direito de greve e democracia

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DIREITO DE GREVE E DEMOCRACIA

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DIREITO DE GREVEE DEMOCRACIA

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DIREITO DE GREVEE DEMOCRACIA

JORGE BOUCINHAS FILHO

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Especialista emDireito do Trabalho pela Universidade Potiguar (UNP). Mestre e doutor em Direito do Trabalho

pela Universidade de São Paulo (USP). Membro pesquisador do Instituto Brasileiro de Direito SocialCesarino Júnior. Professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na graduação da

Universidade São Judas Tadeu e nos cursos de pós-graduação da GVLaw — Fundação GetúlioVargas, Escola Paulista de Direito (EPD), Escola Superior de Advocacia de São Paulo (ESA/SP) e

curso FMB. Autor/organizador de diversas obras e dezenas de artigos jurídicos. Advogado.

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Índice para catálogo sistemático:

EDITORA LTDA.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

R

Rua Jaguaribe, 571CEP 01224-001São Paulo, SP — BrasilFone (11) 2167-1101www.ltr.com.br

Maio, 2013

Todos os direitos reservados

Filho, Jorge BoucinhasDireito de greve e democracia / Jorge

Boucinhas Filho. — São Paulo : LTr,2013.

1. Direito de greve 2. Direito de greve —Brasil 3. Direito do trabalho — Brasil4. Globalização 5. Greves 6. Liberdade sindical7. Terceirização I. Título.

64651-21 CDU-34:331.89(81)

1. Brasil : Direito de greve e democracia :Direito do trabalho 34:331.89(81)

Versão impressa - LTr 4759.9 - ISBN 978-85-361-2534-3Versão digital - LTr 7571.2 - ISBN 978-85-361-2592-3

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À Ilane Boucinhas, presença constante e indispensável,apesar de toda a distância geográfica que nos separa.

À Aida Dias, fonte inesgotável de força, de inspiração ede amor e à Maria Luisa Cavalcanti Soares (in memoriam),

exemplo de retidão, elegância e serenidade.

À Marina e à Angélica Boucinhas, as melhoresirmãs que alguém poderia desejar.

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor Antonio Rodrigues de Freitas Júnior, pela ajuda ecompreensão durante os momentos difíceis, pelo incentivo

e confiança em mim depositados e pelo privilégio da amizade.

Ao Professor Augustin Émane, da Universidade de Nantes, pela fraternalacolhida e pelo indispensável apoio durante as pesquisas em solo francês.

Ao amigo Daniel Tolentino, pela ajuda com levantamentode material bibliográfico em língua espanhola, e ao amigo

Gilberto Maistro Júnior, pela ajuda na revisão do trabalho.

Aos Professores Homero Batista Mateus da Silva eRonaldo Lima dos Santos, pelas valiosas e imprescindíveis

ponderações feitas por ocasião do exame de qualificação.

Aos Professores Otávio Pinto e Silva, Lucylla Telez Merino eMarcos Neves Fava, pelas contribuições apresentadas no exame final.

À Ilane Boucinhas, que não é apenas a melhormãe do mundo, é a melhor pessoa que conheço.

À Marina, Angélica, Aida, Jorge, Rafael e Luiz César,pela alegria de tê-los em minha vida.

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SUMÁRIO

Prefácio — Antonio Rodrigues de Freitas Júnior ........................................................... 11

1. Introdução ................................................................................................................... 17

2. Noções gerais sobre a greve ........................................................................................ 21

2.1. Etimologia da greve .............................................................................................. 23

2.2. Conceito de greve ................................................................................................. 27

2.3. Aspectos históricos do direito de greve ................................................................ 36

2.4. Aspectos históricos do direito de greve no Brasil ................................................. 45

2.5. Direito de greve em algumas experiências estrangeiras ....................................... 51

2.6. Natureza do direito de greve ................................................................................ 58

2.7. Titularidade do direito de greve ........................................................................... 62

2.8. O Comitê de Liberdade Sindical da OIT e o direito de greve .............................. 72

2.8.1. O direito de greve no Brasil sob a perspectiva do Comitê de Liberdade Sin-dical da OIT ................................................................................................ 78

2.8.2. Reflexão sobre o atual entendimento do Comitê de Liberdade Sindical notocante à greve ............................................................................................ 82

2.9. Limitações ao direito de greve .............................................................................. 86

2.9.1. Limitação ao direito de greve relacionada com a essencialidade da ativi-dade ............................................................................................................. 90

2.9.2. Limitação ao direito de greve resultante de colisão com outros direitosfundamentais .............................................................................................. 93

2.9.3. Balizamento entre o direito de greve e outros direitos fundamentais ....... 98

2.9.4. Limitação ao direito de greve baseada no motivo da deflagração .............. 106

2.9.5. O direito de greve e a imposição de procedimentos prévios ..................... 116

2.9.6. Situações em que não se permite movimento grevista ............................... 124

3. Nova feição da greve .................................................................................................... 127

3.1. Globalização e movimento grevista ...................................................................... 129

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3.2. Terceirizaçao e movimentos grevistas ................................................................. 133

3.3. Revolução tecnológica e movimentos paredistas ................................................. 135

3.4. Primazia da preocupação com o consumidor ...................................................... 138

3.5. Meios coletivos de pressão dos trabalhadores e sua validade jurídica ................ 146

3.6. Licitude das greves atípicas e dos outros meios de luta coletiva .......................... 154

3.7. Meios coletivos de pressão dos empregadores ..................................................... 161

3.8. Garantias ao exercício do direito de greve ........................................................... 164

4. A tutela preventiva e suas limitações ......................................................................... 169

4.1. Tutela preventiva .................................................................................................. 171

4.2. Tutela inibitória no processo do trabalho ............................................................ 173

4.3. Inadmissibilidade de tutela preventiva ................................................................. 175

5. Ações relacionadas com o exercício da greve ............................................................ 181

5.1. Exemplos de excessiva intervenção do Judiciário nas manifestações grevistas .. 190

5.2. Interditos proibitórios .......................................................................................... 201

5.2.1. Competência material e hierárquica .......................................................... 202

5.2.2. Legitimidade do sindicato para figurar no polo passivo dos interditosproibitórios ................................................................................................. 204

5.2.3. Movimentos paredistas e violação e ameaça à posse do empregador ........ 207

5.2.4. Dificuldades na caracterização do justo receio de dano à posse e na verifi-cação de provas aptas à concessão do interdito ......................................... 209

5.2.5. Movimentos grevistas e violação ao direito de ir e vir ............................... 216

5.3. Dissídio de greve ................................................................................................... 218

5.4. Ações preventivas visando a salvaguardar o direito de greve ............................... 222

5.5. Cognição judicial nas ações de direito de greve ................................................... 224

5.6. Responsabilidade civil dos sindicatos pelo exercício abusivo ou ilegítimo do di-reito de greve ........................................................................................................ 231

Considerações finais ....................................................................................................... 235

Referências bibliográficas .............................................................................................. 243

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PREFÁCIO

A insipiente democracia que vimos construindo no Brasil, no curso dasúltimas três décadas, ainda não floresceu o bastante para nos livrar em definitivoda confortável expectativa de que a Providência de demiurgos seja capaz de sesubstituir satisfatoriamente à ação política dos cidadãos, individuais e coletivos,pelo conflito e pelo entendimento, na luta pela efetivação das promessas debem-estar inscritas na Constituição de 1988.

Nos primeiros momentos a Providência fora esperada de governantes epolíticos. Caçadores destemidos de tigres ao alcance de uma única bala, magospor decreto fixando o poder de compra e a conversibilidade da moeda;carbonários aposentados à sombra do “nunca antes neste país”. Enfim, tivemosum pouco do melhor de tudo.

Sucessivas e compreensíveis decepções com nossos representantes,entretanto, credenciaram a emergência do protagonismo político do Judiciário,ao qual hoje se confere placidamente o poder não apenas de “dizer o direito”,como também o de proclamar o instante do aparecimento da vida, o compromissoda atual geração por excessos de nossos antepassados, indo à grandeza do afetoentre seres de mesmo sexo; políticas de creche, acesso a medicamentos eintervenções terapêuticas, exigibilidade de diplomas para o exercício deprofissões, quotas étnicas para certame de acesso ao ensino superior etc. Enfim,a sede da representação popular, antes localizada institucionalmente noParlamento, composto por integrantes eleitos pelo povo e sujeitos à censura danão recondução, vem migrando passo a passo em direção ao cenário,crescentemente espetaculoso e midiático, da arena judicial.

Qualquer tema se lhe veste bem, qualquer problema lhe calha a decidir;seja esse no campo da razão, da política, do afeto, da fé e até da Criação. Sabe--se mesmo de decisão turmária de Tribunal Superior que se houve por “julgar”o denodo afetivo de pai por seu filho (escusado dizer que sob o manto dareparação pecuniária).

Note-se que não se trata aqui da conhecida proibição do non liquet; valedizer: da proibição de omissão jurisdicional ante os dilemas impostos pelatragicidade de certas escolhas. Cuida-se de um fenômeno qualitativamentediverso. Há bem pouco, decisões judiciais de mérito somente seriam cabíveisnum quadro em que estivessem presentes as chamadas “condições da ação”,

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entre as quais figurava a “possibilidade jurídica do pedido”. No presente, qualquerpretensão parece “juridicamente possível”, desde que politicamente se queiradecidi-la.

É como se toda angústia da condição humana fosse capaz de se liquefazersob o signo de decisões pretorianas.

Decisões no mais das vezes fundamentadas exclusivamente pelo recurso auma trama inespecífica e ilimitada de princípios, alguns dos quais amplos egenéricos ao ponto de justificar qualquer decisão; outros, ao contrário, pinçadosad hoc à grandeza de norma-princípio pelas mãos da Providência para dar contade casos particulares. Princípios, aliás, cujo repertório integral a ninguém édado antecipadamente conhecer, porque não composto apenas por aquelesexpressamente credenciados pelo constituinte ou pelo legislador: invocam-setambém uns tais princípios “implícitos”, cuja existência, grandeza, alcance esentido, somente ao intérprete (leia-se, ao magistrado), é confiado revelar noato do julgamento.

Ora bem, não surpreende que tamanha extensão no poder decisório tendaa engendrar uma insegurança jurídica de segunda ordem; vale dizer, não umainsegurança quanto ao significado da norma, mas uma insegurança derivadadas diferentes apropriações pretorianas que delas se possa fazer em nome desua aplicação, extensiva e intensivamente “criadora” e criativa.

Não há lugar aqui para debater todas as possíveis virtudes, os problemas,os limites, os trade-offs e os subprodutos, desejados ou indesejáveis, desseitinerário de mudanças. Importa chamar a atenção para o que parece consolidar--se como de um inespecífico consenso (compreendendo mesmo juristas,operadores forenses, lideranças políticas e governantes), de que decisão judicialnão encontra limites, nem para temas, nem sequer para a natureza de problemasque lhe sejam levados.

Esse aparente “consenso” não para aí. A citada ausência de limites temáticosàs demandas endereçadas e recebidas pelo Judiciário vem justificada, deordinário, em nome: 1) da ineficiência do “sistema representativo” (leia-se: dainsuficiência da política “dos políticos” como o reino preferencial da deliberação,negociada pelo jogo ganha-ganha); e 2) dos efeitos dessa “ineficiência” sobre aefetividade dos direitos constitucionais. Em especial, não dos direitosconstitucionais à boa política, mas daqueles cuja condição de eficácia repousana materialidade da boa política.

Tudo se passa, em síntese, como se, à míngua da “boa política”, a decisãopretoriana fosse legitimada à revelação divinatória da “boa decisão política”para cada e para qualquer caso que se repute por algum motivo desejável julgar.Tudo em nome da “efetivação” de regra ou princípio constitucional.

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Esse quadro, de ab-rogação das funções típicas das instâncias caracteristi-camente políticas, põe-se à visita pública sob o signo dos elevados misteres deefetivar, e se possível de ampliar, estendendo e aprofundando os direitos cons-titucionais sujeitos à tutela supletiva do Judiciário.

Compreensivelmente, a mensagem que fica no plano do senso comum é ade que esse protagonismo — a que muitos passaram a designar, não sem algumarazão, de “ativismo judicial” — seja invariavelmente exercido em nome dapromoção da efetividade e a da projeção social dos direitos constitucionais.

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Como toda boa obra de ciência e de academia, este livro de Jorge BoucinhasFilho, que me foi dada a honra de prefaciar, sábia e corajosamente desconfia dosenso comum.

Põe em questão o que poderíamos identificar como um certo “ativismojudicial” em matéria de direito de greve, expresso e amplamente previsto noart. 9º da nossa Constituição. Um direito para cuja efetividade, portanto, seriamdesnecessárias grandiosas manobras argumentativas, tampouco o já costumeiroe inflacionado recurso a normas de princípio. No caso, a literalidade da dicçãoconstitucional é de eloquente suficiência!

Assim sendo, qual terá sido então, nos últimos anos, o papel do Judiciáriosobre a “efetividade e a extensão” do direito de greve? Terá o Judiciário sidocapaz de reproduzir, aqui, a mesma generosidade concessiva de direitos, o mesmoapreço pela diversidade, pela alteridade, pela expansão e pelo não retrocessocom que se procura notabilizar no terreno da “efetividade e extensão” daspolíticas públicas de alcance social? As criações pretorianas têm-se pautadopela de valorização do direito constitucional de greve, robustecendo o poderdos grevistas e engendrando — o que Jorge bem observa como um aparenteparadoxo — a gradual desnecessidade do próprio recurso à greve enquantomodalidade explícita de conflito?

Mais em detalhe: que balanço se pode fazer das inúmeras e variadas decisõesjudiciais praticadas em interditos proibitórios ajuizados no curso de movimentosparedistas? Ao encerramento de uma ampla e competente investigação, aresposta não é abrandada no balanço de seu autor: “algumas determinaçõesfeitas nestes procedimentos, obstando a realização de assembleias na frente dasempresas, panfletagem, utilização de carro de som etc., atos tipicamentesindicais, constituem manifesto ato antissindical”. Indo mais adiante, escorando--se em robustos argumentos, Jorge Boucinhas vai ao ponto de afirmar — emmeu ver com acerto — que “além de servir a um fim impróprio, os interditosproibitórios não deveriam ser admitidos em situações versando direito de greve”.

Eis apenas um, entre os muitos exemplos que poderia indicar, da intensidadeargumentativa e do brilho desta obra.

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E não é a primeira vez que Jorge Boucinhas nos surpreende. Em seu livro deestreia(1) também se ocupou de um tema desconcertante, para dizer o mínimo. Láonde é esperado para a proteção aos mais fracos, aos menos competitivos e aosmais vulneráveis, o direito do trabalho fora necessário precisamente para protegere assegurar igualdade de oportunidade em favor do mais qualificado: o trabalhador“vitimado” pela falta de oportunidade derivada, paradoxalmente, de seus méritose predicados superiores aos da média — os sobrequalificados.

Desta feita retorna apresentando-nos outra obra corajosa, inovadora,concebida e desenvolvida sem reverência ao senso comum e aos encômios deocasião, e acima de tudo por um texto claro, conclusivo e elegante, elaboradoao cabo de pesquisa competente e atual.

Originariamente confeccionado como tese de doutorado para o Programade Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, este trabalho foi desde suadefesa alvo de enfática acolhida; não tendo sido poucos os comentários referentes,seja à originalidade de seus argumentos, seja ao oportuno convite que formulapara um reexame dos fundamentos éticos, políticos e doutrinários em que sealicerça o direito de greve.

Por esses motivos, cuida-se de leitura obrigatória para todos os que seinteressam pelos rumos do direito constitucional do trabalho — em especialpelo direito de greve —, bem como por aqueles que se disponham a devotar umolhar atento às recentes e contínuas transformações do mundo do trabalho emnossos dias. Tempos em que os silenciosos apelos das redes sociais podem soarmais alto que os estridentes ruídos dos carros de som proibidos por certa “tutelajurisdicional”.

Gestores de RH, advogados, sindicalistas e empresários, para os quaisconflitos são coessenciais às relações de trabalho, encontrarão nesta mais recenteobra de Jorge Boucinhas um roteiro instigante para o reexame das relaçõesentre greve e jurisdição.

São Paulo, outono de 2012.

Antonio Rodrigues de Freitas Júnior

Mestre, Doutor e Livre-Docente pela Faculdade de Direito da USP,em que é Professor Associado; foi Secretário Nacional de Justiça (2002),

integrante da Comissão Técnica de redação dos anteprojetos da Reforma Sindical(2003) e, atualmente, é advogado, Procurador Legislativo e Diretor

Executivo da Escola do Parlamento do Município de São Paulo.

(1) Discriminação por Sobrequalificação. São Paulo: LTr, 2009.

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La huelga nos enseña a oponernos a la sumisión como regla de comportamientosocial y permite enseñar a su vez el orgullo — y la fuerza — de la negación de lo

existente para afirmar algo distinto, un escenario alternativo que contradice elactual. La huelga es un acto coral, un clamor que crece y es capaz de romper

el recinto que protege el privilegio económico y la desigualdad.

Antonio Baylos Grau

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1. INTRODUÇÃO

Não obstante a fundamentalidade do direito de greve, é forçoso reconhecerque o avanço tecnológico, a globalização e diversas mudanças socioeconômicasvêm impactando a ação sindical de um modo geral e, de uma forma particularmentepreocupante, o exercício do direito de greve. A relação de competitividade impostapelo mercado global justificou uma radical modificação na forma de pensar adoutrina que sustentava o estado do bem-estar social e as garantias dostrabalhadores em todo o sistema ocidental. Fenômenos como a terceirização demão de obra, a adoção do conceito de fábrica flexível e a maior facilidade namigração de pessoas reduziram consideravelmente o poder de reivindicação dostrabalhadores em face de seus empregadores. O enfraquecimento do movimentosindical limitou, em muitos setores, o recurso à greve a uma hipótese residual.Em determinadas atividades econômicas, a simples paralisação das atividadesdos trabalhadores já não consegue pressionar o empregador como outrora.

As pessoas físicas se apresentam hipossuficientes em relação às grandes cor-porações, tanto quando investidos na condição de trabalhador quanto quandoassumem as vestes de consumidor. O ponto de divergência entre as duas perso-nas, quando reunidas na mesma pessoa, se verifica no momento que a opção dotrabalhador por exercer o seu direito de greve prejudica os interesses do consumi-dor, situação verificada, por exemplo, quando o empregador-fornecedor repassapara o consumidor, por meio do aumento nos preços, o prejuízo causado poruma paralisação prolongada. É o que ocorre também quando empregados dedeterminada categoria econômica, ao se sentirem prejudicados pela paralisaçãode trabalhadores de outra categoria, em especial a daqueles ligados aos serviçosessenciais, ao invés de solidarizarem com estes, aderem ao coro do empregadorem prol da cessação do movimento paredista. Em outras palavras, optam porentrar nas vestes de consumidor e não nas de trabalhador.

A sobreposição dos direitos do consumidor aos do trabalhador vem sendoexpressamente destacada em obras doutrinárias e em decisões judiciais.

Este estudo consiste em uma apologia à fundamentalidade dos movimentosparedistas, um ensaio em favor da valorização do direito de greve comoinstrumento essencial para o desenvolvimento de um verdadeiro EstadoDemocrático de Direito.Também se analisa neste estudo o impacto que asmodificações de cunho tecnológico, político e socioeconômico verificadas a partirdas últimas décadas do século passado têm provocado na ação dos sindicatos

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durante os movimentos paredistas. Percebendo que a simples paralisação dasatividades laborais dos integrantes da categoria não consegue pressionar oempregador a atender as suas reivindicações por não resultar na cessação dasatividades de determinadas empresas, alguns sindicatos têm buscado, durante ocurso do movimento grevista, outras formas de ação coletiva. Tem sido cada vezmais frequente a realização de piquetes objetivando não apenas provocar a adesãode empregados à paralisação, mas também impedir o acesso de clientes(consumidores) e de não grevistas ao estabelecimento com o intuito de paralisartoda a sua atividade. Novas estratégias vêm sendo utilizadas com o mesmo fim,como, por exemplo, o besuntamento da entrada dos locais de trabalho, para impediro acesso de clientes e não grevistas, a contratação de piquetistas “terceirizados”,para evitar represálias posteriores aos trabalhadores que aderirem à greve deforma mais exaltada, entre outras.

Referidas táticas provocam alegações de colisão entre o direito de greve eoutros direitos fundamentais. Afirma-se serem elas formas de coação para que ostrabalhadores adiram involuntariamente à greve e de impedir o direito de ir e virdos clientes. Essas assertivas são questionáveis e sobre elas se refletirá no momentooportuno. Cabe, em particular, questionar se, sob a ótica atual, essas medidasnão seriam a única forma de as entidades sindicais conseguirem pressionar osempregadores em busca de melhorias para a categoria profissional que representame se essa circunstância não justificaria, por si só, o reconhecimento da legitimidadedessas manifestações. Este estudo tem como um de seus fins analisar como osórgãos que integram o Judiciário trabalhista vem se posicionando diante dessesalegados conflitos de direitos fundamentais e como se entende que eles deveriamse posicionar.

Decisões de grande repercussão vêm evidenciando uma excessiva inter-venção do Judiciário nos movimentos grevistas. Uma das que será estudada aolongo do trabalho encerrou a mobilização de aeronautas e aeroviários antesmesmo que a mobilização tivesse início, por considerar que a paralisação des-sas categorias às vésperas do período natalino de 2010 seria oportunista. Nãoobservou, contudo, que a Constituição assegura aos trabalhadores o direito degreve, garantindo-lhes ainda a prerrogativa de determinar a “oportunidade” de exer-cê-lo e de definir os interesses que por meio dele pretende defender.

A intervenção do Judiciário na mobilização de aeronautas e aeroviáriostambém evidenciou a necessidade de sistematização da intervenção judicial nosmovimentos paredistas. A ação imediata de diferentes órgãos de defesa deinteresses coletivos provocou decisões judiciais simultâneas e parcialmentedivergentes da Justiça do Trabalho e também da Justiça Federal, demonstrando,assim, a possibilidade de litispendência, com todos os inconvenientes que elapode causar, entre ações em que se defende interesses dos trabalhadores e dosconsumidores.

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Essas reflexões acerca dos limites da intervenção do Judiciário nosmovimentos grevistas se tornam ainda mais imprescindíveis em razão de osempregadores estarem, com frequência cada vez maior, buscando socorro doJudiciário para tentar evitar que movimentos grevistas impeçam o acesso livredos trabalhadores chamados “fura-greves” e dos clientes aos seus estabelecimentos,ou que danifiquem o seu patrimônio.

O trabalho incorre em uma análise sobre as situações em que o PoderJudiciário é chamado a intervir nos movimentos grevistas, refletindo, de formaparticular, sobre a possibilidade de tutela preventiva para a defesa de interessesdos empregadores e de terceiros e sobre a inadequação do instituto do interditoproibitório para o propósito que vem sendo utilizado.

Por fim, sendo certo que a própria Constituição autoriza a aplicação desanções para os casos de exercício abusivo do direito de greve, urge refletirsobre a responsabilidade civil do sindicato e dos manifestantes pelos danos quecausarem durante movimentos que não constituam efetivo exercício do direitode greve ou que, em o sendo, extrapolem seus limites.