, os factors começaram a empregar seus conhecimentos e sua capacidade econômica em benefício dos fabricantes do seu país, especialmente na indústria têxtil.

Com o passar dos anos, estas técnicas de comércio foram

se modificando, à medida que a sociedade evoluía, os factors iam agregando

serviços distintos, utilizando-se da confiança depositada pelo comprador e

vendedor, funcionando como mediador nos negócios de terceiros. Neste sentido

nos diz Leite6:

Com o tempo, os factors prosperaram, passaram a pagar a vista aos seus fornecedores o valor das vendas por estes efetuadas, antes mesmo de os compradores fazê-lo. O factor, a par dos serviços prestados, substituiu o comprador, pagando a vista ao fornecedor, melhorando o padrão de crédito e efetuando a cobrança junto ao comprador final daquela mercadoria.

5 DONINI, Antonio Carlos. Manual do factoring. São Paulo: Klarear, 2004. p. 3 6 LEITE. ob. cit. p. 29

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Logo vieram os grandes descobrimentos, e com isso países

como Portugal e Espanha passaram a liderar o comércio internacional, através da

conquista de territórios ultramarinos.

De acordo com a abordagem que nos dá o jurista e

professor espanhol Jacob Leonis7:

Foi em torno de 1960, quando o comércio internacional entrou em uma nova fase de normalidade e em que os grandes bancos americanos irromperam na atividade do factoring, que se registrou a sua introdução nos países da Europa industrializada.

Com estas afirmações, complementa o Presidente da

ANFAC, Luiz Lemos Leite8:

Assim, surgiu o sentido moderno do factoring, ou seja, com a venda dos créditos oriundos da venda dos bens, pelos produtores ou fornecedores, os factors, adquiriam o direito de cobrá-los, com seus legítimos proprietários. O factor, que no seu sentido primitivo prestava serviços de comercialização, distribuição e administração, agregou a função de fornecedor de recursos.

Através disto, observa-se que o instituto do factoring evoluiu

historicamente, tendo como base as figuras dos agentes mercantis.

1.2 FACTORING NO BRASIL

Conforme exemplifica Luiz Lemos Leite9, no Brasil o

factoring teve sua primeira aparição no Brasil no final da década de 60, conforme

consta no Livro Factoring no Brasil, do presidente da ANFAC:

A idéia do factoring no Brasil nasceu em 1968, quando ainda funcionário do Banco Central, examinamos o relatório de inspeção feita em um banco de investimento, de São Paulo, integrante de um conglomerado financeiro. O inspetor, no curso de seu trabalho, deparou-se com a rubrica factoring, rasurada no lugar de “Financiamento de Capital de Giro” no ativo do balancete desse

7 LEONIS, Jacob. O contrato de factoring. Revista Forense. Rio de Janeiro, v. 253, p.459. 8 LEITE. ob. cit. p. 29 9 LEITE. ob. cit. p. 41

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banco de investimento. Aprofundando sua análise, entendeu que poderia tratar-se de uma mera simulação, à vista da cópia de contrato de abertura de crédito, que juntou em seu relatório.

A partir destes fatos iniciaram os estudos sobre o factoring,

culminando com a fundação da ANFAC (Associação Brasileira das Empresas de

Fomento mercantil) em 11 de fevereiro de 1982, a qual possui finalidade precípua

a união das empresas de factoring, divulgando seus objetivos e vantagens às

pequenas e médias empresas, que constituem o seu público alvo.

Após a criação da ANFAC, foi editada a Circular nº. 703, de

16 de junho de 1982, pela diretoria do Banco Central (BACEN), a qual coibia a

prática do factoring no país, sob a alegação de que o factoring invadia a área de

atuação das instituições financeiras.

Conforme se extrai do texto da Circular nº. 703/8210:

I - as operações conhecidas por factoring, “compra de faturamento” ou denominações semelhantes – em que, em geral, ocorrem a aquisição, administração e garantia de liquidez dos direitos creditórios de pessoas jurídicas, decorrentes do faturamento da venda de seus bens e serviços – apresentam, na maioria dos casos, características e particularidades próprias daquelas privativas de instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central.

A Circular nº. 703/82 ainda exigia a autorização do BACEN

para a realização das operações de factoring, e caso tal exigência não fosse

atendida, as empresas de fomento mercantil e seus administradores estariam

sujeitos às penas previstas no art. 44, § 7º da Lei nº. 4.595/64.

Nesse contexto, Donini11 doutrina:

A Circular apresentou várias imperfeições terminológicas, totalmente inadequadas para um texto regulamentar; o direcionamento da norma trouxe outras incógnitas e permitindo

10 BANCO CENTRAL DO BRASIL. Circular n.º 703, de 16 de junho de 1982. Disponível em:

<http://www.bcb.gov.br/?buscanorma>. Acesso em: 15 ago. 2006. 11 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 20.

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ilações, com toda a certeza, não pretendidas pela autoridade que a editou.

No entanto, em 1986, a 2ª Turma do extinto Tribunal Federal

de Recursos (TFR), ao julgar uma Apelação em Mandado de Segurança (AMS),

ordenou que fossem arquivados os atos constitutivos de uma empresa de

factoring sem que fosse necessária a autorização do BACEN, conforme exigido

pela Circular nº. 703/82, dando suporte a outras decisões no mesmo sentido,

fazendo com que o BACEN revisse a sua posição12:

Não pode o Banco Central do Brasil, interferir nas funções de registro comercial, reguladas pela Lei nº. 4.726/65. Estas funções competem às Juntas Comerciais, sob supervisão e orientação técnica do Departamento Nacional do Registro do Comércio. Não há confundir o registro comercial de firmas com o seu funcionamento. Controle e fiscalização deste, quando implique atividades financeiras, é que cabe ao Banco Central (AMS n.º 99.964-RS, Rel. Ministro Nilson Naves).

Com isso, em 30 de setembro de 1988, foi revogada a

Circular nº. 703/82, pela Circular nº. 1.359, do BACEN, ressaltando-se o não

enquadramento das atividades do factoring dentre aquelas tidas como operações

típicas de instituições financeiras, conforme a Lei nº. 4.595/64.

A esse respeito, coleta-se trecho de ofício da presidência da

ANFAC, enviado ao BACEN, demonstrando a posição da entidade acerca da

Circular nº. 703/82 e pedindo o cancelamento desta13:

Factoring não é operação de mútuo, nem de crédito. Não é empréstimo. Não é desconto. Muito menos compra de faturamento. Factoring é Factoring. Mesmo porque é pacífico e consagrado nesse Banco Central e na jurisprudência dos nossos tribunais que somente com a conjugação dos três pressupostos do caput do artigo 17 da Lei nº. 4.595/64 – coleta, intermediação e aplicação – se caracteriza a atividade financeira (Of. PRESI. 509/88, de 02.09.1988).

12 LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil, p. 87. 13 LEITE. ob. cit. p. 40.

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Deste modo, não havendo a realização desses três

pressupostos exigidos para a configuração de atividade financeira, não haveria

porque o Banco Central fiscalizar as sociedades de fomento mercantil, e nem

mesmo aplicar aos seus administradores as penalidades previstas na Lei nº.

4.595/64.

A necessidade de atender as empresas que necessitavam

de capital para trabalhar foi à exposição de idéias do doutrinador Fran Martins14,

que salienta:

A introdução do factoring no Brasil é preconizada como um meio de atender às pequenas e médias empresas, na obtenção de capital de giro, sem as dificuldades geralmente observadas no desconto bancário, muitas vezes de difícil acesso aos pequenos comerciantes.

E complementando esta idéia de que o factoring foi um bem

necessário para as médias e pequenas empresas, nos diz Newton de Lucca15:

Acresce a tal circunstância que, especialmente nos países pobres, como é o caso do Brasil, onde o crédito disponível não é o suficiente para as necessidades existentes, a seletividade aumenta ainda mais, e a conseqüência óbvia é a de que os recursos bancários são, a par do direcionamento, determinado pelas autoridades monetárias, destinados fundamentalmente às empresas das multinacionais e ás estatais, pouco sobrando, na verdade, para a pequena e média empresa.

Sobre a confusão na origem do factoring com a agiotagem e

com o Crime de Usura, com a cobrança de juros excessivos, complementa

Donini16:

No Brasil, o surgimento do factoring, naturalmente, confundia-se com agiotagem, pois não se tinha conhecimento e enquadramento adequados dessas atividades. Releva-se, ainda, acrescer que os bancos, visando se protegerem e evitarem riscos dificultava e

14 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 472. 15 LUCCA, Newton de. A faturização no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986. p. 10-11. 16 DONINI. ob. cit. p. 4

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ainda dificultam a liberação de recursos, criando mecanismos de seletividade e garantias descabidas, sem contar com enormes burocracias para atender as necessidades das pequenas e médias empresas, não restando alternativa a essas empresas, senão buscar sobrevida no mercado paralelo.

Portanto, a origem do factoring no Brasil se deu através do

Banco Central do Brasil que regulou e deu suporte para que os empresários

pudessem fazer uso do mesmo, como auxílio para as médias e pequenas

empresas.

A Circular BACEN nº. 1.359/88 foi, enfim, a normatização

competente que estabeleceu os parâmetros das empresas de factoring,

revogando a Circular nº. 703/82. Todavia, o BACEN continuava sem poder tutelar

as empresas de factoring no Brasil, apenas evitando que suas atividades se

confundissem com as das instituições financeiras.

1.3 LEGISLAÇÃO

O entendimento doutrinário é de que este instituto não

possui legislação específica, porém segundo a Associação Nacional das

Sociedades de Fomento Mercantil17, ele está assim amparado:

I - Legal

Instrução Normativa nº 16, de 10.12.1986, dispensa a aprovação prévia do Banco Central para o arquivamento de atos constitutivos de empresas de fomento mercantil;

Circular - 1.359 de 30.09.1988, do Banco Central do Brasil, revoga a Circular nº 703, de 16.06.1982, e reconhece ser o fomento mercantil - factoring atividade comercial mista atípica que consiste na prestação de serviços conjugada com a aquisição de direitos creditórios ou créditos mercantis;

Resolução - 2.144 de 22.02.1995, do Conselho Monetário Nacional, reconhece definitivamente a tipicidade jurídica própria e delimita nitidamente a área de atuação da

17 ANFAC. Cartilha do Factoring. Disponível em <www.anfac.com.br> Acesso em: 03 jan. 2007.

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sociedade de fomento mercantil que não pode ser confundida com a das instituições financeiras, autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil que têm por objeto a coleta, intermediação e aplicação de recursos de terceiros no mercado (Art. 17 da Lei 4594 de 31.12.1964 e Arts. 1º e 16 da Lei 7492/1986);

Circular - 2715 de 28.08.1996, do Banco Central do Brasil, permite às instituições financeiras a realização de operações de crédito com empresas de fomento mercantil.

II - Operacional:

Art. 5º, incisos II e XIII da Constituição Federal.

Art. 170 da Constituição Federal

COAF Lei 9613 de 03.03.1998 – Resol. Nº 13, de 30.09.2005

Prestação de Serviços (Art. 594 do Código Civil)

Compra e venda – (Arts. 481 ao 489 do Código Civil).

Cessão de Créditos (Arts. 286 ao 298 do Código Civil).

Endosso:

Arts. 910, 911 e 914, do Código Civil.

Arts. 15 e 16 da Lei Uniforme de Genebra (Dec. 57663/66)

Art.13, § 4º e 18, § 2º da Lei 5474/68.

Vícios Redibitórios (Arts. 441 ao 446 do Código Civil).

Solidariedade Passiva (Arts. 264 e 265 do Código Civil).

III - Fiscal:

Ato Declaratório 51/94, da Secretaria da Receita Federal.

Art. 28, § 1º, alínea "c" - 4 da Lei 8981/95, reiterado pelo Art. 15 da Lei 9249/95; Art 58 das Leis 9430/96 e 9532/97. Art. 14, inciso VI, da Lei 9718/98 e Decreto 4494, de 03.12.2002.

Lei 10.637/2002 (PIS) e Lei 10.833/2003 (PIS/COFINS)

Atos Normativos, específicos, para a atividade, da Secretaria da Receita Federal.

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Pode-se concluir então que o factoring mesmo não

possuindo uma legislação específica, é amplamente amparado pelo direito civil

brasileiro, principalmente na legislação que rege a cessão e o endosso de títulos

de créditos no Código Civil.

1.4 PROJETO DE LEI

Até o presente momento o que se tem de específico no

Brasil, em termos de legislação que vise à regulamentação do factoring, é o

Projeto de Lei nº. 230, de 14 de agosto de 1995, de autoria do Senador José

Fogaça.

O projeto de lei em tramitação, além de definir o instituto,

caracterizando-o como atividade mercantil, veda a prática de operações privativas

de empresas bancárias, estabelece a forma de remuneração e prevê a criação do

Conselho Federal de Fomento Mercantil, a quem caberá a supervisão e a

disciplina das atividades relacionadas com o factoring.

Outros aspectos são tratados, como o estabelecimento das

condições dos negócios relativos à matéria, a aquisição dos direitos mediante

cláusula especial de endosso em preto e a garantia do direito das sociedades de

voltar-se contra o endossante no caso de exceções e vícios de crédito, ou seja, o

direito de regresso, tema desta pesquisa.

1.5 CONCEITO DE FOMENTO MERCANTIL E DE FACTORING

Para a compreensão do que é o factoring, é necessário

saber o que também não é factoring. Neste prisma, o presidente e fundador da

Associação Nacional das Sociedades de Fomento Mercantil – Factoring (ANFAC),

Luiz Lemos Leite18 ensina:

Se você pensa que factoring é empréstimo, desconto de duplicatas ou de cheques, adiantamento de recursos ou compra de duplicatas ou de faturamento, crédito pessoal ou crédito direto ao consumidor, captação de recursos em real ou em dólar,

18 LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 36.

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administração de consórcios de veículos ou outros bens, está muito enganado.

Para o estudioso Antonio Carlos Donini19:

Partindo das funções desempenhadas pelo factor no Brasil, a operação de factoring ou fomento empresarial resumem-se em atos que envolvem a compra de crédito, antecipação de recursos não-financeiros (matéria-prima) e prestação de serviços convencionais ou diferenciados, conjugados ou separadamente, a título oneroso entre dois empresários, faturizador e faturizado.

E continua Donini:

O conceito formulado por respeitados juristas, a propósito, somente define factoring em sua modalidade convencional, instituindo, ademais, condições como direito de regresso, conjugação ou cumulação de cessão de crédito e prestação de serviços, que em nosso sentir, limitam e engessam a prática do fomento mercantil.

Nesse sentido é a lição de Arnoldo Wald20 para quem “o

contrato de factoring, ou de faturização, consiste na aquisição, por uma empresa

especializada, de créditos faturados por um comerciante ou industrial, sem direito

de regresso com o mesmo”.

Para Fran Martins21:

O contrato de faturização ou factoring é aquele em que um comerciante cede a outro os créditos, na totalidade ou em parte, de suas vendas a terceiros recebendo o primeiro do segundo o montante desses créditos, mediante o pagamento de uma remuneração.

Para Orlando Gomes22, “factoring é o contrato por via do

qual uma das partes cede à terceiro (o factor) créditos provenientes de vendas

19 DONINI. ob. cit. p. 4 20 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. v.2, p. 466. 21 MARTINS. ob. cit. p. 469 22 GOMES, Orlando. Contratos. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 468.

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mercantis, assumindo o cessionário o risco de não recebê-los contra o pagamento

de determinada comissão a que o cedente se obriga”.

Arnaldo Rizzardo23 tem o seguinte conceito sobre o instituto

do factoring:

O sentido tradicional de factoring não oferece maiores dificuldades. Pode-se afirmar que se está diante de uma relação jurídica entre duas empresas, em que uma delas entrega à outra um título de crédito, recebendo, como contraprestação, o valor constante do título, do qual se desconta certa quantia, considerada a remuneração pela transação.

Silvio de Salvo Venosa24 leciona que o factoring é:

Um negócio jurídico de duração por meio do qual uma das partes, a empresa de factoring (o faturizador ou factor), adquire créditos que a outra parte (o faturizado) tem com seus respectivos clientes, adiantando as importâncias e encarregando-se das cobranças, assumindo o risco de possível insolvência dos respectivos devedores.

Complementando, elucida a mestre Maria Helena Diniz25,

que o contrato de factoring é:

Aquele em que um industrial ou comerciante (faturizado) cede a outro (faturizador), no todo ou em parte, os créditos provenientes de suas vendas mercantis a terceiros, mediante o pagamento de uma remuneração.

E na concepção de Waldirio Bulgarelli26:

A operação de factoring repousa na sua substância, numa mobilização dos créditos de uma empresa; necessitando de recursos, a empresa negocia os seus créditos, cedendo-os à outra, que se incumbe de cobrá-los, adiantando-lhe o valor desses créditos (conventional factoring) ou pagando-os no vencimento

23 RIZZARDO, Arnaldo. Factoring. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004 , p. 13. 24 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 605. 25 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico prático dos contratos.4.ed. São Paulo: Saraiva, 1993.p. 57. 26 BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 541.

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(maturity factoring); obriga-se, contudo a pagá-los mesmo em caso de inadimplemento por parte do devedor da empresa.

Segundo o presidente da ANFAC, Luiz Lemos Leite27, o

factoring é:

A prestação contínua de serviços de alavancagem mercadológica, de avaliação de fornecedores, clientes e sacados, de acompanhamento de contas a receber e de outros serviços, conjugados com a aquisição de crédito de empresas resultantes de suas vendas mercantis ou de prestação de serviços realizadas a prazo. Esta definição, que foi aprovada na Convenção Diplomática de Ottawa – Maio/88, da qual o Brasil foi uma das 53 nações signatárias.

Sobre este ultimo conceito apresentado por Leite, o

doutrinador Antônio Carlos Donini28, nos apresenta uma visão que até então não

era atacada por nenhum outro estudioso do Fomento Mercantil, onde nos diz que:

Primeiramente, urge esclarecer que o Brasil não é signatário da Convenção de Ottawa, ocorrida entre 9 e 28 de maio de 1988, negociada sob a égide do Unidroit (Instituto para a Unificação do Direito Privado). O Brasil, com efeito, participou das duas convenções (leasing e factoring), mas, ao final, apenas assinou a “ata da reunião”. O representante do Brasil foi o embaixador Marcos Coimbra, que não possuía carta com poderes para assinar, como signatário, a Convenção de Ottawa.

Seguindo o pensamento do doutrinador:

Secundariamente, o objetivo da Convenção de Ottawa foi reger os contratos de factoring no âmbito internacional, nada tratando sobre o factoring doméstico dos países. Apenas quando uma empresa de factoring tem, na outra ponta, devedor ou faturizado de outro país, pode-se dizer que deverá ater-se à Convenção de Ottawa.

Deve-se ainda lembrar que a atividade do factoring não está

relacionada à atividade financeira, conforme ensina Lemos Leite29: 27 LEITE. ob. cit. p. 30. 28 DONINI. ob. cit. p. 06.

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Factoring não é banco, nem instituição financeira. Banco capta dinheiro, empresta dinheiro e necessita da autorização do Banco Central para funcionar. Factoring presta serviços e compra de créditos. É uma sociedade mercantil.

Deste modo, pode-se conceituar o factoring como sendo um

negócio jurídico não financeiro pelo qual uma sociedade de fomento mercantil

adquire através de uma cessão de crédito, os títulos representativos das vendas

mercantis da empresa faturizada, recebendo por isso uma remuneração chamada

de fator, responsabilizando-se pela cobrança desses títulos, e assumindo

inclusive, o risco pela insolvência dos devedores, além da prestação de serviços e

adiantamento de recursos à empresa.

1.6 DENOMINAÇÃO E ETIMOLOGIA

Prefere-se o uso da palavra inglesa, como de resto sucede

na generalidade dos países.

Segundo informa Duarte30, mesmo na França, onde a lei

constrange fortemente o uso público de vocábulos estrangeiros, tentou-se

substituí-lo pela palavra affacturage, consagrado oficialmente, ainda assim, não

conseguiu banir o uso da expressão ‘factoring’.

Segundo Donini31, “Factoring é um termo inglês de origem

francesa, que remonta ao latim face. Factor é aquele que faz”. A utilização de

termos anglo-saxônicos no domínio bancário e econômico é bastante freqüente.

Neste sentido, o mestre português Antônio Menezes

Cordeiro32 ensina:

Ela tem a ver com a mobilidade dos quadros e com a formação anglo-saxônica dominante nos níveis mais elevados. Os restantes, numa osmose lingüística típica, tendem a imitá-los. O uso do

29 LEITE. ob. cit. p. 38. 30 DUARTE, Rui Pinto. Escritos sobre leasing e factoring. Portugal: Principia, 2000. p.7. 31 DONINI. ob. cit. p. 7 32 CORDEIRO, Antônio Menezes. Da cessão financeira (factoring). Portugal: Lex, 1994. p.19.

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inglês permite ainda contatos com culturas diferentes: funciona assim, como um esperanto.

Conforme nos explica Arnaldo Rizzardo33, é o que ocorre

com a palavra ‘leasing’, que segundo ele:

Embora a sistematização brasileira do instituto tenha consagrado à denominação arrendamento mercantil, seu nome histórico e natural é leasing, que acompanha paralelamente, as diversas expressões usadas nos países onde foi o mesmo adotado.

Ainda ensina o mesmo autor34:

A palavra é inglesa, mas tem sua origem no latim, do verbo facere (fazer), de onde é proveniente o substantivo factor (caso nominativo), factoris (caso genitivo), com o significado de aquele que faz, e que para os romanos representava um agente comercial, ou intermediário de comerciante nas trocas de produtos em locais afastados e distantes.

Outra forma de denominação do Factoring ou Fomento

Mercantil, é a utilização de uma palavra de fácil compreensão, como fez Fábio

Konder Comparato35 em estudo realizado e publicado em 1972, “recorrendo a um

neologismo cômodo - por faturização, por tratar-sede venda do faturamento de

uma empresa”.

A palavra faturização, segundo nos ensina Arnaldo

Rizzardo36:

É nova e não consta, efetivamente, em nossos dicionários. Provém certamente de fatura, que, em direito mercantil, é o documento representando a venda de mercadorias, pelo qual o vendedor faz conhecer ao comprador as mercadorias vendidas. Faturização, pois advém de fatura, expressando ação ou atividade de quem trabalha com faturas, mas na parte dos valores que elas representam. E complementa: Não parece, pois inapropriada ou

33 RIZZARDO, Arnaldo. Leasing, arrendamento mercantil no direito brasileiro. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 15. 34 RIZZARDO, Arnaldo. Factoring. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 19. 35 COMPARATO, Fábio Konder. Factoring. Revista do Direito Mercantil. nº 6, 1972. p.59. 36 RIZZARDO. ob. cit. p. 15.

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injustificada, a designação introduzida para manifestar este tipo de operação em nossa realidade jurídica.

A expressão faturização foi atacada fortemente por Luz

Lemos Leite37, para quem: “infelizmente, no Brasil, pessoas mal-informadas ou

desinformadas usam a palavra faturização, ignorando seu radical latino (factor,

is).” Nesse particular, dá outra breve explicação sobre a utilização de faturização

pela ANFAC:

Estudiosos do latim, egressos que somos de um seminário, coletamos uma interpretação filosófica da origem etimológica da palavra, visto que a tradução literal nunca poderia ser faturização. Estranha-nos a expressão faturização por não encontrar qualquer razão etimológica que possa justificar seu uso, que, para nós, denota parcos conhecimentos do vernáculo, bem como da sistemática operacional modernamente consagrada pela atividade do factoring em 50 países do mundo.

São usadas ainda outras expressões que tentam substituir a

palavra factoring, expressões como fomento mercantil e fomento comercial. Como

diz Donini38, a paternalização dessas expressões é reivindicada por Luiz Lemos

Leite39, segundo o qual é:

Fruto de experiências vividas em nossa carreira no Banco Central e de sólidos conhecimentos venturosamente adquiridos da língua latina, em anos de seminário tivemos a primazia de lançar a expressão fomento comercial, depois ajustada como fomento mercantil, tradução ideológica do étimo anglo-latino factoring.

Ainda coloca em sua obra, Factoring no Brasil40:

Como temos visto em todas as edições deste livro, a etimologia do factoring é latina, razão porque, em 1982, quando fundamos a ANFAC, traduzimos a palavra para o português como fomento comercial, mais tarde adotou-se a expressão fomento mercantil.

37 LEITE. ob. cit. p. 29. 38 DONINI. ob. cit. p. 9. 39 LEITE, Luiz Lemos. Informativo Anfac nº 42, de dezembro/2003, janeiro e fevereiro/2004. p. 5. 40 LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p 29.

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Alguns doutrinadores comungam a posição de que a

denominação mais aceita, para qualquer forma de atividade, é a de factoring,

“dada a sua generalização e a sua origem histórica”, consentindo com Arnaldo

Rizzardo41. Porém, isto não quer dizer que as outras formas de denominação

estão erradas.

1.7 ESPÉCIES DE FOMENTO MERCANTIL

Conforme ensina Rizzardo42, “não há uma única modalidade

de factoring”. Outros autores também apontam diversas espécies de factoring

praticadas, de acordo com a finalidade e funções exercidas pelo instituto.

Neste sentido, Venosa43 dispõe que “o factoring pode tomar

várias formas. Não existe uma unanimidade na doutrina quanto à classificação,

pois longe está de uma uniformidade terminológica”.

Deste modo, não é tarefa fácil estabelecer apenas uma

classificação para as várias modalidades de factoring praticadas no Brasil, e

embora alguns autores possuam classificações semelhantes, algumas são mais

complexas, abordando um número maior de espécies, enquanto outras tratam

apenas das modalidades mais comuns.

Nesse contexto vale lembrar a lição de Donini44:

A partir das funções desempenhadas pelo factor dirigidas ao mercado interno, importa definir e delinear as distinções a fim de relacionar as modalidades atualmente praticadas, embora, como já escrito alhures, possa haver uma zona cinzenta relativamente a algumas das modalidades.

Dentre as classificações existentes, verifica-se que as

modalidades mais comuns abordadas são: o conventional factoring, o trustee

41 RIZZARDO. ob. cit. p. 17. 42 RIZZARDO. ob. cit. p. 47. 43 VENOSA. ob. cit. p. 607. 44 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: regulação, funções desempenhadas, modalidades e o direito de regresso, p. 732.

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factoring, o export factoring, o maturity factoring e a compra de matéria-prima, as

quais serão abordadas em separado no decorrer deste trabalho.

No entanto, existem outras modalidades, conforme

classificação de Rizzardo45, como o collection type factoring agreement, o

undisclosed factoring, o non notification factoring e o new style factoring, que não

serão abordadas a fundo devido à sua pouca ou inexistente aplicação no Brasil.

1.7.1 Convencional

O factoring convencional é a modalidade de factoring mais

praticada no Brasil, sendo também denominada por alguns autores de old line

factoring46 ou conventional factoring.

Nesta modalidade a cessão de crédito é realizada

conjuntamente com a prestação de serviços convencionais, antecipando-se os

valores dos títulos negociados através da cessão pro soluto, assumindo o factor

os riscos da transação efetuada. Pela compra (cessão) do título é cobrada uma

remuneração chamada fator.

Para Diniz47, haverá o conventional factoring “se as faturas

cedidas forem liquidadas pelo faturizador antes do vencimento. Os créditos

negociados serão pagos ao cedente no instante da cessão. Ter-se-á, portanto, o

adiantamento dos valores dos títulos”.

Do mesmo entendimento compartilha Rizzardo48, ao dispor

que no conventional factoring “há uma particularidade que logo sobressai: os

recursos são adiantados pela empresa faturizadora, ficando ela com os títulos”.

Na lição de Donini49, o factoring convencional:

É a forma mais tradicional das operações da faturização, sendo oferecida ao faturizado a mais variada gama de serviços e de

45 RIZZARDO. op, cit. p. 49-50/52. 46 RIZZARDO, Arnaldo. Factoring, p. 48 e VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: contratos em

espécie, p. 607. 47 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. v. IV, p. 79. 48 RIZZARDO. ob. cit. p. 48. 49 DONINI. ob. cit. p. 41.

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contratos, compreendendo, geralmente, os seguintes: aquisição à vista dos créditos com renúncia ao direito de regresso, gestão de tais créditos, notificação da cessão ao devedor etc.

Há de se lembrar ainda, que concomitantemente com a

cessão de crédito deve haver a prestação de serviços, conforme lembra Lemos

Leite50:

Factoring convencional – modalidade que consiste na prestação de serviços, em caráter contínuo, realizada pela sociedade de fomento mercantil, conjugada com a compra de créditos (direitos) ou ativos representativos de vendas mercantis realizadas a prazo, mediante a venda (cessão, alienação) desses direitos, por suas empresas-clientes contratantes.

Portanto, o conventional factoring suporta basicamente duas

funções: a cessão de crédito e a prestação de serviços convencionais, sendo a

modalidade mais típica e completa de factoring51.

1.7.2 Maturity

Nessa modalidade de factoring não há a antecipação dos

valores dos títulos negociados na cessão de crédito, sendo estes pagos somente

no seu vencimento.

O termo “maturity”, do inglês, significa “no vencimento”,

sendo essa modalidade também conhecida como factoring sem financiamento.

Sobre esse assunto posiciona-se Venosa52:

Pelo “maturity factoring” (faturização de vencimento), a empresa não financia, não adianta numerário, mas encarrega-se da cobrança dos créditos do faturizado, garantindo seu pagamento nos vencimentos, assumindo o risco pelo inadimplemento.

50 LEITE. ob. cit. p. 39. 51 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: regulação, funções desempenhadas, modalidades e o direito de regresso, p. 732. 52 VENOSA. ob. cit. p. 607-608.

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Diniz53 ensina que no “maturity factoring” “não haverá

qualquer adiantamento do valor dos créditos cedidos; exclui-se a atividade de

financiamento, embora subsista a gestão e a cobrança das faturas como garantia

do pagamento na data do vencimento”.

E do mesmo entendimento compartilha Newton de Lucca54,

ao prever que no maturity factoring “está excluída a atividade de financiamento,

subsistindo, entretanto, tanto a gestão e a cobrança das faturas, como a garantia

dos pagamentos na data de seus vencimentos”.

No maturity factoring, conforme ensina Donini55, “o objeto do

contrato é a prestação de serviços convencionais. Eventualmente e

opcionalmente poderá o faturizador adquirir, através de cessão de créditos, títulos

oriundos das operações mercantis da faturizada antecipadamente”.

Assim, a principal vantagem da empresa-cliente do maturity

factoring reside nos casos de inadimplemento do devedor, pois a cessão de

crédito é operada pro soluto, assumindo a sociedade de fomento mercantil os

riscos da insolvência. Esta modalidade de factoring ainda é pouco praticada no

Brasil.

1.7.3 Trustee

Trustee é a palavra na língua inglesa que significa fidúcia,

confiança.

Nessa modalidade de factoring, a sociedade de fomento

mercantil passa a administrar a empresa-cliente, através de uma gestão de

negócios, formando-se assim, uma relação de confiança entre factor e cliente.

Conforme lição de Lemos Leite56, o trustee factoring é:

53 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. v. IV, p. 79. 54 LUCCA, Newton de. O contrato de factoring. Apud Bittar, Carlos Alberto. Novos contratos

empresariais, p. 127-128. 55 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: regulação, funções desempenhadas, modalidades e o direito de regresso, p. 734. 56 LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil, p. 39.

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Operação de prestação de serviços de tesouraria, acompanhamento de contas a receber e a pagar no qual a sociedade de fomento mercantil é mandatária da sua empresa-cliente contratante para gerenciar suas contas a receber e/ou a pagar.

Para Diniz57, essa modalidade “compreende a administração

de contas a pagar e receber de sua cliente, que passa a trabalhar com o caixa

zero, otimizando sua capacidade financeira”.

E conforme Donini58, na operação do trustee factoring, “o

faturizador passa a dirigir e administrar as contas da faturizada, caracterizando

uma parceria, confiando (trustee-fiducia-confiança) a gestão das contas a receber

de sua empresa à factoring”.

No trustee factoring, segundo Rizzardo59, “cria-se uma

relação de confiança, de fidúcia entre a empresa de factoring e as empresas-

clientes, que passam a formar uma parceria, com interesses convergentes no

fomento mercantil”.

E lembra, ainda, Donini60:

No trustee não ocorre a cessão de crédito, mas o faturizador poderá receber ad valorem dos títulos de crédito (duplicatas e cheques pós-datados) através de endosso-mandato e não por endosso translativo, como ocorre na cessão de crédito.

O trustee factoring ainda é pouco difundido no Brasil, e vem

procurando expandir seu campo de atuação, conquistando novos setores e

parcerias.

57 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. v. IV, p. 79. 58 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 39-40. 59 RIZZARDO, Arnaldo. Factoring, p. 51. 60 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: regulação, funções desempenhadas, modalidades e o direito

de regresso, p. 734.

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1.7.4 Matéria-Prima

Essa modalidade se diferencia das demais porque não tem

como objeto a antecipação de recursos financeiros, mas a obtenção de matéria-

prima, estoque e insumos para a empresa faturizada pela empresa de factoring,

que os adquire junto ao fornecedor mediante pagamento à vista, recebendo em

troca a exclusividade sobre a venda dos produtos manufaturados ou

industrializados a partir dessa matéria-prima.

Conforme lição de Lemos Leite61, essa modalidade de

factoring “consiste na negociação promovida pela sociedade de fomento

mercantil, junto a fornecedores de matéria-prima, insumos ou estoque, para

atender à empresa-cliente nas necessidades de desenvolvimento de seus

negócios”.

Diniz62 dispõe que haverá o factoring de compra de matéria-

prima “se a empresa de factoring fizer a intermediação para seu cliente,

negociando diretamente com o fornecedor, visando obter melhor preço de

compra”.

Assim, segundo o autor anteriormente citado, “o objeto

dessa modalidade é a antecipação de recursos não financeiros à faturizada para

aquisição de matéria-prima, por preço certo e determinado”.

No contexto que se apresenta, aprende-se então, que a

vantagem da compra de matéria-prima reside na possibilidade de obtenção da

matéria-prima, insumos e estoque pela empresa faturizada a um melhor preço,

tornando assim o produto industrializado ou manufaturado mais competitivo no

mercado.

1.7.5 Export, Exportação, Importação ou Importação-Exportação.

O export factoring, também conhecido por factoring

exportação, factoring importação-exportação ou factoring internacional é aquele

61 LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil, p. 39. 62 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. v. IV, p. 79.

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cuja operação se dá fora do país, utilizando-se de expedientes voltados ao

comércio exterior em conjunto com as funções desempenhadas pelo factoring

convencional, como a cessão de crédito e a prestação de serviços.

De acordo com Donini63, esta modalidade de factoring “atua

em três frentes – importação, exportação e a chamada ‘garantia’ ou securitização

– e onde o faturizador adquire, através de cessão, o crédito que o faturizado

possui com o importador”.

Para Lemos Leite64, o export factoring surge:

Com uma gama de serviços de inequívoca utilidade, principalmente para os pequenos e médios industriais, que não têm condições de exportar, e como mais uma alternativa que se oferece para estimular, facilitar e financiar as exportações. O factoring exportação remove os problemas e riscos com as exportações feitas pelos processos convencionais.

Antonio Carlos Donini, citando Maria Helena Brito65, aduz

que as operações de factoring exportação:

Envolvem quatro grupos de sujeitos: o exportador, o(s) importador (es) (que são as partes no contrato internacional de compra e venda de mercadorias ou no contrato internacional de prestação de serviços), um export-factor (sociedade de factoring do país do exportador), um import-factor (sociedade de factoring do país do importador).

Ressalta-se ainda que no factoring exportação a

remuneração cobrada pela sociedade de factoring pelos serviços prestados

chama-se service fee, e as operações dessa modalidade de factoring devem estar

amparadas na Convenção de Ottawa, caso uma das partes seja signatária.

63 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: regulação, funções desempenhadas, modalidades e o direito de regresso, p. 734. 64 LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil, p. 342. 65 BRITO, Maria Helena. O factoring internacional e a convenção do Unidroit. Apud Donini, Antonio

Carlos. Factoring: regulação, funções desempenhadas, modalidades e o direito de regresso, p. 733.

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CAPÍTULO 2

CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL

2.1 CARACTERÍSTICAS E NATUREZA JURÍDICA

O contrato de fomento mercantil ou factoring tem como base

a aquisição dos créditos comerciais do faturizado, possuindo, assim, conforme

Venosa66, “conteúdo jurídico próprio e peculiar”.

Por ser a atividade do factoring um fenômeno novo no Brasil,

o contrato de fomento mercantil se encontra em constante evolução, assumindo

gradualmente uma forma própria.

Segundo Bulgarelli67, pode-se “classificar o contrato de

factoring como contrato bilateral, consensual, comutativo, oneroso, de execução

continuada, intuitu personae, interempresarial e atípico”.

É contrato bilateral, pois a sua celebração acarreta

obrigações e direitos a ambas as partes envolvidas. Conforme lição de

Rizzardo68, “o factor adquire os créditos e o cliente entrega ou transfere tais

66 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie, p. 609. 67 BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis, p. 546. 68 RIZZARDO, Arnaldo. Factoring, p. 43.

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créditos. Há o compromisso de adquirir e pagar pelos créditos, de parte do factor,

e de entregar e transferir, relativamente ao faturizado”.

Constitui-se consensualmente haja vista ser essencial a

declaração de vontade das partes para a sua eficácia. Segundo leciona Diniz69,

“os contratos consensuais ou não-solenes são os que se perfazem pela simples

anuência das partes, sem a necessidade de outro ato”.

Rizzardo70 assevera que o contrato de fomento mercantil

diz-se comutativo, pois “traz vantagens e obrigações ou prestações recíprocas

para os pactuantes, que devem se equivaler. Não é admitida a vantagem

excessiva de uma das partes”.

A onerosidade do contrato de factoring se deve a cobrança

de taxas de remuneração por parte das sociedades de fomento mercantil pela

atividade exercida. Tal remuneração é cobrada em vista do risco do negócio,

conforme ensina o autor anteriormente citado71:

Remunera-se pelo risco que corre ante a possibilidade do não recebimento e remunera-se para compensar o adiantamento das importâncias pagas. Compreende-se, assim, porque há maiores custos que nos contratos bancários. Um dos destaques de maior relevância é a isenção do faturizado da responsabilidade de pagar o crédito cedido. Não recai nele qualquer obrigação de reembolsar, pelo valor recebido, o título que transferiu.

Diz-se contrato de execução continuada, na lição de Diniz72,

aqueles “que se protraem no tempo, caracterizando-se pela prática ou abstenção

de atos reiterados, solvendo-se num espaço mais ou menos longo de tempo”.

Nesse caso, o contrato de factoring é de execução

continuada, pois o ato da aquisição dos créditos e da prestação de serviços por

parte da sociedade de fomento mercantil se dá reiteradamente.

69 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e

extracontratuais. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 92. 70 RIZZARDO, Arnaldo. Factoring, p. 44. 71 RIZZARDO. ob. cit. p. 43 72 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 96.

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É contrato intuitu personae ou pessoal, pois conforme

Donini73:

Na operação de factoring, o faturizador considera como elemento determinado para a contratação a pessoa do faturizado, sendo elemento causal do contrato. Assim é que para a empresa de factoring comprar títulos de crédito do faturizado, procura conhecê-lo no mercado, condicionando-o a critérios para aprovação de sua condição de contraente e faturizado.

Por contrato inter-empresarial, mercantil ou empresarial,

entende-se aquele realizado entre empresas, sendo regidos por normas de direito

civil e comercial, conforme leciona o autor acima citado74:

A operação de factoring não envolve relação de consumo. O faturizado (cedente-cliente do factoring) na cessão de crédito se apresenta como tomador de recursos para fomentar sua empresa, ou seja, para ser empregado em sua atividade ou cadeia produtiva (linha de produção, montagem, transformação de matéria-prima, aumento de capital de giro e pagamento de fornecedores) que não se enquadra como consumidor ou destinatário final.

Considera-se o contrato de fomento mercantil atípico porque

não existe no ordenamento jurídico brasileiro uma lei que o regulamente

especificamente, embora seja um contrato nominado, pois segundo Rizzardo75,

“há uma denominação, adotada por resoluções do Banco Central e até em lei.

Usam-se as expressões factoring, faturização e fomento de crédito mercantil ou

comercial”.

E ainda, é válido o posicionamento de Donini76 sobre a

atipicidade do contrato de fomento mercantil:

O contrato de fomento mercantil, mesmo não possuindo regras contratuais regulamentadas (atípico), envolve cessão de crédito, prestação de serviços e endosso, cujos institutos se encontram

73 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 130. 74 DONINI. Ob. Cit. p. 130. 75 RIZZARDO, Arnaldo. Factoring, p. 43-44. 76 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 127.

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delineados em leis específicas (típico). Por isso, podemos classificá-lo como um contrato atípico misto.

Portanto, o contrato de fomento mercantil é atípico misto,

inter-empresarial, intuitu personae, de execução continuada, comutativo, oneroso,

consensual e bilateral.

2.2 REQUISITOS BASICOS DO CONTRATO

A realização de um negócio jurídico depende do

preenchimento de alguns requisitos básicos para surtirem os efeitos esperados

pelas partes contratantes.

Conforme ensinamento de Bulgarelli77:

Os contratos, como todos os negócios jurídicos, são constituídos de elementos ou requisitos gerais e específicos, extrínsecos e intrínsecos. Enquanto a classificação, tendo como base o termo elementos, é antiga, a doutrina moderna prefere empregar o termo requisito, embora substancialmente não se distingam, pois que ambos significam, afinal, o que integra a constituição ou composição dos atos jurídicos.

Assim, a validade do negócio jurídico requer de acordo com

o disposto no art. 104 do Código Civil Brasileiro (CC), a conjugação de três

requisitos, subjetivos, objetivos e formais: agente capaz, objeto lícito, possível e

determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.

Em primeiro lugar, o contrato de fomento mercantil

observará sempre a capacidade das partes, caso contrário poderá ocorrer causa

de nulidade ou anulabilidade do contrato, sendo as partes absolutamente ou

relativamente incapazes, conforme preceituam os artigos 166, I e 171, I do CC.

Sobre a capacidade do agente, posiciona-se Bulgarelli78:

Assim, em relação ao agente capaz, além da capacidade a doutrina faz referência à legitimação. Portanto, o agente deve ser

77 BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis, p. 74. 78 BULGARELLI. ob. cit. p. 78

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capaz, e também legitimado, isto é, não estar impedido de praticar o ato, ou então deve ter titularidade ativa ou passiva, portanto, deve estar habilitado pela lei para determinado contrato.

Quanto ao requisito objetivo, este deverá ser lícito e

determinável, segundo a lição de Diniz79, tais requisitos “dizem respeito ao objeto

do contrato, ou seja, à obrigação constituída, modificada ou extinta”.

Assim, o contrato de fomento mercantil deverá conter objeto

que não seja contrário à lei, à moral, aos princípios da ordem pública e aos bons

costumes, que não seja física ou materialmente impossível, de modo que o

agente jamais possa vencer o obstáculo à sua realização, por contrariar as leis

físico-naturais, bem como deverá ser certo, ou pelo menos determinável.

Ainda, quanto ao requisito formal, ensina Bulgarelli80 que “a

forma só é elemento essencial quando a lei a exige, estando intimamente ligada à

prova, e não à própria formação do contrato”.

Assim, não se exige ao contrato de fomento mercantil

qualquer forma especial, podendo este ser firmado tácita ou expressamente,

dando-se preferência, obviamente, à forma escrita.

Finalizando, há um último requisito de essencial importância,

que segundo lição de Silvio Rodrigues81, “é a coincidência de vontades, ou seja, o

acordo entre dois ou mais participantes da convenção”.

Desse modo, tem-se que para a formação do contrato de

fomento mercantil são necessários os seguintes requisitos: agente capaz, objeto

lícito, possível e determinável, forma prescrita ou não defesa em lei e a

coincidência de vontades entre os agentes contratantes.

79 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 28. 80 BULGARELLI. p. 79. 81 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 13.

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2.3 OBJETO DO CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL

O contrato de fomento mercantil terá como principal objeto a

cessão de créditos a título oneroso entre a empresa de factoring e a empresa

cliente.

No entanto, hodiernamente, o objeto da operação de

factoring não se restringe somente à aquisição de títulos. Segundo a lição de

Diniz82, “o factoring apresenta-se como uma técnica financeira e de gestão

comercial. Nítido é seu caráter mercantil e tríplice é seu objeto: garantia gestão de

créditos e financiamento”.

Com relação à tríplice divisão do objeto do contrato, e as

funções do factor, manifesta-se Venosa83:

São três as funções que desempenha: garante os créditos, pois fica obrigado aos pagamentos, mesmo na hipótese de insolvência dos devedores, […]. Administra os créditos da empresa faturizada, opinando sobre devedores duvidosos e providenciando a cobrança. Por fim, o factor ou faturizador financia o faturizado, quando lhe adianta recursos referentes aos títulos.

Portanto, o objeto do contrato de fomento mercantil constitui-

se numa gestão de créditos, haja vista o factor atuar tanto na aquisição dos

créditos da empresa cliente, como também no assessoramento e gerenciamento

dessas empresas.

Ressalta-se ainda que o objeto do contrato tem algumas

peculiaridades de acordo com a modalidade de factoring praticada, sendo esta

convencional, importação-exportação, maturity, trustee ou compra de matéria-

prima.

No factoring convencional, segundo Donini84, o objeto do

contrato:

82 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. v. IV, p. 76. 83 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie, p. 606. 84 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 133.

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Envolverá cessão de crédito de títulos transferidos por endosso, separada ou conjugadamente, com prestação de serviços, que consistirá na seleção e avaliação de riscos, principalmente dos créditos oriundos das operações efetuadas e dos sacados; acompanhamentos das contas a receber e a pagar etc.

No factoring importação-exportação, o objeto terá relação

com o comércio exterior, podendo envolver compra de matéria-prima, cessão de

crédito e a prestação de outros serviços.

No maturity factoring, Donini85, ensina que o objeto do

contrato “envolverá prestação de serviços (convencional ou diferenciada), com

pagamento dos títulos a serem cobrados, nas datas dos respectivos

vencimentos”.

E continua o mesmo autor, aduzindo que no trustee

factoring, o objeto “envolverá prestação de serviços diferenciados como parcerias,

gestão financeira e de negócios; intermediação e acompanhamento de contas a

receber e a pagar; cobranças de títulos; consultorias; assessorias”.

Quanto ao objeto do factoring de compra de matéria-prima,

colhe-se a lição de Rizzardo86:

Contrata-se a compra de matéria-prima e insumos pela empresa de factoring. Os títulos de crédito, advindos da posterior venda das mercadorias fabricadas, serão obrigatoriamente adquiridos pela faturizadora. No preço, computam-se os valores da matéria-prima e dos insumos, descontando-se o correspondente. Se paga apenas a diferença.

Assim, tem-se em resumo, que o contrato de fomento

mercantil terá como objeto: a cessão de créditos onerosa, a gestão dos créditos, a

assessoria creditícia e mercadológica, a administração de contas a pagar e a

receber, a seleção de clientes para os vendedores, a prestação de informações

comerciais sobre produtos e similares, a orientação contábil, jurídica e

administrativa e, por derradeiro, a prestação de serviços de marketing. 85 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 134. 86 RIZZARDO, Arnaldo. Factoring, p. 88.

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2.4 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

A prestação de serviços é parte fundamental do objeto do

contrato de fomento mercantil.

Nesse contexto, é oportuna a lição de Lemos Leite87:

A principal atividade da sociedade de fomento mercantil consiste em oferecer a sua empresa-cliente serviços. Às vezes é difícil traduzir em expressões numéricas os múltiplos serviços que a sociedade de fomento comercial pode oferecer como parceira de suas empresas-clientes.

Assim, conforme classificação adotada por Donini88, os

serviços prestados pelas empresas de factoring se dividem em “serviços

convencionais e diferenciados”:

Na prestação de serviços convencionais, o faturizador presta ao faturizado serviços administrativos usuais como avaliação de contas a receber e a pagar, organização contábil, controle do fluxo de caixa, análise de crédito, etc. As modalidades domésticas que poderão ser utilizadas para essas funções são: convencional, importação-exportação e maturity. A prestação de serviços diferenciados tem envolvimento maior do faturizador junto ao faturizado, onde aquele tem a confiança deste para gerir e administrar a empresa, fazer parcerias etc. A modalidade apropriada para atender essas funções é o trustee.

Desse modo, os serviços convencionais seriam aqueles

prestados em decorrência da aquisição dos créditos pelo factor, haja vista a

necessidade deste avaliar a origem dos títulos adquiridos, prestando assim,

serviços de avaliação creditícia, entre outros, relacionados à cessão dos créditos.

Por outro lado, os serviços diferenciados, que são objeto do

trustee factoring, englobam a gestão do próprio negócio da faturizada, tendo

como principal característica, a relação de fidúcia entre factor e cliente.

87 LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil, p. 265. 88 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 75-76.

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Sobre a prestação ou locação de serviços Diniz89 ensina que

“o locador (prestador) se compromete a prestar certos serviços que o locatário

(tomador) se obriga a remunerar, de forma que a obrigação de fazer do primeiro

se contrapõe à de dar do segundo”.

Quanto à classificação do contrato de prestação de serviços

posiciona-se Rodrigues90:

Trata-se de contrato bilateral, oneroso, consensual, comutativo e não solene. Bilateral, porque envolve prestações recíprocas de cada uma das partes. Oneroso, dado o seu propósito especulativo. Consensual, porque independe da entrega da coisa para seu aperfeiçoamento, opondo-se, assim, aos contratos reais, em que a tradição é elemento constitutivo do contrato. Comutativo, porque cada uma das partes, desde o momento da feitura do ajuste, pode antever e avaliar a prestação que lhe será fornecida e que, pelo menos subjetivamente, é equivalente da prestação que se dispõe a dar. Não solene, porque a lei não impõe forma determinada para o seu aperfeiçoamento.

Registre-se ainda que no contrato de prestação de serviços

deverão ser observados três elementos essenciais: tempo, preço e objeto do

contrato, de acordo com o disposto no CC.

Nesse tema é a lição de Donini91:

O prazo do contrato não poderá ser por mais de quatro (04) anos. Decorrido esse prazo, dar-se-á por findo o contrato, ainda que não concluídos os serviços […]. Não havendo prazo estipulado, qualquer das partes, mediante aviso prévio, poderá rescindir o contrato. Quando não estipulado o preço dos serviços contratados, a fixação será por arbitramento, observado o costume do lugar, o tempo de serviço e sua qualidade. O objeto do contrato poderá ser toda espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial.

89 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e

extracontratuais, p. 260. 90 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p.

221-222. 91 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 76-77.

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Por derradeiro, de acordo com o autor acima citado, “a

prestação de serviços (diferenciados ou convencionais) deverá ser contratada

mediante remuneração”.

2.5 CESSÃO E ENDOSSO

Para formalizar a aquisição e transferência dos títulos de

crédito negociados nas operações de factoring, a sociedade de fomento mercantil

utilizar-se-á de dois institutos, a cessão de crédito e o endosso.

Nesse tema, leciona Donini92:

Sendo o factoring ligado ao crédito que se constitui em bem de caráter patrimonial suscetível de transferência, essa transferência se faz através da cessão de crédito, sendo o endosso utilizado como instrumento para a tradição dos títulos cambiais, objeto da cessão.

Portanto, caberá primeiramente conceituar ambos os

institutos de forma genérica, para então dispor especificamente sobre os efeitos

jurídicos da aquisição dos créditos mediante cessão e endosso no contrato de

fomento mercantil.

Ressalta-se também que cessão e endosso são institutos

diversos, conforme Rizzardo93:

Ambas as formas são utilizadas para a transferência de créditos. O endosso constitui o instrumento de transferência típica e exclusiva dos documentos cambiais. Visa dar segurança na circulação de créditos. Já a cessão abrange créditos civis ou comuns, representados por títulos diferentes dos cambiais.

E finaliza Bulgarelli94:

Para que bem se compreenda o mecanismo do factoring, necessário é atentar-se para o tipo de relações entre o factor e a

92 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 79-80. 93 RIZZARDO, Arnaldo. Factoring, p. 99. 94 BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis. 6.ed. São Paulo: Atlas, 1991. p.

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empresa cedente; esta transmitirá seus créditos ou por via obrigacional comum (cessão propriamente dita) ou através de endosso, em caso de títulos de crédito, sendo mais comum o endosso de duplicatas (até porque o comerciante brasileiro está impedido de, pelas suas vendas, emitir outro título que não a duplicata de mercadorias, segundo a Lei nº. 5764/68).

Portanto este instituto baseia-se principalmente nestas duas

atividades que serão descritas a seguir.

2.5.1 Compra de Crédito (Cessão de Crédito)

A cessão de crédito consiste na principal atividade exercida

pela empresa de factoring, é um negócio jurídico no qual há uma transferência de

obrigações entre o credor de um direito e um terceiro que recebe este direito,

passando a ocupar a posição do credor.

Ensina Leite95:

No caso da cessão, transfere-se o direito ou crédito representado pelo documento negociado, obedecendo às regras do Direito Civil, e, como ninguém pode transferir a outrem o direito do que o por ele possuído, aquele que está recebendo leva consigo todos os vícios e defeitos de origem.

Já Donini96 conceitua a cessão de crédito da seguinte

maneira:

Cessão de Crédito é o negócio jurídico bilateral pelo qual o credor transfere a outrem os seus direitos, possuindo como partes: o cedente que é o que efetua o saque da duplicata e transfere para o faturizador (empresa de factoring). Essa é exatamente a operação que diferencia a factoring do banco. Na operação bancária (desconto de títulos), a transferência dos títulos somente se opera através do endosso, pois, trata-se de uma operação financeira onde são cobrados, além dos encargos, os juros. Na operação de factoring é efetuada a compra dos títulos, adquiridos através da cessão de direitos, apenas utilizando-se do endosso para sua tradição.

95 LEITE. ob. cit. 265. 96 DONINI. ob. cit. p. 24.

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Gomes97 ensina que “a cessão de crédito é o negócio

jurídico pelo qual o credor transfere a terceiro sua posição na relação

obrigacional”.

Na lição de Caio Mário da Silva Pereira98, “chama-se cessão

de crédito o negócio jurídico em virtude do qual o credor transfere a outrem a sua

qualidade creditória contra o devedor, recebendo o cessionário o direito

respectivo, com todos os acessórios e todas as garantias”.

Portanto, pode-se dizer que a cessão de crédito, é um

negócio jurídico no qual há uma transferência de obrigações entre o credor de um

direito e um terceiro que recebe este direito, passando a ocupar a posição do

credor.

Esse negócio jurídico constitui-se em um contrato. Nesse

aspecto leciona Gomes99:

Indiscutível sua natureza negocial. É negócio jurídico bilateral. Para que o credor saia da relação obrigacional e o terceiro passe a ocupar seu lugar, devem entender-se mediante contrato. Não basta a declaração de vontade de quem quer transferir um crédito. É necessária a aceitação da pessoa a quem se quer transmiti-lo. Contudo, não se exige aceitação expressa. Vale, do mesmo modo, a aceitação tácita.

Quanto às partes, haverá o cedente e o cessionário, sendo

que o devedor não participará do negócio jurídico. No contrato de fomento

mercantil, ensina Donini100, com relação às partes da cessão:

Cedente é o credor, aquele que transfere ou aliena seus créditos. Na operação de factoring, é denominado também como faturizado (parte no contrato de fomento mercantil), sacador (autor do saque da duplicata) e endossante (por transferir a duplicata ou cheque através do endosso, dada a natureza cambial dos títulos de crédito). Cessionário é aquele para quem são transmitidos os

97 GOMES, Orlando. Obrigações. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 239. 98 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: teoria geral de obrigações. 19. ed.

Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 227. 99 GOMES. p. 239. 100 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 80/81.

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direitos sobre o crédito. É quem adquire, investido-se na titularidade dos direitos do cedente. Denominado também – no factoring – como faturizador, factor, empresa de factoring. O devedor ou cedido não participa (como também não precisa ser consultado) da cessão de crédito, devendo, entretanto, ser comunicado para que possa solver a obrigação ao legítimo detentor do crédito. No factoring é também denominado sacado (da duplicata) e emitente (do cheque).

A cessão pode ser total ou parcial, e abrange todos os

acessórios do crédito, conforme enuncia o art. 287 do CC. Quanto ao objeto da

cessão, Gomes101 leciona que:

Qualquer crédito pode ser objeto de cessão; conste, ou não, de um título; esteja vencido, ou por vencer; tenha como fundamento jurídico um contrato, um testamento ou um preceito legal; esteja livre e desembaraçado de qualquer ônus ou gravado por usufruto ou penhor. Não se admite, contudo, a cessão de crédito penhorado pelo credor que tiver conhecimento da penhora.

Com relação à operação de factoring, Donini102 ensina que

“o crédito cedido é oriundo exclusivamente de operações mercantis,

representado, geralmente, por duplicatas ou cheques pós-datados”.

Portanto, esta atividade civil é plenamente aplicada no

fomento mercantil, visto este ter como base os títulos de créditos negociados.

2.5.2 Endosso

O endosso, conforme a lição de Coelho103, “é o ato de

transferência do título de crédito à ordem”, estando esta cláusula implicitamente

contida nos títulos cambiais.

Rosa Jr. 104, assim define o instituto:

101 GOMES, Orlando. Obrigações, p. 242. 102 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 82. 103 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v. I, p. 406. 104 DONINI, ob. cit. p. 86.

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Endosso é o ato cambiário abstrato e formal, decorrente de declaração unilateral de vontade e correspondendo a uma declaração cambiária eventual e sucessiva, manifestada no título de crédito, ainda que dele não conste a cláusula “à ordem”, pela qual o beneficiário ou terceiro adquirente (endossante) transfere os direitos dele decorrentes a outra pessoa (endossatário), ficando, em regra, o endossante responsável pelo aceite e pelo pagamento.

E na lição de Donini105:

O endosso é a declaração cambial lançada no título cambial à ordem, operando-se, por meio dele, a circulação, a fim de transferi-lo a terceiro. Nas operações de factoring, onde o crédito transferido está geralmente representado por duplicatas ou cheques, é imprescindível o endosso, pois é o meio para a transferência do título. Ao endossar, o endossante (sacador-faturizado) transfere ao endossatário (faturizador) o título e, em conseqüência, os direitos nele incorporados.

Quanto às modalidades de endosso, Coelho106 leciona que

“o endosso pode ser em branco, ou em preto. No primeiro caso, o ato de

transferência da titularidade do crédito não identifica o endossatário; no segundo,

identifica”.

E continua sobre esse tema Donini107:

O endosso poderá ser em preto (quando o endossante transfere à pessoa expressamente determinada e indicada) ou em branco (quando não há referência ou indicação, transferindo-o assim a quem for o portador). Nas operações de factoring, utiliza-se do endosso em preto, designando-se o nome da empresa faturizadora, acima da assinatura.

No tocante às partes envolvidas, Rosa Jr. 108 ensina que

“para ser endossante é necessário que a pessoa possa dispor legitimamente do

105 DONINI, ob. cit. p. 86. 106 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v. I, p. 403. 107DONINI, ob. cit. p. 88. 108ROSA Jr., Luiz Emygdio Franco da. Títulos de crédito, p. 234/235.

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título de crédito e tenha capacidade jurídica para assumir obrigações cambiárias”.

E quanto ao endossatário, o autor dispõe:

Quem adquire o título de crédito torna-se seu proprietário e portador, não tendo qualquer responsabilidade cambiária, não havendo, em princípio, necessidade de tecer considerações sobre a capacidade jurídica do endossatário. Entretanto, se o endossatário efetivar novo endosso, assumindo responsabilidade cambiária de devedor indireto e de regresso, deve ter capacidade jurídica para endossar.

Ressalta-se ainda o disposto no art. 11 da LUG, o qual

dispõe que “toda letra de câmbio, mesmo que não envolva expressamente a

cláusula à ordem, é transmissível por via de endosso”.

Sobre esse assunto Donini109 posiciona-se:

A Lei Uniforme de Genebra é de fundamental importância para a prática de factoring, sendo os títulos objetos da cessão de crédito cambiariformes (posto que suscetível de circular como cambial) sua transferência somente se dará através do endosso.

Desse modo, o endosso consistirá no meio de transferência

dos créditos, tratando-se, conforme Lemos Leite110, “de um instituto jurídico mais

eficaz e operacionalmente mais prático, que só contribuirá para fortalecer os

negócios de factoring”.

2.6 TÍTULOS DE CRÉDITO

A operação de factoring envolve a aquisição dos créditos

mercantis das empresas faturizadas pela sociedade de fomento mercantil,

conjuntamente com a prestação de serviços. No entanto, a característica

preponderante nos contratos de factoring é a compra de créditos mercantis.

109 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 87. 110 LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil, p. 274.

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Tais créditos, adquiridos por meio de cessão civil ou

endosso, são representados através de documentos, aos quais se deu a

denominação de títulos de crédito.

Conforme ensina Coelho111:

Título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado. Esse conceito, formulado por Vivante e aceito pela unanimidade da doutrina comercialista, sintetiza com clareza os elementos principais da matéria cambial. Nele se encontram, ademais, referências aos princípios básicos da disciplina do documento (cartularidade, literalidade e autonomia), de forma que o seu detalhamento permite a apresentação da teoria geral do direito cambiário.

Com relação à definição de Vivante, vale citar o

ensinamento de Fran Martins112:

Analisando-se essa definição, podemos dela extrair algumas das mais importantes normas que regem esses títulos. Assim, diz o Mestre que o título de crédito é um documento. Isso significa que, para se ter um título de crédito, é indispensável que exista um documento, isto é, um escrito em algo material, palpável, corpóreo.

E na lição de Coelho113, “título de crédito é um documento.

Como documento, ele reporta um fato, ele diz que alguma coisa existe. Em outros

termos, o título prova a existência de uma relação jurídica, especificamente duma

relação de crédito”.

Na concepção de Luiz Emygdio F. da Rosa Jr. 114,

A expressão título de crédito tem duplo sentido: amplo e restrito. Em sentido amplo significa todo e qualquer documento que consubstancie direito de crédito de uma pessoa em relação à

111 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v. I, p. 369. 112 MARTINS, Fran. Títulos de crédito: letra de câmbio e nota promissória, segundo a lei uniforme.

13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 5. 113 COELHO. Ob. cit. p. 369. 114 ROSA Jr., Luiz Emygdio Franco da. Títulos de crédito. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p.

50-51.

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outra, como, por exemplo, instrumento de confissão de dívida. O Código Civil Brasileiro ao se referir a título de crédito, emprega a expressão em seu sentido lato. Em sentido restrito a expressão título de crédito corresponde somente aos documentos que a lei considera como títulos cambiários (letra de câmbio, nota promissória, cheque, duplicata, etc.).

Assim, pode-se dizer que o título de crédito é o documento

dotado de cartularidade, literalidade e autonomia, representante da existência de

uma relação de crédito.

No contrato de fomento mercantil, os títulos de crédito mais

comumente negociados são a duplicata mercantil e o cheque, podendo também

haver a negociação de outros títulos, como a letra de câmbio, o conhecimento de

transporte, o warrant, a nota promissória, entre outros.

Nesse contexto, é válida a lição de Rizzardo115:

Em tal linha, não se concebe a idéia de que a atividade de factoring transite apenas no campo das duplicatas, ou das transações reguladas pela Lei 5.474, de 1968. Quaisquer títulos de crédito podem ser objetos do factoring: as letras de câmbio, os conhecimentos de transporte, os warrants, os cheques, as cédulas pignoratícias e hipotecárias, e até contratos escritos de confissão de dívida.

No presente trabalho serão abordados separadamente

somente a duplicata mercantil e o cheque, haja vista sua maior utilização na

operação de factoring, ficando os demais títulos de crédito adstritos à apenas uma

breve conceituação.

2.6.1 Duplicata Mercantil

Segundo lição de Martins116, “nas vendas a prazo, o

vendedor cumpre a sua obrigação de entregar a coisa vendida, mas fica

115 RIZZARDO, Arnaldo. Factoring, p. 110. 116 MARTINS, Fran. Títulos de crédito: cheques, duplicatas, títulos de financiamento, títulos representativos e legislação. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 137.

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estabelecido que o comprador só realizará a sua prestação – pagamento do preço

– em uma época posterior”.

Desse modo, constitui-se a duplicata mercantil como o título

de crédito representativo de uma venda mercantil a prazo. Surgiu no Brasil com o

advento do Código Comercial de 1850, e atualmente é regulada pela Lei n.º

5.474/68, a Lei das Duplicatas (LD).

Nesse sentido, é a lição de Coelho117:

A duplicata é titulo de crédito criado pelo direito brasileiro. Sua origem encontra-se no Código Comercial de 1850, que impunha aos comerciantes atacadistas, na venda aos retalhistas, a emissão da fatura ou conta – isto é, a relação por escrito das mercadorias entregues. O instrumento devia ser emitido em duas vias (“por duplicado”, dizia a lei), as quais, assinadas pelas partes, ficariam uma em poder do comprador, e outra do vendedor. A conta assinada pelo comprador, por sua vez, era equiparada aos títulos de crédito, inclusive para fins de cobrança judicial.

Rosa Jr. 118, conceitua a duplicata levando em consideração

a sua classificação como título de crédito:

A duplicata é título de crédito formal, impróprio, causal, à ordem, extraído por vendedor, ou prestador de serviços, que visa a documentar o saque fundado sobre crédito decorrente de compra e venda mercantil ou prestação de serviços, assimilada aos títulos cambiários por lei, e que tem como seu pressuposto a extração de fatura.

E na lição de Rizzardo119:

A duplicata conceitua-se como um título emitido para documentar uma venda mercantil, feita para pagamento a prazo. Conforme a origem da palavra, tem o sentido de exprimir a qualidade do ato jurídico ou documento que se repetiu ou que vem em dobro.

117 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v. I, p. 452. 118 ROSA Jr., Luiz Emygdio Franco da. Títulos de crédito, p. 669. 119 RIZZARDO, Arnaldo. Factoring, p. 110.

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Um aspecto destacado da duplicata é a obrigatoriedade da

emissão da fatura, conforme reza o art. 1. º da LD, o qual dispõe:

Art. 1º. Em todo o contrato de compra e venda mercantil entre partes domiciliadas no território brasileiro, com prazo não inferior a 30 (trinta) dias, contado da data da entrega ou despacho das mercadorias, o vendedor extrairá a respectiva fatura para apresentação ao comprador.

Desse modo, vislumbra-se como obrigatória a emissão de

fatura nas vendas em que o prazo para pagamento for superior a trinta dias, por

considerar o legislador como sendo venda à prazo.

Rosa Jr. 120, conceitua a fatura mercantil como sendo um

“documento acessório da compra e venda, com finalidade meramente probatória,

sem valor autônomo, não sendo título representativo da mercadoria, mas da

venda da mercadoria ou da prestação de serviços”.

Completando esse conceito, ensina Martins121:

A fatura consiste numa nota em que são discriminadas as mercadorias vendidas, com as necessárias identificações, sendo mencionados, inclusive, o valor unitário dessas mercadorias e o seu valor total. Poderá, entretanto, quando for da conveniência do vendedor, a fatura indicar somente os números e valores das notas parciais expedidas por ocasião das vendas, despacho ou entrega da mercadoria.

Assim, conforme dispõe o art. 2º da LD:

Art. 2º. No ato da emissão da fatura, dela poderá ser extraída uma duplicata para circulação como efeito comercial, não sendo admitida qualquer outra espécie de título de crédito para documentar o saque do vendedor pela importância faturada ao comprador.

120 ROSA Jr., Luiz Emygdio Franco da. Títulos de crédito, p. 668. 121 MARTINS, Fran. Títulos de crédito: cheques, duplicatas, títulos de financiamento, títulos representativos e legislação, p. 155.

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Portanto, a emissão da duplicata é facultativa. Nesse

sentido, tem-se o entendimento de Martins122:

Apesar de ser a sua emissão facultativa, só podendo ocorrer nas vendas a prazo, depois de extraída a fatura, na realidade esse título é de uso comum nas atividades comerciais, por possibilitar ao vendedor, através do desconto, o gozo antecipado das importâncias constantes do mesmo. De fato, o emprego generalizado da duplicata dá vida às atividades comerciais, facilitando grandemente a obtenção de recursos por parte dos comerciantes e tornando mais seguras as vendas a termo.

Quanto aos requisitos, estes se encontram dispostos no § 1º

do art. 2º da LD, a saber:

I – a denominação "duplicata", a data de sua emissão e o número de ordem;

II – o número da fatura;

III – a data certa do vencimento ou a declaração de ser a duplicata à vista;

IV – o nome e domicílio do vendedor e do comprador;

V – a importância a pagar, em algarismos e por extenso; VI – a praça de pagamento;

VII – a cláusula à ordem;

VIII – a declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite, cambial;

IX – a assinatura do emitente.

Sobre os requisitos da duplicata posiciona-se Rosa Jr. 123:

122 MARTINS. ob. cit. p. 157. 123 ROSA Jr., Luiz Emygdio Franco da. Títulos de crédito, p. 677-678.

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O § 1º do art. 2º da LD relaciona os requisitos que devem constar da duplicata e que devem ser considerados como essenciais para que o documento valha como duplicata. Isso porque a LD não tem dispositivo semelhante aos artigos 2º e 75 da LUG e art. 2º da LC, que enumeram, respectivamente, os requisitos supríveis da letra de câmbio, nota promissória e cheque. Entretanto, o art. 24 da LD permite a inserção no título de cláusulas adicionais, desde que não afetem a sua feição característica de documentar o saque pelo vendedor da importância faturada ao comprador ou do saque pelo prestador de serviços pela importância faturada ao seu beneficiário.

E a respeito da importância da duplicata nos contratos de

fomento mercantil, Lemos Leite124 aduz que “a experiência cada vez mais

evidencia e comprova que, nas operações de factoring, a duplicata é

inquestionavelmente o instrumento mais eficaz e mais forte para a cobrança”.

Assim, denota-se que a duplicata mercantil consiste no

principal título de crédito negociado nos contratos de factoring, devido à sua larga

utilização na documentação das vendas mercantis realizadas à prazo.

Finalizando, registre-se que as formas de aquisição das

duplicatas mercantis pelas sociedades de factoring serão tratadas oportunamente

nesse trabalho, em título específico a respeito da cessão de crédito e do endosso.

2.6.2 Cheque

O cheque é um título de crédito que documenta uma ordem

de pagamento à vista. Está regulamentado no direito brasileiro na Lei nº.

7.357/85, a Lei do Cheque (LC), obedecendo também as disposições das

Convenções de Genebra de 1931, introduzidas à legislação brasileira pelo

Decreto nº. 57.595/66.

Cabe à doutrina conceituar o cheque, pois a lei não o

definiu, assim, conforme lição de Rosa Jr. 125:

124 LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil, p. 284. 125 ROSA Jr., Luiz Emygdio Franco da. Títulos de crédito, p. 510-511.

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A lei não define o instituto do cheque porque essa tarefa não é de competência do legislador, e, por isso, cabe à doutrina conceitua-lo. Tomando-se por base a Lei nº. 7.357/85, cheque é o título cambiário abstrato, formal, resultante de mera declaração unilateral de vontade, pelo qual uma pessoa, designada emitente ou sacador, com base em prévia e disponível provisão de fundos em poder de banco ou instituição financeira a ele assemelhada por lei, denominado sacado, dá contra o banco, em decorrência de convenção expressa ou tácita, uma ordem incondicional de pagamento à vista, em seu próprio benefício ou em favor de terceiro, intitulado tomador ou beneficiário, nas condições estabelecidas no título.

Cita-se ainda o conceito formulado por Coelho126:

Cheque é ordem de pagamento à vista, emitida contra um banco em razão de provisão que o emitente possui junto ao sacado, proveniente essa de contrato de depósito bancário ou de abertura de crédito. Para parte da doutrina comercialista, trata-se de título de crédito impróprio, melhor definido como meio de pagamento, do que como instrumento de circulação creditícia.

E ainda o conceito de Martins127:

Entende-se por cheque uma ordem de pagamento, à vista, dada a um banco ou instituição assemelhada, em favor próprio ou de terceiro. A pessoa que dá ordem, emitindo o cheque, tem o nome de sacador ou emitente; o banco ou instituição assemelhada a que a ordem é dada é chamado de sacado; e a pessoa em favor de quem é dada a ordem é o tomador ou beneficiário, às vezes denominado simplesmente de portador.

Para a sua emissão, o cheque requer alguns pressupostos,

conforme o estabelecido nos artigos 3º e 4º da LC. Em primeiro lugar, o cheque

deverá ser emitido contra banco ou instituição financeira equiparada (art. 3º da

LC), conforme leciona Rosa Jr. 128:

126 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v. I, p. 433. 127 MARTINS, Fran. Títulos de crédito: cheques, duplicatas, títulos de financiamento, títulos

representativos e legislação, p. 3. 128 ROSA Jr., Luiz Emygdio Franco da. Títulos de crédito, p. 513.

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O cheque só pode ser emitido contra banco, ou instituição financeira a ele assemelhada por lei, como por exemplo, as sociedades de crédito, financiamento e investimentos, caixas econômicas ou cooperativas de crédito, pena de não valer como cheque. Trata-se, portanto, de requisito legal e não de mero pressuposto para a emissão do cheque.

O segundo pressuposto dispõe que o emitente deverá

possuir fundos disponíveis em poder do sacado e estar autorizado a emitir

cheques sobre eles, em virtude de contrato expresso ou tácito (art. 4. º da LC),

assim, segundo Martins129, é necessária “a existência de um acordo entre

sacador e sacado referente ao assunto”:

Essa convenção resulta da abertura de uma conta do sacador no estabelecimento bancário, no momento de ser feita a provisão, consista essa em depósito efetivo de numerário ou numa abertura de crédito em favor do sacador. Lógico é que, não havendo essa conta, não pode o cheque ser emitido; assim, se alguém transfere determinada importância a meu favor pelo banco X, não poderei emitir cheque contra esse banco para receber dita importância a não ser que tenha conta no banco e que a quantia a mim destinada tenha sido creditada nessa conta.

Destaca-se ainda que nesse caso, a não observância do

pressuposto do art. 4º da LC, não invalida o cheque, segundo leciona Rosa Jr. 130:

A não observância dos pressupostos legais, constantes do art. 4º da LC, para a emissão do cheque, não afeta a sua validade, não e desnatura como título cambiário, e corresponderá apenas a cheque irregular. Entretanto, se o cheque, sendo documento formal, não contiver os requisitos legais essenciais não produzirá efeito como tal, ou for emitido contra quem não seja banco ou instituição financeira que lhe seja equiparada por lei, não será válido como cheque.

Por se tratar de um título formal, o cheque deverá estar

revestido de determinados requisitos para a sua validade, conforme o art. 1º da

LC, que são:

129 MARTINS. ob. cit. p. 17-18. 130 ROSA Jr., Luiz Emygdio Franco da. Títulos de crédito, p. 513.

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I – a denominação “cheque” inscrita no contexto do título e expressa na língua em que é redigido;

II – a ordem incondicional de pagar quantia determinada;

III – o nome do banco ou da instituição financeira que deve pagar (sacado);

IV – a indicação do lugar do pagamento;

V – a indicação da data e do lugar da emissão;

VI – a assinatura do emitente (sacador) ou de seu mandatário com poderes especiais131.

Quanto às modalidades, Coelho132 enumera: “a) visado; b)

administrativo; c) cruzado; d) para se levar em conta”.

O cheque visado está disciplinado no art. 7º da LC, e

consiste, conforme lição do autor acima citado133, naquele “em que o banco

sacado, a pedido do emitente ou do portador legítimo, lança e assina, no verso,

declaração confirmando a existência de fundos suficientes para a liquidação do

título”.

O cheque administrativo encontra-se disposto no inciso III do

art. 9º da LC, e, segundo Rosa Jr. 134 é aquele “emitido pelo banco contra a sua

própria caixa, reunindo-se numa só pessoa as figuras do emitente e do sacado, e

podendo ser pago em qualquer agência ou sucursal do banco-emitente”.

Por cheque cruzado, entende-se aquele em que, o emitente

ou o portador, insere no seu anverso, dois traços paralelos e transversais,

determinando que este só deva ser pago a um banco, conforme o art. 44 da LC.

131 BRASIL. Lei n.º 7.357, de 2 de setembro de 1985. Dispõe sobre o cheque e dá outras

providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 3 set. 1985. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7357.htm>. Acesso em: 14 abr. 2005.

132 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v. I, p. 437. 133 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v. I, p. 438. 134 ROSA Jr., Luiz Emygdio Franco da. Títulos de crédito, p. 539.

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O cruzamento do cheque poderá ser feito de duas maneiras,

conforme leciona Coelho135:

Há duas espécies de cruzamento: o geral (ou “em branco”), que não identifica nenhum banco no interior dos dois traços; e o especial (ou “em preto”), em que certo banco é identificado, por seu nome ou número no sistema financeiro, entre os mesmos traços. O cheque com cruzamento geral somente pode ser pago a um banco. Desse modo, se o tomador concordou em receber cheque cruzado, ou ele próprio o cruzou, deverá encaminhá-lo ao banco no qual mantém conta de depósito, para que esse cobre o título do sacado. Já, se for especial o cruzamento, o cheque somente poderá ser pago ao banco mencionado no interior dos dois traços; e, assim, o tomador deverá procurar exatamente a instituição financeira designada no cruzamento e contratar dela os serviços de recebimento do respectivo valor.

E o cheque para se levar em conta, é a modalidade

regulamentada pelo art. 46 da LC, e consiste na lição de Rosa Jr. 136 em uma

cláusula que “visa a impedir o recebimento indevido do cheque, assegurando a

sua função econômica de instrumento de pagamento, e somente o titular da conta

indicada como seu beneficiário está legitimado para receber o seu valor”.

No direito brasileiro existe ainda a figura do cheque pós-

datado ou pré-datado, que ao contrário do disposto no art. 32 da LC, que dispõe

sobre a proibição de qualquer menção contrária à forma de pagamento à vista,

tem sido cada vez mais utilizado por empresários, comerciantes e fornecedores

de mercadorias e serviços.

Nesse tema, é oportuno o entendimento de Coelho137:

O crescente uso desse tipo de cheque representa, sem dúvida, certo desvio da natureza do título, criado para instrumentalizar pagamentos à vista. A lei do Cheque fulmina com a ineficácia absoluta a inserção, no título, de qualquer menção contrária ao seu pagamento à vista (LC, art. 32). Ou seja, o banco sacado deve pagar o cheque de que consta data posterior ao da

135 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v. I, p. 439. 136 ROSA Jr., Luiz Emygdio Franco da. Títulos de crédito, p. 613. 137 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v. I, p. 441.

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apresentação, atendidos evidentemente os demais pressupostos da liquidação (regularidade de assinatura, existência de fundos etc.).

Donini138 trata o cheque pós-datado como uma forma de

“financiamento informal utilizado pelo mercado, traduzindo-se em instrumento ágil

e apropriado à documentação de crédito, que poderá servir de título negociável,

para fins de desconto bancário ou cessão para empresa de factoring”.

Finalizando, cita-se Lemos Leite139, com relação à utilização

do cheque nas operações de factoring:

A prática nos tem ensinado que o cheque, para ser negociado com uma sociedade de fomento mercantil, deve ser oriundo de uma compra e venda mercantil realizada pela empresa-cliente, nominal à empresa de factoring, mencionando em seu verso o número da nota fiscal a que ele está vinculado, de tal forma que fique demonstrada inequivocamente sua origem e endossado em preto à sociedade de fomento mercantil, passando a integrar seu ativo, contabilizado em títulos a receber.

Desse modo, a utilização do cheque nas operações de

fomento mercantil deverá obedecer às disposições referentes à cessão de crédito

e ao endosso, as quais serão tratadas em título específico nesse trabalho.

138 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 209. 139 LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil, p. 290.

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CAPÍTULO 3

DIREITO DE REGRESSO

3.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

O direito de o cessionário cobrar do cedente os títulos

cedidos e não pagos pelo devedor, vinculados aos contratos com cláusula pro

solvendo, chama-se de direito de regresso.

A Constituição da República Federativa do Brasil prescreve

que "ninguém pode ser obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão

em virtude da lei" (Artigo 5º, inciso II, CRFB/88).

Factoring são negócios relativos à compra de direitos

creditícios, na maioria das vezes, com direito de regresso, cumulados com

prestação de serviços.

O direito de regresso é dos pontos mais conturbados do

factoring por conter duas correntes, uma a favor; outra contra.

Arnaldo Rizzardo é um dos autores que são totalmente

contra o direito de regresso, entendendo que este instituto existe nas instituições

financeiras e não na atividade de factoring. Estes entendem que sendo o direito

de regresso admitido, não tem motivos a empresa de factoring por que cobrar o

fator, pois não se tem mais risco a assumir. O factoring com o direito de regresso

assemelha-se muito ao desconto bancário.

Porém a favor há doutrinadores, como Antonio Carlos

Donini, Waldirio Bugarelli, Fran Martins e Fabio Konder Comparato, os quais

admitem a atribuição da responsabilidade ao endossante em conformidade com o

disposto no direito civil.

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A jurisprudência possui algumas divergências, porém a

regressão é concedida ao cedente se houver algum dos elementos que ensejam

vícios que invalidem o título de crédito, ou naqueles contratos onde haja cláusula

expressa que o faturizado pagará o título, caso a empresa cedente não o cumpra.

Sob o direito de regresso ainda pesa certa confusão e

desconhecimento, e existem decisões diferentes em vários tribunais do país, bem

com nos tribunais superiores.

Não existe previsão legal que proíba textualmente o direito

da empresa de fomento mercantil - factoring, de reaver do seu contratante os

valores antecipados. Muito pelo contrário, constata-se que, na verdade, existe

suporte legal para que o endossante fique responsabilizado pela solubilidade dos

seus títulos cedidos.

Assim concorda Donini140:

O direito de regresso, imperiosa a interpretação dos dispositivos legais de direito aplicáveis as factoring, extraindo as conseqüências das várias interpretações possíveis, para descobrir as finalidades, alcance, incidência e seus fundamentos, de forma integrada e harmônica, eliminando posições que se afigurem absurdas ou manifestamente contrárias à finalidade da lei.

O contrato de factoring é um contrato atípico, em que, até

pouco tempo, apenas se praticava a cessão de crédito na modalidade pro soluto,

ou seja, sem a responsabilidade do cedente dos créditos.

3.2 ACORDO VERBAL

Na realidade, as empresas de factoring têm um acordo

verbal com seus clientes sobre a demanda de regresso, as empresas faturizadas

ficam obrigadas a recomprar os créditos cedidos que não forem pagos, caso não

haja recompra, a empresa de factoring cessa as operações com o cliente, o

faturizado geralmente desconta o valor da recompra na próxima operação.

140 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 102.

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Observa-se que, muitas vezes quando o factor realiza uma

operação de factoring, o mesmo por segurança, exige um cheque, ou nota

promissória, para que em caso de inadimplemento do crédito possa forçar o

pagamento.

Para Luiz Lemos Leite141, o faturizado é obrigado a garantir

a existência do crédito.

Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se

responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao

tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por

título gratuito, se tiver procedido de má-fé (art. 1.073 do ‘CC de 1916’ ou art. 295

do ‘NOVO CC’).

3.3 RESPONSABILIDADE DA EMPRESA-FATURIZADA NA OPERAÇÃO DE FOMENTO MERCANTIL

Segundo dispõe o capítulo anterior, na operação de

factoring, a cessão de crédito terá entre seus efeitos jurídicos o direito de ação do

faturizador (empresa de factoring) contra a faturizada (empresa endossante) em

decorrência de vício que invalide o crédito cedido.

Assim, de acordo com o disposto nos arts. 295 e 296 do

CC142, a responsabilidade do faturizado será obrigatória ou opcional, conforme se

transcreve:

Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má fé.

141 LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil, p. 287. 142 BRASIL. Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da

República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 19 ago. 2006.

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Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor. 143

Com relação ao art. 295 do CC, é oportuna a lição de Mário

Luiz Delgado Régis144:

Nas cessões onerosas, o cedente sempre será responsável pela existência do crédito, mesmo na ausência de convenção a esse respeito (garantia de direito). Importante ressaltar que não se trata apenas de existência material do crédito, mas a existência em condições de permitir ao adquirente desse crédito o exercício dos direitos de credor vale dizer, a viabilidade do exercício da cessão. O crédito cedido, mesmo existente, pode, por exemplo, ser de difícil ou impossível cobrança, o que não se confunde com a solvência do devedor (garantia de fato), em que o cedente só responderá quando previsto no contrato.

E quanto ao art. 296 do CC, posiciona-se o mesmo autor145:

Não está o cedente, em regra, obrigado pela liquidação do crédito, salvo se tiver agido de má-fé, como se dá nos casos em que, já sabendo da insolvência do devedor, afirma o contrário, induzindo o cessionário a celebrar um negócio que lhe será prejudicial. Nada impede, porém, que as partes venham a consignar expressamente essa responsabilidade. É o que a doutrina chama de garantia simplesmente de fato, vale dizer, a responsabilidade pela solvibilidade do devedor.

Desse modo, denota-se que o direito de ação regressiva não

se restringe somente ao possível vício do crédito, subdividindo-se em duas

espécies, conforme a lição de Donini146:

Um dos efeitos que a cessão de crédito produz envolve a responsabilidade das partes contratantes. E, com relação à responsabilidade do cedente, deve-se enumerá-la de duas formas: i) responsabilidade [obrigatória] do cedente pelo crédito

143 BRASIL. Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da

República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 19 ago. 2006.

144 FIUZA, Ricardo (Coord.); RÉGIS, Mário Luiz Delgado. Novo Código Civil comentado, p. 277. 145 FIUZA. ob. cit. p. 277 146 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 102-103.

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cedido e, ii) responsabilidade [opcional] pela solvência do devedor. Na prática de factoring é costume chamar de: i) ‘direito de regresso em caso de vício’ do título, quanto tratar-se de responsabilidade do cedente pelo crédito cedido e ii) ‘direito de regresso independente de vício ou pagamento do sacado-devedor’, quando a responsabilidade do cedente envolver a garantia pela solvência do devedor.

Portanto, a responsabilidade do faturizado na cessão de

crédito será de duas formas, conforme o autor acima citado147: “i) a

responsabilidade obrigatória do cedente pelo crédito cedido (direito de regresso

em caso de ‘vício’ (nomen verum). ii) a responsabilidade opcional do cedente pela

solvência do devedor (direito de regresso independente de ‘vício’ (nomen

bonum)”.

3.4 RESPONSABILIDADE OBRIGATÓRIA

Nas cessões de crédito a título oneroso a responsabilidade

do faturizado será obrigatória, conforme o disposto no art. 295 do CC, ou seja,

ficará responsável pela existência do crédito no momento da cessão.

Nesse tema, posiciona-se Venosa148:

Lembre-se que na cessão de crédito a titulo oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário, pela existência do crédito, no momento da cessão, de acordo com o art. 295 do Código Civil. Essa obrigação persiste na operação de factoring.

A empresa faturizada enriqueceria ilicitamente se recebesse

pagamento por créditos inexistentes, por isso que a lei o obriga a responder pela

positiva existência do crédito cedido.

Isso acontece muitas vezes por comerciantes que desejam

levantar capital de giro para suas empresas, todavia não tem crédito a repassar

147 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 103. 148 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie, p. 611.

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para empresa de factoring, desta forma criam o crédito de modo independente ou

em conluio com a empresa sacada. 149

Neste sentido ensina Donini150, ao prever que “na prática de

factoring, no que interessa na cessão por título oneroso, o cedente-faturizado,

ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário-faturizador pela

existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu”.

O contrato de factoring, havendo oposição de exceções

quanto à legalidade, legitimidade ou veracidade dos créditos, adquiridos pelo

factor, a cláusula pro soluto extinguir-se-á automaticamente, transformando-se em

pro solvendo.

O Supremo Tribunal de Justiça decide de acordo com a lei

objetiva, responsabilizando o faturizado pelo pagamento dos créditos inexistentes:

"Se a empresa cedente de títulos, em decorrência de contrato de factoring, deu causa a que os mesmos não pudessem ser recebidos fica responsável pelo pagamento." (STJ - REsp n. 330.014, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito).

Lemos Leite151 a esse respeito ensina que “o contrato de

fomento mercantil responsabiliza a empresa-cliente (sacador-endossante) pela

existência de crédito, ou seja, pela sua legitimidade, legalidade e veracidade”.

E não é diferente a posição de parte da jurisprudência, a

exemplo do acórdão da 10ª Câmara Cível do TJRS152:

CONTRATO DE FACTORING. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DOS TÍTULOS. Na operação de factoring tem o faturizador direito de regresso contra o faturizado quando a dívida cedida encontra-se eivada de vício do crédito na sua origem.

149 LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil, p. 272. 150 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 105. 151 LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil, p. 272. 152 RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível.

Processo: 70010450641.Rel. Luiz Ary Vessini de Lima. Disponível em:<http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 14 mai. 2006.

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Donini, citando Washington de Barros Monteiro153, dispõe a

respeito das hipóteses de ocorrência da responsabilidade obrigatória do

faturizado pelo crédito cedido:

Em três hipóteses diferentes subsiste a responsabilidade do cedente: a) transfere este crédito inexistente; b) contra o crédito cedido existe exceção, que o inutiliza, como o de dolo, ou compensação; c) o crédito tem existência positiva, mas não em favor do cedente, que assim aliena bem alheio.

Desse modo, conclui-se que a responsabilidade obrigatória

do faturizado pelo crédito cedido terá aplicação nos casos em que o crédito for

inexistente, quando houver antecipação, prorrogação, dedução ou compensação

do título, ou quando na ocorrência de vício e evicção.

3.4.1 Crédito inexistente

O faturizador responsabilizar-se-á pelo crédito cedido

quando este for inexistente, ensejando, nesse caso, a nulidade da cessão de

crédito.

Sobre isso, dispõe Gomes154 que “a inidoneidade do objeto

determina a nulidade da cessão se a proibição resulta da lei ou da natureza do

crédito”.

Donini155 leciona que o crédito será inexistente:

Quando o cedente faturizado entrega ao cessionário faturizador duplicatas com base em venda futura ou saca duplicatas sem lastro. Ambas as situações ocasionam a nulidade da cessão, por inexistir no momento da cessão, o crédito, correspondendo, por parte do sacador-faturizador, prática de ato ilícito, tipificado criminalmente.

153 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações. v. IV Apud

Donini, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 105. 154 GOMES, Orlando. Obrigações, p. 241. 155 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 105.

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Nesse tema é válido o posicionamento de Rizzardo156:

Deve existir o crédito, ao ser realizada a operação de compra. É o que estabelece o direito positivo vigente. Do contrário, falharia um dos elementos das compra e venda que é o objeto. Inobstante esse primado, essencial para dar celeridade aos negócios, há decisões esporádicas mantendo o negócio mesmo quando inexiste o crédito.

Desse modo, a existência do crédito é pressuposto essencial

para a validade da cessão, haja vista ser este o objeto do negócio jurídico em

questão, conforme ensina Rizzardo157:

Extrai-se que o crédito deve ser verdadeiro, isto é, deve ter uma origem, ou representar um negócio. Se já extinto, pela prescrição, ou suspensa a exigibilidade, ou dependente de condição, não podia ser objeto da transmissão. De outro lado, impõe-se que realmente pertença ao cedente, ou que era legítimo do cedente, e não de outra pessoa. A titularidade é fundamental.

No caso do saque de duplicata simulada, Rosa Jr. 158

leciona:

Duplicata simulada, na redação originária do art. 172 do CP, era aquela que não correspondia a uma venda efetiva de bens ou a uma real prestação de serviços, e, portanto, crime era a duplicata sem causa, seja a sua expedição, seja o aceite nela lançado. O art. 172 do CP, com a modificação introduzida pela Lei n.º 8.137, de 27-12-90, tipifica como crime “emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponde à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado”, sendo a pena de detenção, de dois a quatro anos, e multa.

Assim, a sociedade de fomento mercantil poderá tomar as

seguintes providências quando adquirir duplicata simulada, conforme lição de

Donini159:

156 RIZZARDO, Arnaldo. Factoring, p. 123. 157 RIZZARDO. Ob. cit. p. 126 158 ROSA Jr., Luiz Emygdio Franco da. Títulos de crédito, p. 674-675. 159 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 200/201.

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1ª - exigir a recompra do título, geralmente com base nas condições estabelecidas no ‘contrato-mãe’ acrescidas de multa, juros de mora e correção monetária, sobre o valor de face do título negociado, uma vez avençado contratualmente; […].

2ª - uma vez não efetuada a ‘recompra’, poderá a faturizadora:

a) executar eventual título (nota promissória, por exemplo) oferecido em ‘garantia de eventual vício em títulos negociados’.

b) executar a própria duplicata simulada, com base no endosso e/ou aval.

Ainda entende o Tribunal de Justiça de Santa Catarina160:

A faturização pressupõe a realização de contrato de compra a prazo ou prestação de serviços. A empresa de factoring não responde por inadimplemento por parte do cedente do crédito, mas é à parte que descumpre a obrigação que incumbe o pagamento da dívida, sob pena de se institucionalizar o enriquecimento ilícito. A faturizadora assume os riscos de não ver satisfeito o crédito, sem direito de regresso, se não houve culpa do faturizado. “Porém, se a entrega da mercadoria, ou a prestação do serviço, não se realizou, e mesmo assim foi transferido o direito de cobrança, responde a empresa faturizada pelo crédito transferido.”

Portanto, caberá o direito regressivo do factor contra a

faturizadora quando o crédito negociado for inexistente, quando este não possuir

origem ou não representar um negócio jurídico, a exemplo das duplicatas

simuladas.

3.4.2 Antecipação, prorrogação, dedução ou compensação.

Outro caso em que o faturizado será responsabilizado na

operação de factoring pelo crédito cedido é quando ocorrer a antecipação,

prorrogação, dedução ou compensação dos títulos negociados.

Em outras palavras, tem-se o ensinamento de Donini161:

160 Tribunal de Justiça de Santa Catarina – Ap. Cív. 00.003430-0, Rel. Des. Pedro Manoel Abreu

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O sacado devedor, antes do prazo do vencimento do título, poderá antecipar o pagamento da duplicata. Se efetuada a antecipação do pagamento diretamente ao sacado-faturizado, antes da notificação da cessão, este deverá recomprar o título, para não gerar apropriação indébita, pois não poderia receber o faturizado por um título que já cedeu. Poderá o sacado, também, deduzir ou compensar quaisquer créditos resultantes de devolução de mercadoria, diferença de preço etc. Poderá também prorrogar o vencimento do título, uma vez acordado com o sacador. Se o título, entretanto, foi cedido em operação de factoring, evidentemente, o faturizado não poderá aceitar qualquer espécie de acordo (prorrogação, antecipação, dedução ou compensação) com o sacado.

Assim, conforme ensina Gomes162, “o credor não pode ceder

crédito que já transferiu, mas, se ocorrem várias cessões do mesmo crédito,

prevalece a que se completar com a tradição do título do crédito cedido”.

Sobre a duplicata, Martins163 ensina que “o pagamento deve

ser efetuado na data do vencimento; […], a duplicata pode ser emitida para

pagamento em um dia fixo ou à vista, sendo que, neste último caso, o vencimento

se dará quando o título for apresentado ao sacado”.

Com relação ao pagamento antecipado do título, o art. 9º da

LD dispõe que o comprador poderá resgatar a duplicata antes do vencimento

combinado. Tal disposição traz riscos à sociedade de fomento mercantil,

conforme prevê Donini164:

Os riscos que corre a empresa de factoring com a antecipação do pagamento são enormes. O sacado poderá antecipar o pagamento de:

Boa-fé quando não foi notificado pela empresa de factoring ou sacadora faturizada que o título não pertence mais ao vendedor e paga diretamente a este;

161 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 105. 162 GOMES, Orlando. Obrigações, p. 242. 163 MARTINS, Fran. Títulos de crédito: cheques, duplicatas, títulos de financiamento, títulos

representativos e legislação, p. 170. 164 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 185-186.

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Má-fé, quando ignorando a notificação da factoring, paga diretamente ao sacador. Nos dois casos se não repassar o sacador faturizado o valor recebido pela duplicata, caracteriza-se apropriação indébita.

No segundo caso (ignorar o sacado a empresa de factoring pagando diretamente ao sacador), uma vez comprovada de forma inequívoca a notificação poderá ser acionada pelo faturizador, pois quem paga mal, paga duas vezes.

Quanto à prorrogação do vencimento, Rosa Jr. 165 ensina:

Admite-se a prorrogação do vencimento da duplicata por declaração unilateral de vontade do sacador no caso do título não ter circulado, mas se a duplicata for objeto de circulação, somente o seu portador legítimo, vale dizer, o último endossatário, poderá conceder a prorrogação de vencimento do título, porque somente ele pode exigir o seu pagamento.

Lembra, ainda, Donini166 que “se o sacador transferiu o

título, através de operação de factoring ao faturizador, não lhe será mais permitido

esse ato (prorrogação), ao menos sem o consentimento do atual titular do

crédito”.

No tocante às deduções e compensações, Rosa Jr. 167

leciona:

No pagamento da duplicata poderão ser deduzidos quaisquer créditos em favor do devedor, resultantes de devolução de mercadorias, diferenças de preço, enganos verificados, pagamentos por conta e outros motivos assemelhados, desde que devidamente autorizados (LD, art. 10).

Desse modo, Donini168 assevera que a “dedução deverá ser

antes objeto de autorização pelo sacador, permitindo ao sacado o pagamento a

menor”, resultando que nas operações de factoring, após a cessão e o endosso

165 ROSA Jr., Luiz Emygdio Franco da. Títulos de crédito, p. 682. 166 DONINI. Ob. cit. p. 187. 167 ROSA Jr. Ob. cit. p. 715. 168 DONINI. Ob. cit. p. 186.

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dos títulos de crédito, as deduções e compensações só poderão ocorrer com a

prévia autorização do faturizador.

Portanto, a ocorrência de antecipação, prorrogação,

dedução ou compensação do crédito cedido dará cabimento ao direito regressivo

do factor contra o faturizado, por ser este responsável pelo crédito cedido.

3.4.3 Vício e evicção

O faturizado responsabilizar-se-á pelo crédito cedido na

ocorrência de vício redibitório e evicção, tendo assim, a sociedade de fomento

mercantil, o direito de regresso com relação aos créditos negociados.

Os vícios podem ser: não entrega da coisa certa, ilicitude,

não recebimento da mercadoria pelo devedor e defeitos na mercadoria,

arrependimento de produto adquirido e outras hipóteses.

Por vício redibitório, ensina Diniz169 que:

São falhas ou defeitos ocultos existentes na coisa alienada, objeto de contrato comutativo, não comuns às congêneres, que a tornam imprópria ao uso a que se destina ou lhe diminuem sensivelmente o valor, de tal modo que o ato negocial não se realizaria se esses defeitos fossem conhecidos, dando ao adquirente ação para redibir o contrato ou para obter abatimento no preço.

E na concepção de Jones Figueiredo Alves170:

Vícios redibitórios são os defeitos existentes na coisa objeto de contrato oneroso, ao tempo da tradição, e ocultos por imperceptíveis à diligência ordinária do adquirente (erro objetivo), tornando-a imprópria a seus fins e uso ou que lhe diminuam a utilidade ou o valor, a ensejar a ação redibitória para a rejeição da coisa e a devolução do preço pago (rescisão ou redibição) ou a

169 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e

extracontratuais, p. 118. 170 ALVES, Jones Figueirêdo. Novo Código Civil comentado, p. 392-393.

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ação estimatória (actio quanti minoris) para a restituição de parte do preço, a título de abatimento.

Desse modo, e corroborando o entendimento acima

disposto, tem-se a lição de Donini171, com relação aos vícios na operação de

factoring:

Será considerado ‘viciado’ o título negociado quando o sacado devedor ou emitente do cheque recusar-se a pagar o título, pelos seguintes motivos: não-correspondência com os serviços efetivamente contratados; vícios ou defeitos na qualidade dos serviços prestados, ou defeitos e diferenças na qualidade ou na quantidade das mercadorias; divergências nos prazos ou nos preços ajustados; arrependimento ou desistência dos serviços ou produtos adquiridos; avarias ou não-recebimento das mercadorias; devolução das mercadorias.

E Lemos Leite172 completa, aduzindo que “nesse ponto, o

contrato de fomento mercantil estipula a extinção automática da cláusula quando

negociado pro soluto, transformando a alienação do crédito em “pro solvendo”,

caso sejam opostas exceções quanto à legalidade, legitimidade e veracidade dos

títulos negociados”.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já decidiu:

“CONTRATO DE “FACTORING”. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DOS TÍTULOS. Na operação de factoring tem o faturizador direito de regresso contra o faturizado quando a dívida cedida encontra-se eivada de vício do crédito na sua origem. Situação comprovada pela autora.” (TJRGS - Ap. Cív. 70010450641 Décima câmara Cível, Rel. Des. Luiz Ary Vessini de Lima).

171 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 106. 172 LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil, p. 270.

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Rodrigues173 leciona que “dá-se evicção quando o

adquirente de uma coisa se vê total ou parcialmente privado da mesma, em

virtude de sentença judicial que a atribui a terceiro, seu verdadeiro dono”.

E na lição de Alves174:

A evicção é a perda ou desapossamento da coisa por causa jurídica, determinante e preexistente à alienação, reconhecida por decisão judicial e em favor de outrem, verdadeiro detentor do direito sobre o bem. Tem o mesmo escopo teleológico de proteção ao adquirente, como acontece nos vícios redibitórios (defeito de qualidade), referindo-se, porém, a um defeito jurídico relativo ao negócio celebrado.

Assim, na operação de factoring, ocorrerá a evicção quando

o crédito cedido for objeto de sentença judicial, reconhecendo como verdadeiro

possuidor do título outro que não seja o faturizado.

Nesse caso, é válido o ensinamento de Donini175:

Qualquer medida judicial tomada pela sacada tendo como objeto a causa originária do título, como, por exemplo, revisional, sustação e protesto, declaratória etc; sustação (oposição) do cheque ou contra-ordem (revogação do cheque etc.). O mesmo aplicar-se-á em caso de evicção, quando por sentença transitada em julgado o faturizador perder os direitos sobre o título adquirido.

Portanto, ocorrendo vício ou evicção na aquisição dos

créditos, o faturizado deverá recomprar o título, haja vista ser obrigatoriamente

responsável pelo crédito cedido, nos termos do art. 295 do CC.

Ressalta-se ainda a lição de Pereira176, no tocante à

obrigação do cedente em decorrência da evicção:

Equiparável à obrigação de responder pela realidade da dívida é a situação decorrente da perda judicial do crédito (evicção). A razão

173 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais de vontade, p. 113. 174 ALVES, Jones Figueirêdo. Novo Código Civil comentado, p. 398. 175 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 106. 176 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: teoria geral de obrigações, p. 235.

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é que, se o cedente é obrigado pela existência do crédito, no momento em que o transfere, a sentença proferida posteriormente, mas fundada em causa preexistente, opera como se ao tempo da cessão já não mais houvesse aquele.

Para encerrar, Donini177 lembra que “essas

responsabilidades do cedente permanecem, ainda que omissas ou não previstas

no contrato, somente desaparecendo essa responsabilidade quando o cessionário

tem conhecimento dos riscos e perigos do crédito”.

3.5 REGRESSO MEDIANTE CLÁUSULA CONTRATUAL PRO SOLVENDO

O surgimento do fomento mercantil no Brasil, prontamente

ocasionou a comparação das operações de factoring às práticas de agiotagem e

às atividades das instituições financeiras.

Nesse contexto, Donini178 ensina que:

As empresas de factoring, através de seus sindicatos e associações, na tentativa de demonstrar à sociedade e, principalmente às autoridades, a importante função social que exerciam junto às pequenas e médias empresas, procurar salientar a prestação de serviços por elas desenvolvidas, para afastar, inegavelmente, a indesejada comparação com práticas de agiotagem e atos característicos de instituições financeiras. E, nesse clima, apressou-se o factor também em assumir todos os riscos pela insolvência do devedor.

A cessão de crédito utilizada na operação de factoring

permite que as partes, faturizador e faturizado, estipulem sobre o risco em relação

à solvência do devedor, conforme está explícito no Artigo 296 do Código Civil

Brasileiro.

No contrato de factoring pro solvendo, a responsabilidade

torna-se solidária. Este direito opera-se de forma subsidiária, não sendo pago 177 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 106. 178 DONINI. Ob. cit. p.107

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pelo devedor o título negociado com o faturizador, pode este, munido do

comprovante de que usou de todas as maneiras possíveis para receber seu

crédito sem sucesso, executar o faturizado.

Acerca do assunto preleciona Maria Helena Diniz179:

O contrato de factoring pode ser pro soluto ou pro solvendo; neste último a responsabilidade é subsidiária, estabelecida entre a empresa-cliente (vendedora) e o seu cliente (comprador sacado-devedor). Se o fomento mercantil é uma venda e compra de créditos mercantis, nada impede que a empresa cliente responda pela solvência do devedor, desde que haja cláusula contratual nesse sentido, mas o endossatário tem direito de regresso. Nada há que proíba o exercício do direito regressivo, que invalide a licitude da cláusula de garantia de solvência do devedor (sacado) ou de opção de compra nas operações de fomento mercantil.

Para Donini180, o faturizador pode se utilizar do título de

crédito endossado para ter o regresso, executando o endossante conforme

contrato pré-estipulado.

O faturizado não é devedor do crédito e sim garantidor do

mesmo. É obrigatório estar estipulado no contrato que ele é de caráter pro

solvendo, em caso de omissão, sempre será pro soluto.

Havendo o regresso, o faturizado responde só pelo

pagamento do que valor que recebeu acrescido de juros, correção monetária e

valores gastos com cobrança. Sob este prisma, a jurisprudência181 assim tem se

manifestado, in verbis:

Na cessão de crédito pro solvendo não tem o cessionário (faturizador) direito de ressarcimento de todo o crédito cedido, senão apenas de devolução do valor pago pela cessão, acrescido de juros e de correção monetária, e das despesa com cobrança.

179 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 3º vol. Saraiva, pg. 696 180 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 109.

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No entanto, ao contrário do entendimento jurisprudencial,

nos contratos de fomento mercantil poderá ser estipulada cláusula que

responsabilize o cedente-faturizado pela solvência do devedor.

Conforme leciona Lemos Leite182:

A regra do Código Civil é que o cedente não responde em caso de inadimplemento do sacado. Entretanto, desde que estipulado no contrato de fomento mercantil, a empresa contratante (vendedora cedente) responde pela solvência do devedor (salvo estipulação em contrário), ou seja, o factoring será autorizado pelo Código Civil e pelo contrato a cobrar judicialmente o emitente do título.

Desse modo, a responsabilidade opcional do faturizado

ocorrerá conforme o disposto no art. 296 do CC, o qual dispõe que o cedente

responderá pela solvência do devedor quando houver estipulação no contrato.

No contrato, para tanto, tem de existir estas cláusulas:

O faturizado é responsável solidário com o devedor pelo pagamento do principal acessório dos títulos cedidos.

O faturizado é responsável perante o faturizador em caso de falência do devedor ou concordata do devedor.

Portanto, é oportuno o estudo dos efeitos da cessão de

crédito e do endosso com relação à solvência e à insolvência do devedor, nos

casos em que ocorrer a responsabilidade opcional do faturizado-cedente.

3.6 A CESSÃO DE CRÉDITO E SEUS EFEITOS EM RELAÇÃO À INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR

A operação de factoring consiste em uma cessão de crédito,

haja vista a sua natureza contratual e não cambial, embora os títulos negociados

sejam transferidos através do endosso.

182 LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil, p. 247.

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Assim, conforme disposto anteriormente, a cessão de crédito

poderá ser pro soluto, quando o cedente não se responsabilizar pela solvência do

devedor, ou pro solvendo, quando expressamente o cedente se responsabilizar

pela solvência do devedor.

Nesse tema é oportuna a lição de Gomes183:

Outra garantia pode ser exigida do credor-cedente: a solvência do devedor. Para assumir essa responsabilidade, é preciso que se obrigue expressamente a garantir o nomen bonum. Em princípio, não responde. De regra, é o cessionário quem assume esse risco. Sob esse aspecto, há, portanto, duas modalidades de cessão: a) cessio pro soluto, e b) cessio pro solvendo. Pela primeira, o cedente apenas garante a veritas nominis, isto é, a existência do crédito, sem responder, entretanto, pela solvência do devedor. Pela segunda, o cedente garante a bonitas nominis, isto é, obriga-se a pagar se o debitor cessus for insolvente. É admissível a cessão em que o cedente se responsabilize pelo pagamento, caso o devedor não o efetue.

Pereira184 também se posiciona a esse respeito:

Em virtude da autonomia, e em razão de ser a cessão um negócio jurídico abstrato, cumpre distinguir o ato da cessão, relativamente ao negócio jurídico gerador do direito cedido. Daí destacar-se a responsabilidade do cedente pela realidade do crédito transferido – veritas nominis, da sua responsabilidade pela solvência do devedor – bonitas nominis.

Tais disposições aplicam-se à cessão de crédito nas

operações de factoring, de acordo com o disposto nos arts. 295 e 296 do CC,

ensejando a responsabilidade obrigatória ou opcional do cedente-faturizado.

Desse modo, além da responsabilidade obrigatória pela

existência e legitimidade do crédito (art. 295, do CC), haverá também, a

183 GOMES, Orlando. Obrigações, p. 246. 184 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: teoria geral de obrigações, p. 234-235.

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responsabilidade opcional (art. 296, do CC), conforme se colhe da lição de

Donini185:

Temos, pois, que, além da garantia concernente à existência e legitimidade (verdade e subsistência) que é sempre obrigatória, poderá o cedente opcional, voluntariamente, responder quanto à solvência do devedor. Essa responsabilidade deverá ser assumida somente através de convenção (por escrito no contrato) – frise-se –, respondendo, então, o cedente, pela idoneidade financeira do cedido (sacado devedor), limitados ao valor do crédito, com os respectivos juros.

E ainda, conforme ensina Pereira186:

O cedente não é obrigado pela bonitas nominis, a não ser que expressamente se declare responsável pela solvência do devedor, caso em que será obrigado a restituir ao cessionário o que dele recebeu, com os respectivos juros e ressarcir-lhe as despesas da cessão, e as que houver feito com a cobrança da dívida, na hipótese de faltar o devedor com a prestação do obrigado.

Ressalta-se, ainda, que não havendo a estipulação no

contrato de fomento mercantil, o faturizado não será responsável pela solvência

do devedor, segundo leciona Donini187:

No silêncio, ou seja, se no contrato de fomento mercantil não for estipulado o contrário do que autoriza a lei (responsabilidade pela solvência do devedor), o cedente-faturizado não responderá pelo pagamento do devedor. Destarte, força é convir que é possível seja o cedente-faturizado responsabilizado pela idoneidade financeira do cedido-sacado-devedor, quando expressamente convencionado.

Corroborando esse entendimento, tem-se ainda a lição de

Pereira188, que “na ausência de estipulação, o cedente responde tão-somente

pela veritas nominis, isto é, fica responsável ao cessionário pela realidade da

dívida, ou seja, pela existência do crédito ao tempo da cessão”. 185 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 108. 186 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: teoria geral de obrigações, p. 235. 187 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 108-109. 188 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: teoria geral de obrigações, p. 235.

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Portanto, haverá a possibilidade do direito regressivo do

factor contra o faturizado em relação à solvência do devedor em decorrência da

cessão de crédito, somente quando expressamente estipulado no contrato de

fomento mercantil.

3.7 ENDOSSO E SEUS EFEITOS EM RELAÇÃO À INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR

Ao contrário do que ocorre na cessão de crédito, em que o

cedente não se responsabiliza pela solvência do devedor a não ser que

expressamente estipulado no contrato, no endosso, o silêncio do endossante o

responsabiliza pelo pagamento do devedor, conforme se extrai do art. 15 da LUG:

“O endossante, salvo cláusula em contrário, é garante tanto da aceitação como do

pagamento da letra.”

E o art. 9º da LUG189, também dispõe, acerca do sacador do

título: “O sacador é garantia tanto da aceitação como do pagamento da letra.”

Ressalta-se ainda a lição de Donini190:

A relação que vincula o faturizador ao faturizado é de natureza contratual, com predominância da cessão de crédito regida pelo direito civil – e não pelo endosso utilizado para a tradição do título. Contudo, a predominância da cessão de crédito (civil) não se sobrepõe à do endosso (comercial), devendo o factoring obediência igual a todos os institutos legais, indistintamente.

Assim, o endosso é utilizado nas operações de factoring na

transferência dos títulos de crédito, haja vista se tratarem de títulos cambiais, a

exemplo da duplicata e do cheque.

189 BRASIL. Decreto n.º 57.663, de 24 de janeiro de 1966. Promulga as Convenções para adoção

de uma lei uniforme em matéria de letras de câmbio e notas promissórias. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 jan. 1966. Disponível em: <http://www.dji.com.br/decretos/1966-057668-lulcnp/convencoes.htm>. Acesso em: 02 mar. 2006.

190 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 109.

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Quanto ao endosso do cheque e a responsabilidade do

endossante, Martins191 aduz que este “é garante do pagamento do cheque. Essa

garantia resulta do fato de haver ele endossado o cheque – isto é, transmitido ao

endossatário o documento e os direitos desse resultantes, ordenado ao sacado

que efetue o pagamento ao endossatário”.

Rosa Jr.192, com relação à responsabilidade do endossante

leciona:

O art. 21 da LC também permite ao endossante exonerar-se da garantia do pagamento, desde que aponha cláusula nesse sentido. Explica-se a possibilidade desta cláusula, porque o objetivo precípuo do endosso é transferir os direitos decorrentes do título de crédito, sendo a responsabilidade do endossante efeito meramente legal.

Com relação à duplicata tem-se a lição de Donini193:

No caso da duplicata, principal objeto da cessão de crédito na operação de factoring, efetuado o saque – pelo vendedor ou prestador de serviços – de uma duplicata e colocada em circulação, passa-se a ter nessa operação (saque e circulação) a primeira garantia que é o endosso, pois, caso o sacado não aceite o título (comprovada essa não aceitação com o protesto) e não dor a duplicata paga em seu vencimento, poderá o portador agir contra o sacador, que, em tal caso, tem sua situação equiparada ao sacador da letra de câmbio, visto como os princípios dos títulos cambiários são aplicáveis à duplicata.

Assim, conforme ensinamento de Martins194:

O sacador, pondo o título em circulação (isto é, endossando-o, mesmo antes do aceite) assume sempre a obrigação subsidiária de pagar, não podendo, jamais, eximir-se dessa responsabilidade. Entretanto, os obrigados intermediários, ou sejam os endossantes, poderão transmitir o título eximindo-se da responsabilidade do

191 MARTINS, Fran. Títulos de crédito: cheques, duplicatas, títulos de financiamento, títulos

representativos e legislação, p. 57. 192 ROSA Jr., Luiz Emygdio Franco da. Títulos de crédito, p. 221. 193 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 110. 194 MARTINS, Fran. Títulos de crédito: cheques, duplicatas, títulos de financiamento, títulos

representativos e legislação, p. 172.

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pagamento, seja essa isenção em relação à pessoa a quem o título é transferido, seja em relação às pessoas a quem o endossatário posteriormente transferir o título.

Nesse caso, colhe-se ainda a jurisprudência da 3ª Turma do

STJ, em caráter ilustrativo:

COMERCIAL – DUPLICATA SEM ACEITE – PROTESTO – DIREITO DE REGRESSO DO ENDOSSATÁRIO. I – A jurisprudência do STJ acolhe entendimento no sentido de que a duplicata sem aceite, posto que esvaziada de seu conteúdo causal, uma vez endossada, o endossatário, mesmo sem protesto, poderá exercer o direito de regresso, mormente quando, no título em garantia, firma-se também aval e avença-se cláusula, dispensando-se o protesto. (Recurso Especial. Processo: 57.249-MG. Rel. Ministro Waldemar Zveiter.)

Portanto, no endosso, a regra é que o endossante assume a

responsabilidade pelo pagamento do título, podendo eximir-se da obrigação caso

insira no título cláusula expressa nesse sentido, surgindo dessa forma três

situações distintas.

A primeira se dará quando no contrato de fomento mercantil

não for convencionada a responsabilidade do faturizado pela solvência do

devedor, prevalecendo, portanto, a regra da cessão de crédito sobre a regra do

endosso.

Nesse sentido, Donini195 lembra que “não poderá o

faturizador utilizar-se do que dispõe os artigos 9 e 15 da Lei Uniforme de Genebra

para exigir do faturizado o pagamento do título endossado (endosso) por este, em

face da predominância da natureza contratual da operação de factoring”.

Quando no contrato de fomento mercantil houver disposição

sobre a responsabilidade do faturizado pela solvência do devedor e ocorrendo a

inadimplência deste, o autor acima citado leciona que “o faturizador poderá

utilizar-se do título e crédito negociado, e, com base no endosso, executar o

endossante-faturizado, tendo o contrato como origem e causa da cobrança”. 195 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 111.

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E a última situação decorre devido à não necessidade de

forma escrita do contrato de fomento mercantil, pois este não é solene, sendo que

nesse caso, será obedecida a disposição do art. 296 do CC, o qual dispõe que o

cedente não responderá pela solvência do devedor na ausência de cláusula em

contrário.

Nesse particular, colhe-se o ensinamento de Donini196

acerca da responsabilidade do faturizado pela insolvência do devedor:

Para o endossatário-faturizador responsabilizar o endossante-sacador-faturizado, pela insolvência do devedor em razão do título negociado, indispensável esteja essa condição estipulada, por escrito, no contrato de factoring, independentemente do disposto nos arts. 9 e 15 da Lei Uniforme de Genebra, em face da natureza contratual do factoring.

Desse modo, responsabilizar-se-á opcionalmente o

faturizado pela insolvência do devedor, se no contrato de fomento mercantil

houver cláusula expressa nesse sentido, ensejando, assim, o direito regressivo do

factor contra o faturizado, independente da ocorrência de vício.

Conclui-se, que se no contrato então estiver explicito que à

responsabilidade será do faturizado pela solvência do devedor, pode este munido

do titulo de crédito com o devido endosso, executar o endossante-faturizado,

tendo o contrato como origem da cobrança.

3.8 TRIBUNAIS E DIREITO DE REGRESSO

No Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, já

existe uma clara mudança de opinião em relação ao que seja o factoring.

Porém, doutrinas mais antigas sobre o factoring, por suas

razões, sustentaram a impossibilidade do direito de regresso.

196 DONINI, Antonio Carlos. Factoring: de acordo com o novo Código Civil, p. 112.

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Tem se aceitado como argumentação, o contrato celebrado

entre as partes. Logo, constando do contrato a possibilidade do regresso, não

haveria qualquer razão para não garantir. Mesmo quando se fala no regresso com

base no título de crédito tão-somente, o não reconhecimento do direito de

regresso seria o mesmo que negar o Direito.

Algumas decisões já estão sendo proferidas acerca da

possibilidade do direito de regresso nos casos em que há cláusula expressa no

Contrato de Fomento Mercantil. O Desembargador Sergio Roberto Baasch Luz já

decidiu acerca deste do direito de regresso no fomento mercantil:

EMENTA: UMA DAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS CONTRATOS DE FOMENTO MERCANTIL É A INEXISTÊNCIA DE DIREITO DE REGRESSO POR PARTE DA FATURIZADORA EM RELAÇÃO À FATURIZADA (CLIENTE). A EMPRESA DE FACTORING ASSUME OS RISCOS DA COBRANÇA E, EVENTUALMENTE, DA INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR. ESTA É A REGRA GERAL DA CESSÃO DE CRÉDITO DISPOSTA DO ART. 296 DO CÓDIGO CIVIL, QUAL SEJA, O CEDENTE NÃO RESPONDE PELA SOLVÊNCIA DO DEVEDOR, SALVO ESTIPULAÇÃO EM CONTRÁRIO. TAL ESTIPULAÇÃO DEVE ESTAR EXPRESSAMENTE CONVENCIONADA NO CONTRATO DE FACTORING.197.

No mesmo sentido o Tribunal de Justiça do Distrito

Federal198:

O factoring, faturização ou fomento mercantil, ainda não se encontra regularizado especificamente entre nós, é um contrato atípico pelo qual uma das partes cede a outra um crédito, responsabilizando-se o faturizado pela existência do crédito e pelo seu pagamento. Não poderia ser de outra forma, caso contrário importaria em enriquecimento ilícito, vez que os crédito negociados são pagos adiantadamente pela empresa faturizadora ao faturizado no momento da cessão.

197 TJSC - Agravo de instrumento n. 04.033451-8, de Blumenau, Relator: Des. Sérgio Roberto Baasch Luz 198 TJDF - Apelação Cível nº APC4179296/DF (95910), 4ª Turma Cível. Rel. Haydevalda Sampaio. J. 31.03.1997, Publ. DJU 25.06.1997 p. 13.895

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Hoje em dia, é inegável a importância do factoring ou

fomento mercantil no mercado, pois já constitui um setor fundamentado e

altamente produtivo, tanto para seus praticantes quanto para os que de seus

serviços se utilizam. Suas atividades têm se demonstrado um excelente

instrumento de desenvolvimento e auxílio operacional, principalmente das

pequenas e médias empresas, limitadas ao acesso às linhas de crédito

convencionais, oferecidas pelas instituições financeiras.

O factoring como o próprio nome diz, atua no estímulo, no

auxílio e, principalmente, na parceria com seus clientes, devido a isso as

empresas de factoring ou fomento mercantil, priorizam o segmento produtivo. Se

o empresário do factoring é um agente do desenvolvimento do progresso e da

produção, o factoring é uma mola propulsora de negócios à disposição desses

empresários.

Os tribunais com isso possuem um papel fundamental para

dirimir os conflitos referentes a este instituto, sabendo em quais casos terão as

partes direitos referentes a atividade mercantil, e agindo como instrumento de

apoio à evolução da economia nacional e também negócios envolvendo

importação e exportação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme ficou demonstrado no presente trabalho, de

acordo com a primeira hipótese apresentada o factoring tornou-se uma atividade

comercial, mista e atípica, a qual não possui legislação específica, porém é

regulada pela lei civilista, principalmente pela cessão e endosso de créditos.

A pesquisa mostra uma visão atualizada sobre o direto de

regresso no contrato de fomento mercantil, considerando a relevância jurídica do

tema proposto no trabalho aqui apresentado, pois ao ser analisado, acarreta

muitas dúvidas não somente aos que com ele operam, mas também aos juristas

que enfrentam grandes dificuldades ao julgarem processos que versam sobre o

tema, pois o referido instituto não possui uma uniformidade de decisões.

Destacam-se como aspectos mais importantes,

notadamente os direitos e responsabilidades das partes contratantes, bem como

os efeitos decorrentes, e umas das mais importantes questões diz respeito ao

direito de regresso, posto que, dependendo da forma de contrato efetuado, as

conseqüências jurídicas advindas serão completamente diferentes.

Quanto à segunda hipótese, por não ter legislação

específica, esta atividade merece um cuidado especial, uma vez que na ausência

desta legislação, vale-se, portanto, de legislação esparsa, enquanto é aguardada

análise do Projeto de Lei para a atividade, que, aliás, remete a atividade como

sendo uma atividade mercantil mista: compra de ativos financeiros e prestação de

serviços, o Projeto de Lei nº. 230, de autoria do ex-senador José Fogaça, em

trâmite no Congresso Nacional.

Este Projeto de Lei, caso venha ser aprovado, tenderia a

amenizar as controvérsias geradas a respeito do assunto, visto que no presente

trabalho foi enfocado especificamente o direito de regresso no factoring referentes

aos títulos de crédito cheque e duplicata mercantil, todavia é importante ressaltar

que jurisprudência que vêm se firmando é no sentido de dar cabimento do direito

de regresso no factoring.

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Destacamos que o fomento mercantil já é comum na

sociedade brasileira há duas décadas, qual seja, compra ou aquisição de títulos

de crédito bem como a prestação de serviços, pois ele faz parte do giro financeiro

de empresas de pequeno e médio porte, que necessitam dele para a

sobrevivência, a prestação de serviços é elemento inerente ao contrato de

fomento mercantil, sendo considerada a peça fundamental de diferenciação da

atividade bancária.

Percebe-se a extrema importância do estudo do factoring,

em que pese ter o mesmo que se adaptar as normas até então existentes, não

podendo este instituto ser entendido como uma agiotagem, pois no factoring não

se tem empréstimo e sim a compra de ativos financeiros, conjugados com uma

efetiva prestação de serviços, e este instituto é o responsável pela criação de

vários empregos, e pela mantença da empresas de pequena a médio porte,

ademais não existe previsão legal que proíba textualmente o direito da empresa

de fomento mercantil - factoring, de reaver do seu contratante os valores

antecipados. O faturizado não é devedor do crédito e sim garantidor do mesmo.

Constata-se que, na verdade, o que existe é suporte legal

para que o endossante fique responsabilizado pela solubilidade dos seus títulos

cedidos, uma vez que o faturizado enriqueceria ilicitamente se recebesse

pagamento por créditos inexistentes, por isso que a lei o obriga a responder pela

positiva existência do crédito cedido, assim o faturizado torna-se responsável pelo

direito de regresso, quando o título cedido contiver vícios, crédito inexistente ou

se o pagamento for efetuado direto ao credor primário antes da notificação.

Os vícios que podem ser: não entrega de coisa certa;

ilicitude; não recebimento da mercadoria pelo devedor e defeitos na mercadoria;

arrependimento de produto adquirido e outras hipóteses. O contrato de factoring,

havendo oposição de exceções quanto à legalidade, legitimidade ou veracidade

dos créditos, adquiridos pelo factor, a cláusula pro soluto extinguir-se-á

automaticamente, transformando-se em pro solvendo.

Para a última hipótese o entendimento, portanto, é em

conformidade com a corrente majoritária, que acertadamente, decide de acordo

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com a lei objetiva, fazendo o faturizado responsável pelos créditos inexistentes,

nos casos de haver cláusula expressa no contrato de fomento mercantil. Como o

negócio jurídico tem por base um contrato, a operação se fará por cessão de

crédito, obedecendo às normas do Código Civil, abrindo espaço para que as

partes convencionem a responsabilidade solidária.

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