diário de obra: um mês na vida de uma arquiteta (sample)
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Amostra com 22 páginas do livro "Diário de obra: um mês na vida de uma arquiteta", da autora Alê Motta.TRANSCRIPT
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Mot917 Motta, Alê Diário de Obra: um mês na vida de uma arquiteta / Alê Motta. - 1. Ed. - Rio de Janeiro: Jaguatirica Digital, 2012. 1 v. ; 14x21cm. - ISBN 978-85-912314-5-4 (broch.) 1. Literatura infanto-juvenil brasileira. I. Título.
CDD 808.899282
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“Para os meninos da minha vidaAlberto, Calebe, Fernando e Marecil”
DIÁRIO DE OBRA OU MANUAL DE AUTOAJUDA PARA AQUELES QUE AS
ENFRENTAM
Conheci Alê Motta durante o período em que ela foi responsável por uma obra em meu apartamento no Rio de Janeiro. Os trabalhos atrasaram bem menos do que eu esperava e percebi, ao longo do tempo, que parte do segredo dela era a boa relação que ela estabelecia com seus empregados (os famosos peões).
Durante aqueles meses, fui conhecendo um pouco da mulher, por trás da autora que o leitor ora tem em mãos, e constatei que seu bom humor era a chave para seu sucesso. Alê conseguia manter-se bem humorada mesmo no meio da maior catástrofe, quando todos pareciam se desesperar.
Os problemas da relação construtor/contratante, como todos sabem, já acontecem há muito mais tempo do que poderíamos supor. Acho mesmo que, na pré-história da humanidade, alguém já brigava com seu construtor sobre a reforma na caverna que não saíra conforme o combinado ou não respeitara o prazo estabelecido.
Agora, com Diário de Obra - um mês na vida de uma
arquiteta, o leitor pode finalmente conhecer o outro lado da moeda. Com uma linguagem simples e bem humorada (sua marca registrada) Alê passeia pelas mazelas e agruras de uma arquiteta tentando levar a cabo suas diversas atividades. É uma leitura fácil, rápida e extremamente divertida. Alê mergulha no universo por trás dos panos e nos leva numa visita ao mundo das coxias das obras, do comportamento dos peões a seu linguajar característico, mostrando a dureza da vida de uma mulher que, além de profissional, tem que dar conta de inúmeras tarefas.
Ao terminar de ler “Diário de Obra” acho que finalmente entendi a razão e a origem de uma antiga maldição hispânica, usada nos momentos de extrema fúria: Deus te dê uma obra! Mas isso é uma coisa da qual não podemos fugir e que, mais cedo ou mais tarde, acontecerá em nossas existências, então sugiro que o livro de Alê Motta, além de diversão, seja utilizado como um manual de autoajuda para aqueles que acreditam que, no caso das obras, não há luz no fim do túnel. É sempre produtivo olhar para o outro lado da moeda, acreditem! E divirtam-se, pois o relato de Alê não pretende outra coisa.
Miguel Falabella, ator e diretor
“Arquitetar uma boa história literária é um dom, uma benção, um exercício, uma vocação. Eu vejo esse dom na Alê Motta, que sabe entrar nos canteiros da nossa imaginação.
Então, espero que esta seja a primeira de muitas obras da Alê e que os leitores tenham cada vez mais vontade de morar em cada uma das suas páginas.”
Márcio Vassallo, jornalista e escritor.
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CAPÍTULO 1
Rio, segunda-feira, dia 02, muito sol e calor
O trânsito – um horror
O humor – como o trânsito
Tarefas do dia – uma lista sem fim
Cinquenta e sete minutos. Nenhuma chance do engarrafamento acabar e meu carro entrar no túnel.
Tentei prestar atenção às notícias do rádio, mas encarar o engarrafamento interminável e ouvir o locutor detalhar que o trânsito de toda a cidade estava péssimo não ajudou muito.
Pensei que começaria a ter algum problema irreversível na minha visão (de tanto olhar para a entrada do túnel) ou uma alteração mental (desespero que me fizesse gritar e pular na pista de asfalto quente).
Música. Quem sabe pode ser a solução?
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Mudei a estação do rádio (quatro vezes) e pude concluir, ou melhor, pude afirmar que Michel Teló me persegue. Não suporto mais o “Ai se eu te pego”. Socorro, alguém tenha piedade dos meus ouvidos e salve-me do que provavelmente virou o hit das manhãs caóticas de segunda-feira.
Coloquei o cd, o ambiente mudou, comecei a sorrir como nenhum outro motorista sorria na intragável fila pré-túnel: punk-rock de nível, altura máxima para desanuviar a mente.
O sol envolveu meu corpo inteiro e decidi cantar alucinadamente, encarando a música pesada como remédio ideal para esquecer as dificuldades: pernas dormentes e rosto incendiando.
O celular tocava, o sol incomodava, o nextel tocava, meu mestre de obras estava atrasado, o engenheiro estava atrasado, os estagiários estavam atrasados, os peões eu nem arriscava perguntar. O Flamengo perdeu, eles vão atrasar muito ou nem vão aparecer na obra.
“Posso fazer o solo da guitarra com a voz para acalmar?”
O tempo correndo e os problemas se amontoando. Novos problemas apareciam e a vontade de não atender o nextel e o celular era tão intensa quanto a vontade de bater no Michel Teló.
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Assim que o mestre de obras, o engenheiro e os estagiários chegarem às obras, vai ser tenso. Quando eu chegar então...
Parte 2
(Manhã inteira no engarrafamento, 39 graus e paciência virou um raro/precioso tesouro escondido. Onde ele está, eu não faço ideia).
Meu mestre de obras foi rápido descrevendo a matemática do dia: Oito peões faltaram. Amanhã as tristezas serão contadas, vamos olhar com cara de nada* para os oito.
*Cara de nada é aquela cara que fazemos quando definitivamente nada pode ser feito, nem pelo Lula, nem pela Dilma ou mesmo pelo poderoso Obama. É aquela cara que fazemos quando entregamos a situação para Deus: o único capaz.
Problemas por todo lado e a metade do dia se foi.
Pergunta que não me responderam
Eu e meu mestre de obras ao lado de um barulhento martelete em ação:
- Fez besteira? Mas ele não tinha feito este serviço no cliente Q e no cliente W? – Perguntei surpresa
- No Q, no W e no K.
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- Pois é, tinha esquecido do K. Ficou tão bom nos três lugares, serviço perfeito.
- Hmm (grunhido inexprimível do mestre de obras)
- Fez tantas vezes e tão bem, como esse peão foi errar agora?
- Hmm (grunhido inexprimível e irritante do mestre de obras)
- Como?
Diálogo encerrado. Talvez o calor afete suas respostas.
Momento lute pelo que é seu
Ligação telefônica feita por mim ao financeiro de um dos meus clientes, após o clamor do meu engenheiro que não aguenta mais pedir, solicitar e está prestes a cair no soco com o cara. Não sendo a favor da violência, entrei em ação:
- Meu engenheiro conferiu, o depósito não foi feito. Pode priorizar esse pagamento para mim, por favor?
- Semana retrasada não é? Dia 23, está a data da parcela aqui sim...
“Claro que está, essa é a nona parcela, o valor é igual,
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sempre de 15 em 15 dias, nada novo”
Resolvi ser educada:
- Então, é o que estou falando. O depósito não foi feito.
- Ah... (Ah de quem descobriu a fórmula do não–envelhecimento) Pode conferir se não entrou na sua conta?
- Então, nós já conferimos, não entrou.
“Eu não estaria reclamando se os pagamentos estivessem em dia, estou lotada de tarefas”
- Ah... (Ah de quem descobriu o amor da sua vida) Tem certeza?
- Sim. Pode acelerar isso?
- Claro... (Claro com a mesma entonação do Ah, muito batido para a continuidade do diálogo-apelo-ao-que-é-meu-de-direito) Me passa seus dados?
- É a mesma conta de sempre.
- Ah... (voltou o Ah dos descobridores) Mas pode enviar por email?
- Envio sim e dito agora para você.
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- Não é preciso ditar, me manda por email.
- Ok. (meu Ok de desânimo)
“Vou mandar o email agora e ainda assim aposto mais uns três dias de atraso...”
O dia teve muitas outras emoções, mas vou parar por aqui.
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CAPÍTULO 2
Rio, terça-feira, dia 03, quente-demais-da-conta, 35 graus e ainda nem são nove da manhã
O trânsito – nada maravilhoso na cidade maravilhosa.
O humor – melhor nem comentar, ainda é terça, início de semana, vou
tentar não acumular estresse.
Tarefas do dia – impossível dar conta
Na primeira obra cheguei antes do mestre de obras, que estava atrasado trocando o pneu furado do carro (décimo terceiro pneu em 10 meses). “Coitado, seu trajeto é recheado de pregos e alfinetes tenebrosos que perseguem os pneus do seu carro. Muito triste.”
Quando no Rio de Janeiro não existia o helicóptero
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que fornece a situação real do trânsito, nem a internet mostrando tudo o que acontece na cidade, (o prédio que pega fogo, a piriguete que... Esquece...) o trajeto do meu mestre de obras era cheio de acidentes e engarrafamentos. Agora são os pregos e alfinetes tenebrosos.
A minha ideia era adiantar com ele um montão de tarefas, mas quem tem poder contra pregos e alfinetes tenebrosos? Vou embora para a segunda obra e o trânsito continua lindo.
Na segunda obra o estagiário passa alguns detalhes, tudo vai bem e na metade do relatório que ele faz (se sentindo o Lula no palanque) eu não ouço nada do que é dito, porque me incomodo com o peão pendurado no telhado, com o cinto desamarrado:
- Pescocinho! - Berro para ele (o peão, não o estagiário) - Ele sorri seu sorriso sem muitos dentes e estica seu pescoço nada discreto.
- Fala, doutora.
- Pescocinho, coloca o cinto.
- Eu tô com o cinto.
- Está com o cinto na cintura e ele não está preso a lugar algum.
O sorriso do Pescocinho transforma-se em
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segundos:
- Doutora, não dá para trabalhar tão amarrado assim.
“Não, realmente, tão amarrado é tudo o que você não está, você está nada amarrado”
- Pescocinho, sua vida é o mais importante. Amarra o cinto. Se você morrer como fica sua esposa?
- Doutora... O pior não é morrer, o pior é ficar aleijado e virar corno.
Com uma frase dessas eu fico sem argumentação.
No meio da tarde minha sobrinha de dezoito anos (um metro e setenta, olhos azuis, cabelos encaracolados loiros e andar de modelo) encontrou comigo trazendo uns documentos do meu irmão.
Ela encontrou comigo na terceira obra do dia.
A terceira obra estava com os serviços adiantados.
Serviços adiantados até minha sobrinha passar por lá e ficar dois minutos.
Atenção - Magia das loiras altas:
Os peões babam;
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as paredes não sobem;
a massa não fica pronta;
a pastilha não é colocada;
as placas de piso não vão para seu lugar no chão.
Nunca achei solução para o caso.
Fazer o quê, magia consegue ser pior que pregos e alfinetes tenebrosos!
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CAPÍTULO 3
Quarta-feira abafada, dia 04, três reuniões.
O trânsito – infernal
O humor – abraçando tentativas
Tarefas do dia – número interminável
Reuniões
A primeira reunião do dia é a que termina me presenteando com: dor de cabeça, mal estar, desconfiança da existência de algum vírus no meu corpo e finalmente, a certeza de que envelheci uns três anos em três horas.
Tive de explicar para meu cliente que o valor da obra estava fechado e sim, eu tinha dado um grande desconto (dei desconto três vezes, se desse mais desconto podia virar pipoqueiro, não ia ter lucro
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nem pagaria salário a ninguém).
Não pense que isso tudo aconteceu no primeiro dia ou primeira semana da obra. Segundo mês, parcelas definidas, projeto aprovado.
Ufa, a vida pode ser complicada em meio a cimento e tijolos.
A segunda reunião do dia era com o meu mestre de obras, o meu engenheiro e quatro empreiteiros. Nenhum empreiteiro chegou na hora, metade dos assuntos da reunião ficou para a próxima reunião. A data da próxima reunião não ficou definida, claro.
A terceira reunião era com um cliente que queria um orçamento urgentíssimo:
Ele queria orçar a mudança de todo o piso da varanda.
Ele queria orçar a retirada do jardim.
Ele queria orçar um novo e prático portão para a garagem.
Ele queria orçar a troca total do telhado da casa.
Ele queria orçar a cozinha nova.
Ele queria orçar tudo.
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Ele queria fazer obra, mas não definiu nada da obra.
Ele queria iniciar a obra, mas não decidiu quando iniciar.
A reunião durou duas horas e meia e foi feita no fim do mundo.
Peguei todos os engarrafamentos da noite e cheguei em casa uma hora da manhã. Com fome, calor, cansaço e nenhuma definição do cliente.
Impresso pela Singular Digitalna primavera de 2012
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