diagnóstico endodôntico: comparação entre aspectos clínicos e

7
Diagnóstico endodôntico: comparação entre aspectos clínicos e histológicos ORIGINAL | ORIGINAL RESUMO Objetivos: Neste estudo, nos propomos a analisar as alterações histológicas de trinta polpas dentárias correlacionando-as com os acha- dos clínicos para verificar a concordância entre o diagnóstico clínico e histopatológico e contribuir para o conhecimento sobre diagnós- tico endodôntico. Métodos: Utilizando-se a metodologia de Oliveira 4 , as condições pulpares foram classificadas clinicamente como normal, pulpite reversí- vel, pulpite em fase de transição, pulpite irreversível e necrose. Resultados: Foi observada falta de correlação entre os diagnósticos clínicos e histopatológicos nos casos classificados como reversíveis e em fase de transição, os quais histologicamente consistiram de lesões irreversíveis ou alterações degenerativas. Todos os casos classifi- cados clinicamente como irreversíveis corresponderam aos diagnósticos histopatológicos. Conclusão: Concluiu-se que a correlação entre o diagnóstico clínico e histopatológico da polpa dentária se mostra controversa, ainda que a semiotécnica utilizada tenha sido imprescindível para a orientação sobre a irreversibilidade da lesão pulpar. Termos de indexação: polpa dentária; endodontia; histologia. ABSTRACT Objective: In this study, the aim was to analyze the histologic alterations in thirty dental pulps and correlate them with the clinical findings to verify agreement between the clinical and histopathologic diagnosis and contribute to knowledge about endodontic diagnosis. Methods: Using the methodology of Oliveira 4 , the pulpal conditions were clinically classified as normal, reversible pulpitis, pulpitis at the stage of transition, irreversible pulpitis and necrosis. Results: Lack of correlation was observed between the clinical and histopathologic diagnoses in the cases classified as reversible and at the stage of transition, which histologically consisted of irreversible lesions or degenerative alterations. All the cases clinically classified as irreversible corresponded to the histologic diagnoses. Conclusion: It was concluded that the correlation between clinical and histopathologic diagnosis of dental pulp was shown to be controversial, even though the semiotechnique used had been imperative for guidance about the irreversibility of pulpal lesion. Indexing terms: dental pulp; endodontics; histology. Endodontic diagnosis: evaluation between clinical and histological findings Lílian Dantas de Góes SILVA 1 Sílvio ALBERGARIA 1 Paloma Souza GONÇALVES 1 Jean Nunes dos SANTOS 2 1 Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Odontologia. Salvador, BA, Brasil. 2 Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Odontologia. Av. Araujo Pinho, 62, Canela, 40110-150, Salvador, BA, Brasil. Correspondência para / Correspondence to: JN SANTOS ([email protected]). INTRODUÇÃO Um plano de tratamento endodôntico bem sucedido depende de um diagnóstico correto. Nas alterações da polpa dentária humana, os informes necessários para o estabelecimento das suas condições patológicas ficam res- tritos à anamnese, exame clínico, testes de sensibilidade pulpar e avaliação radiográfica. Isto ocorre pelo fato da polpa se encontrar envolvida por paredes de dentina, fato que impede sua visualização direta pelo profissional durante o atendimento clínico. Seltzer et al. 1 propuseram uma classificação clínica para as alterações pulpares baseada na aquisição de sintomas RGO, Porto Alegre, v. 56, n.1, p. 59-65, jan./mar. 2008

Upload: dangthuan

Post on 07-Jan-2017

242 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Diagnóstico endodôntico: comparação entre aspectos clínicos e histológicos

ORIGINAL | ORIGINAL

RESUMO

Objetivos: Neste estudo, nos propomos a analisar as alterações histológicas de trinta polpas dentárias correlacionando-as com os acha-dos clínicos para verificar a concordância entre o diagnóstico clínico e histopatológico e contribuir para o conhecimento sobre diagnós-tico endodôntico.Métodos: Utilizando-se a metodologia de Oliveira4, as condições pulpares foram classificadas clinicamente como normal, pulpite reversí-vel, pulpite em fase de transição, pulpite irreversível e necrose. Resultados: Foi observada falta de correlação entre os diagnósticos clínicos e histopatológicos nos casos classificados como reversíveis e em fase de transição, os quais histologicamente consistiram de lesões irreversíveis ou alterações degenerativas. Todos os casos classifi-cados clinicamente como irreversíveis corresponderam aos diagnósticos histopatológicos. Conclusão: Concluiu-se que a correlação entre o diagnóstico clínico e histopatológico da polpa dentária se mostra controversa, ainda que a semiotécnica utilizada tenha sido imprescindível para a orientação sobre a irreversibilidade da lesão pulpar. Termos de indexação: polpa dentária; endodontia; histologia.

ABSTRACT

Objective: In this study, the aim was to analyze the histologic alterations in thirty dental pulps and correlate them with the clinical findings to verify agreement between the clinical and histopathologic diagnosis and contribute to knowledge about endodontic diagnosis.Methods: Using the methodology of Oliveira4, the pulpal conditions were clinically classified as normal, reversible pulpitis, pulpitis at the stage of transition, irreversible pulpitis and necrosis. Results: Lack of correlation was observed between the clinical and histopathologic diagnoses in the cases classified as reversible and at the stage of transition, which histologically consisted of irreversible lesions or degenerative alterations. All the cases clinically classified as irreversible corresponded to the histologic diagnoses. Conclusion: It was concluded that the correlation between clinical and histopathologic diagnosis of dental pulp was shown to be controversial, even though the semiotechnique used had been imperative for guidance about the irreversibility of pulpal lesion. Indexing terms: dental pulp; endodontics; histology.

Endodontic diagnosis: evaluation between clinical and histological findings

Lílian Dantas de Góes SILVA1 Sílvio ALBERGARIA1

Paloma Souza GONÇALVES1

Jean Nunes dos SANTOS2

1 Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Odontologia. Salvador, BA, Brasil.2 Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Odontologia. Av. Araujo Pinho, 62, Canela, 40110-150, Salvador, BA, Brasil. Correspondência para / Correspondence to: JN SANTOS ([email protected]).

INTRODUÇÃO

Umplanodetratamentoendodônticobemsucedidodepende de um diagnóstico correto. Nas alterações dapolpa dentária humana, os informes necessários para oestabelecimento das suas condições patológicas ficam res-

tritos à anamnese, exame clínico, testes de sensibilidadepulpareavaliaçãoradiográfica.Istoocorrepelofatodapolpase encontrar envolvida por paredes de dentina, fato queimpede sua visualização direta pelo profissional durante oatendimentoclínico.

Seltzeretal.1propuseramumaclassificaçãoclínicaparaasalteraçõespulparesbaseadanaaquisiçãodesintomas

RGO, Porto Alegre, v. 56, n.1, p. 59-65, jan./mar. 2008

60

subjetivos e objetivos, obtidos através da anamnese. Talclassificação deveria habilitar o clínico a considerar osestados patológicos pulpares em: tratáveis e não-tratáveis,referindo-seaescolhadetratamentoconservadordapolpaou sua extirpação. Contudo, é notório que o real estadoinflamatóriodapolpadentáriaapenaspodeserdeterminadoatravés da coleta de material ou biópsia e a avaliaçãohistológicadamesma,oqueimpossibilitariaumtratamentopulparconservador.

Rotineiramente, procedimentos radicais de tra-tamento endodôntico são realizados como forma de solucionarasodontalgiasrelacionadasàpolpa,quandosuascaracterísticas clínicas levam a dúvidas quanto à reversibili-dade da lesão. Entretanto, é visto na literatura quemuitossinaisesintomastradicionalmenteassociadoscomaevoluçãodasdoençaspulparesocorremmaissignificantemente,porémnãoexclusivamente,naspolpasinflamadas2.

Tendoemvistaacorrelaçãoentreinflamaçãopulpare sintomas clínicos ser ainda incerta3,nospropomosaanalisaras alterações histológicas das polpas dentárias de pacientescomindicaçãodetratamentoendodôntico,correlacionando-as com os achados clínicos com a finalidade de verificar aconcordância entre o diagnóstico clínico e histopatológicodapolpadentáriahumanaecontribuirparaoconhecimentosobreodiagnósticoendodôntico.

MÉTODOS

Pararealizaçãodessetrabalhoforamutilizadaspolpasdentárias humanas obtidas depacientes queprocuraramosserviçosodontológicosdadisciplinadeEndodontiaClínicada Faculdade de Odontologia da Universidade Federal daBahia(UFBA),Salvador,Bahia.Aamostragemfoicompostade trintapolpasdedentes unirradiculares, cujo tratamentoindicadofoiapulpectomiaapósexameclínico-anamnésicoeradiográfico.

Na obtenção do diagnóstico clínico empregou-se a semiologia subjetiva e objetiva, sistemática utilizadaporOliveira4.A semiologia subjetiva foi constituída de umconjunto de perguntas ao paciente visando obter respostasrelativas à dor quando presente ou ausente. A semiologiaobjetiva foi realizada utilizando-se métodos clássicos paraobtenção de sinais e sintomas clínicos através dos testesdiagnósticos.Oexame clínico abrangeu inspeção, palpação,percussão,mobilidadeeanáliseradiográfica.Acomprovaçãodevitalidadepulparfoicomplementadaemalgunscasoscom

testes térmicos. As análises radiográficas foram realizadascomusodelupacomumenegatoscópio,paraavaliaroestadoperiodontaleperiapicaldasunidadesdentárias.

Todas as informações foram registradas nas fichasde atendimento clínico que também forneciam dados sobre as condiçõesde saúde geral dospacientes.De acordo comas informações obtidas através da semiologia utilizada, ascondições pulpares foram classificadas clinicamente como:polpanormal,pulpitereversível,pulpitetransicional,pulpiteirreversívelenecrose4,5.

Após o exame clínico-anamnésico, iniciou-se oprocedimentoparaextirpaçãodapolpaatravésdeanestesiainfiltrativa da região do dente, assepsia, abertura e acessoà câmara pulpar coronária com brocas carbides esféricas em alta rotação, refrigeração e isolamento absoluto comdiquedeborracha,deacordocomoprotocoloestabelecidopela disciplina de Endodontia Clínica da UFBA. Fez-sea odontometria, seguida da extirpação pulpar e posteriortratamento endodôntico dos elementos dentários corres-pondentes. Todas as polpas removidas foram fixadas emformalina a 10% e processadas histologicamente atravésda inclusão emparafina e obtençãode cortes de 0,4µmdeespessura que foram submetidos à técnica de coloração pela HematoxilinaeEosina.

Aanálisehistológicadaspolpasdentáriasfoirealizadapor dois examinadores devidamente calibrados utilizandomicroscópio binocular Nikon Eclipse E2000. Os exameshistológicos foram feitos na polpa coronária e na radicularquando possível distinguí-la. Quando não foi possível talseparação foram apenas relevantes as alterações do cortehistológico como um todo. O diagnóstico histológicobaseou-senumaanálisesubjetivaatravésdaquantificaçãodoselementoscelularesedosdistúrbiospresentesnasalteraçõesinflamatórias: hiperemia, edema e hemorragia, bem comodas alteraçõesdegenerativaspulpares: calcificação,fibrose enecrose.Ascondiçõesclínicasehistopatológicasdecadapolpaforam inter-relacionadaspara a verificaçãoda concordânciaentreambosdiagnósticos.

RESULTADOS

No que diz respeito à distribuição do número decasosemrelaçãoaodiagnósticoclínico,nãohouvenenhumcaso com polpa normal. Seis polpas (20%) apresentarampulpite reversível, cinco polpas apresentaram-se em estadodetransição(16,66%),dezessetepolpasapresentarampulpite

l.D.G SILVA et al.

RGO, Porto Alegre, v. 56, n.1, p. 59-65, jan./mar. 2008

61

irreversível(56,66%)eduaspolpastiveramdiagnósticoclínicodenecrose(6,66%).Quantoaodiagnósticohistopatológico,foramverificadasalteraçõesdenaturezainflamatória,alteraçõesde natureza degenerativa e necrose. Ao examinarmos umamesmaamostraquasesemprenãofoipossívelobterapenasumdiagnósticohistológico.

A relação dos casos e seus respectivos estadospulparesclínicosehistopatológicoseainter-relaçãoentreosdiagnósticos estão descritos naTabela 1.Houve correlaçãoentre os diagnósticos clínico e histológico em 33,33% doscasos diagnosticados como reversível. Polpas em estado detransição obtiveram concordância entre os diagnósticos

em 20% dos casos. Pouco mais de 88,23% dos casosirreversíveis apresentaram correlação entre os diagnósticosclínicoehistológicoeoestadodenecroseobteve100%decorrespondência.

DISCUSSÃO

O diagnóstico de qualquer entidade, inclusivedas afecções dentárias pulpares, deve ser correto para aescolha do tratamento adequado6. Entretanto, visto que

Tabela 1.Relaçãodoscasoseseusrespectivosdiagnósticosclínicosehistológicoseainter-relaçãoentreosdiagnósticos.

Diagnóstico endodôntico

RGO, Porto Alegre, v. 56, n.1, p. 59-65, jan./mar. 2008

62

a polpa dentária se encontra encerrada por paredes de dentina, e, portanto, não visível clinicamente, esta tarefatorna-sebastantedifícilparaocirurgião-dentista.Devidoàimpossibilidadedeserealizarbiópsiaparaverificarorealestadopulpar,eaomesmotempotratarapolpadeformaconservadora, o diagnóstico endodôntico baseia-se nasinformações obtidas durante anamnese, exame clínico eradiográfico7.

Embora a polpa apresente elevada capacidade dereparação, este fator anatômico associado à desproporçãoentre a quantidade de tecido frente ao pequeno suprimento sanguíneo podem desfavorecer a resposta inflamatóriafrente às agressões, promovendo uma baixa capacidade derecuperação2.

Clinicamente, a exploração da sintomatologiadolorosa, como forma de avaliação da vitalidade pulpar,deveconstituir rotinanoexamedentário4.Por serapolpadentalumtecidobastantevascularizado,adoréoprincipalsintoma frente às alterações pulpares. Por isto, diversosautores defendem uma classificação clínica com base nasintomatologia dolorosa para tais alterações. Esta levaem consideração as condições de aparecimento, duração,intensidade,freqüênciaelocalização8-10.

Os resultados do presente estudo não mostraram qualquer polpa classificada clinicamente como normal(Tabela 1). Isto já era previsto, pois analisamos apenaspolpas que tiveram indicação de tratamento endodônticoradical pela história clínica de sintomatologia dolorosaexarcebada, ou indicação de reabilitação protética pelaextensa perda dental. SegundoMichaelson&Holland3, ador relacionada aos processos inflamatórios é raramenteexperimentada por uma polpa sadia. Desta forma, nãoexistiuentreanossaamostradenteshígidoscomindicaçãode tratamento endodôntico em função de reabilitação protéticaouestética.

West11 definiu um esquema de diagnóstico comenfoque clínico e propôs tratamento de acordo com a sintomatologia e testes objetivos. Ele enfatizou que esteprotocolo seria baseado na observância cuidadosa dahistória atual e pregressa de dor e em testes clínicos nodente. A hiperemia seria uma condição potencialmentereversível,cujoprincipalsintomaseriadesconfortoimediatorelacionadoaofrio;exarcebadacomofrio.Diferentementeda hiperemia, a pulpite estaria relacionada à dor intensa eprolongadaaocalor,exarcebadacomocalor,muitasvezesaliviadas como frio. Já emcasosdenecrose,ospacientesreportariam sensibilidade dolorosa na história passada dodente,quecessoucomrespostanegativaaostestestérmicos

e elétricos. O autor defendeu tratamento radical para asduascondições.Nopresenteestudo,aclassificaçãoclínicados estados pulpares foi fundamentalmente baseada na sintomatologia dolorosa colhida durante o exame clínico-anamnésico associada aos exames complementares derotina.

Quandoahiperemianãoétratadapodeevoluirparaa pulpite aguda, onde os fenômenos destrutivos evoluemrapidamente com presença de sintomatologia dolorosa, oupulpitescrônicas,emqueotecidopulparpoderáapresentarreaçãodegranulação,permanecendosemsintomatologiaporlongotempo,atéanecrose12,13.

Aamostradestetrabalhoapresentouasduascondiçõesdepulpites,motivoquenoslevouaempregaraclassificaçãoutilizada por Oliveira4 modificada pela classificação clínicade Cohen & Burns5, ao adicionar no grupo das pulpitesirreversíveisoscasosassintomáticos.

Quando a polpa coronária é agredida, elarespondecomainflamação.Estudoshistológicosrecentesconfirmam que mesmo cáries iniciais em esmalte podem levar às alterações morfológicas na polpa dental14. Apersistência de estímulos nocivos pode promover desdea deposição de dentina esclerótica e/ou reparadora pelapolpaaalteraçõesdenaturezainflamatóriaoudegenerativada mesma8,9,15.Todas as polpas obtidas para a realizaçãodeste trabalho apresentaram, histologicamente, taisalterações(Tabela1).

De acordo com De Deus10, histologicamente, asalterações patológicas que afetam a polpa dentária podemser classificadas emduas categorias: inflamatórias (pulpites)e distróficas ou degenerativas (pulposes). As alteraçõesdistróficas são caracterizadas pela redução da capacidadereacional da polpa acompanhada de silêncio clínico, poisraramente são acompanhadas de sintomatologia. Entre oscasosdesteestudoqueapresentaramaoexamehistopatológicotais lesões degenerativas, nove casos (2,8,9,10,11,12,13,16 e18)acusaramclinicamentesensibilidadedolorosa.

A calcificação distrófica é o tipo de degeneraçãotecidual mais freqüente na polpa, que ocorre geralmente,em áreas de degeneração ou necrose prévia do tecido4,16.Neste estudo, esse tipo de degeneração pulpar ocorreu em50% dos casos (Figura 1). De acordo com a literatura, oscálculos pulpares parecem não ter significado clínico, poisnão constituem fonte geradora de dor e não estão associados comasvariedadesdepulpites10.Adespeitodamaiorpartedasamostraspulparesdesteestudoqueapresentaramcalcificaçãonão ter apresentado sintomatologia dolorosa, ainda assim adorfoirelatadaclinicamenteemseiscasos.

l.D.G SILVA et al.

RGO, Porto Alegre, v. 56, n.1, p. 59-65, jan./mar. 2008

63

Figura 1. Calcificação distrófica extensa em polpa dentária com diagnóstico clínicodeirreversibilidade(H/E,40X).

Figura 2. Polpadentáriafibrosadadeindivíduona3ªdécadadevida(H/E,100X).

Figura 3. Polpa dentária com diagnóstico clínico de estado de transição apresentandoinflamaçãocrônicaeiníciodefibrose(Casonº9)(H/E, 100X).

Figura 4. Polpa dentária com diagnóstico clínico de estado de transição apresentandonecrose(Casonº9).(H/E,100X).

Figura 5. Presença de vacúolos de gordura no exame histológico de polpa dentária(H/E,100X).

A fibrose representa uma alteração em que oselementos celulares da polpa são amplamente substituídos portecidoconjuntivofibrosoeaumentamprogressivamentecoma idade.Contudo,neste estudo, entreos12 casosquedemonstraram ter fibrose no exame histopatológico, amaioria estevepresente empolpasde indivíduosna2ª e 3ªdécadasdevida(Figura2).Istoéexplicadopelofatodequeo incremento de colágeno não tem apenas relação direta com oenvelhecimento,masrefleteopassadodapolpaemrelaçãoà irritaçãoeestímulos recebidos, comoemcasosdedentescomenvolvimentoperiodontal,cárie,restauraçõeseoutros17.Çaliskan et al.18, numa avaliação histológica de dentes compulpitehiperplásica,sugeriramquecalcificaçõesirregularesefibroseagiamcomoformadedefesadapolpa,separandoaáreainflamadadopólipodasporçõesmédiaeapicaldapolpa

Diagnóstico endodôntico

RGO, Porto Alegre, v. 56, n.1, p. 59-65, jan./mar. 2008

64

queestavamaparentementenormais.JáRaslan&Wetzel19 as identificaramcomoalteraçõesregressivasdapolpa,resultadodelesõescariosasinstaladasporumlongoperíododetempo.

Duranteoexamehistopatológico,pôde-seperceberquealgumasamostrasapresentaramcombinaçõesdediferentesalteraçõespulpares(Figuras3e4),corroborandocomodadodequeosquadrospatológicosnãosãoúnicosnumamesmapolpa4.IstoéexplicadoporWest11,oqualasseguraqueduranteaevoluçãodoprocesso inflamatório,podehaverdiferençasentreasdiversasregiõesnapolpa.Oautoraindaafirmaqueàmedidaqueaintensidadeinflamatóriaseaprofundanapolpaemdireçãoapical,asintomatologiadolorosaseintensifica.Porsetratardapresençadedor,oautoracimacitadoserefereaosestados inflamatórios agudos.Contudo, no presente estudoapenasfoiencontradocoexistênciadevariedadespatológicasde natureza inflamatória crônica e alterações degenerativas,sem limites demarcados definidos, que levou a diferentesdiagnósticoshistopatológicosnumamesmapolpa.

Nãoobstante o teste de sensibilidade tenha sido degrande importância para o diagnóstico clínico das alteraçõespulpares,estenãosemostroueficazparademonstraraverdadeirasituaçãodesensibilidadeemumcaso (22)danossaamostra.O teste acusou mortificação pulpar, entretanto constatou-sepresençadetecidovivoaosefazeroacesso. Nospareceque este fato pode ser explicado pelo resultado histológicoque demonstrou a parte coronária com necrose de coagulação emprogressãoemaisapicalmenteapresençadetecidovivoecalcificaçãodistrófica.Diversosautoresconcordamqueousodetesteselétricos,térmicosedepalpaçãoajudamaestabelecerumdiagnósticoempírico,porémnenhumdestesécompletamenteseguro,devidoaofatodainexistênciadesinalousintomaquedesigneoestadopatológicodapolpacomprecisão.Alémdisso,a percepção do paciente aos estímulos dolorosos pode ser afetada por fatores psicológicos e emocionais3.

É interessante reportar o curioso fato da presençadevacúolosdegorduranoexamehistopatológicodequatroamostrasnesteestudo(Figura5),jáqueosadipócitosnãosãocomponentescelularesnormaisnapolpadental.Entretanto,recentes estudos têm demonstrado a capacidade de células pulpareshumanassecomportaremcomocélulas-troncoesediferenciarememadipócitos,frenteaosagentesindutores20,21 eprovavelmenteistoexplicaoocorridonestasamostras.

O objetivo deste estudo consistiu em comparar osdiagnósticosclínicosobtidosdepolpasquetiveramindicaçãode tratamento endodôntico radical com seus respectivosdiagnósticos histopatológicos, no intuito de verificar estaconcordância. Os resultados demonstraram dez casos(2,5,7,9,10,11,12,13,18e20)queemboratenhamapresentado

ao exame clínico-anamnésico dados que nos fizeramclassificá-losclinicamentecomoemestadodereversibilidadeoutransição,aoexamehistopatológicofomossurpreendidoscom lesões crônicas ou degenerativas da polpa que nãoestãorelacionadascomadoragudarelatadapelospacientes.Provavelmente, estas unidades sofreram um processo deagudização, que pode ter sido desencadeado por diferentesfatores etiológicos15.

Nesteestudo,oexameclínico-anamnésicocomênfasena observação das características da sintomatologia dolorosaou a ausência da mesma, associada aos outros recursoscomplementares já mencionados, nos ofereceu subsídiosnecessáriosparadefiniraverdadeiracondiçãopulparem66,7%doscasos.Outrosestudostambémobjetivaramcorrelacionaros achados histológicos com os respectivos diagnósticosclínicos;obtendoconcordânciade57,5%22e74%4doscasos.Asemiotécnicautilizadaduranteoexameclíniconosauxilioudemaneirabastantesatisfatóriaquantoasuspeitasobreapossívelirreversibilidade da afecção pulpar nos casos estudados. Istoporque apenas 16,7% da amostra poderia ter recebido umtratamento conservador, ao conhecermos sua verdadeiracondição através do exame histopatológico. O mesmo nãoocorreu comLima et al.23 que verificaram através de análisehistológica,que52%daspolpastratadasradicalmentepoderiamterrecebidoterapêuticaconservadora.

Éválido esclarecerque a classificaçãodas afecçõespulpares como reversíveis e em estado de transição seutilizoudoscritériosclínicosdeavaliaçãodador,quandoemcondiçõesprovocadasouquandoadorcessavacomeventualusodeanalgésicos,comaparecimentoespontâneo.Entretanto,pudemosobservarque72,7%dosdentesenquadradosnestesgrupos ao exame histopatológico demonstraram tambémcondição de irreversibilidade quando da inter-relação dosdiagnósticos. Isto deixa claro que apenas a avaliação dosdadosclínicosreferentesàdornãosemostradefinitivamenteconfiávelquandosepretenderemeterodenteaumtratamentoconservador.

CONCLUSÃO

De acordo com os achados do presente estudo, acorrelação entre o diagnóstico clínico e histopatológico dapolpa dentária ainda se mostra controversa. Entretanto, asemiotécnica utilizada foi imprescindível para a orientaçãosobre a irreversibilidadedas lesõespulpares e, portanto, naatribuiçãodotratamentopulparradicalparaestescasos.

l.D.G SILVA et al.

RGO, Porto Alegre, v. 56, n.1, p. 59-65, jan./mar. 2008

65

Colaboradores

L.D.G. SILVA participou da coleta das amostras,análisedaslâminaseredaçãodotrabalho.S.ALBERGARIAparticipou da orientação quanto à coleta das amostras

e metodologia referente à parte de endodontia. P.S.GONÇALVES participou da coleta e análise de parte dasamostraselâminas,respectivamente.J.N.SANTOSparticipoudaorientaçãoquantoàpartehistológica,leituradaslâminas,bemcomoaredaçãofinaldotrabalho.

REFERÊNCIAS

Seltzer S, Bender IB, Nazimov H. Differencial diagnosis1.of pulpconditions.OralSurgOralMedOralPathol.1965;19(3):383-91.

DummerPM,HicksR,HuwsD.Clinicalsignsandsymptoms2.inpulpdisease.IntEndodJ.1980;13(1):27-35.

MichaelsonPL,HollandGR.Ispulpitispainful?IntEndod3.J.2002;35(10):829-32.

OliveiraLSP.Estudocomparativodosdiagnósticosclínicoe4.histopatológicodaspolpasdentáriashumanas[tese].Natal:UniversidadeFederaldoRioGrandedoNorte;1994.

Cohen S, Burns, RC. Caminhos da polpa. 6ª ed. Rio de5.Janeiro:GuanabaraKoogan;1997.p.759.

BloomHB,LobpriseBC.Endodonticdecisionsbasedon6.clinical appearance. Clin Tech Small Anim Pract. 2001;16(3):133-8.

Alvares S. Fundamentos de endodontia com técnica7.endodôntica.2ªed.SãoPaulo:QuintessenceEditora;1995.p.34.

AraújoNS,AraújoVC. Patologia bucal. SãoPaulo:Artes8.Médicas;1984.p.88-93.

Ingle,JI,LangelandK.Etiologiaeprevençãodainflamação9.pulpar, necrose e distrofia. In: Ingle JI, Taintor JF.Endodontia.3ªed.RiodeJaneiro:Interamericana;1989.p.291-333.

DeDeusQD. Endodontia. 5ª ed. Rio de Janeiro:Médsi;10.1992.p.695.

West JD. Endontic diagnoses. Mistery or mastery?. Dent11.Today.2004;23(5):80-7.

Filgueiras J,MelloC. Patologia da polpa dentária. Rio de12.Janeiro:ACasadoLivro;1944.p.200-12.

Moraes SC. Alterações pulpares. Odontólogo Moderno.13.1980;7(3):22-33.

LeeYL,LiuJ,ClarksonBH,LinCP,GodovikovaV,Ritchie14.HHetal.Dentin-pulpcomplexresponsestocariouslesions.CariesRes.2006;40(3):256-64.

PaivaJG,AntoniazziJH.Endodontia:basesparaaprática15.clínica.2ª.ed.SãoPaulo:ArtesMédicas;1988.p.37-43.

YamamotoH,GomiH,KozawaY,YamauraY,Matsushima16.K,YamazakiMetal.Acomparativestudybetweenclinicalandpathologicaldiagnosisusingextirpatedpulps.JNihonUniSchDent.1987;29(3):196-202.

StanleyHR,RanneyRR.Agechangesinthehumandental17.pulp.Thequantityof collagen.Oral SurgOralMedOralPathol.1962;15(11):1396-405.

ÇaliskanMK,OztopF,Çaliskan,G.Histologicalevaluation18.of teeth with hyperplastic pulpitis caused by trauma orcaries:casereports.IntEndodJ.2003;36(1):64-70.

Raslan N, Wetzel WE. Exposed human pulp caused by19.trauma and/or caries in primary dentition: a histologicalevaluation.DentTraumatol.2006;22(3):145-53.

GronthosS,BrahimJ,LiW,FisherLW,ChermanN,Boyde20.A et al. Stem cell properties of human dental pulp stemcells.JDentRes.2002;81(8):531-5.

YangXC,FanMW.Identificationand isolationof human21.dental pulp stem cells. ZhonghuaKouQiangYiXueZaZhi.2005;40(3):244-7.

Cardoso Neto PL, Lima N, Berbet A, Moraes N. Poder22.de resoluçãodos exames clínicos e dopulpohemogramacomparados com o histopatológico, no diagnóstico eorientação terapêutica da polpa dentaria. Rev EstomatolCult.1974;8(1):13-9.

Lima ACFA, Moraes VR, Garrocho AA. Pulpotomia:23.alternativaàexodontia.ArqCentroEstudCursoOdontol.1986;23(1-2):19-33.

Recebidoem:9/8/2007Versãofinalreapresentadaem:17/10/2007

Aprovadoem:16/1/2008

Diagnóstico endodôntico

RGO, Porto Alegre, v. 56, n.1, p. 59-65, jan./mar. 2008