di cavalcanti

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Arte

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  • DICAVALCANTI

    DI CAVALCANTI

    Di Cavalcanti (1897 - 1976) um dos principais nomes do modernismo brasileiro. Ao retra-

    tar pescadores, sambistas, trabalhadores e, especialmente, mulatas, seu repertrio visual se

    consolidou baseado na realidade do pas.

    Questo central na obra de Di Cavalcanti a refl exo sobre a identidade cultural brasileira

    a partir de uma vertente social. Assim, ele se destaca por aliar marcas das vanguardas euro-

    peias modernistas com uma temtica nacionalista, com personagens populares.

    Alm de artista, Di Cavalcanti foi ainda um grande agitador, tendo sido um dos respon-

    sveis pela organizao da Semana de Arte Moderna, de 1922, e pela fundao do Clube

    dos Artistas Modernos, em 1932.

    1

    DI CAVALCANTI

    1

  • 18

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

  • 19

    DI cAvALcANTI

    SURGE UM MODERNISTA

    O pintor em 1975

    Filho de um tenente do exrcito que trabalhava na Guarda do Palcio Imperial, Didi, como era chamado na infncia, nasce na rua Mata-Cavalos (hoje Riachuelo), no Centro da cidade, na casa do tio abolicionista Jos do Patroc-nio (1853-1903), casado com Henriqueta, irm de sua me, Roslia. L cresce, entre msica clssica e literatura, e esse contato precoce com as letras influencia, sem d-vida, sua vontade de escrever.

    Em 1900, a famlia se muda para So Cristvo. Quase uma dcada depois, Didi entra para o Colgio Militar, aos 12 anos, quando comea a escrever versos e a fa-zer caricaturas. Nessa poca tem aulas de desenho com Gaspar Puga Garcia (18... -1914). Com a morte do pai em 1914, obrigado a trabalhar e comea sua carrei-ra como caricaturista e ilustrador na re-vista Fon-Fon. Dois anos depois, participa do I Salo dos Humoristas, organizado por Olegrio Mariano (1889-1958), no Liceu de Artes e Ofcios do Rio de Janeiro, apresentando caricaturas em nanquim,

    elogiadas pela imprensa. Jota Efeg es-creve em O Globo, sobre o Salo do Liceu: O galhofeiro Salo dos Humoristas fei-ra de caricaturas e trocadilhos no fez apenas rir. Nele nasceu Di Cavalcanti.

    Em 1917, o artista passa a residir em So Paulo, onde frequenta a Faculdade de Direito do Largo de So Francisco. Realiza sua primeira exposio individual de cari-caturas, na redao da revista A Cigarra, e a partir da cria capas para a revista O Pirralho. Alm disso, comea a trabalhar no jornal O Estado de S. Paulo. Foi em So Paulo que o apelido Didi encurtou e se firmou, conta o artista em entrevista de 1973 revista Manchete.

    A partir dessa poca, ilustra inmeros livros de autores nacionais e estrangeiros e se torna amigo de intelectuais e artistas paulistas como Mrio de Andrade (1893--1945), Oswald de Andrade (1890-1954), Guilherme de Almeida (1890-1969) e Mon-teiro Lobato (1882-1948), entre outros.

    A exposio de Anita Malfatti (1889--1964) (vol. 9 desta Coleo) em 1917 revelou a Di algo muito mais novo que o Impressionismo. O impacto esttico que as obras lhe causaram, somado eferves-cncia cultural da cidade, levam-no a frequentar o ateli do pintor Georg Fisher

    [...] A pintura uma arte que precisa de

    isolamento. A festa da Semana de Arte Moderna,

    terminada na embriaguez dos dias de ao,

    ps -me diante da postura de Carlitos no final

    de seus filmes... era preciso ir alm! [...].

  • 50

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

    DETALHAMENTO DA OBRA

    cINcO MOAS DE GUARATINGUET

    DETALHE 1O pintor usa cores anlogas,

    em tons de vermelho,

    para praticamente toda a

    composio, exceto para

    o vestido e o chapu azuis

    brilhantes da figura que

    est frente das demais.

    3

    4

    5

    1

    2

    DETALHE 2A figura, de pele mais clara,

    tem uma posio de

    destaque em relao s

    outras, no apenas pela luz

    que emite e o azul que se

    contrape s cores usadas

    em praticamente toda a

    pintura, mas tambm pelo

    desenho mais delicado.

  • 51

    DI cAvALcANTI

    DETALHE 3As cores so modeladas em

    tonalidades diferentes, num

    contraste claro-escuro de luz

    e sombra. A verticalidade

    predomina na composio.

    DETALHE 5Vestida de modo discreto, recatada,

    com um decote que mostra uma

    parte do corpo, esta moa confere

    ao conjunto um clima interiorano e

    ingnuo. Seu olhar peculiar

    d pintura uma graa especial.

    DETALHE 4A diagonal e a quinta

    personagem na janela

    criam uma sensao de

    profundidade.

  • 60

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

    DENGOSA

    uma via, Di Cavalcanti vem se juntar ao naciona-

    lismo do Modernismo. Ao lermos sua autobiogra-

    fia, o que chama a ateno a predominncia de

    sua mentalidade bomia, pelo menos como esta

    era compreendida nas primeiras dcadas do scu-

    lo no Rio de Janeiro. Lirismo e sensualidade, as

    duas caractersticas dessa vida de bomio, talvez

    fossem uma manifestao de duas expresses

    profundas da formao brasileira. Da a apario

    da mulata na pintura de Di, naquilo que ela repre-

    senta como resultado de um conjunto de diversos

    fatores e que implica, entre outros, a convivncia

    entre as diferentes raas e culturas21.

    Nesta pintura temos no apenas essa caracte-

    rizao da identidade nacional. Temos, mais do

    que isso, a sensualidade primitiva explicitada na

    nudez e na languidez da personagem.

    193850,5 x 73 cm

    leo sobre tela

    Acervo da Pinakotheke (So Paulo)

    R eclinada sobre a mesa coberta de diferen-tes tecidos em que apoia a cabea, uma mulata nua nos olha languidamente. A composio desse interior se completa com um

    biombo no plano de fundo.

    A personagem domina o espao construdo

    por cores quentes e densas, que conferem um

    clima de sensualidade cena. Sua fisionomia

    tipicamente brasileira, uma mistura de raas que

    faz que sua aparncia meio negra, meio ndia nos

    remeta questo da identidade nacional, to

    alardeada na pintura de Di. Como diz o pintor

    Carlos Zilio quando aborda a importante contri-

    buio do artista para a identidade nacional: Por

  • 61

    DI cAvALcANTI

  • 88

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

    MARINHA

    Alguns crticos insistem que a qualidade das

    obras das ltimas dcadas deixa a desejar, pois

    parecem feitas de maneira rpida e descuidada. O

    crtico Mrio Schenberg (1914-90) nos escreve so-

    bre essa caracterstica, de modo a redimensionar

    tais crticas: Di tinha um senso de humor muito

    rico e muito sutil tambm. Em todos os momentos

    ele utilizava as circunstncias como uma forma de

    exprimir seu humor. Com isso ele foi, de certo mo-

    do, o precursor de algumas tendncias muito mo-

    dernas da antiarte, se bem que esse aspecto da sua

    obra tenha passado muitas vezes despercebido.

    Fazia por exemplo esse quadro propositadamente

    matado em que a finalidade no era o quadro, era

    o gesto; e essa importncia do gesto na sua ativi-

    dade est muito relacionada com certos aspectos

    da arte conceitual [...]. Para uma avaliao da obra

    pictrica de Di Cavalcanti talvez ainda nos falte

    uma perspectiva histrica. Na minha opinio, uma

    das coisas mais importantes em Di foi a sua cont-

    nua preocupao em fazer uma arte brasileira, li-

    gada aos aspectos cotidianos da vida brasileira e

    procurando atravs deles definir a nossa identidade

    cultural. Esta tendncia foi to forte nele que no

    conheo qualquer trabalho de Di Cavalcanti que

    no a reflita, no reflita esta preocupao. Qual-

    quer trabalho de Di, bom ou ruim, um trabalho

    brasileiro33.

    196860 x 91,5 cm

    leo sobre tela

    Acervo da Pinakotheke (So Paulo)

    U ma das obras tardias de Di, esta paisa-gem construda de maneira comple-tamente diversa das pinturas de outras dcadas. As camadas de tinta transparentes e sem

    sobreposies, a cor mais rala e mais tnue e o

    prprio desenho menos vigoroso so as caracte-

    rsticas que mais chamam a ateno.

    A construo do espao completamente di-

    ferente das anteriores, quando o artista parecia

    compor uma situao quase claustrofbica para

    seus personagens e locais que ocupavam a tota-

    lidade do espao do quadro, como se ansiassem

    por transgredir os limites fsicos da tela. Aqui, a

    representao da marinha parece considerar o

    espao como algo amplo e distante, como se o

    pintor no estivesse inserido nela e, portanto, no

    nos inserisse tambm.

    As cores so leves, transparentes, e as formas

    perderam a robustez e a dramaticidade que ti-

    nham. A construo em planos ainda a mesma,

    mas, diferentemente de obras de outras dcadas,

    cada plano parece estar tranquilamente posiciona-

    do aps o outro, sem causar a impresso anterior

    de simultaneidade.

  • 89

    DI cAvALcANTI

  • ARCANGELOIANELLI

    ARCANGELO IANELLI

    Arcngelo Ianelli (1922 2009) um dos grandes representantes brasileiros do abstracion-

    ismo geomtrico. Suas pinturas mais conhecidas so formadas a partir de quadrados e retn-

    gulos sobrepostos, em um refi nado jogo de cores, que produzem uma sensao de equilbrio.

    Organizo minhas cores e formas em um espao em que os tons se harmonizam num

    efeito semelhante polifonia e ao contraponto, diz Ianelli, comparando-se a um composi-

    tor musical. O paulista Ianelli iniciou carreira nos anos 1940, pintando paisagens e retratos.

    O caminho para a abstrao, nos anos 1960, veio a partir da pura simplifi cao das cores e

    formas. A cor sufi ciente para construir e expressar nosso universo, costumava dizer.

    AR

    CA

    NG

    ELO

    IANELLI

    2

    2

  • 14

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

    CRONOLOGIA

    1922Filho de Loureno Ianelli e Theresa DellAquila,

    ambos imigrantes italianos, Arcangelo Ianelli

    nasce em So Paulo, no dia 18 de julho.

    Anos 1940Ingressa na Associao Paulista de Belas Artes, sendo aluno

    dos pintores Angelo Simeone e Mario Zanini, entre outros.

    Em 1942, tem aulas de pintura com Colette Pujol, e dois anos

    depois estuda desenho e pintura sob a orientao de Walde-

    mar da Costa. Participa de vrias edies do Salo Paulista

    de Belas-Artes e se dedica intensamente ao modelo-vivo e

    prtica de pintura ao ar livre na companhia de amigos.

    Anos 1950Faz as primeiras exposies individuais uma

    em So Paulo, na Galeria It, e outra no Rio de

    Janeiro, no Palace Hotel. Perodo de trabalho

    intenso, voltado para as paisagens urbanas e ru-

    rais e para as marinhas.

    Anos 1960poca de transio, caracterizada pela pintura

    matrica e pelos grafismos. Em 1961, realiza duas

    exposies individuais, no MAM-RJ e no MAM-SP,

    e participa do X Salo Paulista de Arte Moderna.

    No ano seguinte, integra a mostra Prmio Leirner

    de Arte Contempornea, na qual obtm o primeiro

    prmio de pintura. Aps ganhar o Prmio de Via-

    gem ao Exterior em 1964, no XIII Salo Nacional de

    Arte Moderna do Rio de Janeiro, permanece na Eu-

    ropa viajando por vrios pases entre 1965 e 1967.

    Pouco depois, o I Salo Paulista de Arte Contempo-

    rnea lhe concede o Prmio Governador do Estado

    (1969). Perodo intenso de exposies no Brasil e no

    exterior. Durante essa dcada, participa de quatro

    Bienais em So Paulo e uma na Bahia.

    Grafismo em Azul1968180 x 130 cmleo sobre telaColeo particular

    Fazenda1955

    46 x 60 cmleo sobre tela

    Museu de Arte Brasileira FAAP (So Paulo)

  • ARCANGELO IANELLI

    15

    Anos 1970Fase geomtrica. Em 1978, realiza sua primeira retros-

    pectiva no MAM-SP, Do Figurativo ao Abstrato. So

    inmeros os prmios que recebe nessa dcada, entre

    eles: Prmio de Melhor Exposio do Ano em Nvel

    Nacional, da Associao Paulista de Crticos de Arte

    (APCA), Prmio Gonzaga Duque, da Associao Brasilei-

    ra de Crticos de Arte (ABCA), e Grande Prmio da I Bie-

    nal Ibero-Americana do Mxico. Participa de mais seis

    Bienais, entre elas as de So Paulo, Mxico, Colmbia

    e Venezuela. Comea a esculpir em 1974, ano em que

    idealiza um mural para a fachada do Edifcio Dimetro

    na avenida Faria Lima, em So Paulo, pelo qual recebeu

    o Prmio de Pesquisa da ABCA.

    Anos 1980Em 1984, realiza mais uma retrospectiva, Ianelli: 40

    Anos de Pintura, no MAM-RJ. Em 1987, ganha uma

    sala especial na XIX Bienal de So Paulo. Dois anos

    depois, recebe o Grande Prmio da II Bienal Interna-

    cional de Pintura de Cuenca, Equador.

    Anos 1990Em 1992, tem retrospectiva em Quito, Equador, apre-

    sentada na Casa de La Cultura Ecuatoriana e no Mu-

    seo del Monasterio de La Concepcin. Recebe home-

    nagem por seus 70 anos no MAC-USP, em 1992, e no

    ano seguinte comemora 50 anos de pintura com uma

    exposio no MAM-RJ e no MASP. Atua como curador

    e expositor na IX Exposio Brasil-Japo de Arte Con-

    tempornea em Atami, Osaka, Kyoto, Tquio e Sap poro.

    Nesse perodo, executa a srie conhecida como Vibra-

    es, que consagra sua busca na pintura.

    Anos 2000Em 2002, realiza a grande retrospectiva de sua obra

    na Pinacoteca do Estado de So Paulo, primeira e

    nica vez em que as esculturas foram expostas fora

    de espaos pblicos. Dois anos depois, o MAB-FAAP

    apresenta a individual Os Caminhos da Figurao,

    com curadoria de seus filhos Katia e Rubens Ianelli.

    No mesmo ano, a editora Via Impressa publica Ianelli.

    Coordenado por Katia Ianelli e Alfredo Aquino, o livro

    uma homenagem ao artista, que falece em 2009

    aps um perodo de muitas limitaes devido a um

    derrame sofrido em 2002.

    Sem Ttulo1978

    180 x 145 cmleo sobre tela

    Coleo particular

    Sem Ttulo2002

    200 x 286 x 50 cm, aproximadamenteMrmore branco esprito santo

    Acervo Banco Ita S.A.

  • 22

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

    sim de interpret-la ou, ainda, reinvent--la. Pintava com Rebolo nos bairros afas-tados de So Paulo e, a convite de Mario Zanini, seguiu de trem diversas vezes Praia Grande munido de tintas, paleta e telas em branco. Guardava dessa poca um conselho do amigo, recebido quando questionou a necessidade de se apoiar na representao do mundo externo: Do nada no se cria nada, disse Zanini. O quadro est dentro de ns e no deve se limitar a produzir lugares-comuns. O cu, o mar e a praia existem aqui para motivar a nossa sensibilidade.5

    O desenvolvimento da pintura durante esse perodo foi pontuado pelo nascimento dos filhos, Katia (1949) e Rubens (1953), e pelo falecimento do pai em 1957, poca em

    que o irmo Thomaz (1932-2001), tambm artista, passou a morar com Ianelli, ainda na casa da Joaquim Tvora. Em dez anos de intensa convivncia, Thomaz tornou-se integrante do grupo Guanabara e realizou exposies com o irmo e com o grupo.

    Os laos muito prximos com artistas e intelectuais mobilizaram a vida de Ianelli, mesmo quando ele j no estava filiado a nenhum grupo. Entre jantares, encontros e reunies, nunca perdeu o contato com Vol-pi, Samson Flexor (1907-71) que conhe-ceu por meio de Zanini e Oswald de Andra-de Filho, o Non (1914-72) , Fiaminghi, Charoux, Yolanda Mohalyi (1909-78), Hen-rique Boese (1897-1982), Paulo Mendes de Almeida (1905-86), Srgio Buarque de Ho-landa (1902-82), Abelardo Zaluar (1924--87) e Ubi Bava (1915-88), do Rio de Janei-ro, para mencionar apenas alguns.

    Os anos 1950 foram decisivos em sua pintura, e os retratos da filha Katia (ao lado e p. 40) representam um marco nesse sentido, porque j revelam a qualidade de seu olhar na simplificao formal, na cap-tura dos traos fisionmicos, na relao de unidade existente entre a figura e o fundo. As paisagens urbanas com horizontes ele-vados ou, por vezes, elimi nados favo-recem o jogo formal entre as coisas e o espao que elas ocupam. Mas a inteno abstrata torna -se mais ntida nas marinhas desse perodo, na maneira como dialoga com a natureza e a recria, ordenando os elementos, os mastros, as velas e os barcos

    Retrato de Katia195761 x 46 cmleo sobre telaMuseu de Arte Brasileira FAAP (So Paulo)

    OS ANOS DECISIVOS: 1950-1959

  • 23

    ARCANGELO IANELLI

    para alm de sua inteno figurativa, ex-pressando-se atravs de um jogo rtmico de planos, formas, linhas retas e diagonais. A passagem para uma abstrao pura, uma pura geometria, era o corolrio inevi-tvel. E assim sucedeu6, explicou o crtico Paulo Mendes de Almeida.

    A famlia se muda novamente, desta vez para a rua das Guajuviras, e Ianelli instala seu ateli na garagem da ca-sa. Abandona os Sales acadmicos, aos quais se dedicara por alguns anos, e se destaca no XIII Salo Nacional de Arte Moderna, em 1964, ao conquistar o Pr-mio de Viagem ao Exterior. Pouco antes, j chamara a ateno do crtico Mrio Pe-drosa (1900-81), que o convidara a expor as telas negras de sua fase de transio no MAM -SP e no MAM-RJ, em 1961. No catlogo da mostra, Pedrosa escreve: Si-nais de moda pictrica ou de um estado contemplativo beira de perturbar-se, em face das contradies da vida? Opta-mos pela segunda hiptese7.

    A fase de transio, que ocorreu no in-cio dos anos 1960, dialoga com uma ten-dncia artstica europeia do ps-guerra conhecida como Tachismo, Informalismo ou Arte Informal, que defendia a impro-visao e a espontaneidade do gesto do artista. A dimenso da tela ampliada, as

    tintas se adensam, a textura surge como elemento expressivo, o negro predomina e as formas se tornam irregulares, muito distantes do rigor formal anterior.

    A famlia se muda para a rua Correia Dias, no Paraso, pouco antes de embarcar para o Velho Mundo a expensas do prmio conquis-tado no XIII Salo Nacional de Arte Moderna. Foram dois anos viajando pela Europa com a famlia, de meados de 1965 at meados de 1967, seguindo um roteiro elaborado pelo artista em funo de suas exposies itine-rantes e de seus interesses de estudo.

    Na ida, navegaram por dois meses a bor-do de um cargueiro e, ao longo do caminho, Ianelli j desenhava os lugares visitados, chegando at a montar um ateli flutuante na cabine do armador.

    Interior1956

    72,9 x 60 cmleo sobre tela

    Museu Nacional de Belas Artes (Rio de Janeiro)

    NOVA FASE EM UM NOVO ESPAO

    UMA PINTURA DE CARTER ARQUEOLGICO

  • 36

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

    1

    DETALHE 1Nos retngulos da vidraa que se desenham na

    contraluz, percebemos o encontro das linhas, das

    cores e dos planos em que Ianelli se concentrou

    posteriormente.

    DETALHE 2Os objetos sugeridos ao fundo

    caracterizam o espao de trabalho e se

    desfazem em seus contornos na relao

    com a luz que penetra pela janela.

    DETALHAMENTO DA OBRA

    O MENINO PINTOR 2

    3

    45

  • 37

    ARCANGELO IANELLI

    DETALHE 5Os quadros e molduras que

    compem a parede articulam o

    espao e tonalizam as sombras,

    criando o mesmo jogo de formas

    e cores sbrias, caracterstico da

    pintura abstrata de Ianelli.

    DETALHE 4A proporo do cavalete de um pintor

    adulto contrasta com o tamanho do

    menino pintor e confere suavidade e

    lirismo tela. Paradoxalmente, este o

    ponto de contraste mais intenso entre

    luz e sombra. A curiosidade que Rubens

    tornou-se de fato um artista.

    DETALHE 3A bola laranja, o cavalo de

    madeira azul e o lao de

    fita amarelo nas costas de

    Katia, o nico elemento

    iluminado na direo oposta

    da luz que invade a sala, so

    brilhantes pontos de luz. Eles

    estabelecem uma estreita

    relao entre os seres e

    as coisas que povoam

    o espao do ateli.

  • 46

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

    VELEIROS195830 x 70 cm

    leo sobre tela

    Coleo particular

    N esta obra em especial, o arranjo das linhas se destaca. Rarefeitas, elas aparecem e desaparecem ao longo de seu traado. A relao com a paisagem se abre e se amplia, com

    clara opo pelo formato horizontal da cena.

    So poucas as telas de Ianelli nesse formato.

    Em Veleiros, somente as linhas negras verticais dos mastros, das cordoalhas e das velas cortam a su-

    perfcie de lado a lado, enfatizando a verticalida-

    de. As linhas negras horizontais dos barcos e dos

    planos de mar e cu so sempre interrompidas e

    se espalham por toda a extenso. Movimentam-se

    do primeiro ao ltimo plano, provocando um ritmo

    que se intensifica no contraste com as verticais e

    confere intensa espacialidade obra. O jogo din-

    mico entre verticais e horizontais tece uma rede,

    formando uma camada sobreposta pintura dos

    planos de cor.

    Os traos so rpidos, fortes, decididos. Seis

    mastros verticais recebem cor e se destacam, enca-

    deando o espao horizontal. Os planos de mar e cu,

    entre azuis e verdes queimados, os campos de areia e

    as laterais dos barcos formam os campos chapados.

  • 47

    ARCANGELO IANELLI

    Nesse momento, o dilogo entre o desenho e

    a pintura, entre linhas e massas de cor, que resulta

    em msica. A dimenso temporal acrescentada

    espacial, por se tratar de um arranjo de cores, for-

    mas e linhas no tempo e no espao. Exige-se tempo

    para se contemplar a pintura de Ianelli, para poder

    vagar pela trama enredada.

    A obra de arte deve falar por si. uma redun-

    dncia o artista buscar por outros meios a no ser

    atravs de sua obra definir sua mensagem plstica

    e sua proposio20, afirmou o pintor. E, conver-

    sando com Frederico Morais, acrescentou: Como

    a msica, a pintura tem sua prpria linguagem, que

    autnoma e, como ela, no desvinculada da emo-

    o e da imaginao. O que conta so os valores

    formais21.

  • TARSILA DOAMARAL

    TARSILA DO AMARAL

    Aximagnatur, venit eni ne experunt alitam aut int quiae nustion sectore icaboritate vene

    modipsa pienimu stinum, et fugit quas exceatet, am adios enimil iur re esciissim int, es a

    quatios erit aut perit et, quiandi tatusam, volorrum aut el eum hilis ipsus am ius eatur aut

    volenim di tem. Ostoria quiatam faceseq uuntor

    Abo. Bus quatius dolloreri dit earum inverspis eos ea quaturio. Aliqui ipsunt adisima gnisit

    odit aped quame seque plitis adis anda arumqui dolupturem harum sum rere, sed et alit

    dolenim iniende nimodit, odis qui necum volor si blabore catendae la quis di aut vid ut debit

    aut autem fuga. Nam, tecus aut expla seque con nat imagnam unt, nonse sent.

    3

    3

    TAR

    SILA

    DO

    AMARAL

  • 14

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

    CRONOLOGIA

    1886Filha de Jos Estanislau do Amaral e Lydia Dias de Aguiar do

    Amaral, Tarsila do Amaral nasce em 1o de setembro em

    Rafard ( epoca um distrito da cidade de Capivari), no inte-

    rior do Estado de So Paulo.

    Ilustrao publicada na capa do livro Pau-Brasil1925

    Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de So Paulo

    1886 -1906Cresce nas fazendas da famlia em Capivari e Mont Serrat

    (hoje Itupeva). Muda-se para So Paulo em 1898 e estuda

    no Colgio Sion de 1901 a 1902. No fim do ano, ingressa

    no Colgio Sacr-Coeur de Barcelona, Espanha. L, tem

    sua primeira experincia com a pintura. Retorna ao Brasil

    em 1904, casa-se e reside na Fazenda So Bernardo,

    mudando-se posteriormente para a Fazenda Serto. Dois

    anos depois, nasce sua filha Dulce.

    1913 -1920Separada do marido, muda-se para So Paulo em 1913.

    Em 1916, estuda modelagem com Wilhelm Zadig e Oreste

    Mantovani. Entre 1917 e 1919, tem aulas de desenho com

    Pedro Alexandrino. Nesse perodo, conhece Anita Malfatti.

    Em 1920, estuda com o pintor Georg Elpons e, em junho

    desse ano, parte para Paris, ingressando na Acadmie Julian

    e no ateli de mile Renard.

    1922 -1923Viaja pela Espanha e pela Inglaterra. De volta ao Brasil,

    conhece os integrantes do grupo modernista por inter-

    mdio de Anita Malfatti. No fim do ano, segue para

    Paris, onde fixa residncia com o namorado Oswald de

    Andrade. Em 1923, estuda com os cubistas Andr

    Lhote, Albert Gleizes e Fernand Lger. Volta ao Brasil

    em dezembro.

    1924 -1926Tem incio em sua pintura a Fase Pau-Brasil, voltada

    temtica brasileira. Empreende viagem ao Rio de

    Janeiro no carnaval de 1924 e s cidades histricas de

    Minas Gerais. Em 1925, ilustra o livro de poemas Pau

    Brasil, de Oswald de Andrade. No ano seguinte, viaja

    com o poeta pela Europa e pelo Oriente Mdio, reali-

    za sua primeira exposio individual em Paris e casa-

    -se com Oswald em So Paulo.

  • TARSILA DO AMARAL

    15

    Saci Perer192523,1 x 18 cmGuache e nanquim sobre papelColeo particular

    1927-1931Reside grande parte do ano na Fazenda Santa Teresa

    do Alto. Em 1928, pinta o Abaporu, que origina o

    Movimento Antropofgico, e realiza a segunda expo-

    sio em Paris, que inclui obras da Fase Antropofgica.

    A primeira exposio no Brasil ocorre em 1929, no Rio

    de Janeiro. Separa-se de Oswald em 1930; no ano se-

    guinte, visita a Unio Sovitica com Osrio Csar, seu

    namorado, permanecendo em Paris por alguns meses.

    1933 -1949Em 1933, inaugura-se a Fase Social na pintura de

    Tarsila. A artista conhece o escritor Lus Martins, com

    quem passa a conviver. Comea a escrever regular-

    mente na imprensa em 1934, muda-se para o Rio de

    Janeiro em 1935 e retorna a So Paulo trs anos de-

    pois. Expe em coletivas em Belo Horizonte, Montevi-

    du e Santiago do Chile. Ilustra diversas publicaes.

    1950 -1963Em 1950, realiza mostra retrospectiva no Museu de

    Arte Moderna de So Paulo (MAM-SP), e no ano

    seguinte participa da I Bienal Internacional de So

    Paulo, conquistando o Prmio Aquisio. Em 1954,

    pinta o painel Procisso do Santssimo, a convite

    da Comisso do IV Centenrio de So Paulo, e em

    1963 apresenta sala especial na VII Bienal In ter-

    nacional de So Paulo. Um ano depois, integra a

    XXXII Bienal de Veneza. Em 1969, realiza-se a mos-

    tra retrospectiva Tarsila: 50 Anos de Pintura.

    1973Falece em 17 de janeiro, em So Paulo.

    Original de ilustrao para o livro Pau-Brasil1925

    Grafite sobre papelColeo particular

  • 22

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

    correspondncia datada de setembro da-quele ano. O namoro era mantido em se-gredo, por no ser bem visto pela famlia de Tarsila e para no prejudicar o proces-so, ainda em curso, de anulao do seu primeiro casamento.

    Tarsila regressou Europa em dezem-bro de 1922, com o objetivo de acompa-nhar Dulce e os sobrinhos ao colgio inter-no, depois encontrar-se com Oswald em Paris. Em fevereiro se instalaram na capital francesa, onde a artista montou seu apar-tamento-ateli. Comeou naquela ocasio sua descoberta de fato da Arte Moderna.

    Logo depois de ingressar como aluna no ateli do pintor cubista Andr Lhote (1885--1962), percebeu que novos horizontes lhe surgiam. Escrevia para a famlia: Com duas lies ganhei mais que em dois anos3.

    Naquela poca, o casal Tarsila e Oswald foi apresentado ao poeta Blaise Cendrars (1887-1961) e esposa. Os quatro torna-ram-se grandes amigos. Por meio de Cen-drars, conheceram poetas, escritores, marchands, artistas e demais personalidades ligadas ao mundo da Arte Moderna. Mes-

    mo no grupo de brasileiros que o casal Tarsila e Oswald agora frequentava em Paris, muitos eram vinculados ao Moder-nismo, como o historiador Paulo Prado (1869-1943) e o compositor Heitor Villa--Lobos (1887-1959).

    Mulher elegante, vestida por renomados costureiros como Jean Patou (1880 -1936) e Paul Poiret (1879-1944), Tarsila ia a teatros e exposies. Era convidada para jantares e recepes, e recebia intelec tuais e artistas em seu ateli, oferecendo especialidades da mesa brasileira. Jean Cocteau (1889-1963), Erik Satie (1866 -1925), John dos Passos (1896 -1970), Jules Romain (1885-1972), Blaise Cendrars, Constantin Brancusi (1876--1957), Ambroise Vollard (1866-1939), Ju-les Supervielle (1884 -1960), Di Cavalcanti (1897-1976) (vol. 1 desta Coleo), dona Olvia Guedes Pen teado (1872 -1934), Sr-gio Milliet (1898 -1966) e Joo de Souza Lima estiveram entre seus convidados. Em-bora sua desenvoltura fosse internacional, ela afirmava sentir-se cada vez mais brasi-leira, acreditando que manifestaes como a sua, com caractersticas regionais, eram bem aceitas pelo pblico parisiense e revi-talizavam a Arte Moderna.

    medida que progredia na elaborao de uma linguagem pictrica prpria, Tar-sila pensava cada vez mais no Brasil, em sua infncia na fazenda, nas velhas tradi-es, nas cores e nos temas brasileiros.

    Estudo de cartaz para conferncia de Blaise Cendrars192423 x 15,5 cmGrafite e nanquim sobre papel de sedaPinacoteca do Estado de So Paulo

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

  • 23

    TARSILA DO AMARAL

    Suas cartas so plenas de referncias ao assunto, e nessa poca ela planeja voltar ao Brasil para preparar uma exposio. Entretanto, prolonga a estadia em Paris para tomar lies durante algumas sema-nas com o pintor Fernand Lger (1881--1955), que Cendrars j havia lhe apresen-tado, e com Albert Gleizes (1881-1953).

    O saldo da experincia parisiense, sob orientao de trs pintores cubistas, foi a adequao de sua postura pictrica a um conceito de espao desvinculado da re-presentao da profundidade4. Da lio de Lhote adveio a conciso da forma e a preciso da linha, com Lger depurou o uso das cores e com Gleizes estudou a composio como estrutura integrada.

    Tarsila voltou ao Brasil em dezembro de 1923. Ao aportar no Rio de Janeiro, entrevistada pelo Correio da Manh, de-clarou-se cubista. E, para enfatizar sua posio, manifestou sua crena na impor-tncia do movimento: Cubismo exerc-cio militar. Todo artista, para ser forte, deve passar por ele5.

    Tarsila chegou a So Paulo como pinto-ra assumidamente moderna e trouxe uma coleo de obras tambm modernas. Algu-mas de sua autoria, outras no.

    No incio de fevereiro de 1924, Blaise

    Cendrars veio ao Brasil a convite de Paulo Prado. Naquele ano, Oswald, Tar sila e do-na Olvia viajaram ao Rio de Janeiro para apresentar ao poeta suo o carnaval. A artista realizou vrios estudos na ocasio, que depois desenvolveu em pinturas da Fase Pau-Brasil.

    O grupo de amigos continuou o per-curso durante a Semana Santa, quando rumaram para as cidades histricas de Minas Gerais, em um processo que deno-minaram viagem de redescoberta do Bra-sil. Tarsila desenhou detalhes da arquite-tura e de aspectos tra dicionais, descobriu a escultura de Aleija dinho e a arquitetura barroca. Principalmente, recuperou esque-mas cromticos populares que lhe agrada-vam quando criana e que depois apren-deu no serem de bom gosto as famosas combinaes caipiras de cores da Fase Pau-Brasil.

    Em junho daquele ano aconteceu no Conservatrio Dramtico e Musical uma conferncia proferida por Cendrars, com o objetivo de apresentar a Arte Moderna ao pblico paulistano. Era ilustrada pela expo-sio de obras de Lger, Robert Delaunay

    A GESTAO DA FASE PAU-BRASIL

    So Paulo (Gazo)1924

    50 x 60 cmleo sobre tela

    Coleo particular

  • 32

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

    A SAMARITANA

    tinha o gosto pelo desenho e pela pintura, mas

    ainda no se desenvolvera tecnicamente. A Sama

    ritana dessa poca. Foi feita a partir de reprodu-

    o impressa (oleografia) de pintura italiana de

    autor desconhecido e seguiu o mesmo processo da

    pintura feita no colgio espanhol.

    A obra em questo de um tempo em que

    Tarsila ainda no havia estudado desenho (s mais

    tarde, em 1917, viria a ter aulas com Pedro Alexan-

    drino, durante um ano e meio). Tambm no havia

    enfrentado problemas de escoro e detalhes anat-

    micos em sesses de pose com modelo-vivo. Esses

    aspectos, somados ao grande cuidado com que

    apresenta o modelado anatmico, as propores da

    figura e a disposio dos braos da figura, levam a

    crer que tenha decalcado a estampa original para

    dar incio ao trabalho e marcar as zonas de cor.

    Tarsila aplicou a tinta de modo extremamente

    cuidadoso, em passagens suaves, atenta a luzes e

    sombras, quase de forma monocromtica, sem

    construir a cor.

    191175 x 44 cm

    leo sobre tela

    Acervo dos Palcios do Governo do Estado

    de So Paulo

    A primeira notcia que se tem do contato de Tarsila com a pintura data da poca em que estudou no colgio interno em Barcelona, no perodo compreendido entre 1902 e

    1904. Na ocasio, ela copiou com dedicao uma

    imagem do Corao de Jesus. A crtica Aracy Ama-

    ral comenta ter sido um trabalho paciente, decal-

    cado, feito durante seis meses, quase um bordado,

    mais desafio que pintura, porm essencial para

    despertar uma vocao. Muito elogiada por seus

    resultados, Tarsila se sentiu estimulada a realizar

    outras cpias ao regressar6.

    No comeo da dcada de 1910, casada e me de

    uma criana pequena, residia na fazenda e estava

    indecisa em relao ao caminho a seguir. Escrevia

    poemas, dedilhava o piano e se interessava por

    pintura. Dedicava-se s artes como autodidata e j

  • 70

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

    DETALHAMENTO DA OBRA

    RELIGIO BRASILEIRA I

    DETALHE 1Seu motivo principal uma imagem da Virgem Maria com o Menino

    Jesus, traada em azul maneira de Henri Matisse (1869-1954), em

    linhas livres, sintticas e precisas. Trata-se da verso cabocla de um

    pequeno retbulo semelhante aos feitos no princpio do Renascimento,

    em arco ogival. Segue com suas cores brasileiras os padres tradicio-

    nais de representao da Madona com o Menino. Usa azul intenso em

    aluso abbada celeste, substitui o resplendor dourado que emanava

    da figura de Maria nas pinturas antigas pelo amarelo-manga, delineia

    a figura do Menino em rosa.

    DETALHE 2Embora Tarsila reduza todos os elementos

    da obra a um s plano, como se prensasse

    em uma nica superfcie todos os objetos

    que lhe teriam servido de modelo, o modo

    como apresenta o canto superior direito

    sem sombra de dvida alusivo a

    uma estampa bidimensional.

    1

    2

    3

    4

    5

  • 71

    TARSILA DO AMARAL

    DETALHE 3Tarsila coloca na pintura laos, flores, vasos e

    ramos, mas evidencia seu carter decorativo e

    no devocional eles exercem funo compo-

    sitiva importante. Dispe dois pssaros de

    modo singelo, mas com presena definitiva

    em meio queles elementos.

    DETALHE 4Tarsila insere uma Virgem Maria com o

    Menino em um nicho do lado direito da

    pintura. Dessa vez, destaca o rosto da me

    e o corpo da criana com a cor branca, co-

    roando o conjunto com moldura de flores

    rosa e azuis, para ressalt-los. Usa uma

    mancha amarela atrs do menino e a nica

    flor vermelha sobre a cabea de Maria, a

    fim de criar contraste com o branco.

    Nota-se o procedimento legeriano

    de oposio de corpos modelados sobre

    superfcies lisas, como se observa na rela-

    o estabelecida entre o fundo, o vaso

    verde, a haste e as flores. A reduo

    de todos os planos a uma superfcie

    nica est evidente nas flores sobre

    a parede do nicho e na barra do

    manto da santa sobre o vaso verde.

    DETALHE 5Do lado esquerdo, Tarsila coloca um pequeno oratrio-capela, com uma ima-

    gem de santa austera, sem a inclinao afetuosa das que carregam o menino.

    A imagem esquerda representa provavelmente SantAna com a Nossa

    Senhora menina, e a pequena figura sentada de difcil identificao.

    Embora a pintura seja cuidadosamente planejada com cores, e as tenses

    sejam distribudas com equilbrio a fim de compor uma realidade visual,

    a pintora sugere tambm um universo invisvel, compreendido por emo-

    es, crenas e conceitos, conformados em imagens e objetos reunidos

    ao longo do tempo e organizados segundo suas afinidades.

  • 72

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

    ABAPORU

    mticas e a busca de razes profundas. A Negra

    antecipa esses aspectos em termos conceituais e

    formais em cerca de cinco anos.

    Tempos depois, uma amiga de Tarsila lhe con-

    fidenciou que as pinturas antropofgicas a lem-

    bravam de seus pesadelos, e a partir da a pintora

    identificou a origem da obra.

    A artista descrevia o Abaporu como uma figu-

    ra solitria monstruosa, ps imensos, sentada em

    uma plancie verde, brao dobrado repousando

    num joelho, a mo sustentando o peso-pena da

    cabecinha minscula, em frente a um cacto explo-

    dindo em uma flor absurda24. Tarsila relacionava

    esse personagem ao das histrias que as pretas

    velhas da fazenda lhe contavam repetidas vezes

    hora de dormir quando era criana. Eram histrias

    sobre uma sala sempre fechada, com uma abertura

    no forro, de onde se ouvia: Eu caio, eu caio. E caa

    um p, que a menina imaginava enorme; eu caio,

    e caa outro p. Eu caio!, e aparecia uma mo, e

    depois a outra, e o corpo inteiro25.

    O Abaporu apresenta a mesma hipertrofia de

    perna e brao que A Negra, e se integra paisa-

    gem mais do que ela. O p enorme compensa seu

    precrio assento em pose de pensador, capaz de

    tanta tristeza a ponto de atrofiar a cabea e o

    brao que a sustenta. Imobilizado pelo desequil-

    brio entre seu gigantismo e seu acanhamento,

    necessita do cacto e do sol para manter uma rela-

    o estvel com o conjunto.

    192885 x 73 cm

    leo sobre tela

    Acervo do Museo de Arte Latinoamericano de Buenos

    Aires Fundacin Costantini (Argentina)

    N o dia 11 de janeiro de 1928, aniversrio de Oswald de Andrade, Tarsila o presen-teou com a pintura que terminara havia pouco tempo. Muito impressionado com a obra,

    Oswald comentou com o poeta Raul Bopp (1898-

    -1984): o homem plantado na terra23.

    Muito discutiram sobre a pintura ainda sem t-

    tulo. Eram unnimes em achar que aquele era um

    ser originrio da terra, vindo do mato, um antrop-

    fago. Recorrendo ao dicionrio tupi-guarani per-

    tencente ao pai de Tarsila, escrito pelo padre jesuta

    Antonio Ruiz Montoya, chegaram a Abaporu, ho-

    mem que come carne humana.

    O Manifesto Antropfago escrito por Oswald de

    Andrade pouco depois estabelece as bases do movi-

    mento que ali nascia. Nele, o poeta apresenta a

    antropofagia como metfora do processo pelo qual

    o homem americano, para formao de sua prpria

    cultura, canibalizara, digerira e assimilara de acor-

    do com moldes prprios a civilizao europeia.

    Embora o Abaporu inaugure a Fase Antropof-

    gica de Tarsila, no foi a primeira obra que abordou

    suas preocupaes com a emergncia de foras

  • 73

    TARSILA DO AMARAL

  • CANDIDOPORTINARI

    CANDIDO PORTINARI

    Candido Portinari (1903 1962) um dos artistas brasileiros modernos com maior reper-

    cusso internacional. Foi ele quem criou os murais de grandes dimenses Guerra e Paz

    (1953-6) para a sede da ONU, em Nova York.

    A realidade brasileira, contudo, foi a grande inspiradora de Portinari. Para ele, era essen-

    cial retratar os tipos brasileiros a fi m de criar uma pintura tipicamente nacional. Obras como

    O Mestio, Lavradores de Caf e Os Retirantes so algumas de suas obras-primas,

    realizadas a partir desse princpio.

    Portinari ainda colaborou com Oscar Niemeyer em algumas de suas mais importantes con-

    strues, como nos murais para a Igreja de So Francisco , na Pampulha, em Belo Horizonte.

    4

    CA

    ND

    IDO

    PORTINARI

    4

  • 10

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

  • 11

    CANDIDO PORTINARI

    Brasil1961

    45 x 145 cm Tmpera sobre madeira

    Coleo particular

  • 14

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

    CRONOLOGIA

    1903Filho de Baptista Portinari e Dominga Torquato, Candido

    Portinari nasce em 30 de dezembro na fazenda Santa Rosa,

    prxima de Brodowski, interior do Estado de So Paulo.

    1918 -1924Auxilia um grupo de artistas itinerantes a decorar a Igreja

    Matriz de Brodowski. Em 1919, ingressa no Liceu de Artes

    e Ofcios, no Rio de Janeiro, passando a cursar a Escola

    Nacional de Belas-Artes (Enba) no ano seguinte. Expe pela

    primeira vez em 1922 e recebe Meno Honrosa. Pinta

    Baile na Roa (1923-24).

    1928 -1931Com Retrato de Olegrio Mariano,

    ganha o Prmio de Viagem ao Exterior.

    Em Paris, participa da Exposition dArt

    Brsilien (1930) e se casa com Maria

    Victoria Martinelli. Regressa ao Brasil

    em 1931. Pinta o Retrato de Manuel

    Bandeira.

    1932 -1934Em mostra individual no Palace Hotel (1932), no Rio

    de Janeiro, expe Retrato de Maria e telas com temas

    brasileiros, como Roda Infantil e Circo (todas de 1932).

    Em 1933, pinta Festa em Brodowski e vrios quadros

    depois expostos na Galeria It (1934), de So Paulo,

    como Os Despejados, Estivador, Sorveteiro, Lavrador

    de Caf, Mestio e O Morro, este hoje pertencente ao

    Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA).

    1935 -1939Com a tela Caf (1935), conquista Meno Honrosa

    na exposio do Instituto Carnegie (1935), em Pitts-

    burgh (EUA). Em 1938, executa os 12 afrescos mu-

    rais para a sede do Ministrio da Educao e pinta

    Retrato de Carlos Drummond de Andrade. No ano

    seguinte, nasce seu filho Joo Candido.

    Paisagem de Brodowski1940

    81 x 100 cmleo sobre tela

    Coleo Gilberto Chateaubriand MAM-RJ

  • CANDIDO PORTINARI

    15

    1940 -1941Em 1940, participa da Latin American Exhibition of Fine Arts,

    no Museu Riverside de Nova York. No mesmo ano, realiza-

    da no MoMA e em outras cidades americanas a mostra indi-

    vidual Portinari of Brazil. Em 1941, a Universidade de Chica-

    go edita o lbum Portinari: His Life and Art. Em Washington,

    a Galeria de Arte da Universidade Howard expe obras do

    artista, que pinta os murais da Biblioteca do Congresso.

    1943 -1947Ilustra Memrias Pstumas de Brs Cubas. Em 1944,

    pinta Nossa Senhora do Carmo, da Capela Mayrink,

    no Rio de Janeiro, e a srie Retirantes. No ano seguin-

    te, executa o painel de azulejos So Francisco na

    Igreja da Pampulha, em Belo Horizonte, e conclui o

    mural Jogos Infantis no Ministrio da Educao (hoje

    Palcio Gustavo Capanema), no Rio de Janeiro. Em

    1946, expe na Galeria Charpentier, em Paris, e con-

    decorado pelo governo francs com a Legio de Hon-

    ra. Realiza a srie Meninos de Brodowski. Perseguido

    pelo governo Dutra, exila-se no Uruguai em 1947.

    1948 -1952Pinta Primeira Missa no Brasil e faz uma retrospectiva no

    Museu de Arte de So Paulo Assis Chateaubriand (MASP)

    em 1948. Elabora no ano seguinte o painel Tiradentes, pelo

    qual recebe a Medalha de Ouro do II Congresso Mundial

    dos Partidrios da Paz (1950), em Varsvia. Pinta Chegada

    de D. Joo VI ao Brasil (1952). hospitalizado em 1953.

    1955Tem sala especial na III Bienal Internacional de

    So Paulo e recebe a Medalha de Ouro de melhor

    pintor do ano no International Fine Arts Council

    (IFAC), de Nova York. Ilustra A Selva, de Ferreira de

    Castro. Em 1956, termina os painis Guerra e Paz,

    para a sede da ONU em Nova York, pelos quais

    recebe o Prmio Guggenheim. Desenha a srie

    Dom Quixote (1956). Pinta ndia Caraj (1958). A

    V Bienal Internacional de So Paulo (1959) realiza

    retrospectiva de sua obra. No ano seguinte, nasce

    sua neta Denise, vrias vezes retratada por ele.

    1962Candido Portinari falece em 6 fevereiro.

    decretado luto oficial de trs dias no Estado

    da Guanabara.

    Autorretrato1956

    46,7 x 38,3cmleo sobre madeira compensada

    Paulo Kuczynski Escritrio de Arte

  • 24

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

    Projetada por Le Corbusier (1887 -1965) e Oscar Niemeyer com a colaborao de inmeros arquitetos de vrias partes do mundo, erguia-se em Nova York a nova sede da ONU no incio da dcada de 1950.

    O Brasil foi solicitado a contribuir para a decorao do edifcio, e o diplomata Jayme de Barros, ento chefe da Comisso de Atos e Organismos Internacionais do Ita maraty, sugeriu ao ministro das Relaes Exteriores, Joo Neves da Fontoura, que fossem ofere-cidas pinturas de Portinari.

    Recebida a incumbncia, mesmo contra-riando a prescrio mdica, o artista se lana com grande entusiasmo ao trabalho de exe-cuo das maquetes dos imensos painis, cujos temas seriam a Guerra e a Paz, sntese das preocupaes das Naes Unidas.

    As maquetes foram aprovadas pelos arquitetos da edificao e pela diretoria da ONU. Imediatamente, em 1952, Portinari d incio aos estudos de detalhamento e ampliao das figuras sugeridas, traba-lhando nos amplos galpes da extinta TV Tupi, em Botafogo. Dois anos depois, entre as mais de cem obras de sua exposio in-dividual no MASP, foram exibidas as duas maquetes dos painis Guerra e Paz.

    Quando o contrato para a execuo do trabalho foi finalmente assinado, em 1955, os estudos preparatrios j estavam bas-tante adiantados ao final do processo, somariam mais de 180, entre esboos e maquetes. Durante nove meses, com a aju-da de Enrico Bianco e Rosalina Leo, Porti-nari pintou cada centmetro daqueles que seriam os maiores painis de sua carreira, com 14 metros de altura por 10 metros de largura cada um.

    A imprensa do pas e do exterior acom-panhou com interesse o desenvolvimento dessa obra, que, em sua complexa comple-mentaridade, compe um discurso visual uno sobre os extremos da desgraa e da bem -aventurana, na trgica e comovedo-ra viso do artista. Nas pginas da histria da arte, incontveis guerras so narradas por cenas que as identificam, localizam e datam. A abordagem de Portinari, porm, outra. No identifica guerra alguma, como a afirmar que em essncia todas se equiva-lem no desencadeamento de horror e ani-

    Greve195055 x 46 cmleo sobre tela Coleo particular

    OS PAINIS GUERRA E PAZ

  • 25

    CANDIDO PORTINARI

    malidade. No se avista no painel arma nenhuma; a cavalgada apocalptica que corta a cena em todas as direes com seu cortejo de conquista, guerra, fome e morte no traz as cores bblicas do fogo e do san-gue, nem o preto, o branco ou o amarelo. o azul que domina. Uma trgica e dorida sinfonia em azul, passando por toda a sua escala. Estamos diante de um cataclismo aterrador em que os tempos remotos se confundem com a origem dos tempos.

    No painel Paz, tal como acontece em seu par, so mltiplas as reminiscncias de obras anteriores de Portinari, como tambm so vrios os vestgios desses trabalhos em quadros posteriores. O que emana desse painel e nos enleva, mais que a ideia de paz, a prpria paz que nos invade ao contem-pl-lo. a sensao de penetrarmos num universo sereno, de comunho fraterna no trabalho produtivo, num reino mgico de cores reluzentes, do som da ciranda de jo-vens num canto universal de fraternidade e confiana, ou da candura dos folguedos infantis. Com todos esses tons dourados, alegres, crepitantes de vida, o pintor parece nos dizer: a paz universal possvel dia vir em que a humanidade desfrutar a paz sem limites no espao e no tempo.

    Ao ser anunciado o trmino dos painis, entregues ao Ministrio das Relaes Exte-riores em 5 de janeiro de 1956, desenca-deou-se imenso movimento em meio opinio pblica, liderado por eminentes intelectuais, artistas e organizaes cultu-

    rais, e at por sindicatos operrios, dese-jando que fossem exibidos no Brasil antes de seguir para Nova York.

    Atendendo ao clamor geral, o Itamaraty transformou o Teatro Municipal do Rio de Janeiro na mais ampla sala de exposio vista no Brasil at ento. Assim, no dia 27 de fevereiro de 1956, na presena do pre-sidente da Repblica Juscelino Kubitschek e de altas autoridades, representantes po-lticos de todas as tendncias, intelectuais, artistas e uma eufrica multido em clima de jbilo nacional, foi inaugurada a extraor-dinria mostra.

    Com a plateia s escuras e os refletores do teatro iluminando os dois painis mon-tados lado a lado no fundo do palco, a obra gerou um efeito visual impressionan-te. Foi a primeira e nica vez que Portinari viu Guerra e Paz erguidos. Nessa mesma

    Bailarina1956

    73 x 60 cmleo sobre tela

    Coleo particular

  • 46

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

    DETALHAMENTO DA OBRA

    CAF

    DETALHE 1No alto vemos o triangulo verde-oliva da plantao, bordeja-

    do por personagens sem rosto que repetem gestos muito pa-

    recidos, como os de uma dana do trabalho. Destaque para

    os homens com as sacas de caf, posteriormente disseminados

    por toda a tela. As linhas em diagonal visam claramente a

    demarcar uma perspectiva ilusionista. Mas, tal qual o escoro

    do brao de Lavrador de Caf (p. 36), o recurso to primrio

    e rgido que fica evidente a vontade do artista de expor a

    gramtica visual em sua forma mais primitiva e original.

    DETALHE 2Do outro lado da tela, empilham-se sacas de caf em uma

    coluna, na qual uma iluso de perspectiva muito sinttica

    fica igualmente marcada a partir da diagonal formada pela

    lateral da ltima saca. A pilha, esquematizada em tons claros

    e escuros ritmados, lembra mais uma rstica estrutura de

    pedra, pintada em tons terrosos e sem qualquer distino do

    fundo geral. Transformadas em elemento quase estilizado,

    essas pilhas compem o espao no afresco de mesmo nome,

    pintado em 1938 para o prdio do Ministrio da Educao,

    como parte da srie Ciclos Econmicos.

    5

    1

    2

    3

    4

  • 47

    CANDIDO PORTINARI

    DETALHE 3No canto oposto da tela, um trabalhador segura um balde prximo a uma

    formao rochosa to esquemtica, em seus recortes, quanto a pilha de

    sacas. A montanha evidentemente baseia-se nas grutas e rochas represen-

    tadas em telas como as de Andrea Mantegna (1431-1506), primitivo do

    Renascimento italiano. O homem, em aproximao com a formao ro-

    chosa, possui aquela concepo volumtrica e escultrica que Portinari

    utiliza na figura do lavrador de caf. As ranhuras enrijecidas de sua cami-

    sa em tom acinzentado no diferem da dureza do corte das pedras.

    DETALHE 4Figura que equilibra a composio. Nessa mesma

    pose, h uma tela anterior, A Colona, em que

    uma trabalhadora branca, talvez imigrante, do-

    mina o espao, com seus rudes ps descalos e as

    grandes pernas abertas em posio de descanso.

    Portinari quer enfatizar as caractersticas negras

    dos trabalhadores, como em Lavrador de Caf.

    Mas o escravo e o imigrante so sobrepostos nes-

    ta figura, evocando o movimento histrico do

    trabalho na lavoura cafeeira. Do ponto de vista

    formal, a roupa branca da negra, diferente da

    roupa colorida de A Colona, rgida, as dobras

    marcam um volume escultrico.

    DETALHE 5Os carregadores de sacas de caf ocupam o centro da cena. So vrios

    trabalhadores, todos vestindo camisa branca, como se fossem uma

    s personagem rebatida, decompondo o movimento em partes.

    A decomposio das fases do trabalho em uma composio esttica

    enfatiza a temporalidade suspensa em que se movem as personagens.

    Os ps, as pernas, os braos potentes, rolios dos carregadores e da

    negra, da mesma cor da terra, sugerem uma relao com o solo, com

    a fora da natureza lavrada para produzir a riqueza do pas.

  • 78

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

    PRIMEIRA MISSA NO BRASIL

    obra16: seu carter teatral e, assim, um tanto artifi-

    cial. Realmente, a insistncia nessas caracterizaes

    tem algo de figurino de teatro.

    Outro detalhe que chama a ateno nesse senti-

    do a ausncia deliberada no apenas do indgena,

    mas de qualquer vegetao ou aluso mata brasi-

    leira. H formas cilndricas na vertical, uma faixa

    azul-metlica fazendo as vezes de mar, outras faixas

    sinuosas a simular montanhas. Essas formas abstra-

    1948271 x 501 cm

    Painel, tmpera sobre tela

    Acervo do Museu Nacional de Belas Artes

    (Rio de Janeiro)

    Pelo tema escolhido, esta composio hist-rica pintada em Montevidu, Uruguai, foi comparada j na primeira recepo crtica Primeira Missa de Victor Meireles (1832-1903), tela

    de 1860 na qual h clara relao dos ndios com a

    grande cruz e o sacerdote. No painel de Portinari,

    porm, evidencia-se primeira vista a ausncia da

    populao indgena, to importante na pintura de

    Meireles. O espao, pelo qual se dispersam vrios blo-

    cos de figuras, organizado em retngulos, como em

    So Francisco Se Despojando das Vestes (p. 74), mu-

    ral da Pampulha. Entretanto, no se nota mais nem o

    efeito de transparncias nem a sbria interseco

    entre planos do fundo e das figuras. As cores dos

    planos retangulares so vibrantes, contrastantes, e as

    figuras se apresentam muito mais caracterizadas,

    destacadas e corpreas muito mais realistas.

    notvel o cuidado documental com que so

    representadas as personagens histricas da cena.

    Exemplos so os portugueses, ora vestidos com boi-

    nas, ora organizados em grupos armados, como no

    ncleo atrs do altar, direita; ou os representantes

    do clero, com seus hbitos no grupo ao centro, ajoe-

    lhados em bloco sobre um plano vermelho-vivo. Es-

    sas vestimentas caractersticas que organizam os

    ncleos distintos de figuras apontam para outra

    chave de interpretao, que crticos como Mrio

    Pedrosa (1900-81) evidenciaram na recepo da

  • 79

    CANDIDO PORTINARI

    tas, que nas demais composies se articulam com as

    figuras, aqui ganham ares de cenrio.

    No centro da cena, uma grande caixa desempe-

    nha o papel de altar e s um plano cruciforme azul-

    -claro paira sobre o grupo do clero, mas nenhuma

    cruz, a no ser a da bandeirola que lembra insgnia

    militar. O sacerdote, tambm caracterizado em seus

    detalhes de figurino, repete o gesto da tela de Mei-

    reles, mas todo o artificialismo de cenrio enfatiza a

    conotao pouco religiosa ou mstica do todo. Mrio

    Pedrosa escreve posteriormente em 195717, em crti-

    ca um tanto severa em relao composio, que

    Portinari levou em conta dados histricos sobre a

    celebrao, da qual realmente se ausentava a popu-

    lao local. A ausncia do elemento indgena que

    concede, assim, um ar meramente oficial ao evento,

    teatralidade acentuada deliberadamente pelo artista

    como forma de viso crtica da histria do Brasil.

  • ADRIANAVAREJO

    ADRIANA VAREJO

    Di Cavalcanti (1897 - 1976) um dos principais nomes do modernismo brasileiro. Ao retra-

    tar pescadores, sambistas, trabalhadores e, especialmente, mulatas, seu repertrio visual se

    consolidou baseado na realidade do pas.

    Questo central na obra de Di Cavalcanti a refl exo sobre a identidade cultural brasileira

    a partir de uma vertente social. Assim, ele se destaca por aliar marcas das vanguardas euro-

    peias modernistas com uma temtica nacionalista, com personagens populares.

    Alm de artista, Di Cavalcanti foi ainda um grande agitador, tendo sido um dos respon-

    sveis pela organizao da Semana de Arte Moderna, de 1922, e pela fundao do Clube

    dos Artistas Modernos, em 1932.

    5

    5

    AD

    RIA

    NA

    VAREJO

  • 18

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

  • 19

    ADRIANA VAREJO

    NADA DO QUE FOI SER, DE NOVO, DO JEITO QUE J FOI UM DIA2

    Nascida em 1964 no bairro de Ipa-nema, Rio de Janeiro, filha de um piloto da aeronutica e de uma nutricionista, a artista costuma declarar que seu interesse e sua atividade de buscar refe-rncias em livros remonta aos 4 anos de ida-de, quando descobriu as obras de arte re-produzidas na coleo Gnios da Pintura. Ela mesma se aceita como uma artista ca-tadora, andarilha, que cata referncias4.

    Aps uma tentativa de enveredar pelo universo mais racional da engenharia e at mesmo do desenho industrial e da co-municao visual , Adriana Varejo fre-quenta os cursos livres da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro. Assim, inicia uma convivncia com a Ge-rao 80, como ficaram conhecidos os jovens artistas que, principalmente no eixo Rio-So Paulo, retomam e recuperam a pintura e outros meios como forma de trilhar novos caminhos, em direes distin-

    tas daquelas que nortearam significativa parcela da produo artstica brasileira nas dcadas de 1960 e 1970, marcada pelo Experimentalismo e pelo Conceitualismo.

    As primeiras obras da artista foram pro-duzidas em seu pequeno ateli, em 1985, e integravam a srie de pinturas Pr-Histri-cas, pelas quais ela recebe o Prmio Aquisi-o no IX Salo Nacional de Artes Plsticas Funarte, em 1987, inserindo -se, a partir de ento, no cenrio artstico nacional.

    O ano de 1987 tambm lhe permite en-trar em contato com uma das matrizes de suas investigaes, o imaginrio do Barroco mineiro: Meu primeiro contato com o Bar-roco se deu atravs de um livro sobre igrejas barrocas no Brasil. Eu j costumava saturar a tela com muita tinta, criando superfcies bastante espessas. Foi quando estive em Ouro Preto pela primeira vez. Fiquei real-mente chocada, em xtase. Era a primeira vez na vida em que entrava numa igreja barroca. Essa igreja ficava num dos pontos mais altos de Ouro Preto e se chamava Nos-sa Senhora do Rosrio dos Pretos do Alto da

    Quando cheguei a Ouro Preto, fiquei chocada, em

    xtase. [...] sozinha, subindo aquelas ladeiras de

    paraleleppedos [...], entrei na primeira igreja barroca

    de minha vida [...]. Visitei todas as igrejas da cidade,

    vrias vezes, andava descala pelas ruas. 3

    AS JOIAS CARNVORAS DO BARROCO

  • 20

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

    Cruz5, mais conhecida como Santa Efignia. Era como se a matria danasse. Forte, vi-va, potente, pululante. Aquilo era para mim uma estranha alquimia entre o ouro e o sangue, entre a riqueza e o drama. Me voltei para Minas, para suas pequenas cidades histricas, suas montanhas, cachoeiras e pedras, e especialmente para Ouro Preto. Aquelas igrejas eram caixas de joias que guardavam complexas e fascinantes joias carnvoras, capazes de ingerir qualquer ele-mento alheio, fragmentos dispersos, acu-mulando-os, deformando-os e integrando--os ao seu universo sagrado6.

    No incio foi a empatia, o gosto, o desejo de entrar em contato profundo com essa esttica que ela assimila e retrabalha, num

    processo de contraconquista Aleijadinho (c. 1730-1814), Sror Juana Ins de la Cruz (1651-95), o escritor Severo Sarduy (1937--93) e mesmo Guimares Rosa (1908-67), um modernista bastante barroco. A artista inicia ainda em 1987 a srie Barrocos e participa da exposio coletiva Novos No-vos, na Galeria do Centro Empresarial Rio, em Botafogo, realizando no ano seguinte a primeira individual, na Thomas Cohn Arte Contempornea, no Rio.

    Sua insero no circuito internacional acontece em 1989, com a exposio cole-tiva U-ABC no Stedelijk Museum, de Amsterd, e na Fundao Calouste Gul-benkian, de Lisboa. Segue-se a participa-o em Viva Brasil Viva (1991), no Lilje-valchs Konsthall, em Estocolmo.

    Ainda em 1991, Adriana inicia as sries Terra Incgnita e Mares e Azulejos e rea-liza a segunda individual, na Thomas Cohn Arte Contempornea. No ano seguinte, acontece a primeira individual internacio-nal, na Galeria Barbara Farber, em Ams-terd, e a individual Terra Incgnita, na Galeria Luisa Strina, de So Paulo. Nas obras dessa srie, evidencia-se o processo pelo qual Adriana, aps ter se apropriado do imaginrio religioso barroco, incorpora as referncias e imagens da histria do Brasil e as retrabalha de modo a propor uma viso crtica da relao entre coloni-zador e colonizado.

    As representaes etnogrficas dos in-

    Natividade1987180 x 130 cmleo sobre telaColeo particular

  • 21

    ADRIANA VAREJO

    dgenas e dos negros, como aquelas elabo-radas por Debret (1768-1848) para ilustrar o livro Viagem Pitoresca e Histrica ao Brasil, combinam-se com o referencial imagtico das igrejas. Sobressai a inteno de discutir o papel civilizatrio da institui-o. A educao segundo os valores cris-tos, a instruo e a converso religiosa constituem instrumentos eficazes para conquistar o povo nativo e afirmar a su-premacia da cultura europeia, que se pre-tende hegemnica como viso de mundo ao impor-se em seus novos domnios.

    So essas as diretrizes que norteiam a nova srie, Proposta para uma Cate-quese (1993) (p. 38), apresentada na indi-vidual homnima, na Thomas Cohn Arte Contempornea.

    No ano seguinte, a srie dos Irezumis (p. 54) iniciada, e a participao em co-letivas internacionais como a XXII Bienal Internacional de So Paulo e a V Bienal de Havana articula o trabalho da artista com suas investigaes sobre as relaes entre cultura e deslocamento, expressas na mostra Mapping, exibida nesse mesmo ano no MoMA.

    O ano de 1995 representou a possibili-dade de ampliar as investigaes que de-pois atravessaro a obra de Adriana. Esse

    processo de alargamento tem incio com as sries Acadmicos e Lnguas e Cortes (p. 62 e 74), nas quais se manifestam de forma incisiva os dilogos com a tradio pictri-ca e com a corporalidade, bem como o ca-rter objetal, atribudos pintura. A partir desse perodo, a participao em exposi-es e projetos coletivos internacionais, alm de uma intensificao da presena em mostras individuais, tanto em galerias como em instituies culturais, atestam a contundente insero da artista nesse cir-cuito, assim como ampliam a perspectiva das relaes e discusses que a produo de Adriana estabelece com os distintos cr-culos artsticos pelo mundo.

    Ainda que sob pena de ser restritivo, de-vem ser mencionadas, no processo dessa consolidao internacional, a individual na Annina Nosei Gallery, em Nova York, proje-

    Distncia1996

    195 x 165 x 10 cm leo sobre tela, madeira, garrafas, leo de linhaa

    Instituto Figueiredo Ferraz, Ribeiro Preto

    CONSUMAO DA CARNE

  • 32

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

    ALTAR AMARELO

    Ainda est por vir a profunda imerso no Novo

    Mundo apresentado por viajantes estrangeiros em

    seus relatos, mapas e desenhos de paisagens uni-

    verso que Varejo transportar para diversas sries.

    Nelas reelaborar narrativas da histria, propondo

    um olhar que, paradoxalmente, perceba esses frag-

    mentos como totalidade.

    Quanto ao imaginrio Barroco, ainda no se

    percebe aqui o drama e a eloquncia com os quais

    a artista articular criticamente as imagens produ-

    zidas nas sries subsequentes. Entretanto, a matria

    adquire desde j uma espessura que tornar o vo-

    lume um elemento concreto em suas pinturas, e

    no apenas um efeito da representao.

    1987160 x 140 cm

    leo sobre tela

    Coleo particular

    A ltar Amarelo integra um conjunto ini-cial de obras nas quais a matria da tin-ta e a espessura das camadas constri explicitamente um emaranhado de formas direta-

    mente relacionadas ao universo do Barroco brasi-

    leiro, em particular s igrejas de cidades mineiras

    como Ouro Preto. Ao explorar essa materialidade,

    a artista inicia tambm um percurso pelo territ-

    rio do imaginrio colonial brasileiro.

    Partindo de igrejas, altares, santos, volutas e

    azulejos, entre tantos outros elementos referenciais

    desse perodo, cria uma iconografia prpria e reco-

    nhecvel que j evidencia diversas opes formais

    futuras. Tais elementos sero a base de boa parte

    das sries da artista, articulando demais interesses

    e temas que sero tratados em obras posteriores.

  • 33

    ADRIANA VAREJO

  • 66

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

    DETALHAMENTO DA OBRA

    REFLEXO DE SONHOS NO SONHO DE OUTRO ESPELHO

    DETALHE 1A obra formada por quatro telas, duas quadradas

    ao centro, com dimenses diferentes, uma retangular

    acima e outra, oval e menor, abaixo. O conjunto

    insere o observador em um ambiente no qual

    fragmentos do corpo flutuam em suspenso,

    incluindo os reflexos multiplicados pelo efeito do

    espelho. Eles fazem que a cabea paire no ar,

    ampliando ainda mais o carter espectral da cena.

    DETALHE 2As duas telas colocadas no cho e parcialmente

    sobrepostas acentuam o carter fragmentrio e a

    impossibilidade de se fazer o caminho de volta, para

    a unidade do corpo. Uma delas reflete o teto e o

    tronco que flutua, decapitado e sem a maior parte

    dos membros, at quase atingir o plano superior.

    1

    2

    3

    4

    5

  • 67

    ADRIANA VAREJO

    DETALHE 3A tela redonda, instalada como um espelho convexo

    de garagem, reflete toda a sala e nos apresenta

    um espao vazio, etreo e mrbido, com pedaos

    de um corpo humano suspensos no ar.

    DETALHE 4Reforando o estranhamento, apenas

    um fragmento do p esquerdo parece

    entrar (ou querer escapar) da nica

    tela com fundo escuro, por oposio a

    todas as outras, que refletem as

    paredes. Esse fundo negro, voltado

    para baixo, reflete o piso de cimento

    do espao expositivo da Bienal.

    DETALHE 5O conjunto de seis pinturas recebe o visitante e parece capaz

    de fornecer indcios do corpo ali fragmentado: na parte

    superior da parede, a cabea; ao centro, tronco e membros,

    ainda que em perspectivas distorcidas pelo reflexo; e a

    pintura com o fragmento de coxa, perna e p quase a apoiar

    no cho, como uma tentativa de reconstituir uma unidade

    rompida. O sentido de vazio exacerbado pelas duas

    pequenas telas circulares ao lado da representao da cabea.

  • 84

    GRANDES PINTORES BRASILEIROSCOLEO FOLHA

    CELACANTO PROVOCA MAREMOTO

    Oferecidos como fragmentos, anjos, volutas,

    panejamentos, cornijas ou qualquer outro elemen-

    to do imaginrio seiscentista ali presente j no nos

    remetem mais ao Barroco. Em vez disso, banham-

    -nos em ondas e ondas que nos fazem afundar,

    boiar deriva, perder o flego e hipnoticamente

    nos entregar. A gigantesca onda poderamos at

    pensar em um mar revolto est ali a nos devolver

    os cacos da histria, da pintura, da cultura ultra-

    marina que nos foi imposta e que antropofagica-

    mente deglutimos. Por outro lado, ela pode ser

    pensada como uma revisitao fragmentada da

    famosa xilogravura A Grande Onda de Kanagawa,

    de Katsushika Hokusai (1760-1849), a nos manter

    por um instante em suspenso diante da imensido

    do vazio e do silncio.

    A imagem produzida a partir de um elabora-

    do e delicado processo de escolhas que a artista

    revela em videodocumentrio22. Primeiro, fotogra-

    fa os fragmentos de azulejos, com seus distintos

    matizes de azul (cerleo, ftalo, ultramar, cobalto,

    real). Depois seleciona as imagens e as articula por

    um processo digital, criando um mosaico de com-

    binaes infindveis, uma maquete virtual como

    guia para a fase de concluso de cada pintura,

    assim como para as decises finais sobre como

    articul-las.

    Assim foi criada a configurao arquitetnica

    na qual se materializou a instalao, como que

    aprisionada e potencialmente pronta para explo-

    dir em jorros, extravasar as paredes, voltar plena

    de fora e vitalidade para a natureza.

    2004-2008Instalao com 184 telas

    110 x 110 cm cada tela

    leo e gesso sobre tela

    Coleo do Instituto Inhotim (Brumadinho, MG)

    C elacanto Provoca Maremoto21 pode ser

    considerado um marco na obra de Adria-

    na, por potencializar ao mximo a articu-

    lao entre investigaes pictricas e relaes com

    a espacialidade, seja pelo vis da arquitetura, seja

    pela explorao da tridimensionalidade. Ao subir-

    mos as escadarias do pavilho da artista em Inho-

    tim, mergulhamos nessas acolhedoras entranhas

    aquticas e nos deparamos de imediato com as

    questes histricas e culturais propostas na pintura

    dos azulejes que compem este ambiente de te-

    atralidade e imponncia, mas tambm de calma e

    tranquilidade.

    Potentes e dramticas, as variaes se insta-

    lam a partir dos monocromos brancos e envere-

    dam pelos fragmentos de linhas curvas e sinuosas,

    incluindo as referncias angelicais barrocas. Im-

    pactante, o mar de azuis a explicitao das in-

    contveis possibilidades e da diversidade dos tons,

    mais do que mera aluso cor do mar. Embora

    seja evidentemente uma azulejaria, a instalao

    se revela uma infindvel sucesso de imagens,

    exacerbada ao revelar o fragmento do fragmento,

    a pincelada como fragmento explorado na pintu-

    ra, tudo fundido em um amlgama de brancos e

    azuis, uma colagem que remonta a tempos passa-

    dos e a azulejos que, uma vez partidos, no podem

    mais ser substitudos.

  • 85

    ADRIANA VAREJO