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GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rêgo 31-85 .31 Jussara Rêgo Bióloga, Mestre em Geografia pela Universidade Federal da Bahia e Consultora do Projeto Egbé Territórios Negros, da Koinonia Presença Ecumênica e Serviço. [email protected] Territórios do candomblé: a desterritorialização dos terreiros na Região Metropolitana de Salvador, Bahia Resumo O ponto de partida deste artigo foi a compreensão de que os processos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização sofridos pelos Terreiros de Candomblé de Salvador são recorrentes ao longo da sua existência, notadamente com relação à sua espacialização na cidade. A origem dessa religião brasileira, criada a partir de uma agregação de diversas estruturas litúrgicas africanas, é fruto de uma estratégia de sobrevivência bem sucedida dos negros africanos desterritorializados, trazidos para o Brasil na condição de escravos. O culto, de identidade própria, se distribui pela cidade sob a forma de Terreiros - sua forma de assentamento característica - e apresenta domínios territoriais demarcados através de simbolismos territoriais. Apresenta variações no espaço urbano, visíveis em temporalidades determinadas por relações sociais, e é constantemente submetido a processos de segregação que caracterizam a cidade. Dessa forma, a pesquisa buscou, como objetivo principal, analisar a situação dos terreiros na cidade, na condição de produtores do espaço, evidenciando os continuados processos de desterritorialização de sua espacialização e funcionamento; esclarecer sua condição de territórios contínuos; e indicar a existência e a necessidade, para a manutenção do culto, dos territórios descontínuos - matas, lagoas, manguezais e áreas naturais, de uma forma geral, que se apresentam cada dia mais escassos na cidade. Para tanto, após o levantamento de dados em pesquisa bibliográfica, utilizou-se, como recursos metodológicos, o preenchimento de um banco com dados primários sobre as casas, a partir da aplicação de questionários a membros qualificados das comunidades, seguida de realização de entrevistas com a finalidade de obtenção de dados esclarecedores da situação das casas de candomblé na cidade. Tal análise indicou uma projeção de que essa forma de assentamento vem sofrendo, em Salvador, uma visível transformação do modelo originalmente implantado na cidade, conciliando a dinâmica de reprodução inerente ao culto com a

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  • GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85 .31

    Jussara RgoBiloga, Mestre em Geografia pela Universidade Federal da Bahia e Consultora do ProjetoEgb Territrios Negros, da Koinonia Presena Ecumnica e [email protected]

    Territrios do candombl: adesterritorializao dos terreirosna Regio Metropolitana deSalvador, Bahia

    Resumo

    O ponto de partida deste artigo foi a compreenso de que os processos deterritorializao, desterritorializao e reterritorializao sofridos pelos Terreirosde Candombl de Salvador so recorrentes ao longo da sua existncia,notadamente com relao sua espacializao na cidade. A origem dessa religiobrasileira, criada a partir de uma agregao de diversas estruturas litrgicasafricanas, fruto de uma estratgia de sobrevivncia bem sucedida dos negrosafricanos desterritorializados, trazidos para o Brasil na condio de escravos. Oculto, de identidade prpria, se distribui pela cidade sob a forma de Terreiros -sua forma de assentamento caracterstica - e apresenta domnios territoriaisdemarcados atravs de simbolismos territoriais. Apresenta variaes no espaourbano, visveis em temporalidades determinadas por relaes sociais, e constantemente submetido a processos de segregao que caracterizam a cidade.Dessa forma, a pesquisa buscou, como objetivo principal, analisar a situao dosterreiros na cidade, na condio de produtores do espao, evidenciando oscontinuados processos de desterritorializao de sua espacializao efuncionamento; esclarecer sua condio de territrios contnuos; e indicar aexistncia e a necessidade, para a manuteno do culto, dos territriosdescontnuos - matas, lagoas, manguezais e reas naturais, de uma forma geral,que se apresentam cada dia mais escassos na cidade. Para tanto, aps olevantamento de dados em pesquisa bibliogrfica, utilizou-se, como recursosmetodolgicos, o preenchimento de um banco com dados primrios sobre ascasas, a partir da aplicao de questionrios a membros qualificados dascomunidades, seguida de realizao de entrevistas com a finalidade de obtenode dados esclarecedores da situao das casas de candombl na cidade. Talanlise indicou uma projeo de que essa forma de assentamento vem sofrendo,em Salvador, uma visvel transformao do modelo originalmente implantadona cidade, conciliando a dinmica de reproduo inerente ao culto com a

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    possibilidade de reproduo dentro dos grandes centros urbanos, incluindo asrelaes econmicas e sociais envolvidas, que influem decisivamente nessasnovas territorialidades.

    Palavras-chave: candombl; Salvador; territrio; espao urbano;desterritorializao.

    Abstract

    This paper shows that the territorialization, deterritorialization andreterritorialization experienced by the Terreiros de Candombl (Areas of Worship)are recurrent, especially when their spacialization within the city is taken inconsideration. This Brazilian religion, which aggregates several African liturgicalstructures, is the result of a successful strategy of survival of the African blacks,who had gone through deterritorialization and were brought to Brazil as slaves.The cult, with its own identity, was scattered all over the city under the form ofTerreiros, its characteristic of settlement, whose territorial domains were delimitedby territorial symbolism. Its urban dimension presents variations, whose visibletemporalities were determined by the social relationships that were constantlysubmitted to the segregation processes that characterize the city. Thus, the aim ofthis research is to analyze the situation of the Terreiros in the city, focusing ontheir status of dimension producers, showing the ongoing processes ofdeterritorialization of their space and operation. It also intends to call attention tothe importance of the discontinuous territories for the cult preservation, namelywoods, lagoons mangroves and natural areas, which are becoming scarcer allover the city. To carry out the research, after the data survey based on abibliography research were collected, the methodological resource used was tofill out a database with primary data on the candombl houses, based onquestionnaires answered by the qualified community members, followed byinterviews to obtain data to visualize the situation of the candombl houses in thecity. This analysis showed the projection that this form of settlement peculiar tothe region being studied has gone through in the city of Salvador a visibletransformation of its model that was originally implemented in the city. A modelthat conciliates the dynamics of reproduction inherent to the cult with the possibilityof reproduction within the major urban centers, including the economic andsocial relationships involved, which have a strong influence on the newterritorialization.

    Key words: candombl; Salvador; territory; urban space; deterritorialization.

    1. Introduo

    O Candombl uma modalidade de culto afro-brasileiro, de expresso

    acentuada na Bahia e grande representao no Recncavo Baiano e na

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    Regio Metropolitana de Salvador. Caracteriza-se pela reinveno e re-

    composio de territrios dos negros de vrias naes africanas submeti-

    dos ao processo da escravido, na medida em que permitiu a preservao

    de elementos essenciais e sua identidade cultural, recriada a partir de um

    mosaico de etnias africanas pr-existentes, por africanos e seus descen-

    dentes, no contexto de amplos contactos intertnicos (SERRA et al., 2000).

    Alm de designar o culto propriamente dito, o nome tambm se aplica a

    um centro onde praticado: candombl do Engenho Velho, candombl do

    Gantois.

    A anlise/ diagnstico da situao das casas de culto do candombl

    de Salvador na sua condio de territrios sustentada por estes se

    apresentarem como produtores do espao urbano e que, como

    conseqncia dos processos de segregao que caracterizam a cidade,

    sofrem continuados processos de desterritorializao de sua espacializao

    e funcionamento, enquanto grupo religioso de vivncia comunitria, pelos

    grupos de maior poder de presso pela apropriao e valorizao do solo

    urbano, desde o momento de sua implantao, no final do sculo XVIII,

    at a atualidade. Outra caracterstica que enfatiza tal anlise que eles

    possuem uma forma de organizao espao-temporal caracterstica de um

    grupo que tem uma identidade prpria e se reproduz socialmente; e ainda,

    possuem domnios territoriais demarcados, com variaes na espacialidade

    da cidade, visveis em temporalidades determinadas por relaes sociais.

    Diante de toda a problemtica que envolve a sustentao dessas

    comunidades na cidade, buscou-se uma investigao que contemplasse

    as dificuldades por que passam, a partir do registro da implantao,

    expanso e posterior reduo dos espaos dos Terreiros de Candombl,

    caracterizando-os enquanto territrios que possuem um tipo de

    assentamento particular; da anlise da forma de apropriao dos recursos

    naturais dentro do espao em apreo segundo modelos de realidade fundados

    numa cosmologia religiosa, focalizando tambm o esforo de preservao

    e as formas de manejo dessa rea por parte das comunidades de culto a

    instaladas; do registro das transformaes ocorridas nos seus arredores e

    as conseqncias para as casas de culto, para a compreenso dos processos

    de desterritorializao por que passam as comunidades religiosas.

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  • 34. GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85

    A metodologia utilizada para a compreenso da problemtica espaci-

    al se baseou na caracterizao e mapeamento sincrnico e diacrnico dos

    espaos sagrados de alguns casos exemplares de comunidades, observando

    suas transformaes, o processo aparente de desterritorializao e

    reterritorializao do sagrado frente compresso dos terreiros pela cidade,

    forando, com essa reduo de espao, a uma modificao na dinmica da

    religio e, de uma forma dialtica, o processo de formao da cidade imposto

    por esse tipo de ocupao. Este artigo tentar dar elementos para a

    compreenso dessa dinmica, baseando-se na ntegra na pesquisa de

    mestrado, encontrada em Dias (2003).

    2. Terreiros, Simbolismos e Territrio

    A designao terreiro dada ao local de realizao do culto da maioria

    das religies afro-brasileiras1 , retratado por Sodr (1988) como a principal

    forma social do negro no Brasil. tambm conhecido como roa,

    certamente uma terminologia que faz remisso s condies dos stios onde

    os terreiros eram implantados no incio da sua estruturao, em ambientes

    caracterizados por suas grandes dimenses, composto de rvores frutferas

    e afastados do grande centro urbano, como observa o parecer tcnico do

    Ministrio da Cultura, com fins de tombamento do Il Ax Op Afonj: Os

    candombls mais antigos e tradicionais esto instalados em grandes terrenos,

    denominados roas ou terreiros... (MINISTRIO DA CULTURA, 1999, p. 5).

    Outros termos utilizados so il e eb (originado do iorub egb)

    que tem na sua origem etimolgica o significado de casa, e, por fim, e

    mais freqentemente utilizado, o ax, que alm de representar a fora

    csmica, largamente empregado com esta finalidade entre os integrantes

    do culto, moradores ou freqentadores. Especificamente para as casas do

    rito angola, eles tambm so chamados de Casa de Inkise e de aba.

    O prprio nome da religio tambm utilizado, s vezes, com a

    finalidade de designar o espao onde ela se desenvolve. Assim, refere-se

    a Catimb, Batuque, e, no caso da Bahia, Candombl (BERKENBROCK,

    1999). E dessa forma que parece ser referido pela primeira vez na

    literatura, o termo candombl:

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    O mais antigo testemunho que temos da utilizao da palavra Candombl doano de 1826. Na ocasio, africanos que haviam participado da revolta noQuilombo do Urubu procuraram refgio numa casa a que se chama deCandombl (REIS, 1986, p. 116).

    O candombl citado parece referir-se ao Il Ax Iy Nass Ok, que

    funcionou como casa de culto, ainda sem a formao espacial atualmente

    conhecida, inicialmente instalado na Barroquinha, conforme descrito por

    Verger (1999)2 :

    O primeiro terreiro desta nao [Ketu] foi fundado no incio do sculo XIX, emuma pequena casa situada atrs da igreja da Barroquinha, por um grupo demulheres que pertenciam irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte (VERGER,1999, p. 230).

    Segundo Silveira (2000), a religio era praticada na residncia da sua

    fundadora, na Ladeira do Berqu, nas proximidades da igreja da

    Barroquinha, com origem datada de 17883 . Nessa poca, as comunidades

    afro-baianas eram severamente perseguidas pelo Governador Conde da

    Ponte, sendo que na virada do sculo XVIII, com sua sucesso pelo Conde

    dos Arcos, a situao foi modificada. Com o objetivo de aumentar a

    rivalidade entre as comunidades afro-baianas existentes, resolveu apoiar

    a irmandade jje-nag da Barroquinha, Irmandade dos Martrios, o que

    provocaria maior atrito com a Irmandade angolana Nossa Senhora do

    Rosrio dos Pretos, que, at ento, desfrutava de grande destaque. Tal

    rivalidade as impediria de unir-se contra a ordem colonial. nesse contexto

    que a irmandade consegue a construo de um salo nobre, anexo igreja,

    melhorando as condies de suas reunies que passaram a ser consentidas

    oficialmente. Com esse fortalecimento, tambm o terreiro foi certamente

    ampliado, ganhando mais equipamentos, mais espao e mais confiana

    (SILVEIRA, 2000). Note-se que o termo terreiro no se refere ainda ao

    modelo atual reconhecido e reproduzido pelas comunidades de culto.

    Consolidados no local de forma reforada a partir das lutas pela

    independncia da Bahia, cuja participao dos negros libertos foi marcante

    na cidade, a liberdade da comunidade nag passou a ser cerceada aps os

    conflitos sangrentos que se deram, inclusive, dentro das ruas do bairro da

    Barroquinha com a revolta dos Mals. Cerceamento esse que culminou

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  • 36. GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85

    com a chegada da ideologia do progresso, quando as elites, visando

    limpeza da nossa raa, investiram na remoo do bairro negro de heranas

    coloniais to fortes. Assim,

    Precisamente em 1851, a chegada do progresso foi espetacularmente anunciada Bahia com a urbanizao da Barroquinha, a terraplenagem de toda a rea, otraado de novas ruas e a pavimentao da Baixa dos Sapateiros. Os afro-baianos, ocupantes do bairro durante pelo menos 80 anos, encarados como umandoa na paisagem moderna, foram sumariamente expulsos. rvores sagradase santurios devem ter sido abatidos e os subterrneos secretos aterrados nestemomento. Conta-se que o terreiro passou por vrios lugares at instalar-se noEngenho Velho da Federao, onde, desde pelo menos 1855, gloriosamente seencontra (SILVEIRA, 2000, p. 99-100).

    Onde se encontra atualmente instalado desde cerca de 1856, o Terreiro

    da Casa Branca do Engenho Velho, como popularmente conhecido,

    corresponde a um modelo que foi reproduzido pela cidade, de acordo com

    a dinmica de expanso prpria da religio, possuindo, no entanto,

    especificidades que tornam particular cada casa de candombl. De qualquer

    forma, um modelo ideal geralmente reproduzido mantendo praticamente

    a mesma estrutura bsica que indispensvel para o funcionamento do

    culto, com a dependncia das condies de apropriao do stio onde ser

    implantado o terreiro. Isto vlido para terreiros de todas as naes.

    Definimos aqui um terreiro como um stio estruturado segundo um

    modelo espacial que corresponde a uma imagem de mundo religioso

    tradicional afro-brasileiro, que considera os laos de solidariedade e

    convivncia comunitria, possuindo, idealmente, monumentos edificados

    sob a forma de fontes e outros assentamentos, e monumentos naturais

    como rvores sagradas, pedras consagradas e uma diversidade de plantas

    que compem uma mancha de vegetao mantida com propsito religioso.

    Animais de sacrifcio e outros considerados de importncia simblica para

    o culto so criados em ambientes mais reservados ou mesmo mantidos

    nas reas de livre circulao das Casas.

    Diversos estudos focalizam a anlise de terreiros de candombl, sendo

    estes descritos e caracterizados sob diversos pontos de vista, quanto a sua

    estrutura fsica, funcional ou ritual.

    Siqueira (1998), identifica e descreve um terreiro, estruturalmente,

    como uma composio dos espaos mstico, ritual e social.

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    Do ponto de vista funcional, compreende um espao ritual e um espao

    de moradia, sendo esse o modelo mais trabalhado pelos autores que

    escrevem sobre o tema. No espao ritual, sacralizado pela presena das

    entidades ali representadas pelos assentamentos, acontecem as atividades

    litrgicas e, no espao de moradia, residem alguns membros da comunidade,

    fundamentalmente aqueles que compem o clero.

    No entanto, o arqutipo dos terreiros pode ser classificado segundo

    sua estrutura e funcionamento, sendo os espaos delimitados pelo uso e

    acesso:

    O modelo espacial bsico de terreiro jje-nag apresenta duas reas bastantedistintas, delimitadas e interrelacionadas: uma onde esto construdas asedificaes de uso religioso e habitacional, e outra, mais intocada e selvagem,reservada ao mato rea verde que simboliza a floresta ancestral, ondeexistem rvores sagradas, plantas ligadas flora ritual, fontes e algunsassentamentos

    4 de orixs. Na rea edificada tambm denominada por Juana

    Elbein de espao urbano, em decorrncia de suas caractersticas maisdomsticas e controladas

    5 , esto localizados a casa principal do culto, o

    barraco, os il-orix ou casas de santo, alguns assentamentos e as habitaespermanentes e temporrias (MINISTRIO DA CULTURA, 1999, p. 6).

    Esta corresponde forma usual de diviso do terreiro quando se analisa

    sua estrutura, considerando o espao mato e o espao urbano,

    amplamente reconhecida e difundida entre os estudiosos dessa religio,

    seja no ramo da sociologia, da antropologia ou da histria, sempre

    imprimindo uma diferenciao entre os ambientes mantidos em seu estado

    natural e aqueles modificados com a construo de edificaes, sejam

    elas com finalidades ritualsticas ou de moradia.

    No livro sobre Salvador, Bahia Sculo XIX uma Provncia no Imprio,

    Ktia Mattoso analisa a impossibilidade de numerosos terreiros na cidade

    possurem tal estrutura, j avaliando a dupla estrutura proposta em espao

    mato e espao urbano, considerando que

    O espao mato, acessvel apenas aos sacerdotes, ocupa 2/3 do terreiro comdiferentes rvores e arbustos cujas folhas servem para as prticas litrgicas.

    (62) 6.

    Evidentemente, no sculo XIX numerosos terreiros no podiam ter esta duplaestrutura, pois estavam instalados em casas situadas no Centro de Salvador: oterreiro urbano, neste caso, possua um mato nos espaos verdes que cercavama cidade (Dirio da Bahia, 1 de junho de 1859). Aps a Abolio da escravatura,os terreiros buscaram condies ideais de funcionamento, estabelecendo-se nas

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    parquias semi-urbanizadas, como as de Vitria e de Brotas, para onde, alis,vieram tambm os negros provenientes do campo (MATTOSO, 1992, p. 430).

    No espao mato esto os monumentos no edificados que

    compem a mata ritual. Encontram-se desde as ervas que so colhidas

    para utilizao no culto, com fins de composio de ambientes, rituais

    iniciticos, banhos, entre outros usos, at os arbustos e rvores

    consagrados aos orixs, sendo at identificados como tais. Nesse caso

    so reconhecidos como assentamentos, que representam a morada das

    entidades que podem conter ainda alguns elementos que os representa,

    como objetos de ferro (ferramentas) e pedras consagradas, sendo

    equivalente a um altar onde os santos catlicos so colocados para

    adorao e recebimento de oferendas. O espao mato, inicialmente, de

    livre acesso ao sacerdote de Ossain - Babalossain, especialista das ervas,

    responsvel pela sua coleta e encaminhamento para elaborao e

    posterior utilizao. No entanto, esse um cargo do candombl que a

    cada dia se torna mais raro, cujas razes no foram identificadas por

    esta pesquisa, ficando a funo delegada a outro membro da comunidade,

    pelo superior da casa. Normalmente esse espao dedicado a Inkosi e

    Oxossi, Muzenza e Ossain, entidades relacionadas s matas e s ervas,

    respectivamente.

    O espao urbano contm as edificaes, cujo nmero pode variar

    muito. Quatro tipos de construes ou espaos devem estar presentes: os

    Il-Orix, os Il-Ax, a casa ou espao para o culto pblico e as casas de

    moradia.

    O termo assentamento empregado designando duas situaes: a

    primeira, correspondente ao aspecto mais abrangente a que se prope o

    estabelecimento, onde se encontram ambientes de moradia e de realizao

    do culto. A segunda refere-se ao espao reservado ao culto de uma entidade,

    onde se encontram objetos sacralizados e dedicados mesma, constituindo-

    se ainda em ambiente de oferendas. Tal assentamento a representao

    material simblica da presena e moradia da entidade. Para esta designao

    ser utilizado o termo peji, de origem iorub, cujo emprego adotado

    dentro das casas de culto, ficando o termo assentamento designativo do

    estabelecimento como um todo.

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    As casas de culto de Salvador exibem elementos que funcionam como

    demarcadores simblicos do territrio religioso, sendo por vezes

    perfeitamente identificveis aos olhos at de observadores pouco atentos.

    Esta demarcao simblica do assentamento nos remete a uma

    primeira anlise dos terreiros de candombl na condio de territrios.

    Figura 1

    Estratos de identificao de Terreiros de candombl na cidade

    Elaborao: Jussara Rgo

    A identificao dos terreiros na rea pode ser feita em nveis distintos:

    a anlise das fotografias areas, realizadas a partir de sobrevo na rea,

    demonstra que a cidade se caracteriza pelo alto grau de adensamento das

    edificaes. No caso da aerofotogrametria do entorno da Avenida Vasco da

    Gama, especificamente, possvel identificar reas que destoam do

    conjunto pela presena de uma mancha verde oriunda da manuteno

    promovida por alguns candombls, conforme diz a regra geral, atribudo

    sua necessidade do espao mato. Exceo se d no caso de condomnios

    mais planejados; do bairro do Horto Florestal, rea nobre da cidade; de

    duas outras manchas verdes ainda existentes na poca do sobrevo, de

    propriedade particular, podendo ser caracterizadas como vazios urbanos

    (SAMPAIO, 1999), hoje substitudas, uma por imvel do Grupo Po de

    Acar, e a outra por um empreendimento habitacional em construo da

    empresa MRM; e de reas que se aproximam do bairro do Rio Vermelho.

    Temos ento, como destaque, uma rea marcada pela Casa Branca,

    que mantm, nos seus limites, rvores como jaqueira (Artocarpus

    integrifolia), akok (Newbaldia laevis), gameleira ou Irko (Ficus doliaria) e

    at um bambuzal (Bambusa vulgaris) consagrado a Dank, sendo todas

    sagradas e de extremo valor ritualstico, assumindo, em alguns casos, as

    denominaes das entidades, s quais tm pertinncia atribuda: a jaqueira

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    (Artocarpus integrifolia) passa a se chamar Apaok; o bambuzal Dank;

    gameleira Irko. Isto no caso da nao ketu. Com relao s casas de

    culto angola, o Inkise Tempo pode ser cultuado em qualquer rvore que lhe

    seja consagrada; e o bambuzal representa a morada do inkise Vumbe. Alm

    desse terreiro, trs outros podem ser visualizados: o Il Oxumar, o Tuumba

    Junara e o Il Ax Ib Ogum, terreiros que ainda conseguem a manuteno

    de suas reas verdes, apesar da constante presso que sofrem pela

    ilegalidade da posse, no caso desse ltimo, e, somando-se a isso, as

    sucessivas perdas de reas a que esto submetidos por presso de invases

    recorrentes, para os demais.

    A avaliao especfica ao nvel da botnica ainda nos mostra que os

    bambuzais se comportam como identificadores pontuais da presena de

    terreiros, pois, a quase totalidade de suas ocorrncias, por observao desta

    pesquisa para a rea da Avenida Vasco da Gama e seu entorno, se d no

    interior das casas de culto, e, portanto, em ambiente sagrado, geralmente

    reservado ao culto dos mortos. Nos terreiros da nao angola recebe o

    nome de Vub, e naqueles de origem nag conhecido e consagrado a

    Dank, de origem tapa. Em ambos refere-se ao culto dos antepassados.

    As outras espcies botnicas referidas podem ser encontradas em

    reas prximas, sem, no entanto, compor reas verdes adensadas como

    nos terreiros, observando-se a relao rea verde/ rea construda do seu

    domnio. Por outro lado, levantamentos florsticos realizados nessas casas

    revelam a presena de espcies consideradas sagradas, que, em quintais

    comuns, seriam consideradas mato, e, portanto, submetidas supresso.

    Normalmente, e quando as dimenses fsicas permitem, existe uma

    mancha de vegetao remanescente ou recriada na unidade e o

    levantamento florstico e etnobotnico acusa a presena de espcies

    identificadas segundo uma taxonomia afrobrasileira.

    Existe uma srie de elementos que compem um terreiro, que,

    integrados aos j descritos acima como demarcadores de sacralidade, como

    as rvores sagradas e as espcies rituais, so referidos aqui como

    simbolismos territoriais. Eles integram a composio fsica da casa,

    revelando aspectos particulares dos terreiros, que, com alguma variao

    de casa a casa - o que as torna singulares -, se referem qualificao do

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  • GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85 .41

    espao com a ordenao de objetos rituais especficos e representantes de

    entidades e seus rituais.

    Podemos ainda identificar a existncia de um terreiro, por menor e

    mais discreto que ele possa se apresentar em meio a construes de moradia

    e outros equipamentos urbanos, pela presena de uma bandeira branca

    hasteada no ponto mais alto possvel da casa, ou, em alguns casos, na

    entrada principal, ainda que no seja o ponto mais alto. Ela apresenta-se

    como demarcadora de territrio, significando a presena do sagrado e,

    segundo informaes de praticantes, denominada Bandeira de Tempo,

    do culto angola. Em comunicao pessoal, o Tata Larcio Sacramento

    informa que, na sua origem, era um pedido a Tempo para que este

    permanecesse calmo, atravs da bandeira da paz, pois, em Angola, havia

    muitos cataclismas. Atualmente, dentro de toda a rea em estudo, esse

    simbolismo encontra-se assimilado por muitos terreiros de ketu como

    Bandeira de Irko, e, segundo informaes, aqueles que a utilizam cultuam

    caboclos.

    A exata delimitao da origem da bandeira branca no tem, nesse

    trabalho, importncia to acentuada como o que ela significa dentro do

    conjunto da cidade. Ela tem o poder de falar aos desavisados que aqui

    um territrio sagrado. A crescente utilizao deste demarcador, a despeito

    do culto aos caboclos ou no, parece indicar, sim, a necessidade tambm

    crescente de identificao da existncia de terreiros em locais que podem

    parecer improvveis de acolh-los, pelo adensamento que vem

    caracterizando o grande centro urbano. Isto parece indicar uma forma

    clara de adaptao das casas, buscando a sobrevivncia em meio ao caos

    urbano.

    Outros demarcadores territoriais, encontrados nos terreiros de

    candombl, podem ser citados: as quartinhas que so colocadas em locais

    especficos, normalmente nos assentamentos correspondentes entidade

    de quem as pertence, e contm a gua que no pode jamais secar. Esta

    gua representa o fluido vital que assegura a sade do dono. Esse,

    normalmente, um iniciado da casa; o Al, um tecido branco, que, em

    pocas de rituais especficos de Oxal, utilizado para a proteo de seu

    caminho. Costuma-se estend-lo ao longo de todo o percurso por onde a

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4441

  • 42. GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85

    entidade ir passar durante os rituais; o Oj, outro tecido branco, demarca

    a presena de Oxal. Sempre envolve uma rvore, sob a forma de um lao

    - como se a estivesse vestindo, como se cobre o peitoral do (a) iniciado(a)

    quando este(a) encontra-se incorporado(a) por uma entidade - para indicar

    sua sacralidade; e, ainda, o mariw, uma espcie de cortina de palha

    instalada nos acessos externos e internos das casas, que tambm simboliza

    a sacralidade, protegendo as passagens. Representa um atributo de Ogum,

    e feito a partir das folhas do dendezeiro (Elaeis guineensis), que, no

    candombl, conhecido tambm pelo nome de mariw.

    No s objetos se comportam como smbolos territoriais. Existem

    espaos sagrados, de acesso restrito, demarcados em todo o mbito do

    terreiro. Algumas reas so de livre acesso apenas para homens e outras

    para mulheres, dependendo do significado que possua ou ainda da funo

    que desempenhe. Outras, ainda, que apenas os iniciados podem utilizar.

    E ainda aquelas que devem ser reverenciadas sempre que acessadas, pelo

    respeito presena sagrada. Estas reservas se do a espaos como o das

    camarinhas, dos assentamentos, da rea destinada ao culto dos mortos

    etc.

    Um simbolismo territorial marcante nas casas de candombl refere-

    se ao conhecimento referente s plantas. Uma terminologia particular

    utilizada para designar os vegetais, onde se apresentam categorias

    etnobotnicas de classificao inerentes a esta forma cultural de

    apropriao. O Quadro 1 resume esta forma de classificao:

    Quadro 1

    CATEGORIAS ETNOBOTNICAS DE CLASSIFICAO IDENTIFICADAS EM TERREIROS DECANDOMBL DA REGIO METROPOLITANA DE SALVADOR E RECNCAVO BAIANO.

    Elaborao: Jussara Rgo

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4442

  • GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85 .43

    Diante da j descrita dependncia vegetal para a realizao dos cul-

    tos, as condies de diversidade e preservao vegetal nas casas de can-

    dombl so de grande expresso. Uma avaliao realizada no Il Ax Ob

    Tad Patiti Ob revelou que 100% dos itens encontrados eram reconheci-

    dos, classificados e utilizados pela comunidade (DIAS, 2000). Isso expres-

    sa tambm uma caracterstica prpria: existem membros na comunidade

    com inegvel conhecimento botnico, o que no comum na sociedade

    atual.

    A concepo de natureza e a percepo ambiental das comunidades

    afro-brasileiras foram desprezadas por muito tempo, afirmando-se que essa

    gente no passava de pobres supersticiosos, adoradores de plantas, com

    afeio inexplicvel por paus, pedras e guas. Hoje se v que o

    desaparecimento de rvores, fontes e monumentos naturais foi e est sendo

    prejudicial para Salvador e outros centros urbanos. E foram ignoradas

    propostas de ocupao e organizao do espao urbano, capazes de preservar

    a riqueza ecolgica e paisagstica da cidade, e, mais alm, uma forma

    solidria de vida.

    Uma avaliao menos preconceituosa desta viso de mundo e das

    praxes de manejo ambiental que a inspiraram leva-nos a reconsiderar at

    com nostalgia o que, antigamente, era rotulado de superstio (RGO,

    1998). O modelo de manejo ambiental dos terreiros parece mais valioso

    quando vemos colocados em risco, por muitos de seus adversrios, o

    equilbrio ecolgico, assim como a manuteno da riqueza da nossa

    diversidade cultural e religiosa, ameaada pelo crescente adensamento

    urbano da cidade, conforme analisado por Correia e Serpa (2001).

    As condies atuais da maioria dos terreiros da cidade obriga os

    integrantes da religio a buscar abrigo, de forma crescente, para seus

    rituais e coleta de espcies da flora para realizao dos cultos, nos parques

    da cidade reas verdes remanescentes. Assim, no s os espaos internos

    dos terreiros, como tambm os externos utilizados pelas comunidades

    religiosas, considerados sagrados pela atribuio ritual a eles imposta, se

    revelam indispensveis para a existncia do grupo.

    Assim, caracterizamos, neste trabalho, os terreiros de candombl como

    territrios contnuos e aqueles externos, utilizados pelos integrantes da

    religio para realizao de rituais que no podem ser realizados no interi-

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4443

  • 44. GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85

    or dos terreiros, e, por esta razo, tambm considerados sagrados, como

    territrios descontnuos (SOUZA, 1995).

    A forma de apropriao do espao das comunidades de candombl

    no possui, necessariamente, uma referncia fsica claramente definida e

    delimitada, at mesmo porque extrapola os limites dos terreiros. Ela se

    faz bem delimitada de forma simblica, cultural e poltica pelos indivduos

    que integram a religio, indicando que o grupo se define por um lao

    material ou por representaes coletivas que tomam forma num espao

    onde esto em jogo relaes scio-culturais e polticas, o que subsidia a

    atribuio do conceito de territrio nesse trabalho.

    O conceito de territrio abrange uma grande diversidade de formas

    de interpretao dentro dos estudos geogrficos, o que lhe confere grande

    versatilidade de aplicaes em diferentes escalas de anlise, em ordem

    decrescente, desde a rea formada pelos conjuntos dos territrios dos pases-

    membros da Organizao do Tratado do Atlntico Norte OTAN, em escala

    internacional, at uma rua, em escala bastante local, conforme aponta

    SOUZA (1995). Prosseguindo com essa mesma amplitude de variao, as

    suas formas de abordagem podem ser direcionadas e agrupadas em trs

    vertentes bsicas, indicadas por Haesbaert (1997) como:

    a) jurdico-poltica, majoritria, [...] onde o territrio visto como um espaodelimitado e controlado sobre o qual se exerce um determinado poder,especialmente de carter estatal; b) cultural (ista), que prioriza sua dimensosimblica e mais subjetiva, o territrio visto fundamentalmente como produto daapropriao feita atravs do imaginrio e/ou da identidade social sobre o espao;e c) econmica (muitas vezes economicista), minoritria, que destaca adesterritorializao em sua perspectiva material, concreta, como produto espacialdo embate entre classes sociais e da relao capital-trabalho (HAESBAERT, 1997,p. 39-40).

    No entanto, o prprio autor frisa que, na prtica, tal agrupamento

    no corresponde a uma realidade perceptvel, pois suas caractersticas se

    sobrepem, pela complexidade do prprio conceito.

    Aplicado a essa pesquisa, o conceito de territrio apresenta um

    significado concreto, que vai alm do aspecto fsico ou material, envolvendo

    as formas de relao de uma sociedade com seus ideais e representaes,

    como tambm traduz o comportamento de indivduos e os sentimentos

    coletivos de vinculao a uma organizao espacial. Interessa-nos saber

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4444

  • GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85 .45

    qual a relao de um grupo com o espao, o que pressupe uma anlise

    de fatores materiais e no materiais, compreendendo que territrio um

    produto da histria da sociedade, e que, portanto, est em constante

    modificao, por ser resultado de um processo de apropriao de um grupo

    social e do quadro de funcionamento da sociedade, comportando, assim,

    ao mesmo tempo, uma dimenso material e cultural dadas historicamente.

    Lefebvre (1999), analisando a produo do espao, define territrio como

    uma apropriao que rene uma dimenso concreta, de carter funcional, e

    uma dimenso simblica e afetiva, o que parece nos indicar uma confluncia

    com as caractersticas apresentadas pelas comunidades de terreiros de

    candombl na cidade, visto que elas se configuram como um modo de habitar

    de uma comunidade fixa e de uma transeunte. A comunidade fixa

    responsvel pela manuteno da casa por todo o tempo e normalmente

    composta pelos sacerdotes maiores; a transeunte se refere aos membros,

    filhos da casa, que, em poca de ritual, passa a habitar cmodos a eles

    reservados dentro do espao do terreiro, e, normalmente, por eles construdos.

    Comporta-se, portanto, como um templo religioso, onde se constroem relaes

    simblicas em consonncia com a cosmoviso do grupo de culto afro-brasileiro.

    Essa peculiar organizao espacial dos terreiros de candombl busca recriar,numa rea reduzida, a geografia religiosa africana, com seus cultos dispersosem vrias cidades (MINISTRIO DA CULTURA, 1999, p. 7).

    O territrio ento o espao apropriado pelo grupo cultural, que lhe

    confere um ordenamento caracterstico, sendo as relaes simblicas e

    afetivas determinantes deste processo. O poder se exprime pelo sagrado e

    a sacralizao tambm define o territrio. Nos terreiros, a demarcao

    territorial se d atravs do rito de consagrao. Segue a lgica religiosa da

    frica, na medida em que ele consagrado a determinada entidade. Ocorre,

    porm, que na nossa ordem jurdica isso no tem valor algum, apesar de

    representar uma afirmao de posse por parte dos membros da casa.

    Assim, podemos analisar o territrio numa escala local, cuja anlise

    se insere numa perspectiva cultural, pois se apresenta como fruto da

    apropriao do espao a partir de uma identidade social. Por outro lado, e

    respaldados na conceituao dada por Raffestin (1988), podemos express-

    lo como um espao onde se projetou um trabalho, e que, por conseqn-

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4445

  • 46. GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85

    cia, revela relaes marcadas pelo poder: a produo a partir do espao,

    com a nfase de que a produo do territrio pode ser atributo do Estado,

    das coletividades e do indivduo.

    Ele se apresenta aqui como um dado necessrio formao da iden-

    tidade de uma coletividade e dos indivduos que a compem, bem como

    ao reconhecimento de si por outros, sejam integrantes ou no do grupo

    em questo, caracterizando-se como um espao apropriado pelo grupo

    cultural - portanto com identidade prpria - onde ocorre um ordenamento

    caracterstico ao grupo, dentro de um espao geogrfico e um tempo

    determinado, onde as relaes simblicas e afetivas so determinantes

    do processo e decisivas para a produo e reproduo social.

    A partir dessa anlise, podemos realizar inferncias em dois planos

    distintos, atribuindo caractersticas territoriais observveis nos terreiros

    de candombl de Salvador, que fizeram parte dessa pesquisa: no primeiro

    plano se revelam as relaes dos terreiros com o Estado, ao qual encontram-

    se submetidos normatizao e legislao vigentes, onde se situam como

    integrantes da sociedade civil; e, no segundo, que se encontra no domnio

    cultural, religioso e simblico, onde as normas e leis so pautadas na e

    definidas pela cosmoviso do grupo.

    Continuando a avaliao da produo do espao, agora no plano da

    comunidade, porm complementando e somando exposio acima,

    consideremos a definio de produo do espao de Soja (1997), quando

    ele diz que:

    A estrutura do espao organizado no uma estrutura separada, com suas leisautnomas de construo e transformao, nem tampouco simplesmente umaexpresso da estrutura de classes que emerge das relaes sociais de produo.Ela representa, ao contrrio, um componente dialeticamente definido dasrelaes de produo gerais, relaes estas que so simultaneamente sociais eespaciais (SOJA, 1997, p. 99).

    Isto complementado por Lefebvre (1999), quando o autor afirma que:

    A produo do espao, em si, no nova. Os grupos dominantes sempreproduziram este ou aquele espao particular, o das cidades antigas, o dos campos(a includas as paisagens que em seguida parecem naturais). O novo aproduo global e total do espao social. Essa extenso enorme da atividadeprodutiva realiza-se em funo dos interesses dos que a inventam, dos que agerem, dos que dela se beneficiam (largamente) (LEFEBVRE, 1999, p. 142-43).

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4446

  • GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85 .47

    Partindo dessa premissa, podemos tratar o territrio como a relao

    existente entre espao e cultura, sendo o representante da dimenso ocul-

    ta da cultura. Segundo Arruti (1996), no basta compreend-lo como uma

    extenso de terra que depende de uma provncia, de uma cidade, de uma

    jurisdio apenas, mas como um

    ambiente e produto das prticas sociais, nas mais diferentes escalas de relaesde poder, do qual elas passariam a estar no centro da definio [estando, entoo territrio] inserido no campo da produo de significados e instrumentosculturais, mais que no campo dos objetos naturais. Concebido assim, sua anlisedeve levar em conta as disposies e arranjos no aleatrios de objetos e homenssobre uma determinada superfcie, que exprimem conhecimentos e prticas deapropriao desta superfcie e que traduzem o espao em formas culturais(ARRUTI, 1996, s.p).

    Explica-se, assim, a complexidade do significado das espacializaes

    dentro dos terreiros de candombl e suas reas adjacentes, bem como a

    necessidade de ambientes definidos e bem estruturados como suporte de

    sua atividade religiosa plena, o que nos leva a considerar os assentamentos

    caractersticos dos terreiros de candombl como territrios, na medida em

    que existe um domnio cultural sobre a rea, a partir de significaes

    simblicas a ela atribuda, que giram em torno das relaes de poder

    centralizadas pelo lder religioso. Percepo reconhecida por Rosendahl

    (2004), referindo-se a territrios religiosos catlicos, quando focaliza a

    manifestao espacial do poder sagrado a partir de sua organizao

    territorial.

    no campo das percepes que podemos avaliar a forma de

    apropriao do espao pelas comunidades religiosas do candombl,

    analisando inclusive os elementos bsicos constituintes dos territrios,

    propostos pelo prprio Raffestin como sendo de ordem material e imaterial

    ou simblica (RAFFESTIN, 1988).

    Conclumos essa reflexo com as palavras de Oliveira (2001), que,

    ao analisar as redes e territrios do Terreiro da Casa Branca, numa

    perspectiva hermenutica, intui que:

    A negociao, a lgica do acordo entre grupos de diferentes origens, o arranjomediado pela demarcao de posies comuns entre diferentes poderes sagrados,pode ser uma lgica ordenadora de relaes (em redes e/ou territrios) dosdirigentes da Casa Branca (Iy Nass Ok), herdada diretamente do templo da

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4447

  • 48. GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85

    Barroquinha e seu grande acordo nag-ioruba, preservada pelo desempenho,entre outras pessoas, da grande sacerdotisa Iy Nass e suas sucessoras (OLIVEI-RA, 2001, p. 61).

    , certamente, com base nesta fundamentao que o governo federal

    instituiu um instrumento legal para a preservao dos valores culturais

    do Estado, atravs do Registro do Patrimnio Imaterial, por reconhecer as

    manifestaes da cultura tradicional e popular como um importante aspecto

    do Patrimnio Cultural da Humanidade (SANTANNA, 1999).

    3. Territrios Contnuos: Os Terreiros na Cidade

    Santos (1999) defende que o estudo da organizao do espao no

    pode negligenciar a anlise concomitante da forma, da funo, do processo

    e da estrutura, bem como a anlise de como esses componentes interagem

    na criao e modelagem do espao atravs do tempo. E afirma que

    estes conceitos so necessrios para explicar como o espao est estruturado,como os homens organizam sua sociedade no espao e como a concepo e o usoque o homem faz do espao sofrem mudanas. A acumulao do tempo histricopermite-nos compreender a atual organizao espacial (SANTOS, 1988, p. 53).

    E lembra ainda que o entendimento dos lugares depende da considerao

    do eixo das sucesses e do eixo das coexistncias ao abordar as mltiplas

    possibilidades do uso do espao relacionadas aos diferentes usos do tempo

    (ver tambm SANTOS, 1988; 1994; ABREU, 1997).

    Segundo Santos, o espao tempo acumulado e os lugares so os espaos

    do acontecer solidrio. Isto faz com que, mesmo com o carter hegemnico

    da globalizao, os lugares e as suas manifestaes culturais se afirmem,

    cada vez mais, como espao de pertencimento, identidade e resistncia.

    De forma complementar ao exposto acima, Santos (1996) analisa

    que as novas configuraes espaciais se apresentam como um dos aspectos

    marcantes para o entendimento das novas estruturas econmicas e polticas

    que, organizadas escala do planeta, esto criando um novo mundo, e

    devem ser analisadas luz das investigaes geogrficas. Neste estudo

    nos referimos a temas como espaos e territrios dentro de uma realidade

    urbana, e os resultados provenientes de tais investigaes podem ganhar

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4448

  • GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85 .49

    uma aplicabilidade prtica, contribuindo para entender a realidade no s

    a partir do espao de fluxos, mas, sobretudo, atravs do espao de lugares,

    fazendo-se complementar ao aporte terico-prtico sugerido pela Geografia

    Cultural, que, nas palavras de Carl Sauer,

    [...] se interessa, portanto, pelas obras humanas que se inscrevem na superfcieterrestre e exprimem uma expresso caracterstica. A rea cultural constituiassim um conjunto de formas interdependentes e se diferencia funcionalmentede outras reas (SAUER, 1996).

    Estudar, sob o ponto de vista geogrfico - e particularmente fazendo

    apelo ao enfoque da etnogeografia de Claval (1997) - a problemtica espacial

    de comunidades religiosas que possuem um modelo de estabelecimento

    peculiar na cidade os territrios contnuos do candombl - dentro de um

    modelo maior, inerente sociedade contempornea, pode proporcionar

    uma contribuio para a avaliao dos processos ocorridos na cidade como

    um todo7 .

    Tabela 1ESTIMATIVAS DO NMERO DE TERREIROS EM SALVADOR

    Elaborao: Jussara Rgo. *Inscritos na Federao Nacional de Cultos Afro-brasileiros.

    A quantidade das casas de candombl em Salvador assunto demuitas inferncias, em diversas publicaes. Existem algumas estimativas,as quais, na maioria das vezes, no revelam sua base de clculo.Apresentamos uma tabela elaborada com base nas informaes deVasconcelos (2003), acrescida de levantamentos realizados ao longo dotempo, por diversos pesquisadores e instituies, que fornecem uma idia

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4449

  • 50. GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85

    aproximada da forma como se d o crescimento do nmero de terreiros nacidade.

    O clculo de 3000 casas nos parece superestimado, atualmente, pois,tal estimativa, certamente, teve por base o histrico do crescimentopopulacional da cidade nas dcadas anteriores, que se apresentou a altastaxas at a dcada de 1970. No entanto, depois de 1980, ocorreu umaqueda significativa na taxa de crescimento populacional, indicando umadesacelerao do ritmo do crescimento demogrfico para o perodo,

    conforme pode ser visto no Quadro 2:

    Quadro 2

    TAXA DE CRESCIMENTO MDIO ANUAL DE SALVADOR E SUA REGIO METROPOLITANA,DE 1940 A 1996

    Fonte: Carvalho; Freitas & Campanrio, 2000:35 Elaborado pela P&P a partir de dados doIBGE Censos Demogrficos e Contagem de Populao.

    A citao abaixo esclarece tal afirmativa:

    Salvador viveu, entre 1940 e 1970, um processo de intensa expanso demogrficae reordenamento das relaes sociais de produo, com avano dodesenvolvimento. Aquele perodo representou um rejuvenescimento dapopulao, resultado do aumento dos saldos lquidos de imigrao, da melhoriada qualidade das condies de sobrevivncia e do conseqente aumento da taxade fecundidade total (CARVALHO; FREITAS; CAMPANRIO, 2000, p. 35).

    Sabe-se que os terreiros so numerosos na cidade e em toda sua

    regio metropolitana, para onde eles esto se expandindo na atualidade.

    O levantamento mais atual, constante no Catlogo das 500 Casas do

    Culto Afro-brasileiro de Salvador, que no se propunha ser exaustivo,

    conforme constante da sua apresentao, estima, pela experincia da

    pesquisa, que o nmero atual de casas no deve ultrapassar 2000, sendo,

    portanto, o levantamento, correspondente a 25% delas. Assim, essa pode

    representar uma base de clculo de maior fidelidade existente para

    inferncias acerca da distribuio e significado das casas de candombl na

    cidade.

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4450

  • GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85 .51

    As anlises apresentadas a seguir apiam-se em uma agregao de

    bairros em categorias chamadas grandes grupos, baseada no movimen-

    to de expanso populacional da cidade, conforme indicado no Quadro 3.

    Quadro 3

    AGREGAO DE BAIRROS DE SALVADOR E DEMAIS CIDADES DA REGIO METROPOLITANADE SALVADOR.

    Elaborao: Jussara Rgo. Legenda: NSA: No se aplica; RAs: Regies Administrativas

    Essa agregao foi realizada para tornar possvel a anlise, diante do

    grande nmero de bairros existentes com a presena de terreiros. Vale

    ressaltar que a referida agregao no corresponde a quaisquer

    regionalizaes propostas oficialmente e aplicada unicamente na presente

    anlise.

    Os grficos seguintes apresentam a forma como os terreiros de

    candombl, objeto do presente estudo, esto distribudos na cidade. Na

    figura 2, a representao baseada em dados que integram a base total da

    pesquisa, incluindo as 444 casas; e a seguinte, a figura 3, demonstra apenas

    a parcela correspondente s 43 casas, integrantes da pesquisa primria.

    A anlise realizada a partir do levantamento total dos dados da presente

    pesquisa apresenta uma baixa concentrao de casas na rea do Entorno,

    para onde, pela lgica da expanso da cidade, os terreiros passaram a ser

    implantados. Uma comparao desses dados com os referentes ao

    levantamento primrio apresenta uma distribuio que parece melhor

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4451

  • 52. GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85

    explicitar a real situao, com uma grande concentrao de casas nas

    reas de Itapu e do Entorno. Nessa representao, a rea da Vasco da

    Gama se apresenta como a mais adensada, retratando uma grande

    concentrao na rea onde, historicamente, foi iniciado o processo de

    implantao de terreiros de candombl na cidade.

    A discrepncia entre as duas representaes apresentadas pode ser

    atribuda dificuldade de acesso e s grandes distncias das casas

    localizadas na regio do Entorno na execuo de uma pesquisa que no

    pretendeu um recenseamento, conforme explicado na prpria fonte (MOTT;

    CERQUEIRA, 1998).

    Figura 2

    DISTRIBUIO DOS TERREIROS NA CIDADE (I). FONTE: LEVANTAMENTO TOTAL (PESQUISAPRIMRIA E SECUNDRIA)

    Elaborao: Jussara Rgo

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4452

  • GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85 .53

    Figura 3

    DISTRIBUIO DOS TERREIROS NA CIDADE (II). FONTE: PESQUISA PRIMRIA

    Elaborao: Jussara Rgo

    A forma como os terreiros se reproduziram na Regio Metropolitana

    de Salvador, considerando a dcada de fundao e a vinculao s naes,

    est representada nas figuras 4 e 5. Observa-se uma discrepncia numrica

    entre as casas da nao ketu em relao s demais, o que ser analisado

    adiante. As curvas de crescimento da figura 5 indicam, ainda que em

    menores taxas, que os terreiros de todas as naes continuam se

    reproduzindo no espao urbano de Salvador.

    A observao desse crescimento se torna mais clara quando

    consideramos as reas da cidade onde as casas foram se implantando

    atravs das dcadas, representado nas figuras 6 e 7. A figura 6 mostra a

    situao geral da distribuio, enquanto a figura 7 apresenta a evoluo

    dessa distribuio dentro das grandes reas analisadas.

    No perodo compreendido entre o seu surgimento, sob a forma de

    terreiros, at a dcada de 1930, observa-se um equilbrio entre as naes

    ketu e angola. A partir da dcada de 1940, inicia-se um processo de

    desequilbrio, quando os terreiros da nao ketu se destacam em nmero.

    O cruzamento desse dado com a distribuio dos terreiros nos bairros da

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4453

  • 54. GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85

    cidade mostra que isso coincide com o incio da ocupao da rea referida

    como miolo.

    Figura 4

    NMERO DE TERREIROS IMPLANTADOS NA REGIO METROPOLITANA DE SALVADOR

    ATRAVS DAS DCADAS, DE ACORDO COM AS NAES

    Elaborao: Jussara Rgo

    Essa informao nos orienta para uma anlise primeira, quanto

    vinculao dos terreiros da nao angola ao espao mato. Ora, se, j no

    momento em que a disponibilidade de reas verdes na cidade ainda no

    apresentava escassez, havia casas se implantando em locais de

    adensamento acentuado, pode-se pensar que os terreiros da nao ketu

    seriam mais adaptveis a esse tipo de ambiente, ao passo que outros tm

    maior expresso em ambientes mais naturais. Tal induo de pensamento

    fortalecida a partir da observao das casas que integraram a pesquisa

    qualitativa, j que a maioria daquelas pertencentes nao angola

    apresentaram menor rea relativa construda.

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4454

  • GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85 .55

    Figura 5

    NMERO DE TERREIROS IMPLANTADOS NA REGIO METROPOLITANA DE SALVADOR,COM BASE NAS DCADAS DE FUNDAO, INCLUINDO LINHA DE TENDNCIA DECRESCIMENTO POR NAO

    Elaborao: Jussara Rgo

    O momento do crescimento diferenciado dos terreiros da nao ketu

    corresponde ao perodo em que alguns estudiosos iniciam suas pesquisas

    e posteriores publicaes nessas casas, quando ocorre tambm o 1o

    Congresso Afro-brasileiro, fortalecendo ainda mais tal difuso, pela

    promoo de lderes de destaque daquele momento:

    O perodo de 30 foi relevante na luta pela imposio e reconhecimento culturaldo negro na sociedade de Salvador, luta esta empunhada por vrios intelectuaise vrios negros de destaque. Durante esse perodo, foi realizado em Salvador o1

    o Congresso Afro-brasileiro, organizado por estas pessoas. Destaca-se no mesmo

    a presena da ialorix Aninha, grande lder religiosa do Ax Op Afonj, que,pela fora e determinao da sua personalidade, projetou a religio afro-baianapara uma insero mais segura na sociedade global (NASCIMENTO, 1989, p.51).

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4455

  • 56. GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85

    Figura 6

    DISTRIBUIO DOS TERREIROS NAS GRANDES REAS DA REGIO METROPOLITANA DESALVADOR, ATRAVS DAS DCADAS

    Elaborao: Jussara Rgo

    Figura 7

    DISTRIBUIO DOS TERREIROS NAS GRANDES REAS ENTORNO, ITAPU, LIBERDADE,MIOLO, SUBRBIO E VASCO DA GAMA AO LONGO DAS DCADAS

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4456

  • GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85 .57

    Elaborao: Jussara Rgo

    Me Aninha, como era conhecida a Ialorix Eugnia Ana dos Santos, e o

    babala Martiniano Eliseu do Bonfim exerceram muita influncia comunitria

    nos anos trinta, com intensa atuao na sociedade, no plano da influncia

    poltica e como alicerce para os pesquisadores da poca (LIMA, 1987):

    Martiniano e Aninha foram as figuras mais importantes e prestigiosas docandombl da Bahia naquela poca. Alm de Ramos e Carneiro, muitos outrospesquisadores procuravam conhecer e entrevistar o sbio babala e a famosame-de-santo. Carneiro serviu de intermedirio a vrios desses encontros,especialmente com Martiniano (LIMA, 1987, p. 46). [E continua adiante] Pois, oque disseram os pesquisadores de Carneiro a Verger foi recolhido na tradiooral das casas-de-santo: seu mito, sua, por vezes, contraditria genealogia, suasracionalizaes sobre tempo e espao (LIMA, op. cit, p.64).

    O destaque a eles conferido, ao serem procurados por todos osestudiosos que buscavam conhecimentos sobre o candombl, parece tersugerido uma condio de referncia dos terreiros pertencentes naoketu para a religio, por ser esta a nao de origem desses informantes.Praticamente no so referidas casas pertencentes a outras naes, queconstam apenas de algumas citaes, a exceo, por exemplo, do trabalhoNegros Bantus, de dison Carneiro.

    Ainda com relao forma de reproduo dos candombls na cidade,existe uma tendncia na reduo das taxas de crescimento a partir da dcadade 1990, dado este que no pode ser considerado ainda como conclusivo.

    A situao fundiria dos terreiros de candombl de Salvador outrotema que merece destaque. Os mais antigos se apresentam como rendeiros e

    ocupadores, permanecendo a figura do arrendamento at a dcada de 1970. Asituao se altera a partir da dcada seguinte, quando surgem apenas casas

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4457

  • 58. GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85

    prprias. No entanto, a maioria no possui ttulo de propriedade, possuindoapenas um documento de compra e venda, sem registro em cartrio. Comoagravamento da situao, os proprietrios, geralmente, no tm conscin-cia do fato, acreditando que a situao fundiria est regularizada, sendosurpreendidos quando da necessidade da apresentao do ttulo.

    Uma ltima observao importante quanto distribuio das casasnos bairros da cidade diz respeito s suas dimenses. Para tal anlise,considera-se um terreiro grande aquele que possui sua estrutura bemdefinida fisicamente, com rea verde e rvores sagradas; um terreiromdio mantm tal estrutura, porm, sem rea verde; o pequenoapresenta seu territrio ritual arranjado em cmodos internos casa.

    Observa-se uma certa regularidade no surgimento de casas com asdiversas dimenses, no entanto, um pico de crescimento ocorre na dcadade 1980: so casas grandes e localizadas nas grandes reas do entorno eItapu, o que indica uma tendncia de expanso em direo aos demaismunicpios da regio metropolitana. importante observar que essatendncia s claramente definida quando a anlise realizada a partirda amostra qualitativa da pesquisa, pelo mesmo motivo explicitado quando

    da anlise da distribuio geral dos terreiros na cidade.

    Figura 8

    SITUAO FUNDIRIA DOS TERREIROS EM SALVADOR 1850/2000

    Elaborao: Jussara Rgo

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  • GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85 .59

    Figura 9

    SITUAO FUNDIRIA DOS TERREIROS EM SALVADOR E DISTRIBUIO NOS BAIRROS -1970/2000

    Elaborao: Jussara Rgo

    Figura 10

    DISTRIBUIO DOS TERREIROS EM SALVADOR, DE ACORDO COM SUAS DIMENSES -1950/2000

    Elaborao: Jussara Rgo

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4459

  • 60. GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85

    Entre os terreiros, merecem destaque nesta anlise aqueles que per-

    maneceram na rea da Avenida Vasco da Gama. Sabe-se que vrios deles

    sofreram e continuam submetidos perda de suas reas por ocupao,

    venda e desapropriao por parte do poder pblico, para construo de

    equipamentos pblicos e sistema virio. Essa problemtica ainda

    agravada pela especulao imobiliria de ao permanente em todos os

    bairros da cidade.

    Para os terreiros que se implantaram sob a condio de rendeiros,

    acentuada a presso sofrida, ainda hoje, por parte dos arrendatrios. Tais

    casas pagaram arrendamento, em mdia, durante oito dcadas, s deixando

    de efetuar o pagamento de tal taxa h cerca de uma dcada, em muitos

    casos por absoluta falta de condio financeira. Sofrem constantes presses

    para o retorno do pagamento, sob ameaa de perda da rea para venda e

    loteamento.

    Dentre os terreiros que perderam rea, apenas dois foram comprados

    sem restrio. Nesses casos, a rea foi perdida para o poder pblico, para

    a construo de vias pblicas e conjuntos habitacionais. Para os demais,

    na condio de rendeiros e ocupantes, o destino da rea foi principalmente

    para moradia, tambm sob a forma de ocupao, e para a construo de

    via pblica, como o caso da Avenida Vasco da Gama.

    Quando da construo e duplicao dessa avenida, o Il Oxumar, por

    exemplo, teve seu territrio cortado ao meio.

    3.1. Estudos de Caso

    3.1.1. Il Ob do Cobre

    O problema enfrentado pelo Cobre, como o terreiro popularmente

    conhecido, o caso mais emblemtico para ilustrar a intensidade da

    desterritorializao dos terreiros na regio da Vasco da Gama.

    Situado Rua Apolinrio Santana, Engenho Velho da Federao, rea

    bastante conflituosa, vem sofrendo com as perdas de reas, resultantes de

    invases e vendas ilegais das terras. Possui, atualmente, a dimenso de

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4460

  • GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85 .61

    393 m2, que corresponde, aproximadamente, a cerca de 5% da rea origi-

    nalmente utilizada e apropriada como ambiente ritual. A reconstituio

    da rea original, demonstrada no Mapa 1, foi possvel tomando como base

    a memria ritual das filhas de santo mais velhas da casa, que a relembram

    com saudosismo.

    Atualmente, a casa se resume construo principal onde se encontra

    o Barraco e as camarinhas, tendo no exterior apenas quatro edificaes:

    a casa de Exu, a do Caboclo, a de Ogum e a de Omolu. A casa de Exu fica ao

    lado do banheiro; junto cozinha fica a casa de Ogum; a de Omolu fica

    perto do muro do mercado (hoje, uma igreja evanglica); e o caboclo, na

    frente da casa. Quanto rea verde, essa praticamente inexistente, sendo

    representada apenas por canteiros construdos na lateral da casa.

    3.1.2. Terreiro Tuumba Junara

    Atualmente com superfcie de 855,60 m2, esse terreiro teve uma parcela

    de seu territrio perdida para a vizinhana, que dela se apropriou para moradia.

    Com origem no recncavo baiano, sofreu trs mudanas de endereo

    at ser instalado na rea da Vasco da Gama. Tais mudanas so decorrentes

    de questes fundirias. Fundado em 1919, em Acupe, municpio de Santo

    Amaro Bahia; transferido para Pitanga, no mesmo municpio e depois

    para Beiru municpio de Salvador, Bahia. Posteriormente, foi transferido

    para a Ladeira do Pepino, n 70, prximo ao estdio da Fonte Nova e

    Engenho Velho de Brotas, mais ou menos na dcada de 1920. Finalmente,

    para a ladeira da Vila Amrica, 2 travessa, n 30, Alto do Corrupio, Av.

    Vasco da Gama, hoje Vila Colombina, n 30, Vasco da Gama, Salvador-

    BA, no ano de 1938.

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4461

  • 62. GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85

    Mapa 1

    IL OB DO COBRE REA ATUAL E SIMULAO DA REA ORIGINALRECONSTITUIO DA REA

    Base cartogrfica: Mapeamento oficial do Municpio de Salvador (PMS).Elaborao: Jussara Rgo

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4462

  • GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85 .63

    A estrutura fsica da casa composta principalmente pela construo

    central de moradia, Barraco, assentamentos de Exu, Xang, Oxal, Ogun, Vub

    e, recentemente construdo, o de Tempo. Esse assentamento foi construdo em

    substituio ao original natural rvore sagrada da gameleira (Fcus sp.) que

    sofreu desabamento, ocasionando danos materiais vizinhana e espirituais

    casa, no final do ano de 1999. O caso teve divulgao em jornal de grande

    veiculao da cidade, colocado entre as ocorrncias provenientes das chuvas

    ocorridas naquele perodo. No entanto, em manchete publicada no dia seguinte,

    o pblico informado da no ocorrncia de maiores estragos relativos s fortes

    chuvas, o que mostra o vis de descaso ou naturalizao dos problemas que

    atingem as comunidades de baixo poder aquisitivo da cidade, como o caso

    da maioria instalada nas encostas da Avenida Vasco da Gama.

    A situao fundiria da casa irregular, encontrando-se na condio

    de arrendatrios, porm sem mais efetuar pagamento h cerca de 12 anos.

    3.1.3. Il Oxumar

    Terreiro situado Avenida Vasco da Gama, 343 Federao, regio

    de conflito fundirio, possui superfcie atual de 3.584,24 m2 e sofre

    continuamente ao da especulao imobiliria com perdas de rea. No

    entanto, tal casa ainda mantm monumentos edificados e espao-mato

    com rvores sagradas e assentamentos naturais.

    Essa casa foi submetida a um processo de tenso permanente na

    dcada de 1980, quando a Prefeitura Municipal do Salvador, desrespeitando

    a Casa e suas tradies religiosas, determinou a construo de uma

    passarela que cortava sua rea sagrada. Tal atitude provocou revolta e

    mobilizao que resultou vitoriosa, com a transferncia da citada passarela

    para uma regio mais apropriada e neutra.

    Atualmente, a comunidade encontra-se envolvida em processo de

    reivindicao de legalizao de terras, atravs de ao de usucapio de

    todo o territrio religioso atual, incluindo rea ocupada por casas

    comerciais, prxima avenida. Entretanto, a referida rea apresenta-se

    muito aqum daquela reconstituda como original. Quando da implanta-

    o da Rua Dois de Julho, atual Avenida Vasco da Gama, seu territrio

    sagrado foi cortado ao meio. Tentativas de manuteno da rea, que ficou

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4463

  • 64. GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85

    do outro lado da avenida, como ambiente de criao de animais, foram

    infrutferas, culminando com sua perda (Ver Mapa 2).

    Mapa 2

    IL OXUMAR: REA ATUAL E SIMULAO DA REA ORIGINAL

    Base cartogrfica: Mapeamento oficial do Municpio de Salvador (PMS).Elaborao: Jussara Rgo

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4464

  • GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85 .65

    3.1.4. Terreiro do Bogum

    Esse um caso exemplar de terreiro da nao Jje com perda de rea

    na cidade. Apesar de poucas informaes, e recolhidas atravs de

    integrantes do candombl do entorno da sua instalao, no poderia deixar

    de ser referido.

    Com base no cruzamento dos dados recolhidos, pde-se observar que

    essa casa sofreu uma reduo equivalente quela referente ao j citado

    Terreiro do Cobre. E mais: originalmente, havia uma interseco em sua

    rea ritual e a ocupada pelo Terreiro da Casa Branca. Nessa poca, havia

    rituais que eram realizados em uma fonte sagrada localizada altura da

    Avenida Vasco da Gama, os quais, atualmente, no podem mais ser

    realizados, pois a rea encontra-se adensada e ocupada com moradias e

    casas comerciais.

    Tais informaes permitiram uma projeo do referido stio, que sugere

    sua caracterizao como um territrio contnuo de utilizao e pertencimento

    a ao menos trs terreiros do entorno: os j referidos Terreiro do Bogum, Casa

    Branca e o Il Ax Oba Tad Patiti Ob, situado entre os dois, na Ladeira

    Manoel do Bonfim, popularmente conhecida pelo nome do primeiro - Ladeira

    do Bogum. Tal projeo pode ser visualizada no Mapa 3.

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4465

  • 66. GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85

    Mapa 3

    PROJEO DO TERRITRIO CONTNUO TERREIRO DA CASA BRANCA, IL AX OB TADPATITI OB E TERREIRO DO BOGUM.

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4566

  • GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85 .67

    3.1.5. Il Ax Ib Ogum

    Terreiro fundado no ano de 1890, Rua Srgio de Carvalho, 39-E

    Avenida Vasco da Gama/ Vale da Murioca, por Virglio Alves de Assis,

    pertencente nao ketu: quando da realizao da presente pesquisa, era

    dirigido pelo j falecido Bab Luiz (Ogum Lad), conhecido popularmente

    como Sr. Luiz da Murioca.

    A casa possui estrutura fsica organizada segundo as bases do culto

    do candombl de Salvador, apresentando monumentos edificados como

    peji e assentamentos diversos; um barraco de festas, cozinha ritual e

    uma rea verde que se destaca dentro de seu contexto, principalmente

    pelo bambuzal que se mantm preservado, onde as residncias possuem

    reas mnimas, sem rea verde, e construdas de forma precria nas

    encostas do Vale da Murioca. Encontra-se instalado na grande zona de

    conflito fundirio da Vasco da Gama, na condio de arrendatrio h mais

    de 100 anos, porm, sem efetuar pagamento h cerca de 40 anos, no

    possuindo, portanto, ttulo de propriedade. Atualmente vem sofrendo com

    ameaas de invaso pelos proprietrios que so herdeiros da tradicional

    famlia Prncipe.

    poca da sua implantao na rea, relata o Bab, que trabalhava

    como motorneiro da linha que servia regio:

    Isso aqui era tudo mato. Era mata fechada. A gente sabia que tinha a CasaBranca, o Oxumar, mas no dava pra ver nada. Aqui por perto s tinha essacasa (Entrevista com Bab Luiz da Murioca, 2000).

    A nica explicao possvel para a manuteno da rea dessa casa

    parece ser sua localizao fsica, apresentando apenas sua frente murada:

    seu limite posterior precariamente demarcado por uma cerca, a qual ,

    repetidas vezes, derrubada pelos arrendatrios sob ameaa de invaso,

    porm, sem ser efetivada. O finado pai-de-santo atribua tal ameaa

    inconclusa ao temor do enfrentamento direto com uma casa de candombl.

    Os demais confrontantes, laterais casa, so duas ngremes encostas,

    sem qualquer condio para o estabelecimento de qualquer tipo de ocupa-

    o.

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4567

  • 68. GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85

    3.2. A Situao dos Terreiros quanto Desterritorializao

    3.2.1. Transferidos e extintos

    A histria de transferncia de endereo dos terreiros de Salvador foi

    iniciada e continuada com o adensamento das reas onde eles foram

    originalmente instalados. Nesse movimento, mais uma vez, tm destaque

    os terreiros situados na rea Vasco da Gama, os quais, na poca do

    adensamento da Barroquinha, como o caso da Casa Branca; dos Barris,

    no caso do Il Oxumar, foram ali instalados. No movimento seguinte,

    quando do adensamento da Vasco da Gama, terreiros como Il Ax Taoy

    Loni, Il Ax Osun Ink e o Il Ax Omim Lessy, se transferiram para as

    reas Itapu e Entorno. Ainda no perodo pouco adensado da Vasco da

    Gama, o Il Ax Op Afonj migrou para o Miolo, local onde se encontra

    atualmente instalado.

    O percentual identificado de terreiros que sofreram transferncia

    de 22%, relativos rea total da cidade contemplada pela amostra. Trata-

    se de um percentual bastante significativo, visto que uma transferncia

    de terreiro envolve uma grande movimentao material, alm da

    problemtica referente a tal movimentao, em se tratando de ambiente

    sagrado com todos os significados territoriais existentes e j descritos

    anteriormente.

    Os terreiros da cidade, por mais que no tenham projeo na mdia,

    ou no realizem mais rituais externos, e, portanto, no se mostrem

    claramente aos olhos do pblico, tm sempre uma caracterstica aparente

    ou uma forma de reconhecimento, ainda que somente pela vizinhana

    imediata. No entanto, notria a referncia a terreiros que no mais

    existem, e isso, por diversos motivos. A observao mais clara para a

    rea da Vasco da Gama, pelo prprio direcionamento da pesquisa de

    campo.

    Em entrevista realizada com o finado Babalorix Luiz da Murioca foi

    mencionado, para a rea do Vale da Murioca, a existncia pretrita de

    trs terreiros. Referidos como Il Jagum, Terreiro do finado Andr e Terreiro

    Ijex, hoje existem apenas na memria de algumas pessoas do candombl,

    pois suas casas atualmente comportam um bar, uma mercearia e uma

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4568

  • GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85 .69

    igreja evanglica. Casas referidas em entrevistas com outros integrantes

    da religio e distribudas na grande rea Vasco da Gama, so os Terreiros

    do finado Vav Coice de Burro, do finado Pai Chico Monol e do falecido

    Pai Zequinha de Omolu.

    Os motivos que levaram tais casas extino se repetem a cada

    nova entrevista. Os mais recorrentes so: os filhos de sangue, que no

    eram da religio, brigaram pela herana e acabaram com tudo, ou ainda,

    no tinha ningum para dar seguimento, a acabou, afirmam os

    entrevistados, desapontados.

    O desapontamento com relao a tal fato se d pelos fundamentos da

    religio: toda casa, depois de aberta, deve se perpetuar no tempo, pois o

    ax est plantado, afirma-se. No entanto, isso no significa a realidade

    para Salvador. O simples fato de as casas no possurem uma sociedade

    civil que as representem, as mantm sem a segurana de continuidade. A

    existncia de uma sociedade civil prev o registro em cartrio atravs de

    um estatuto, atas de fundao, eleio e posse de diretoria da sociedade.

    O estatuto, por sua vez, como forma de proteo e manuteno do

    candombl, que seu objetivo maior, pode conter determinaes preciosas

    como, por exemplo, que o stio onde funciona o candombl pertence sua

    sociedade civil, no caso de existir a figura da doao, pelo proprietrio ou

    posseiro, em vida. Dessa forma, a destituio do terreiro fica vinculada

    sociedade que necessita da votao favorvel da maioria dos scios, atravs

    de convocao e realizao de assemblia, conforme previsto no prprio

    estatuto.

    No entanto, no essa a realidade da grande maioria das casas

    cujos representantes foram entrevistados nessa pesquisa. Muitas delas

    ainda se encontram em processo de fundao da sociedade, s vezes

    tendo apenas o processo concluso aps dez anos consecutivos, entre

    diversas tentativas que falharam. Isso ocorre, muitas vezes, por no estar

    incorporado ao cotidiano dos integrantes do candombl, o lidar com

    processos cartoriais, cuja recproca, em relao aos cartrios, tambm

    verdadeira. Ento, os processos so muito mal compreendidos e sua de-

    finio, comprometida.

    Geotextos_2_FINAL.pmd 27/11/2006, 14:4569

  • 70. GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85

    3.2.2. Um modelo de terreiro: O Terreiro de Jau

    O Manso Kilembekweta Lembafurama, designao ritual do Terreiro

    de Jau, uma casa de candombl da nao Angola, sitiada no Loteamento

    Bosque do Jau, Lote 4/5, distrito de Abrantes, municpio de Camaari -

    Regio Metropolitana de Salvador, com rea total de 9.800 m2.

    A descrio dessa casa, situada numa rea distante do centro urba-

    no, evidenciar a estrutura de um terreiro, a partir da aquisio de seu

    terreno atravs de compra, com amplas dimenses, em local sem interfe-

    rncias citadinas, e ainda, com grande oferta de ambientes naturais. Nes-

    se caso, no so registrados processos de desterritorializao do sagrado,

    e sim, uma estruturao apropriada da casa, em conformidade com as

    necessidades de um terreiro de origem angola, segundo as referncias de

    seu dirigente mximo Tta Larcio Sacramento.

    O stio est estruturado segundo um modelo espacial que corresponde

    a uma imagem de mundo religioso tradicional afro-brasileiro, reas com

    monumentos edificados e espao-mato com rvores sagradas e

    assentamentos recriados e naturais como rvores sagradas, pedras

    consagradas e plantas diversas que compem uma mancha de vegetao

    mantida com propsito religioso. clara a representao de espaos

    demarcados com simbolismos territoriais caractersticos da religio,

    significando a presena sagrada.

    Existe uma rea de vegetao conservada e outra recriada na unidade

    e o levantamento florstico e etnobotnico acusa a presena de espcies

    identificadas segundo uma taxonomia afro-brasileira, existindo, tambm,

    especialistas na comunidade com inegvel conhecimento botnico.

    O tratamento destinado aos animais indica caractersticas prprias

    do sistema simblico religioso afro-brasileiro, com a designao espacial

    para a criao e manuteno de espcies utilizadas. Os animais de sacrifcio

    e outros considerados de importncia simblica para o culto so mantidos

    e/ou tolerados. E, ainda, a determinao do Inkise da casa que os ani-

    mais no sejam criados presos: eles precisam estar da forma como se

    apresentam na natureza.

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  • GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85 .71

    De acordo com a pesquisa realizada, esta casa corresponde a um mode-

    lo ideal de configurao espacial de terreiros, permitido pela qualidade

    ambiental da rea onde se encontra instalado, aliada sua dimenso, portan-

    do ecossistema aqutico e terrestre no seu interior. De acordo com o Tta

    Larcio Sacramento, os assentamentos encontram-se distribudos de acordo

    com uma lgica inerente prtica religiosa da nao angola, onde encontra-

    mos na seqncia os assentamentos de Inzila ao lado dos Caboclos; seguidos

    por Nkosi Mukongo, Katend, Angor e Kavungo, prximo lagoa onde cultuado

    Luengipelo reflexo do assentamento na gua; direita ficam os sacrrios de

    Tempo, Luango e Matalumb. A construo principal, onde se encontra o

    Barraco, possui os santurios de Bamburucema, Nketo Kisimbe, Lemb e Zaze,

    alm do sacrrio principal, de Lembafuraman. Protegida visualmente por uma

    cerca viva de nativo (Dracaena fragans), fica a rea do Umbaquice, com espaos

    reservados a ritos iniciticos especficos. Por fim, encontra-se a Anquita. A

    rea possui uma relao bastante equilibrada entre urbanizao e preservao

    de ambientes naturais, condio fundamental para a manuteno do culto,

    onde se busca a preservao de toda a flora necessria nos seus rituais.

    O destaque desse terreiro a presena, no seu interior, de um lago,

    claramente de valor simblico e ritual elevado; a j citada mata preservada

    e a manuteno das caractersticas naturais do ambiente, ainda que com

    a presena de assentamentos edificados, dispostos numa rea adjacente

    ao prdio central, que comporta o Barraco e que abriga o assentamento

    de Lemba. Merecem tambm destaque a Fonte ritual que recebeu o nome

    de Ingena, originado de sua casa-me, o Terreiro do Bate-Folha8 ; um mini-

    horto de ervas introduzidas; e os diversos assentamentos distribudos por

    toda a extenso do terreiro.

    A descrio da constituio do ambiente e ordenamento espacial deste

    Manso explicita o modelo manejado pelos membros da casa e promove

    um entendimento da relao natureza/ candombl, onde fica claro o papel

    simblico que desempenham as plantas e demais elementos da natureza

    na cosmoviso e mitologia da cultura em questo.

    Neste espao torna-se possvel a manuteno dos Inkises no ambien-

    te, proporcionada pela presena de suas folhas caractersticas. A coleta

    de espcies litrgicas realizada na sua prpria mata e em reas adjacen-

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  • 72. GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85

    tes, por possuir maior valor sagrado, pois no so plantas cultivadas, mas

    sim oriundas de ambientes naturais, alm da importncia bastante ressal-

    tada por essa comunidade, quanto ao fato de possibilidade da coleta na

    hora apropriada e por uma pessoa preparada para tal. Dessa forma existe

    a garantia do ritual bem realizado, respeitando uma regra fundamental da

    religio, dentro da liturgia das folhas, que envolve o emprego de vegetais

    colhidos em rea no cultivada.

    Esse conjunto de caractersticas faz do Terreiro de Jau no um modelo

    de terreiro a ser seguido, pela singularidade que as casas apresentam,

    mas sim, um modelo vislumbrado por integrantes do culto, devido s

    necessidades que a religio expressa para sua manuteno, podendo ser

    considerado, diante da situao da cidade, como um patrimnio em

    aniquilamento.

    4. Territrios Descontnuos

    A necessidade dos ambientes externos aos terreiros, para realizao

    de rituais especficos, reclamada por todos os integrantes das casas que

    compuseram esta pesquisa, independente do espao sagrado delimitado

    pelos terreiros. Conforme Roger Bastide j esclarecia em 19589 ,

    O espao sagrado , pois, o espao fechado entre os muros ou os limites doterreiro. Todavia, fora dos candombls existem outros lugares que os africanosconsideram sagrados (BASTIDE, 2001, p. 81).

    So considerados territrios descontnuos do candombl, os ambientes

    rituais complementares queles pertencentes rea interna dos terreiros.

    Seja mata, rio, lago ou at mesmo o mar, que, ao ser considerado o evocativo

    do espao fsico, se entende como espao til e reservado aos rituais,

    esclarece Duarte (1996), Agbagigan10 do Terreiro do Bogum.

    Bastide ressalta que os cultos de Oxum e de Iemanj, orixs da gua

    doce e da gua salgada, respectivamente, reclamam principalmente oferendas

    atiradas na margem ou de uma barca em alto-mar (BASTIDE, op. cit, p. 82),

    advertindo, no entanto, que tais manifestaes no podem ser realizadas

    em qualquer local. Existem pontos especficos como o Dique do Toror,

    Montserrat e a praia do Rio Vermelho.

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  • GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85 .73

    O autor faz aluso, ainda, a elementos dispersos na natureza, que

    transformam em sagrados os ambientes onde eles se encontram. Refere-

    se

    (...) pedra de Oxumar, perto do mar, que apresenta anfractuosidade semelhan-te a uma pia de gua benta; as jovens mes ali vo para de certo modo batizaros filhos, a concavidade estando sempre cheia de gua de chuva e de ondasmisturadas. Sinal feliz nesse momento aparecer no cu um arco-ris: Oxumarest abenoando a criana que lhe apresentam (BASTIDE, 2001, p. 82).

    E conclui sua explanao, advertindo que

    efetivamente, os lugares profanos s revestem um aspecto religioso na medidaem que se tornam um prolongamento exterior do terreno. [...] e o mar ou o lagono se tornam sagrados seno unicamente no local onde passa o candombl, eapenas enquanto dura a cerimnia (BASTIDE, 2001, p. 82).

    No entanto, o quadro de adensamento urbano atual de Salvador coloca

    um impasse ante essa afirmativa. Os territrios descontnuos do candombl

    na cidade a cada dia se restringem a locais especficos, que ainda

    apresentam caractersticas naturais e, portanto, com possibilidade de

    manifestao do sagrado.

    Um exemplo emblemtico de territrios descontnuos so as fontes,

    ambiente fundamental para a realizao dos cultos a Oxum Orix das

    guas doces, e mesmo para o ritual de abertura dos ciclos de festas dos

    candombls da nao ketu as guas de Oxal. Neste ritual, os adeptos

    percorrem o espao compreendido entre a Fonte de Oxum, que deve estar

    dentro do terreiro ou nas suas cercanias, e o assentamento de Oxal,

    transportando gua dentro de uma quartinha at este local. Um contraponto

    s dificuldades atuais de manuteno desses rituais pode ser encontrado

    em Mattoso (1992), que coloca, ao referir-se Salvador colonial, que

    (...) basta um afloramento, ao contato com a rocha matriz e seu solo emdecomposio para ver jorrar uma nascente. Os mananciais e as fontes esto emtoda parte em Salvador, na base do horst como nas trilhas de menor fratura, domenor deslocamento de terreno, do mais insignificante vale. So guas cristali-nas, filtradas naturalmente, ricas em sais minerais. Rios com vales estreitosfavorecem os reservatrios naturais e artificiais, como o Pituau e o Ipitanga...Salvador a cidade das mil fontes (MATTOSO, 1992, p. 47).

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  • 74. GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85

    Uma das dificuldades dos cultos, atualmente, encontra-se no fato de

    que as reas permeveis descritas pela autora, passveis de afloramentos

    e mananciais, esto sendo escasseadas com o crescimento da cidade, da

    mesma forma como se d a reduo das reas dos terreiros. Como

    conseqncia, cultos se adaptam, mudam de endereo ou so extintos,

    como o caso da festa de Yemanj do Rio Vermelho: o uso ritual do extinto

    manguezal do bairro no Rio Vermelho descrito com saudosismo por

    aqueles que ainda guardam algum tipo de lembrana; e relatos

    confirmaram que a festa era originalmente dedicada a Nan, realizada no

    extinto manguezal do local. Hoje, devastado e sem qualquer memria na

    desembocadura do rio Lucaia, o nico testemunho existente a praia da

    Mariquita que pode abrigar a homenagem a Yemanj.

    Assim como o manguezal e as fontes, os Parques atuais, como o do

    Abaet e o de Pituau, ou at mesmo as praias onde ocorrem rituais dedicados

    Yemanj, esto se tornando reas proibidas ao culto. As presses da

    urbanizao e os projetos de revitalizao os transformam em locais de

    recreao e de grande atrao turstica, no entanto, desabrigam ou at mesmo

    probem o uso ritual pelos integrantes do candombl. Estes, a cada dia, vm

    suas territorialidades redefinidas por subtrao.

    Destacamos aqui, o Parque So Bartolomeu e o Dique do Toror,

    como casos exemplares dentro dessa problemtica, pela histria de uso

    religioso e pelas dificuldades atualmente encontradas pelos integrantes

    do candombl, para realizar suas obrigaes.

    4.1. Parque So Bartolomeu

    A compreenso do Parque So Bartolomeu como ambiente ritual

    bastante difundida na cidade, e seu reconhecimento como tal objeto de

    sucessivas reivindicaes por parte do povo do candombl. Esse assunto

    foi bem sistematizado, em 1998, pelo Programa Memorial Piraj11 , em

    publicao que trata do Parque Metropolitano de Piraj12 , institudo como

    tal desde 1978.

    Os registros histricos do parque ressaltam sua importncia como

    rea central de habitao e alimentao dos ndios Tupinambs (SAMPAIO,

    1998); como abrigo de escravos rebelados e palco de revoltas nas lutas

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  • GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85 .75

    pela independncia da Bahia (NASCIMENTO, 1989; REIS, 1986); e seu

    significado como espao referencial para o candombl. Todos convergem

    na direo de sua preservao e revitalizao por todo o significado histrico-

    cultural que apresenta. E aqui, ressalta-se seu valor como ambiente ritual:

    As territorialidades urbanas podem se manifestar nos mais diferentes contextos esituaes construdas no tempo e no espao. Em Salvador, a floresta do Urubu hoje conhecida como Parque So Bartolomeu abrigou escravos fugitivos queali encontraram proteo e refgio, organizando-se por volta do ano 1826 nochamado Quilombo do Urubu. Hoje, o parque palco de manifestaes religiosasdo Candombl e local de morada dos deuses africanos, como Oxumar, Nan eOxum (NASCIMENTO; SERPA, 2001, p.130).

    A sacralidade transitria definida pelo uso ritual de determinados

    stios da cidade, indicada por Bastide (2001), ganha nova dimenso, devido

    atual escassez de reas naturais na cidade. Hoje, restritas, praticamente,

    aos parques, so adotadas pelos religiosos do candombl como

    permanentemente sagradas, como o caso do So Bartolomeu:

    Enquanto estivermos falando da religio Afro-Brasileira importante que saibamos,de incio, que a sacralizao do espao fsico, fora dos domnios da comunidadeterreiro, se d pelo que se compe o espao. Isto , pelo que ele contm ou por suaidentificao com o sagrado existente em cada comunidade. Desse modo podemoscaminhar mais facilmente para o entendimento do Parque So Bartolomeu comolocal sagrado e at mesmo a presena dos rituais afros ali (DUARTE, 1998, p. 19).

    Ao lamentar-se pelas perdas das reas na cidade, outrora utilizadas

    em rituais que necessitam de espaos externos aos terreiros, e que hoje,

    em nome do progresso, j no podem mais ser realizados, Duarte (1996)

    argumenta, em pleito realizado pela conservao do Parque So

    Bartolomeu, que a religio est se encolhendo aos muros dos terreiros,

    pois os espaos adequados realizao de rituais na cidade esto sendo

    devastados, e com eles, conseqentemente, ocorre a extino de algumas

    obrigaes. Muitas delas, antes realizadas nas proximidades das casas,

    at por volta da dcada de 1960, quando no havia carncia de reas verdes

    na cidade como um todo, foram deslocadas para o Parque.

    Objeto de reivindicaes por manuteno e preservao para o abri-

    go das divindades, o Parque So Bartolomeu ainda se comporta como um

    ambiente ritual por excelncia, por sua composio - manguezal, cachoeiras

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  • 76. GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006. Jussara Rgo 31-85

    e mata. Antigamente, porm, a cachoeira consagrada a Angor, Bessen ou

    Oxumar era o ponto sagrado de destaque, e no a rea total do parque,

    conforme a descrio jje seguinte:

    Naquela poca no se destacava um parque, pois a cidade inteira era umparque. O que se destacava como monumento era a cachoeira. O Arco-Iris ali semostrava e permanecia pleno de cores e de vida. Movim