devido processo legal boschi

Upload: slashdgreat

Post on 07-Apr-2018

224 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    1/27

    O DEVIDO PROCESSO LEGAL: ESCUDO DE PROTEO DO ACUSADO EA PRAXIS PRETORIANA

    Jos Antonio Paganella Boschi1

    Consideraes introdutrias

    Os seguidores da ideologia que recomenda tratamento de choque parareduo dos ndices de violncia e de criminalidade partem da idia de que a soluodesse grave problema passa exclusivamente pelo maior confinamento das pessoas nas

    penitencirias, isto porque a funo do ordenamento jurdico criminal no seria outraseno a de instrumentalizar a punio estatal.

    A questo mais complexa, sendo ingnua a suposio de que tudo seresolve com cadeia ou de que civilidade pode ser alcanada fora das polticas pblicasde valorizao do indivduo. Carnelutti, h dcadas, j dizia em seus Misrias do

    Processo que a misso que devia cumprir era a de desanganar o homem comum arespeito da crena de que basta ter boas leis e bons juzes para se alcanar acivilizao2.

    A linha de discurso preconizando maior rigor punitivo perversaporque alm de gerar crditos para o executivo gera dbitos para as agencias estataisincumbidas de aplicar o direito penal. Ademais, tambm sugere que as pessoas podemser classificadas em boas e ms e que todos os que violam a lei penal so enquadrveisneste ltimo grupo, para os quais no h soluo fora do castigo exemplar, da penaelevada, do isolamento, no raro em regime disciplinar diferenciado. Alis, j se fala emum novo direito, cognominado de direito penal do inimigo, para legitimar atuaes

    preventivas, neutralizadoras, das aes dos inimigos do povo, em relao aos quais asgarantias do direito penal clssico so flexibilizadas.

    No negamos que a fonte da legalidade da punio provm do sistemapunitivo. Felizmente, em todo mundo, a reserva legal ainda um princpio de primeiragrandeza. Nem por isso aceitamos a tese de que a funo do Cdigo Penal tem por fim

    primordial instrumentalizar o castigo, como sustentam os que advogam maior rigorpunitivo em nosso meio, sendo suficiente lembrar a lio que Von Liszt transmitiu emseu Programa de Marburgo3, qual seja, a de que o Cdigo Penal uma Carta Magna

    porque a todos, criminosos e no-criminosos, contra os excessos do Estado. Nessa perspectiva, portanto, a produo e a incidncia das normas

    penais no Estado de Direito Democrtico se subordinam a limites no ultrapassveis.

    Esses limites defluem dos princpios gerais delineados em nossa Constituio, emespecial, o do devido processo legal4, que irradia muitos outros, conformeesclareceremos a seguir.

    1 Ex-Promotor de Justia; Desembargador aposentado; ex-Diretor da Revista da AJURIS e da Escola Superior da Magistratura, Professor da PUC, Mestre em cincias criminais e

    advogado criminalista2 CARNELUTTI, Francesco, As Misrias do processo, Edicamp, Campinas, 2002, cfe. Prefcio de Luiz Fernando Lobo de Moraes.

    3 LISZT, Franz Von Liszt, La Idea del fin em El Derecho Penal, Mxico, Edeval, 1994.

    4 O devido processo legal, constitucionalizado explicitamente no uma mera pauta programtica mas, isto sim, um ... inesgotvel manancial de inspirao para a criatividade

    hermenutica, acrescentando que, sob o influxo da interpretao construtiva (constructive interpretation) do substantivo due processo of law, essa garantia acabou por transformar-senum amlgama entre o princpio da legalidade (rule of law) e o da razoabilidade (rule of reasonableness) para ao controle da validade dos atos normativos e da generalidade das

    decises estatais... (LIMONGI, Celso Luiz, O Devido processo Legal Substantivo e o Direito penal, So Paulo, Revista da Escola Paulista da Magistratura, v. 2, n. 1, p. 162).

    1

  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    2/27

    Limites no ultrapassveis, convm repetir, porque, a teor da novahermenutica, delineada a partir do pensamento de Dworkin5e Alexy6, dentre outros, os

    princpios de conteno deixaram de ser meros standards compreenso das regras,como propunha a anterior hermenutica, cuja expresso em nosso meio maior foi CarlosMaximiliano, para passarem condio de espcies de normas, ao estilo das regras.

    Nas palavras de Paulo Bonavides7

    , aludindo s investigaes deGuastini, embora distintos formalmente, a fora normativa passa a ser, nessa novaconcepo hermenutica, o trao largo e comum entre os princpios e as regras.

    Configurando-se como mandados de otimizao, os princpios (porbvio tambm os penais), do mesmo modo que as regras, veiculam valores e transmitemordens para que (...) algo seja realizado na maior medida possvel, dentro das

    possibilidades jurdicas e reais existentes 8.Os princpios no so, portanto, meras pautas programticas, ou declaraes deinteno, mas, agora, so normas, dotados de fora normativa to intensa que,eventualmente, podem revogar as regras, dependendo da hierarquia do princpio.

    Desse modo, o legislador no detm liberdade plena para editar a leique bem entender. Ele est impedido de produzir normas desarrazoadas, inquas, comoa que, por hiptese, viesse a revogar de nosso Cdigo o artigo 121, que define ohomicdio. Da o princpio da razoabilidade, o qual voltado para a substancialidadedas leis e age como comando proibitivo ao legislador.

    O juiz tambm no livre. Na interpretao e aplicao da lei h que seguiar pelos valores que formam o complexo da sociedade em que vive, sobressaindo-seem nossa Constituio o valor mximo enunciado no princpio da dignidade da pessoahumana. Da falarmos em razoabilidade9, em sua vertente instrumental, processual, degarantias.

    Embora falte definio precisa, o dplice aspecto do devido processo

    legal reconhecido pelos juristas. Adauto Suannes elucidativo: ... devido processosob o aspecto procedimental (ou a insistncia na observncia de predeterminadasregras para os casos a serem julgados): e devido processo substancial (ou exigncia deque essas regras sejam razoveis), no havendo dvida, ento, de queindependentemente do significado que venha a ser conferido expresso due process, a equidade procedimental aquilo que ela mais inflexivelmente exige. A equidade acompreende fundamentalmente reequilibrar os dois pratos da balana, que, quando doincio da ao, pese embora a previso constitucional da presuno de inocncia, estoem desequilbrio, pois o estado j traz consigo os atos investigatrios que, no em

    poucos casos, servem de supedneo para o prprio decreto condenatrio10.Na esteira das motivaes histricas que determinaram sua insero na

    Carta Magna de 1215, o princpio do devido processo legal fonte irradiadora de

    5 DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Srio. So Paulo, Martins Fontes, 2003, p. 44.

    6 ALEXY, Robert. Teoria de Los Derechos Fundamentales. Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 83.

    7 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. So Paulo, Malheiros, 2000, p. 230.

    8 ALEXY, Robert. Teoria de Los Derechos Fundamentales. Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 83.

    9 Embora desenhado para atender aos reclamos dos senhores feudais e assim neutralizar os riscos no Poder, o devido processo legal, consubstanciado na Carta Magna de Joo Sem

    Terra, o quarto filho do Rei Henrique, transformou-se em formidvel conquista a beneficiar, indistintamente, todos os homens de carne e osso, que esto submetidos ao poder do

    homem artificial, independentemente de credo, religio, cor, condio social, econmica, financeira, etc. Se os direitos fundamentais previstos na Carta Magna haviam sido

    reconhecidos, em forma contratual e particular, quelas pessoas que pertenciam nobreza, a evoluo posterior, como ensina PREZ LUO, citado por ARTURO HOYOS, supps

    um trnsito progresivo de estos documentos del mbito privatstico al del derecho publico, de modo que, com el constitucionalismo la garantia del debido proceso es reconocida

    como um derecho fundamental, consagrado em um instrumento de derecho pblico, y cuya titularidade no se limita ya a los miembros de um estamento feudal, sino que se presenta

    como um derecho de todos los ciudadanos de um Estado o de todos los hombres por el hecho de serlo (El Debido Proceso, Temis, Bogot, 1998).

    10 SUANNES, Adauto, Fundamentos ticos do Devido Processo Penal, So Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 102)

    2

  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    3/27

    muitos outros princpios, que se conectam e formam uma totalidade, ou seja, umaunidade, bem ao estilo dos Cdigos, regendo e limitando a incidncia normativa em prolda Justia.

    Baseados em precedentes do STF e do STJ, nosso objetivo , com estetrabalho, identificar e comentar tais derivaes, para ao final reconhecermos a matriz

    que permeia a jurisprudncia dos dois colendos Tribunais quanto real funo das leispenais.

    As irradiaes do devido processo legal

    Como explicamos acima, o devido processo legal, em sua perspectivaformal, instrumental, projeta princpios que, sem prejuzo da punibilidade, visam agarantir desdobramentos hgidos, regulares, seguros, da relao jurdico-processual eque, desse modo, funcionam como escudos de conteno contra os excessos do Estado-Acusador.

    Sem prejuzo da punibilidade, bom repetirmos, pela constatao de

    que muitos incorrem no equvoco de supor que o approach garantista expressa umaopo pela impunidade. Em verdade, o garantismo apenas exige que o jus puniendiseefetive obedientemente ao devido processo legal e a todos os princpios constitucionaise legais dele decorrentes, que veiculam os valores fundamentais do Estado Democrticode Direito, nomeadamente, o da dignidade da pessoa humana. Nada mais.

    Tais princpios esto relacionados, dentre outros, aos temas inerentesaos princpios especficos constantes de nossa Constituio. Por estarem previstos emincisos prprios do artigo 5, a nossa Lei Maior, nessa medida, acabou ficandoredundante, tautolgica, porque ao consignar a clusula do devido processo legal no se

    precisaria discriminar no texto suas irradiaes em normas especficas.Longe de ser criticada, a redundncia, em verdade, foi salutar, porque

    expressou a disposio do legislador constitunte de deixar bem claro o sentidogarantista da clusula.

    Eis as derivaes:

    a) Sistema acusatrio de processo

    Arturo Hoyos, no livro antes mencionado, v o devido processo legalcomo ... uma institucin de carcter instrumental em virtude de la cual em todo

    proceso debe brindar-se a la perseona uma serie de garantias y de protecciones quepermitam a las personas uma lucha por el drecho, uma defensa efectiva de sus

    derechos por mdio del ejercicio del derecho de accin em virtud del cual las personaspueden formular pretensiones que deben ser resueltas por el Estado mediante elejercicio de la funcin jurisdicional 11.

    Fcil deduzir, ento, que nenhuma luta limpa ser vivel, emcondies de propiciar o julgamento justo, se desenvolvida sob a gide do sistemainquisitivo de processo, definido por Jacinto Coutinho12 como um diablico engenhoconstrudo pela Igreja, na medida em que teve por finalidade a reproduo do podertemporal e espiritual do consrcio Estado-Igreja sobre a face da terra.

    Aury Lopes Jr. no nos deixa esquecer que sob a gide do sistemainquisitivo, adotado nos Tribunais da Inquisio, o processo poderia comearmediante uma acusao informal, denncia (de um particular) ou por meio da

    11 pg. 58

    12 COUTINHO, Jacinto, O Papel do Novo Juiz no Processo Penal, in Crtica Teoria Geral do Processo Penal, Renovar, Rio, 2001.

    3

  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    4/27

    investigao geral ou especial levada a cabo pelo Inquisidor. Era suficiente um rumor para que a investigao tivesse lugar e com ela seus particulares mtodos deaveriguao. A priso era uma regra porque assim o inquisidor tinha sua disposioo acusado para tortur-lo at obter a confisso. Bastava dois testemunhos paracomprovar o rumor e originar o processo s sustentar a posterior condenao13.

    A esses graves defeitos do sistema inquisitivo, outros poderiam seracrescentados. As imputaes por heresia constituam acusaes pela prtica dopensamento destoante da concepo estabelecida; a confisso era a meta optata e, paraconsegui-la, o Inquisidor, que concentrava as funes de acusar e de julgar, podia apelar tortura. Se o acusado resistisse, seria culpado por estar cometendo o crime de

    perjrio14, o que significa dizer que nulas eram suas opes.O sistema inquisitivo s seria superado pelo modelo acusatrio depois

    da execuo de muitos inocentes. O novo sistema distingue as funes de acusar, dedefender e de acusar e confia o seu exerccio a pessoas diferentes. O sistema acusatrio,nessa medida, enseja controles pela publicidade, resguarda as garantias fundamentais doacusado e viabiliza condies para a independncia do juiz e sua eqidistncia das

    partes. Na Constituio brasileira inexiste dispositivo expresso acerca do

    sistema acusatrio, que aparece, contudo, de corpo inteiro, no s nos artigos que tratamdas garantias individuais como ainda daqueles que definem as atribuies,competncias, deveres e prerrogativas do Ministrio Pblico, da Magistratura, daAdvocacia.

    Sem embargo disso, os tribunais brasileiros continuam aceitando avalidade dos dispositivos do CPP que prevem a interveno do juiz como condio

    para o arquivamento do inqurito policial (art. 28); que a ele conferem poderes pararequisitar provas visando dirimir dvida sobre ponto relevante (art. 156); para

    proceder ao reinterrogatrio do acusado (art. 196); para determinar a conduo davtima sala de audincias para prestar depoimento (art. 201, pargrafo nico), paraouvir, quando julgar necessrio, quaisquer pessoas alm daquelas indicadas pelas

    partes (artigo 209); para requisitar, de ofcio, documentos sobre cuja notcia tiverconhecimento para dirimir ponto relevante da acusao ou da defesa (art. 234); paraordenar de ofcio busca pessoal (art. 242) ou realiz-la diretamente (art. 241); paradecretar a priso preventiva do acusado, independentemente de provocao (art. 311);

    para recorrer de ofcio quando conceder o habeas corpus, para dar ao fato novadefinio jurdica (artigo 384 e pargrafo); absolver sumariamente o ru (art. 574,incisos I e II e 411); acolher pedido de reabilitao criminal (art. 746); declarar oarquivamento do inqurito ou absolver o denunciado por crime definido na Lei

    1.521/51, art. 7, etc. At mesmo quando do julgamento das apelaes permite nossoCPP que Cmaras ou Turmas ordenem novo interrogatrio, reinquirio de testemunhase determinao de outras diligncias complementares (art. 616).

    Ora, essa realidade normativa no mais se coaduna com a nova ordemconstitucional e h muito deveria ter sido reinterpretada. No aceitvel, data vnia, a

    protelao do urgente trabalho de filtragem constitucional, ao nvel dos Pretrios, paraque a Lei Maior, efetivamente, cumpra sua funo dirigente frente legislaoinfraconstitucional.

    Como bvio: so as leis que devem se ajustar Constituio e no ocontrrio.

    13 LOPES JR., Aury, Introduo Crtica ao Processo Penal, Fundamentos da Instrumentalidade Garantista, Lumem Jris, Rio, 2004, p. 161

    14 EYMERICH, Nicolau. Manual dos Inquisidores. Rio de Janeiro : R osa dos Ventos, 1993.

    4

  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    5/27

    b) A presuno de inocncia

    A garantia da presuno de inocncia outra importante irradiao dodevido processo legal e diferentemente da anterior est explicitamenteconstitucionalizada no inciso LVII do art. 5.

    A extenso, longitude, latitude e profundidade dessa garantia podemser aferidas em duas regras muito bem apanhadas por Luiz Flvio Gomes ereproduzidas por Alexandre Brizzotto e Andria de Britto15: uma, a regra tratamento e aoutra, a regra probatria.

    A primeira delas (regra de tratamento) indica que as medidascautelares e, em especial, as prises, no dizer de Odone Sanguuin, no podem serutilizadas jurisdicionalmente como instrumentos para castigos antecipados16, muitoembora no constitua novidade a informao de que nas penitencirias brasileiras hmuitas pessoas, algumas notrias, aguardando o julgamento sem que fatos concretos ereais apontem para a imposio das medidas excepcionais, salvo o clamor pblico ou asmanchetes dos jornais e suas motivaes.

    Inaceitvel decreto de priso cautelar ou condenao s para servir deexemplo. O indivduo no pode ser preso ou condenado para instrumentalizar polticas

    pblicas de preveno geral, a no ser negando-se o valor fundamental do Estado deDireito Democrtico, o valor da dignidade da pessoa humana, que todos ns temos odever de resguardar e proteger.

    Inimaginvel, salvo na barbrie, a condenao de inocente. Bem ilustrao absurdo o famoso o dito do juiz ingls BURNET, reproduzido por Goldschmidt:Homem, tu ests sendo enforcado no por que roubaste um cavalo, mas para que oscavalos no sejam roubados 17.

    Embora incompatibilidade da aplicao de castigo sem certido detrnsito em julgado da sentena com a regra de tratamento, o STF18 e o STJ19continuamexigindo o recolhimento do ru priso como condio para o acesso via recursalextraordinria, amparados na literalidade da lei sobre o efeito s devolutivo dessesrecursos (pargrafo 2 do artigo 27 da Lei 8038/90).

    Essa jurisprudncia, data vnia, culmina por admitir cumprimentoantecipado da pena e, desse modo, por negar a regra em questo.

    Felizmente, h decises liminares tanto no STF20 quanto no STJ21

    admitindo o efeito suspensivo, nas condenaes a penas restritivas de direito. Essasdecises que muito bem poderiam alcanar os condenados ao cumprimento de penas

    privativas de liberdade mesmo isoladas - projetam a provvel inclinao dajurisprudncia desses Tribunais, em favor da supremacia constitucional da garantia da

    presuno de inocncia.

    22

    Conforme declarou o Min. Cezar Peluso em deciso concessiva deliminar, o disposto no inc. LVII do art. 5 da Constituio da Repblica no merarecomendao, mas enunciado claro de garantia contra possibilidade de lei ou deciso

    15 BRIZZOTTO, Alexandre e BRITO, Andria, Processo Penal Garantista, AB Editora, Goinia, p. 51.

    16 SANGUIN, Odone, Prisin Provisional y Derechos Fundamentales, Tirant, Valncia, 2003, p. 433

    17 GOLDSCHMIDT, James, Princpios Gerais do processo Penal, Lder, Belo Horizonte, 2002, p. 17.

    18 RHC 85024 / RJ, 2. T., Min. Elen Gracie; RHC 84846 / RS, 2a. T., min. Carlos Velloso; HC 79814 / SP, 2. T., rel. Min. Jobim, j. 23/05/2000

    19 Smula 267 do STJ e HC 42837 / SP 5. T., rel. Min. Flix Fischer, j. 28/06/2005 e HC 33747 / SP, 6. T., 6. T., rel. Min. Hamilton Carvalhido

    20 HC. 857.477, de que foi Relator o emin. Min. Marco Aurlio e do HC. 84.677, 1. T., rel. Min. Cezar Peluso e HC. 85.289, rel. Min. Seplveda Pertence.

    21 HC. 25.310. 5. T., Relator o emin. Min. Paulo Medina; HC. 28.290, rel. Min. Hamilton Carvalhido.

    22 Parece-nos possvel dizer tambm que o par. 2o do artigo 27 da Lei 8038/90 no se aplicaria ao crime, mas somente ao cvel. Essa interpretao dispensa questionamento

    constitucional, pois sabemos todos que, no cvel, perfeitamente possvel a execuo antecipada, desde que o requerente caucione a demanda.

    5

  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    6/27

    judicial impor ao ru, ante do trnsito em julgado de sentena penal condenatria,qualquer sano ou conseqncia jurdica gravosa que dependa da condioconstitucional expressa no trnsito em julgado da mesma sentena. Tal clusulaassegura ao ru, em causa criminal, no sofrer, at o trnsito em julgado da sentena,nenhuma sano ou conseqncia jurdica danosa, cuja justificao normativa

    dependa do trnsito em julgado de sentena condenatria, que o juzo definitivo daculpabilidade.23

    Sem embargo dessa tendncia mais liberal e garantista, aindaremanesce contraditoriamente no STF24 e no STJ25o entendimento de que a fuga do rucausa a desero da apelao pendente, consoante dispe o artigo 595 do CPP.

    Contraditoriamente, dissemos, porque tanto o STF quanto o STJ vemnegando validade ao artigo 594 do CPP, cujo texto condiciona o apelo em liberdade sao ru primrio e de bons antecedentes. Se em relao a esse dispositivo ambos osTribunais perceberam que os princpios que informam as prises so distintos daquelesque autorizam as prises cautelares, outro no poderia ser, data vnia, o entendimentoquanto ao artigo 595 do mesmo Estatuto.

    Aceitar, portanto, a validade do art. 595 do CPP frente ao direitoconstitucional ao recurso significa aceitar possibilidade legal e constitucional da

    punio processual de quem ainda no est definitivamente condenado. Mais: nodistinguir de um lado os requisitos inerentes s prises cautelares daqueles prprios,inseparveis, inconfundveis, que dispem sobre a interposio, admissibilidade,conhecimento e julgamento dos recursos. Se o acusado cautelarmente preso vier afugir, incumbir ao Estado providncias para a recaptura. O fato de no ser localizado,data vnia, no pode funcionar como bice ao conhecimento e julgamento do recurso,

    porque o direito ao duplo grau da jurisdio est regido em normas distintas daquelasque regem as prises cautelares.

    Derivada da garantia da presuno de inocncia, a outra regra, aprobatria, indica, outrossim, que da acusao o dever de provar os fatos alegados,de modo que, por seu carter probatrio e no de verdadeira presuno em sentidotcnico, o direito fundamental presuno de inocncia, desde a perspectiva da teoriaclssica das provas, est conectado, no dizer de Odone Sanguin, noo de

    probabilidade26.Sendo do acusador o nus de provar a culpa, significa dizer, ento, que

    o acusado no tem o dever de confessar os fatos imputados na pea vestibular. No vlido afirmar, para constranger o ru a depor, o antigo dito aquele que no tem culpano teme, como ainda se propala em nosso pas.

    No sendo da defesa a responsabilidade de provar os fatos

    desconstitutivos do pedido, como se apregoa, mas da acusao demonstrar e provar aculpabilidade verifica-se ser inconcilivel ao direito penal de garantias a orientaopretoriana de que nus do demandado o dever de provar, por exemplo, a excludente deilicitude.

    O acusado, por outro lado, no tem o dever de se auto-incriminar(nemo tenetur se detegere).

    23 HC. N. 84.867, transcrito no Boletim n. 156 por Dlio Lins e Silva Jr., em seu artigo Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal: os Ventos Sopram a favor do Direito Penal.

    24 STF: jurisprudncia desta Corte tem fixado o entendimento de que, uma vez empreendida a fuga do sentenciado aps a interposio do recurso de apelao, este deve ser julgado

    deserto, luz do que dispem os arts. 594 e 595 do Cdigo de Processo Penal rel. Min. Ellen, 1. T., DJ 27-09-2002 PP-00117). Idem: HC n 71.701, Min. Sydney Sanches e RHC n

    81.742, Min. Maurcio Corra; HC 82126 / PR, 1. T., Min. Sidney Sanches;

    25 A fuga do ru, ainda que aps a interposio o apelo, causa bastante ao reconhecimento da desero - HC 18511 / SP 5al. T., rel. Min Edson Vidigal, 02/04/2002

    26 SANGUIN, OdonePrisin Provisional y Derechos Fundamentales, Tirant, Valncia, 2003, p. 431

    6

  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    7/27

    certo que a Constituio Federal faz aluso expressa a preso(LXIII do artigo 5). Mas claro, diz AdautoSuannes, que o nosso legisladorconstituinte disse menos do que podia ou devia (minus dixit quam voluit). Nada nahistria de tal princpio sugere que haja fundamento para essa aparente restrio. Porque motivo apenas ao preso se haver de assegurar o exerccio de um direito que nada

    tem a ver com o fato da priso? O direito intimidade ( isso que o preceito protege)pertence a todas as pessoas, no apenas aos acusados. Menos ainda somente aos quetiveram suprimida sua liberdade27.

    Esse , felizmente, o entendimento defluente da jurisprudncia dosTribunais Superiores. Nas palavras do emin. Ministro Marco Aurlio, O direitonatural afasta, por si s, a possibilidade de exigir-se que o acusado colabore nasinvestigaes. A garantia constitucional do silncio encerra que ningum estcompelido a auto-incriminar-se28, embora a visvel incompreenso das pessoas comunsdo povo com a concesso de hbeas corpus em favor de pessoas investigadas pelasComisses Parlamentares de Inqurito, assegurando-lhes o direito de no responder s

    perguntas potencialmente capazes de propiciar respostas incriminatrias.

    Como acentuou em julgamento de hbeas corpus o emin. MinistroSeplveda Pertence o privilgio contra a auto-incriminao - nemo tenetur sedetegere -, erigido em garantia fundamental pela Constituio - alm dainconstitucionalidade superveniente da parte final do art. 186 C.Pr.Pen. - importoucompelir o inquiridor, na polcia ou em juzo, ao dever de advertir o interrogado do seudireito ao silncio: a falta da advertncia - e da sua documentao formal - faz ilcita a

    prova que, contra si mesmo, fornea o indiciado ou acusado no interrogatrio formal e,com mais razo, em "conversa informal" gravada, clandestinamente ou no29

    O pensamento no egrgio STJ no diferente. Nesse colendo Tribunaltambm se reconhece ao acusado o direito de no produzir prova contra si, nele includoo direito de permanecer em silncio,seja na fase inquisitorial, seja na judicial30 e que,

    precisamente por isso, o co-denunciado no tem o dever de contribuir para com oesclarecimento da verdade, por ser titular do direito ao silncio (art. 5, LXII da CF)31.

    Inadmissvel com a regra probatria, segundo a qual incumbe aoacusador fazer a prova do alegado, a jurisprudncia do Colendo STJ que ainda aceita oentendimento de que o ru que no prova o libi invocado faz prova contra si32. Correta,

    portanto, a orientao emanada do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul de que oacusado nada precisa provar, nem mesmo o libi, porque a nica presunoacolhida pelo sistema penal e constitucionalmente a da presuno deinocncia....33

    Em contraste com a mesma regra de tratamento , ainda, a

    jurisprudncia do STF

    34

    , embora entendimento minoritrio em sentido oposto

    35

    ,afirmando que inquritos policiais ou processos judiciais em andamento negativizam acircunstncia judicial dos antecedentes e, portanto, ensejam maior censura pelo fatoquando da determinao da pena-base.

    27 SANGUIN, Odone, Os Fundamentos ticos do Devido Processo Legal, Revista dos Tribunais, So Paulo, 1999, p. 263.

    28 HC 83943 / MG - MINAS GERAIS, 1. T., j. em 27.4.2004, in DJ 17-09-2004 PP-00078

    29 HC 80949 / RJ - 1. Turma, j. em 30.10.2001, DJ 14-12-2001 PP-00026

    30 HC 17121 / ES. 6. T., rel. Min. Hamilton Carvalhido, julgado em 04/09/2001, in DJ 04.02.2002 p. 566

    31 HC 29232 / MS, rel. Min. Jos Arnaldo da Fonseca, 5. T., julgado em 4.3.2004, in DJ 05.04.2004 p. 288

    32 HC 70742 / RJ, 2. T., rel. Min. Carlos Veloso, 16/08/1994, DJ 30-06-2000 PP-00039 e HC 68964 / SP, 1. T., rel. M in. Celso de Melo, DJ 22-04-1994 PP-08926

    33 Apelao n. 7000848376, 5. Cmara Criminal, Rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho

    34 HC 81759 / SP, 2. T., rel. Min. Maurcio Correa; HC 74967 / SP, 1. T., rel. M in. Moreira Alves; 2. T., Min. Celso de Mello, DJ 13-02-2004 PP-00017

    35 HC 79966 / SP, 2. T., Relator min. Marco Aurlio, dentre outros.

    7

  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    8/27

    No egrgio Superior Tribunal de Justia, felizmente, j firme aorientao em sentido oposto, a qual condiciona a declarao dos maus antecedentes existencia de prova documental de condenao definitiva pelo fato pretrito36, salvoconfigure-se a hiptese como reincidncia, porque, nesse caso, atuar comocircunstncia legal agravante.

    c) Direito tramitao do processo em tempo razovel

    Derivao do devido processo legal o direito ao processo semdilaes injustificadas, constitucionalizado como princpio pela Emenda Constitucionalnmero 4537, independente do contedo da matria, civil, administrativa ou criminal.

    O direito tramitao do processo em tempo razovel apareceuinspirado na Declarao Universal dos Direitos do Homem, de 1948, pioneiramente,segundo parece, na Conveno Europia para Salvaguarda dos Direitos do Homem edas Liberdades Fundamentais, de 1950 (art. 6.1.). Hoje figura na legislao dos pasesdesenvolvidos.

    O princpio em questo fundamenta-se no dizer de Alberto SurezSnchez - no dever do Estado de administrar uma Justia completa e gil; no direito queo acusado tem de no permanecer na situao de indefinio, pois o processo em si causa de aflio e de grande estigma social; e, ainda, no direito que todos tm deconhecer a soluo dada ao caso, por fora do carter publicstico nsito questocriminal38.

    Fundamenta-se, tambm, no interesse da Justia em colher a prova semdemoras. Como ensina Aury Lopes Jr., citando Andr Comte-Sponville, ...A atividade

    probatria como um todo se v prejudicada pelo tempo, pois trata-se de juntar osresqucios do passado que esto no presente (na verdade, um presente do passado, que a memria), e que tendem naturalmente a desaparecer quando o presente do presente(intuio direta) passa presente do futuro 39.

    Esses ensinamentos so precisos e a eles podemos agregar um outro,qual seja, o de que a demora na definio do processo gera aflio e indenizao para aoacusado, isto , gera pena antecipada, a ponto de Carnelutti anunciar que mesmo quandoo juiz inocentar o ru ser falsa a impresso de que o processo terminou do melhor dosmodos: Desde j, devem compreender que a chamada absolvio do acusado a

    falncia do processo penal: um processo penal que se resolve com uma tal sentenano deveria ter sido feito, e o processo penal como um fuzil, que, muitas vezes,masca, quando no solta ao tiro pela culatra 40.

    O sofrimento gerado pela instaurao do processo to intenso que

    pode comprometer o planejamento de vida do acusado. Por isso mesmo, o juiz, quandocondenatria a sentena, deveria considerar a demora na rbita do artigo 59 do CP., paraabrandar, em razo do tempo de antecipado sofrimento, o quantum da pena a sercumprida.

    36 RESP 675.463/RS, Rel. Min. JOS ARNALDO DA FONSECA, DJ 13/12/2004, p. 454) e HC 31.693/MS, Rel. Min. PAULO MEDINA, DJ 6/12/2004, p. 368) in HC 41964 /

    ES, Min. Esteves Lima, 16/06/2005, REsp 717408 / RS, 5. T., Min. Gils on Dipp, 04/08/2005; HC 41986 / SP, 5. T., rel. Min. Flix Fischer, 16/06/2005

    37 Emenda Constitucional nmero 45: "Art. 5, LXXVIII - a todos, no mbito judicial e administrativo, so assegurados a razovel durao do processo e os meios que garantam a

    celeridade de sua tramitao.

    38 SNCHEZ, Alberto Surez, (El Debido Proceso Penal, Universidade Externado, Colmbia, 2. Ed., 2001, p. 291

    39 LOPES JR., Aury, Introduo Crtica ao Processo Penal, Lmem Jris, Rio de Janeiro, 2004, p. 99.

    40 CARNELUTTI, Fancesco, Como se Faz um Processo, Lder, Belo Horizonte, 2001. p. 21.

    8

  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    9/27

    Bem identificado o princpio em sua perspectiva ontolgica e em suaperspectiva teleolgica, o grande problema reside, evidentemente, na determinaoprtica da razoabilidade na demora, haja vista as peculiaridades de cada caso.

    Carnelutti j alertava que Infelizmente, a justia, se for segura, noser rpida, e, se for rpida, no ser segura. preciso ter a coragem de dizer, pelo

    contrrio, tambm, do processo: quem vai devagar, vai bem e vai longe. Esta verdadetranscende, inclusive, a prpria palavra processo, a qual alude a umdesenvolvimento gradual no tempo: proceder quer dizer, aproximadamente, dar um

    passo depois do outro41.No h na doutrina e na jurisprudncia um critrio firme que permita

    identificar a linha divisria da dilao em tempo razovel do processo da demorainjustificvel. Muitas so as dificuldades, com efeito, todas associadas s circunstnciasde cada caso concreto, como por exemplo, a quantidade de acusados, a extenso ecomplexidade da prova a produzir, o volume de trabalho na Vara ou Comarca, onmero de servidores e de Magistrados em atividade, o interesse da defesa em provocardemora, para conseguir a prescrio, etc.

    Inobstante tais dificuldades, o Colendo STF j afirmou, por exemplo,que extrapola o limite do razovel o no julgamento de recurso de apelaointerposto h trs anos42. No caso concreto, o paciente estava prestes a cumprir o totalde quatro anos da pena que lhe fora cominada, sem que a sentena condenatria tivessetransitada em julgado. Da ter o egrgio STF afirmado da urgncia de reviso doentendimento de que o excesso de prazo deve ser computado somente at a prolao dasentena, quando h a formao da culpa, por ser necessrio impor-se tempo razovel,tambm, para o julgamento dos recursos, notadamente porque o CPP contm previsoexpressa nesse sentido.

    A garantia de julgamento em prazo razovel abrange no s atramitao do processo, mas tambm a tramitao e o julgamento inclusive perante osrgos colegiados, porque enquanto no for confirmada a sentena condenatria, oacusado presumivelmente inocente.

    Desse modo, no admissvel que aps o julgamento pela Cmara ouTurma o acusado tenha que aguardar por tempo excessivo a publicao do acrd o

    para, s ento, poder exercer o direito de recurso a uma instncia superior, quando for ocaso.

    Nesse contexto, de todo inconcilivel com a garantia que previne asdilaes indevidas o enunciado da Smula nmero 691 do STF, que veda hbeas corpuscontra indeferimento de liminar em hbeas interposto perante o STJ. Precisandoaguardar a publicao do acrdo para, s depois, cogitar da impetrao de outro hbeas

    corpus junto Corte Suprema, o acusado inevitavelmente padecer de graveconstrangimento ilegal ao seu direito de ir e vir.Definindo essa questo como uma praga, Alberto Toron43

    reivindicou a urgente reviso desse enunciado da Smula, tendo o colendo STF, alis,nesse particular, flexibilizado o rigor, no faz muito, ao conhecer e julgar hbeas corpusimpetrado pelos advogados de Paulo Maluf e de seu filho, concedendo a liberdade

    provisria a ambos e revertendo, nesse passo, a deciso indeferitria de liminar proferida no STJ pelo emin. Min. Gilson Dipp, fato noticiado, amplamente, pelaimprensa do pas.

    41 CARNELUTTI, Francesco, Como se Faz um Processo, Lder, Belo Horizonte, 2001. p. 18

    42 HC 84921 / SP, 1. T., Rel. Min. Eros Grau, j. 15/02/2005, DJ 11-03-2005 PP-00038

    43 Boletim n. 151 do IBCCrim.

    9

  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    10/27

    A constitucionalizao do direito tramitao do processo em temporazovel no foi seguida de cominao de sanes pelo seu descumprimento. Como impensvel imaginar que o desrespeito norma constitucional est imune deconseqncias, parece-nos que o acusado ter, no mnimo, o direito de pleitear umaindenizao pelo injusto sofrimento advindo do excesso na tramitao do processo.

    Em concluso: no aceitvel que um processo criminal se arraste poranos a fios ou que as prises cautelares se convertam em fontes de castigo antecipado,mediante invocao de gravidade do fato ou da repercusso social, como se pode extrairda experincia brasileira.

    d) A acusao por fato certo e explcito

    A inicial acusatria deve imputar ao denunciado ou querelado fatocerto e explcito. Essa exigncia consonante com os princpios da concretude e dacongruncia da acusao, irradiaes do devido processo legal formal. Invivelacusao por fato revestido de mera aparncia de tipicidade, suscetvel de aferio, s

    depois de muito esforo ou por fato implcito na descrio.Invivel, tambm, que, na sentena, o juiz v alm da mera correo

    na classificao dos fatos descritos (art. 383 do CPP) para condenar o ru por crimedefinido em tipo penal revestido de elementos normativos, objetivos ou descritivosinteiramente distintos daqueles que informam a tipicidade do fato descrito na dennciaou queixa44.

    Com efeito, s a imputao por fato certo, claro, explcito, bemdefinido e revestido de todas as exigncias normativas, que propiciar condies parao ru aferir a extenso e a profundidade da criminalidade que legitima a acusao, como

    prope a garantia da ampla defesa.

    Realmente, no atual estgio de evoluo da sociedade humana no sequer imaginvel que algum possa ser processado, julgado e condenado sem saber os

    porqus, isto , sem conhecer o fato e sua repercusso tpica, ignorando os limites daacusao quanto prpria participao. A condenao de Josef K, narrada por Kafka45,o escritor do absurdo, pode ser aqui apontada como paradigmtica em termos dedesrespeito a essas exigncias.

    Por isso, nas conhecidas palavras de Joo Mendes, reproduzidas porEspnola Filho, a denncia h de ser narrativa e demonstrativa: Narrativa, porquedeve revelar o fato com todas as suas circunstncias, isto , no s a ao transitiva,como a pessoa que a praticou (quis), os meios que empregou (quibus auxilii), omalefcio que produziu (quid), os motivos que a determinaram a isso (cur), a maneira

    por que a praticou (quomodo), o lugar onde o praticou (ubi), o tempo (quando).Demonstrativa, porque deve descrever o corpo de delito, dar as razes de convico ousano e nomear as testemunhas e informantes.46

    44 Por exemplo: condenar por apropriao indbita fato que se enquadra como estelionato, quando os tipos so distintos. No estelionato o dolo que integra a tipicidade

    antecedente. Na apropriao indbita, subseqente posse legal da res.

    45 KAFKA, Franz. O Processo. So Paulo, Nova poca.

    46 FILHO, Espnola, Cdigo de Processo Penal Anotado. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1943, 1 vol., p. 382.

    10

  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    11/27

    Elaborada, imputativamente47, feio dos imperativos categricos,segue-se que a denncia ou queixa dever dispensar a meno a detalhes sem expresso

    jurdico-penal, concentrando-se na descrio dos aspectos que dizem com as exignciasdo tipo penal.

    Assim, ao descrever o fato tpico, o Promotor, na denncia, sem perder-se em detalhes ou restringir-se reproduo do verbo nuclear,48 precisarapontar, isto sim, ainda que com economia de palavras, os elementos constitutivos(sujeito ativo primrio, conduta externa, bem jurdico protegido ou tutelado) ouestruturais do tipos penal correspondente49 (elementos circunstanciais, normativos esubjetivos, que reclamam juzos de valor ou cognio e fins especficos).50

    S desse modo que o acusador atender a primeira condio da ao,legal e doutrinariamente denominada como possibilidade jurdica do pedido, sem a quala pretenso punitiva ser sumariamente rechaada nos moldes do julgamento antecipadoda lide, por faltar a criminalidade do fato.

    Segue-se, ento, que nessa pea o promotor ou querelante, com adescrio, alm de bem atender as exigncias inerentes tipicidade precisar determinaro modo como cada acusado (autor, co-autor ou participante) agiu no episdio. No

    bastar, ento, aluso mera (...) cooperao nas atividades delitivas, mas exige-seque evidencie a vontade livre de cada um no sentido de concorrer ao do outro,

    para garantir o princpio da ampla defesa51.

    Inconcilivel, portanto, com os exigncias emanadas dos princpios daconcretude da acusao e da congruncia desta com a sentena so, data vnia, asorientaes dos colendos STF52, e STJ53 que flexibilizam o dever do acusador deespecificar a participao de cada ru nas infraes qualificadas como multitudinrias(cometidas por muitas pessoas, em multido) e societrias (praticadas por pessoas

    fsicas na rbita das pessoas jurdicas) para aceitar narrativa de participaoenglobada dos autores, co-autores e participantes.

    Impe-se o registro de que na rbita dos dois Tribunais Superiores jh desenho de um novo cenrio, relativamente a esse tema. Em hbeas corpus de que foirelator o emin. Ministro Celso de Mello o colendo STF declarou que o sistema

    jurdico vigente no Brasil impe ao MP, quando este deduzir determinada imputao47 Um dos critrios empregados por Carnelutti para distinguir o processo civil do penal consiste na existncia de partes em desacordo no primeiro e na existncia do imputado no

    segundo. Diz o Mestre italiano: O juiz soberano; est sobre, no alto, na ctedra. Abaixo, diante dele, est aquele que deve ser julgado. Ele ou eles? Perfilha-se a este propsito uma

    diferena que parece distinguir o processo penal do processo civil; neste ltimo, aqueles sobre os quais se deve julgar so sempre dois: no pode o juiz dar razo a um deles sem que

    ela seja negada ao outro, e vice-versa; pelo contrrio, no processo penal o juzo toca somente ao imputado... (CARNELUTTI, Francisco. Como se Faz um Processo. Belo Horizonte,

    Editora Lder, 2001, p. 41).

    48 Nesse sentido: RJTJRS 19/29 e Rev. Julgados do TARS, vol. 89, p. 105.

    49 STJ, HC 0001545, RJ, DJ 24/05/1993, p. 10.018, 6 T., Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. em 24/11/1992 e RJTJRS 122/35.

    50 LUISI, Luiz. Ob. cit., p. 43 e ss.

    51 RT 446/335.

    52 O STF tem jurisprudncia a dizer da tolerncia que se impe denncia nos crimes societrios sobre a eventual impossibilidade de no se encontrar o parquet habilitado,

    desde o incio, para individualizar culpas. Em feitos desta natureza, a impunidade estaria assegurada se se reclamasse do Ministrio Pblico, no momento da denncia, a

    individualizao de condutas, dada a maneira de se tomarem as decises de que resulta a ao delituosa. Ordem denegada (Habeas Corpus n 73903/CE, 2 Turma do STF, Rel. Min.

    Francisco Rezek,.j. 12.11.1996, DJU 25.04.97).

    No mesmo sentido: REsp n 179017/SP, 5 T. do STJ, Rel. Felix Fischer, j. 20.06.2000, Publ. DJU 14.08.2000, p. 00188. Na jurisprudncia gacha, vide o Habeas Corpus n

    696134725, 3 Cmara Criminal do TJRS, Rel. Des. Jos Eugnio Tedesco, j. 08.08.1996, no sentido dos precedentes acima citados.

    53 Tratando-se de crimes de autoria coletiva, de difcil individualizao da conduta de cada participante, admite-se a denncia de forma mais ou menos genrica, por interpretao

    pretoriana do art. 41 do CPP. Precedentes (REsp 694838 / SP 5. T., Min. Jos Arnaldo da Fonseca, j. 12.4.2005, DJ 16.05.2005 p. 398. No mesmo sentido: HC 41948 / SP., 5a. T.,rel. Min. Laurita Vaz ; HC 35496 / MG, 6. T., rel. Min. Paulo Medina, j. 17.3.2005, DJ 25.04.2005 p. 366 e HC 30558 / RS, 6 T., julg. 18.12.2003, DJ 22.11.2004 p. 390, rel. Min.

    Hamilton Carvalhido; HC. 39.360, MG M in. Gilson Dipp, 5. Turma).

    11

  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    12/27

    penal contra algum, a obrigao de expor, de maneira individualizada, a participaodas pessoas acusadas na suposta prtica da infrao penal, a fim de que o Poder

    Judicirio, ao resolver a controvrsia penal, possa, em obsquio aos postuladosessenciais do Direito pena da Culpa e do princpio constitucional do due process oflaw, ter em considerao, sem transgredir esses vetores condicionantes da atividade de

    persecuo estatal, a conduta individual do ru, a ser analisada, em sua expressoconcreta, em face dos elementos abstratos no preceito primrio de incriminao.54

    Esse novo cenrio perceptvel tambm em julgamentos isolados nocolendo STJ, conforme se extrai de votos proferidos em habeas corpus de que foramrelatores os eminentes ministros Edson Vidigal, Gilson Dipp e Nilson Naves55.

    Consistindo a denncia em atribuio ao denunciado de fato tpico,certo e explcito, questiona-se, em sedes doutrinria e jurisprudencial, outrossim, a

    possibilidade de se lhe imputar na dennciafatos alternativos.

    O tema ainda exige aprofundamento doutrinrio e s recentemente passou a integrar a pauta dos tribunais, tanto que algumas decises ainda nodistinguem com clareza a imputao alternativa da classificao alternativa56.

    A figura jurdica da imputao alternativa aceita por Damsio,citando lio de Frederico Marques (que se apia em Pasquale Saraceno),57 embora oexemplo fornecido por Frederico Marques, ao nosso ver, diga respeito classificaoalternativa.58

    Na jurisprudncia a tese j foi acolhida59, sob o principal argumentode que oferecida uma ao penal alternativa atribuindo ao ru uma determinadaconduta, ao definir juridicamente a imputao, o julgador acatar uma delas, ficandoautomaticamente rejeitada a outra, sem que a sentena tenha que dar procedncia em

    parte do pedido, julgando, concomitantemente, improcedente o tipo no adequado aofato criminoso. que, sendo alternativo o articulado vestibular, o acolhimento de umdos pedidos exclui o outro, gerando a procedncia da ao penal na sua integralidadee no parte dela, em resguardo pleno ao princpio da congruncia que deve existirentre a denncia e a sentena. Deciso no mesmo sentido foi proferida pela 3 Cmaramesmo Tribunal, em acrdo por ns relatado60 e tambm por Cmara do colendoTribunal de Alada Criminal de So Paulo.61

    54 HC. 73.590, SP. No mesmo sentido: Reiterada a jurisprudncia do STF de que, "nos crimes societrios, no se faz indispensvel a individualizao da conduta de cada indiciado,

    discriminao essa que ser objeto da prova a ser feita na ao penal" (HC 65.369, Rel. Min. Moreira Alves). Precedentes. Tal entendimento vem sendo abrandado, havendo decises

    no sentido de exigir-se, na denncia, a descrio mnima da participao do acusado, a fim de permitir-lhe o conhecimento do que de fato lhe est sendo imputado e, assim, garantir o

    pleno exerccio de seu direito de defesa (cf. os HCs 80.219 e 80.549) - HC 83369, RS., rel. Min. Carlos Britto, j. em 21/10/2003, DJ 28-11-2003 PP-00015 EMENT VOL-02134-02

    PP-00302 e HC 84409 / SP - SO PAULO, Min. Joaquim Barbosa, 2. T., 14/12/2004, DJ 19-08-2005 PP-00057 EMENT VOL-02201-2 PP-00290.

    55 Respectivamente: HC. 4000-9,RJ; HC 35.823 e HC 16135, in REN ARIEL DOTTI, Movimento Antiterror e a Misso da M agistratura, Juru, Curitiba, 2. Ed., 2005, p. 94.

    56 RT 292/707.

    57 JESUS, Damsio Evangelista, Cdigo de Processo Penal Anotado, art. 41.

    58 RT 528/361.

    59 O acrdo est publicado na Revista Julgados do TARS, vol. 97, p. 31, sendo Relator o eminente Juiz Lo Einloft Pereira.

    60 RECEPTAO. ACUSAO ALTERNATIVA. Aditando a denncia intentada por receptao dolosa imprpria para descrever novo fato e atribuir ao ru o crime de

    receptao culposa o procedimento ministerial configura acusao alternativa, possvel em direito, desde que, como na espcie dos autos, no haja prejuzo ao devido processo legal,

    garantia em que se incluam a ampla defesa e o contraditrio. Prova da culpabilidade dos rus. Apelaes desprovidas. Unnime (Apelao-crime n 297003238, 3 Cmara Criminal

    do TARS, j. 26.03.1997).

    61 TRaCrim-SP, acc. Rel. Jarbas Mazzoni, Jutacrim 81/334). No mesmo sentido: Jutacrim 81/442 (in Alberto Franco, Cdigo Penal Interpretado, p. 2.284). Contra: Jutacrim 82/225,

    Rel. Riccardo Andreucci (ob. cit., p. 2.285).

    12

  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    13/27

    A referida tese rejeitada por Ada Grinover, Scarance Fernandes eGomes Filho, sob o argumento de que a imputao alternativa contrariaria, de regra, o

    preceito a que deve se referir com preciso o fato certo e determinado.62

    Em que pese essa respeitvel lio, entendemos que no existindoincompatibilidade lgica entre os fatos, consoante alertou Greco Filho, no haverqualquer problema em se aceitar a imputao alternativa ou subsidiria, a fim de que oacusado se defenda de mais de um fato, ainda que alternativa ou subsidiariamente 63.

    Como demonstrou Afrnio Jardim,64 a imputao alternativa no estranha nossa ordem normativa, bastando leitura rpida do pargrafo nico do art.384 do CPP, que prope ao juiz o dever de apreciao na sentena do que foi narrado nadenncia e do que foi narrado no aditamento. Na sentena, o magistrado poder julgar

    procedente a denncia e improcedente o aditamento (ou vice-versa) e, ainda, absolver oacusado das imputaes deduzidas em ambas as peas!

    Se a denncia, portanto, narrar com clareza mais de um fato tpico,mesmo alternativamente, no haver, a despeito desse proceder, prejuzo ao exerccioao direito de reao do acusado nem ofensa ao princpio da congruncia entre osfatos descritos e a sentena.

    Conquanto deva ser a exceo, consideramos, pois, que a hipteseno ofende as garantias constitucionais do ru, pois no colide com aquela exignciade clareza e de objetividade da acusao. Este, ao ser citado, cientificado daintegral extenso do pedido e de sua alternatividade e no fica sujeito a prejuzosem seus direitos. Defender-se- da acusao por todos os fatos narrados e poder atmesmo demonstrar o dado que singulariza a acusao ou imputao alternativa: a suafragilidade.

    Se esse entendimento doutrinrio e jurisprudencial vier a se consolidarno futuro desaparecer a prtica do oferecer da denncia pelo mais, como forma deprevenir aditamentos, j que todos aceitam que o juiz, em sentena desclassificatria,arrede oplus de acusao.

    e) Juzo natural

    A garantia do juzo natural, como outra emanao do devido processolegal, condiciona a legitimidade e validade do pronunciamento restritivo das liberdadesfundamentais preexistncia ao fato do rgo Jurisdicional65 competente para o exameno processo.

    Os ditadores Eslobodan Milosevic e Sadam Hussein esto sendojulgados neste momento em Haia e no Iraque, respectivamente, por Tribunais criadospara essa finalidade depois de suas deposies e, nos Estados Unidos da Amrica doNorte, cogita-se no momento em criar-se tribunal para julgar pessoas supostamente

    62 GRINOVER, Ada, SCARANCE, Fernandes e FILHO, Gomes, As Nulidades no Processo Penal. So Paulo, Malheiros, p. 79.

    63 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal, So Paulo, Saraiva, 1991, p. 114. Favorvel tese, Mirabbete alertou que os juzes do Tribunal de Alada do Estado de So

    Paulo, reunidos sob a coordenao da Professora Ada Pellegrini Grinover, discutindo a questo da correlao entre acusao e sentena, chegaram seguinte concluso: A acusao

    deve ser determinada, pois a proposta a ser demonstrada h de ser concreta. No se deve admitir denncia alternativa, principalmente quando haja incompatibilidade lgica entre os

    fatos imputados Processo Penal, So Paulo, Atlas, 1991, p. 123.

    64 JARDIM Afrnio, ob. cit., p. 100, e RTJ 104/1047.

    65 Em nosso sistema constitucional a garantia do juzo natural no alcana o Ministrio Pblico, pois o Procurador-Geral pode designar Promotores e Procuradores de Justia e, pela

    Lei Orgnica do MP., tem prerrogativa para avocar processos. A constitucionalizao do princpio do Promotor Natural expressaria aperfeioamento institucional e grande avano

    constitucional.

    13

  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    14/27

    envolvidas com terrorismo e que se encontram, h muitos meses, detidas, sem acusaoformal na base militar de Guantnamo, em Cuba.

    No recusando a imperiosa necessidade de eficiente resposta s aesterroristas, inaceitvel a criao post factum de tribunais de exceo, com aorganizao e a competncia estabelecidas por quem tem interesse em julgar os

    criminosos. nesse ponto que reside a maior crtica ao famoso Tribunal de Nurembergque julgou os nazistas pelos crimes contra a humanidade.A globalizao, o estreitamento nas relaes entre as naes e o

    surgimento de conflitos nessa dimenso supra-individual ou transnacional demonstra oquo feliz foi a criao, em julho de 1998, pelo Tratado de Roma, do Tribunal PenalInternacional, com sede na Holanda, dotado de competncia para julgamento de crimescontra a humanidade, como genocdio, crimes de guerra, dentre outros, inobstantemuitos pases ainda no tenham decidido se submeter sua jurisdio, como os EstadosUnidos da Amrica do Norte, ao contrrio do Brasil, que subscreveu o Tratado em 7 defevereiro de 2000.

    Talvez dificuldades para harmonizar os sistemas constitucionais

    nacionais com as penas de priso perptua e de morte previstas no Tratado de Romapossam estar atuando como um dos srios entraves para a maior ampliao da jurisdiodesse novel Tribunal66.

    exigncia de tribunal prvio aos fatos, a garantia do juzo naturalagrega outras de igual importncia: a investidura dos juzes nos cargos da Justiacorrespondente deve se dar na forma indicada pela lei e o exerccio jurisdicional estcondicionado aos limites assinalados pelos critrios legais e constitucionais que regem acompetncia.

    Absolutamente consentnea com essas exigncias a norma do incisoLIII do artigo 5 da CF, dispondo que Ningum ser processado nem sentenciado

    seno pela autoridade competente.A competncia, por conseguinte, tem natureza de matria de ordem

    pblica, disciplinada na Lei Maior, de modo que, com a insero em 1988 da clusulade que ningum poder serprocessado e condenado a no ser por autoridade judiciriacompetente j no mais poderia subsistir o entendimento de que a violao da regra decompetncia pelo lugar da infrao se configura como nulidade relativa e no comonulidade absoluta67, s sendo declarvel se for argida no prazo de defesa do art. 108 doCPP68.

    Reafirma-se: nos dizeres da Constituio, ningum poder serprocessado e condenado e no mais s condenado, conforme declaravam asConstituies pretritas. A Lei Maior no mais permite que se reconhea ao juiz

    incompetente ratione loci a possibilidade de presidir o processo e de julgar,independentemente do questionamento pela parte em exceo prpria. A nosso ver, ineficaz, portanto, o artigo 567 do CPP, cujo supedneo era sistema constitucional no

    66 O inciso XLVII, b, do art. 5 da CF probe a priso perptua, no Brasil, entraria em confronto com o texto do artigo 77 do Estatuto, que a autoriza. Entende-se que o Brasil

    poderia ter ratificado o Tratado ante a autorizao conferida pelo art. 7 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias, preconizando a criao de um Tribunal Internacional de

    Direitos Humanos. J quanto pena de morte ela admitida constitucionalmente em crimes de guerra.

    67 STJ: HC 34265 / SC, 6. T., rel. Min. Paulo Galotti, julgado em 24.11.2004, DJ 05.09.2005 p. 491 e RHC 16021 / PE, 5. T., rel. Min. Felix Fischer, j. em 28.9.2004, in DJ

    08.11.2004 p. 250.

    68 Ja se firmou o entendimento da Corte (HC 69.599, HC 65.229 e RECr 106.641) no sentido de que, no processo penal, a incompet ncia "ratione loci" acarreta apenas nulidaderelativa, e, no tendo sido arguida oportunamente, ficou ela sanada pela ocorrencia de precluso (HC 71621 / MG, 1. T., Min. Moreira Alves, 13/09/1994, DJ 10-03-1995 PP-04881)

    e Caso em que se discute competncia ratione loci, cuja inobservncia, segundo a reiterada jurisprudncia deste Supremo Tribunal Federal, implica nulidade relativa, que deve serargida, oportunamente -- no trduo da defesa prvia ou mediante oposio de exceo (art. 108 do CPP) -, sob pena de precluso (HC 83563 / MS, 1. T., rel. Min. Carlos Britto, j.

    18.11.2003, DJ 19-12-2003 PP-00055.).

    14

  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    15/27

    mais vigente em nosso pas e que, por isso mesmo, descontextualizou a jurisprudnciaque ainda vem sendo invocada no sentido afirmativo.

    f) Proibio de uso de provas ilcitas e ilegtimas.

    Como em direito penal o acusado, enquanto no houver sentenacondenatria definitiva, presumivelmente inocente, ao acusador, consoante emanatambm do sistema acusatrio, incumbe o nus de demonstrar e provar os fatosalegados.

    Da o sentido do termo provar, que no dizer de Roxin significaconvencer al juez sobre la certeza de la existncia de um hecho 69. Nesse diapaso, a

    prova de um fato, evidentemente no do direito, o qual presumivelmente conhecidopelo juiz, haja vista o enunciado do artigo 383 do CPP conferindo-lhe prerrogativa para,na sentena, dar ao fato a adequada e correta classificao ou enquadramento jurdico.

    O momento e o local no so apropriados para aprofundamentostericos sobre os meios de prova, suas limitaes legais ou sistemas de valorao, isto ,

    o livre convencimento e a ntima convico, que preside as atividades, no setor, do juizsingular e do jri popular.

    Insta registrar, isto sim, que a disciplina sobre a prova subiu ao nvelconstitucional em 1988, haja vista a incluso na Lei Maior brasileira do texto insculpidono inciso LVI do artigo 5, prescrevendo a regra da inadmissibilidade, no processo, das

    provas obtidas por meios ilcitos, isto , daquelas ofensivas aos valores fundamentais dasociedade, veiculados sob a forma de princpios, nomeadamente, o da dignidade da

    pessoa humana.Como assinalou Herclito Antonio Mossin, sem o menor pingo, por

    mais grave que seja o delito-tipo praticado pelo agente, no se justifica que para suapunio se obtenha prova que no se coaduna com princpios bsicos de equilbrio dosinteresses coletivos, aliado que seja a determinados regramentos legais70.

    Um dos mais discutidos problemas relacionados ilicitude da prova o que diz com a validade ou no das provas dela derivadas, isto , se so aptas ou no

    para lastrear sentena condenatria.De um lado, sustenta-se que as provas derivadas renem, sim, fora

    probante. Essa concepo relativiza a proibio e sustenta que, nesse caso, ao Estadoincumbe tomar providncias para apurar a responsabilidade dos que produziram a provailcita originria.

    De outro, h os que advogam que toda prova obtida com o sacrifcio dodireito (a ilcita, e a dela derivada) no pode ser aceita como vlida. Essa corrente se

    consubstancia na conhecida teoria dos frutos da rvore envenenada, segundo qual ailicitude originria contamina de ilicitude as provas derivadas.Nossa posio muito clara. Somos defensores da primeira corrente

    porque no Estado Democrtico de Direito, segundo Vitorio Denti, citado por SurezSnchez, las pruebas que se definem como ilcitas son tales, em realidad, no porqueviolen normas procesales, o porque choquen com las exigncias de la declaracin decerteza de los hechos em el proceso, sino porque fueron obtidas em violacin dederechos protegidos por normas diversas y em primer lugar por normasconstitucionales71.

    69 ROXIN, Claus, Derecho Procesal Penal, Editores del Puerto, Buenos Aires, 2000, p. 185

    70 MOSSIN, Herclito Antonio, Comentrios ao Cdigo de Processo Penal, Manole, So Paulo, 2005, p. 347.

    71 SNCHEZ, Alberto Surez, El Debido Proceso Penal, Universidade Externado, Colmbia, 2. Ed., 2001, p.147

    15

  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    16/27

    Em contraste com essa linha de pensamento , data vnia, o arestoemanado do colendo STJ: Escuta telefnica com ordem judicial. Ru condenado por

    formao de quadrilha armada, que se acha cumprindo pena em penitenciria, no temcomo invocar direitos fundamentais prprios do homem livre para trancar ao penal(...) ou destruir gravao feita pela polcia. O inciso LVI do art. 5 da Constituio, que

    fala que so inadmissveis... as provas obtidas por meio ilcito, no tem conotaoabsoluta. H sempre um substrato tico a orientar o exegeta na busca de valoresmaiores na construo da sociedade. A prpria Constituio Federal Brasileira, que dirigente e programtica, oferece ao juiz atravs da atualizao constitucional(verfassungsaktualisiereung), base para o entendimento de que a clusulaconstitucional invocada relativa. A jurisprudncia norte-americana, mencionada em

    precedente do Supremo Tribunal Federal, no tranqila. Sempre invocvel o princpio da razoabilidade (reasonableness). O princpio da excluso das provasilicitamente obtidas (exclusionary rule) tambm l pede temperamentos72.

    Nossa inconformidade , data vnia, com o equvoco na compreensode que o princpio da proporcionalidade pode ser invocado como fonte para a

    relativizao da proibio constitucional, quando se sabe que o citado princpio, comoregistrado no incio deste ensaio, emana do devido processo legal, isto , de princpioque protege o indivduo frente aos excessos dojus puniendiestatal.

    A viso consubstanciada no r. aresto, pretendendo corrigir distores aque a rigidez da excluso poderia conduzir, em casos de excepcional gravidade, culmina

    por abrir, segundo o alerta de Alexandre Bizzotto e Andria de Brito Rodrigues ... umcanal eivado de vicissitudes, ensejando mecanismos que venham a quebrar, por partedo violador da garantia (acobertado pela momentnea justificativa), a barreiraconstitucional estabelecida. O uso desmedido da proporcionalidade enfraquece a

    garantia constitucional da proibio da prova ilcita. Somente para tutelar o serhumano contra os interesses do Estado que a proporcionalidade tem respaldoconstitucional. .73

    A questo aqui posta no envolve questo distinta que a da possibilidade da condenao com base em provas independentes da prova ilcita,conforme inmeros pronunciamentos no colendo STF e no colendo STJ.

    Conforme ensinam Ada grinover, Scarance Fernandes e Gomes Filhos,excepcionam-se da vedao probatria as provas derivadas da ilcita, quando aconexo entre umas e outra tnue, de modo a no se colocarem a primria e as

    secundrias como causa e efeito: ou, ainda, quando as provas derivadas da ilcitapoderiam de qualquer modo ser descobertas por outra maneira. Fala-se, no primeirocaso, em independent source e, no segundo, na inevitable discovery.Isso significa que

    se a prova ilcita no foi absolutamente determinante para o descobrimento dasderivadas, ou se estas derivam de fonte prpria, no ficam contaminadas e podem serproduzidas em juzo.74

    Foi nesse sentido o julgado no colendo STF, com o qual estamos deacordo: A prova ilcita, caracterizada pela escuta telefnica, no sendo a nica

    produzida no procedimento investigatrio, no enseja desprezarem-se as demais que,por ela no contaminadas e dela no decorrentes, formam o conjunto probatrio daautoria e materialidade do delito 75.

    72 STJ. HC. 3982/RJ, 6. T., rel. M in. Adhemar Maciel, DJ 26.02.96, p. 4084.

    73 BIZOTTO, Alexandre e RODRIGUES, Andria de Brito, Processo Penal Garantista, AB Editora, Goinia, 2003, p. 49.

    74 ADA GRINOVER, ANTONIO SARANCE FERNANDES e ANTONIO MAGALHES GOMES FILHOS, As Nulidades no Processo Penal, Revista dos tribunais, So Paulo, 8.

    Ed., 2004, pp. 162-163.

    75 HC 75497 / SP, rela. Min. Maurcio Correa, 2. T., julg. em 14.10.97, DJ 09-05-2003 PP-00068

    16

  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    17/27

    g) Direito contra a indevida publicidade dos atos do processo.

    A publicidade dos atos do processo saudvel garantia defluente dodevido processo legal e nsita ao sistema acusatrio. Ela est explcita em nossa

    Constituio no inciso IX do art. 93 da CF e assegura no Estado de Direito Democrticoo controle e a fiscalizao das atividades judiciais no s pelas partes como ainda porqualquer cidado sem interesse direto na causa, bem diferentemente da prxis dosistema inquisitivo.

    Era incompreensvel, portanto, o regramento da Lei Federal n.9.034/95, sobre os crimes cometidos por organizaes criminosas, que previa arealizao de diligncias pelo prprio juiz, bem ao estilo do Inquisidor, e a apreciaodas provas, quando do julgamento do recurso, em absoluto segredo de justia (partefinal do 5), num retorno aos Tribunais da Inquisio e Idade Mdia, em visvelcontraste com a modernidade e os avanos alcanados pelo nosso Pas na rbitaconstitucional. Felizmente, parte dessa lei foi dada como no-vlida pelo STF.

    O princpio da publicidade dos atos do processo pode ser visto tambmsob outra faceta, qual seja, aquela que, na forma do LX do artigo 5 da mesma LeiFundamental, protege tanto a vtima quanto o acusado da indevida publicidade do

    processo, a ensejar boa compreenso da regra do art. 792 do CPP, que permite aomagistrado limitar o nmero de pessoas sala de audincias, restrio que, por bvio,no pode alcanar a pessoa do defensor.

    No raro a exposio, em pblico, da vtima ou do prprio acusado,bem como as manchetes escandalosas dos jornais podero produzir danos irreparveis honra, intimidade, enfim, dignidade da pessoa humana, incumbindo ao Estado-Juiz

    providncias para o resguardo desses direitos fundamentais.Violam, portanto, a regra de tratamento, nsita presuno de

    inocncia, e tambm o direito contra a indevida publicidade de atos do processo, aexecuo de mandados de priso transmitida pela TV e as imposies, com igual alarde,de algemas em pessoas que se entregam s autoridades sem resistncia, e que, por isso,no apresentam risco de fuga ou segurana pblica.

    Essa prtica foi denunciada, alis, em 2005, pelo Conselho Seccionalda OAB de So Paulo, por fugir aos limites da lei brasileira e por servir apenas para ...espetacularizar a diligncia policial para a mdia e submeter execrao pblica ocidado que, embora detido, deve ter sua dignidade preservada, no podendo ser

    submetido a tal constrangimento irreparvel, patrocinado por agentes do Estado, quetm o dever legal de garantir o cumprimento dos princpios constitucionais e da

    legislao em vigor.H precedente no colendo Superior Tribunal de Justia no se opondoa essas prticas sob o argumento de que as algemas so utilizadas para diversos fins,inclusive para proteo do prprio paciente, quando, em determinado momento, pode

    pretender autodestruio 76, com o que o precedente culmina por reconhecer que oEstado no detm capacidade para dar segurana sequer s pessoas a ele submetidas.

    Soa incompreensvel, outrossim, que a priso possa ser imposta paraproteo do preso, em contraste com os princpios gerais que disciplinam as contenescautelares, todas relacionadas garantia da ordem pblica, da ordem social, convenincia da instruo ou para assegurar a efetiva aplicao da lei penal.

    h) Direito Ampla defesa76 " (HC 35540 / SP, 5. T., rel. Min. Jos Arnaldo, j. em 05/08/2004)

    17

  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    18/27

    O direito defesa abrange em termos substanciais a auto-defesafrente a agresses injustas, no provocadas e, em termos instrumentais ou processuais, adefesa dos litigantes e dos acusados, no processo77.

    Substancialmente, o direito de defesa funciona como substituto

    ausncia ou negligncia do Estado. A concentrao do jus puniendi nas mos dohomem artificial na linha de justificao terica proposta pelo Pacto Social privao particular de fazer justia pelas prprias mos, mas no o impede de exercer a auto-defesa sempre que o Estado, criado para proteg-lo, for omisso ou ineficiente.

    O sistema normativo no poderia deixar o titular do bem jurdicoentregue prpria sorte, bastando lembrar os artigos 502 do Cdigo Civil e 25 doCdigo Penal, que autorizam o emprego da fora e a autodefesa para coibir o esbulho na

    posse e a agresso injusta e no provocada ao bem jurdico tutelado pela lei penal.

    Assim, a autodefesa tem a conformao de um jus naturalis comolembrara Ihering, embora com outras palavras, ao ensinar que a luta pelo Direito e pela

    Justia dever que cada um para consigo e tambm para com a sociedade, porque precisamente por meio da luta e da resistncia que o primeiro se realiza.78

    No muito diferente nas acusaes criminais, considerando-se quepara efetivar ojus puniendi79o Estado (representado pelo MP ou pelo Querelante, esteextraordinariamente legitimado para agir em seu nome) tem o dever de confrontar sua

    pretenso com a do acusado, conforme as regras procedimentais.

    Essa funo de garantia, nsita aos cdigos, realada por Paulo Tovo,ao dizer que cada um dos dispositivos do Cdigo de Processo Penal (...) constitui umverdadeiro escudo de proteo. Nem mesmo as normas processuais aparentementerestritivas, no mbito pessoal ou patrimonial, fazem exceo a essa verdade. Pois sua

    finalidade ltima apontar os limites at onde pode ir o poder persecutrio estatal.80

    O discurso garantista no meramente retrico, nem reflete umapostura ideolgica ou filosfica, pois retrata a conscientizao dessa nova perspectivada ordem normativa (de poderes, de deveres e de limites nas esferas do privado e do

    pblico), a qual tem sido acompanhada, como registra Gomes Filho, (...) pelaprogressiva positivao e, mais precisamente, pela constitucionalizao do direito aoprocesso, com a correspondente explicao, cada vez mais completa e analtica, dasgarantias do processo nos textos constitucionais,81 destacando-se a dodue process oflaw (art. 5o, inciso LIV), com todas as suas derivaes e terminando por converter o

    77 A ampla defesa, como na letra da Constituio de 1988, abrange a autodefesa e a defesa tcnica, devendo prevalecer, no caso de recusa do ru, a vontade do defensor quanto

    interposio do recurso, detentor que de conhecimentos tcnicos indispensveis aferio da melhor medida a ser adotada em favor do imputado Precedentes (HC 33720 / SP, 6.

    T., rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. em 10.8.2004, DJ 25.10.2004 p. 394).

    78 IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito. 12.ed., Rio de Janeiro, Forense, p. 19.

    79 Conforme o modelo processual vigente em nosso pas, a efetivao do jus puniendi passa por distintas fases:

    A primeira, pr-processual, correspondente do inqurito, em que no h defesa e contraditrio. O professor Aury Lopes Jr. (Sistemas de Investigao Preliminar no Processo Penal.

    Rio : Lumem Juris, 2001) advoga a introduo na legislao brasileira do sistema de investigao preliminar, obrigatria para os delitos graves e facultativa para os de menor

    potencial lesivo e complexidade, assegurado ao sujeito passivo, todavia, o exerccio do direito de defesa, como uma resistncia ao poder de perseguir do Estado (p. 334). No sistema

    do Projeto de Reforma do CPP, cuja Comisso presidida por ADA GR INOVER, o artigo 8 e seu pargrafo 1 asseguram ao suspeito, na fase pr-processual, coleta de interrogatrio

    com expressa observncia das garantias constitucionais e legais. O Projeto, entretanto, ainda no foi apreciado pelo Congresso Nacional.

    A segunda: a do processo, em que o suspeito passa condio de titular de direitos, amparado pelas garantias constitucionais, na forma inversamente proposta por Kafka (KAFKA,

    Franz. O Processo. So Paulo : Nova poca, 1963).

    80 TOVO, Paulo Cludio. Introduo Principiologia do Processo Penal Brasileiro. Estudos de Direito Processual Penal (org). Livraria do Advogado. Porto Alegre, 1995, p. 14.

    81 Obra citada, p. 31.

    18

  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    19/27

    esquema processual num instrumento de participao do indivduo nas prpriasdecises dos rgos do poder que possam afet-lo.82

    A defesa, como emana da Constituio, h de ser ampla (plena, noJri, havendo ntida diferena entre esses termos).

    Desse modo, como primeira crtica ao entendimento pretoriano,apontamos aqui a necessidade de urgente reviso, no colendo STF, do enunciado 523 daSmula, que fundamenta os precedentes de ambos os Tribunais Superiores, acerca dadistino entre ausncia e deficincia de defesa, com a afirmao de que no ltimocaso a nulidade do processo, por ser relativa, depende de argio da parte e dedemonstrao do prejuzo sofrido83.

    Por constituir-se em pilar do Estado Democrtico de Direito e garantiados acusados (esfera criminal) e dos litigantes (rbitas do direito administrativo,civil, tributrio, etc.) h quem sustente a necessidade de ampla defesa em procedimentos

    preparatrios da futura ao penal, como os inquritos policiais, os inquritos civis, osinquritos parlamentares, as sindicncias administrativas, etc.

    O assunto ganha importncia porque se de um lado os tribunais brasileiros consideram que, nessa fase da persecutio criminis, ante a naturezaadministrativa das atividades realizadas, o autor do fato no sujeito e sim o prprioobjeto da investigao, desamparado, portanto, da citada garantia84, no Supremo, deoutro, em deciso proferida pelo seu Presidente, min. Nelson Jobim, reconheceu-se, nofaz muito, a parlamentares indiciados no cognominado de Mensalo, direito defesano procedimento administrativo em curso na Corregedoria da Cmara.

    A posio do Pretrio Excelso, agora com composio renovada,ainda no conhecida, no havendo dvida de que a matria merecer o amplo debate,haja vista as extraordinrias conseqncias que a mesma produzir no cotidiano da

    Justia, se a deciso liminar do ilustre Presidente vier a ser confirmada.Embora vejamos com bons olhos a soluo preconizada pelo

    Presidente Nelson Jobim, porque ela vai ao encontro dos ideais do Estado Democrticode Direito, parece-nos que reconhecer a garantia da ampla defesa na fase pr-processualreavivar a discusso sobre a necessidade de criao dos juizados de instruo, porque oEstado, por bvio, precisar de representao para se contrapor defesa, seja quanto a

    prova produzida, seja quanto a que pretende produzir.

    Merecedora de aplauso , outrossim, a linha de entendimentoconsubstanciada em recentes decises do mesmo colendo STF, assegurando, comocorolrio da ampla defesa, aos advogados, a prerrogativa de consultar em nome de seus

    constituintes os autos do inqurito policial em tramitao na Delegacia ou na Justia,que vinha sendo recusada, sistematicamente, em todas as instncias da Justia Federal.

    A garantia da ampla defesa se apresenta sob trplice perspectiva: agarantia e audincia; a garantia de presena; e, por ltimo, a garantia de representao

    por advogado.

    82 GOMES FILHO, Antonio Magalhes, ob. cit., p. 28.

    83 STF: HC 81964 / SP, 1. T., Min. Gilmar Mendes, 10/12/2002; HC 81353 / RJ, 1. T., Min. Ellen Gracie, j. em 18/06/2002; STJ: REsp 565775 / SC, 5. T., Min. Laurita Vaz,

    julgado em 23/08/2005 e HC 37368 / PR, 6. T., min. Paulo Medina, j. 19/05/2005.

    84 Alis, a palavra inqurito alusiva ao procedimento policial de investigao bem expressiva: relembra o perodo da Inquisio, em que os acusados no tinham defesa, a ponto

    de prever o Manual dos Inquisidores, textualmente, que a funo do advogado no era outra seno a de ajudar o inquisidor a obter a confisso do acusado ...

    19

  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    20/27

    Sendo fonte de prova defensiva85 o acusado tem o direito (no odever) de falar ao juiz e suas informaes, quando constitutivas de defesa pessoal,devem ser necessariamente apreciadas pelo magistrado na sentena, sob pena denulidade.

    O acusado tem, tambm, o direito de presena aos atos do processo,pois no haver ampla defesa se no lhe for assegurada, mediante intimao prvia, aoportunidade de estar, nas audincias, ao lado de seu defensor, para acompanhar a

    produo da prova, esclarec-lo e orient-lo naquilo que for necessrio.

    A nosso ver, destarte, afrontam garantia da ampla defesa as decisesque no asseguram o direito do acusado de estar presente aos atos do processo 86 ou quese satisfazem com a presena s do seu defensor para acompanhar a produo da prova,ainda que sob o argumento de inexistncia de prejuzo87.

    A ampla defesa, por ltimo, assegura ao acusado direito assistncia erepresentao no processo por advogado, isto , por um tcnico, como condio para aparidade de armas com o rgo tcnico da acusao. No detendo aptido tcnica parafuncionar em defesa prpria, salvo sendo formado em direito e com registro na OAB, oacusado precisa do advogado, que, literamente, fala em seu nome (ad vocatus, a voz dooutro, o que fala pelo outro).

    Inadmissvel, por isso, a orientao emanada de precedentes do STJdando como relativa a nulidade por desrespeito ao dever judicial de abertura de prazo defesa para alegaes preliminares no procedimento da lei de txicos e, ainda, no

    processo instaurado contra o servidor pblico por crime contra a administraopblica88.

    Inaceitvel tambm, data vnia, o entendimento do colendo STJ quepriva o advogado do direito de acesso aos autos de medidas cautelares de seqestro de

    bens89, sob o argumento de que o sigilo pode ser imposto para privilegiar a efetividadedos atos jurisdicionais, especialmente em se tratando de ao criminal que coloca emrisco a segurana da sociedade e do Estado, na qual deve prevalecer a supremacia dointeresse pblico sobre o interesse privado.

    Inadmissvel, tambm, o entendimento consubstanciado em diversosprecedentes na rbita da Justia Federal de que o sigilo decretado na fase do inquritopolicial impede ao advogado o acesso aos autos respectivos90, em contraste, ainda, comas prerrogativas previstas no Estatuto da OAB (Lei 8.906/94), sob o argumento de que agarantia da ampla defesa no se aplica ao inqurito91. Embora no seja direito do85 Por exemplo: HC 14668 / SP, j. 19.6.2001, DJ 24.09.2001 p. 348 e AgRg na APn 224 / SP, Corte Especial, j. em 18/08/2004, DJ 20.09.2004 p. 172.

    86 (HC. 8939/DF, 6. T., rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. em 30.6.99, DJ de 16.8.1999, p-. 113).

    87 RHC 16551 / SP, 6. T., j. em 15 de setembro de 2005, in DJ 03.10.2005 p. 331

    88 firme a jurisprudncia do STJ no sentido de que a defesa preliminar, prevista no art. 514 do CPP pea facultativa, cuja falta pode configurar nulidade relativa e, como tal,

    dependente de comprovao de prejuzo, sobretudo quando se trata de ao penal cujo rito prev defesa escrita posterior ao oferecimento da denncia (art. 104 da Lei n 8.666/93) -

    HC 31585 / MG, 6. T., rel. Min. Paulo medina, j. em 19/05/2005.

    A inobservncia do art. 38, da Lei n. 10.409/2002, consubstanciada na falta de oportunidade ao acusado de apresentao de defesa preliminar antes do recebimento da pea inicial

    acusatria, a teor do entendimento firmado pela Colenda Quinta Turma do Superior Tribunal de Justia, quando do julgamento do HC n. 26.900/SP, no constitui nulidade absoluta,

    mas relativa (STJ, HC 34557 / SP , 5a. T., min. Laurita Vaz, 05/10/2004). Idem, REsp 507595 / SP, mesma Relatora.

    89 RMS 18673 / PR, 5. T., Min. Gilson Dipp, j. em 16.6.2005, DJ 01.08.2005 p. 479

    90 STJ - No direito lquido e certo do advogado o acesso irrestrito a autos de inqurito policial que esteja sendo conduzido sob sigilo, se o segredo das informaes

    imprescindvel para as investigaes. O princpio da ampla defesa no se aplica ao inqurito policial, que mero procedimento administrativo de investigao inquisitorial. Sendo o

    sigilo imprescindvel para o desenrolar das investigaes, configura-se a prevalncia do interesse pblico sobre o privado (5a. T., RMS 17691 / SC Min. Gilson Dipp, j. 22/02/2005;

    RMS 12754 / PR, 2a. T., Min. Franciulli Netto, j. em 11/03/2003;RHC 11124RS, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. em19/06/2001 DJ:24/09/2001 (unnime).

    No mesmo sentido: HC 38219 / SP, 5. T., Rel. Min. Gilson Dipp, j. em 15.3.2005, DJ 04.04.2005 p. 330.

    91 RMS 17691 / SC, 5. T., rel. min. Gilson Dipp, j. em 22.2.2005, DJ 14.03.2005 p. 388.

    20

    http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=((%27RHC%27.clap.+ou+%27RHC%27.clas.)+e+11124.num.+e+20010619.dtde.)+ou+(%27RHC%27+adj+11124.suce.+mesmo+(DECISAO+adj+19/06/2001).suce.)http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=((%27RHC%27.clap.+ou+%27RHC%27.clas.)+e+11124.num.+e+20010619.dtde.)+ou+(%27RHC%27+adj+11124.suce.+mesmo+(DECISAO+adj+19/06/2001).suce.)http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=((%27RHC%27.clap.+ou+%27RHC%27.clas.)+e+11124.num.+e+20010619.dtde.)+ou+(%27RHC%27+adj+11124.suce.+mesmo+(DECISAO+adj+19/06/2001).suce.)http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=((%27RHC%27.clap.+ou+%27RHC%27.clas.)+e+11124.num.+e+20010619.dtde.)+ou+(%27RHC%27+adj+11124.suce.+mesmo+(DECISAO+adj+19/06/2001).suce.)
  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    21/27

    acusado e de seu defensor interferir na conduo ou na produo da prova do inqurito,pois, nessa fase, o Estado est a reunir provas para avaliar, futuramente, se o casoautoriza ou determina a ao penal, certo que, por fora da garantia da ampla defesa eainda como decorrncia das prerrogativas do Advogado, o suspeito tem o direito desaber o que j existe contra si, como vem afirmando, felizmente, o colendo Supremo

    Tribunal Federal92

    .O restaurador entendimento da Suprema Corte absolutamente corretoporque o que fundamenta a imposio do sigilo no inqurito policial o risco de que,com conhecimento prvio dos passos da polcia, o suspeito venha a criar embaraos nolevantamento das provas, na apurao dos fatos e na descoberta da verdade. Em assimsendo, carece de fundamento impedir o acesso da defesa aos autos do inqurito paraverificao da prova j produzida, com vistas elaborao dos primeiros esboos dedefesa frente a ao criminal eventual, no futuro.

    i) Direito ao Contraditrio

    O contraditrio est intimamente associado ampla defesa, tanto queambas garantias aparecem juntas, e de modo explcito, no mesmo inciso LV do artigo 5de nossa Constituio.

    Contraditar contra-aditar, isto , afirmar em sentido contrrio,contrariar, dimanando dessa garantia a base da interveno da defesa para semanifestar sobre provas, documentos ou principalmente para arrazoar, por escrito ouverbalmente - sempre depois da acusao, conforme as regras dos artigos 406 e 500 doCPP., sendo de boa didtica lembrar que no Jri os debates em Plenrio se sucedem,exatamente, nessa ordem: primeiro a acusao, depois a defesa; rplica pela promotoriae, por fim, direito da defesa trplica.

    O que funda a garantia do contraditrio a proibio tica e jurdica dejulgamento sem oportunizar-se ao acusado a chance para impugnar a prova acusatria eoferecer a sua verso defensiva. Conforme assinala Scarance Fernandes, o processo,

    pela sua natureza, exige partes em posies opostas, uma delas necessariamente em posio de defesa, e para que no seu desenvolvimento, seja garantia a correta

    92 EMENTA: I. Habeas corpus: cabimento: cerceamento de defesa no inqurito policial. 1. O cerceamento da atuao permitida defesa do indiciado no inqurito policial poder

    refletir-se em prejuzo de sua defesa no processo e, em tese, redundar em condenao a pena privativa de liberdade ou na mensurao desta: a circunstncia bastante para admitir-se

    o habeas corpus a fim de fazer respeitar as prerrogativas da defesa e, indiretamente, obviar prejuzo que, do cerceamento delas, possa advir indevidamente liberdade de locomoo

    do paciente. 2. No importa que, neste caso, a impetrao se dirija contra decises que denegaram mandado de segurana requerido, com a mesma pretenso, no em favor do

    paciente, mas dos seus advogados constitudos: o mesmo constrangimento ao exerccio da defesa pode substantivar violao prerrogativa profissional do advogado - como tal,

    questionvel mediante mandado de segurana - e ameaa, posto que mediata, liberdade do indiciado - por isso legitimado a figurar como paciente no habeas corpus voltado a fazer

    cessar a restrio atividade dos seus defensores. II. Inqurito policial: inoponibilidade ao advogado do indiciado do direito de vista dos autos do inqurito policial. 1. Inaplicabilidade

    da garantia constitucional do contraditrio e da ampla defesa ao inqurito policial, que no processo, porque no destinado a decidir litgio algum, ainda que na esfera administrativa;

    existncia, no obstante, de direitos fundamentais do indiciado no curso do inqurito, entre os quais o de fazer-se assistir por advogado, o de no se incriminar e o de manter-se em

    silncio. 2. Do plexo de direitos dos quais titular o indiciado - interessado primrio no procedimento administrativo do inqurito policial -, corolrio e instrumento a prerrogativa

    do advogado de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8906/94, art. 7, XIV), da qual - ao contrrio do que previu em hipteses

    assemelhadas - no se excluram os inquritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com

    os interesses do sigilo das investigaes, de modo a fazer impertinente o apelo ao princpio da proporcionalidade. 3. A oponibilidade ao defensor constitudo esvaziaria uma garantia

    constitucional do indiciado (CF, art. 5, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistncia tcnica do advogado, que este no lhe poder

    prestar se lhe sonegado o acesso aos autos do inqurito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declaraes. 4. O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto

    as informaes j introduzidas nos autos do inqurito, no as relativas decretao e s vicissitudes da execuo de diligncias em curso (cf. L. 9296, atinente s interceptaes

    telefnicas, de possvel extenso a outras diligncias); dispe, em conseqncia a autoridade policial de meios legtimos para obviar inconvenientes que o conhecimento pelo

    indiciado e seu defensor dos autos do inqurito policial possa acarretar eficcia do procedimento investigatrio. 5. Habeas corpus deferido para que aos advogados constitudos pelopaciente se faculte a consulta aos autos do inqurito policial, antes da data designada para a sua inquirio (HC 82354 / PR, 1. T., julgado em 10/08/2004, DJ 24-09-2004 PP-

    00042).

    21

  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    22/27

    aplicao da Justia, impe-se que cada uma tenha o direito de se contrapor aos atos etermos da parte contrria.93

    Rigorosamente correto, portanto, o entendimento doutrinrio ejurisprudencial, como se v do precedente do STJ de que foi relator o emin. MinistroPaulo Medina, que deu como nulo por violao da garantia do contraditrio o

    julgamento do recurso de apelao sem que a defesa tivesse sido intimada para arrozoarna superior instncia, conforme facultado pelo art. 600, 4, CPP94.A garantia do contraditrio, portanto, exclusivamente da defesa, no

    sendo adequada sua invocao pelo Ministrio Pblico. No que, por bvio, o MP nodetenha o direito de conhecer a prova produzida pela defesa. que o fundamento dessedireito provm no do princpio do contraditrio e sim do da igualdade das partes. No razovel o acusador invocar em seu prol garantia constante de captulo daConstituio que dispe sobre as garantias individuais e as liberdades fundamentais.

    Convm registrar que a interveno do Ministrio Pblico depois dasustentao oral produzida pela defesa, nos julgamentos perante os rgos Colegiados,no ofende ao contraditrio, porque nas Cmaras ou Turmas o Parquet atua como

    custos legis, ou seja, sem vnculos pr-estabelecidos com a acusao, muito embora aexperincia esteja a demonstrar que os Procuradores reforam quase invariavelmente atese acusatria, provavelmente preocupados com os altos ndices de violncia e decriminalidade, embora a soluo para esse grave problema seja predominantemente denatureza no-penal.

    Alis, h movimentos, no interior da Instituio, sustentando anecessidade de redesenho da funo dos Procuradores para que possam atuar como

    partes, no processo.

    j) Fundamentao das decises judiciais

    Condio de validade dos pronunciamentos judiciais que sejamfundamentados, como prope o inciso IX do artigo 93 da CF.

    A fundamentao, desse modo, outra pedra de toque do EstadoDemocrtico de Direito, que, ao contrrio do Estado Totalitrio, se justifica, isto , seexplica, perante os seus cidados.

    Se tivssemos que apontar uma ordem cronolgica, diramos que adeciso sempre precede a fundamentao e que esta, de sua vez, sempre precede odiscurso fundamentador, isto porque o juiz, segundo ensinamento de Nilo Bairros deBrum, ao sentenciar, em verdade j decidiu o que fazer, isto , se condenar ou seabsolver o ru.

    O juiz chegar a essa deciso (ou tendncia de decidir) por vriosmotivos, nem sempre lgicos ou derivados da lei. Muitas vezes, a tendncia acondenar est fortemente influenciada pela extenso da folha de antecedentes do ruou, ainda, pela repugnncia que determinado delito (em si) provoca no esprito do

    juiz.95 Noutras vezes, a tendncia para absolver representar a expresso viva dastendncias ideolgicas de considerar que o ru sempre uma vtima da inoperncia doEstado e da falta de ateno dos outros...

    A propsito dessa ordem, (deciso, fundamentao e discursomotivador) Gomes Filho diz ser possvel distinguirmos no raciocnio judicial, de um

    93 FERNANDES, Antonio Scarance, Processo Penal Constitucional, 2. Ed., Revista dos Tribunais, So Paulo, 2000, p. 255.

    94 HC 29605 / PE, 6. T., julgado em 10.8.2004, in DJ 20.09.2004 p. 335

    95 Obra citada, p. 72.

    22

  • 8/4/2019 Devido Processo Legal Boschi

    23/27

    lado, a atividade mental que se desenvolve com o objetivo de encontrar a soluopara o caso trazido a julgamento, na qual pesam no s as premissas de direito e defato, mas tambm valores extrajurdicos (morais, polticos, ideolgicos etc) do juiz, e, por outro, o produto dessa mesma atividade, apresentando sob a forma de umasentena, em que se expem ao pblico as razes da escolha realizada.96

    Ento, o juiz, primeiro, precisar identificar as provas e as examinarjunto com as alegaes das partes para poder formar o convencimento e, da, deliberar,decidir apontar o direito incidente na espcie, socorrendo-se da lei, da jurisprudncia,dos princpios gerais, etc.

    Realizada a opo (deliberao), ordenar mentalmente as bases desustentao da deciso (motivos, fundamentos).

    Por ltimo, detalhar essas bases (discurso motivador), ao estilo dos juzos lgicos, com clareza, evitando que eventuais obscuridades, contradies,ambigidades ou omisses determinem a necessidade de subseqente declarao.

    Operando com a lgica, o juiz, entretanto, no deve ser, como dizCouture, um lgico que fabrica silogismos,97 em que a lei a premissa maior, o casoconcreto a premissa menor e a sentena a concluso. Sua misso, ensinava Carnelutti, a de transformar a lei ditada em geral para categorias de casos, em uma lei especial

    para o caso especfico,98 incumbindo-lhe, nessa mediao, estender uma ponte entrea lei e o fato, como o faz o intrprete de uma partitura musical ao converter em sons os

    smbolos com os quais o compositor expressou sua idia.99