diário da minha guerraultramar.terraweb.biz/rma/vitorabreu/diario_da_minha... · 2017-12-05 ·...

16
Diário da Minha Guerra (na CCav1773) autor: Vítor Manuel da Silva Abreu © 05Nov2012 1/16 – editado por JCAS, para o portal UTW D D i i á á r r i i o o d d a a M M i i n n h h a a G G u u e e r r r r a a na CCav1773 Vítor Manuel da Silva Abreu 1º Cabo n/m 11350567 Lisboa, 14 de Novembro de 1967 Angola 28Nov67 > 16Dez69

Upload: trinhcong

Post on 29-Dec-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Diário da Minha Guerra (na CCav1773)

autor: Vítor Manuel da Silva Abreu © 05Nov20121/16 – editado por JCAS, para o portal UTW

DD ii áá rr ii oo ddaa MM ii nnhhaa GGuuee rr rraana

CCav1773

Vítor Manuel da Silva Abreu1º Cabo n/m 11350567

Lisboa, 14 de Novembro de 1967

Angola

2288NNoovv6677 >> 1166DDeezz6699

Diário da Minha Guerra (na CCav1773)

autor: Vítor Manuel da Silva Abreu © 05Nov20122/16 – editado por JCAS, para o portal UTW

–– 2288 ddee DDeezzeemmbbrroo ddee 11996677Fomos fazer uma operação à “Fazenda 28 de Maio”.Esta operação, por ser a 1ª que fizémos, foi uma das mais difíceis para mim e todos os camaradasque nela participaram.No 1º dia tudo correu normalmente até às 14:00, mas a essa hora já não conseguíamos andarmais, pois o cansaço tomou conta de todos nós. Acampámos num morro para almoçar e alificámos: pouco comi, mas bebi mais de um cantil de água; passados momentos adormeci, sóacordei já o sol se estava a pôr.Na minha secção foram escaladas as sentinelas: a mim coube-me das 23:00 às 24:00 e das 04:00às 05:00. Quando me acordaram estava com uma sede medonha e com a sofreguidão bebi o restoda água: por ainda sermos “maçaricos”, não sabíamos beber a água em conta; e quanto maisbebíamos, mais sede tínhamos...Na hora da minha guarda bastante receio tive, pensando a cada instante em ser o inimigo, por nãoestar acostumado aos ruídos da selva. Passado pouco tempo de estar de guarda, de novo aa sede tomou conta de mim e, por não ter mais água, tive de ir roubar aos cantis dos camaradasque dormiam sossegadamente.Finalmente chegou a manhã e logo cedo começámos a preparar para seguir. Nesse dia, nadahouve de especial até às 15:00. A essa hora encontramos um ribeiro, onde paramos para almoçare matar a sede à vontade. Enquanto comíamos calmamente, ouvimos uns tiros à nossa frente... !Era um turra, que vinha pelo trilho e os camaradas da CCav1774 quiseram apanhá-lo à mão, masele conseguiu fugir.Acabada a refeição, continuámos até encontrar as ruínas da tal fazenda e, por não haver maistrilho, resolveram que ali ficássemos. Quando estávamos com tudo arranjado – alguns até fizeramabrigos com pedras e tijolo, enquanto eu e outros três íamos ficar em cima do capim, commilhares de formigas por companheiras –, os guias foram falar com o capitão, dizendo que ali eraum sítio muito perigoso para ficar. Então, resolveram voltar pelo mesmo caminho e, malrecomeçámos a andar, ouviu-se uma rajada dos turras: foi uma sorte, em não termos ali ficado.Reiniciada a marcha, com os últimos raios de sol a penetrar na densa floresta, enquanto nãoescureceu completamente, tudo foi bem. Mas logo depois, veio a noite cerrada e tivemos de nosagarrar uns aos outros, para não nos perdermos. A meio da noite, os guias desorientaram-se edepois andámos por aquela mata que parecia não ter fim: eu, com umas dores de cabeça terríveis;atrás, um camarada a chorar; mais à frente, o camarada que vinha agarrado a mim caiu numgrande buraco e chamou por mim, mandei logo parar. E assim prosseguimos aos tropeções, aandar dormindo em pé, durante aquela noite que, para todos nós, foi uma das que mais custou apassar.Após o pequeno-almoço regressámos pelo trilho da véspera, mas quando chegámos perto domorro, onde na noite anterior pensámos em pernoitar, ouvimos tiros: os turras estavam nomesmo sítio à nossa espera, ripostámos com bastante fogo e algumas morteiradas, pondo-os emfuga. Entretanto, começou o sol a apertar e a sede a tomar conta de nós. Como sabíamos quemais à frente havia um rio, íamos andando com mais esperança e bebendo o resto da água doscantis. Mas quando chegámos ao rio, houve ordem do senhor doutor (por alcunha “mata-gatos”),para que ninguém bebesse daquele rio porque, dizia ele, “a água estava estragada”. Ora nós, quejá tínhamos dali bebido, a partir de então ficámos-lhe com um ódio que não o podíamos ver.Sempre a andar e sem água, a minha língua já parecia um bocado de cortiça.Chegados finalmente à picada, completamente exaustos e com uma sede louca, transmitiram paraNambuangongo o pedido para nos virem buscar e trazer bastante água.Mas ainda demoravam um bocado e decidi comer qualquer coisa: a muito custo, lá conseguimastigar um bocado de chouriço; ainda fiquei com mais sede... mas a água já estava perto.Ao longe, já se via o pó que as viaturas faziam, com um carro-de-combate à frente. Mais unsminutos, logo nos apareceram camaradas com cantis na mão, para nos dar a tão preciosa água.Assim acabou esta operação, que foi onde mais sede passei.

Diário da Minha Guerra (na CCav1773)

autor: Vítor Manuel da Silva Abreu © 05Nov20123/16 – editado por JCAS, para o portal UTW

–– 55 ddee JJaanneeiirroo ddee 11996688

Foi um dia de luto para a nossa Companhia!

Saíram dois pelotões para ir buscar o correio a Balacende, um acampamento vizinho; do meupelotão ninguém foi.A meio caminho tiveram uma enorme emboscada, à frente ia um jipão com uma arma pesada, osturras mataram logo um alferes e outro ficou gravemente ferido. Os meus camaradas (ao que medisseram), não queriam crer no que se estava a passar: os turras sempre a fazer fogo e a vir àpicada com catanas até que um deles, já com o corpo cheio de balas mas não havendo maneira decair, atingiu mortalmente no pescoço outro alferes, que os atacantes tentaram arrastar para amata mas, não o conseguindo, ainda levaram consigo três armas nossas. Deixaram sem vida maisoutro camarada meu e ainda cinco feridos, um dos quais ficou inutilizado de um braço.Quando chegaram ao acampamento, houve gritos, houve lágrimas e um ódio enorme: tínhamosde vingar os camaradas mortos.

Passada uma semana, a “Maria Turra” na rádio do inimigo dizia que, na parte deles, tiveram trintamortos.

Mas a vingança, não estava feita: nós, tínhamos que destruir, que matar!

Diário da Minha Guerra (na CCav1773)

autor: Vítor Manuel da Silva Abreu © 05Nov20124/16 – editado por JCAS, para o portal UTW

–– 1144 ddee JJaanneeiirroo ddee 11996688Saímos para uma operação, que para mim foi a mais difícil, por ser a que demorou mais tempo:seis dias.Logo no 1º dia, os guias descobriram uma “árvore” onde um turra ia todos os dias buscar vinho:como nesse dia ainda não tinha aparecido, resolveram que ali ficássemos emboscados e passadascerca de duas horas ele apareceu: tentámos agarrá-lo à mão, mas deu pela nossa presença,começou a gritar “aiué-aiué” e conseguiu fugir.Prosseguimos por um trilho bastante pisado e ao iniciar a escalada de um morro sofremos umforte ataque. No momento a aviação andava por ali, os aparelhos foram chamados, a minhasecção estava na frente e eu estava ao pé de dois guias que, quando ouviram “fogo”,puseram os bornais à frente da cabeça e tremiam como varas verdes. Mal a aviação começou afazer fogo, os turras não piaram mais. Seguimos e mais à frente ouvimos uma rajada: um guia deudois tiros e depois disse que viu um gajo atrás de uma árvore. Entretanto, um furriel adoeceu e alificámos à espera do heli para o evacuar.No 2º dia tudo decorreu sem sobressaltos, apenas o cansaço se apoderava de nós, por causa dosconstantes morros que tínhamos de subir.Logo pela manhã do 3º dia, a CCav1774 seguiu por um trilho e nós por outro. Ao iniciar a subidade um morro, quando começou a chover vestimos as capas e um camarada deu uma gatilhada,que por sorte não atingiu o enfermeiro, que ia mesmo ao pé de mim. A chover torrencialmente,começou a parte mais difícil da operação porque tínhamos de andar agarrados a árvores, para nãoescorregar; e quando era a descer, por nos ser impossível caminhar, vínhamos aos rebolões todoscheios de lama.Por fim chegou a noite mas, como não parasse de chover, tivemos de ficar num morro. Todosmolhados até aos ossos, deitados em cima da lama para descansar: até madrugada alta nãoconsegui pregar olho, a tremer com frio os meus queixos pareciam castanholas, a vomitar água e apouca comida que tinha no estômago, não vieram as tripas pela boca fora nem sei como; toda anoite nisto, só pouco antes do alvorecer consegui fechar os olhos.Na manhã daquele 4º dia, começou o sol a romper e enxugámos a roupa no corpo. As rações decombate tinham acabado, transmitiram para Nambuangongo o pedido de reabastecimento e alipassámos o resto da manhã até à chegada dos helis que trouxeram, além das rações de combate,tabaco e aguardente: depois daquela horrível noite, soube bem beber uma pinga de aguardente.Nessa altura, quando os guias procuravam um ponto de orientação, da avioneta “DO” informaramque o rio Lifune ficava à nossa frente. Então prosseguimos pelo mesmo trilho mas, não sei como,os guias enganaram-se e andámos todo o resto do dia à volta desse morro, até irmos novamenteparar ao mesmo sítio: depois de tanto andar, ao ver que regressáramos ao anterior local, ficámoscompletamente desalentados. Novamente passamos ali a noite, esta um pouco melhor que aanterior, porque o solo estava quase seco.No 5º dia, chegámos ao Lifune e ali matámos a sede: para beber a água daquele rio, não erapreciso pôr comprimidos, nem nada.Para passar a vau, tivemos de nos descalçar e arregaçar: muitos camaradas caíram dentro de água;mas eu, com muito jeito, lá consegui passar sem ir ao charco.

Diário da Minha Guerra (na CCav1773)

autor: Vítor Manuel da Silva Abreu © 05Nov20125/16 – editado por JCAS, para o portal UTW

Continuámos a nossa marcha, eu andava porque os outros aguentavam, era só força de vontadeporque força física já não tinha, cerrava os dentes e dizia cá para comigo “se eles aguentam eutambém hei-de aguentar”; e lá ia, com a ajuda de Deus. Nesse dia nada mais houve a assinalar. Osítio onde pernoitámos era perto do objectivo: estando a dormir e encontrando-se um negro desentinela, fomos sobressaltados por gritos e, pensando que eram os turras, preparámo-nos paraabrir fogo. Afinal, foi apenas um camarada que estava a sonhar alto e um outro estremunhado,quando viu o sentinela, gritou logo que era turra. Quando novamente nos deitámos, ouvimos asbombas das peças de artilharia a passar por cima de nós: estavam a bombardear toda aquelazona.Mal chegou a manhã do 6º dia, seguimos com mais cautela porque se viam sinais da passagemrecente de turras, por ali. Ao entrarmos numa mata, fomos novamente atacados em cheio:nesse momento, vinha mais ou menos a meio da Companhia e não fiz fogo nenhum porqueera tudo lá à frente; passados poucos momentos, começaram da frente a chamar pelo enfermeiroe a pedir o morteiro, vi logo que já estava alguém ferido; ouvi começar a chuva de morteiradas epassados instantes soube que um dos guias tinha sido ferido numa perna. Os outros guiasdisseram que por ali era impossível seguir, então virámos à esquerda para ver se encontrávamos omais depressa possível um morro de onde fosse possível a evacuação do ferido, mas só passadasalgumas horas encontrámos o sítio adequado para o heli pousar. Do outro lado havia mais ummorro e, quando ia na frente junto aos guias, de repente os turras começaram a disparar, sentia asbalas a assobiar por cima da cabeça e disparei alguns tiros: os turras suspenderam o tiroteio,seguimos para controlar esse morro e ainda ouvimos mais alguns tiros, fizémos uma linha ecomeçamos a subir até chegar ao local onde eles tinham estado. Passado um bocado e quandocomeçámos a comer, os turras reiniciaram o tiroteio: com raiva, gritei logo “Aí filhos da puta, quenão deixam a gente comer... !”; disparámos mais alguns tiros e umas morteiradas, eles não fizerammais fogo. Pouco depois chegou o heli e rapidamente o ferido foi transportado: admirámos aresistência daquele guia que, sangrando e com uma bala na perna, ainda conseguiu andar tanto.Ao entrarmos novamente na mata, sofremos um grande ataque e compreendi que oacampamento turra estava a pouca distância: fizémos fogo em grande escala, porque tínhamos delá entrar a todo o custo; eles pararam e nós seguimos, fomos encontrar o acampamento já semninguém. Eu ia na retaguarda e os meus camaradas, conforme iam passando revista, queimavamas cubatas e quem vinha atrás passou já com o fogo muito próximo; saímos de lá sempre a correr.No dia anterior, nada tinha ocorrido de especial, excepto quanto ao cansaço que nos invadiu. Eagora continuávamos com mais coragem, porque já íamos de regresso.Mas naquele 6º dia, ao entrarmos numa mata bastante fechada, os guias voltaram a perder orumo: era um sítio em que apenas havia uma grande poça, de água podre e cheia de bichos, ondeas pacaças iam beber; era ali que teríamos de matar a sede e encher os cantis para o resto dacaminhada. Então comunicámos à aviação para nos vir orientar mas, quando a “DO” sobrevoou asredondezas, era impossível comunicar o exacto local onde nos estávamos, porque a mata eracerrada e da avioneta nada se via para baixo. Lançámos uma granada de fumo e então indicaram-nos que a “Fazenda Águas Belas” estava próxima e à nossa frente. Foi uma alegria, sabermos quenão tínhamos vindo por caminho errado.Passado pouco tempo, entramos na fazenda. A partir daí, todos queriam ir na frente.Por fim, regressámos ao acampamento da Companhia, bastante cansados mas sem qualquer azar,Graças a Deus.

Diário da Minha Guerra (na CCav1773)

autor: Vítor Manuel da Silva Abreu © 05Nov20126/16 – editado por JCAS, para o portal UTW

–– 1144 ddee MMaarrççoo ddee 11996688Saíram as três Companhias do BCav1927, para uma operação na área do Canacassala.Ao entrarmos na mata já de noite, seguimos por um grande trilho. Mais à frente, uma dascompanhias entrou num trilho errado, a progressão foi suspensa e aproveitámos para dormitarum bocado.Decorridas cerca de duas horas, reiniciámos a marcha: o resto da noite passou-se sem novidades.Na manhã seguinte ouvimos galos a cantar, estávamos perto do objectivo. À nossa frente umagrande lavra de milho e depois a mata, onde estava o acampamento turra: passados instantes,disparámos uma bazucada para a mata e seguidamente, à vez e por pelotões, atravessámos alavra; dali até ao acampamento, sofremos 15 ataques; na altura tinha às costas um cacho debananas e, já chateado de me atirar tanta vez para o chão, abandonei as bananas.Quando preparávamos a reunião com os outros, chegou a aviação que iniciou o bombardeamentodo objectivo mas uma dessas bombas caiu muito perto de mim, projectando ramos e pó, levando-nos a recuar o mais possível por receio de algum engano fatal. Assim que a aviação desapareceu,corremos para o acampamento turra, à entrada ainda tivemos mais um ataque mas por fimestávamos lá dentro: por todos os lados galinhas a fugir, revistámos as cubatas onde encontramosuma arma, munições, catanas e muitos outros apetrechos; também apanhámos muitas galinhas.Durante o percurso de regresso, a “DO” localizou um grupo turra, emboscado num morro e notrilho, começou a disparar e pouco depois chegaram os jactos, que bombardearam noutro ponto.Seguimos o mais rápido possível, sempre com a “DO” a acompanhar-nos e chegámos semnovidade à picada onde os outros camaradas, com os carros-de-combate, estavam à nossa espera.Quando reentrei no acampamento da Companhia, vinha arrebentado de todo: além do que mepertencia, trazia também a bolsa do furriel enfermeiro.Assim acabou mais uma operação, sem termos azar nenhum, Graças a Deus.

Diário da Minha Guerra (na CCav1773)

autor: Vítor Manuel da Silva Abreu © 05Nov20127/16 – editado por JCAS, para o portal UTW

–– 88 ddee AAbbrriill ddee 11996688O acampamento da Companhia foi alvo de uma flagelação turra, que causou 4 mortos e 14 feridosentre os trabalhadores da Fazenda Beira Baixa.Durante o contra-ataque, conseguimos matar alguns turras.

–– 11 ddee MMaaiioo ddee 11996688O acampamento da Companhia foi alvo de outro ataque turra, mas não houve mortos ou feridos,Graças a Deus.

–– 77 ddee MMaaiioo ddee 11996688Na picada da Beira Baixa para Nambuangongo, rebentou um pneu a um Unimog, que depoisembateu numa barreira, causando três feridos: um deles, grande camarada meu, ficou com umgrande golpe no rosto e sangrava abundantemente; o condutor João “da Pedra”, meu conterrâneo,ao vê-lo assim e sem dar acordo de si, começou a gritar e a chorar, pensando que o rapaz morria.Do local saiu imediatamente uma outra viatura para o acampamento da Companhia, de onde oferido grave foi evacuado para o hospital de Luanda: ali levou muitos pontos na cara e ficou comuma grande cicatriz, para o resto da vida.

Diário da Minha Guerra (na CCav1773)

autor: Vítor Manuel da Silva Abreu © 05Nov20128/16 – editado por JCAS, para o portal UTW

–– 88 ddee MMaaiioo ddee 11996688Mais uma operação na área do Canacassala.Na minha secção a bazuca estava entregue a um 1º cabo, bastante amigo de todos nós. Dessa veznão levou a bazuca, não sei o motivo, mas ele ia contente por não ir carregado com aquela arma.Entrámos por um trilho entre Balacende e a Beira Baixa, seguimos sem novidade até queparámos sem saber porquê: passados instantes, os guias disseram que ali costumava estar umsentinela deles; seguimos com mais cautela, mais à frente enganámo-nos no trilho, masavançámos sem saber se chegaríamos ao objectivo; além disso, por ali seguia também um grandeformigueiro de formigas-cadáveres, ao passarmos elas subiam pelas pernas e tivemos de suportarpicadas horríveis. Chamada a “DO” para nos informar o rumo correcto, quando chegou sobrevoouo objectivo (que já não era muito longe) e indicou-nos o caminho: o sol já se punha e tínhamos decaminhar para o lado direito do sol. Seguimos então, com mais dificuldade porque íamos a abrirum trilho: por todo o lado se viam armadilhas dos turras, para a caça; mais à frente, quando já seouviam galos a cantar, reencontrámos o trilho e, depois de pequena paragem para comer umpouco, seguimos com redobradas cautelas. Noite cerrada, parámos e ficou assente queentraríamos no acampamento turra ao alvorecer, que era a melhor hora. Durante a noite tivemosvários sustos, ouvimos cair muitos ramos secos e o IN a dar rajadas, pensando que era para nós:eram os turras, à caça.Assim que rompeu a claridade seguimos novamente, com a minha secção na dianteira: eu em 5ºlugar e à minha frente o meu camarada Vinagre, que nessa operação não levava a bazuca. Malatravessámos um riacho, caímos numa emboscada: eu e o furriel Ganhão deitámo-nos atrás deum embondeiro, num relance olhei em volta e quando vi o Vinagre de joelhos, ia gritar para quese deitasse mas as palavras não chegaram a sair-me da garganta, porque vi aparecer-lhe nopescoço um fio de sangue; pressentindo que o meu camarada não escapava com vida, nosinstantes que se seguiram disparei enraivecido, mas ao começarmos a gritar pelo enfermeiro, osturras cessaram o tiroteio. O enfermeiro ainda lhe deu uma injecção mas todos compreendemosque não havia salvação: outro camarada meu perguntou-lhe se o conhecia, ele só acenou que sim.Instantes depois, a vida fugiu-lhe. Em alguns camaradas viam-se lágrimas nos olhos, mas eu cádentro tinha uma coisa que não sei explicar, nem chorar fui capaz: fiquei ali a olhá-lo, como se nãoquisesse crer no que via, mas a realidade impôs-se, o nosso camarada Vinagre estava morto.Tínhamos de regressar: os guias cortaram logo uma grande vara e assim o transportámos, uns eoutros, à vez; mas como ele era muito pesado, ainda demorámos imenso tempo até à picada. Alichegados, aproveitámos para comer qualquer coisa, chegaram as viaturas e iniciámos o regresso àbase. Mas ainda não eram percorridos 20 metros, os turras começaram a disparar de todos oslados: o ataque durou cerca de 45 minutos, nós sempre a fazer fogo e eles nunca mais paravam;aqui tive um medo enorme, porque sentia as balas a passar por cima da cabeça e algumas a baterao lado.Quando finalmente entrámos no acampamento, todos íamos tristes pelo nosso camarada falecido.E assim, em tristeza, acabou esta operação.

Diário da Minha Guerra (na CCav1773)

autor: Vítor Manuel da Silva Abreu © 05Nov20129/16 – editado por JCAS, para o portal UTW

–– 22 ddee JJuunnhhoo ddee 11996688Os meus camaradas regressaram de um patrulhamento, no qual o meu pelotão não participou.

Conforme um meu camarada me contou, foram cinco dias a penar e muito sofrimento.Partiram pela mata fora, dia e noite quase sempre a andar: o 1º e o 2º dias, sem haver nada.Chegados ao dia 31 de Maio, estavam no pequeno-almoço quando pelo trilho acima apareceu umturra, com a sua velha Mauser ao ombro: começaram aos tiros mas o turra, dando um tiro,conseguiu fugir.Recomeçaram a marcha até anoitecer, fizeram alto para dormir e no dia 1 de Junho continuaram.Tudo prosseguia sem novidades, ao amanhecer desse 4º dia depararam com o rio Lifune, queatravessaram com a água pelo peito, prosseguindo a caminhada até se fazer noite.Pelas 09:00 do 5º dia, foram sobrevoados por uma “DO” que os informou do erro de itinerário ereorientou a marcha no sentido inverso. Cerca de uma hora depois, sofreram uma emboscadaligeira e prosseguiram caminho: mas pelas 10:30 foram alvo de ataque mais vigoroso, levando a“DO” e dois jactos a intervir com metralha sobre os turras; a patrulha recomeçou a marcha,durante as duas horas seguintes sobrevoada pelos aparelhos da FAP, mas meia-hora após aaviação sair da zona, os turras lançaram-se novamente ao ataque sobre os pelotões da CCav1773que estiveram sob intenso fogo inimigo até às 15:30, quando reapareceram a “DO” e os doisjactos que, com a sua intervenção, acabaram com o tiroteio dos turras.Logo depois a patrulha, sempre sobrevoada pelas aeronaves, reiniciou a marcha até ao ponto deencontro com as outras companhias e dali seguiram para o acampamento da Fazenda Três Marias,onde as viaturas aguardavam para os conduzir de regresso à Fazenda Beira Baixa, felizmente semquaisquer mortos ou feridos.

Diário da Minha Guerra (na CCav1773)

autor: Vítor Manuel da Silva Abreu © 05Nov201210/16 – editado por JCAS, para o portal UTW

–– 1155 ddee JJuunnhhoo ddee 11996688Poucos dias depois, da patrulha que relatei, fomos fazer uma operação no mesmo local. Sabíamosque por ali o inimigo era bastante poderoso, aquela zona estava infestada pela FNLA e foi combastante medo que comecei mais esta tarefa.Até ao Lifune foi tudo bem, mas ao atravessar o rio começaram as dificuldades, muitos camaradascaíram e perderam várias coisas, por exemplo cantis; um do meu pelotão perdeu as botas e eu,para não me acontecer o mesmo, atravessei com botas calçadas e tudo. Na outra margem todosestávamos molhados e esse meu camarada teve de seguir descalço até entrarmos num trilho,onde os guias disseram que havia turras perto. Aí, tivemos de voltar por outro lado, pois nãoconvinha ter contactos antes de chegar ao objectivo, onde iríamos apoiar a companhia encarreguede entrar no acampamento turra, enquanto por outros itinerários seguiam as demais tropas.Durante a aproximação ao acampamento turra que em Janeiro tínhamos destruído, sofremos umgrande ataque: no momento a aviação andava perto e bombardeou aquela área, mas as bombasestavam a cair perto de nós e receei que alguma nos atingisse. Quando dali saímos, tudo ardia ànossa volta. Recomeçámos a marcha até um grande morro pedregoso, onde aguardámos pelo helique, além de trazer botas para o meu camarada, ia evacuar dois militares doentes. Ali dormimos,em cima de rochas; à nossa volta, pelos morros vizinhos, avistava-se milho, fuba, etc.Na manhã seguinte, comunicaram-nos que estávamos adiantados às outras companhias e por issoseríamos nós quem iria entrar no acampamento turra: a partir daí, a malta ficou receosa, pois nãoestava previsto sermos nós a entrar no objectivo e porque aquilo não era propriamente brincaraos cowboys. Prosseguindo a caminhada, passámos uma grande lavra de milho enquanto lá àfrente a aviação bombardeava. Depois de atravessar um riacho, onde matámos a sede, em frentehavia umas cubatas, mas que evitámos por receio de armadilhas. Após comer a ração de combate,que só de olhar ficávamos sem apetite, prosseguimos até perto do acampamento turra: ao nossolado direito, a aviação continuava a bombardear; não sei o tempo que passou, tinha os nervosarrasados; sem saber se avançávamos ou não, fumava cigarro atrás de cigarro. Finalmente, veioordem para interromper a acção e regressar a um morro próximo, onde pousou um heli com pãoquente e chouriço: o comandante do sector deu aquilo à malta, como prémio do bom resultadoda operação.Por todos os lados se viam grandes buracos feitos por minas. Se ficássemos ali, no outro diatínhamos fogo cerrado do inimigo. Seguimos quase a correr e enquanto houve luz solar, ia semprea olhar para o chão com medo de alguma mina. Chegada a noite, começámos a atravessar umamata, agarrados uns aos outros e o mais silenciosos possível: mais à frente, caí e perdi de vista oscamaradas, recomecei a andar e chamei baixinho pelos outros que vinham agarrados a mim, masestava já fora do trilho e continuei a chamar, não obtendo resposta tive de gritar e lá meresponderam. Mais à frente passámos por um rio, onde enchemos os cantis, a seguir entrámosnum grande capinzal, sempre a andar e nada mais que capim, a andar e a dormir em pé, toda anoite nisto. Pressentíamos estar perto da velha picada mas os guias ainda tiveram de lançar um‘very-light’, pois ao certo não sabiam onde estávamos. Chegámos finalmente à picada, mas aindavoltei atrás com mais alguns, para recuperar o bornal que um camarada havia perdido. Dali até àsruínas da “Fazenda 28 de Maio”, de onde a artilharia tinha bombardeado aquela zona, foi um puloe assim que chegámos, logo caímos uns e outros, cada qual para seu lado, a dormir. Entretantocomeçou o cacimbo a cair, acordei todo molhado, era impossível dormir e resolvi comer qualquercoisa. Das outras companhias, ainda nada se sabia.

Diário da Minha Guerra (na CCav1773)

autor: Vítor Manuel da Silva Abreu © 05Nov201211/16 – editado por JCAS, para o portal UTW

Na manhã seguinte, fomos para o acampamento da Fazenda Três Marias, onde as viaturas nos iambuscar: quando chegaram com sandes e cervejas para todos, foi uma alegria; para nós tinhaacabado mais uma operação. Sem mais novidades, prosseguimos para a nossa querida Beira Baixae depois de ali chegados, tivemos informação que as outras Companhias, ainda no mato, sofriamsob fogo cerrado de uma grande emboscada dos turras e esperavam a aviação para as auxiliar. Sóassim conseguiram de lá sair.

–– 77 ddee SSeetteemmbbrroo ddee 11996688Numa das Companhias pertencentes ao nosso Batalhão houve um morto, um rapaz que morreupelas mãos de um camarada, por engano: ao sair de uma cubata, o camarada disparou sobre ele,pensando ser um turra.

–– 11ººss ddiiaass ddee NNoovveemmbbrroo ddee 11996688Fomos fazer mais uma operação, que para mim foi aquela onde mais me sacrifiquei: na noiteanterior ardia em febre mas, como estava escalado para ir, não me queixei, pensando que nooutro dia já devia estar bom. De facto logo pela manhã, quando partimos já estava melhor, mas aocomeçarmos a subir, logo à saída do acampamento notei que as forças me faltavam e ainda penseiem me queixar, mas não: se tinha começado, tinha de ir até ao fim.Entrámos por uma fazenda de café abandonada, com as moradias destruídas pelos turras. Após opequeno-almoço, dali prosseguimos e, ao longo da manhã e mesmo depois do almoço, nada aassinalar até que, avançando por um trilho, de repente recebemos o passa-palavra para silêncioabsoluto: um turra vinha descontraído por ali e quando apareceu à vista disparámos, eleconseguiu fugir, ainda fui atrás dele mas apenas vi sangue num pau que ele trazia; ferido, tinhasido com certeza.Continuámos, o calor apertava e mais à frente fiquei com um pé preso, numa pequena armadilhade caça, feita pelos turras. Ao anoitecer começou a chover muito e passado pouco o corpo todome doía e também a cabeça. Durante toda a noite, o cacimbo caiu com intensidade: paraadormecer, dava voltas e reviravoltas, no chão, mas não consegui.Ainda não tinha rompido a aurora, quando iniciámos os preparativos para prosseguir, queixei-meao enfermeiro, ele deu-me alguns comprimidos. Daí para a frente e até pararmos para comer,comecei a ter frio e muita dificuldade em andar: nada comi, apenas leite condensado e água.Quando parámos junto a um rio para encher os cantis, deitei-me no chão para ver se ganhavaforças de continuar, mas ao reiniciar a caminhada os meus camaradas já me levavam a arma e obornal: senti-me mais leve e com mais fé em chegar ao fim com os demais, mas a febre persistia eadiante, após um grande ataque de tosse, deram-me uma pinga de aguardente que vomitei; entãoo enfermeiro deu-me uma injecção e mandaram-me para a dianteira, a fim de não atrasar amarcha.

Diário da Minha Guerra (na CCav1773)

autor: Vítor Manuel da Silva Abreu © 05Nov201212/16 – editado por JCAS, para o portal UTW

Pouco depois de passarmos por umas cubatas onde nada encontrámos, soubemos que estávamosperto do objectivo pois ouvimos turras a falar e os meus camaradas resolveram chegar-se o maisperto possível mas, ao atravessar o riacho que nos separava dos turras, um dos nossos escorregounuma rocha, a malta começou logo a disparar mas os turras já tinham fugido como lebres.Dali saímos rapidamente mas, poucas centenas de metros adiante, não aguentei mais e sem forçascaí no chão. No momento circundava por ali uma “DO”, de onde informaram que nenhum helihavia disponível para a minha evacuação e por isso assim teríamos de prosseguir, mas eu já nemestava capaz de me levantar e as lágrimas vieram-me aos olhos, por me saber um grande estorvopara os meus camaradas; eles ainda tentaram improvisar uma padiola para me levar até que,poucos metros andados, vendo-os também em grande sacrifício ao me levar assim, cerrei osdentes e novamente tentei caminhar, agarrado a dois camaradas, indo na frente os guias a abrirtrilho, o que ainda mais dificultava a minha caminhada.Quando entrámos na fazenda abandonada, apareceu um heli que me levou directo ao hospital deLuanda, onde cheguei já de noite: da maca para uma ambulância e dali para a enfermaria, aindaem cima da maca tiraram-me sangue para análise e deram-me uma injecção, depois meteram-menuma cama com lençóis brancos, tão branquinhos como desde há muito não via; estive ali poucotempo e, quando me transferiram para o Hospital, os lençóis já eram mais pretos que brancos.

Nos onze dias que estive no hospital, deram-me comprimidos e injecções, tiraram-me sangue.A comida era sempre a mesma: leite, de manhã e à tarde; ao almoço, tudo insonso e sem molho,arroz com um bifito que cabia na cova d’um dente; e ao jantar, sem azeite nem vinagre, uma postade pescada com batatas insonsas.

No meu quarto, três outros doentes compravam sandes, bananas e bolos; enquanto eu, queapenas tinha a roupa com que ali cheguei, nem dinheiro ou alguém conhecido, nada!O remédio era dormir, para passar a fome e o vício do tabaco.

No penúltimo dia, veio então um camarada da Companhia com dinheiro e outras coisas que tinhapedido: mandei logo comprar bananas, bolos e cervejas; quando acabei de comer e beber, fumeium cigarro que me soube o melhor até à data.

Do Hospital, fui para os Adidos aguardar transporte.Ali estive mais cinco dias e onde também passei mal: tinha de dormir vestido em cima do colchão,que parecia pedra; e também ia sendo castigado por um sargento, por causa de uma dispensa.Finalmente chegou o dia de regressar e foi com grande alegria que fui recebido pelos meuscamaradas, um dos quais foi louvado porque, apesar de então também se encontrar doente, foiquem mais me ajudou.

E assim terminou esta operação, na qual nada houve de pior a lamentar, Graças a Deus.

Diário da Minha Guerra (na CCav1773)

autor: Vítor Manuel da Silva Abreu © 05Nov201213/16 – editado por JCAS, para o portal UTW

–– 77 ddee DDeezzeemmbbrroo ddee 11996688Fui fazer uma operação ao Quingimbe.Saímos às 05:00 pela mata sempre a andar, a meio da tarde chegámos às imediações doacampamento turra, sem que eles tivessem dado pela nossa presença: aquilo estava vedado porpaliçadas e só havia uma entrada; eu estava a meio do nosso dispositivo e de repente ouvi vozeslogo seguidas por uma rajada; imediatamente disparámos para todos os lados e iniciámosbarragem de morteiro. Conforme íamos disparando, íamos avançando: quando entrámos, já nãovimos ninguém e começámos a revistar as cubatas, onde encontramos uma Mauser, catanas,munições, dinheiro, roupas, etc.Depois de tudo estar revistado, começou a caça às galinhas mas eu olhava em volta, sempre comreceio de que algum turra ainda ali estivesse por perto.Fiquei admirado ao ver tudo muito limpo, não se via uma folha no chão. Até àquela data, foi omaior acampamento que tínhamos encontrado.Queimámos tudo e logo a seguir iniciámos o trajecto de regresso, pelo mesmo trilho em quetínhamos vindo: alguns dos camaradas ainda viram turras mortos, mas fora do acampamento.Atrás de nós, um enorme clarão: só à minha conta, tinha largado fogo a dez cubatas.Seguimos em passo acelerado, muitas vezes a correr e sempre à espera de qualquer emboscadados turras. Mas nada aconteceu, tudo correu bem.Andámos o resto da noite e às 12:00 do dia 8, muito cansados e cheios de sede, finalmentechegámos à picada de Balacende para a Beira Baixa, onde aguardámos as viaturas para nos levar.E assim acabou esta operação, que foi aquela em que mais êxitos obtivemos e para mim a quemais gostei de fazer.

Passados dias, soubemos que tínhamos liquidado mais de trinta turras.

Os nossos camaradas mortos, estavam a ser vingados.

Diário da Minha Guerra (na CCav1773)

autor: Vítor Manuel da Silva Abreu © 05Nov201214/16 – editado por JCAS, para o portal UTW

–– 22 ddee JJaanneeiirroo ddee 11996699Saímos ao anoitecer, para mais uma operação na área do Canacassala.Lá seguimos pela mata com o coração nas mãos e assim que entrámos no trilho ouvimos um tiro,deitámo-nos logo ao chão mas como nada mais se ouviu, levantámo-nos para andar mais umcentena de metros até que os turras dispararam uma rajada e todos nós outra vez no chão.Apesar de termos sido descobertos pelos sentinelas, recomeçámos a marcha por aquele trilho quenos levava ao objectivo, cuja entrada alcançámos às 03:00, sob grandes rajadas dos turras. Onosso contra-ataque pôs o inimigo em fuga, entrámos naquele acampamento onde nadaencontrámos de interesse e ali dormimos.Às 10:00 desse dia 3, quando nos preparávamos para seguir, aparece por detrás das cubatas umturra com intenção de nos alvejar. Reagimos prontamente com alguns disparos mas o turra, antesde ter conseguido fugir, ainda deu um tiro.Dali saímos por outro trilho e, ao chegar ao fundo de um morro, quando nos preparávamos paraentrar numa lavra fomos atacados por tiroteio dos turras, ao qual correspondemos em fortesrajadas de varrimento até que, do outro lado, nada mais se ouviu. Pressentindo que aindaestariam por ali, andámos mais um pouco e eles a fazer fogo novamente, nós sempre a respondere a andar, os turras sempre aos tiros e lá fomos andando por aquele extenso trilho dentro damata, até chegarmos a um entroncamento de trilhos, onde fizémos alto para melhor nosorientarmos. Chamada a “DO”, passados poucos minutos já nos sobrevoava e indicou-nos o rumo,que afinal era pelo trilho que havíamos previsto seguir. Cerca de 500 metros adiante, umasurpresa com que não contávamos: intenso tiroteio turra, carregámos sobre eles e entrámos numacampamento; feitas as revistas, recolhemos o que havia de interesse e no final queimámos todasas cubatas. Recomeçada a marcha por aquele mesmo trilho, rumo ao último objectivo, atéouvirmos galos.Iniciada a aproximação ao dito “quartel-general dos turras” do Canacassala, por volta das 19:00desse 3 de Janeiro ouvíamos melhor os galos e as galinhas, até que deparámos com inúmerascubatas: era um enorme acampamento, mas sem vivalma, tudo muito em sossego até revistarmosuma cubata cheia de galos, galinhas e pintos; quase todos trouxemos duas ou três galinhas, cadaum. Ali estivémos a descansar um pouco e por volta das 21:00 recomeçámos a marcha, não semantes termos largado fogo a tudo: agora ouviam-se muitas balas a estalar com o fogo, balas que osturras tinham deixado nas cubatas.Dali seguimos sempre com destino à picada, ainda passámos por alguns acampamentos mas nãohavia ninguém. Mais à frente num morro limpo, a fazer um luar que parecia de dia, deparámoscom uma armadilha montada pelos turras e após a desmontar prosseguimos por entre grandeslavras que íamos destruindo, até que chegámos a um trilho. Estava minado e o rebentamentoapanhou dois dos guias da frente: um deles muito ferido nas pernas, não podia andar e ali ficámosaté clarear.Quando rompeu a aurora recomeçámos a marcha, vagarosa com o ferido numa padiola, durantemuitos quilómetros por morros limpos e sempre com receio de sofrer alguma emboscada, até queavistámos ao longe a picada. Entretanto fomos sobrevoados por uma “DO” que indagou se eranecessário algum auxílio, mas nada mais sucedeu e, muito cansados, chegámos à picada ondeestavam os carros-de-combate e algumas viaturas para nos trazer: mas ainda tivemos de esperarpelo resto das viaturas; cada qual deitado para seu lado, a descansar e a encher a barriga de água.De vez em quando, os turras lá disparavam uns tiros; e nós respondíamos, sempre.

Diário da Minha Guerra (na CCav1773)

autor: Vítor Manuel da Silva Abreu © 05Nov201215/16 – editado por JCAS, para o portal UTW

Quando a coluna de 40 viaturas, com mais 2 carros-de-combate, iniciou o regresso aos nossosaquartelamentos, íamos todos a pensar que os turras não se ficavam e contávamos com umagrande emboscada. E assim foi.Mal andamos mais um pouco, começou o estoiro de balas por todos os lados: os turras a fazerfogo com grande intensidade, nós a ripostar com 13 Bredas, 9 metralhadoras MG, bazucas,morteiros, granadas, carros-de-combate, tudo a fazer fogo. O inimigo não se calava e assimestivemos hora e meia, debaixo de fogo. Quando demos conta, de que os turras não abrandavamo tiroteio e nós já com falta de munições, saltámos para o lado das viaturas até sair da zona demorte e assim prosseguimos ao longo de mais três quilómetros, sempre com o inimigo a fazerfogo e nós sempre à espera que alguma bala encontrasse o nosso corpo.Quando ultrapassámos aquele troço, toda a mata ardia e um carro-de-combate já dali tinha saído,porque os turras sobre ele lançaram granadas incendiárias. Passou-se tudo isto, por volta das14:00 de 4 de Janeiro.Quando reentrámos no nosso acampamento, era uma nova vida para nós: bebendo muita cerveja,cansados mas felizes por todos chegarmos com saúde.Falava-se muito do Canacassala e foi desta que ficamos a saber, o que era “o Canacassala”.Para nós, a missão no mato estava quase cumprida: com a consciência tranquila, porque tínhamosvingado um pouco os nossos camaradas mortos.

–– RReessuummiinnddooAlém de todas estas operações, quero deixar aqui também o meu testemunho de uma outra que,por a não ter escrito na altura, não sei datas nem muitos pormenores e já não me lembro.Nessa operação, eu soube o que era a verdadeira fome e sede: fome, por termos de comer erva; esede, por bebermos azeite das latas de conserva.

Também fizémos colunas de protecção aos MVL (Movimento de Viaturas de Logística), queabasteciam o Exército com víveres.Mas tudo o resto – patrulhas, emboscadas, etc. –, se fazia no mato.

Nos momentos de descanso, jogava às cartas e ao loto, escrevia, lia, etc.Na chegada do correio, era uma alegria; mas uma imensa tristeza, quando não recebíamos.O comer era mau, muitas vezes passei fome: querer comer qualquer coisa e não tinha.

Mas o tempo passava-se, era o que era preciso.

Diário da Minha Guerra (na CCav1773)

autor: Vítor Manuel da Silva Abreu © 05Nov201216/16 – editado por JCAS, para o portal UTW

–– 33 ddee FFeevveerreeiirroo ddee 11996699Quando chegaram os “maçaricos” – a tropa que nos ia render –, foi um dos dias mais alegres daminha vida.Nesse dia, apanhei uma grande piela.

–– 1133 ddee FFeevveerreeiirroo ddee 11996699

Já cá em baixo, no Quifangondo e no Cacuaco,a tropa para mim foi boa.

Só os dias é que custavam a passar,sempre com o pensamento na terra, na Família, etc.

Mas tudo há-de passar.

–– 2255 ddee NNoovveemmbbrroo ddee 11996699

A Peluda aproxima-se.

Dou Graças a Deus, por tudo haver corrido bem.