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Diana Maul de Carvalho Professor Associado – Faculdade de Medicina UFRJ UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Faculdade de Medicina Laboratório de História, Saúde e Sociedade

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Diana Maul de CarvalhoProfessor Associado – Faculdade de Medicina UFRJ

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROFaculdade de MedicinaLaboratório de História, Saúde e Sociedade

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O médico Otávio de Freitas (1871-1949), sanitarista, tisiologista,

fundador da Faculdade de Medicina do Recife, em seu livro “As

Doenças Africanas no Brasil” (1935), atribui aos escravizados a

responsabilidade pela introdução no Brasil, de quase todas as

grandes endemias e de muitas doenças epidêmicas. Seu

preconceito é tão óbvio e sua argumentação tão precária que hoje

ninguém o refere para fundamentar análises da situação de saúde

dos africanos no Brasil. No entanto, sua tese, compartilhada por

muitos autores seus contemporâneos, de que a maioria das

doenças infecciosas que se observam no território brasileiro a

partir dos 1500 “migra” da África, sendo a tuberculose uma das

poucas exceções, parece resistir ao tempo.

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A extrema vulnerabilidade dos povos ameríndios aos “agressores

microbianos” trazidos por europeus e africanos, é antiga idéia que

ganha força recentemente com a difusão dos trabalhos de Crosby,

especialmente Imperialismo Ecológico: a expansão biológica da

Europa 900 – 1900 (Crosby,1993). Este autor retoma a teoria do

“gradiente nosológico” (McNeill,1976) e a expande para incluir até

espécies vegetais. Sua argumentação é instigante e parece se

sustentar em alguns contextos. Surpreende, no entanto, a

generalizada aceitação dos efeitos de tal ‘gradiente’ como se esta

argumentação se referisse a alguma ‘verdade biológica’

inconteste. Crosby (1993) parece exagerar o poder explicativo de

seu modelo quando esquece que dificilmente a varíola cruzaria os

oceanos nas velas quinhentistas, a não ser como arma biológica,

e que a maioria das espécies vegetais cruzou os oceanos a partir

de uma intenção e de uma seleção dos homens que as

transportaram.

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o aspecto mais relevante para nós nesta linha de argumentação

é o aparente reforço da visão de um ‘gradiente natural’ que

inclui as populações humanas, correspondente a um ‘gradiente

tecnológico’. O lugar das populações africanas neste modelo é

ambíguo, já que sofre o ‘imperialismo ecológico’ num momento

anterior e a partir do século XVI se torna mais um agente deste

‘imperialismo’ nas Américas. A freqüente aceitação desses

modelos pelos historiadores parece ter subjacente a idéia de

que eles se fundamentam em ‘consensos biológicos’ ou em

resultados de pesquisas aceitos por todos na área da saúde.

Page 6: Diana Maul de Carvalho Professor Associado – Faculdade de Medicina UFRJ UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Faculdade de Medicina Laboratório de História,

Sá e Maia-Herzog (2003) em trabalho sobre a oncocercose, mostram como

a cronologia das descobertas científicas pode condicionar a interpretação

da origem das doenças. Quando o agente etiológico desta doença é

identificado no século XIX, ela é extensamente endêmica no continente

africano e não há relatos das Américas. Alguns anos mais tarde, o inseto

vetor é também identificado na África; e nas Américas, onde ele também é

conhecido, os estudos de então não indicam que transmitisse doenças. Os

primeiros casos americanos são identificados na Guatemala em 1915. A

seqüência dos fatos, a situação da doença naquele momento no mundo, e

a aparente semelhança com outras endemias, tornam ‘natural’ a suposição

da origem africana e do transporte às Américas com o comércio de

escravizados. Vários indícios atualmente submetem esta hipótese a uma

nova discussão.

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As bases do ‘consenso médico-biológico’

A partir dos aportes teóricos do século XIX - notadamente o darwinismo, a

fisiologia de Claude Bernard, e a etiologia infecciosa das doenças a partir

dos trabalhos de Koch e Pasteur - vemos na primeira metade do século XX

a expansão da geografia médica e da higiene; e logo, com as pesquisas

genéticas e a incorporação da estatística ao discurso sobre a saúde e as

doenças, o desenvolvimento da antropologia física, da biotipologia e da

demografia médica. A ascensão social e a crescente atuação política dos

médicos, principalmente dos higienistas, notável no Brasil desde as

últimas décadas do século XIX, contribuem para a difusão de conceitos e

práticas que se cristalizam no senso comum. Assim, quem hoje seria capaz

de duvidar que “é melhor prevenir do que remediar”?

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A geografia médica distribui as doenças por seus espaços próprios como as

espécies animais e vegetais. Gera uma ecologia das doenças, definindo

seus territórios; de onde elas podem ‘migrar’ transportadas por viventes ou

coisas, mas, não mais surgir de forma autônoma em função de uma

‘conjuntura pestilencial’. Os ambientes nocivos, as relações entre pobreza

e doença mediadas pelos ambientes insalubres, passam a ter a mediação

dos micróbios. E os pobres, não mais apenas seus ambientes, passam a ser

portadores das doenças, dos micróbios. As raças e os tipos humanos são

descritos em suas características e propriedades, e hierarquizados segundo

suas capacidades. Finalmente, a explosão demográfica, vista como

resultado da excessiva reprodução dos pobres – mecanismo ‘natural’

compensatório de sua sobremortalidade – ameaça o desenvolvimento

econômico.

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“Foi através do estudo dos perfis - quase retratos - antropológicos

constituídos pelos anúncios de escravos fugidos que enchem

durante quase todo o século XIX os jornais brasileiros do Rio Grande

do Sul ao Pará mas principalmente do Rio de Janeiro, da Bahia, de

Minas Gerais, de Pernambuco, do Maranhão, que verifiquei, há anos,

a predominância entre os mesmos escravos, - pelo menos entre os

que consegui examinar em números representativos - de longilíneos

sobre brevilíneos. Os longilíneos - possível conclusão de ordem

antropológica - seriam os mais arrojados na aventura da fuga ou os

mais insubmissos ao jugo senhoril dos brancos, nas mansões

patriarcais e sobretudo nas minas, nas charqueadas, nas indústrias.

Seriam os mais dinâmicos em contraste com os brevilíneos, com

tendências a sedentários, acomodatícios, estáticos.”

FREYRE, Gilberto. A propósito de retratos: sua importância para a

antropologia. Diário de Pernambuco. Recife, 24 junho 1961.

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“Para o mais-que-economista Rubens Vaz da Costa, o Brasil, país situado

em grande parte em espaço tropical, enfrenta, sério problema

demográfico. Pois o Brasil já é o país com aqueles 20 milhões de ‘carentes

totais’ sem condições de contribuírem para o processo produtivo. Todo um

‘inevitável acúmulo’ - nas palavras do autorizado economista-sociólogo -

de ‘deficiências’ que incluem o número alarmante de menores

abandonados e uma das mais altas mortalidades infantis no mundo. Pelo,

que lhe pareceu mais que oportuno perguntar-se: ‘... não estaria na hora

do Brasil valorizar a qualidade da vida em vez de dar tanta ênfase à

quantidade de vidas?’. O conferencista salientou, a extrema necessidade

de ‘uma redução de ritmo de crescimento demográfico’. FREYRE, Gilberto. Em torno de um problema inquietante. Folha de São

Paulo. São Paulo, 26 mar. 1978. Este artigo antecede em apenas dois anos o censo que mostra significativa

queda da fecundidade no Brasil, fenômeno que seria acentuado nas décadas seguintes.

 

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Em relação ao Brasil pré-colombiano e à entrada de europeus e

africanos após 1500, a medicina consagra alguns postulados: os

ameríndios gozavam de excelente saúde, praticamente

desconhecendo doenças; isto significa que seus ‘territórios’ estavam

livres de agentes de doença (biológicos, físicos ou químicos);

portanto, as doenças que acometem as populações americanas pós-

colombianas são de origem européia ou africana; as doenças

desconhecidas na Europa, devem ter origem africana; as conhecidas,

podem ter origem européia ou africana; como as populações

africanas escravizadas vinham de lugares sem as benesses da

civilização e eram transportadas em condições precárias de higiene,

eram certamente portadoras de maior número de doenças; após a

chegada, as precárias condições de vida a que eram submetidas

garantiam a manutenção de maior risco de adoecer.

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Temos visto nos últimos 10 anos um significativo aumento de

trabalhos envolvendo o uso de novas técnicas de diagnóstico,

cujos resultados nos têm obrigado a repensar estes ‘consensos’

e o contexto de produção das doenças. Assim, trabalhos de

paleopatologia utilizando exames de coprólitos humanos e de

animais, exames de imagem de alta resolução, técnicas de

biologia molecular e modelos matemáticos, têm mostrado que

muitos dos parasitas intestinais hoje encontrados no Brasil, bem

como o parasita da doença de Chagas, já aqui estavam antes de

1500.

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Fig. 3: Índia Tikuna, da região do Alto Solimões; e, um angolano da etnia Chockwe.

Fonte: Jones, 1992

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Fig. 2: Tipos gerais de mutilação encontrados na Sé primacial

Foto do autor

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Mary Karash (2000) em seu notável trabalho sobre a vida dos

escravos no Rio de Janeiro, mostra algumas situações que podem

ilustrar nossa discussão. A autora enfatiza o ambiente mórbido do

Rio de Janeiro: “Assim, a causa essencial da mortalidade dos

escravos cariocas era o próprio ambiente mórbido da cidade”

(p.208). “Em nenhum outro lugar do Brasil os escravos tinham de

sobreviver a uma variedade tão desnorteante de doenças novas”

(p.208) no entanto, a discussão que se segue a respeito da

tuberculose como a principal causa de morte entre os escravos

considera a doença endêmica no Rio de Janeiro e menciona que

‘segundo uma tese médica de 1853, a tuberculose pulmonar era a

principal causa de morte no Rio. Era certamente a causa principal

da morte dos escravos sepultados pela Santa Casa, mas a

população pobre livre da cidade também sofria com ela.’ (p.210)

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A consideração de uma suscetibilidade diferenciada de africanos

e não-africanos à tuberculose é reiterada no texto. No entanto,

os conhecimentos atuais indicam que a tuberculose é uma

‘velha doença’ em todos os quadrantes do planeta, inclusive no

continente americano. No período analisado por Karash, ela não

é endêmica nas cidades européias ou americanas. É epidêmica e

é a principal causa de morte em todas elas, atingindo todas as

camadas sociais, matando adultos jovens; a doença dos poetas,

dos músicos, da Dama das Camélias. Lá como cá, as populações

rurais deslocadas para as cidades com seu ‘ambiente mórbido’

eram especialmente suscetíveis, africanos ou não. E a explosão

da doença e da morte por tuberculose são atribuíveis menos ao

contato com o bacilo do que ao contexto social que muda

radicalmente a expressão da doença.

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Total de Óbitos. Rio de Janeiro, 1845 a 1868

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Razão de mortalidade proporcional entre livres e escravos.Rio de Janeiro. 1845 a 1868.

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Alencastro (2000) mostra outro aspecto dessa questão,

ou seja, como as mudanças de critérios diagnósticos

podem interferir na análise. Discutindo a mortalidade

no tráfico atlântico afirma:

“Conhecido como mal- de- Luanda, o escorbuto fora

diagnosticado no primeiro tratado europeu de medicina

tropical, datado de 1623 e escrito em Luanda pelo

médico alentejano Aleixo de Abreu. Ora, essa doença

se manifesta após quatro a seis meses de carência

alimentar e de insuficiência de vitamina C. Surtos de

escorbuto a bordo indicavam, portanto, que os

africanos estavam subnutridos antes de ser

empurrados para os tumbeiros.”

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A associação mais comum que encontramos foi com o tempo de

viagem, o que mostraria o papel decisivo da máquina a vapor no

seu desaparecimento. No entanto, consultando relatos de viagem

(Boxer,1969, Miceli,1994), verificamos que de fato o tempo total

de viagem foi encurtado, mas não a permanência no mar. Esta,

pelo contrário, nas rotas mercantes e militares, aumentou

constantemente. As naus, caravelas e galeões da rota das Índias,

transatlânticas ou transpacíficas, dependiam dos ventos e das

correntezas e por isso tinham forçosamente épocas preferenciais

de ir e vir. Com freqüência passavam meses no porto esperando

carregar a carga.e os ventos favoráveis. Uma viagem para a Índia

podia durar seis meses ou mais, mas não no mar por mais de

quatro meses, e comumente, mesmo na travessia do Pacífico, no

máximo oito semanas sem aportar (Boxer 1969, Chaunu,1984).

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É interessante a observação de Boxer (1969), citando Diogo

do Couto, de que estas paradas podiam estar relacionadas à

ocorrência de doenças e mortes: “Havia quase

inevitavelmente um elevado número de mortes na viagem

em qualquer das direções se o navio da carreira fizesse

escala, como acontecia freqüentemente, quer

voluntariamente quer por quaisquer outras razões, na ilha de

Moçambique. Entre 1528 e 1558, mais de 30 000 homens

morreram lá, sobretudo por causa da malária e de febres

biliosas, depois de terem desembarcado dos navios da

carreira que fizeram aí escala durante esse período de trinta

anos."

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Além das condições gerais de higiene e de conservação de água e

alimentos, a aglomeração de homens jovens vindos de lugares e

experiências de vida os mais diversos, criava condições para a

ocorrência de surtos de doenças infecciosas. É surpreendente que os

relatos não sejam mais dramáticos e freqüentes, que haja viagens

que tenham cursado sem graves doenças a bordo, e que a letalidade

aparentemente não tenha ultrapassado em média os 50% entre

1500 e 1700 na carreira das Índias.O tempo de viagem da pode

aumentar riscos inerentes a estar a bordo; ou, simplesmente

aumentar a probabilidade de manifestação de fenômenos que não

estão diretamente relacionados com a travessia, pelo aumento do

tempo de observação. Quando destacamos o período da viagem dos

períodos anteriores e posteriores, introduzimos importante viés que

é a consideração implícita de que quem morreu a bordo não teria

morrido se lá não estivesse e que todas as mortes a bordo têm uma

relação de causa e efeito com esta situação.

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Florentino observa que neste mesmo período, aumenta o tempo

de espera dos negreiros na costa africana até a lotação dos

navios. E que esta espera é um pouco maior na região congo-

angolana. Mostra também que o risco de morte começa na

África, nos longos trajetos entre as zonas de captura no interior

e a costa e na espera nos barracões. Nestes últimos ocorrendo

até 20% de perdas e antes, possivelmente muito mais. Novas

perdas ocorriam após a chegada no Brasil. Diz Florentino: "

Certamente, muitos chegavam doentes e pereciam antes de

serem revendidos aos fazendeiros do interior. O enfrentamento

à nova esfera microbiana e a longa jornada até o interior.......".

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É pelo menos tentador especular que as populações africanas

deslocadas por longas distâncias através do continente se

vissem lá também expostas a "novas esferas microbianas", e

que os riscos podiam ser diferentes dependendo de por onde e

para onde eram levadas. O tempo de incubação, a velocidade de

transmissão, a capacidade de esgotamento de suscetíveis no

grupo, se refletem na observação do aparecimento da doença.

Portanto para uma infecção ocorrida em terras africanas, quanto

maior o tempo de deslocamento e de espera no porto, tanto

maior a probabilidade de aparecimento da doença (e portanto a

morte) antes do embarque. Quanto menor o tempo do trajeto,

menor a chance de manifestação da doença quer a infecção se

dê antes ou durante o mesmo.

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O escorbuto na carreira das Indias torna-se um flagelo constante

e é descrito por Sassetti (apud Holanda,1992) em 1583: "Em um

só dia adoeceram a bordo 160 pessoas com inchação das

gengivas que tinham que ser cortadas para poder fechar a boca,

seguia-se inflamação dos joelhos e membros inferiores e por fim,

fortíssima dor no peito que, embora sem proibir a respiração,

punha termo à vida do paciente." É evidente nessas descrições o

caráter agudo e extremamente grave da doença desde seu

início, e também o caráter epidêmico.Tais características não

são compatíveis com o início insidioso da doença carencial e

certamente o caráter epidêmico com quadro uniforme numa

população que não está uniformemente submetida a uma

restrição alimentar, sugere outras possíveis causas.

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Chalhoub (1996) discute a situação de saúde do Rio de Janeiro e a

intervenção higienista em finais do século XIX, e a caracterização das

‘classes perigosas’ em relação às doenças pestilenciais. Debate o

racismo que se constrói com a atribuição de veiculação das doenças

aos africanos e ainda com a suposta resistência destes à febre

amarela. O autor parece concordar com aqueles que consideram

‘explicações biológicas’ à semelhança do que acontece com a

malária. No entanto se trata de situações bem diversas; a seleção do

traço falciforme e a aquisição de ‘imunidade inata’, genética, a uma

infecção viral. Para esta última não há apoio empírico. Por outro lado,

não se documenta a menor gravidade da febre amarela nos escravos

em relação à população branca nativa.

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A ênfase dos discursos, como bem mostra o próprio autor, é na

diferença entre os africanos e os migrantes europeus, que

exaspera os adeptos do branqueamento. A população branca

nativa é irrelevante para esta discussão. Para explicar as

epidemias de febre amarela, ouso dizer que basta considerar os

intensos fluxos migratórios da segunda metade do século XIX, e

que provavelmente a febre amarela grassava endêmica no Rio

de Janeiro há muito tempo.

Assim, mesmo em autores que apontam com clareza o racismo

implícito, ou explícito, de teorias explicativas da ocorrência das

doenças, podemos encontrar sinais sutis da infiltração dos

conceitos do ‘senso comum’ que sustentam a idéia de raças

humanas como ‘fato biológico’.

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RESULTADOSRESULTADOSDistribuição Etária Brasil 1973 a 2000

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100

120

Faixa Etária (anos)

de

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s

F

M

N=663Amplitude etária: 1 a 79 anos (Média=26,62; Mediana=25; Moda=23)79,3% (526) do sexo masculino

Fonte: Gerência Técnica de Febre Amarela/ FUNASA/ MS.

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ATLAS HISTÓRICO DA FEBRE AMARELADISTRIBUIÇÃO DE CASOS POR MUNICÍPIO

BRASIL - 1973 a 1987

ATLAS HISTÓRICO DA FEBRE AMARELADISTRIBUIÇÃO DE CASOS POR MUNICÍPIO

BRASIL - 1973 a 1987

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ATLAS HISTÓRICO DA FEBRE AMARELADISTRIBUIÇÃO DE CASOS POR MUNICÍPIO

BRASIL - 1988 a 1997

ATLAS HISTÓRICO DA FEBRE AMARELADISTRIBUIÇÃO DE CASOS POR MUNICÍPIO

BRASIL - 1988 a 1997

Page 31: Diana Maul de Carvalho Professor Associado – Faculdade de Medicina UFRJ UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Faculdade de Medicina Laboratório de História,

ATLAS HISTÓRICO DA FEBRE AMARELADISTRIBUIÇÃO DE CASOS POR MUNICÍPIO

BRASIL - 1998 a 2000

ATLAS HISTÓRICO DA FEBRE AMARELADISTRIBUIÇÃO DE CASOS POR MUNICÍPIO

BRASIL - 1998 a 2000

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