casos clÍnicos ufpr

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA RELATÓRIO DE CASOS CLÍNICOS ACOMPANHADOS DURANTE ESTÁGIO PRÉ-PROFISSIONAL SUPERVISIONADO REALIZADO NO CENTRO MÉDICO VETERINÁRIO VETSAN CURITIBA 2007

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Page 1: CASOS CLÍNICOS UFPR

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA

RELATÓRIO DE CASOS CLÍNICOS ACOMPANHADOS

DURANTE ESTÁGIO PRÉ-PROFISSIONAL SUPERVISIONADO REALIZADO NO CENTRO MÉDICO VETERINÁRIO VETSAN

CURITIBA 2007

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2

PRISCILA SANDRINI AQUIM

RELATÓRIO DE CASOS CLÍNICOS ACOMPANHADOS DURANTE ESTÁGIO PRÉ-PROFISSIONAL SUPERVISIONADO

REALIZADO NO CENTRO MÉDICO VETERINÁRIO VETSAN

Monografia apresentada para conclusão do Curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Paraná. Supervisor: Prof. Dr. Antônio Felipe P. F. Wouk

CURITIBA 2007

Page 3: CASOS CLÍNICOS UFPR

iii

A todos aqueles que acompanharam esta longa jornada

Page 4: CASOS CLÍNICOS UFPR

iv

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais por sempre acreditarem em mim.

À minha irmã pela compreensão.

Ao meu noivo, por sempre me levantar nos momentos mais difíceis.

Ao professor Felipe Wouk por acreditar na minha competência profissional.

A minha orientadora, Dr.ª Emanoele, pela paciência com as minhas dúvidas.

A equipe Vetsan pela recepção de braços abertos.

E finalmente aos meus amigos Ângela, Amanda, Daniela e Marcelo por tornar

estes cinco anos mais divertidos.

Page 5: CASOS CLÍNICOS UFPR

v

O que é verdade é facilmente Inteligível,

e, no entanto, ninguém entende,

e ninguém aceita.

(Lao-Tsé)

Page 6: CASOS CLÍNICOS UFPR

vi

SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS ........................................................................................ viii

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 10

2. OBJETIVOS ................................................................................................. 11

3. CASO CLINICO 1: DOENÇA VALVAR CONGENITA .................................. 12

3.1 Histórico.................................................................................................. 12

3.2 Exame físico ........................................................................................... 12

3.3 Revisão Bibliográfica do Caso ................................................................ 15

3.3.1 Eletrocardiografia ............................................................................. 16

3.3.2 Ecocardiografia ................................................................................ 16

3.3.3 Exames Radiográficos ..................................................................... 16

3.3.4 Causas, Prevalência e Classificação da Cardiopatia Congênita...... 17

3.3.5 Insuficiência Valvar Crônica ............................................................. 18

3.3.6 Displasia da Valva Mitral .................................................................. 19

3.3.7 Tratamento e Prognóstico ................................................................ 20

3.4 Discussão do Caso 1.............................................................................. 21

4. CASO CLINICO 2: OBSTRUÇÕES GENITOURINÁRIAS............................ 22

4.1 Histórico.................................................................................................. 22

4.2 Exame físico ........................................................................................... 22

4.3 Histórico.................................................................................................. 24

4.4 Exame físico ........................................................................................... 25

4.5 Revisão Bibliográfica .............................................................................. 27

4.5.1 Causas Comuns de Retenção Urinária ............................................ 28

4.5.2 Sinais Clínicos.................................................................................. 29

4.5.3 Exames Complementares ................................................................ 30

4.5.4 Tipos de Urólitos .............................................................................. 32

4.5.5 Tratamento....................................................................................... 33

4.6 Discussão do Caso 2.............................................................................. 35

5. CASO CLÍNICO 3: LEISHMANIOSE VISCERAL ......................................... 36

5.1 Histórico.................................................................................................. 36

5.2 Revisão Bibliográfica .............................................................................. 39

5.2.1 Sinais Clínicos.................................................................................. 41

5.2.2 Diagnóstico ...................................................................................... 41

Page 7: CASOS CLÍNICOS UFPR

vii

5.2.3 Tratamento....................................................................................... 42

5.3 Discussão do Caso 3.............................................................................. 42

6. CONCLUSÕES ............................................................................................ 43

7. GLOSSÁRIO ................................................................................................ 45

8. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 46

Page 8: CASOS CLÍNICOS UFPR

viii

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: NINA, FÊMEA, CANINO, DACHSHUND, 2 ANOS 1...................... 12

FIGURA 2 – RADIOGRAFIA EM DECÚBITO LATERO-LATERAL DIREITO... 13

FIGURA 3– MATERIAL RETIRADO DA BEXIGA URINÁRIA DO PACIENTE. 23

FIGURA 4– ALTERAÇÕES PRESENTES NAS PAREDES INTERNA E

EXTERNA DA BEXIGA .................................................................................... 24

FIGURA 5: CLEO,FÊMEA, CANINO, YORKSHIRE, 6 ANOS.......................... 25

FIGURA 6 – CÁLCULO SENDO RETIRADO DA BEXIGA URINÁRIA ............ 26

FIGURA 7 – COMPARAÇÃO DE TAMANHO ENTRE O CÁLCULO E UMA

SERINGA DE 3ML ........................................................................................... 27

FIGURA 8: BILLY, CANINO, SRD, 7 ANOS..................................................... 36

FIGURA 9 – LESÕES VISÍVEIS NAS PÁLPEBRAS E DESPIGMENTAÇÃO DO

FOCINHO......................................................................................................... 37

FIGURA 10 – LESÃO ERITEMATOSA INTERDIGITAL, ONICOGRIFOSE..... 38

FIGURA 11- ESPLENOMEGALIA.................................................................... 39

FIGURA 12 - FÍGADO COM BORDOS IRREGULARES ................................. 40

Page 9: CASOS CLÍNICOS UFPR

ix

RESUMO Diversos autores publicam diferentes formas de diagnóstico e tratamento das mais variadas doenças, cada um de acordo com sua própria experiência e conhecimento prévio. Já os clínicos fazem seus diagnósticos e tratamentos baseados em tentativa e erro vividos ao decorrer de sua vida profissional. O objetivo deste trabalho foi comparar as informações obtidas na literatura com os procedimentos realizados durante o estágio supervisionado em uma clínica veterinária de Curitiba. O resultado obtido mostra que a escolha do tratamento é similar a que se encontra na literatura, mas os exames diagnósticos sofrem uma grande perda devido a fatores financeiros dos proprietários dos animais enfermos.

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10

1. INTRODUÇÃO

O estágio supervisionado de conclusão de curso foi realizado no período

de setembro a novembro no Centro Médico Veterinário Vetsan, sob a

orientação da médica veterinária Emanoele Bittencourt Gerceski, nas áreas de

clínica médica e cirúrgica.

Este relatório contém a descrição de três casos clínicos acompanhados

pela autora durante o período do estágio, os casos foram escolhidos pela

mesma devido ao interesse despertado e a importância clínica dos casos.

O primeiro caso envolve uma canina fêmea de dois anos de idade que

chegou à clínica apresentando dificuldade respiratória, secreção nasal e vinha

emagrecendo progressivamente. O diagnóstico inicial foi cardiopatia ainda a

esclarecer e efusão pleural. O animal foi medicado e permaneceu internado na

clínica pelo período de 24 horas, onde apresentou uma melhora significativa,

mas os proprietários insistiram para levar o animal para casa e infelizmente

alguns dias após a alta hospitalar o animal retornou e foi a óbito.

O segundo caso envolve dois animais que chegaram à clínica com

queixa de dificuldade para urinar. Skol, um cão de médio porte estava com a

bexiga urinária repleta e apresentava dor à palpação abdominal. Um exame

ultrassonográfico foi realizado e observou-se a presença de cálculos na uretra

peniana e na bexiga urinária. Cleo, uma fêmea de pequeno porte, apresentava

hematúria e polaciúria e ficou internada para a tentativa de colheita de urina

para urinálise. Durante o exame de ultrassom, um cálculo vesical de

aproximadamente 2 centímetros foi observado. Os dois animais foram

encaminhados para cirurgia e os urólitos foram retirados. Uma terapia com

antibióticos e antiinflamatórios seguiu o procedimento e os pacientes

receberam alta hospitalar, mas deviam seguir as recomendações alimentares

para pacientes renais.

O terceiro caso trata de um animal proveniente de Sergipe que chegou à

clínica com queixa de intenso prurido nas pálpebras e lesões descamativas

alopécicas e ulceradas nos membros anteriores. O cão sofreu um

procedimento cirúrgico para a correção do defeito palpebral e alguns meses

depois voltou apresentando o mesmo problema. Uma biópsia de pele foi

Page 11: CASOS CLÍNICOS UFPR

11

realizada e o exame foi positivo para Leishmania sp., mais alguns exames

como hemograma e citologia do linfonodo poplíteo e medular foram feitos. Os

resultados foram positivos e compatíveis com leishmaniose visceral. O centro

de zoonoses de Curitiba foi notificado e foi realizada a eutanásia do animal.

2. OBJETIVOS Este relatório tem como objetivo fazer uma revisão bibliográfica dos

procedimentos, métodos de diagnóstico e tratamentos descritos na literatura e

compara-los ao que ocorre na prática em uma clínica veterinária, e também se

estes procedimentos são necessários para o diagnóstico final e decisão de

tratamento dos pacientes.

A área escolhida foi a de clínica médica e cirúrgica devido a maior

casuística e ao interesse pela área.

Page 12: CASOS CLÍNICOS UFPR

12

3. CASO CLINICO 1: DOENÇA VALVAR CONGENITA 3.1 Histórico

Proprietário refere que há 2 semanas o animal vem apresentando

secreção nasal bilateral serosa e apatia, além de emagrecimento e hiporexia.

Foi avaliada anteriormente por outros médicos veterinários, mas não foi

determinado um diagnóstico e um tratamento não foi instituído. Atualmente

nega o uso de medicações. Refere a um episódio convulsivo há 1 mês e o

último cio há 2 semanas.

FIGURA 1 - FÊMEA, CANINO, DACHSHUND, 2 ANOS 1

3.2 Exame físico

Temperatura – 38.4

Auscultação cárdio pulmonar – Ruído de roçar pleural, ritmo cardíaco de

galope com dissociação de pulso periférico, sopro em foco mitral, porém,

devido ao quadro respiratório não foi possível detectar o grau e correta

classificação do mesmo.

Dispnéia mista

Mucosas róseas

1 Todas Figuras, e/ou Tabelas que não estiverem as fontes mencionadas foram realizados pela Autora.

Page 13: CASOS CLÍNICOS UFPR

13

Na auscultação traqueal, percebe-se presença de grande quantidade de

líquido.

Foi recomendado um exame radiográfico de tórax (Anexo 1).

FIGURA 2 – RADIOGRAFIA EM DECÚBITO LATERO-LATERAL DIREITO.

Na radiografia foi observada perda de definição da silhueta cardíaca,

aumento da radiopacidade intratorácica compatível com presença de líquido

livre em cavidade torácica e evidências de edema pulmonar cardiogênico.

A suspeita foi uma cardiopatia ainda a esclarecer mais efusão pleural

devido aos achados radiográficos e ao exame físico.

Apesar de o animal ser jovem, os achados clínicos são compatíveis com

Insuficiência Valvar Mitral Crônica (IVMC). Esta é a doença cardíaca mais

comum em cães e estima-se que seja responsável por 75% a 80% das

cardiopatias. A prevalência da IVMC é dependente da idade: de 1% a 5% dos

casos ocorrem em cães jovens, com idade inferior a um ano, e 75% em cães

com idade superior a 16 anos. A IVMC acomete todas as raças de porte

Page 14: CASOS CLÍNICOS UFPR

14

pequeno a médio, como Poodle, Dachshund e Cavalier King Charles Spainel

são acometidos de forma mais rotineira. (HÄGGSTRÖM, 2004).

O animal permaneceu internado por um período de 24 horas e foi

realizado um eletrocardiograma e aferida a pressão arterial (Anexo 2). Foi

medicado com Furosemida Subcutâneo (4mg/kg TID), Enalapril Via Oral (0.5

mg/kg BID), Digoxina Via Oral (Elixir – 0,005mg/kg – feito 80% da dose).

A furosemida foi utilizada por ser um potente diurético, então sua função era

diminuir a quantidade de liquido presente no interstício pulmonar. Além de seus

efeitos diuréticos, a furosemida atua como venodilatador, reduzindo a pressão

venosa antes que ocorra diurese (KITTLESON, 2004). O Enalapri foi utilizado

por ser um vasodilatador e o animal estava hipertenso, cães com cardiopatias

que apresentam valores de pressão arterial no limite superior devem ser

tratados como animais hipertensos, pois o músculo cardíaco já está se

desgastando para manter os batimentos e a quantidade de sangue ejetada

dentro da normalidade. A digoxina foi utilizada para aumentar a força de

contração do músculo cardíaco. Os digitálicos atuam como agentes inotrópicos

positivos, alteram a sensibilidade dos barorreceptores, também podem produzir

diretamente diurese e diminuir a liberação de renina (KITTLESON, 2004).

Recebeu alta hospitalar e permaneceu sob supervisão diária e restrição

de atividades físicas.

No momento da liberação, o paciente se encontrava melhor, mas ainda

apresentava certa dificuldade respiratória, havia a necessidade de permanecer

internado, mas os proprietários foram relutantes e decidiram levar o animal

para casa mesmo sabendo que ainda havia riscos para a saúde dela.

Recomendado para tratamento em casa

- Sildenafil 2,5mg TID

-Espirolonactonactona 9mg/ml – 1ml BID

-Furosemida 40mg BID ou TID

-Digoxina Elixir pediátrico – 0,4ml BID

-Lotensin 5mg BID

Três dias depois o animal retornou, apresentando dificuldade para

dormir e dispnéia. As medicações estavam sendo administradas corretamente

com exceção das medicações manipuladas, sildenafil e digoxina. No exame

Page 15: CASOS CLÍNICOS UFPR

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físico foi notada a presença de novo edema pulmonar e por este motivo foi feita

a aplicação de furosemida e aminofilina subcutâneas.

A administração de furosemida passou a ser TID, foi feita alimentação forçada,

pois animal não estava se alimentando, recomendou-se restrição total de

movimentos.

Infelizmente o animal veio a óbito dois dias após última consulta.

3.3 Revisão Bibliográfica do Caso

Malformações do coração e dos grandes vasos adjacentes constituem

uma porcentagem pequena, mas clinicamente significativa, de distúrbios

cardiovasculares nos cães e gatos. As etiologias, a patogenia e os tipos de

defeitos nos animais são paralelos àqueles nos humanos (ETTINGER et al,

2004).

Os sinais clínicos dos animais afetados podem ser observados como

crescimento lento; falta de ar; tosse; distensão abdominal; cianose; fraqueza;

síncopes ou convulsões, e até mesmo morte súbita. Muitos são assintomáticos

até ocorra uma descompensação aguda (FOX et al, 1999).

A anamnese e o exame físico são de alta importância para o diagnóstico

do paciente cardiopata, uma avaliação não-invasiva geralmente é

suplementada por radiografia torácica, eletrocardiografia e testes

hematológicos rotineiros. Com base nessas avaliações, o diagnóstico

anatômico pode ser feito, mas a determinação da gravidade e o diagnóstico

definitivo quase sempre requerem ecocardiografia Doppler e podem exigir

cateterização cardíaca e angiocardiografia (NELSON E COUTO, 2005).

São muitas as formas de doenças cardíacas congênitas e, de uma

maneira geral, elas podem ser divididas em: doenças obstrutivas de via de

saída ventricular, como nas estenoses aórtica e pulmonar; desvios de

circulação sistêmica a pulmonar, que ocorrem nos defeitos septais e na

persistência do ducto arterioso; e defeitos de valvas átrio-ventriculares, como

nos quadros de displasia de mitral e tricúspide. Doenças complexas, como a

tetralogia de Fallot, são ainda menos comuns e constituem minoria dos casos.

Em cães, a forma mais comum de cardiopatia congênita é a persistência

de ducto arterioso (PDA), seguida pelas estenoses aórtica e pulmonar, nessa

Page 16: CASOS CLÍNICOS UFPR

16

ordem; os defeitos septais, as displasias de valvas átrio-ventriculares e a

tetralogia de Fallot ocorrem em menor escala (CORDEIRO E DE MARTIN,

2002).

3.3.1 Eletrocardiografia

O ECG pode fornecer informação valiosa nos cães e gatos com

cardiopatia congênita. Enquanto o ECG normal não descarta malformação

cardíaca, o ECG anormal quase sempre indica, no mínimo, o lado do coração

que está acometido e pode sugerir um ou mais defeitos específicos. Por

exmplo, um eixo QRS no plano frontal normal com voltagens QRS aumentadas

é típico de PDA, mas torna a possibilidade de haver estenose pulmonar ou

displasia tricúspide muito improvável (SISSON et al, 2004).

3.3.2 Ecocardiografia

A imagem ultra-sonográfica do coração e de seus grandes vasos é

considerada um dos componentes do conjunto de exames direcionados à

detecção de cardiopatias (SOUSA et al, 2006).

A ecocardiografia é particularmente indicada no estudo da anatomia e da

função valvares – permitindo avaliar a existência e a severidade de valvopatias

e suas conseqüências hemodinâmicas -, e no estudo da anatomia e da função

miocárdicas – fornecendo informações sobre a contratilidade cardíaca. Esse

método também auxilia na visualização de efusões pericárdicas, estimando sua

quantidade, e detecta cardiopatias congênitas, trombos e neoplasias.

(CORDEIRO E DE MARTIN, 2002).

3.3.3 Exames Radiográficos

Radiografias simples do tórax são importantes para a determinação do

tamanho cardíaco, identificação inicial do aumento da câmara e do tamanho

Page 17: CASOS CLÍNICOS UFPR

17

dos grandes vasos, dinâmica circulatória pulmonar e insuficiência cardíaca

congestiva (FOX et al, 1999).

A avaliação radiográfica é mais bem conduzida em conjunto com o ECG

e, quando possível com o ecocardiograma. Radiografias torácicas fornecem um

bom indicador geral da gravidade da cardiopatia congênita quando a condição

básica caracteriza-se por sobrecarga de volume a partir de desvio da esquerda

para direita ou de insuficiência valvar. Este não é o caso, entretanto, para

obstrução do fluxo de saída, para hipertensão pulmonar ou para desvio da

direita para esquerda, nos quais a hipertrofia ventricular é concêntrica e mais

apreciada pela ecocardiografia (ETTINGER et al, 2004).

3.3.4 Causas, Prevalência e Classificação da Cardiopatia Congênita

Defeitos cardíacos congênitos podem ser causados por fatores

genéticos, toxicológicos, nutricionais, infecciosos, ambientais e farmacológicos

(FOX et al, 1999). Embora a maioria desses fatores tenha sido estudada em

laboratório, pouco se sabe sobre o papel dos fatores não-genéticos na

ocorrência de cardiopatias congênitas espontâneas nos cães e nos gatos.

Embora predisposições raciais tenham sido sugeridas para determinadas

malformações nos gatos, a evidência de uma base genética é mais forte em

cães, nos quais a base hereditária de vários defeitos em determinadas raças foi

comprovada (SISSON et al, 1999).

Tanto a prevalência quanto as associações raciais relatadas para

defeitos cardíacos congênitos no cão e no gato apresentam variações

nacionais e regionais. A maioria das pesquisas relatou que o PDA é a

malformação mais comum no cão e que o DAS ou a displasia valvular

atrioventricular é mais comum entre os gatos; entretanto, nas últimas duas

décadas a estenose subaórtica aumentou de modo gradual, tornando-se o

defeito diagnosticado mais comum nos cães em muitas regiões do mundo

(ETTINGER et al, 2004).

Page 18: CASOS CLÍNICOS UFPR

18

3.3.5 Insuficiência Valvar Crônica

As lesões características da IVC são causadas por uma degeneração

estrutural adquirida crônica das valvas atrioventriculares, definidas como

endocardiose ou degeneração mixomatosa. Os achados iniciais são pequenos

nódulos ao longo da margem livre das cúspides. Com a progressão, os nódulos

se coalescem, tornando-se maiores, aparecem áreas de opacidade na

superfície valvar e a borda livre da cúspide torna-se espessada e irregular. As

cordas tendinosas ficam espessadas no ponto de união com a valva,

alongadas e podem romper-se levando a uma borda livre solta ou um folheto

vibrante. Na microscopia eletrônica, há proliferação mixomatosa da valva, com

sua camada esponjosa muito proeminente e a quantidade de

glicosaminoglicanos elevada (KVART E HÄGGSTRÖM, 2004).

A doença valvar degenerativa pode não resultar em manifestações

clínicas por anos, sendo que alguns cães nunca desenvolvem sinais de

insuficiência cardíaca. Naqueles que desenvolvem, os sinais geralmente estão

relacionados à redução da tolerância ao exercício e à congestão e edema

pulmonares. A reduzida capacidade de exercício e tosse ou taquipnéia ao

exercício são queixas iniciais comuns apresentadas pelo proprietário.

Conforme a congestão pulmonar e o edema intersticial pioram, a freqüência

respiratória em repouso também aumenta. A tosse ocorre à noite e no início da

manhã, bem como a atividade. O edema grave resulta em óbvia angústia

respiratória, frequentemente acompanhada de tosse úmida. Manifestações de

edema pulmonar grave podem desenvolver-se gradualmente ou subitamente.

Episódios intermitentes de edema pulmonar sintomático, intercalados por

períodos de insuficiência cardíaca compensada ocorridos ao longo de meses a

anos, também são comuns (NELSON E COUTO, 2005).

Episódios de franqueza temporária ou colapso agudo (síncope) podem

ocorrer secundariamente às arritmias, à tosse ou ao rompimento atrial.

Manifestações de regurgitação tricúspide, frequentemente ofuscadas por

aquelas da doença mitral, incluem ascite, angústia respiratória devido à efusão

pleural e, raramente, edema tecidual periférico. Manifestações gastrointestinais

podem acompanhar a congestão esplâncnica (SOARES et al, 2005).

Page 19: CASOS CLÍNICOS UFPR

19

O eletrocardiograma pode indicar a presença de aumento do átrio

esquerdo ou biatrial e de dilatação ventricular, apesar de o traçado ser

frequentemente normal. Características típicas de aumento ventricular direito

são verificadas, ocasionalmente, em cães com regurgitação tricúspide grave.

Arritmias são comuns em cães com doença avançada, principalmente

taquicardia sinusal, complexos supraventriculares prematuros, taquicardias

supraventriculares paroxísticas ou sustentadas, complexos ventriculares

prematuros e fibrilação atrial. Estas arritmias podem estar associadas à

insuficiência congestiva descompensada, fraqueza ou síncope (SOARES et al,

2005).

3.3.6 Displasia da Valva Mitral

As malformações congênitas do aparelho valvar mitral incluem

encurtamento ou alongamento excessivo das cordoalhas tendíneas,

espessamento, rompimento ou encurtamento das cúspides valvares, prolapso

dos folhetos valvares, músculos papilares malformados ou deslocados em

direção superior e dilatação excessiva do anel valvar. A displasia da valva

mitral é mais comum em cães de porte grande e também ocorre em gatos. A

regurgitação valvular é a anomalidade funcional predominante e pode ser

grave. A fisiopatologia e as seqüelas são geralmente as mesmas daquelas de

animais com regurgitação mitral adquirida (NELSON E COUTO, 2005).

Estenose do orifício da valva mitral é incomum e coexiste com

regurgitação. A obstrução ao enchimento ventricular aumenta a pressão atrial

esquerda e pode precipitar o desenvolvimento de edema pulmonar (SOARES

et al, 2005).

Com exceção da baixa faixa etária do animal afetado, os sinais clínicos

observados na maioria dos animais com displasia mitral são semelhantes

àqueles vistos em cães idosos, com doença valvar mitral degenerativa grave.

Intolerância ao exercício, sinais respiratórios de insuficiência cardíaca

congestiva esquerda, anorexia e arritmias atriais (especialmente fibrilação

atrial) comumente se desenvolvem em tais animais. O sopro sistólico de

regurgitação mitral é auscultado sobre o ápice esquerdo (SISSON et al, 2004).

Page 20: CASOS CLÍNICOS UFPR

20

O tratamento consiste em controle clínico dos sinais de insuficiência

cardíaca congestiva. O prognóstico é ruim. Pode ser possível a reconstrução

cirúrgica ou a troca da valva (NELSON E COUTO, 2005).

3.3.7 Tratamento e Prognóstico

Apesar de procedimentos cirúrgicos como a anuloplasia mitral, outras

técnicas de reparo valvar e reposição de valva mitral estarem dispiníveis em

alguns centros de referência, na maioria dos casos é utilizado o tratamento

medicamentoso. Os principais objetivos da terapia medicamentosa são o

controle dos sinais de insuficiência cardíaca congestiva, melhora no débito

cardíaco, a redução do volume regurgitante e a modulação da ativação

neurormonal excessiva, a qual contribui para o processo da doença (KVART E

HÄGGSTRÖM, 2004).

Drogas que diminuem o tamanho do ventrículo esquerdo (por exemplo,

diuréticos, vasodilatadores, agentes inotrópicos positivos) podem reduzir o

volume regurgitante por diminuírem o tamanho do anel mitral. Os

vasodilatadores arteriolares melhoram o débito cardíaco e diminuem o volume

regurgitante por reduzirem a resistência arteriolar sistêmica. Em muitos cães

com regurgitação mitral avançada (com ou sem regurgitação tricúspide), a

estabilidade clínica pode ser mantida por meses a anos com a terapia

apropriada, apesar da freqüente reavaliação e do ajuste da medicação

tornarem-se necessários conforme a doença progride (SOUSA et al, 2006).

Apesar de os sinais congestivos surgirem gradualmente em alguns cães,

o edema pulmonar grave e os episódios de síncope desenvolvem-se

rapidamente em outros. Muitos cães que recebem terapia crônica para

insuficiência cardíaca têm episódios intermitentes de descompensação que

podem ser controlados com sucesso. A terapia deve ser adequada para cada

cão e guiada pelo seu estado clínico, pela natureza dos fatores complicadores

e pelo seu histórico de medicações (NELSON E COUTO, 2005).

Page 21: CASOS CLÍNICOS UFPR

21

3.4 Discussão do Caso 1

O tratamento instituído foi de acordo com os sinais clínicos que o

paciente estava apresentando, tanto que em 24 horas começou a surtir efeito,

infelizmente por causa da relutância do proprietário não foi possível estabilizar

o animal antes da liberação.

A indicação de um ecocardiograma foi feita, mas por falta de recursos

financeiros dos proprietários não foi possível realizar o exame. A realização do

mesmo poderia fechar o diagnóstico definitivo, pois as estruturas cardíacas e

adjacentes seriam observadas cuidadosamente. Este exame deveria ser mais

acessível para a medicina veterinária, pois com ele seria mais rápido

diagnosticar malformações cardíacas em pacientes ainda jovens. O tratamento

poderia ser instituído antes de qualquer dano maior ao organismo do animal, e

assim, a expectativa de vida seria maior.

Page 22: CASOS CLÍNICOS UFPR

22

4. CASO CLINICO 2: OBSTRUÇÕES GENITOURINÁRIAS

4.1 Histórico

O proprietário relatou que o animal, um canino macho de

aproximadamente 2 anos, apresentava dificuldades para urinar, disúria e

hematúria há 1 dia. Não observou outras alterações. Como adquiriu este

animal da rua há cerca de 3 meses não soube relatar sobre seu histórico.

Negou traumas e uso de medicações. Um outro colega foi consultado

anteriormente e indicou o uso de antiinflamatórios e recomendou o

procedimento cirúrgico (cistotomia).

4.2 Exame físico

Temperatura – 38,9º

Auscultação cárdio pulmonar – Bulhas normofonéticas e normorítmicas, sem

sons de sopro ou roce pleural.

Palpação abdominal – Bexiga urinária bastante distendida e apresentou

desconforto à palpação.

Mucosas róseas

Hidratação normal.

Suspeita clínica: Cálculo uretral, cálculo vesical, cistite bacteriana e inflamatória

e cálculos em ambas as localizações.

Recomendado Ultra sonografia.

O ultrassom revelou cálculos em uretra peniana e bexiga urinária,

mostrou também que a próstata estava lobulada. Após a realização do

ultrassom foi indicada orquiectomia e cistotomia.

Foi realizada sondagem uretral e lavagem vesical com sonda número 4

e solução fisiológica, logo após houve aplicação de Amoxicilina e Clavulanato

de potássio por via intramuscular na dose de 20mg/kg.

A urina apresentava a coloração vermelha, e o volume retirado foi de

aproximadamente 220 ml, uma amostra foi enviada para urinálise e o resultado

se encontra em anexo. (Anexo 3)

Page 23: CASOS CLÍNICOS UFPR

23

Na sedimentoscopia foi observada a presença de eritrócitos, leucócitos,

cilindros, bactérias e cristais de fosfato triplo e fosfato amorfo, condizentes com

estruvita.

A orquietocmia foi indicada devido ao aspecto prostático no ultrassom, e

devido ao estrangulamento que poderia estar causando na uretra, aumentando

as chances de obstrução.

As seguintes medicações foram prescritas:

- Meloxicam 7,5mg (1/2 comp SID, 6 dias)

- Amoxicilina + Clavulanato Potássio 500 mg (1 comp BID, 21 dias no mínimo)

- Dipirona 500 mg (1 comp TID)

O meloxicam foi prescrito para diminuir a inflamação existente na bexiga

do paciente e na tentativa de diminuir o desconforto que o animal estava

sentindo. Já a amoxicilina e o clavulanato de potássio foram utilizados para

acabar com a infecção instalada no trato urinário, não foi realizado um

antibiograma por opção do proprietário. A dipirona foi prescrita como

analgésico, para diminuir a dor que o paciente sente devido à infecção.

Durante o procedimento cirúrgico observou-se a presença abundante de

um material provavelmente resultante de cristais urinários e descamação da

bexiga (plugs).

FIGURA 3 - MATERIAL RETIRADO DA BEXIGA URINÁRIA DO PACIENTE

Page 24: CASOS CLÍNICOS UFPR

24

A parede interna e externa do órgão encontrava-se muito alterada, com sinais

de infecção crônica.

FIGURA 4 – ALTERAÇÕES PRESENTES NAS PAREDES INTERNA E EXTERNA DA BEXIGA

Recomendou-se a utilização de Vitamina C para acidificar a urina e evitar a

formação de possíveis cálculos e tampões. O pH da urina encontrado foi 7,0, o

que indica a formação de estruvita.

4.3 Histórico

Animal chegou a clinica apresentando hematúria e polaciúria. Há quatro

dias foi avaliado e apresentava um quadro de diarréia líquida e mucosa sem

causa definida e estava sob o tratamento com Sulfadimetoxina e Dimetridazol.

Não havia probabilidade de efeitos colaterais da medicação anteriormente

prescrita.

Page 25: CASOS CLÍNICOS UFPR

25

FIGURA 5 - FÊMEA, CANINO, YORKSHIRE, 6 ANOS

4.4 Exame físico

Mucosas e linfonodos normais; temperatura 37,5º; tensão

impossibilitando a palpação abdominal, mas aparentemente o animal não

apresentava dor.

O animal foi internado para coleta de urina, mas durante a

ultrassonografia observou-se um cálculo vesical com cerca de 2 centímetros.

Não foi possível coletar a urina, pois a bexiga apresentava-se vazia e devido à

polaciúria não ocorria repleção suficiente para a coleta. Foi indicada a

realização de uma cistotomia para retirada do cálculo.

Page 26: CASOS CLÍNICOS UFPR

26

FIGURA 6 – CÁLCULO SENDO RETIRADO DA BEXIGA URINÁRIA

Resultado da análise do cálculo:

Exame físico:

Dimensões: 1,8x 1,7x 1,1 cm

Forma: arredondada

Cor: esbranquiçada

Superfície: lisa

Consistência: pétrea

EXAME QUÍMICO

Carbonato: positivo

Oxalato: positivo

Fosfato: positivo

Cálcio: positivo

Magnésio: positivo

Amônio: positivo

Urato: negativo

Cistina: negativo

CONCLUSÃO

Carbonato e oxalato de cálcio, Fosfato amoníaco magnesiano.

Foi receitada ração Royal Canin Renal até novas recomendações,

retorno para urinálise. O laboratório não determinou qual a composição do

núcleo e da parede do cálculo.

Page 27: CASOS CLÍNICOS UFPR

27

FIGURA 7 – COMPARAÇÃO DE TAMANHO ENTRE O CÁLCULO E UMA SERINGA DE 3ML

4.5 Revisão Bibliográfica

Durante o armazenamento da urina, a bexiga deve permanecer relaxada

e acomodar o enchimento, enquanto o orifício de saída mantém uma

resistência adequada para impedir o vazamento. Durante o esvaziamento, a

bexiga deve contrair-se com força e duração suficientes para esvaziar

completamente, enquanto o orifício de saída relaxa e permite o fluxo livre de

urina. Os distúrbios de armazenamento da urina geralmente levam à

incontinência urinária, enquanto a interrupção da eliminação normal de urina

leva ao esvaziamento incompleto e à retenção urinária (LANE, 2004).

As conseqüências da eliminação afuncional de urina dependem da

cronicidade do problema e do grau de retenção urinária. A azotemia pós-renal,

a acidose metabólica e a hipercalemia podem ser conseqüências com risco de

vida da obstrução urinária completa aguda. A ruptura do trato urinário também

é possível. Com uma obstrução intermitente ou parcial prolongada, os quadros

de disfunção renal, hidronefrose, hidroureter e atonia de detrusor resultam da

pressão intraluminal elevada. As infecções do trato urinário são comuns e

Page 28: CASOS CLÍNICOS UFPR

28

ascendem com facilidade em direção ao trato superior (NELSON E COUTO,

2005).

A avaliação completa da urina de pequenos animais é indicada quando

há suspeita de alterações que envolvam o sistema urinário, ou como exame

auxiliar para diagnóstico de outras doenças. Os resultados podem indicar,

juntamente com dados do histórico e do exame físico do paciente, disfunções

como: insuficiência renal, infecção do trato urinário, doenças e neoplasias

renais, além de cristalúria de importância clínica (BASTOS E BICALHO, 2003).

Os patógenos bacterianos mais comuns associados às Infecções do

Trato Urinário nos caninos são Escherichia coli, Staphylococcus,

Streptococcus, Enterococcus, Enterobacter, Proteus, Klebsiella e

Pseudomonas. E. coli é o isolamento mais comum nas urinas caninas e felinas.

Acredita-se que a maioria das infecções bacterianas do trato urinário sejam

causadas pela flora intestinal ou cutânea que ascende para a bexiga pela

uretra. Embora muitos organismos entéricos sejam anaeróbios, a tensão de

oxigênio na urina provavelmente inibe o crescimento estrito de bactérias

anaeróbias, portanto, raramente elas causariam as infecções do trato urinário

(NELSON E COUTO, 2005).

4.5.1 Causas Comuns de Retenção Urinária

a. Falha da função contrátil do detrusor

A disfunção do detrusor geralmente se desenvolve como seqüela de

disfunção neurológica ou distenção vesical excessiva. Nas lesões supra-

sacrais da medula espinhal, as vias sensoriais e motoras do reflexo da micção

são interrompidas, enquanto o tônus do esfíncter estriado (externo) está

preservado ou exagerado. A bexiga está firmemente distendida e, muitas vezes

difícil de comprimir. Com o tempo, a função vesical pode retornar por meio do

reflexo sacral, mas a eliminação da urina geralmente é involuntária, incompleta

e incoordenada com o relaxamento do orifício de saída (dissinergia do

detrusor-uretral). Com a lesão nos seguimentos da medula sacral ou nos

nervos pélvicos e pudendos, as funções vesicais motoras e a maior parte das

sensoriais perdem-se, assim como a contratilidade do esfíncter do músculo

Page 29: CASOS CLÍNICOS UFPR

29

estriado. O tônus do esfíncter liso (interno) pode ser preservado e estabilizado,

permitindo uma continência parcial. A bexiga em geral está grande, flácida e

variavelmente passível de compressão (LANE, 2004).

b. Resistência Imprópria À Saída

A obstrução anatômica à saída é a causa mais comum de obstrução

urinária em cães e gatos. Esse problema geralmente é o resultado de

urolitíase, tampões uretrais, neoplasia ou cistos prostáticos ou abscessos

extensos. A obstrução uretral funcional pode desenvolver-se como

conseqüência de causas neurogênicas ou não-neurogênicas. A espasticidade

do esfíncter uretral (músculo liso ou estriado) desenvolve-se de modo mais

freqüente após inflamação uretral ou estímulos dolorosos. Os distúrbios

obstrutivos funcionais idiopáticos são observados em humanos e,

ocasionalmente, encontrados em cães. São clinicamente similares à obstrução

anatômica, mas não pode ser constatada nenhuma lesão obstrutiva ou

neurológica. O diagnóstico é mais bem fornecido por meio de estudos de

micção que comprovam o fluxo da urina prejudicado ou a atividade do esfíncter

inadequada durante períodos de contração vesical (LANE, 2004).

4.5.2 Sinais Clínicos

As queixas apresentadas podem incluir falha para urinar, polaciúria,

hematúria, estrangúria, bloqueio na eliminação de urina, jato de urina fraco,

incontinência urinária, infecção recidivante do trato urinário, distensão

abdominal ou dor abdominal. Na obstrução completa prolongada, os sinais de

uremia pós-renal podem predominar, incluindo letargia, desidratação, choque e

vômito. Com disfunção do detrusor ou obstrução parcial à saída, o

extravasamento de urina pode ser observado à medida que a bexiga se torna

superdistendida e a pressão intravesicular excede a resistência à saída (LANE,

2004).

As informações da anamnese devem incluir detalhes a respeito da

idade, do estado reprodutivo, de doença neurológica prévia, de trauma ou

cirurgia (envolvendo principalmente o trato urinário, o abdome caudal, a pelve

Page 30: CASOS CLÍNICOS UFPR

30

ou a genitália externa), do consumo hídrico e dos padrões de eliminação de

urina. As infecções prévias do trato urinário, os episódios de urolitíase, outras

doenças sistêmicas e as medicações administradas devem ser registradas

(NELSON E COUTO, 2005).

Durante o exame físico geral, a genitália externa deve ser examinada em

busca de evidência de lesão, conformação anormal, massas ou escaldadura

pela urina. Deve-se fazer um esforço para avaliar o tamanho e o tônus vesicais

antes e após micção voluntária (ETTINGER et al, 2004).

A inflamação do trato urinário inferior geralmente resulta em polaquiúria,

estrangúria ou disúria, e hematúria visível ou microscópica. Os achados de

urinálise compatíveis com uma ITU inferior são bacteriúria, hematúria, piúria e

número aumentado de células epiteliais transicionais no sedimento urinário.

Além disso, pode-se observar uma concentração de proteína urinária

aumentada e urina alcalina. Entretanto, as bactérias, assim como as outras

anormalidades do sedimento urinário, nem sempre são observadas durante a

avaliação do sedimento urinário em animais com uma ITU bacteriana,

principalmente se a urina estiver hipo ou isostenúrica. Por isso as culturas

bacterianas de urina devem ser feitas para se confirmar a presença e o tipo de

bactéria. Da mesma forma, estudos demonstraram que a triagem de urina

canina com os ensaios de esterase leucocitária das tiras reagentes

comercialmente disponíveis não é confiável, e a taxa de falso-negativos pode

ultrapassar 10% na ausência de uma avaliação do sedimento urinário (Bastos e

Bicalho, 2003). Algumas tiras reagentes urinárias também apresentam área de

nitrato para detecção de bactérias redutoras de nitrato, mas este também se

mostrou impreciso em caninos e felinos (NELSON E COUTO, 2005).

4.5.3 Exames Complementares

O exame neurológico superficial deve ser incluído durante o exame

físico para avaliar o estado mental, a marcha, a força, a propriocepção dos

membros posteriores, a postura da cauda e a sensibilidade perineal. O arco

reflexo sacral pode ser avaliado, ainda, pressionando-se delicadamente a

glande do bulbo ou a vulva, o que deve levar a uma contração visível do

Page 31: CASOS CLÍNICOS UFPR

31

esfíncter anal. A avaliação neurológica adicional (radiografia, eletromiografia,

mielografia) é justificada se forem observados déficits (LANE,2004).

A cateterização urinária é um método útil para avaliar o volume de urina

residual (normalmente de 0,2 a 0,4 mL/kg em cães) e a patência da uretra e do

colo vesical. Em geral, um cateter urinário flexível, plástico e de pequeno

diâmetro deve ser avançado delicadamente em direção à uretra, observando-

se cuidadosamente a presença de resistência ou fricção. Nos distúrbios

obstrutivos funcionais ou na atonia primária do detrusor, um cateter de

tamanho apropriado deve progredir facilmente no estado de repouso. As

exceções incluem lesões pequenas ou excêntricas que possam ser desviadas

com pouca dificuldade; urólitos pequenos e soltos podem ser recuados em

direção à bexiga sem resistência aparente. Em animais com doença prostática

ou cistos ou massas flutuantes, a uretra pode sofrer colapso, mas pode ser

facilmente transpassada com um cateter de polipropileno. A ultra-sonografia e

a uretrografia contrastada podem ser necessárias para descartar

completamente obstrução anatômica (NELSON E COUTO, 2005).

Indicam-se urinálise completa e cultura da urina quando for encontrada

retenção urinária. A presença de hematúria e piúria pode apoiar o trauma do

trato urinário devido à urolitíase ou neoplasia ou pode indicar infecção

bacteriana secundária. Os resultados do hemograma e do perfil bioquímico

sérico podem incluir ou excluir causas metabólicas de fraqueza muscular,

fornecer indícios para distúrbios poliúricos e detectar a gravidade de uma

azotemia pós-renal (BASTOS E BICALHO, 2003).

A radiografia de pesquisa pode ser suficiente para a identificação de

urólitos radiopacos, doença lombossacra, trauma pélvico e massas abdominais

caudais e pélvicas. A ultra-sonografia é uma ferramenta valiosa para a

avaliação de rins, ureteres, bexiga, colo vesical e próstata; cálculos, cistos ou

abscessos, massas de tecido mole e coágulos sanguíneos são facilmente

observados. A cistouretrografia contrastada pode ser útil para delinear o colo

vesical e a uretra. Os estudos ideais são obtidos por meio da injeção retrógrada

de material de contraste em oposição a uma bexiga moderadamente repleta

(LANE,2004).

A sedimentoscopia é utilizada para a detecção de células inflamatórias e

de descamação, cilindros, microorganismos, cristais e outros elementos. Na

Page 32: CASOS CLÍNICOS UFPR

32

urinálise de rotina a microscopia é importante, pois permite identificar

componentes essenciais para o diagnóstico de alterações do sistema

urogenital que não podem ser identificadas ao exame macroscópico (BASTOS

E BICALHO, 2003).

4.5.4 Tipos de Urólitos

Em geral, é possível palpar os urólitos localizados na bexiga e na uretra

durante o exame abdominal ou retal; entretanto, a inflamação e o

espessamento da parede vesical podem mascarar a presença de urólitos

pequenos. Nos caninos machos com disúria, a uretra deve ser palpada por via

subcutânea, desde o arco isquiático até o osso peniano, à procura de urólitos

uretrais. A presença dos mesmos pode ser confirmada por ultra-sonografia ou

radiografias simples e contrastadas do trato urinário. Os urólitos de oxalato de

cálcio ou de estruvita apresentam maior radiopacidade; ao passo que os

urólitos de urato são relativamente radiotransparentes, sendo necessárias

radiografias contrastadas para o seu diagnóstico. Os urólitos de sílica e de

cistina têm uma radiodensidade intermediária (NELSON E COUTO, 2005).

Urina supersaturada é considerada um pré-requisito para a formação de

cálculos de estruvita. Infecções do trato urinário com bactérias que produzem

urease que resultam em hiperamoniúria, hiperfosfatúria, hipercarbonatúria e a

urina alcalinizada aumentam a concentração de estruvita sobre os outros

produtos (KLAUSNER et al, 1981).

A estruvita é o componente mineral predominante em aproximadamente

80% dos cálculos removidos de cães nos Estados Unidos. Sessenta por cento

dos casos ocorrem em cadelas de 4-7 anos de idade. Os cálculos de estruvita

estão localizados mais frequentemente na bexiga urinária, e são geralmente

associados com infecção no trato urinário inferior causada por Staphilococcus

spp. ou Proteus spp. (RINKARDT E HOUSTON, 2004).

Cálculos de oxalato de cálcio são mais frequentemente achados na

bexiga urinária e em menor quantidade no trato urinário superior, são mais

comuns em machos adultos e de raça pequena. A urolitíase de oxalato de

cálcio não está associada com infecção do trato urinário. Várias condições

Page 33: CASOS CLÍNICOS UFPR

33

estão associadas ao aparecimento deste tipo de cálculo, como por exemplo,

hiperparatireoidismo, hiperadrenocorticismo, hipervitaminose D e hipercalcemia

paraneoplástica (DOLINSEK, 2004).

4.5.5 Tratamento

O tratamento das ITU é a antibioticoterapia, que deve controlar o

crescimento de bactérias patogênicas por tempo suficiente para permitir que os

mecanismos de defesa do hospedeiro possam evitar a colonização do trato

urinário sem a necessidade de mais antibióticos. Embora seja aconselhável

avaliar a sensibilidade bacteriana aos fármacos antimicrobianos, o tratamento

de ITU´s agudas e não-complicadas geralmente é feito considerando-se fatores

econômicos e cronológicos. Se um antibiograma não for possível, a escolha do

antibiótico deve ser feita com base na identificação da bactéria ou com as

características da coloração de Gram da bactéria. Na falta do antibiograma,

segue-se uma lista com os fármacos de escolha para o tratamento de

infecções de certas bactérias: E.coli, sulfatrimetoprim ou enrofloxacina;

Proteus, amoxicilina; Staphylococcus, amoxicilina; Streptococcus spp.,

amoxicilina; Enterobacter spp, sulfatrimetoprim ou enrofloxacina; Klebsiella

spp., primeira geração de cefalosporinas ou enrofloxacina; e Pseudomonas

spp., tetraciclina. Se a identidade da bactéria for desconhecida, o tratamento

deve ser determinado com base nas características da coloração de Gram, por

exemplo, ampicilina, amoxicilina ou amoxicilina-ácido clavulânico para

bactérias gram-positivas e sulfatrimetoprim ou enrofloxacina para bactérias

gram-negativas (NELSON E COUTO, 2005).

Os princípios para o tratamento das urolitíases incluem o alívio da

obstrução uretral e descompressão da bexiga, se for necessária. Isto

geralmente pode ser obtido pela passagem de um cateter com pequenos

orifícios, por cistocentese, deslocamento do cálculo uretral por uro-

hidropropulsão ou por uretrotomia de emergência (DOLINSEK, 2004). A

fluidoterapia deve ser iniciada para restaurar o equilíbrio hídrico e eletrolítico,

se a azotemia pós-renal estiver presente. A hipercalemia é um distúrbio

eletrolítico com potencial risco de vida, que pode ocorrer em caninos e felinos

Page 34: CASOS CLÍNICOS UFPR

34

com azotemia pós-renal causada por obstrução uretral ou ruptura da bexiga

urinária ou da uretra. A concentração sérica de potássio, bem como as

concentrações sangüíneas de nitrogênio uréico e de creatinina, deve ser

mensurada em caninos e felinos com obstrução uretral presumida.

Alternativamente, bradicardia e alterações eletrocardiografias de ondas P

achatadas, prolongado intervalo PR, complexos QRS alargados e ondas T

altas ou com picos são sugestivos de hipercalemia e indicam a necessidade de

um tratamento intensivo para diminuir a concentração sérica de potássio

(NELSON E COUTO, 2005).

A dieta também é uma maneira de prevenir e eliminar os cálculos

existentes (quando os mesmos são formados por estruvita). Uma dieta

calcolítica típica para cálculos de estruvita consiste em acidificar a urina, o que

aumenta a solubilidade da estruvita, e diminui o substrato para as bactérias que

produzem uréase além de diminuir as concentrações de magnésio e fósforo. A

diurese é aumentada através da adição de cloreto de sódio e dos níveis

menores de proteína na dieta. A ingestão de dietas com restrição de proteína

leva a uma diminuição sérica dos níveis de uréia nitrogenada, e

subsequentemente, desenvolvimento de concentrações baixas de uréia na

medula renal. Isto resulta na produção de uma urina mais diluída. Além disso,

diminuindo a concentração da urina também diminui a concentração de

substâncias calculogênicas (RINKARDT E HOUSTON, 2004).

Os cálculos de oxalato de cálcio podem ser controlados através de uma

dieta que diminua a concentração de cálcio e oxalato na urina, que promova a

alta concentração de inibidores da formação de cristais e que diminua a

concentração urinária. A proteína da dieta deve ser restrita a 10-18% na base

de matéria seca (MS), o sódio dietético deve ser menor do que 0,3% MS, pois

a excreção de sódio está intimamente ligada à excreção de cálcio, portanto, o

aumento da excreção de um leva ao aumento da excreção do outro. Isto

também inclui evitar alimentar os animais com sobras humanas e guloseimas

para os cães, que tendem a ter uma alta concentração de sódio. O cálcio da

dieta deve ser restringido, suplementos de vitaminas D e C devem ser evitados,

pois o primeiro aumenta a absorção intestinal de cálcio e o segundo serve

como um precursor para o oxalato. Dietas que promovam uma urina

relativamente alcalina (pH 6.8 a 7.0) são utilizadas para minimizar a formação

Page 35: CASOS CLÍNICOS UFPR

35

de cristais de oxalato de cálcio. Por último, o animal deve ser encorajado a

ingerir água, e está deve estar disponível em vários locais da residência

(DOLINSEK, 2004).

4.6 Discussão do Caso 2

Um dos pontos mais importantes nos casos de urolítiases e cistites é

tirar a dor do paciente, principalmente se o urólito estiver localizado em um dos

rins. O controle da infecção é importante para evitar complicações como

nefrites e pielonefrites, a ascensão de bactérias da bexiga urinária para os rins.

Pacientes já diagnosticados com alterações urinárias devem retornar no

mínimo a cada seis meses para reavaliação e uma nova bateria de exames,

incluindo hemogragra, função bioquímica, urinálise, sedimentoscopia. Com

estes exames o clínico poderá fazer os ajustes necessários na dieta e

suplementos que o animal possa estar ingerindo, evitando assim reincidivas.

Page 36: CASOS CLÍNICOS UFPR

36

5. CASO CLÍNICO 3: LEISHMANIOSE VISCERAL

5.1 Histórico

Animal chegou à clínica com queixa coceira intensa nos olhos, chegou a

provocar escoriações nas pálpebras superiores, chegando a ter perda tecidual,

mais observada em olho direito. Apresentou também lesão eritematosa discreta

em coxim do membro torácico direito. Um procedimento cirúrgico foi indicado

para a correção das pálpebras.

FIGURA 8 - CANINO, SRD, 7 ANOS

FONTE: VETSAN

A cirurgia correu bem e os defeitos foram corrigidos, a lesão do olho

direito tinha cerca de 1,5 cm e do olho esquerdo cerca de 0,3 mm, ambas em

margem palpebral. Os seguintes medicamentos foram recomendados: Lexin

300 3/4 comprimidos BID até novas recomendações, por no mínimo sete dias;

Maxicam 0,5mg 1 1/2 comprimido SID, por dois dias; Allergovet 0,7mg 1

comprimido BID até novas recomendações.

Page 37: CASOS CLÍNICOS UFPR

37

FIGURA 9 – LESÕES VISÍVEIS NAS PÁLPEBRAS E DESPIGMENTAÇÃO DO FOCINHO

FONTE: VETSAN

O animal voltou á clínica novamente coçando a pálpebra superior direita,

começaram a surgir lesões de pele alopécicas, descamativas e simétricas em

cotovelo e região temporal. Os coxins continuavam com discreta perda tecidual

devido ao prurido, exceto no membro pélvico direito. Para verificar qual a causa

de tanto prurido e das lesões, uma biópsia de pele foi indicada.

O exame foi realizado, retirando-se três fragmentos por punch em região

periocular, interdigital e cotovelo. Durante o mesmo procedimento foi feita uma

orquiectomia, onde o testículo esquerdo se apresentava bem maior que o

direito e estava localizado no anel inguinal. A área apresentava maior irrigação

que o normal e os testículos estavam bastante aderidos.

O resultado da biópsia foi positivo para Leishmaniose cutânea (Anexo 4).

Em vista do quadro clínico e do resultado do exame histopatológico, foi iniciada

uma investigação para o diagnóstico definitivo de leishmaniose cutânea ou da

forma visceral. Foi realizada coleta de sangue para hemograma, função

hepática e renal e exame sorológico; citologia por agulha fina de linfonodo

poplíteo e punção medular para exame citológico.

Page 38: CASOS CLÍNICOS UFPR

38

FIGURA 10 – LESÃO ERITEMATOSA INTERDIGITAL, ONICOGRIFOSE

FONTE: VETSAN

O exame de hemograma indicou anemia arregenerativa, a função

hepática detectou hiperglobulinemia e não foram observadas alterações no

exame de função renal e na atividade das enzimas hepáticas. A sorologia

indicou título de 1:40, embora baixo, este título indica a positividade para

leishmaniose. O aspirado de linfonodo poplíteo demonstrou a presença se

formas amastigotas de Leishmania sp. , assim como a citologia do aspirado

medular.

Frente ao resultado dos exames, com o diagnóstico de leishmaniose

visceral, o Centro de Controle de Zoonoses de Curitiba foi notificado e foi

realizada a eutanásia do animal. Logo em seguida foi realizada a necropsia, na

qual se evidenciou esplenomegalia severa e aumento de linfonodo

mesentérico.

Page 39: CASOS CLÍNICOS UFPR

39

FIGURA 11- ESPLENOMEGALIA

FONTE: VETSAN

5.2 Revisão Bibliográfica

Os cães, considerados os principais reservatórios fora do ambiente

silvestre, são de grande importância na manutenção do ciclo da doença. Essa

importância advém do fato de ser, a leishmaniose, mais prevalente na

população canina que na humana, uma vez que os casos humanos

normalmente são precedidos por casos caninos, e porque os cães apresentam

uma maior quantidade de parasitos na pele do que o homem, o que favorece a

infestação dos vetores. A prevalência de leishmaniose em cães em áreas

endêmicas pode atingir de 20 a 40% da população. Acredita-se que, em áreas

com altos índices de infecção em cães, a prevalência na população humana

varie de 1 a 2% (FEITOSA et al, 2000).

Os promastigotos flagelados da Leishmania sp. Desenvolvem-se no

mosquito pólvora e são injetados no hospedeiro vertebrado quando o mosquito

se alimenta. Os promastigotos são fagocitados pelos macrófagos e

disseminam-se pelo corpo. As lesões cutâneas contendo amastigotas (não-

flagelados) desenvolvem-se após um período de incubação de um mês a sete

anos; os mosquitos-pólvora são infectados durante o repasto sanguíneo.

Gamopatias policlonais (e ocasionalmente monoclonais); proliferação de

macrófagos, histiócitos e linfócitos nos órgãos linforreticulares; e formação de

imunocomplexos resultando em glomerulonefrite e poliartrite são manifestações

Page 40: CASOS CLÍNICOS UFPR

40

comuns das respostas imunes contra o microorganismo intracelular (LAPPIN,

2004).

Estudos mais recentes apontam à possibilidade da participação do carrapato

Rhipicephalus sanguineus na transmissão da Leishmania chagasi. Os

carrapatos são potenciais vetores de patógenos, são amplamente distribuídos

e abundantes, possuem alta longevidade e taxas reprodutivas e são capazes

de manter uma densidade populacional alta (COUTINHO et al, 2005).

FIGURA 12 - FÍGADO COM BORDOS IRREGULARES

FONTE: VETSAN

Além disso, não são controlados efetivamente por predação, parasitismo

ou mecanismos imunológicos do hospedeiro (COUTINHO et al, 2005).

Estudos feitos na França em 1930 demonstraram a capacidade do

Rhipicephalus sanguineus em se infectar com Leishmania e manter esta

infecção experimentalmente, assim como sua habilidade em transmitir o

protozoário através de inoculação de carrapatos triturados em roedores

(COUTINHO et al, 2005).

Page 41: CASOS CLÍNICOS UFPR

41

Outros fatores como a alta prevalência de Leishmaniose visceral canina

e as baixas taxas de infecção humana, também a dificuldade de encontrar

sítios de reprodução de mosquitos pólvora nas cidades, leva a conclusão que

pode existir um mecanismo de transmissão de L.chagasi para cães e outro

para humanos (COUTINHO et al, 2005).

5.2.1 Sinais Clínicos

Os sinais clínicos da doença no cão e no homem são similares e

inespecíficos, como febre irregular por longos períodos, anemia, perda

progressiva de peso e caquexia no estágio final. Os animais acometidos podem

apresentar linfoadenomegalia generalizada e hepatoesplenomegalia,

alterações dermatológicas, onicogrifose, lesões renais, hepáticas, pulmonares,

cardíacas, locomotoras, neurológicas, oculares e diáteses hemorrágicas. É

possível observar animais com quadro de diarréia crônica e melena, devido à

presença de ulcerações de mucosa gástrica e intestinal. A enterite pode ser

resultado de um dano parasitário direto ou conseqüência de uma insuficiência

renal (IKEDA et al, 2003)

A anemia ocorre também devido à perda de sangue, à lise de hemácias

ou pela diminuição da eritropoiese decorrente de hipoplasia ou aplasia

medular. Esses quadros anêmicos podem ser agravados por perda de sangue

ou diminuição da meia vida das hemácias associada à produção de auto-

anticorpos, que leva ao seqüestro esplênico. As contagens de eritrócitos

podem ser muito baixas, sendo a anemia geralmente normocrômica e

normocítica (IKEDA et al, 2003).

5.2.2 Diagnóstico

Podemos observar hiperglobulinemia, hipoalbuminemia, proteinúria,

atividades elevadas das enzimas hepáticas, trombocitopenia, azotemia,

linfopenia e leucocitose com desvio à esquerda. Estas são alterações

clinicopatológias comuns associadas com a leishmaniose em cães (LAPPIN,

2004).

Page 42: CASOS CLÍNICOS UFPR

42

O diagnóstico definitivo depende da observação do parasita amastigota

em esfregaços ou raspados de pele infectada ou de linfonodos ou em biópsias

medulares (URQUHART, 1996).

5.2.3 Tratamento

Por se tratar de uma antropozoonose, não é indicado tratar os cães

infectados. Mas o tratamento com antimoniato de meglumina, o

estibogluconato sódico, a anfotericina B lipossômica e o alopurinol são os

tratamentos prescritos mais comumente. O tratamento é feito principalmente

nos Estados Unidos e na Europa, locais onde a leishmaniose humana não é

endêmica (LAPPIN, 2004). O prognóstico é variável; a maioria dos casos é

recorrente. Os cães com insuficiência renal apresentam prognóstico ruim. Os

títulos de anticorpos podem ser usados para avaliar a eficácia da terapia

(XAVIER et al, 2006).

5.3 Discussão do Caso 3

Os casos de leishmaniose no sul do Brasil tendem a aumentar se a

participação do carrapato Rhipicephalus sanguineus for comprovada, por este

motivo, os clínicos que entrarão no mercado de trabalho agora devem estar

alertas para fazer o diagnóstico diferencial quando um animal chega

apresentando algum problema dermatológico. A realidade da leishmaniose

parecia distante aos clínicos do sul do país, pois estes não estão acostumados

com a doença, pela mesma não ser endêmica nesta região, situação que está

mudando devido ao alto trânsito de animais assistomáticos das áreas afetadas.

É dever do o médico veterinário notificar a entidade responsável, neste

caso o Centro de Zoonoses, pois a doença é um risco para a saúde humana, e

os clínicos não podem colocar em risco a vida de uma pessoa tentando salvar

a de um animal.

Page 43: CASOS CLÍNICOS UFPR

43

6. CONCLUSÕES

Este trabalho teve como objetivo comparar as formas de diagnóstico,

tratamentos, procedimentos utilizados na prática profissional e o que a

literatura recomenda.

O estágio foi realizado no período de setembro a novembro do ano de

2007, no Centro Médico Veterinário Vetsan, onde foi possível acompanhar a

rotina da clínica e os procedimentos cirúrgicos realizados. A participação nas

consultas foi apenas com o intuito de observar ou ajudar a conter o animal,

caso necessário, já com os animais internados foi possível realizar exames

físicos e procedimentos de menor complexidade com a autorização dos clínicos

responsáveis.

Três casos clínicos foram escolhidos sendo o primeiro sobre cardiologia,

o segundo sobre aparelho urinário e o terceiro sobre leishmaniose. Estes

foram escolhidos devido à importância clínica dos mesmos, dentro da rotina

profissional.

A conduta terapêutica mostrou-se similar àquela encontrada na

literatura, o que difere são as doses das medicações e alguns princípios ativos,

mais facilmente encontrados no mercado brasileiro.

A comparação entre a bibliografia e a prática clínica mostrou que o

médico veterinário deve estar preparado para diagnosticar um animal sem ter

todo o apoio laboratorial e de exames complementares que os autores

sugerem. Isto ocorre principalmente pela resistência do proprietário a gastar

com os exames além da própria consulta, tanto por dificuldades financeiras

quanto por falta de interesse pelo animal. Quando um exame era sugerido, a

primeira pergunta era o preço do procedimento e após ouvir a resposta e

pergunta que seguia era se havia a possibilidade de diagnosticar e tratar o

animal sem realizar aquele exame, os clínicos respondiam que era possível,

mas existia a chance do tratamento não surtir efeito, pois não era possível

realizar um diagnóstico diferencial.

Os futuros profissionais devem estar preparados para a realidade do

mercado de trabalho, pois não será sempre possível aplicar todos os

conhecimentos adquiridos da maneira que a literatura indica, é preciso priorizar

Page 44: CASOS CLÍNICOS UFPR

44

os procedimentos considerados mais importantes para o paciente no momento

e trabalhar com o que é possível.

Outro papel importante do médico veterinário é a conscientização de

proprietários quanto à responsabilidade que eles devem ter para com seu

animal, pois não é necessário o levar ao clínico veterinário uma vez ao mês,

mas eles não devem negligenciar o animal, pois se trata de uma vida.

Com o estágio supervisionado foi possível aprender mais sobre a prática

da Medicina Veterinária, colocar em prática o conhecimento adquirido durante

os cinco anos de curso e identificar pontos que precisam ser mais explorados

dentro da profissão.

Page 45: CASOS CLÍNICOS UFPR

45

7. GLOSSÁRIO IVMC – Insuficiência Valvar Mitral Crônica

SID – Uma vez ao dia

BID – Duas vezes ao dia

TID – Três vezes ao dia

PDA – Persistência de Ducto Arterioso

ECG – Eletrocardiograma

DAS – Displasia Valvar Atrioventricular

IVC – Insuficiência Valvar Crônica

ITU – Infecção do Trato Urinário

MS – Matéria Seca

Page 46: CASOS CLÍNICOS UFPR

46

8. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS BASTOS, C. DE V.; BICALHO, A. P. DA C. – Sedimentoscopia em Urinas Caninas com Características Físico-químicas Normais: Qual o Seu Valor?

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ANEXO 1: LAUDO RADIOGRÁFICO DO TORAX

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ANEXO 2: URIANÁLISE

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ANEXO 3: EXAME HISTOPATOLÓGICO

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