dinÂmicas em sala de aula: envolvendo os alunos no

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Endereço para contato: Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde. Rua Universitária, 2069. Jardim Universitário. CEP: 85819-110. Cascavel Paraná. . E-mail: [email protected] e [email protected] ISSN: 1677-2318 No. 01/2011 Public. 08/07/2011 Artigo C DINÂMICAS EM SALA DE AULA: ENVOLVENDO OS ALUNOS NO PROCESSO DE ENSINO, EXEMPLO COM OS MECANISMOS DE TRANSPORTE DA MEMBRANA PLASMÁTICA Vanessa Oenning 1 e Juliana Moreira Prudente de Oliveira 2 1 - Licenciada em Ciências Biológicas, especialista em Biodiversidade, Conservação e Manejo de Recursos Naturais, Universidade Estadual do Oeste do Paraná. 2 – Licenciada em Ciências Biológicas, especialista em Ensino de Ciências e Matemática, Mestranda em Educação para a Ciência e a Matemática, Universidade Estadual de Maringá. Resumo: O estudo relacionado a aspectos bioquímicos e moleculares da célula muitas vezes esbarra com a dificuldade apresentada pelos alunos em compreender o conteúdo, fato que pode estar associado à carência de metodologias que tornem o assunto mais dinâmico e acessível à turma. Considerando que o entendimento dos conceitos básicos é fundamental para a compreensão de processos posteriores e tendo em vista a necessidade de adotar técnicas que facilitem o estudo de estruturas microscópicas e processos complexos, estudos apontam o uso de modelos, jogos ou dinâmicas como forma de envolver o aluno, tornando o conteúdo mais assimilável. Nessa perspectiva, discute-se aqui a utilização de uma dinâmica de fácil acesso, criada para ser desenvolvida com alunos do Ensino Médio, na qual se aborda o conteúdo referente à Membrana Plasmática e seus Mecanismos de Transporte, por ser considerado de difícil compreensão pelos alunos. A mesma consiste em representar, por meio de simulações realizadas em sala, o funcionamento da membrana plasmática de uma célula permitindo estudar sua estrutura e seu comportamento em diversas situações, nas quais os próprios alunos reproduzem o processo de transporte transmembrana de diferentes substâncias. Procedeu-se a análise documental do Relatório de Estágio de acadêmicas que desenvolveram e aplicaram a dinâmica durante suas aulas, o qual revelou que a atividade as auxiliou na superação de diversos problemas comuns no estudo de conteúdos dessa natureza, evidenciando a importância de práticas educativas mais interativas Palavras-chave: Recursos Didáticos Alternativos, Ensino de Biologia, Membrana Plasmática, Transporte de Substâncias. Abstract: The study related to biochemical and molecular aspects of the cell often face the difficulty of the students in understanding the subject, what can be associated with the lack of methodologies that make the subject more dynamic and accessible to the group. Considering that the understanding of basic concepts is fundamental for the comprehension of subsequent processes and keeping in mind the need to adopt techniques that make the study of microscopical structures and complex processes easier, studies report that the use of models, games or dynamics as a way to involve the student, making the subjects more assimilable. From this point of view, we discuss the utilization of a group game of easy access, created to be used with High School students, which teaches the basics of the Plasma Membrane and its Transport Mechanisms, as the students consider it difficult to understand, consisting of representing the functioning of the plasma membrane by means of simulations carried out with the students, allowing the study of the structure and the behavior of the cells in many situations, where the students themselves reproduce the process of transmembrane transport of different substances. The authors were subjected to a documental analysis of their teaching practice, which showed that the activity helped them overcome several common problems in studies of the same nature, evidencing the importance of more interactive educational practices. Keywords: Alternate Teaching Resources, Teaching Biology, Plasma Membrane, Transport of Substances.

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Page 1: DINÂMICAS EM SALA DE AULA: ENVOLVENDO OS ALUNOS NO

Endereço para contato: Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde. Rua Universitária, 2069. Jardim Universitário. CEP: 85819-110. Cascavel – Paraná. . E-mail: [email protected] e [email protected]

ISSN: 1677-2318

No. 01/2011 Public. 08/07/2011

Artigo C

DINÂMICAS EM SALA DE AULA: ENVOLVENDO OS ALUNOS NO PROCESSO DE ENSINO, EXEMPLO COM OS MECANISMOS DE TRANSPORTE DA MEMBRANA

PLASMÁTICA

Vanessa Oenning1 e Juliana Moreira Prudente de Oliveira2

1 - Licenciada em Ciências Biológicas, especialista em Biodiversidade, Conservação e Manejo de Recursos

Naturais, Universidade Estadual do Oeste do Paraná. 2 – Licenciada em Ciências Biológicas, especialista em Ensino de Ciências e Matemática, Mestranda em

Educação para a Ciência e a Matemática, Universidade Estadual de Maringá.

Resumo: O estudo relacionado a aspectos bioquímicos e moleculares da célula muitas vezes esbarra com a dificuldade apresentada pelos alunos em compreender o conteúdo, fato que pode estar associado à carência de metodologias que tornem o assunto mais dinâmico e acessível à turma. Considerando que o entendimento dos conceitos básicos é fundamental para a compreensão de processos posteriores e tendo em vista a necessidade de adotar técnicas que facilitem o estudo de estruturas microscópicas e processos complexos, estudos apontam o uso de modelos, jogos ou dinâmicas como forma de envolver o aluno, tornando o conteúdo mais assimilável. Nessa perspectiva, discute-se aqui a utilização de uma dinâmica de fácil acesso, criada para ser desenvolvida com alunos do Ensino Médio, na qual se aborda o conteúdo referente à Membrana Plasmática e seus Mecanismos de Transporte, por ser considerado de difícil compreensão pelos alunos. A mesma consiste em representar, por meio de simulações realizadas em sala, o funcionamento da membrana plasmática de uma célula permitindo estudar sua estrutura e seu comportamento em diversas situações, nas quais os próprios alunos reproduzem o processo de transporte transmembrana de diferentes substâncias. Procedeu-se a análise documental do Relatório de Estágio de acadêmicas que desenvolveram e aplicaram a dinâmica durante suas aulas, o qual revelou que a atividade as auxiliou na superação de diversos problemas comuns no estudo de conteúdos dessa natureza, evidenciando a importância de práticas educativas mais interativas Palavras-chave: Recursos Didáticos Alternativos, Ensino de Biologia, Membrana Plasmática, Transporte de Substâncias.

Abstract: The study related to biochemical and molecular aspects of the cell often face the difficulty of the students in understanding the subject, what can be associated with the lack of methodologies that make the subject more dynamic and accessible to the group. Considering that the understanding of basic concepts is fundamental for the comprehension of subsequent processes and keeping in mind the need to adopt techniques that make the study of microscopical structures and complex processes easier, studies report that the use of models, games or dynamics as a way to involve the student, making the subjects more assimilable. From this point of view, we discuss the utilization of a group game of easy access, created to be used with High School students, which teaches the basics of the Plasma Membrane and its Transport Mechanisms, as the students consider it difficult to understand, consisting of representing the functioning of the plasma membrane by means of simulations carried out with the students, allowing the study of the structure and the behavior of the cells in many situations, where the students themselves reproduce the process of transmembrane transport of different substances. The authors were subjected to a documental analysis of their teaching practice, which showed that the activity helped them overcome several common problems in studies of the same nature, evidencing the importance of more interactive educational practices. Keywords: Alternate Teaching Resources, Teaching Biology, Plasma Membrane, Transport of Substances.

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Oenning, V. & Oliveira, J. M. P. No.01/2011 C2

I. INTRODUÇÃO

O ensino de ciências e biologia constantemente aborda conteúdos relacionados a processos e estruturas microscópicas, com os quais o aluno geralmente não está familiarizado. Em consequência, se esses conteúdos não forem trabalhados de forma mais próxima aos alunos, sua compreensão poderá ficar abstrata, além de gerar desinteresse por parte da sala que não vê sentido no que está sendo estudado e acaba se desmotivando.

A falta de motivação tem sido apontada como a principal causa do desinteresse pelos alunos, sendo que esse problema geralmente está associado à metodologia usada pelo professor ao trabalhar os conteúdos [1].

Embora as aulas expositivas tenham considerável importância no processo de ensino-aprendizagem, não se pode mais admitir a predominância dessa modalidade e a passividade que ela promove, uma vez que está vinculada a um modelo de ensino que deve ser superado, pois tal modelo, centrado no livro didático e na memorização de informações, tem distanciado o aluno do gosto pela ciência e pela descoberta [2].

Sabe-se que existem numa turma diferentes tipos de aprendizes, cada um com uma necessidade e uma forma de aprender. Por isso, sempre que for oportuno, o professor deve buscar envolver o máximo possível os alunos em suas aulas, para que as mesmas sejam mais dinâmicas e produtivas.

“Conte-me, e eu vou esquecer. Mostre-me, e eu vou lembrar. Envolva-me e eu vou entender”. A frase de Confúcio pode ser aplicada nesse contexto expressando a necessidade de um maior envolvimento dos alunos no processo de aprendizagem, fato que é pouco observado na realidade escolar, devido à falta de preparo dos professores ou até mesmo à carência de metodologias viáveis para tal prática.

Nesse contexto, evidencia-se a necessidade de se investir em dinâmicas de aula capazes de estimular o interesse dos alunos, instigando-os a solucionar os problemas que devem emergir das suas próprias atividades, sendo que o professor, agindo como orientador do processo, pode permitir o confronto entre as concepções dos alunos e os conceitos científicos, além de possibilitar a inserção de problemas reais relacionados à vivência dos alunos, assim como de temáticas atuais [3].

Certamente, aulas mais dinâmicas e elaboradas exigem mais trabalho por parte do professor. Por outro lado, o retorno pode ser muito significativo, produzindo um ensino de qualidade quando o professor se propõe a planejar práticas diferenciadas, variando a forma de conduzir suas aulas [1].

Diante do exposto, esse artigo apresenta um recurso didático simples, de fácil produção e que, sendo desenvolvido na forma de dinâmica, se propõe a explicar os conteúdos referentes à membrana plasmática, enfatizando os mecanismos de transporte através da mesma, visando, além de facilitar a compreensão do assunto, envolver mais os alunos no processo de construção do seu conhecimento, já que os próprios alunos simulam o comportamento da membrana e a passagem de substâncias para dentro e fora da célula. O artigo também investiga a eficiência do referido recurso, verificando os resultados alcançados por meio da aplicação deste.

a. O uso de jogos, dinâmicas e modelos didáticos no ensino de

biologia

Os conteúdos relacionados às áreas de bioquímica, biologia celular e molecular são os que mais exigem elaboração de material didático de apoio ao conteúdo presente no livro texto, já que sua abordagem emprega conceitos muito abstratos e trabalha com aspectos microscópicos [4].

Um dos conteúdos em que geralmente se observa dificuldade de compreensão é o estudo relacionado à membrana plasmática, cuja estrutura é extremamente delgada, de forma que sua visualização só é possível com ajuda de microscópio

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eletrônico. Além disso, os mecanismos de transporte de substâncias através da membrana podem parecer complicados quando o aluno é forçado a memorizar cada um sem compreender o processo.

Sendo que o papel do professor é o de ser o mediador entre o conhecimento e o aluno, ele deve buscar alternativas que aproximem o conteúdo estudado à capacidade de compreensão da turma, ou seja, deve facilitar a construção do conhecimento.

Estudos apontam que a aprendizagem torna-se mais eficaz quando é promovida a partir de experiências diretas, pois é conhecido que se aprende através dos sentidos do corpo, sendo 83% através da visão, 11% através da audição, 3,5 através da olfação, 1,5 através do tato e 1% através da olfação. Além disso, o ser humano retêm apenas 10% daquilo que lê, 20% do que ouve, 30% do que vê, 50% do que vê e em seguida realiza; 70% do que ouve e em seguida discute e 90% do que ouve e logo realiza. Daí a importância de se utilizar atividades que envolvam o aluno de diferentes maneiras [5].

Entre as possibilidades de alternativas auxiliadoras no processo de ensino-aprendizagem, apontam-se os modelos didáticos, os jogos e as dinâmicas em sala de aula, os quais facilitam significativamente a compreensão de conceitos básicos que são essenciais para o entendimento de processos posteriores [6].

Um modelo didático pode ser definido como “uma construção, uma estrutura que pode ser utilizada como referência, uma imagem analógica que permite materializar uma ideia ou conceito, tornados, assim, mais diretamente assimiláveis” [6].

Já o jogo pedagógico ou didático é aquele construído com o objetivo de proporcionar determinadas aprendizagens, como qualquer material pedagógico, mas com o diferencial de ter caráter lúdico [7].

Esse material pode preencher várias lacunas do processo de ensino-aprendizagem, pois favorece a construção do conhecimento pelos próprios alunos, além de possibilitar o enriquecimento desses por meio da troca de informações entre os grupos, favorecendo a socialização e o desenvolvimento da criatividade [7].

Da mesma forma, as dinâmicas em sala de aula podem ser ótimas ferramentas para “quebrar a rotina” das aulas expositivas. Tais práticas apresentam o conteúdo de forma mais assimilável, pois envolvem os alunos na sua execução, aproximando-os desse. Além disso, as dinâmicas podem abranger maior número de alunos do que a simples exposição, pois durante o seu desenvolvimento, os alunos são estimulados a utilizar seus vários órgãos do sentido, podendo ouvir, ver e fazer. Dessa forma, diferentes tipos de aprendizes são envolvidos no processo.

Utilizando-se dessas ferramentas, além de enriquecer o processo de ensino, o professor pode avaliar as necessidades de seus alunos, na medida em que surgem dificuldades, podendo identificar e trabalhar em cima de conceitos que não ficaram bem compreendidos. No entanto, tais recursos não devem apenas aclarar um conjunto de elementos, mas devem também permitir previsões e apresentar a possibilidade de ser utilizados nas situações mais diversas [6].

Uma forma de atender a essa condição é o desenvolvimento de simulações que são atividades nas quais os participantes estarão envolvidos em uma situação-problema, devendo tomar decisões e fazer previsões de acordo com cada situação [8].

Dessa forma, as dinâmicas apresentam a vantagem de permitir problematizações onde os conteúdos vistos na aula podem ser aplicados em situações diversas e adequados à realidade de cada turma.

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b. A membrana plasmática e seus mecanismos de transporte de substâncias

A membrana plasmática das células constitui-se de uma delgada camada de 6 a

8 nm de espessura composta por moléculas lipídicas, proteínas e hidratos de carbono. Entre as principais funções da membrana plasmática está o controle e a seleção da passagem de solutos, a fim de impedir a troca indiscriminada dos componentes das organelas entre si e dos componentes intra e extracelulares [9].

Para realizar essa função, a membrana é atravessada por canais e bombas altamente seletivos, formados por moléculas proteicas que permitem que substâncias específicas sejam importadas enquanto outras são exportadas, conforme a necessidade da célula [10].

Em geral, as substâncias são transportadas a fim de estabelecer um equilíbrio entre as soluções, sendo que o movimento obedece ao gradiente de concentração, no caso do transporte passivo, ou segue contra esse gradiente, no caso do transporte ativo.

Transporte passivo: A distribuição dos solutos tende a ser uniforme em todos os pontos do solvente. Nessas condições, o soluto entra ou sai da célula sem gasto de energia, ou seja, a força que impulsiona o soluto para dentro ou para fora da célula é a agitação térmica das moléculas do soluto [11].

Entre os mecanismos de transporte passivo estão a osmose, a difusão simples e a difusão facilitada.

No caso da osmose, ocorre entrada ou saída de moléculas de água da célula que podem atravessar livremente a membrana, que é muito permeável à água, ou passar por meio de proteínas responsáveis pelo transporte de água (aquaporinas). O movimento da água se dá na direção da solução menos concentrada para a mais concentrada [10].

A difusão simples ocorre com as moléculas pequenas e apolares, que podem atravessar livremente a membrana como o oxigênio e o dióxido de carbono. Já a difusão facilitada envolve as moléculas maiores, ou íons e moléculas carregadas, que precisam de proteínas transportadoras ou canais iônicos específicos para promover seu transporte. Ambas ocorrem na direção da solução mais concentrada para a menos concentrada [10].

Transporte ativo: Em alguns casos, as proteínas transportadoras devem promover o movimento de substâncias através da membrana contra um gradiente de concentração. Para que isso ocorra, a proteína transportadora deve realizar trabalho, ou seja, ocorre gasto de energia, por isso esse processo se chama transporte ativo [11].

Um dos mecanismos mais conhecidos de transporte ativo é a bomba de sódio-potássio. Em condições normais, a concentração de sódio é cerca de quinze vezes maior no líquido extracelular do que no líquido intracelular, já com o potássio ocorre o inverso. Essas concentrações são mantidas graças ao trabalho da bomba de sódio-potássio, que transporta ambos os íons contra seus gradientes. Essa atividade requer gasto de energia, sendo necessário hidrolisar uma molécula de ATP para cada três de sódio que saem e para cada duas de potássio que entram, de modo a manter as concentrações iônicas normais [9].

O conjunto de proteínas transportadoras presentes em uma membrana biológica determina exatamente quais solutos podem entrar ou sair da célula ou organela, de modo que cada membrana possui o seu próprio conjunto característico de proteínas transportadoras [10].

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II. MATERIAIS E MÉTODOS

a. Procedimentos metodológicos e desenvolvimento da pesquisa

A Dinâmica da Membrana Plasmática aqui analisada consistiu em representar, através de simulações realizadas com os alunos, o funcionamento da membrana plasmática de uma célula para estudar sua estrutura e seu comportamento em diversas situações.

Este recurso foi elaborado por duas acadêmicas (A1 e A2) e aplicado durante o Estágio Supervisionado em Biologia, realizado no decorrer do curso de Ciências Biológicas de uma Universidade Estadual do Paraná, no qual foram ministradas aulas teóricas e práticas referentes aos conteúdos de Biologia Celular para alunos do 1º ano do Ensino Médio de uma Escola Pública.

Após aulas introdutórias referentes ao conteúdo, a dinâmica foi aplicada com estudantes de três turmas, sendo utilizada como material de apoio às aulas teóricas, como instrumento avaliativo e principalmente com o fim de motivar a participação da turma nas aulas.

Ao terminar o estágio, as acadêmicas elaboraram o que na referida Universidade denomina-se de Relatório de Estágio Supervisionado, o qual foi submetido à investigação qualitativa, cuja abordagem se baseia em cinco características principais: a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal; é descritiva; o significado é de importância vital; seus pesquisadores interessam-se mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados e tende-se a analisar os dados de forma indutiva [12].

A análise, propriamente dita, trata-se de uma análise documental, definida como um meio de representar de outro modo informações contidas nos documentos acumulados, de forma que isto facilite um entendimento maior do observador [13].

Ressalta-se que as acadêmicas consentiram com a publicação deste artigo, contendo a descrição detalhada da construção da dinâmica.

b. Construção do material e algumas alternativas de trabalho

Para a construção do material utilizaram-se folhas de cartolina com as quais se

confeccionaram fichas contendo as inscrições de alguns componentes da membrana plasmática como: lipídios de membrana (representando os fosfoglicerídeos, colesterol e esfingolipídios), aquaporinas, bomba de sódio e potássio, canal de sódio, canal de cloro, canal de cálcio, canal de potássio; e também de algumas substâncias que são transportadas através da membrana, por exemplo: água, oxigênio, dióxido de carbono, sódio, potássio, cloro, cálcio, etc.

É importante que os próprios alunos participem da confecção do material, pois envolvê-los nessa tarefa é uma forma de ajudá-los a entender que os modelos são simplificações de um objeto real ou fases de um processo dinâmico [8].

Para a realização da dinâmica, as fichas foram distribuídas aleatoriamente pela professora entre os alunos, sendo que a inscrição contida na ficha recebida determinava o que cada um iria representar. A seguir, orientados pela professora, os alunos tomaram suas posições conforme a função que receberam. Assim, os lipídios de membrana se organizaram em círculo para representar a unidade estrutural da membrana plasmática e os diferentes canais iônicos foram distribuídos entre os lipídios de membrana, tal como a bomba de sódio/potássio e as aquaporinas (Figura 01).

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Figura 01: Esquema mostrando a disposição dos alunos para representar os componentes estruturais da membrana plasmática.

Já as substâncias que são transportadas através da membrana ficaram distribuídas dentro e fora da célula, como demonstradas no exemplo da figura 2. No caso dessa ilustração é possível envolver até 47 alunos na dinâmica, esse número, no entanto, pode ser adaptado para cada caso.

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Figura 2: Esquema representando a possível organização dos alunos para o desenvolvimento da dinâmica da membrana plasmática.

Para o desenvolvimento da dinâmica, o professor deve elaborar situações e questionar aos alunos o que deve acontecer com cada elemento e como é seu transporte, o que possibilita trabalhar as diferenças de concentração, transporte ativo e passivo, osmose, difusão simples e difusão facilitada.

No caso da célula ilustrada, por exemplo, uma possibilidade de trabalho poderia ser a questão de que se observa uma maior concentração de oxigênio fora da célula enquanto o gás carbônico encontra-se mais concentrado dentro da célula, assim, para que haja um equilíbrio, o aluno que representa o oxigênio deve entrar e o que faz papel de gás carbônico deve sair da célula. Como ambas são moléculas pequenas e apolares, elas podem atravessar a membrana entre os lipídios, não necessitando de proteínas transportadoras. Esse processo é chamado de difusão simples e ocorre sem gasto de energia, já que é a favor do gradiente de concentração (passa do mais concentrado para o menos concentrado), por isso classifica-se como transporte passivo. A figura 3 mostra como os alunos que representam o oxigênio e o gás carbônico devem proceder. Para facilitar a visualização estão ilustrados apenas os dois gases em questão:

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Figura 3: Representação do transporte passivo por difusão simples do oxigênio e gás carbônico equilibrando os meios intra e extracelulares.

Outra questão possível de ser abordada seria o movimento das moléculas de água, que depende da concentração de solutos entre os meios. Assim, a água vai passar do local que está mais diluído para o que está mais concentrado, de forma a equilibrar os meios. Se uma célula apresenta grande concentração de glicose em seu interior, deve haver entrada de água que vai passar ou entre os lipídios de membrana ou pela sua proteína transportadora, a aquaporina. Esse processo chama-se osmose e também não gasta energia e por isso é chamado de passivo.

Substâncias maiores, como a glicose, moléculas carregadas e íons como cloro, potássio, sódio e cálcio, não podem atravessar a membrana através dos lipídios como fazem o gás carbônico e o oxigênio, assim, seu transporte é feito por meio de proteínas transportadoras ou canais iônicos específicos para cada elemento. Por exemplo, na célula ilustrada na figura 2, observa-se uma maior concentração de cálcio fora da célula e dessa forma o cálcio deve passar para dentro, mas ele só poderá ser transportado pelo canal iônico para cálcio, até equilibrar os meios. Esse processo chama-se difusão facilitada e também é passivo.

O transporte ativo também pode ser abordado: em condições normais, a célula deve manter uma diferença nas concentrações de sódio e potássio, sendo que o sódio deve estar mais concentrado fora da célula e o potássio dentro. Devido a essas diferenças o potássio acaba sendo transportado para fora da célula e o sódio para dentro, numa tentativa de equilibrar os meios. Assim, para manter a diferença de concentração necessária ao bom funcionamento celular, a célula precisa transportar

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esses elementos de volta (contra um gradiente de concentração) através da bomba de sódio e potássio. Como esse processo gasta energia é chamado de transporte ativo.

Para facilitar o desenvolvimento da dinâmica, o professor pode elaborar um roteiro contendo algumas situações previamente determinadas, as quais são lidas durante a prática de modo que os alunos devem decidir como proceder corretamente segundo os mecanismos de transporte estudados.

III. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise documental do relatório de estágio escrito pelas acadêmicas

possibilitou verificar como a dinâmica contribuiu para o trabalho das estagiárias no desenvolvimento das aulas diante das dificuldades relacionadas ao conteúdo em questão, sendo que as experiências descritas no relatório justificam a necessidade do uso de materiais alternativos como instrumento de motivação e facilitação da aprendizagem:

“O conteúdo trabalhado, geralmente considerado difícil para os alunos, foi também um desafio para nós, já que necessitava de metodologias diferenciadas para tentar chamar a atenção e aproximar o conteúdo dos alunos. Considerando que os livros didáticos e as escolas não oferecem muitos recursos que atendam a essas necessidades, houve a necessidade de criar metodologias que auxiliassem nessa função e que trouxeram bons resultados, como a Dinâmica da Membrana Plasmática e algumas práticas desenvolvidas que tiveram de ser adequadas às condições de tempo, espaço, estrutura e recursos do colégio” (A1 e A2).

A abordagem ideal dos conteúdos relacionados à biologia celular e molecular é

dificultada pela carência de uma boa infraestrutura de laboratório com microscópios e outros aparelhos que permitam a visualização e estudo das estruturas e processos celulares. Essa realidade é observada na maioria das escolas públicas, e por isso o professor precisa buscar recursos alternativos de baixo custo que auxiliem a compreensão desses conteúdos [4].

Nesse contexto, a realização da Dinâmica da Membrana Plasmática, de acordo com o relatório de estágio analisado, constituiu um recurso muito útil às aulas ministradas, servindo como um apoio para as estagiárias e como um instrumento motivador dos alunos, pois possibilitou à turma participar ativamente da aula, além de facilitar a explicação do conteúdo, permitindo aos alunos visualizarem melhor como os processos estudados ocorrem nas células:

“A dinâmica desenvolvida se mostrou eficiente porque envolveu a participação mais direta dos alunos, que deveriam aplicar os seus conhecimentos para realizar as tarefas propostas. Além disso, permitiu uma melhor visualização de como os processos ocorre” (A1 e A2).

Outro aspecto relevante observado, diz respeito ao controle da turma, já que se

tratava de alunos bastante agitados, de forma que a realização da dinâmica foi importante para prender a atenção dos mesmos, uma vez que os estes sabiam que teriam que entender para conseguirem participar corretamente da atividade e, além disso, permitiu uma maior colaboração entre os mesmos, conforme trecho descrito no relatório:

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“(...) até mesmo os alunos mais inquietos colaboraram e se interessaram em aprender para poderem realizar corretamente suas funções na dinâmica” (A1 e A2). “A prática também oportunizou situações de colaboração entre o grupo, pois constantemente os alunos procuravam ajudar os seus colegas a cumprirem sua função corretamente, mostrando que houve entendimento dos processos” (A1 e A2).

Essa troca de informações entre os alunos é importante, pois essas situações

favorecem a construção do conhecimento, além de permitirem a socialização e o desenvolvimento da criatividade [7].

Nesse contexto, a dinâmica proposta não se baseia na competição, mas envolve a colaboração entre os participantes, pois, embora os elementos competitivos sejam determinantes no prazer proporcionado pelos jogos, a competição pode desviar a atenção do aluno do objetivo principal do jogo e não deve ser estimulada excessivamente [14]. Dessa forma, tem-se valorizado os jogos colaborativos/interativos como ferramentas capazes de auxiliar no desenvolvimento de múltiplas habilidades.

O relatório também descreve uma estratégia interessante utilizada pelas acadêmicas que consistiu em trabalhar de forma mais intensa na dinâmica a parte do conteúdo na qual perceberam que os alunos tiveram maior dificuldade para entender:

“ Pôde-se perceber que a principal dificuldade dos alunos foi em compreender o funcionamento da bomba de sódio e potássio e por isso, esse mecanismo foi explicado várias vezes e reforçado na dinâmica” (A1 e A2).

Vale destacar aqui o uso da dinâmica como instrumento avaliativo, por meio do

qual o professor pode analisar o entendimento da turma em relação ao tema e sua capacidade de relacionar o conteúdo para resolução de situações-problema.

A realização da dinâmica proporcionou ainda, resultados na aprendizagem, os quais foram percebidos durante a resolução de exercícios e relatórios de aulas práticas, pois os alunos remetiam às situações realizadas por eles na dinâmica para lembrar os processos e responderem às questões, conseguindo elaborar boas respostas aos problemas sugeridos, conforme pode ser lido em parte do relatório:

“As turmas, em geral, demonstraram ter compreendido o conteúdo das aulas teóricas, pois muitos souberam relacionar os conceitos estudados à prática realizada em laboratório e fizeram as previsões corretas em seus relatórios” (A1 e A2).

Considera-se que se atinge uma aprendizagem significativa quando se pode inserir o que foi estudado de forma ativa na realidade. Isso depende da atitude do professor no sentido de levar o aluno a simular sua ação num contexto real, relacionando o conteúdo a situações práticas [15]. O desenvolvimento, a divulgação e o uso de materiais que auxiliem a construção de uma aprendizagem significativa são fundamentais para que se atinja uma educação de maior qualidade.

Ao finalizar o relatório, as acadêmicas pontuaram uma importante observação para todo professor:

“Considerando as dificuldades enfrentadas na realização do estágio, o bom resultado obtido com as práticas realizadas

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demonstra que o professor deve ser criativo e flexível para saber lidar com diferentes situações e adequar suas aulas e seus planos às necessidades, expectativas, dificuldades e possibilidades de cada turma” (A1 e A2).

Desse modo, percebe-se que a aprendizagem não depende apenas do ouvir, escrever e resolver exercícios que atendam ao currículo proposto no início do ano. Muitas vezes é preciso ir além e proporcionar aos alunos momentos de harmonia, diversão e brincadeiras, em busca da aprendizagem e da convivência saudável com suas próprias emoções [1].

IV. CONCLUSÃO

Pode-se afirmar, com base nos dados discutidos acima, que o trabalho com a referida dinâmica possibilitou a finalidade para a qual havia sido proposta, ou seja, serviu tanto como material de apoio às aulas teóricas, quanto como instrumento avaliativo e principalmente como motivador de participação da turma.

Por isso, cabe inferir que a realização de dinâmicas pode ser uma alternativa para o professor envolver mais diretamente os alunos na construção do conhecimento trabalhado em suas aulas, principalmente quando se tratar de conteúdos de difícil visualização, ou ainda, se as escolas possuírem poucos recursos relativos a estes.

Ao concluir o Ensino Médio, espera-se que o aluno tenha capacidade de conceber a ciência como cultura, de aplicar o conhecimento científico adquirido relacionando-o a outras áreas, a fim de solucionar problemas associados ao seu cotidiano [3].

Cabe ao professor investir em alternativas que propiciem a aquisição dessas habilidades, buscando sempre levar o aluno a se interessar pelo conteúdo por meio de atividades mais interativas, quebrando o paradigma do professor como transmissor do conhecimento e assumindo que a aprendizagem deve ser construída juntamente com o aluno.

V. REFERÊNCIAS [1] N. N. Fialho (2008) Os jogos pedagógicos como ferramentas de ensino. VIII EDUCERE, Curitiba: http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2008/anais/pdf/293_114 (consultada em 2010). [2] L. M. Lepienski, K. E. P. Pinho (2009) Recursos didáticos no ensino de biologia e ciências. http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/400-2.pdf?PHPSESSID =2009071511113042 (consultada em 2010). [3] L. A. D. Justina, M. R. Ferla (2006) A utilização de modelos didáticos no ensino de Genética – Exemplo de representação de compactação do DNA eucarioto. Arquivos do MUDI, Maringá: http:// www.pec.uem.br/pec_ uem/revistas/arqmudi/ volume_10/numero_02/6-JUSTINA.pdf (consultada em 2007). [4] T. C. Orlando et al. (2009) Planejamento, montagem e aplicação de modelos didáticos para abordagem de Biologia Celular e Molecular no Ensino Médio por graduandos de Ciências Biológicas. In: Revista Brasileira de Ensino de Bioquímica e Biologia Molecular. ISSN: 1677-2318. N. 01/2009.

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Oenning, V. & Oliveira, J. M. P. No.01/2011 C12

[5] C. Piletti (1991) Didática geral, Ática, São Paulo. [6] A. Giordam, G. Vecchi (1996) As origens do saber: das concepções dos aprendentes aos conceitos científicos, 2. ed., Artes Médicas, Porto Alegre. [7] L. M. L. Campos, T. M. Bortoloto, A. K. C. Felício (2003) A produção de jogos didáticos para o ensino de Ciências e Biologia: uma proposta para favorecer a aprendizagem, UNESP, São Paulo: http://www.unesp.br/prograd/PDFNE2002/aproducaodejogos.pdf (consultada em 2007). [8] M. Krasilchick (2004) Prática de ensino de biologia, EDUSP, São Paulo. [9] E. M. F. Robertis, J. Hib, R. Ponzio (2003) Biologia Celular e Molecular, Guanabara Koogan, Rio de Janeiro. [10] B. Alberts, D. Bray, A. Johnson, J. Lewis, M. Raff, K. Roberts, P. Walter (1999) Fundamentos da Biologia Celular: uma introdução à Biologia Molecular da célula, Artmed, Porto Alegre. [11] L. C. Junqueira, J. Carneiro (2005) Biologia celular e molecular, 8. ed., Guanabara Koogan, Rio de Janeiro. [12] R. Bogdan, S. K. Biklen (1991) Investigação qualitativa em educação, Porto Editora, Portugal. [13] L. Bardin (2000) Análise de Conteúdo, Edições 70, Lisboa. [14] J. A. Valente (Org.) (1993) Computadores e Conhecimento: repensando a educação, Gráfica Central UNICAMP, Campinas. [15] M. A. Moreira (1999) Aprendizagem significativa, Ed.UNB, Brasília.

Edição semestral, publicada pela Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular (SBBq), disponibilizada a todos os interessados no site

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