direito administrativo por irene nohara

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É uma obra completa e voltada para diversos públicos: aos alunos de graduação, que terão contato com os assuntos da disciplina; aos aplicadores do Direito Administrativo, sejam eles advogados que atuam na área, juízes, promotores e procuradores, que encontrarão nela um guia seguro para a tomada de decisões; aos pesquisadores de pós-graduação, para os quais foram formulados quadros polêmicos de relevantes discussões doutrinárias, preenchidos por decisões atualizadas e comentadas dos Tribunais Superiores; e para aqueles que prestam concursos, que buscam livro de linguagem objetiva, esquematizado, com as distintas correntes doutrinárias e o conteúdo dos principais concursos públicos. A autora, doutora em Direito Administrativo pela Universidade de São Paulo (USP), com ampla experiência no magistério, na graduação e na pós-graduação, em contato com as dificuldades enfrentadas pelos estudantes e operadores da área, elaborou obra didática e com a profundidade essencial à fixação dos pontos fundamentais da disciplina. APLICAÇÃO Livro-texto para a disciplina DIREITO ADMINISTRATIVO dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito. Obra de relevante interesse para membros do Poder Judiciário, advogados, promotores, procuradores e para servidores públicos, que aplicam as normas da matéria no cotidiano. Ferramenta indispensável para aqueles que prestam concursos públicos, tendo em vista a constante presença da disciplina nos editais.

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Page 1: Direito Administrativo por Irene Nohara
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Direito Administrativo

Page 3: Direito Administrativo por Irene Nohara

IRENE PATRÍCIA NOHARA

3a edição

Atualizada e Revista

SÃO PAULO

EDITORA ATLAS S.A. – 2013

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No Direito Administrativo estão concentradas muitas potencialidades de mudança de consciência da sociedade, pois é nele que se encontram princípios e regras que alinham o exercício do poder ao interesse geral. Porém, para que tal ocorra, não é suficiente que esses princípios e regras sejam invocados apenas no controle das situações explícitas de violação, quando se constata que a práxis predominante se orienta para o desprezo ao que é público, mas é indispensável que os preceitos jurídico-éticos da matéria sejam gravados no coração de cada cidadão para que a sociedade brasileira tenha efetivas condições de exigir ações administrativas compatíveis com o seu compromisso constituinte, orientado no sentido da liberdade, da justiça e da solidariedade.

Esta obra é dedicada à minha orientadora da iniciação científica ao doutorado, passando pelo mestrado, pois enquanto a maioria das pessoas, em conhecida frase, sente-se “apenas atraída pela beleza dos princípios”, Maria Sylvia Zanella Di Pietro sempre se mostrou vocacionada para a “grandiosidade do sacrifício” que o permanente desafio de continuar sendo sempre um ser humano justo requer.

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Apresentação, xix

Notra à 3ª edição, xxi

Nota à 2a edição, xxiii

1 Conceito, origem e tendências do Direito Administrativo

1.1 Importância do estudo do Direito Administrativo 1.2 Ramo do direito público 1.3 Conceito de Direito Administrativo 1.4 Regime jurídico administrativo 1.5 Dispersão das normas de Direito Administrativo e sua interpretação 1.6 Fontes do Direito Administrativo 1.7 Origem do Direito Administrativo 1.8 Evolução do papel do Estado 1.9 Novas tendências no Direito Administrativo 1.10 Independência entre poderes e função administrativa

2 Princípios da Administração Pública

2.1 Introdução 2.2 Supremacia do interesse público 2.3 Legalidade, legalidade administrativa e reserva legal 2.4 Impessoalidade 2.5 Moralidade 2.6 Publicidade 2.7 Eficiência 2.8 Razoabilidade e/ou proporcionalidade 2.9 Finalidade 2.10 Motivação 2.11 Segurança jurídica

3 Poderes da Administração Pública

3.1 Poderes administrativos 3.2 Poder discricionário 3.3 Poderes decorrentes da hierarquia 3.4 Poder disciplinar 3.5 Poder normativo 3.6 Poder de polícia 3.6.1 Significado, abrangência e evolução histórica 3.6.2 Polícia administrativa e polícia judiciária 3.6.3 Atributos 3.6.4 Manifestações e limites

Page 6: Direito Administrativo por Irene Nohara

3.6.5 Poder de polícia e direitos fundamentais 3.6.6 Restrições a atividades de agentes privados 3.6.7 Impossibilidade de delegação

4 Ato administrativo

4.1 Introdução 4.2 Defesa do ato administrativo como categoria imprescindível 4.3 Conceito 4.4 Atributos 4.4.1 Presunção de legitimidade e veracidade 4.4.2 Imperatividade 4.4.3 Autoexecutoriedade 4.4.4 Tipicidade 4.5 Efeitos do silêncio administrativo 4.6 Classificação dos atos administrativos 4.7 Espécies de atos administrativos 4.8 Perfeição, validade e eficácia 4.9 Elementos e requisitos de validade 4.9.1 Sujeito 4.9.2 Objeto 4.9.3 Forma 4.9.4 Motivo 4.9.5 Finalidade 4.9.6 Sistematização distinta 4.10 Vícios 4.10.1 Vício de sujeito ou de competência 4.10.2 Vício de objeto 4.10.3 Vício de forma 4.10.4 Vício de motivo 4.10.5 Vício de finalidade 4.11 Discricionariedade e os elementos do ato administrativo 4.12 Teoria das invalidades no ato administrativo: nulidade e anulabilidade 4.13 Atos inexistentes 4.14 Convalidação do ato 4.15 Conversão 4.16 Extinção 4.16.1 Formas de extinção do ato administrativo 4.16.2 Anulação e revogação 4.16.3 Limites à anulação dos atos administrativos 4.16.4 Limites à revogação dos atos administrativos 4.16.5 Desfazimento e exigência de contraditório

5 Processo administrativo

5.1 Processo e procedimento: abrangência do processo administrativo 5.2 Importância do processo administrativo 5.3 Disciplina jurídica 5.4 Objetivos 5.5 Conceito 5.6 Princípios do processo administrativo 5.7 Diferenças entre processo civil e processo administrativo 5.8 Impedimento e suspeição 5.9 Razoável duração do processo e prazos da LPA 5.10 Prioridade na tramitação

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5.11 Instrução do processo administrativo 5.12 Participação comunitária: consulta, audiência e outros meios de interlocução 5.13 Condição de participante e de interessado 5.14 Parecer no processo administrativo 5.15 Extinção do processo 5.16 Processo Administrativo Disciplinar (PAD) 5.16.1 Conceito 5.16.2 Finalidade 5.16.3 Controle jurisdicional do ilícito administrativo 5.16.4 Natureza de poder-dever de apuração de irregularidades 5.16.5 Constitucionalidade da denúncia anônima 5.16.6 Fases e descrição do procedimento legal 5.16.7 Revisão do processo disciplinar 5.16.8 Sindicância 5.16.9 Verdade sabida 5.16.10 Prescrição no processo disciplinar

6 Licitação

6.1 Conceito e natureza jurídica 6.2 Objetivos 6.3 Fundamentos 6.4 Histórico 6.5 Disciplina legal e entes que devem licitar 6.6 Princípios 6.6.1 Legalidade e formalismo 6.6.2 Impessoalidade 6.6.3 Moralidade 6.6.4 Igualdade 6.6.5 Publicidade 6.6.6 Probidade administrativa 6.6.7 Vinculação ao instrumento convocatório 6.6.8 Julgamento objetivo 6.6.9 Outros princípios correlatos 6.7 Contratação direta 6.8 Procedimento de justificação de dispensa e de inexigibilidade 6.9 Procedimento e suas fases 6.9.1 Edital 6.9.2 Habilitação 6.9.3 Classificação 6.9.4 Homologação 6.9.5 Adjudicação 6.9.6 Inversão de fases 6.10 Desfazimento da licitação 6.11 Recursos na licitação 6.12 Modalidades 6.12.1 Concorrência 6.12.2 Tomada de preços 6.12.3 Convite 6.12.4 Concurso 6.12.5 Leilão 6.12.6 Pregão 6.12.6.1 Considerações introdutórias 6.12.6.2 Definição e características

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6.12.6.3 Disciplina legal, princípios e interpretação das normas 6.12.6.4 Formas: presencial e eletrônica 6.12.6.5 Procedimento do pregão presencial 6.12.6.6 Procedimento do pregão eletrônico 6.12.7 Sistema de Registro de Preços 6.13 Licitação de serviços de publicidade prestados por agências de propaganda 6.14 Tratamento favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte

7 Contratos administrativos

7.1 Considerações introdutórias 7.2 Discussão acerca da existência de contratos administrativos e sua natureza jurídica 7.3 Definição 7.4 Tratamento legal 7.5 Características 7.6 Formalidades 7.7 Cláusulas essenciais 7.8 Duração do contrato administrativo 7.9 Cláusulas exorbitantes 7.9.1 Alteração unilateral 7.9.2 Rescisão unilateral 7.9.3 Fiscalização do contrato 7.9.4 Aplicação de sanções por inexecução 7.9.5 Ocupação provisória de bens, pessoal e serviços 7.9.6 Restrições à alegação da exceptio non adimpleti contractus 7.9.7 Exigência de garantia 7.10 Áleas contratuais 7.10.1 Fato da Administração 7.10.2 Fato do príncipe 7.10.3 Teoria da imprevisão 7.10.4 Interferências ou sujeições imprevistas 7.11 Diferença entre reajuste e revisão do contrato administrativo 7.12 Arbitragem nos contratos administrativos 7.13 Extinção do contrato administrativo 7.14 Contratos administrativos em espécie 7.14.1 Contrato de concessão 7.14.2 Empreitada 7.14.3 Tarefa 7.14.4 Contrato de fornecimento 7.14.5 Contrato de gestão 7.14.6 Convênio 7.14.7 Consórcio público

8 Serviços públicos

8.1 Noção 8.2 Escola do serviço público e crise da noção 8.3 Critérios de identificação e definição de serviços públicos 8.4 Princípios 8.4.1 Generalidade ou igualdade dos usuários 8.4.2 Modicidade das tarifas 8.4.3 Mutabilidade do regime jurídico 8.4.4 Continuidade 8.5 Classificação 8.6 Repartição constitucional de competências e serviços públicos

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8.7 Delegação de serviços públicos a particulares 8.7.1 Concessão e permissão: tratamento legal e diferença 8.7.2 Concessão de serviço público 8.7.2.1 Histórico “pendular” na utilização da concessão 8.7.2.2 Serviço adequado 8.7.2.3 Direitos e deveres do usuário do serviço público 8.7.2.4 Política tarifária 8.7.2.5 Licitação na concessão de serviço público 8.7.2.6 Cláusulas essenciais no contrato de concessão 8.7.2.7 Encargos da concessionária 8.7.2.8 Responsabilidade da concessionária 8.7.2.9 Encargos do poder concedente 8.7.2.10 Responsabilidade do Estado por prejuízos causados pelos

concessionários 8.7.2.11 Contratação com terceiros pela concessionária 8.7.2.12 Subconcessão 8.7.2.13 Transferência 8.7.2.14 Intervenção na concessão 8.7.2.15 Extinção da concessão 8.7.3 Permissão de serviço público 8.7.4 Autorização de serviço público 8.7.5 Parceria Público-Privada 8.7.5.1 Conceito e natureza jurídica 8.7.5.2 Modalidades 8.7.5.3 Características e vedações 8.7.5.4 Histórico e adoção no Brasil 8.7.5.5 Disciplina legal 8.7.5.6 Diretrizes norteadoras 8.7.5.7 Cláusulas essenciais 8.7.5.8 Contraprestação 8.7.5.9 Garantias 8.7.5.10 Sociedade de propósito específico 8.7.5.11 Licitação 8.7.5.12 Normas aplicáveis à União

9 Intervenção do Estado no domínio econômico

9.1 Introdução 9.2 Monopólio 9.3 Controle de abastecimento 9.4 Tabelamento de preços 9.5 Repressão do abuso do poder econômico

10 Administração Direta e Indireta

10.1 Introdução 10.2 Desconcentração e descentralização 10.3 Teoria do órgão 10.4 Administração Direta 10.5 Administração Indireta 10.5.1 Autarquia 10.5.1.1 Conceito e características 10.5.1.2 Classificação 10.5.1.3 Prerrogativas do regime público 10.5.1.4 Sujeições do regime público

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10.5.1.5 Escolha dos dirigentes 10.5.1.6 Regime de bens/patrimônio 10.5.1.7 Controle 10.5.2 Agências 10.5.2.1 Agências executivas 10.5.2.2 Agências reguladoras 10.5.3 Fundação 10.5.3.1 Considerações introdutórias 10.5.3.2 Fundações de direito privado instituídas por particulares 10.5.3.3 Fundação pública de direito privado 10.5.3.4 Fundação de direito público ou autarquia fundacional 10.5.4 Estatal 10.5.4.1 Regime jurídico das estatais que prestam serviços públicos 10.5.4.2 Criação e extinção 10.5.4.3 Regime de pessoal 10.5.4.4 Empresa pública 10.5.4.5 Sociedade de economia mista 10.5.5 Consórcios Públicos 10.5.5.1 Tratamento legal e definição 10.5.5.2 Objetivos 10.5.5.3 Regime jurídico público ou privado com derrogações 10.5.5.4 Responsabilidades 10.5.5.5 Criação 10.5.5.6 Contrato de rateio 10.5.5.7 Contrato de programa 10.5.5.8 Retirada, extinção e exclusão de ente do consórcio

11 Setor público não estatal: paraestatais e entes de colaboração

11.1 Introdução 11.2 Serviços sociais autônomos 11.3 Corporações profissionais 11.4 Organizações sociais (OS) 11.5 Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip)

12 Servidores públicos

12.1 Considerações introdutórias 12.2 Breves linhas histórico-evolutivas acerca do “funcionalismo” 12.3 Profissionalização do funcionalismo no Brasil 12.4 Cargos, empregos e funções 12.5 Agentes públicos 12.6 Agentes políticos 12.7 Servidores públicos 12.8 Provimento originário e provimento derivado 12.9 Investidura 12.10 Classe, carreira e quadro 12.11 Concurso público 12.11.1 Igualdade e meritocracia 12.11.2 Histórico do surgimento do concurso público nas Constituições do Brasil 12.11.3 Configuração jurídica 12.11.4 Controle dos concursos públicos 12.12 Proibição de acumulação remunerada de cargos públicos 12.13 Servidores públicos e mandato eletivo 12.14 Sistemas remuneratórios

Page 11: Direito Administrativo por Irene Nohara

12.15 Teto remuneratório 12.16 Aposentadoria 12.17 Tratamentos transitórios de aposentadoria 12.18 Sindicalização e direito de greve 12.19 Estabilidade 12.20 Vitaliciedade 12.21 Responsabilidade dos servidores 12.22 Militares 12.23 Particulares em colaboração com o Poder Público

13 Bens públicos

13.1 Considerações introdutórias 13.2 Definição de bens públicos 13.3 Afetação e desafetação 13.4 Classificação 13.5 Regime jurídico 13.5.1 Inalienabilidade 13.5.2 Impenhorabilidade 13.5.3 Imprescritibilidade 13.5.4 Não onerabilidade com direitos reais de garantia 13.6 Uso privativo de bem público 13.6.1 Autorização de uso 13.6.2 Permissão de uso 13.6.3 Concessão de uso 13.7 Espécies de bens públicos 13.7.1 Terras devolutas 13.7.2 Terrenos reservados 13.7.3 Faixa de fronteira 13.7.4 Terras ocupadas pelos índios 13.7.5 Plataforma continental 13.7.6 Terrenos de marinha 13.7.7 Ilhas 13.7.8 Águas públicas 13.7.9 Jazidas e minas

14 Limitações ao direito de propriedade

14.1 Introdução 14.2 Limitações administrativas 14.3 Ocupação temporária 14.4 Requisição administrativa 14.5 Servidão administrativa 14.6 Tombamento 14.6.1 Noções introdutórias 14.6.2 Diferenças entre tombamento e registro 14.6.3 Preservação do patrimônio: objetivos e outros instrumentos de tutela 14.6.4 Tombamento e desapropriação indireta 14.6.5 Objeto 14.6.6 Disciplina legal 14.6.7 Natureza jurídica 14.6.8 Classificação 14.6.9 Procedimento 14.6.10 Efeitos 14.6.11 Direito de preferência

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14.7 Desapropriação 14.7.1 Conceito e natureza jurídica 14.7.2 Disciplina legal 14.7.3 Pressupostos autorizadores da desapropriação 14. 7.4 Sujeito ativo da desapropriação 14.7.5 Objeto da desapropriação 14.7.6 Procedimento 14.7.7 Imissão provisória na posse 14.7.8 Desapropriação indireta 14.7.9 Indenização 14.7.10 Retrocessão e destino do bem desapropriado

15 Ordenamento urbano e estatuto da cidade

15.1 Vida urbana e sustentabilidade da cidade 15.2 Funções sociais da cidade 15.3 Usucapião especial coletiva de imóvel urbano 15.4 Direito de preempção 15.5 Outorga onerosa do direito de construir 15.6 Operação urbana consorciada 15.7 Transferência do direito de construir 15.8 Estudo de impacto de vizinhança

16 Responsabilidade extracontratual do Estado

16.1 Definição 16.2 Fundamento da responsabilização: justiça corretiva e distributiva 16.3 Evolução histórica da responsabilidade 16.3.1 Período da irresponsabilidade nas Monarquias Absolutistas 16.3.2 Teoria civilista da culpa ou culpa civil comum 16.3.3 Responsabilidade publicista: fase inicial – culpa administrativa ou culpa do

serviço 16.3.4 Responsabilidade publicista: teoria do risco ou responsabilidade objetiva 16.4 Evolução no ordenamento brasileiro 16.5 Requisitos presentes no art. 37, § 6o, da Constituição 16.5.1 Das pessoas que respondem objetivamente 16.5.2 Dano: material ou moral 16.5.3 Nexo de causalidade 16.5.4 A terceiros 16.5.5 Agentes 16.5.6 Atuação na qualidade 16.5.7 Regresso por dolo ou culpa 16.6 Denunciação à lide do agente causador do dano 16.7 Excludentes da responsabilização 16.8 Responsabilidade por omissão do Estado 16.9 Responsabilidade por dano nuclear 16.10 Responsabilidade do Estado por atos legislativos 16.11 Responsabilidade do Estado por atos judiciais 16.12 Prazo de prescrição para pleitear reparação em juízo

17 Controle da Administração Pública

17.1 Definição e classificação 17.2 Controle do Ministério Público 17.3 Controle social ou popular

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17.4 Controle legislativo 17.5 Controle administrativo 17.5.1 Recursos administrativos 17.5.2 Coisa julgada administrativa 17.5.3 Prescrição administrativa 17.5.4 Direito de petição aos Poderes Públicos 17.5.5 Direito de certidão 17.6 Controle judicial 17.6.1 Habeas corpus 17.6.1.1 Origem 17.6.1.2 Histórico no Brasil e doutrina do habeas corpus 17.6.1.3 Objeto 17.6.1.4 Sujeito ativo, abrangência e informalismo 17.6.2 Habeas data 17.6.2.1 Conceito e origem 17.6.2.2 Objeto 17.6.2.3 Questões sobre o cabimento 17.6.2.4 Sujeito ativo 17.6.2.5 Rito 17.6.3 Mandado de segurança 17.6.3.1 Definição 17.6.3.2 Origem 17.6.3.3 Disciplina legal 17.6.3.4 Sujeito ativo ou impetrante 17.6.3.5 Sujeito passivo ou paciente 17.6.3.6 Pressupostos 17.6.3.7 Liminar 17.6.3.8 Processamento 17.6.4 Mandado de injunção 17.6.4.1 Definição 17.6.4.2 Pressupostos 17.6.4.3 Sujeito ativo e sujeito passivo 17.6.4.4 Efeitos 17.6.5 Ação popular 17.6.5.1 Origem 17.6.5.2 Objeto 17.6.5.3 Pressupostos 17.6.5.4 Sujeito ativo e sujeito passivo 17.6.5.5 Competência 17.6.5.6 Funções do Ministério Público 17.6.5.7 Liminar e natureza da sentença 17.6.6 Ação civil pública 17.6.6.1 Conceito 17.6.6.2 Objeto e natureza da sentença 17.6.6.3 Sujeito ativo e sujeito passivo 17.6.6.4 Funções do Ministério Público 17.6.6.5 Inquérito civil e seu arquivamento 17.6.6.6 Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) 17.6.6.7 Propositura 17.6.6.8 Execução pelo Fundo de Reconstituição em condenação pecuniária 17.6.7 Improbidade administrativa 17.6.7.1 Atos de improbidade e sanções 17.6.7.2 Modalidades de atos de improbidade e respectivas sanções

Page 14: Direito Administrativo por Irene Nohara

17.6.7.3 Elemento subjetivo 17.6.7.4 Sujeito passivo 17.6.7.5 Sujeito ativo 17.6.7.6 Medidas acautelatórias 17.6.7.7 Processo administrativo 17.6.7.8 Ação judicial 17.6.7.9 Prescrição

Referências

Índice remissivo

Remissivo dos quadros de temas polêmicos

Page 15: Direito Administrativo por Irene Nohara

A presente obra é voltada a diversos públicos: aos alunos de graduação, que irão tomar

contato com a totalidade dos assuntos do Direito Administrativo; aos aplicadores do Direito

Administrativo, que são inúmeros: servidores públicos, advogados que atuam na área, juízes,

promotores e especialmente procuradores, que encontrarão nela um guia seguro para a tomada

de decisões; também se volta ao público de pós-graduação, que precisa ter acesso a pontos

controvertidos da matéria; e, sobretudo, àqueles que prestam concursos públicos, que

geralmente procuram livro de linguagem objetiva, esquematizado, mas, tendo em vista o grau de

dificuldade dos certames, que não simplifique em demasia o conteúdo da matéria, o que impede

sua real compreensão.

Por isso, a obra alcança a densidade suficiente para que o estudo do Direito Administrativo

seja definitivo, isto é, para que o aluno grave os pontos mais importantes e principalmente saiba

do fundamento de cada instituto, o que gera maior fixação de seu conteúdo. Houve preocupação

simultânea com o fornecimento de exemplos, evitando que a explicação teórica “paire no ar”.

Outra característica da obra é o investimento no aspecto visual, que é relevante para a maior

retenção dos assuntos desenvolvidos, por isso existem diversos esquemas, quadros, ilustrações e

resumos ao final de cada explicação, o que facilita a revisão da matéria por aqueles que

realizarão provas e concursos.

Procurou-se abranger o conteúdo dos principais concursos públicos, havendo capítulos

diferenciados, como, por exemplo, o do Estatuto da Cidade ou o do Setor Público não Estatal, que

são temas cada vez mais requisitados nos editais.

Para os concursos de maior exigência, e para os alunos de pós-graduação, ou mesmo de

graduação, que queiram pesquisar algum tema em iniciação científica ou em trabalho de

conclusão de curso, mas que ainda não se sentem à vontade em problematizar questões

passíveis de aprofundamento, há quadros de temas controvertidos que são destacados

visualmente do corpo do texto.

A ideia de separar os quadros é útil para que, numa leitura mais objetiva, se deixe para um

outro momento a reflexão acerca dos temas controvertidos. Mas nada impede que aqueles que

apreciam o Direito Administrativo e que têm curiosidade pelos assuntos da matéria folheiem o

livro, passando por cada um dos temas separados, e tomem contato com as questões mais

palpitantes e atuais da disciplina. Neste ponto, deu-se destaque às decisões mais recentes dos

Tribunais Superiores.

A obra tem por base as elaborações teóricas destacadas em cada temática e procura expor as

distintas correntes doutrinárias, para que o livro não seja unilateral ou tendencioso, mas

também não deixe de expor opinião própria acerca dos temas discorridos.

Page 16: Direito Administrativo por Irene Nohara

Na realidade, procurou-se elaborar obra didática e que objetiva suprir as necessidades dos

alunos dos dias atuais, na crença de que o Direito Administrativo será tanto mais valorizado

quanto mais acessível e interessante se mostrar.

A Autora

Page 17: Direito Administrativo por Irene Nohara

8.1 Noção

O Estado desempenha as seguintes atividades: intervém na economia, exercita poder de polícia, presta serviços públicos e fomenta atividades de interesse público não privativas. Tal classificação é de Maria Sylvia Zanella Di Pietro,1 que, conforme visto, desdobra as atividades estatais em quatro:

• intervenção;

• poder de polícia;

• serviços públicos; e

• fomento.2

A intervenção do Estado no domínio econômico será vista de forma mais aprofundada no próximo capítulo. Poder de polícia, conforme analisado, é a atividade do Estado de condicionar e restringir o exercício de direitos individuais, tais como a liberdade e a propriedade, adequando-os aos interesses coletivos.

Diferenciam-se poder de polícia de serviço público no fato de que, enquanto a primeira noção envolve a restrição e o condicionamento das atividades privadas aos interesses coletivos, serviço público geralmente compreende atividade estatal de caráter prestacional, em que o Estado supre diretamente necessidades coletivas.

Celso Antônio Bandeira de Mello ilustra bem a distinção:

enquanto o serviço público visa ofertar ao administrado uma utilidade, ampliando, assim, o seu desfrute de comodidades, mediante prestações feitas em prol de cada qual, o poder de polícia, inversamente (conquanto para proteção do interesse de todos), visa a restringir, limitar, condicionar, as possibilidades de sua atuação livre.3

1 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit. p. 54.

2 Alguns autores, como Eros Grau, propugnam que o fomento pode ser analisado do prisma da intervenção por indução, no universo do direito premial. In: A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 150. Ressalte-se, também, que o poder de polícia pode ser visto da perspectiva de intervenção, no sentido de condução de comportamentos privados para que não causem prejuízos ao bem-estar da coletividade. Mas o poder de polícia não se confunde com a intervenção estatal por participação, em que o Estado assume o controle de parcela dos meios de produção e atua em regime de competição com as empresas privadas.

3 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 673.

Page 18: Direito Administrativo por Irene Nohara

Em suma, serviço público é tema clássico de Direito Administrativo. Contrapõe-se à noção privatística de desenvolvimento de atividade econômica em sentido estrito,4 que é realizada tendo como parâmetro as regras do mercado e eventual controle efetivado no âmbito do poder de polícia, que objetiva restringir interesses privados em prol do benefício público. Assim, enquanto no serviço público o Estado proporciona utilidade e por isso ele tem caráter positivo ou prestacional, no poder de polícia o Estado geralmente atua de forma negativa, de modo a fiscalizar ou obstar determinadas atividades que comprometam interesses coletivos.

No serviço público, há o controle permanente sobre a gestão do serviço, porque se trata de atividade titularizada pelo Poder Público, conforme expresso no art. 175 da Constituição: “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.

Por conseguinte, ao Estado incumbe a titularidade dos serviços públicos, mas o exercício pode ser:

• direto, por meio de seus entes; ou

• indireto, sob o regime de concessão ou permissão no qual há a delegação do serviço público cuja titularidade é estatal, a pessoas privadas que vençam a licitação.

Determina o parágrafo único do art. 175 da Constituição que a lei5 disporá sobre:

• o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

• o direito dos usuários;

• política tarifária; e

• obrigação de manter serviço adequado.

Também enfatiza Eros Grau que, entre os serviços públicos, existem os privativos6 que, se prestados pelo setor privado, só podem ser executados após concessão ou permissão de serviços públicos, e serviços públicos não privativos, que são, para o autor, educação e saúde,7 uma vez que os arts. 209 e 199 da Constituição os consideram “livres à iniciativa privada”,8 mas

4 Na terminologia empregada por Eros Grau. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 93.

5 É a Lei no 8.987/95 que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal.

6 Idem, Ibidem.

7 Conforme será exposto, há acentuada polêmica quanto ao enquadramento dessas atividades, principalmente quando desenvolvidas pela iniciativa privada. Se prestadas pelo Poder Público, é unânime que se tratam de serviços públicos.

8 Aqui deve-se tomar cuidado com a ambiguidade da expressão. Consoante defendemos: livres à iniciativa privada significa dizer que se trata de serviço não exclusivo, logo, que o Estado admite que seja prestado paralelamente pela iniciativa privada, sem a necessidade de concessão ou permissão, daí a liberdade; mas não reputamos correta a interpretação de que eles estão livres ao mercado, no sentido de serem equiparados aos demais serviços e mercadorias. Até porque não há necessidade de o ordenamento jurídico dizer que um determinado serviço ou produto é livre à iniciativa privada, pois todos aqueles que a legislação não reserva para o Estado são residualmente livres ao mercado.

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condicionam a liberdade a uma série de restrições, ou, nos termos empregados por Celso Antônio Bandeira de Mello, eles ficam “submetidos a um tratamento normativo mais estrito do que o aplicável ao conjunto das atividades privadas. Assim, o Poder Público, dada a grande relevância social que possuem, os disciplina com um rigor especial”.9

Celso Antônio Bandeira de Mello enquadra também como serviços não privativos, além da educação e saúde, a previdência social e a assistência social:

Cumpre distinguir, de um lado, serviços públicos privativos do Estado – que são os referidos no art. 21, XI e XII,10 bem como quaisquer outros cujo exercício suponha necessariamente a prática de atos de império, os quais devem ser prestados pela União, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão – e, de outro lado, os serviços públicos não privativos do Estado. Nesta última categoria ingressam os serviços que o Estado deve desempenhar, imprimindo-lhes regime de Direito Público, sem, entretanto, proscrever a livre iniciativa do ramo de atividades em que se inserem. Aos particulares é lícito desempenhá-los, independentemente de concessão. De acordo com a Constituição, são quatro estas espécies de serviços sobre os quais o Estado não detém titularidade exclusiva, ao contrário do que ocorre com os demais serviços públicos nela previstos. A saber: serviços de saúde, de educação, de previdência social e de assistência social.11

Conforme expõe Eros Roberto Grau, serviço público “é o tipo de atividade econômica cujo desenvolvimento compete preferencialmente ao setor público. Não exclusivamente, visto que o setor privado presta serviço público em regime de concessão ou permissão”.12 Mesmo que haja regime de competição entre concessionárias e permissionárias, ainda assim o campo dos serviços públicos é área de atuação do Estado, que, quando não presta diretamente a atividade, regula a prestação de forma a suprir as necessidades coletivas, atividade que se distingue da intervenção no domínio econômico,13 onde há atividade econômica em sentido estrito ou regime de livre concorrência.

Há, ressalte-se, outros entendimentos. Paulo Modesto14 e Carlos Ari Sund-feld15 consideram que educação e saúde serão serviços públicos somente quando o Estado as prestar. Já Fernando

9 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 676.

10 Serviços de telecomunicações, radiodifusão sonora e de sons e imagens, energia elétrica e aproveitamento energético dos cursos de água, navegação aérea, aeroespacial, infraestrutura aeoroportuária, transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros e portos marítimos, fluviais e lacustres.

11 Op. cit. p. 675-676.

12 GRAU, Eros Roberto. Op. cit. p. 103.

13 Pode até haver também algum grau de regulação das atividades econômicas em sentido estrito, mas não será uma regulação tão intensiva, pois se trata não mais de atuação do Estado em campo próprio de atuação, que é o público, onde o planejamento é determinante para o suprimento das necessidades coletivas (art. 174 da Constituição).

14 MODESTO, Paulo. Reforma Administrativa e marco legal das organizações sociais no Brasil. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, no 210, p. 208, 1997.

15 No entanto, nota-se que em alguns concursos, como o de Procurador de RR (2006), se exigiu que se classificasse nos testes a saúde como atividade econômica quando prestada por particularesatividade econômica quando prestada por particularesatividade econômica quando prestada por particularesatividade econômica quando prestada por particulares. Tal é o entendimento de Carlos Ari Sundfeld, para quem educação e saúde são serviços sociais, “daí uma importante consequência: quando prestados pelo Poder Público, submetem-se ao regime de direito público; quando prestados pelos particulares, sujeitam-se ao regime de direito privado. Tal dualidade se justifica, porquanto os serviços sociais são, ao mesmo tempo, atividade estatal e atividade dos particulares”. In: Fundamentos de direito público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 84. Nesse aspecto, acompanhamos, todavia, Celso Antônio Bandeira de Mello e Eros Roberto Grau, isto é, temos

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Herren Aguillar nega à saúde e à educação caráter de serviços públicos. Para o autor,16 são funções públicas ou funções irrenunciáveis pelo Estado, haja vista a impossibilidade de delegação a particulares mediante concessão. Nesse caso, a irrenunciabilidade não se confundiria com a exclusividade.

Já a intervenção estatal por participação é medida excepcional. De acordo com o art. 173: “ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.

Quando empresas públicas e sociedades de economia mista atuam no domínio econômico (atividade econômica em sentido estrito), isto é, em livre concorrência ou no mercado, determina o art. 173, § 2o, da Constituição que elas não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. Não obstante, há a possibilidade de o Estado monopolizar determinada atividade, caso em que não haverá concorrência, por questões estratégicas.

Monopólio não se confunde tecnicamente com serviços públicos, pois enquanto ele recai sobre uma atividade econômica em sentido estrito, os serviços públicos não implicam na situação de monopólio, mas sim em um regime de privilégio,17 justamente porque não se enquadram no campo das atividades livres ao mercado.

Como há um virtual privilégio de exclusividade da prestação é que eles são atrativos ao setor privado, havendo em regra disputa nas licitações para a concessão ou permissão de serviços públicos. Assim, conforme dito, mesmo que haja algum tipo de concorrência entre as permissionárias e concessionárias de determinado ramo de serviço público, ainda assim o regime de prestação será diferenciado do regime de desenvolvimento de atividades próprias do mercado.

Para ilustrar melhor a noção de serviço público propugnada por Eros Roberto Grau, na clássica obra A ordem econômica na Constituição de 1988, é importante ter em mente, conforme o quadro abaixo, que atividade econômica em sentido amplo é gênero, do qual decorrem duas espécies:

• os serviços públicos, área em que a Constituição atribui a incumbência – titularidade – ao Poder Público, que pode prestá-los diretamente ou por meio de concessionárias ou permissionárias; e

• a atividade econômica em sentido estrito, também denominada de mercado, em que o Estado intervém em caráter de maior excepcionalidade18 nos casos explicitados no art. 173, seja em regime de livre concorrência ou em regime de monopólio.

resistência em enquadrar tanto a educação como a saúde no rol de mercadorias e de serviços como outros quaisquer, porquanto elas consubstanciam o exercício de direitos sociais e sofrem um controle muito mais rigoroso do Estado na sua prestação do que as demais atividades livres ao mercado.

16 AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 150-154.

17 Ver GRAU, Eros Roberto. Op. cit. p. 140.

18 Note-se que é a intervenção direta ou intervenção por participação que tem maior caráter de excepcionalidade, porque a intervenção em sentido amplo, que restringe o exercício de atividades ao interesse geral (poder de polícia), ocorre com maior regularidade no campo das atividades da iniciativa privada.

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Atividade econômica em sentido amplo

SERVIÇOS PÚBLICOS

Art. 175

ATIVIDADE ECONÔMICA EM SENTIDO ESTRITO

Art. 173

Na realidade, a noção de serviços públicos é variável em função do espaço, do tempo e principalmente do papel que a coletividade confere ao Estado. É o ordenamento jurídico que atribui a determinada categoria de atividade a qualificação jurídica de serviço público, submetendo-a total ou parcialmente a regime jurídico de Direito Administrativo. O legislador erige as categorias de serviços públicos, conquanto obedeçam aos preceitos constitucionais.

São finalidades que fazem com que determinadas atividades sejam consideradas serviços públicos:

• proteger setores delicados ou estratégicos da especulação privada;

• propiciar o benefício do serviço aos menos favorecidos (justiça social);

• suprir carências da iniciativa privada;

• favorecer o progresso técnico19 ou o desenvolvimento nacional;

• ordenar o aproveitamento de recursos finitos, como os hidroelétricos;

• manter a unidade do país.20

Baseado na exposição de Duguit e de Rui Cirne Lima, Eros Grau21 enfatiza que serviço público é atividade explícita ou supostamente definida pela Constituição como indispensável, em determinado momento histórico, à realização e ao desenvolvimento da coesão e da interdependência social.

Em suma, na esteira da distinção de Eros Grau, esclarece Marçal Justen Filho que, enquanto os serviços públicos envolvem a realização imediata de valores fundamentais, atinentes à dignidade humana, as atividades econômicas em sentido estrito, por outro lado, são identificadas:

• pela via residual, isto é, por exclusão: são as atividades econômicas que a Constituição não qualificou como serviço público; e

• por isso, nelas a organização dos fatores de produção é livre, o que gera apropriação privada dos resultados.

Reflexões complementares: transferir determinada atividade para o campo dos serviços públicos ou liberalizá-la ao

19 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 314.

20 Os três últimos objetivos são mencionados por Carlos Ari Sundfeld. Fundamentos de direito público. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 83.

21 Op. cit. p. 136.

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mercado – quais interesses?

Se é o ordenamento jurídico que dirá se determinada atividade econômica em sentido amplo é serviço público ou é atividade econômica em sentido estrito, pergunta-se: qual a vantagem em inseri-la no regime de privilégio dos serviços públicos ou em deixá-la livre à esfera da iniciativa privada?

Ora, esta é uma questão que receberá respostas distintas, a depender da concepção econômica e, sobretudo, ideológica daquele que profere o discurso.

Aqueles que desejam um Estado Mínimo e que são, portanto, a favor da liberalização de inúmeras atividades ao mercado, defenderão um discurso das vantagens em que o Estado se ocupe do menor número de atividades econômicas. Já os que preferem um Estado de Bem-Estar Social, onde haja justiça social e distribuição de oportunidades, desejarão que um maior número de atividades sejam reconhecidas como serviços públicos, pois assim haverá garantia da modicidade das tarifas ou mesmo da gratuidade na prestação do serviço, o que permite, em tese, que mais pessoas tenham acesso a eles, dos quais normalmente se exigem controle mais rigoroso, maior planejamento por parte do Estado e a condição de cidadãos por parte dos usuários.

Eros Grau vai mais fundo na questão e objetiva desvelar que essa problemática envolve um conflito entre forças sociais. Para o jurista, pode-se dividir a questão entre a correlação de forças: do capital e do trabalho.

Enquanto o capital procura reservar para sua exploração, como atividade econômica em sentido estrito, todas a matérias que possam ser, imediata ou potencialmente, objeto de profícua especulação lucrativa, o trabalho aspira que se atribua ao Estado, para que este as desenvolva, não de modo especulativo, o maior número possível de atividades econômicas (em sentido amplo).22

Concordamos com o autor. Mas, apesar de, idealmente, esta dever ser a configuração de interesses, frequentemente se observa que a ideologia cumpre, sobretudo no Brasil, um forte papel de inversão de valores. Assim, é curioso observar pessoas que seriam beneficiadas se determinadas atividades se transformassem em serviços públicos, pois a elas seriam mais acessíveis se saíssem do regime de livre mercado, defenderem com fervor ideais e teorias da classe hegemônica, mesmo contra seus interesses mais imediatos.

Tal postura pode ter origem no fato de que no transcurso do século XX, como expõe Francisco Rüdiger, o proletariado foi integrado ao sistema, sendo progressivamente privado das condições favoráveis ao aparecimento de consciência de classe e, por fim, dissolvido numa massa mais ou menos indiferenciada pelo progresso técnico. Neste contexto:

a expansão das atividades nos setores de comércio e serviços criou uma nova e vasta classe de empregados, enquanto a burguesia perdia sua identidade histórica, passando a exercer o poder enquanto uma classe de executivos. [...] A racionalização instrumental das condições de vida pouco a pouco foi e vem dissolvendo as mediações ideológicas que uma vez existiram entre dominantes e dominados, engendrando constelações de interesse e padrões de conduta que não agem desde fora, mas sobretudo desde dentro dos próprios indivíduos. O primado do valor de troca reduz os homens a simples veículos do processo de acumulação. O capital só paga aqueles que são como ele exige e podem ser contados entre sua base de massas. Destarte, o ajustamento é o preço que os indivíduos e as associações devem pagar para prosperar sob o capitalismo. Hoje em dia, passam, eles todos a se relacionar de acordo com os critérios do sistema de mercado. A prontidão em ver o outro como potencial competidor ou parceiro comercial tornou-se habitual em amplos estratos sociais. As pessoas assumem mais e mais em face das outras uma postura racional e calculista e, curadas de velhas ilusões, cada vez mais elas julgam seu próprio eu segundo o valor de troca e aprendem o que são a partir do que se passa com elas na economia capitalista.23

Em suma, já estão de tal forma introjetados os valores capitalistas nas sociedades atuais que, com a racionalização mercantil das condições de vida, as pessoas passam a desconsiderar no indistinto cenário de uma sociedade de massas a construção de uma individualidade verdadeiramente autêntica, que passa também pelo reconhecimento do “outro” como categoria digna e também merecedora de proteção.

Paradoxalmente, a sociedade de massas ultracapitalista gera uma “socialização” que não estimula o surgimento de sentimentos coletivistas; muito pelo contrário: a massa une sujeitos atomizados, “que se encontram separados de

22 Op. cit. p. 110.

23 RÜDIGER, Francisco. Comunicação e teoria crítica da sociedade. Porto Alegre: Edipucrs, 1999. p. 43.

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tudo o que transcende seus impulsos e interesses egoísticos”.24 Enquanto membro da massa, o homem se torna um objeto de autoconservação e, na explicação de Rüdiger:

precisando sobreviver, os indivíduos desenvolvem uma capacidade de adaptação que consiste em conduzir-se de maneira utilitária, em saber colaborar, trabalhar em equipe e aproveitar as oportunidades. O destino de sua vida depende de estruturas que ninguém mais domina e que os condenam a procurar sua realização de modo privado, carente de conteúdo comunitário.25

Esse cenário, em nossa opinião, bastante ilustrativo, retrata uma possível explicação para a perplexidade que provoca o fato de potenciais beneficiários do regime de serviços públicos desejarem, dentro do primado de individualismo reinante, que mais atividades sejam desenvolvidas no livre mercado. Parece que o desejo por condições dignas a todos e, por conseguinte, o sentimento comunitário, não integra, como regra geral, o padrão espiritual dominante, que reflete formas de cultura de massa não pertencentes “nem à camada culta, nem às camadas sociais inferiores, mas com certa frequência aos grupos em processo de ascensão”,26 que se preocupam mais em conseguir acessar individualmente benefícios altamente qualificados e, de preferência, disponíveis a poucos, do que em fomentar a distribuição dos bens que a sociedade produz e que a muitos outros poderia beneficiar.

Contudo, a história é frequentemente cíclica e não gradualista. Quando a opressão é demasiada, a sociedade que oprime é capaz de promover importantes mudanças rumo a um cenário mais justo e equitativo. Daí por que se diz que os direitos sociais conquistados pelos oprimidos e cujo exercício depende em muito da prestação estatal têm caráter “compensatório”.27

Do ponto de vista normativo, contudo, não se deve esquecer que a Constituição determina que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados diversos princípios, entre os quais a livre concorrência (art. 170, IV).

Note-se que, no Brasil, o constituinte optou pelo sistema capitalista, fundado, no entanto, num Estado Democrático de Direito que incorpora os objetivos do Estado Social de Direito, no sentido de promover justiça social, com a valorização simultânea da dignidade humana (art. 1o, III). Esta última representa, conforme visto, não apenas um freio à atua-ção estatal violadora de direitos, mas uma permanente tarefa de desenvolver políticas públicas ou medidas para incluir os que estejam alijados de bens e de serviços disponíveis no atual estágio de desenvolvimento da h u m a n i d a d e t a m b é m n o r o l d e b e n e f i c i a d o s .

Nesta perspectiva, os serviços públicos são indispensáveis para que, em países em desenvolvimento, onde parcela significativa da população não aufere renda suficiente para suprir grande parte de suas necessidades, haja a redução das desigualdades sociais e, consequentemente, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (objetivos presentes no art. 3o da Lei Maior).

Na contramão dos objetivos constitucionais, como reflexo da pressão sofrida pelas economias latino-americanas na década de 90 por meio dos organismos de financiamento internacionais pós-Consenso de Washington, há o fortalecimento do discurso neoliberal. Este também foi sentido no movimento europeu de integração, principalmente na vertente que pôs em xeque o modelo nacional de Welfare State, até então tido em alta consideração.

A partir da promoção de medidas liberalizantes e privatizantes, houve uma pressão para que os serviços públicos adquirissem caráter menos de direito (social) e mais de mercadoria, dentro do que Di Pietro28 ressalta como “mercadorização” (mercantilização) dos serviços públicos, sendo os utentes ou usuários dos serviços equiparados a meros consumidores de produtos ou clientes de serviços. Essas modificações produzem na Europa uma nova crise na noção de serviço público,29 sendo até profetizado por alguns o seu desaparecimento.

Ressalte-se que a Constituição de 1988, em sendo democrática, incorpora preceitos que são influenciados por diversas ordens de forças e valores sociais, dentro do respeito ao pluralismo de concepções políticas e ideológicas. Todavia, não se pode ignorar que o neoliberalismo é uma concepção que, se levada ao extremo, dificulta o projeto de realização dos objetivos constitucionais presentes no art. 3o da Constituição.

Ademais, no Brasil, as atividades que o ordenamento positiva como serviços públicos são titularizadas pelo Poder

24 Op. cit. p. 44.

25 Op. cit. p. 45.

26 Op. cit. p. 42.

27 Se bem que o termo compensatório pode não ser ideal, pois retira deles o objetivo de universalização.

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Público, que pode exercê-las direta ou indiretamente, por meio de delegação contratual, conforme dispõe o art. 175 da Constituição, sendo por ele reguladas de forma mais rigorosa, para a garantia de efetivação de direitos sociais, o que pressupõe, do ponto de vista do regime jurídico, princípios como a continuidade, universalização, e dever de oferta indistinta.

Por fim, enfatize-se que apesar de existirem inúmeras vantagens para a efetivação de um projeto de justiça social que se relaciona com a manutenção de certas atividades no rol dos serviços públicos, também não se pode negar que há outras atividades que não têm razão de figurarem como serviços públicos. Não se aceita, via de regra, na maior parte das economias capitalistas, que o Estado explore determinados tipos de atividades, como, por exemplo, a produção e venda de calçados e bolsas ou o desenvolvimento de atividades de restaurante e hotelaria.

Mas nada impede que haja, no âmbito das atividades econômicas em sentido estrito, a exploração direta de atividades estratégicas, tendo em vista imperativos da segurança nacional ou relevante interesse econômico, caso em que o Estado atuará: (a) em regime de competição com o mercado; ou (b) em regime de monopólio, como acontece com o petróleo, que, conforme defendeu Gilberto Bercovici em sua banca de titularidade no Departamento de Direito Econômico da USP, não se trata de uma commodity como outra qualquer, como, por exemplo, laranja ou algodão, porquanto se sabe que inúmeras crises foram provocadas por questões envolvendo o fornecimento e a distribuição global de petróleo, que já foi, num passado não muito distante, motivo de guerras, e, tendo em vista sua importância estratégica, também não é integralmente liberalizado em economias centrais.

8.2 Escola do serviço público e crise da noção

Para se compreender a evolução da noção de serviço público no Direito Administrativo, é mister conhecer dos debates realizados pela doutrina clássica do serviço público. Esta se desenvolveu na França no primeiro terço do século XX,30 sendo também conhecida como Escola do Serviço Público ou Escola Realista de Bordeaux, capitaneada por León Duguit e Gaston Jèze.31

Segundo expõe Dinorá A. Musetti Grotti,32 a escola teve influência do neokantismo bem como do positivismo das ciências sociais (Auguste Comte), sendo dela extraídas interpretações da sociologia de Durkheim e do solidarismo de Léon Burgeois.

A Escola do Serviço Público é normalmente conhecida pelo reducionismo da formulação de Duguit, para quem o Direito Administrativo foi visto como um complexo de princípios e normas que gravitam em torno da ideia de serviço público.33 Atualmente sabe-se, conforme visto, que a prestação de serviços públicos representa apenas um tipo de atividade do Estado, mas, para compreender o porquê dessa visão peculiar, é necessário que haja a contextualização do seu desenvolvimento.

As conclusões encontradas na Escola do Serviço Público foram reflexos da modificação da jurisprudência do Conselho de Estado francês. Inicialmente, alcança relevância a distinção entre

28 Em menção à trabalho de Vital Moreira. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. p. 106.

29 A primeira crise, conforme será exposto a seguir, foi a que ocorreu na França sobretudo na década de 50.

30 Cf. GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 31.

31 Também Bonnard é considerado adepto da Escola do Serviço Público. Segundo expõe Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a Escola do Serviço Público influenciou tratadistas sul-americanos, entre os quais: Rafael Bielsa, na Argentina, e Themístocles Cavalcanti, no Brasil. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. p. 43.

32 Idem, Ibidem.

33 GROTTI, Dinorá Adelaide Mussetti. Op. cit. p. 35.

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atos de império e atos de gestão, que contribuiu para o reconhecimento da responsabilidade do Estado pela prática de atos de gestão,34 conceito que é considerado por alguns autores um embrião da noção de serviço público.

Todavia, o marco jurisprudencial que erigiu a categoria do serviço público como central no Direito Administrativo foi o caso Blanco,35 de 8.2.1873, em que o Tribunal de Conflitos decidiu que o funcionamento de serviço público seria submetido à apreciação da jurisdição administrativa. Neste ponto, é imperioso ressaltar que se trata de um marco justamente porque o sistema francês do contencioso administrativo está alicerçado na dualidade de jurisdição, o que não ocorre no Brasil, onde houve influência do sistema norte-americano de jurisdição una.

Serviço público passa a ser então um fator decisivo para a aplicação do Direito Administrativo. Para León Duguit, “o Direito Administrativo tinha por objetivo o ordenamento do serviço público, na consecução da função administrativa”.36 Até então muito se discutia a noção de soberania, mas Duguit optou metodologicamente por deixar de lado concepções metafísicas de justificação do poder do Estado, concebendo-o como instituição que se orienta para suprir necessidades de organização da sociedade.

Duguit via os seres humanos como animais dotados de instinto de solidariedade e de interdependência e o Estado seria uma cooperação de serviços públicos. Para ele, serviço público era “toda atividade cuja realização deve ser assegurada, regulada e controlada pelos governantes, porque a consecução dessa atividade é indispensável à concretização e ao desenvolvimento da interdependência social”.37

Há, portanto, a conceituação de serviços públicos em termos sociológicos bastante genéricos, como o próprio Duguit admitia, sendo rechaçadas concepções abstratas como: soberania, personalidade estatal e direito subjetivo.

Maurice Hauriou foi adversário ferrenho das teses sustentadas pela Escola do Serviço Público, travando contínua polêmica com Léon Duguit. Para Hauriou, as elaborações teóricas de Duguit não eram verdadeiramente realistas, porquanto negligenciavam um elemento essencial da realidade: o poder político, entendido também como um fato social.38

Hauriou preferiu caracterizar o Estado como poder político, isto é, como organização pública de poderes, competências e costumes. Para este último autor, a ideia mestra do Direito Administrativo não repousaria na noção de serviço público, mas sim na concepção de potestade pública.39

Adepto de expressão da Escola do Serviço Público foi Gastón Jèze (Principes généraux du droit administratif, 1916). Assim como Duguit, Jèze também posiciona o serviço público como pedra angular40 do Direito Administrativo francês, mas enfatiza que além de satisfazer um interesse geral, o serviço público deve obedecer a um procedimento técnico próprio com

34 Op. cit. p. 27.

35 Exposto de forma mais pormenorizada no item evolução histórica da responsabilidade do Estado, em capítulo próprio.

36 Cf. PEREIRA, Marcelo. A escola do serviço público. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, no 11, fev. 2002. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 16 de jul. 2010.

37 Traité de droit constitutionnel. t. 2, p. 61. Apud PEREIRA, Marcelo. Ibidem.

38 Ver. GROTTI, Dinorá A. Musetti. Op. cit. p. 40.

39 Na obra Précis de droit administratif et de droit public, 1927, p. IX. Op. cit. p. 4.

40 Na expressão utilizada por GROTTI, Dinorá A. Musetti. Op. cit. p. 35.

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alicerce no regime jurídico de direito público, onde há a prevalência de interesses públicos sobre os particulares.

Jèze, mais ligado à vertente do positivismo jurídico, dá ênfase especial ao aspecto formal do serviço público, ressaltando que a sua presença provoca a existência do regime jurídico público. Para ele:

dizer que, em determinada hipótese, existe serviço público, equivale a afirmar que os agentes públicos, para darem satisfação regular e contínua a certa categoria de necessidades de interesse geral, podem aplicar os procedimentos de direito público, quer dizer, um regime jurídico especial.41

Tais formulações acabaram sendo postas em questionamento a partir da chamada crise do serviço público.42 Com a ampliação do papel do Estado, houve sua participação também em atividades comerciais e industriais, que eram tradicionalmente reservadas à iniciativa privada.

Esse movimento gerava obscuridade na identificação das tarefas do Estado e teve reflexos na jurisdição do contencioso administrativo francês. A propósito do assunto, menciona Dinorá A. Musetti Grotti43 o caso Société Commerciale de l’Ouest Africain,44 de 22.1.1921, onde o Tribunal de Conflitos decidiu que seria atribuição da jurisdição comum, com aplicação, portanto, de regras de direito privado, a apreciação de serviços públicos que funcionassem em condições análogas à de empresas particulares. O arrêt envolvia acidente com uma balsa que afundou automóveis transportados na Costa do Marfim, à época colônia francesa.

Depois das guerras, a partir da década de 50 do século XX, houve a criação de uma nova geração de serviços públicos. Da constatação da insuficiência de organização adequada por parte do Estado para prestar diretamente todos os serviços públicos, passou a ser utilizada a delegação deles à iniciativa privada, feita por meio de contratos de concessão.

Acirrou-se a crise da noção, pois houve a percepção de que ela era inadequada para explicar:

• o rol de todas as atividades estatais;

• o regime jurídico de prestação, que, no caso das atividades de caráter comercial e industrial, passou a ser privado; e

• o sujeito prestador, uma vez que o Estado passou a delegar a particulares a execução de serviços públicos.

No entanto, como bem observa Marienhoff,45 a crise não significou a quebra ou a falência do conceito, mas apenas a necessidade de evolução, para que o seu sentido e alcance fossem compatíveis com as modificações processadas nas atribuições do Estado. No caso do Brasil,

41 JÉZE, Gaston. Principios generales del derecho administrativo. Buenos Aires: Depalma, 1949. v. 2. p. 4.

42 Na realidade, tratou-se da primeira crise da noção de serviço público, ocorrida na transição da concepção liberal de Estado para a concepção social. Alguns autores falam que os serviços públicos sofreram nova crise quando foi posto em xeque o modelo de Welfare State na Europa, momento no qual surgem movimentos privatizantes e desreguladores.

43 Op. cit. p. 54.

44 LONG, M.; WEIL, P.; BRAIBANT, G. Les grands arrêts de la jurisprudence administrative. Paris: Sirey, 1969. p. 159-164.

45 Apud GROTTI, Dinorá A. Musetti. Op. cit. p. 58.

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deve-se advertir que a conceituação de serviço público nunca foi relevante para a configuração da jurisdição aplicada, porquanto desde 1891 há um sistema de jurisdição una, onde o juiz comum tanto aplica direito privado como direito público.

Assim, é inadequada para o nosso sistema a pretensão de caracterizar a competência de jurisdição pela noção de serviço público. Também na França houve transformações nessa pretensão da Escola do Serviço Público, mas não entendemos que as importantes discussões travadas por tal corrente doutrinária são irrelevantes, como se costuma dizer, pois muitas de suas constatações foram incorporadas na definição de serviços públicos encontrável em diversas obras de Direito Administrativo, inclusive no Brasil.

Escola do serviço público

= Escola Realista ou Escola de Bordeaux

León Duguit: Direito Administrativo = serviço público Influência – caso Blanco (1873) Def. de serviço público – atividade indispensável à concretização e ao desenvolvimento da interdependência social. Crítica de Hauriou, para quem Duguit desconsiderava o elemento mais importante – o poder político (quando desconsiderava a noção de soberania). Gaston Jèze: serviço público como procedimento técnico próprio com alicerce no regime jurídico de direito público. Década de 50: crise da noção de serviço público. Necessidade de adaptação do sentido e do alcance dado ao conceito pela doutrina.

8.3 Critérios de identificação e definição de serviços públicos

Expõe Dinorá Grotti que “cada povo diz o que é serviço público em seu sistema jurídico”.46 Trata-se, pois, de escolha política de cada nação fixar em seu ordenamento jurídico dada atividade como serviço público, a depender da concepção que se tenha sobre o papel do Estado. Essa concepção é variável não apenas no espaço, mas também no tempo, a depender da maior ou menor propensão de uma economia a resistir ou a incorporar medidas liberalizantes.

Serviço público é um assunto bastante polêmico na doutrina. Contudo, existe relativo consenso de que há três critérios básicos que possibilitam a delimitação da noção, sendo, todavia, questionada a suficiência isolada deles para caracterizar a atividade:

• critério subjetivo ou orgânico: segundo o qual serviço público seria o prestado pelo Estado ou por órgão público;

• critério material: a partir do qual se compreende que o serviço público é atividade que tem por finalidade a satisfação de necessidades coletivas; e

• critério formal: de acordo com o qual o serviço público seria o exercido em regime jurídico de direito público, com disposições exorbitantes.

46 GROTTI, Dinorá A. Musetti. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 87.

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Conforme dito, os critérios isolados são insuficientes para caracterizar dada atividade como serviço público, tendo em vista que:

• crítica ao critério subjetivo: nem todas as atividades desempenhadas pelo Estado ou por órgãos públicos são serviços públicos, nem deixa um serviço de ser público quando prestado por pessoa privada em regime de concessão ou permissão de serviço público, por exemplo;47

• crítica ao critério material: é o fato de satisfazer a necessidades coletivas que justifica caracterizar certa atividade como serviço público, mas não são todas as necessidades coletivas que são satisfeitas por meio do fornecimento de serviços públicos, por exemplo, alimentação é uma necessidade coletiva, mas o fornecimento de produtos alimentícios,48 em geral, é feito normalmente em atividades livres ao “mercado”; há, ainda, atividades que em dado momento histórico são consideradas serviços públicos mas que posteriormente determinada nação resolve transferir à livre iniciativa, assim, segundo defende Dinorá Grotti,49 o critério material serve muito mais para nortear o legislador do que o jurista; e

• crítica ao critério formal: conforme visto, Gaston Jèze foi um dos primeiros doutrinadores a enfatizarem que o serviço público é o prestado em regime jurídico de direito público, mas este nem sempre é empregado total e sistematicamente a todos os aspectos de organização e de funcionamento de serviços públicos,50 havendo variações no regime jurídico se o serviço é prestado diretamente pelo Estado, por meio de empresas estatais ou mesmo pelas concessionárias de serviços públicos.

Em suma, os critérios isoladamente não são suficientes para caracterizar a noção, nem do ponto de vista subjetivo, pois nem toda atividade exercida por ente público é serviço público e os particulares também podem prestar serviços públicos por delegação (por exemplo, por meio de concessão ou permissão de serviço público); nem do ponto de vista material, pois nem toda atividade que supre necessidade pública é considerada serviço público; nem da perspectiva formal, pois pode ocorrer a aplicação de algumas regras do direito privado se uma estatal prestar serviço público, por exemplo.

Note-se que como é mais comum a existência de regime de exorbitância na prestação de serviços públicos, Celso Antônio Bandeira de Mello considera fundamental ressaltar na própria definição de serviço público a presença de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais.51

47 Op. cit. p. 48.

48 À exceção de alguns programas governamentais para suprir carências alimentares, como, no Brasil, o programa Fome Zero, distribuição de alimentos é atividade livre à iniciativa privada. Não há supermercados do Estado, apenas programas governamentais, desenvolvidos em parceria com a iniciativa privada, para tornar os alimentos mais acessíveis às pessoas que sofrem com a falta de alimentos. Pode-se no máximo pensar em programas de assistência social que contemplem também políticas voltadas para suprir carências de alimentação, mas aí o serviço público será, conforme dito, assistência social.

49 Op. cit. p. 49.

50 GROTTI, Dinorá A. Musetti. Op. cit. p. 47.

51 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 659.

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Portanto, constata Dinorá A. Musetti Grotti52 que nenhum dos critérios, por si só, oferece condições para fazer emergir uma satisfatória noção de serviço público, dentro do contexto jurídico vigente, sendo necessária a presença de dois ou três dos critérios enunciados para caracterizar a noção.

A partir do exposto, definimos serviço público como:

atividade prestacional, que incumbe ao Poder Público, com ou sem caráter privativo, sendo por ele desenvolvida diretamente ou por contrato de concessão ou permissão, com regime de exorbitância ou tendo em vista restrições especiais estabelecidas para a satisfação de necessidades coletivas que o ordenamento jurídico confere especial proteção.

É atividade prestacional, pois se orienta a ofertar utilidades ou comodidades materiais, diferentemente do poder de polícia, em que o Estado restringe atividades particulares.

Incumbe ao Poder Público, com ou sem caráter privativo, pois há atividades que podem ser desenvolvidas pelos particulares, mas que, no nosso entendimento,53 não deixam de ser serviços públicos, pois têm proteção jurídica maior do que as demais atividades deixadas ao livre mercado, podendo ser caracterizados como serviços públicos não privativos a educação e a saúde, que obedecem restrições especiais.

Quando o serviço público é desenvolvido pelo Estado, este pode tanto prestá-lo diretamente como por meio de delegatários, caso em há a transferência do exercício, cuja titularidade é estatal, para particulares, efetivado por concessão e permissão de serviços públicos (critério subjetivo mitigado).

O regime jurídico da prestação de serviços públicos tanto pode ser integralmente público, como ocorre, por exemplo, na prestação de serviços públicos por órgãos da Administração direta, autárquica e fundacional (se for autarquia fundacional), como pode ser parcialmente exorbitante, como ocorre na concessão e permissão de serviços públicos, onde existem cláusulas derrogatórias do regime privado, que permeia a natureza das pessoas particulares, ou no caso de estatais que prestam serviços públicos, que se submetem a inúmeras restrições estabelecidas tendo em vista o fato de prestarem serviços públicos, mas que continuam a ter natureza jurídica privada (critério formal mitigado).

Por fim, foi enfatizado na definição o critério material do serviço público: orientado para satisfazer necessidades coletivas, mas que é simultaneamente conjugado com o critério formal, uma vez que não são todas as necessidades coletivas que são supridas por meio da prestação de serviços públicos, sendo estes decorrentes da escolha política que determinada coletividade faz de dispensar-lhes especial proteção jurídica (critério material mitigado).

Tema controvertido: essencialismo versus formalismo – discussão necessária?

É comum encontrar exposições referentes à caracterização da noção de serviços públicos que dividem a

52 Op. cit. p. 53.

53 Reitere-se que parcela da doutrina, Paulo Modesto e Carlos Ari Sundfeld, defende que quando prestados pela iniciativa privada tais serviços não têm a natureza jurídica de serviço público.

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doutrina entre os: (1) essencialistas, assim considerados todos aqueles que defendem que uma atividade é considerada serviço público pela sua natureza (conteúdo/essência); e (2) formalistas, que reputam serem serviços públicos aqueles que o ordenamento jurídico classifica como tais.

Ambas as noções isoladas são insuficientes. O essencialismo é problemático, pois se diz que a escolha a respeito de caracterizar determinada atividade

como serviço público é eminentemente política, ou seja, depende mais da composição de interesses encontrada em determinado momento histórico, no sentido de conferir a determinada matéria certo tipo de proteção, do que do fato de o assunto ser essencialmente relacionado com a satisfação de necessidades coletivas, havendo o predomínio do arbítrio (no sentido de deliberação humana) em relação à natureza essencial/ontológica.54 Costuma-se apontar o fato de que o serviço de loteria é considerado serviço público.

Já o formalismo é limitador, pois deixa o intérprete alienado das razões da proteção jurídica, ou seja, na observação de Eros Grau:55 privilegiar-se a forma ou realizar uma tautologia: “serviço público é atividade sujeita a regime de serviço público”. O regime exorbitante de proteção decorre justamente do fato de uma determinada atividade ter sido considerada pelo legislador ou pelo Constituinte serviço público, ou seja, o serviço público é a causa e a consequência é o regime jurídico, e não o contrário.

Enquanto a crítica ao critério essencialista pode ser identificada com o mesmo substrato argumentativo da crítica do positivismo ao jusnaturalismo, uma vez que a escolha de positivação normativa depende muito mais dos interesses e do arbítrio daquele que tem condições de criar uma regra do que do fato de a regra ser intrinsecamente justa; o formalismo cria intérpretes alienados, que não se importam com as razões do Direito, mas apenas com a forma, sem se darem conta de que o critério formal serve para proteger algo que se reputa valoroso e não qualquer tipo de atividade desprovida de valor.

Mesmo que o Direito não possa ser reduzido a racionalidade pura, ainda assim sua dimensão pragmática deve ser enfocada em função de efeitos que servem para proteger interesses relevantes socialmente. No estágio atual de desenvolvimento da ciência jurídica, não dá para aderir cegamente à prevalência do critério formal, como se o Direito fosse instrumentalidade pura, porque o Direito serve à coletividade, e não o contrário.

As pessoas não podem se deixar satisfazer com respostas do tipo: serviço público é o que satisfaz a um regime jurídico público, pouco importa o seu conteúdo, pois como terão aptidão para refletir sobre a adequação ou não do conteúdo do Direito às necessidades coletivas e influenciar o Poder Público com o exercício de uma cidadania consciente?

Se o poder constituinte ou o poder constituído (legislador) optou em inserir determinada categoria de atividade no rol de serviços públicos, é porque ele segue um relativo consenso sobre a necessidade de proteção, alicerçado no valor dado intersubjetivamente a determinada atividade. Mesmo porque o titular do poder constituinte e de todos os poderes numa democracia é o povo, que pode e deve exercer pressão para que o ordenamento seja mais compatível com os interesses coletivos.

Mesmo no caso da loteria, que poderia ser vista como atividade supérflua ou não estratégica, mas que cumpre um papel de angariar fundos importantes para implementação de programas sociais, não se pode ignorar que há uma explicação histórica para sua proteção, pois houve no Brasil um movimento recente de proibição do desenvolvimento de atividades particulares de bingo, entre outros fatores, pelas fraudes denunciadas, sendo que o Decreto-lei no 204/67, que foi recepcionado pela Constituição Federal, caracterizou a loteria como serviço público a ser exercido exclusivamente pela União.

Tanto se trata de assunto que tem repercussões práticas importantes, que foi objeto da Súmula vinculante no 2. Após inúmeras ações diretas de inconstitucionalidade que questionavam leis estaduais que tratavam do assunto, o STF editou súmula que determina ser “inconstitucional a lei ou o ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcio e sorteios, inclusive bingos e loterias” (DO de 6.6.2007).

Entendemos, em suma, que essa discussão entre formalismo e essencialismo é superficial, pois tanto a matéria como a forma são aspectos a serem considerados. A relevância da matéria é o que justifica a proteção conferida pelo ordenamento. Apenas se deve ressaltar que, via de regra, não será o intérprete, mesmo que autorizado (juiz), a

54 Essa discussão sobre essências também é algo extremamente problemático do ponto de vista filosófico. Não é o fato de sermos incapazes de alcançar definições essenciais perfeitas que faz com que não possamos defender a necessidade de haver definições concretas, delimitadas historicamente e passíveis de mutação, que encontram justificativas plausíveis a partir da configuração de determinados contextos intersubjetivos.

55 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 119.

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fazer essa escolha, a partir da mera análise do conteúdo (essência),56 uma vez que, via de regra, ela já foi feita pela coletividade por meio de seus representantes.

Assim, forma e matéria estão relacionadas e mesmo que o conteúdo sofra mutações com o tempo, ele é a principal razão do regime jurídico (forma). Aplicadores do Direito conscientes não se curvam ao sistema jurídico como autômatos, isto é, sem refletir sobre a utilidade e adequação das regras às finalidades sociais prementes, mas procuram saber da razão de positivação das regras.

8.4 Princípios

O desenvolvimento dos serviços públicos, campo de atividades do Estado que são exercidas por ele ou mediante delegação a particulares, obedece a princípios próprios, que são: o da generalidade ou igualdade dos usuários, o da modicidade das tarifas, o da mutabilidade do regime jurídico e o da continuidade.

8.4.1 Generalidade ou igualdade dos usuários

Está previsto como uma decorrência do serviço adequado no art. 6o, § 1o, da Lei no 8.987/95. Significa que os serviços públicos devem beneficiar o maior número possível de indivíduos, sem discriminar ou privilegiar de maneira infundada os usuários.

Trata-se de decorrência do princípio da impessoalidade, pelo qual a prestação deve ser feita de forma igual, aberta ou indistintamente, sendo ainda voltado a atender à totalidade dos usuários, tendo em vista seu objetivo de universalidade. Para que haja generalidade e os serviços públicos possam ser acessíveis a todos, existe também o princípio da modicidade de tarifas.

8.4.2 Modicidade das tarifas

Corolário prático da generalidade, o princípio da modicidade das tarifas, previsto expressamente no art. 6o, § 1o, da Lei no 8.987/95, é aquele segundo o qual os serviços públicos devem ser remunerados a preços módicos, pois se forem pagos com valores elevados muitos usuários serão alijados do universo de beneficiá-rios do serviço disponibilizado.

Alguns serviços públicos, quando ofertados por órgãos públicos, como saúde e educação prestadas por estabelecimentos oficiais, são gratuitos. No caso da educação, o inciso I do art. 208 da Constituição garante ensino fundamental não só gratuito, mas também obrigatório, que acarreta o dever de prestação por parte do Poder Público, cuja ausência pode ser suprida por instrumentos como o mandado de segurança. Também a assistência social é prestada a quem dela necessitar, de forma gratuita. Já os serviços de utilidade pública delegados são em geral remunerados por tarifas, pois, conforme será visto, a concessão é um contrato que repassa o exercício de serviços públicos a particulares que os prestarão por sua conta e risco, mas que serão, via de regra, remunerados por tarifa.

Em casos expressamente previstos em lei, a cobrança da tarifa poderá ser condicionada à existência de serviço público alternativo e gratuito para o usuário, conforme determina o art. 9o, § 1o, da Lei no 8.987/95. Ademais, para favorecer a modicidade das tarifas, pode ainda o poder

56 Exceto no caso de conteúdo incompatível com o da Constituição, isto é, de inconstitucionalidade.

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concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade (art. 11 da Lei no 8.987/95).

8.4.3 Mutabilidade do regime jurídico

Trata-se do princípio pelo qual os concessionários ou demais contratantes com o Poder Público não estão protegidos de alterações (unilaterais) no contrato por parte da Administração, que pode modificar o regime de execução do serviço para adaptá-lo aos interesses públicos prementes.

Expõe Maria Sylvia Zanella Di Pietro que, como decorrência da mutabilidade, tanto os servidores públicos, como os contratados, ou mesmo os usuários dos serviços, não têm direito adquirido à manutenção de determinado regime jurídico, pois “o estatuto dos funcionários pode ser alterado, os contratos também podem ser alterados ou mesmo rescindidos unilateralmente para atender ao interesse público”.57

8.4.4 Continuidade

Os serviços públicos obedecem ao princípio da continuidade, pois, como tais atividades visam à satisfação de necessidades coletivas importantes, as prestações de serviço público devem ser contínuas e tanto a execução do contrato administrativo como o exercício da função pública não podem parar.

Quanto à execução do contrato administrativo, não é dado ao contratante opor, em qualquer circunstância, a exceção do contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contactus) contra a Administração. O concessionário ou permissionário não pode paralisar sumariamente a execução do contrato, alegando tal expediente, comum aos contratos privados, pois deve esperar escoar os prazos legais de tolerância (para atraso de pagamento, 90 dias de tolerância, art. 78, XV, da Lei no 8.666/93).

Ademais, se o particular for ao Judiciário pleitear rescisão do contrato por descumprimento de normas contratuais pelo Poder Público, determina o parágrafo único do art. 39 da Lei no 8.987/95 que “os serviços prestados pela concessionária não poderão ser interrompidos ou paralisados, até a decisão judicial transitada em julgado”.

Note-se que o art. 6o, § 3o, da Lei no 8.987/95 não caracteriza como descontinuidade do serviço a interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando: (1) motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e (2) por inadimplemento do usuário,58 considerado o interesse da coletividade.

Também se admite que haja a revisão de tarifas para o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, caso ocorra circunstância que torne excessivamente onerosa a execução do contrato. Todas as hipóteses de áleas, sejam econômicas, que se relacionam com a aplicação da teoria da imprevisão, sejam administrativas, quando há alterações provocadas pela

57 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 108.

58 Trata-se, portanto, da descontinuidade da prestação do serviço em relação ao usuário inadimplente; não, evidentemente, do serviço como um todo.

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Administração, acompanhada da revisão do contrato, foram engendradas para que o contrato tivesse continuidade, mesmo diante de sua mutabilidade.

Como reflexo da continuidade dos serviços públicos, preveem os §§ 2o e 3o do art. 35 da Lei no 8.987/95 que, uma vez extinta a concessão, haverá a imediata assunção do serviço pelo poder concedente, sendo autorizada a ocupação das instalações e a utilização de bens reversíveis.

Quanto ao desempenho da função pública, aponta Maria Sylvia Zanella Di Pietro59 as seguintes repercussões: a existência de normas que exigem a permanência do servidor pelo prazo fixado em lei quando ele pedir exoneração do cargo; os institutos da substituição, suplência e delegação; e o exercício do direito de greve pelos servidores apenas nos termos e limites estabelecidos em lei específica, de acordo com o art. 37, VII. Como não houve regulamentação, há alguns mandados de injunção60 nos quais o STF admitiu a aplicação da lei de greve do trabalhador comum, tendo em vista a mora na regulamentação desta norma constitucional de eficácia limitada.

8.5 Classificação

Quanto à essencialidade, podem os serviços públicos ser classificados em: serviços públicos propriamente ditos e serviços de utilidade pública.

Serviços públicos propriamente ditos são os que a Administração Pública presta diretamente à coletividade em função de sua essencialidade e, por esse motivo, não podem ser delegados. São exemplos destes tipos de serviços: a segurança pública e a defesa nacional.

Serviços de utilidade pública são aqueles que a Administração reconhece a sua conveniência, mas não a essencialidade (nem a necessidade) de sua prestação, que pode ser feita diretamente, ou por terceiros, mediante concessão ou permissão, de acordo com a regulamentação e o controle estatal. Os serviços de utilidade pública são remunerados pelos usuários. Abrangem utilidades que proporcionam o conforto e bem-estar dos indivíduos, tais como transporte coletivo, energia elétrica e telefonia.

Quanto à delegabilidade, os serviços públicos podem ser classificados em próprios e impróprios.

Serviços próprios, segundo Hely Lopes Meirelles,61 são os que se relacionam intimamente com as atribuições do Poder Público, como segurança e a higiene, cuja execução é feita com base na supremacia do interesse público, sem possibilidade de delegação a particulares. São geralmente gratuitos ou de baixa remuneração, para que sejam acessíveis a todos.

Serviços públicos impróprios, para Meirelles:

são os que não afetam substancialmente as necessidades da comunidade, mas satisfazem interesses comuns de seus membros, e, por isso, a Administração os presta remuneradamente, por seus órgãos ou entidades descentralizadas (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia

59 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. p. 108.

60 MI 670/ES e 712/PA. Ver item de mandado de injunção em controle da Administração Pública.

61 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 334.

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mista, fundações governamentais), ou delega sua prestação a concessionárias, permissionários ou autorizatários.62

Parte da doutrina (Bielsa, Valles63) classifica como impróprio o serviço de atividade privada, exercida por particulares, que é autorizado, regulamentado e fiscalizado pelo Estado. Na realidade, a adoção desta última definição é problemática, pois, conforme expõe Maria Sylvia Zanella Di Pietro,64 não se trata juridicamente de serviço público, mas apenas de atividade privada submetida a regime jurídico especial devido a sua relevância, como ocorre no caso das atividades desenvolvidas pelas instituições financeiras, de seguro e previdência privada.

Quanto ao objeto, os serviços públicos podem ser: administrativo, comercial ou industrial ou social.

Serviços administrativos são os executados pela Administração para atender necessidades internas ou para preparar outros serviços que serão prestados ao público, como, por exemplo, os serviços de imprensa oficial, das estações experimentais e outros assemelhados.65

Serviços comerciais ou industriais prestados pelo Estado, de acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, são os que a Administração Pública desempenha direta ou indiretamente, por meio de concessão ou permissão, para atender à necessidades coletivas de ordem econômica. São exemplos dessa categoria os serviços de transporte, energia elétrica e telecomunicações. Ao contrário de Hely Lopes Meirelles, Maria Sylvia entende que comerciais são os serviços que obedecem ao art. 175 da Constituição, e não ao art. 173, pois este último dispositivo trata da intervenção do Estado no domínio econômico, e não da prestação de serviços públicos.

Serviços públicos sociais são os que atendem a necessidades coletivas em que a atuação do Estado é essencial, mas que também convivem com a iniciativa privada. São exemplos deste tipo de serviços a saúde, a educação, a previdência e a cultura. Expõe Di Pietro que eles são tratados na ordem social e objetivam a atender aos direitos sociais, considerados direitos fundamentais no art. 6o da Constituição.66

Conforme expõe Garrido Falla, a aparição de serviços assistenciais e sociais não foi acompanhada da necessidade de “monopólio” administrativo, como os demais serviços exclusivos do Estado. Nos dizeres do jurista espanhol, “nem os serviços sanitários ou de beneficência, nem a aparição de um sistema administrativo de ensino público implicaram a proibição aos particulares de montar atividades paralelas”.67

Explica, ainda, o autor que é justamente esse caráter não monopolístico68 do serviço que determina que em sua gestão não tenha cabimento a fórmula da concessão em seu sentido

62 Op. cit. p. 334.

63 Cf, CRETELLA JR., José. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 50.

64 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. p. 109.

65 Op. cit. p. 335.

66 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit. p. 111.

67 FALLA, Fernando Garrido. Tratado de derecho administrativo. 10. ed. Madrid: Tecnos, 1992. p. 322.

68 Apenas se deve ressalvar que, no Brasil, geralmente se fala em monopólio quando o Estado reserva para si o desempenho de atividade econômica que seria do mercado, sendo que não há monopólio no serviço público porque ele já é incumbência do Estado, sendo exercido quer em regime privativo, caso em que se admite seu exercício por particular apenas pelo regime de delegação (concessão ou permissão de serviços públicos), ou não privativo, quando não se proíbe que sejam oferecidos pela iniciativa privada, em regime “livre”, isto é, sem a necessidade de concessão e

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rigoroso; pois a concessão surge ali onde a Administração se reserva a titularidade de uma atividade com proibição de seu livre exercício pelos particulares.

Por isso, sem desconsiderarmos a existência de opiniões contrárias,69 acompanhamos, conforme já expressado anteriormente, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Eros Roberto Grau e Celso Antônio Bandeira de Mello, no sentido de afirmar a natureza jurídica de serviço público aos serviços de educação e saúde, mesmo quando prestados pela iniciativa privada.

Apesar de a Constituição ter se utilizado da expressão “livre à iniciativa privada”, nos arts. 209 e 199, esta expressão ambígua não deve ser interpretada, a nosso ver, no sentido de que se trata de atividade livre ao mercado, como se tivesse sido retirada do campo dos serviços públicos e removida para as atividades econômicas em sentido estrito, porque o regime jurídico de prestação de saúde e educação sofre um controle mais rigoroso, dada sua especial proteção em função da relevância de seu conteúdo para o suprimento de necessidades coletivas (expressão maior da realização de direitos sociais). Reitere-se: apenas se quis ressaltar que são serviços públicos sociais não privativos, ou seja, que convivem com a iniciativa privada, sem a necessidade de sua delegação pela via da concessão ou permissão, daí a pretensa liberdade.

Quanto à determinação do usuário, há classificação mencionada com frequên-cia na jurisprudência, justamente pela utilidade técnica de seus efeitos, que divide os serviços públicos em: serviços de fruição geral (uti universi) e serviços de fruição individual (uti singuli).

Serviços gerais ou uti universi são os prestados à coletividade, em geral, sem usuário determinado ou específico, como a iluminação pública, a segurança pública, a defesa nacional e a conservação das vias públicas. São geralmente remunerados mediante a espécie tributária imposto, que não se baseia na utilização do serviço.

Serviços individuais ou de fruição individual (uti singuli) são aqueles cujos usuários são determinados ou determináveis e nos quais existe a prestação de utilidade ou comodidade fruível diretamente pela comunidade, como, por exemplo, os serviços de telefonia, energia elétrica, água, gás, serviço postal etc. São remunerados tanto por taxa como por tarifa.

Em hipótese de não pagamento do serviço pelo usuário, há controvérsias acerca da legitimidade da suspensão de seu fornecimento. Parte substancial da jurisprudência entende que a suspensão é ilegal se o serviço for considerado essencial, pois obedece ao princípio da continuidade. Assim, mesmo que um ente federativo não pague pela utilização de serviço de energia elétrica, a responsável pelo seu fornecimento não pode suspender o serviço em unidades e serviços públicos que não admitem paralisação, como, por exemplo, hospitais e postos de saúde,70 tendo em vista a impossibilidade de descontinuidade na prestação desses serviços.

O serviço é, todavia, passível de suspensão se for de livre fruição e não essencial, desde que haja aviso prévio. Hely Lopes Meirelles71 alerta, ainda, que se o serviço é obrigatório, sua remuneração é feita mediante taxa (espécie tributária) e não por tarifa ou preço, e a falta da

permissão de serviço público, mas com as restrições necessárias à qualidade na prestação, dada a especial proteção conferida pelo ordenamento jurídico.

69 Como, por exemplo, a de Fernando Herren Aguilar. Op. cit. p. 150-154. Note-se que Carlos Ari Sundfeld chama a cateogoria de serviço social, que tem, em sua visão, dupla natureza jurídica: quando prestados pelos particulares, sujeitam-se ao regime privado, quando prestados pelo Estado, submetem-se ao regime de direito público. In: Fundamentos de direito público. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 84.

70 Conforme pergunta constante da primeira fase do exame de ordem 137 da OAB/SP.

71 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 335.

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pagamento não autoriza outras sanções além da cobrança executiva com os gravames legais correspondentes.

Tema polêmico: Corte no fornecimento de serviço público por inadimplemento – serviços essenciais e dignidade humana na jurisprudência

O art. 6o da Lei de Concessões (Lei 8.987/95) determina que toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, sendo que o § 3o, II, do artigo enfatiza não se caracterizar como descontinuidade do serviço sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando: por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade. Ademais, o art. 22 do CDC dispõe que os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

A partir desta ressalva final, a jurisprudência, sobretudo do STJ, procurou estabelecer standards de julgamento, para definir em que hipóteses a prestadora do serviço não pode interromper o fornecimento, dada sua essencialidade ou mesmo diante da consideração de interesse plurissubjetivo.

Assim, expressou-se o STJ, no AgRg no REsp 1.201.283, 2. T, j. 16.9.2010, DJe 30.9.2010, de relatoria do Min. Humberto Martins, que “o corte do fornecimento de água está autorizado por lei sempre que resultar falta injustificada de pagamento, e desde que não afete a prestação de serviços públicos essenciais, a exemplo de hospitais, postos de saúde, creches e escolas”. Também se manifestou no sentido de que pouco importa que o inadimplente seja entidade privada com fins lucrativos, pois o que se tutela é a vida e a saúde dos pacientes internados, ou seja, o condicionamento à ordem econômica é imposto para a promoção da dignidade humana.

Além de o assunto não ser pacífico nos tribunais, havendo decisões em sentido contrário (como o REsp 771.853/MT, Min. Eliana Calmon, T2, j. 2.2.2010, DJe 10.2.2010), ganha força uma outra tese, que foi desenvolvida a partir do desdobramento da noção de dignidade humana: até recentemente se achava irrazoável exigir a continuidade de prestação de serviços uti singuli, como são os remunerados por tarifa, para usuários que continuassem inadimplentes após o aviso prévio, sob pena de enriquecimento ilícito, todavia, é cada vez mais frequente nos tribunais a orientação no sentido de garantir a continuidade do serviço à pessoa física miserável, que está no limite da sobrevivência biológica, com base na dignidade humana, principalmente quando a empresa tem os meios jurídicos legais de ação de cobrança (Ressalva contida no EREsp 337.965/MG, rel. Min. Luiz Fux, DJU 8.11.2004, também do REsp 684.442/RS, rel. Min. José Delgado, j. 3.2.2005).

Esta questão deve ser apreciada à vista das particularidades de cada caso concreto. Assim, por exemplo, houve um caso em que foi considerada ilegal a interrupção da água de pessoa humilde, pobre, que “teve seu b a r r a c o d e m a d e i r a i n c e n d i a d o e t o d o s o s s e u s m ó v e i s q u e i m a d o s

e por isso atrasou o pagamento de água”. A companhia prestadora do serviço, no entanto, recusou-se a parcelar o débito e ainda cortou o fornecimento do serviço indispensável à saúde e à higiene, deixando o jurisdicionado, que se socorreu da assistência judiciária, sua esposa e filhos, sem água (REsp 201.112, 1T., J. 20.4.1999, Rel. Garcia Vieira).

Observa-se uma transformação na jurisprudência, no sentido de reconhecer uma dimensão mais profunda à dignidade humana, que recai sobre a impossibilidade de interrupção do fornecimento do serviço não só em face de hospitais, escolas, creches, mas também diante de pessoa pobre.

Trata-se do reconhecimento da solidariedade social no âmbito dos serviços públicos, que apesar de os exercícios terem sido repassados a empresas concessionárias, preservam seus caracteres fundamentais, sendo necessário, frise-se, diferenciar o inadimplente miserável daquele que, destituído de boa-fé, não paga voluntariamente suas contas, uma vez que a “conta final” será, evidentemente, diluída entre usuários que efetivamente pagam pelo serviço.

Classificação

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Quanto à essencialidade

Serviços públicos propriamente ditos

Serviços de utilidade pública

Quanto à delegabilidade

Serviços próprios

Serviços impróprios

Quanto ao objeto

Serviços públicos administrativos

Serviços públicos comerciais ou industriais

Serviços públicos sociais

Quanto à determinação dos usuários

Serviços gerais ou uti universi

Serviços individuais ou de fruição uti singuli