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Conferência Dinâmica da Defesa em Sede de Inquérito: As buscas e as declarações de arguido Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, Delegação da Amadora - 9 de julho de 2015 - _______________________________

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Conferência

Dinâmica da Defesa em Sede de Inquérito:

As buscas e as declarações de arguido

Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, Delegação da Amadora

- 9 de julho de 2015 -

_______________________________

AS BUSCAS _______________________________

Enquadramento legal

Constituição da República Portuguesa

o Artigo 26º/1 - Reserva da intimidade da vida privada e familiar

o Artigo 34.º - Inviolabilidade do domicílio e da correspondência.

Direito Convencional Internacional

o Convenção Europeia dos Direitos do Homem - Artigo 8.º

o Declaração Universal dos Direitos do Homem - Art.º 12º

o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos – art.º 17º

Direito infraconstitucional

o Código Civil- artigo 80.º - Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada/82-º e ss. do CC – Proteção do domicilio.

o Código Penal – Crimes contra a reserva da vida privada (em particular artigo 190º do CP - Violação de domicílio ou perturbação da vida privada, 378.º do CP- Violação de domicílio por funcionário e 194.º - Violação do sigilo da correspondência e telecomunicações)

– Pressupostos da busca (art.º 174º/2 do CPP):

Existência de indícios de que se encontram:

a) Objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova;

b) O arguido; ou,

c) Outra pessoa que deva ser detida.

Em lugar reservado ou não livremente acessível ao público.

Indícios (suspeitas) de que naquele local estão quaisquer objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova do crime.

Os indícios referem-se à existência de objetos relacionados com um crime em determinado lugar, pois que a recolha de indícios e de provas do crime e dos seus autores é exatamente o que se pretende obter com as buscas e não o contrário.

Nessa lógica, a exigência de indícios a que se refere o artigo 174.º do CPP destina-se a preservar os direitos individuais que podem ser feridos pela busca ou revista, afastando as diligências gratuitas ou arbitrárias [Ac. do STJ de 09/03/2006].

Standards mínimos:

- Basta-se com a informação recolhida pela polícia e prestada nos autos de que [naquela residência] guardaria o arguido os objetos relacionados com o tráfico de droga de que seria um dos patrões naquela freguesia [Ac. do STJ de 09/03/2006].

- A referência nos autos a vários contatos com reclusos que confirmam que em determinada cela de uma prisão se negoceia droga, conjugada com o passado criminal do recluso que habita aquela cela, justifica a suspeita de que nela se encontram estupefacientes e motiva a emissão de mandado de detenção [Ac. do TRC 7.12.2005, in CJ XXX, 5, 49].

- Já não é suficiente uma carta anónima desacompanhada de qualquer outro indício, e sem que o próprio texto daquela aponte algum facto concreto suscetível de investigação. [Ac. do TRP 12.2.2014]

- Ac. do TRL de 28/01/2010: Na investigação em presença surgiu a

referência de que determinada menor terá visto um computador subtraído da residência da queixosa na residência para a qual o OPC solicitou a emissão de mandados de busca.

*

- A jurisprudência portuguesa tem-se pautado por um grau de exigência modesto-

Uma diligência de busca tem de se encontrar numa relação de adequação com a gravidade do crime e a força da respetiva indiciação nos autos e deve surgir como uma diligência promissora de sucesso relativamente aos objetivos delineados na investigação.

Significa isto que é a intervenção restritiva que demanda fundamentação alicerçada em dados que permitam afirmar a adequação, necessidade e proporcionalidade da medida.

Conclusão:

- O juízo a efetuar exige uma fundamentação relevante, sustentada em ‘indícios’ de que naquele local se encontram objetos relacionados com o crime ou relevantes para a prova, não sendo necessário que os mesmos atinjam o grau de ‘indícios suficientes’, mas também não podendo ser ‘suspeitas’ superficiais.

- Deve igualmente, revelar um juízo de necessidade, proporcionalidade e adequação que é aferido em concreto perante os interesses conflituantes.

(Posição moderada: Ac. Relação de Coimbra, Processo n.º 45/11.5TASRT-A.C1: Relator Mouraz Lopes).

» Em lugar reservado ou não livremente acessível ao público Buscas não domiciliárias – Nem todas as “buscas” a

estabelecimentos comerciais (ou a outros locais similares – que não sejam domicílios e não esteja consagrada norma de proteção de segredo) têm de ser autorizadas ou ordenadas por autoridade judiciária, pois que a generalidade dos estabelecimentos comerciais têm espaços de livre acesso ao público e outros “reservados ou não livremente acessíveis ao público”, e só nestes últimos é que a procura de objetos têm de ser precedida de decisão da autoridade judiciária (Ac. do TRG 16.10.2006)

Espaços não têm de ser propriedade ou estar na disponibilidade dos autores ou cúmplices do crime [Ac. TC n.º 216/2012: “Julgar não inconstitucional a interpretação normativa, extraída da conjugação dos artigos 174.º, n.ºs 2 e 3, 177.º, n.º 1 e 269.º, n.º 1, alínea c), todos do Código de Processo Penal, segundo a qual a autorização judicial de busca domiciliária, em situações de partilha por diversos indivíduos de uma habitação, pode abarcar as divisões onde cada um dos indivíduos desenvolve a sua vida, ainda que não visado por tal diligência”] – aplicável, por maioria de razão, a buscas não domiciliárias.

Determinação da busca:

Despacho que determinar ou autorizar a realização de buscas deve ser fundamentado (artigo 97.º/5 do CPP), na verificação dos pressupostos legais à data da prolação do despacho (ou da realização das buscas, no caso dos OPC), tendo por base todos os elementos disponíveis no inquérito » sob pena de irregularidade – art.º 123º (Ac. RP de 12-05-2010 - Rel. Eduarda Lobo)

• Tal fundamentação, todavia, terá de ser compaginada com a necessidade de salvaguardar o segredo de justiça que tenha sido determinado com fundamento nos interesses da investigação. Qual a solução? Dar despacho fundamentado e só apresentar parte da determinação ao arguido? Fundamentar apenas com os factos que podem ser revelados?

Determinação da busca:

Fundamentação do despacho: Deve conter: Crime ou crimes indiciados; O objeto das buscas;

Síntese das razões, que se consideraram sérias, para crer que naquele local existem objetos relacionados com o crime ou que possam servir à prova e que justificam o juízo de necessidade, adequação e proporcionalidade na respetiva autorização e execução da medida.

“não existe a obrigação de indicar os indícios concretos que fundamentam a necessidade de realização das buscas, nem os reais meios de prova em que esses indícios assentam o que bem se compreende para que a investigação não seja inviabilizada pela manipulação de elementos de prova” (…) “A obrigatoriedade de entrega de cópia do despacho determinativo da busca visa, no que ora interessa, dar conhecimento das razões e dos fundamentos que a justificaram” (Ac. RL 18.5.2006).

Permitir ao destinatário a possibilidade de reação.

Competência para a determinação da busca

JUIZ:

• Sempre e relativamente a qualquer crime, nas fases do processo penal sob a sua direção – instrução/julgamento (art.º 174º/3).

• Competência do Juiz para a realização de buscas no decurso do inquérito:

Domiciliária (art.º 177º/1) - busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada.

Buscas domiciliárias

Domicílio: Abarca o conceito de domicílio voluntário geral – lugar de residência habitual, alternada ou ocasional; condição é que o local sirva de habitação, de local onde o visado tem a sua vida e bens domésticos, onde desenvolve a sua vida íntima.

• Inclui: casa de férias, tenda (Ac. RE, de 04-07-1995), carro, barco, roulotte, cela de prisão, outros – desde que haja indícios de serem locais de habitação - Ac. TC nºs 7/1987 e 459/1989.

• Exclui: domicílio profissional – locais de trabalho - Ac. TC nº 192/2001, salvo se houver indícios de que pessoa aí reside.

Buscas domiciliárias

• Dependências fechadas:

» Tem de ser fisicamente contínua à zona de habitação e manter-se no espaço de reserva da vida íntima do visado; é fechada desde que se encontre por qualquer forma afastada/isolada do mundo exterior (ainda que sem fechadura).

» Inclui: garagem e arrecadação fechadas - Ac. STJ de 20-09-2006.

» Exclui: garagem coletiva do condomínio - Ac. TC 67/1997; quarto anexo a discoteca para práticas de natureza sexual - Ac. TC 364/2006.

Busca domiciliária

Regra (diurnas): entre as 7h e as 21h, sob pena de nulidade (art.º 177º/1);

Exceção (noturnas): entre as 21h e as 7h, nos casos referidos no art.º 177º/2 (terrorismo ou criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada; consentimento do visado, documentado por qualquer forma; flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos).

Buscas não domiciliárias obrigatoriamente Determinadas e Presididas pelo

JIC no decurso do inquérito

• Escritório de Advogado: art.º 177º/5 e artigo 70-º do EOA.

• Consultório médico: art.º 177º/5.

• Estabelecimento oficial de saúde: resulta implícito do art.º 177º, n.º 6 do CPP) » contra Ana Luísa Pinto (“As Buscas não domiciliárias…”, pág. 46).

– Conciliar com o 180.º do CPP (relativo às apreensões), em particular com o n.º 3.

– Diferenciação espacial de locais no estabelecimento oficial de saúde, pode permitir leitura restritiva do artigo.

• Estabelecimento bancário: resulta: resulta implícito no art.º 181º/1 do CPP.

- Justificar-se-á a manutenção deste regime em função do artigo 79.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedade Financeiras? Manter-se-á a necessidade de determinação e presidência do Juiz em buscas a estabelecimento bancário que tenham por objeto a recolha de documentação? Deverá operar-se uma interpretação restritiva do 181.º do CPP nessas situações?

Buscas não domiciliárias obrigatoriamente determinadas e presididas pelo

JIC na fase de inquérito:

• Domicílio pessoal ou profissional de Magistrados Judiciais e do Ministério Público (EMJ e EMMP).

• Escritório ou local de arquivo de solicitador - Estatuto da Câmara dos Solicitadores - art.º 105º, do Dec-Lei nº 88/2003, de 26/04.

• Órgão de comunicação social - art.º 11º, nº 6, do Estatuto dos Jornalistas, versão da Lei nº 64/2007, de 06/11).

• Escritório de Revisores Oficiais de Contas - art.º 72º A e 72.º B do Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, versão do Dec. Lei nº 224/2008, de 20/11 + Regime do artigo 177.º, n.º 5 + 180.º do CPP.

Competência para a determinação da busca

MINISTÉRIO PÚBLICO – Equiparação às competências do juiz no que toca a buscas não domiciliárias e às competência do OPC relativamente às buscas domiciliárias.

ÓRGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL (artigo 174:º, n.º 5 do CPP): 1. Buscas não domiciliárias: a) Crimes de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa (art.º 174º/5/a); Nestes casos, a realização da diligência é, sob pena de nulidade,

imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação (art.º 174º/6).

b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado (art.º 174º/5/b); c) Aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão (art.º 174º/5/c);

Competência para a determinação da busca

ÓRGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL

2. Realização de buscas domiciliárias pelo OPC (177º/3):

- Diurnas (7 e as 21 horas) - casos do art.º 174º/5 (que acabamos de reproduzir).

- Noturnas (21 e as 7 horas), nos casos do art.º 177º/2/ als. b) e c):

Consentimento do visado, documentado por qualquer forma;

Flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos.

Ac. RL de 22/12/2009 (rel. Pedro Martins) - Busca noturna – flagrante delito - imediatismo pessoal (que o delinquente se encontre ali numa situação tal, com relação aos objetos ou aos instrumentos do delito, que ofereça uma prova da sua participação no delito) e necessidade urgente (de tal modo que a polícia, pelas circunstâncias concorrentes no caso concreto, se veja impelida a intervir imediatamente com o duplo fim de impedir a propagação do mal que a infração penal acarreta e de conseguir a detenção do autor dos factos, necessidade que não existirá quando a natureza dos factos permite acorrer à autoridade judicial para obter o mandado correspondente).

ÓRGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL:

o Também nos casos em que a busca domiciliária for efetuada por OPC, fundada em terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade física de qualquer pessoa - casos do art.º 174º/5/a- , a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação (art.ºs 174º/6, ex vi o art.º 177º/4).

o Ac. STJ, de 27-01-1988 (BMJ, 473, 166) - Trata-se de uma nulidade sanável; não está em causa a utilização de um método absolutamente proibido de obtenção da prova, mas apenas a omissão ou atraso de uma diligência posterior, tendente à validação judicial; por esse motivo, e porque a nulidade em questão não consta do elenco das nulidades insanáveis do art.º 119º, a nulidade decorrente da falta ou atraso na comunicação ao JIC pode ser sanada, nos termos previstos no art.º 121º/1.

o Nos restantes casos as buscas deverão ser validadas pelo Ministério Público (fora dos casos em que é imposta validação judicial), no âmbito dos seus poderes de direção do inquérito (não há norma expressa)» Sob pena de irregularidade – art.º 123º .

CONSENTIMENTO DO VISADO

• Requisito de legitimação das buscas – não se trata de uma

mera formalidade, mas um pressuposto ou condição de validade da diligência.

• Tem de ficar devidamente documentado em auto – pode ser obtido oralmente e depois registado no auto.

CONSENTIMENTO DO VISADO

Buscas não domiciliárias

• Consentimento deverá ser prestado por quem tem a livre disponibilidade do local, ainda que não seja o visado pela busca (Ana Luísa Pinto), isto é, quem em concreto, pode permitir ou autorizar, a quem quer que arbitrariamente entenda, a entrada no local (Ac. RG 16.10.2006).

• Nesse sentido: Ac. STJ, de 05-06-1991 (in BMJ, nº 408, pp. 162) e Ac. RC, de 10-07-1991 – visado deve ser entendido em termos amplos, abrangendo as pessoas de quem pode depender a busca, tanto podendo ser o arguido, se tiver os objetos na sua posse ou ocupar certa área, como qualquer pessoa que esteja nessas condições.

CONSENTIMENTO DO VISADO

Buscas domiciliárias – Co-habitação: • O consentimento só é relevante se prestado pelo visado – aquele relativamente ao

qual se procura obter prova; poderá ter-se de obter ainda o consentimento de quem seja titular do direito à inviolabilidade do domicílio (quem tenha a co- disponibilidade do lugar da habitação).

• Nas situações de co-habitação existe uma pluralidade de direitos individuais (de inviolabilidade do domicilio – esfera espacial de privacidade e segredo) que incidem sobre o mesmo objeto material – a habitação compartilhada – cujo conteúdo essencial consiste na faculdade de excluir intrusões de terceiro nesse espaço reservado (em particular virada contra o Estado), a não ser que a disposição desse direito alheio, seja realizado com base numa legitimação concludente (Costa Andrade, “Violação do domicílio e de segredo de Correspondência e Telecomunicações, Ab V no ad Omnes, pg. 729)

CONSENTIMENTO DO VISADO

Buscas domiciliárias: • Ac. TC nº 507/94 – inconstitucionalidade da interpretação dos art.ºs 174º/4/b),

177º/2 e 178º/3, do C.P.P., em termos de considerar relevante o consentimento da pessoa que tem a disponibilidade do lugar, mas não é visado pela busca domiciliária policial não autorizada (no mesmo sentido, Ac. STJ, de 08-02-1995 in CJ, Acs. STJ, III, T.1, p. 194).

• Ac. TC n.º 126/2013 (relação conjugal e vinculações práticas de confiança recíproca, permitem a aceitação de que um dos membros permita a entrada de terceiros nesse espaço de compartilha, mas não a entrada no domicilio intencionada à intromissão em domínios de intimidade e privacidade do investigado para a obtenção de prova que possam incriminá-lo)

Inconstitucionalidade por violação do n.º 3 do artigo 34.º da CRP, a norma da alínea b) do n.º 3, com referência à al. b) do n.º 2, do artigo 177.º do CPP, quando interpretada no sentido de que o consentimento para a busca no domicilio do arguido possa ser dado por pessoa diferente deste mesmo que seja um co-domiciliado com a disponibilidade da habitação em causa.

CONSENTIMENTO DO VISADO

Buscas domiciliárias – visado – cego, surdo, analfabeto, desconhecedor da língua portuguesa, menor de 21 anos ou se suscitar a questão da sua inimputabilidade ou inimputabilidade diminuída (artigo 64.º do CPP) – é necessária a assistência de advogado ou defensor oficioso, para a realização de buscas consentidas? Particularmente no ato do consentimento?

No sentido afirmativo, Ac. RL de 22.10.2008, mesmo que o visado não tenha a qualidade de arguido, devem-lhe ser aplicadas as normas que visam a proteção de arguido particularmente débeis, nomeadamente a que exige a presença de defensor

Parece-nos que, em sentido negativo, justificando que a assistência apenas é respeitante ao ato processual em si, ao exercício dos direitos em que se consubstancia o catálogo de direitos do arguido e, no caso das buscas, o visado não têm nenhuma intervenção na diligência (cf. António Henriques Gaspar et al. Código de Processo Penal comentado, Almedina, 2014, pág. 737).

Formalidades da busca

• Despacho determinativo da busca - prazo de validade máxima de 30 dias, sob pena de nulidade (art.º 174º/4 CPP) » nulidade sanável – art.º 120º/1 do CPP.

• Deve ser emitido mandado de busca - art.º 111º/3/a) - deverá identificar da melhor forma possível, com todos os elementos de identificação disponíveis, o local a buscar; deve conter também a identidade do visado, se for conhecida, mas não é necessário a da pessoa que tem a disponibilidade do local. Sob pena de irregularidade (art.º 123º).

• A autoridade judiciária competente deverá, sempre que possível, presidir à busca (art.º 174º/3).

• Restantes formalidades constam, grosso modo, do artigo 176.º do CPP – nota ao n.º 1: o despacho que determina busca deve fazer menção de que a pessoa que tem a disponibilidade do local, pode assistir à diligência e fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança e que se apresente sem delonga – entendimento generalizado trata-se de um dever da pessoa que tem disponibilidade do local e não pode prejudicar a eficácia da busca

Formalidades da busca

• A autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal competentes podem proibir, se necessário, a entrada ou o trânsito de pessoas estranhas no local do crime ou quaisquer outros atos que possam prejudicar a descoberta da verdade (art.º 171º/2).

• No decurso das buscas podem ser efetuadas revistas (art.º 176º/3 e 174º/1) e apreensões (art.º 178º/4 a 6);

• Devem ser lavrados autos de busca e de apreensão (art.º 99º).

Ac. STJ, de 12-12-2001 – não é necessário entrega de cópia do despacho em busca realizada a veículo já apreendido; este espaço desde a sua apreensão encontra-se na disponibilidade das autoridades.

Invalidades

• Busca realizada com coação, ofensa à integridade física ou moral do

visado, abusiva intromissão na vida privada, domicílio, correspondência ou telecomunicações NULIDADE (prova proibida) – art.º 126º, C.P.P. e 32º/8, CRP

• Inaptidão probatória das provas obtidas por métodos proibidos, pelo que, desta invalidade resulta a impossibilidade da utilização dos elementos obtidos como prova.

• Não podem ser admitidos os elementos probatórios obtidos, nem valorados e se tidos em conta conduzem à viciação da decisão – afeta as apreensões efetuadas na busca.

Invalidades

Teoria dos “frutos da árvore envenenada”:

• Art.º 122º/1 – as nulidades tornam inválido o ato em que se verifiquem, bem como os que dele dependerem e aquelas poderem afetar - os meios de prova subsequentes obtidos com base em prova proibida estão também inquinados e não podem ser utilizados.

» O Ac. TC nº 198/2004 – preconiza uma solução que nega o valor absoluto desta teoria, adotando antes uma solução que transfere para a análise casuística a tarefa de distinguir os casos em que a prova consequencial deve ou não ser afetada pela violação de uma proibição de prova;

» A inexistência de um nexo de causalidade entre a ilegalidade cometida e a prova obtida leva ao afastamento da regra da inutilização da prova subsequentemente obtida.

Invalidades

• Admissível no processo a prova obtida na sequência de uma busca ilegal, nos seguintes casos:

– Busca ilegal revela indícios da prática de um crime que levam à realização de uma segunda busca legal, no âmbito da qual é recolhida prova – FONTE INDEPENDENTE;

– Quando a prova obtida na busca ilegal seria inevitavelmente obtida no âmbito de outra diligência probatória, que seguramente iria ser realizada na situação em questão – DESCOBERTA INEVITÁVEL;

– A prova obtida na busca ilegal é confirmada por outro meio de prova, designadamente, a confissão – MÁCULA DISSIPADA.

(Assim, ANA LUÍSA PINTO, "As Buscas Não Domiciliárias…”)

Invalidades

• Busca não foi determinada pela autoridade judiciária competente ou que não cumpre os seus pressupostos materiais de determinação Proibição de prova – art.º 126º/3

• Incumprimento das formalidades impostas à realização das buscas (art.º 176º) IRREGULARIDADE – Ac. STJ, de 13-05-1998.

- Arguição pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos 3 dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em qualquer ato nele praticado

• E se se tratar de processo com especial complexidade?

• Acórdão TC 42/2007, de 23.1.2007, decide julgar inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição, a norma do artigo 123º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de consagrar o prazo de três dias para arguir irregularidades contados da notificação da acusação em processos de especial complexidade e grande dimensão, sem atender à natureza da irregularidade e à objetiva inexigibilidade da respetiva arguição

Situações analisadas pela jurisprudência que considerou NÃO existir qualquer invalidade:

- Ausência do JIC após a busca mas em que prosseguiram procedimentos materiais para a gravação em suporte digital de documentos dessa natureza (Ac. RL de 18.05.2006 – rel. Ana de Brito).

- Não acompanhamento material/visual de toda a busca pelo JIC (Ac. RL de 21-10-2009 - rel. Maria José Machado).

- Despachos truncados mas em que a parte da fundamentação relativa ao visado consta do mesmo (Ac. Rel. Lisboa de 18.05.2006 (rel. Ana de Brito.

- Conhecimentos fortuitos em sede de buscas e apreensões – Ac. RL de 13-09-2007 (rel. Rui Rangel), Ac. Rel. Lisboa de 18.05.2006 (rel. Ana de Brito) e Ac. RE de 20.12.2012 (rel. Martinho Cardoso).

DECLARAÇÕES DE ARGUIDO

(nas fases de inquérito e de instrução e a sua valoração em sede de audiência de julgamento)

A Lei 20/2013, de 21 de fevereiro estabeleceu um novo

regime de admissibilidade de leitura das declarações do arguido em sede de audiência de julgamento – procedendo, no essencial, nesta matéria, à alteração dos artigos 64.º, 141.º e 357.º do CPP.

A razão de ser do novo regime resulta da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 77/XII, que o Governo submeteu à Assembleia da República para aprovação destas alterações ao CPP: “A quase total indisponibilidade de utilização superveniente das declarações prestadas pelo arguido nas fases anteriores ao julgamento tem conduzido, em muitos casos, a situações geradoras de indignação social e incompreensão dos cidadãos quanto ao sistema de justiça”.

Breve nota do sentido das consultas e pareceres prévios:

o Parecer - OA : inconstitucionalidade acentuando, em particular, a violação das garantias de defesa e designadamente o direito ao silêncio e Parecer emitido pelo gabinete de estudos da OA, 1.5.2012 (relator G. Marques da Silva): importante é assegurar a voluntariedade das declarações, essencialmente através da assistência efectiva de defensor e do respeito pelo direito ao silêncio do arguido. O único senão resulta das “dificuldades de ordem prática”: sobretudo nas defesas oficiosas, poderá não haver uma preparação devida da defesa.

o SMMP e ASJP – pronunciaram-se favoravelmente:

SMMP – pretendia a valoração de declarações do arguido prestadas perante OPC, nos casos em que estivessem reunidos os demais pressupostos.

ASJP – propugnava que apenas as declarações prestadas perante juiz de instrução criminal deverão valer como prova em julgamento – “a diferente teleologia e natureza da intervenção de ambas as magistraturas no inquérito” imporia essa diferenciação.

Breve nota das consultas prévias:

o CSM – pronunciou-se favoravelmente incluindo no que respeita às declarações prestadas perante o Ministério Público.

o Fórum Penal — Associação de Advogados Penalistas: dividido – para um sector a reforma é aceitável desde que o interrogatório pelas autoridades judiciárias seja balizado por uma rigorosa delimitação dos factos que se consideram indiciados nos autos, com indicação da prova que os sustenta, sendo que esse elenco factual terá de constar de auto lavrado; ao arguido e ao seu defensor deve ser permitido um acesso irrestrito e oportuno aos meios de prova que a autoridade judiciária afirma existirem no processo; as declarações do arguido deverão ainda ser alvo de registo, pelo menos em suporte áudio. Para outro sector, inaceitável trata-se de converter as declarações do arguido em meio de prova/ inconstitucional por violação dos direitos de defesa (condiciona de modo inadmissível a estratégia da defesa).

Breve nota das consultas e pareceres prévios:

o Parecer elaborado pelo Instituto de Direito Penal e Ciências Criminais da Faculdade de Direito de Lisboa e parecer de Paulo Sousa Mendes e Fernanda Palma: criticam a proposta por colocar em crise a estrutura acusatória do processo penal e ameaçar os princípios do contraditório, da igualdade de armas, da oralidade e da imediação.

QUADRO LEGAL VIGENTE RELATIVO ÀS

DECLARAÇÕES DE ARGUIDO

Regras principais após regime da Lei 20/2013 I - Obrigatoriedade de assistência de defensor em todos os interrogatórios feitos por autoridade judiciária (art.º 64.º, al. c) do CPP) – incluindo os realizados perante o MP, mesmo que o arguido se encontre em liberdade – e, bem assim, no debate instrutório e na audiência (onde só era obrigatório nos casos em que fosse possível aplicação de pena de prisão ou medida de internamento) - alteração da Lei 20/2013;

II - Dever de Informação de que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que o arguido prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova (art.º 141.º, n.º 4, b) do CPP) - alteração da Lei 20/2013;

III - O interrogatório deve ser feito, em regra, através de registo áudio

ou áudio –visual, só podendo ser utilizados outros meios quando do estes não estiverem disponíveis (n.º 7), devendo ser consignado em auto o inicio e termo de cada declaração (n.º8) – alteração da Lei 20/2013.

IV - Relativamente aos restantes interrogatórios – perante o MP e OPC - obedecem às mesmas regras do interrogatório judicial, salvo no que respeita aos interrogatórios efetuados por OPC, que não têm de realizar a advertência referida em II, porquanto a utilização das declarações de arguido apenas é permitida se as mesmas forem prestadas perante autoridade judiciária, salvo se a leitura for solicitada pelo arguido (artigos 144.º, n.º 1 e 2, este último na redação da Lei 20/2013 e 357.º, n.º 1, alínea a) do CPP).

V - Permite-se a leitura em audiência de julgamento das declarações do arguido prestadas durante o inquérito ou instrução, desde que (requisitos cumulativos):

- Prestadas perante autoridade judiciária (Juiz e MP);

- Com assistência de defensor;

- E em que o arguido tenha sido devidamente advertido da possibilidade da sua futura valoração em julgamento (357.º, n.º 1, alínea b) do CPP, na redação da Lei 20/2013)

[deixou, pois, de ser necessário que o arguido requeira a leitura, ou preste declarações em audiência e haja contradições e discrepâncias com as declarações já prestadas anteriormente]

VI - Podem ser lidas oficiosamente ou a requerimento.

VII - As declarações lidas em audiência não valem como confissão nos termos e para os efeitos do artigo 344.º do CPP, ou seja, ficam, sempre, sujeitas à livre apreciação judicial – 357.º, n.º 2 do CPP - versão da Lei 20/2013.

VIII - Mantém-se a proibição do depoimento policial sobre o conteúdo das declarações que não possam ser lidas – 356.º, n.º 7 ex vi 357.º, n.º 3 do CPP.

IX - Permite-se a leitura, visualização ou audição, nos termos assinalados, devendo ser justificada em ata essa leitura, visualização ou audição, sob pena de nulidade (356.º, n.º 9 ex vi 357.º, n.º 3 do CPP, versão da Lei 20/2013).

Apenas mais quatro regras de capital importância:

i- O arguido tem o direito a não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar – artigo 61.º, nº1, alínea d).

ii - O arguido e o defensor devem ter conhecimento dos factos imputados ao arguido e, no caso de interrogatórios perante autoridade judiciária, dos elementos do processo que indiciam os factos imputados (sempre que a sua comunicação não puser em causa

a investigação, não dificultar a descoberta da verdade nem criar perigo

para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos

participantes processuais ou das vítimas do crime) – artigos 61.º, n.º 1, alínea c), 141.º, n.º 4, alíneas d) e e) e 144.º, n.º 2, todos do CPP.

iii – Ao arguido deve ser garantido o direito de ser assistido por defensor em todos os atos processuais em que participar (no que agora interessa, no decurso do interrogatório); e,

iv - Comunicar em privado com o defensor, mesmo que detido (artigo 61.º, n.º 1, f) do CPP) - ou seja, no que ora interessa, mesmo antes do interrogatório.

As alterações referidas alteraram a natureza jurídica das declarações de

arguido?

Serão elas, atualmente, um meio de prova ou meio de defesa?

Pese embora não haja unanimidade na doutrina, a generalidade dos autores tende a atribuir às declarações do arguido uma dupla natureza: meio de prova e meio de defesa.

Por todos, FIGUEIREDO DIAS, que entende que “qualquer dos interrogatórios tem de ser revestido de todas as garantias devidas ao arguido como sujeito do processo – e constitui, nessa medida e naquela outra em que tem de respeitar a inteira liberdade de declaração do arguido, uma expressão do seu direito de defesa ou, se quisermos, um meio de defesa. Mas também qualquer dos interrogatórios visa contribuir para o esclarecimento da verdade material, podendo nesta medida legitimamente reputar-se um meio de prova” (Direito Processual Penal, 1ª Ed. 1974, Reimpressão, Coimbra Editora, 2004, pp. 442-443).

Se as alterações de 2007 reforçaram o carácter de meio de defesa:

Introduzindo a obrigatoriedade de comunicação dos factos (que não se basta com uma mera indicação genérica das infrações penais de que é suspeitos e da identidade das vitimas – Ac. TC 607/2003); e;

Dos elementos dos autos que os indiciam (salvo as exceções já enumeradas: não puser em causa a investigação, não dificultar a descoberta da verdade, nem criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas).

As alterações de 2013 – acentuam, em nosso entender, a dimensão de meio de prova – ao preverem que as declarações prestadas perante autoridade judiciária em fase de inquérito ou instrução, cumpridos os demais requisitos assinalados, possam ser reproduzidas e valoradas em sede de audiência de julgamento.

Da constitucionalidade da solução legal

Concordância prática entre o poder/dever punitivo do Estado, os interesses da vítima e da comunidade em geral na punição de delinquentes e na reafirmação da norma jurídica violada e os direitos do arguido.

Em causa podem estar:

- Princípio do acusatório/estrutura acusatória;

- Princípio da proibição da autoincriminação/núcleo “duro” das garantias de defesa;

- Princípios da igualdade de armas/contraditório, da imediação e oralidade e da livre apreciação, que é ancorado de forma essencial nestes dois últimos.

Da constitucionalidade da solução legal

Muito breve síntese doutrinária nacional:

- Paulo Sousa Mendes– critica a solução por colocar em crise a estrutura acusatória do processo penal e ameaçar os princípios do contraditório, da igualdade de armas, da oralidade e da imediação. (“A questão do aproveitamento probatório das declarações processuais do arguido anteriores ao julgamento”, AA.vv., Estudos em Homenagem ao Professor Doutor José Lebre de Freitas, pp. 1365-1).

- No mesmo sentido: Isabel Oneto - As Declarações do Arguido e a Estrutura Acusatória no Processo Penal Português, disponível on line e Andreia Cruz, A revisão de 2013 ao Código de Processo Penal no Domínio das Declarações Anteriores ao Julgamento, igualmente, disponível on-line e, ainda, João Matos Viana, “o valor da confissão”, Advocatus, n.º 26, (Maio de 2012), p. 28 e Tiago Rodrigues Bastos, “vícios de uma reforma”, Advocatus, n.º 26, (Maio de 2012), pp. 1-7 (citados por esta última autora).

Da constitucionalidade da solução legal

- No sentido da conformidade do regime, com exceção do aproveitamento das declarações prestadas perante o Ministério Público, Joana Boaventura Martins, Da valoração das Declarações do Arguido Prestadas em Fase Anterior ao Julgamento, 2014, Coimbra Editora, Coimbra.

- No mesmo sentido, António João Latas [et. al.], Mudar a Justiça Penal — Linhas de reformado processo penal português, Coimbra, Almedina, 2012.

- Admitindo genericamente a constitucionalidade da solução legal: Euclides Dâmaso Simões, Alterações ao Código de Processo Penal (Lei 20/2013), disponível on-line, invocando, nesse mesmo sentido, Paulo Dá Mesquita – A prova do crime e o que se disse antes do julgamento – Estudo sobre a prova no processo penal português, à luz do sistema norte-americano, Coimbra: Coimbra Editora, 2011.

Muito breve síntese da jurisprudência:

TEDH – (alguns casos paradigmáticos:, Funke c França; Saunders c. Reino Unido e Heaney and MacGuiness c. Irlanda e Jonh Murray c. Reino Unido) – “fertilização constitucional cruzada”-

Para o TEDH é conforme ao processo equitativo (artigo 6.º, n.º 3 da CEDH) a possibilidade de utilização das declarações prestadas em fase anterior ao julgamento, mesmo que o arguido decida aí remeter-se ao silêncio. A prévia observância da prerrogativa do nemo tenetur (que pressupõe uma informação completa sobre a possibilidade de não prestar declarações e a impossibilidade de valoração per se do silêncio) e a assistência de defensor, bem como a concessão de uma oportunidade efetiva de expor a sua versão dos factos, são requisitos bastantes para a conformação com a Convenção.

Muito breve síntese da jurisprudência:

Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 4.2.205 (relator: Orlando Gonçalves): admissão da transmissibilidade das declarações/ exigência da efetiva reprodução para efeitos de contraditório/só assim podendo ser valoradas as declarações anteriormente prestadas pelo arguido – sob pena de proibição de valoração.

Ac. Relação de Coimbra, de 3.6.2015 (relator: Jorge França) – refere-se aos depoimentos das testemunhas -

São válidas e relevantes, nomeadamente nos termos e para os efeitos previstos no artigo 356.º, n.º 3, als. a) e b), do CPP, declarações prestadas ao MP, quando o declarante, confrontado com anteriores declarações que dera a órgão de polícia criminal, dispondo da possibilidade de livremente as negar, corrigir, rectificar, aumentar ou interpretar, apenas as confirma; ou seja, no contexto descrito, não é necessária a reprodução no auto respectivo das declarações confirmadas.

Entre muitas …

Seis questões práticas e duas notas para reflexão

Questão 1: Poderão valer as declarações vertidas em auto perante autoridade judiciária mas por remissão para o auto de interrogatório de arguido prestado perante OPC?

o O conceito de autoridade judiciária deve ser entendido em sentido material, ou seja, declarações prestadas em ato processual realizado e dirigido pelo MP/Juiz.

o Garantia acrescida da espontaneidade das declarações e da sua fiabilidade e fidedignidade – no pressuposto de que podem ser valoradas em fase posterior.

o Assegurar maior concordância prática com o princípio da não autoincriminação do arguido e garantias de defesa do arguido.

o Todavia, a favor da valoração de declarações por remissão - Ac. RC de 3.6.2015 (relator: Jorge França), desde que resulte claro que o declarante teve a possibilidade de livremente as negar, corrigir, retificar, aumentar ou interpretar essas declarações.

Questão 2: Existirá alguma diferença valorativa a realizar pelo tribunal nos casos de leitura, de audição ou de visualização das declarações?

- As declarações por escrito (que pressupõem a leitura), constrangem de forma mais significativa o princípio da imediação, pelo que impõem maiores cautelas na sua valoração e pressupõem um dever de fundamentação acrescido.

Questão 3: Podem ser lidas as declarações do arguido prestadas noutros processos ou em processos conexos?

As declarações cuja leitura é permitida devem ter sido produzidas naquele processo (excecionalmente poderá admitir-se, em caso de conexão, quando seja o mesmo o processo fonte)

Questão 4: Tal como ocorre com a prova documental, podem as declarações prestadas pelo arguido ser valoradas sem necessidade de efetiva reprodução/leitura em sede de audiência de julgamento?

Entendemos que não:

- Argumento literal extraído do 357.º, n.º1 do CPP;

- A concordância prática pressupõe a mínima compressão do contraditório e embora de algum modo limitado os princípios da imediação e oralidade.

- Neste sentido Ac. TRC de 4.2.2015, rel. Orlando Gonçalves, que adianta que: Não tendo sido lidas em audiência de julgamento as declarações prestadas pelo arguido no inquérito, a valoração das suas declarações constitui valoração proibida de prova, nos termos do art.355.º do C.P.P.

Questão 5: Podem as declarações previamente produzidas fundamentar uma sentença condenatória, sendo a única prova existente?

- O regime consagra expressamente a não aplicabilidade das regras relativas à confissão (que pressupõem a possibilidade de prescindir, total ou parcialmente, da restante prova).

- A admitir-se, sujeitando à livre apreciação, impõe-se, em nosso entender, um dever de fundamentação especialmente acrescido, no que respeita às considerações sobre a espontaneidade (mais delicado se se tratarem de declarações por escrito), fiabilidade e fidedignidade das declarações. Evitar riscos de autorresponsabilização para salvaguardar a responsabilização do verdadeiro autor.

Questão 6: Se o juiz ou o MP violarem os requisitos qual a consequência dessa valoração?

“ a omissão ou violação do dever de informação, bem como a falta de assistência de defensor, determinam a impossibilidade de as declarações serem utilizadas, assegurando uma decisão esclarecida do arguido quanto a posterior utilização dessas declarações que, livremente, decide prestar” (Exposição de Motivos da Proposta de Lei).

Verdadeira proibição de valoração de prova.

Efeito à distância das proibições de prova – 122.º, n.º1 do CPP: “As nulidades tornam invalido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderam afectar”.

Análise casuística (p.ex. a falta de defensor desencadeia, em principio, o efeito à distância/a falta de advertência pode não acarretar, e o seu efeito limitar-se à impossibilidade de utilização dessas declarações, com aproveitamento das provas consequenciais)

Notas para reflexão

- Regime diferenciado, consoante o arguido preste declarações perante autoridade judiciária em fases anteriores à audiência ou perante o juiz do julgamento.

- Artigo 345.º, n.º 1 do CPP, em sede de audiência, se se dispuser a prestar declarações, o “arguido pode, espontaneamente ou a recomendação do defensor, recusar a resposta a alguma ou a todas as perguntas, sem que isso o possa desfavorecer”.

- Artigo 141.º, n.º 6 “Durante o interrogatório, o Ministério Público e o defensor, sem prejuízo do direito de arguir nulidades, abstêm-se de qualquer interferência, podendo o juiz permitir que suscitem pedidos de esclarecimentos das respostas dadas pelo arguido. Findo o interrogatório, podem requerer ao juiz que formule àquele as perguntas que entenderem relevantes para a descoberta da verdade. O juiz decide, por despacho irrecorrível, se o requerimento há-de ser feito na presença do arguido e sobre a relevância das perguntas”

- Por questões de concordância sistémica do regime, deve hoje aceitar-

se, indiscutivelmente, que no decurso do primeiro interrogatório judicial e dos restantes interrogatórios perante AJ, após a informação dos factos imputados e dos elementos do processo que os indiciam, “o arguido tem o direito de conferenciar com o seu defensor, nomeadamente para o assistir, esclarecendo-o sobre o seu direito de responder ou não”, na medida em que “a lei assegura ao arguido o direito de assistência por defensor em todos os atos do processo – como já defendia Germano Marques da Silva.

- Deve permitir-se, ainda, breves interrupções, perante as questões formuladas, para conferência com o defensor, desde que não obstaculizem a eficácia e decurso normal do interrogatório.

- Deve, finalmente, em nosso entender, conferir-se uma maior amplitude na admissão dos esclarecimentos e das questões a formular, a final, pelo defensor.

- Só assim, entendemos, se logrará uma interpretação concordante do

artigo 141.º, n.º 6 do CPP, com os princípios constitucionais e se minimiza de modo aceitável o constrangimento destes princípios perante a possibilidade da valoração das declarações em sede de audiência de julgamento.

E finalmente…

- “O Advogado não pode ser mais um mero polícia da observância das formalidade do interrogatório” (Joana Boaventura Martins, Da valoração das Declarações do Arguido Prestadas em Fase Anterior ao Julgamento, pp. 113-114).

- “Em bom rigor, se o julgamento tem sido a sede nobre do processo penal, onde se projectam e convergem os princípios decorrentes da matriz constitucional de um processo penal de estrutura acusatória, assistimos a uma transferência da centralidade processual para a fase de inquérito, onde parece que, a partir de agora, tudo se joga e decide.” (Isabel Oneto, As Declarações do Arguido e a Estrutura Acusatória no Processo Penal Português, p. 179, disponível on line).

MUITO OBRIGADO

Sérgio Pena Procurador da República,

Docente do Centro de Estudos Judiciários [email protected]