guerra justa e desterritorializaÇÃo: os Índios e as … · silva, victor andré costa da. guerra...

155
GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS NOVAS CONFIGURAÇÕES ESPACIAIS NA CAPITANIA DO RIO GRANDE (C. 1680-1720) VICTOR ANDRÉ COSTA DA SILVA

Upload: others

Post on 19-Jan-2021

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS NOVAS

CONFIGURAÇÕES ESPACIAIS NA CAPITANIA DO RIO GRANDE (C. 1680-1720)

VICTOR ANDRÉ COSTA DA SILVA

Page 2: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS

LINHA DE PESQUISA: FORMAÇÃO, INSTITUCIONALIZAÇÃO E APROPRIAÇÃO

DOS ESPAÇOS

GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS NOVAS

CONFIGURAÇÕES ESPACIAIS NA CAPITANIA DO RIO GRANDE (C. 1680-1720)

VICTOR ANDRÉ COSTA DA SILVA

NATAL/RN

2020

Page 3: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

VICTOR ANDRÉ COSTA DA SILVA

GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS NOVAS

CONFIGURAÇÕES ESPACIAIS NA CAPITANIA DO RIO GRANDE (C. 1680-1720)

Texto apresentado ao Programa de Pós-

Graduação em História da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte como requisito

para Defesa de Dissertação na Área de

Concentração em História e Espaços, vinculado

à Linha de Pesquisa “Formação,

institucionalização e apropriação dos espaços”.

Orientador:

Prof. Dr. Lígio José de Oliveira Maia.

NATAL/RN

2020

Page 4: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Silva, Victor André Costa da.

Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas

configurações espaciais na Capitania do Rio Grande (c. 1680-1720)

/ Victor André Costa da Silva. - Natal, 2020. 153f.: il. color.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e

Artes, Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2020.

Orientador: Prof. Dr. Lígio José de Oliveira Maia.

1. Guerra justa - Dissertação. 2. Desterritorialização -

Dissertação. 3. Desnaturalização - Dissertação. 4. Guerra dos

Bárbaros - Dissertação. 5. Sertão do Açu - Dissertação. I. Maia,

Lígio José de Oliveira. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 94(81)

Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710

Page 5: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

VICTOR ANDRÉ COSTA DA SILVA

GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS NOVAS

CONFIGURAÇÕES ESPACIAIS NA CAPITANIA DO RIO GRANDE (C. 1680-1720)

Exame de Defesa da Dissertação apresentado ao Programa de Pós-Graduação em História da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na Área de Concentração em História e Espaços,

vinculado à Linha de Pesquisa “Formação, institucionalização e apropriação dos espaços”, sob

orientação do Prof. Dr. Lígio José de Oliveira Maia.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________________

Prof. Dr. Lígio José de Oliveira Maia (UFRN)

Orientador

_____________________________________________________________

Profa. Dra. Carmen Margarida Oliveira Alveal (UFRN)

Avaliadora interna

______________________________________________________________

Prof. Dr. Ricardo Pinto de Medeiros (UFPE)

Avaliador externo

_____________________________________________________________

Prof. Dr. Sebastião Leal Ferreira Vargas Netto (UFRN)

Avaliador suplente

NATAL-RN, 21 de maio de 2020.

Page 6: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

AGRADECIMENTOS

A construção deste trabalho é produto de uma soma de fatores externos a mim, os quais

tive a sorte de ter como facilitadores durante a trajetória no mestrado: um alicerce familiar

importante; amor e amizades fiéis; e Deus, com quem sempre me apeguei e confiei nos

momentos mais difíceis e com quem posso compartilhar as alegrias e vitórias presentes. Por

mais complicadas que fossem as adversidades da vida, eu sempre soube em quem confiar e que

esses seriam os melhores que estariam ao meu lado. Na escrita da dissertação não foi diferente.

Maria Lucia Costa da Hora, a qual faço questão de deixar registrado o nome completo

neste trabalho, pois não teria conseguido chegar aqui sem essa que sempre foi, sem dúvidas, a

minha maior incentivadora. Esta dissertação também é sua, “mainha”. Você que, mesmo nos

capítulos tristes de sua história, soube acrescentar reviravoltas dignas de roteiros de novela.

Uma mulher que é tão sonhadora quanto eu. Por isso, obrigado por sempre ter apostado nos

meus sonhos também. Obrigado por ter investido nos meus estudos desde pequeno. Obrigado

pelo seu amor de mãe que me acolheu em todos os momentos. Obrigado por todas as vezes que

ao notar que eu estava desanimado, soube estender os braços em minha direção. Sou feliz e

agradecido demais por te ter comigo, pois essa sorte é para poucos.

Meus avôs, in memorian, seu Cícero Luiz e Antônio Menino da Hora, e minhas avós,

Maria do Socorro – mais conhecida como Amparo, e não é à toa – e Terezinha Rodrigues, foram

fundamentais na minha formação pessoal e no desenvolvimento do meu caráter. Exemplos de

hombridade e honestidade, força e determinação. Assim como meu pai, in memorian, que na

sua curta trajetória de vida, conseguiu me dar exemplos importantes, dos quais levarei sempre

comigo, dentre eles, o mais recente foi sua força de vontade em retomar os estudos e se formar

em Educação Física, após seus 45 anos de idade, provando que sempre há tempo para conquistar

o que se almeja. Essa mesma força de vontade reverberou sobre mim, quando já nos momentos

finais dessa dissertação, tive que lidar com a dor de sua precoce partida. Por isso, a realização

desse sonho é tanto minha, quanto sua.

Yuri Fernandes, parceiro que a vida me presenteou pouco antes de entrar no mestrado

e pôde acompanhar todas as minhas inquietações, alegrias e até desânimos com relação à

pesquisa. Fui agraciado com sua companhia pois dividir o fardo com alguém que torceu ao meu

lado tornou o peso da produção desta dissertação um pouco mais leve. As preocupações se

dissolviam por alguns instantes, o desestímulo se esbarrava no seu apoio constante e as

incertezas pareciam pequenas quando eram compartilhadas contigo. Vale salientar que aprendi

com Yuri a ter mais foco e organização nos meus horários de estudo, até nisso ele foi

Page 7: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

importante. Sou imensamente grato por você ter entrado na minha história nesse momento tão

especial e por fazer parte dessa jornada.

Amigos mais chegados que irmãos também não poderiam deixar de serem citados

aqui, Renata Paiva, por exemplo, sempre esteve ao meu lado dos melhores aos piores momentos

da minha vida, sendo uma grande amiga e incentivadora. Janaina Galvíncio, que mesmo o

destino a encaminhando para um pouco mais longe, continuo nutrindo o carinho de sempre.

Laura Santos, minha amiga que sempre me apoiou e ofereceu suporte com as melhores palavras

e ações. Taynara Martins também sempre soube ser não apenas amiga, mas ser abraço nos

momentos mais importantes. Ana Cláudia, assim como Josielly Martins, que acompanharam

meu crescimento desde a tenra infância e contribuíram diretamente na formação do meu caráter

com ensinamentos válidos até hoje. E Josemar Martins, que entre desentendimentos e alegrias,

conseguiu ser o irmão que nunca tive. Meu agradecimento a todos eles que estão ao meu lado

há mais de uma década e se alegraram e, quando preciso, sofreram junto comigo.

Acompanharam meu crescimento não só profissional e acadêmico – desde resultado do antigo

vestibular para a graduação em História, em 2013, até a conquista na seleção do mestrado, em

2018 –, como também meu crescimento pessoal. Aqueles que surgiram na minha vida um pouco

mais tarde, parecem que intensificaram a amizade ao ponto de compensarem o tempo perdido,

Adriana Karla e Rebeca Suêz, por exemplo, foram os melhores presentes da graduação e estão

comigo para o que der e vier desde 2013, ambas me conhecem inteiramente e são amigas

verdadeiras em que posso confiar. Já Carlos Silva e Isaque Silva são amigos com os quais pude

construir diversas histórias incríveis. Portanto, serei eternamente grato pela sorte de ter esses

irmãos dados pela vida.

Agradeço aos amigos da pós-graduação com quem pude dividir a caminhada até aqui

e que quero continuar trilhando aventuras, na vida acadêmica e pessoal, pelos próximos anos,

como Luana Ramalho, Eudymara Queiroz, Genilda Neiva, Emanoel Jardel e Danielle Bruna,

minha “URSAL” foi essencial ao trazer leveza para cada dia da jornada do mestrado. Não

poderia deixar de agradecer especialmente à minha amiga e colega de turma do mestrado,

Ristephany Leite, por quem nutri um carinho especial desde 2015, ao dividir diversos sonhos

e, principalmente, a sala da base de pesquisa “Formação dos Espaços Coloniais”. A sala 230 do

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA) passou a ser uma extensão de nossas

vidas acadêmicas, onde desenvolvi uma relação afetiva desde a construção do meu trabalho

monográfico, finalizado em 2017, até a finalização desta dissertação. Deixo registrado meu

especial agradecimento também a Marcos Arthur Viana, amigo da área de História, que sempre

Page 8: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

se mostrou generoso e solícito para ajudar durante a pesquisa, fosse com sugestões de

documentos ou com discussões importantes.

Ao meu orientador, Lígio José de Oliveira Maia, deixo meu agradecimento especial

por ter construído uma relação de cooperação desde a graduação, quando comecei a bolsa de

Iniciação Científica sob sua orientação, em 2015, bem como a conclusão do meu trabalho

monográfico. Hoje, vejo que a oportunidade de uma bolsa como essa foi essencial na minha

formação acadêmica e profissional, pois através dela pude abrir meus horizontes para o

desenvolvimento da pesquisa histórica e, com o auxílio de Lígio Maia, pude galgar passos cada

vez mais largos em direção à tão sonhada dissertação. Junto ao professor, tive, ainda, a

oportunidade de vivenciar a experiência do Estágio à Docência durante um semestre do

mestrado que, sem dúvidas, foi um momento de rica aprendizagem e intenso estímulo de

conhecimento, me motivando ainda mais a ter vontade de ensinar. Portanto, externo aqui minha

gratidão ao professor Lígio Maia e a todos os momentos de orientação e aconselhamentos que

ele dedicou a mim.

Cada professor e cada disciplina, no decorrer da graduação e da pós-graduação, me

deram lições para além das discussões históricas. Devo ao corpo docente que me acompanhou

até aqui os meus agradecimentos pelas contribuições pessoais e acadêmicas, pois se minha visão

de mundo se ampliou e várias desconstruções sociais ocorreram em mim, foram também graças

aos diálogos estabelecidos e os conhecimentos construídos em sala de aula. Carmen Margarida

Oliveira Alveal e Helder Alexandre Medeiros de Macedo são exemplos, mais próximos e

recentes, de contribuição nesta pesquisa. Agradeço a ambos por cada sugestão dirigida ao

trabalho durante a qualificação, pois aprimoraram as discussões levantadas nesta pesquisa até

mesmo antes da qualificação, como se deu nas aulas de Seminário de Linha de Pesquisa,

ministradas pela professora Carmen Alveal, assim como no meu segundo Estágio à Docência

junto a ela. Sendo assim, agradeço-lhes pela sua dedicação ao ofício de professores e

historiadores, os quais executam com exímia maestria. Não poderia deixar de agradecer

especialmente ao Professor Ricardo Pinto de Medeiros, da Universidade Federal de

Pernambuco, que cedeu generosamente parte dos documentos que compuseram esta dissertação

referente à Junta das Missões de Pernambuco. Sem eles a pesquisa, provavelmente, não teria

tomado o rumo desejado.

Por fim, agradeço à CAPES, que mesmo nesses tempos mais incertos nas áreas de

produção do conhecimento e pesquisa das Ciências, possibilitou a minha permanência durante

o mestrado através da concessão da bolsa de incentivo e fomento à pesquisa. Sem essa bolsa, a

conclusão do trabalho, possivelmente, não resultaria no que é hoje, por mais que despendesse

Page 9: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

um esforço demasiado. Através da bolsa, tive a chance de vivenciar um momento fundamental

para minha formação como historiador, pois passei uma semana de pesquisa em alguns dos

arquivos da cidade do Rio de Janeiro, como o Arquivo Nacional, a Biblioteca Nacional e o

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, nos quais pude encontrar alguns documentos que

foram utilizados neste trabalho e outros que pretendo utilizar em pesquisas futuras. Ademais,

agradeço a todos os profissionais dessas instituições pela presteza e bom atendimento,

qualidades essenciais para ajudar aos pesquisadores.

Portanto, só felicidade e gratidão me acompanham ao final deste trajeto, apesar de

todas as dores e perdas, deixo aqui meu muito obrigado a todos. E como disse Clarice Lispector

em A Hora da Estrela: “enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a

escrever”.

Page 10: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

“Um lamento triste

Sempre ecoou

Desde que o índio guerreiro

Foi pro cativeiro

E de lá cantou”

Canção das três raças – Clara Nunes

Page 11: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

RESUMO

Este trabalho se propõe a analisar a trajetória de utilização do aparato jurídico da Guerra Justa

enquanto um meio que catalisou o processo de desterritorialização da Capitania do Rio Grande,

em especial a área do Açu, nas décadas finais do século XVII e iniciais do século XVIII. Ao

partir dos debates jurídicos e teológicos desde o século XV, pretende-se observar os

desdobramentos dessas discussões na realidade prática dos colonizadores ao se defrontarem

com grupos indígenas diversos, aos quais se propõe um processo de desnaturalização. Aqui,

objetiva-se refletir historicamente de maneira mais específica sobre as discussões que tratam

das guerras justas no Açu, atentando para essa parte da Guerra dos Bárbaros de modo que

privilegie uma perspectiva voltada, apesar da restrição representada pelo caráter burocrático

das fontes, para o protagonismo indígena. Desse modo, pode-se perceber a instrumentalização

desse artificio jurídico não apenas na legislação indigenista, como também nas ações de

autoridades e moradores que, amparados pelo argumento da guerra justa, puderam intensificar

o alastramento de fronteiras institucionais e novas territorializações na América Portuguesa.

Através da análise dos discursos produzidos pelas instituições e autoridades coloniais, como a

Junta das Missões de Pernambuco, e o cruzamento de outras fontes, pôde-se perceber a

proporção da incidência da justiça sobre as guerras contra os índios, entre 1680 e 1720

aproximadamente, no sertão do Açu, período compreendido como a Guerra dos Bárbaros. Os

índios daquela espacialidade, portanto, tiveram de se reorganizar enquanto grupos, num novo

contexto histórico expansionista e em novos espaços, haja vista as apropriações que tinham de

seus territórios e as tentativas de desnaturalização.

Palavras-chave: Guerra justa. Desterritorialização. Desnaturalização. Guerra dos Bárbaros.

Sertão do Açu.

Page 12: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

ABSTRACT

This research work proposes to analise the trajectory of use of legal apparatus of Just War while

a way that increased the process of deterritorialization of Capitancy of Rio Grande, especially

the area of Açu, in the late seventeenth century. When starting with the legal and theological

debates since the fifteenth century, it is intended to observe the developments of these

discussions in the pratical reality of colonizers when faced with several indigenous groups, to

whom it proposes a denaturalization’s process. The aim of this work is reflect historically in

the specific way about the discussions that deal of just wars in the Açu, paying attetion to this

part of Guerra dos Bárbaros so that it privileges a perspective turning to indiginous

protagonism, although of restriction represented by the bureaucratic character of the sources.

Thereby, it can perceive a instrumentalization of this legal apparatus, just not in the indigenous

legislation, as also in the actions of authorities and residentes who supported by the argument

of just war, they could intesify the spread of institutional frontiers and new territorializations in

the Portuguese America. Through of the discourse analysis produced by the colonial institutions

and authorities, as Junta das Missões de Pernambuco, and the crossing of sources it could

perceive the proportions of justice’s incidence about the wars against the indians, between 1680

and 1720, in the hinterland of Açu, period that comprised the Guerra dos Bárbaros. So, the

indians that espaciality, had to reorganize while a group, in a new historical and expansionist

context in the new spaces, in view of the apropriations that had with their territories and

denaturalization attempts.

Keywords: Just War. Deterritorialization. Denaturalization. Guerra dos Bárbaros. Hinterland

of Açu.

Page 13: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 – Limites aproximados da Capitania da Paraíba..........................................................77

Mapa 2 – Extensão territorial do conflito da Guerra dos Bárbaros..........................................79

Mapa 3 – Primeiras frentes de conquista no sertão do Rio Grande (final do século XVII)......97

Mapa 4 – Trajeto de perseguição contra os índios Janduís.....................................................102

Mapa 5 – Recorte do mapa etno-histórico de Curt Nimuendaju (1944) referente à Capitania do

Rio Grande (1944).........................................................................................................................112

Mapa 6 – Aldeamentos e Vilas da Capitania do Rio Grande..................................................127

Page 14: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 – Ilustrações dos retratos de Bartolomeu de Las Casas e Juan-Ginés de

Sepúlveda..................................................................................................................................51

Imagem 2 – Argumento pela causa das proposições sugeridas pelo Bispo Dom Frei Bartolomeu

de Las Casas..............................................................................................................................56

Page 15: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

LISTA DE QUADROS/TABELA/GRÁFICO

Quadro 1 – Juntas das Missões nas possessões ultramarinas.....................................................81

Gráfico 1 – Termos da Junta das Missões de Pernambuco analisados......................................132

Page 16: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AHU Arquivo Histórico Ultramarino

BNL Biblioteca Nacional de Lisboa

DHBN Documentos Históricos da Biblioteca Nacional

IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

IHGRN Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

LCPSCN Livro de Cartas e Provisões do Senado da Câmara de Natal

Page 17: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ___________________________________________________________17

2 DEBATES TEÓRICOS E JURÍDICOS EM TORNO DA GUERRA JUSTA _______37

2.1 – Breve histórico da guerra justa ____________________________________________38

2.2 – Valladolid: ponto de encontro e desencontro entre Bartolomeu de Las Casas e Juan-Ginés

Sepúlveda sobre a guerra justa _________________________________________________49

2.3 – A guerra justa na legislação indigenista ______________________________________58

3 GUERRAS (IN)JUSTAS DA BAHIA AO SERTÃO DO

AÇU_____________________________________________________________________72

3.1 – Histórias conectadas entre as realidades das Capitanias do Norte e a guerra justa ____ 73

3.2 – A Guerra Justa no contexto da Guerra dos Bárbaros ___________________________ 84

3.3 – Simultâneos e sobrepostos processos de territorialização e desterritorialização no sertão

do Açu __________________________________________________________________ 100

4 DESNATURALIZAÇÃO INDÍGENA E APROPRIAÇÃO DO TERRITÓRIO EM

MEIO ÀS GUERRAS_____________________________________________________ 115

4.1 – Territórios sociais indígenas_____________________________________________ 116

4.2 – Deslocamentos indígenas em tempos de guerra ______________________________ 121

4.3 – Desnaturalização dos índios da Capitania do Rio Grande_______________________ 133

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS_____________________________________________ 141

FONTES _______________________________________________________________ 144

REFERÊNCIAS_________________________________________________________ 149

Page 18: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

17

INTRODUÇÃO

A guerra justa foi um artifício jurídico muito utilizado, ao longo da história, como um

meio de eliminar aquele considerado inimigo e como uma das principais justificativas para a

tomada de territórios pois permitia a destruição desse e, consequentemente, a conquista de seu

espaço. Inicialmente, o conceito da guerra justa foi empregado nos conflitos entre cristãos e

mouros, no período das Cruzadas (1095-1492), quando ordens militares marcharam da Europa

Ocidental para a Terra Santa e para a cidade de Jerusalém com o intuito de conquistá-las1. O

empreendimento de uma guerra justa carregava consigo não apenas o caráter bélico da guerra

armada, mas também o simbolismo religioso ao se encarar essa ação como um movimento de

captura e destruição daqueles que não eram adeptos da fé católica2.

Nesse contexto, a Igreja mostrou-se como um reduto de ideólogos e estudiosos que se

dedicaram a tratar da temática da guerra justa e de temas que a tangenciavam, como o ideal do

guerreiro cristão e das Cavalarias, dando legitimidade para a incidência da guerra3. Aponta-se

que a teorização desse conceito contou com autores e abordagens diversas no decorrer do tempo

e sua criação foi atribuída a Agostinho de Hipona (354-430), mais conhecido como Santo

Agostinho. Porém, estudos recentes apontam Agostinho como um herdeiro de uma tradição

cristã, que estava em formação há séculos, na qual a temática da guerra encontrava-se em

constante discussão e polêmica. Fato que aponta isso é que ele nunca teria escrito um tratado

sistemático ou discussão específica sobre a guerra, apenas abordado sobre o tema em diversos

textos quando necessário. No entanto, os ensinamentos agostinianos são peças fundamentais

para a compreensão da origem do pensamento cristão sobre a guerra, pois deixavam clara a

questão da ética da guerra e da tortura, uma vez que, baseada em um mandamento de Deus,

poderia tornar-se um ato louvável. Isso ocorreria ao conceber-se a guerra atrelada à sua ideia

de justa autoridade, da qual o monarca já estaria imbuído pela própria lei da natureza. Ao agir

não por sua vontade pessoal, mas contra determinada nação pagã a serviço da religião, estaria

o rei cumprindo um mandamento divino4.

1 FONTES, João Luís Inglês. Cruzada e expansão: a bula Sane Charissimus. Lusitania Sacra, 1995. p. 403-420. 2 MACEDO, José Rivair. Mouros e cristãos: a ritualização da conquista no velho e no Novo Mundo. Bulletin du

centre d’études médiévales d’Auxerre, 2008. p. 1-12. 3 COSTA, Ricardo da; SANTOS, Armando Alexandre dos. O pensamento de Santo Tomás de Aquino (1225-1274)

sobre a vida militar, a guerra justa e as ordens militares de cavalaria. In: Mirabilia 10. Jan-jun/ 2010. p. 145-157. 4 Foram nos textos Contra Faustum (398 a.C.) e o livro XIX de Cidade de Deus que Santo Agostinho tratou

inicialmente da questão da guerra justa, porém, não era seu objetivo principal. No primeiro, era sua intenção

responder a Fausto, um maniqueu, que questionou a legitimidade da Igreja com críticas ao Antigo Testamento. Já

no segundo, ele não dedicou um espaço restrito à discussão da temática da guerra justa, aparece apenas no livro

Page 19: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

18

Segundo o Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos, a expressão “guerra

justa” diz respeito ao conceito oriundo da Igreja por conta das dificuldades encontradas pela

teologia cristã, durante a Idade Média, cuja primeira teorização adveio de Santo Agostinho

(354-430), bispo da cidade de Hipona, “que, não obstante a condenar a belicosidade, via-se

obrigada a apoiá-la e mesmo a patrociná-la”5, como foi no caso das Cruzadas. Essa

conceituação sofreu diversas reformulações ao longo do tempo e de vários teólogos, porém, foi

na Espanha que ela tomou uma forma definitiva. A guerra justa poderia ser de caráter defensivo

ou ofensivo, porém, em ambos os casos, deveriam obedecer às prerrogativas estabelecidas –

que serão detalhadas a seguir – para a incitação dela.

Os debates acerca da matéria da guerra não cessaram e as teorias receberam revisões

e atualizações durante os anos que se seguiram. Os ensinamentos de Agostinho foram

revisitados e apoiados por nomes como Tomás de Aquino (1225-1274) e, em seguida, o

francisco Álvaro Pais6 (c. 1270-1352). Ambos acreditavam que o papa detinha jurisdição sobre

as coisas espirituais e temporais, além de que seria ele o responsável por concedê-la ao

imperador e demais príncipes, ideia refutada séculos depois por Francisco de Vitória, Suárez,

Molina e mais autores das Escolas Peninsulares7. A essa altura, o conceito da guerra justa

encontrava-se bem delimitado. Segundo Georg Thomas, teria sido Álvaro Pais o responsável

por definir o conceito de guerra justa, em Portugal, no século XIV, fundamentando-se no direito

de guerra medieval8.

Influenciados por essa onda de discussões, no período da Modernidade, percebe-se que

a incidência da guerra justa no caso dos portugueses e espanhóis não representou um fato

isolado, mas se fez presente constantemente como uma alternativa viável de estabelecer os seus

impérios ao minar possíveis obstáculos representados pelas povoações locais de África e

Américas. Não obstante, essa temática permeava os grupos de discussões e gerava distintas

XIX sobre o summum bonum, cujo objetivo era mostrar que a finalidade de se alcançar toda filosofia e prática

humana na “cidade terrena” é fadada ao fracasso. Cf.: SOUSA, Rodrigo Franklin de. A legitimação da guerra no

discurso ético e político de Santo Agostinho. Ciências da Religião – História e Sociedade, São Paulo. v. 9, n. 1,

2011. p. 194-196. 5 AZEVEDO, Antonio Carlos do Amaral. Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos. 3. ed. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 225. 6 Pensador galego e bispo de Silves (1334-1352), nascido em 1270, em San Juan del Salnés, Cambados, na

Província de Pontevedra, pertencente à arquidiocese de Santiago de Compostela (Cf: JANEIRO, 1977 apud

SOUZA, 2004). Obteve o grau de doutor em Direito Civil e Canônico, sob a tutela do canonista Guido de Baysio

(1250-1313). 7 CALAFATE, Pedro. A Escola Ibérica da Paz nas universidades de Coimbra e Évora (século XVI).

Teocomunicação, Porto Alegre, v. 44, n. 1, jan.-abr. 2014, p. 86. 8 THOMAS, Georg. Política indigenista dos portugueses no Brasil: 1500-1640. Tradução do Pe. Jesus Hortal.

São Paulo: Loyola, 1981, p. 50-52.

Page 20: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

19

ideias que enriqueciam o debate sobre a legitimidade e a justiça da guerra. Fruto desses debates,

portanto, foi a criação da Escola de Salamanca por Francisco de Vitória (1483-1546) em

parceria com Domingo de Soto (1494-1560), na Espanha9.

Os espanhóis contaram com um forte movimento teológico no século XVI que

objetivava uma renovação da Teologia e que motivou a criação de um grupo de três gerações

de teólogos, catedráticos e professores da Faculdade de Teologia de Salamanca. O grupo

contribuiu e inovou com seu estilo próprio ao pensar as problemáticas sociais de seu tempo e

as fontes positivas da teologia de modo histórico-crítico próprio do Humanismo renascentista

à luz dos elementos tradicionais da ciência teológica da Grande Escolástica Medieval,

atribuindo a Francisco de Vitória o papel de artífice principal desse movimento de renovação10.

Dentre as questões sociais que estavam no seio das discussões da Escola de Salamanca, destaca-

se o debate acerca da guerra justa, assim como do domínio de povos indígenas e conquista de

novas terras. O conceito de dominium exposto por Vitória, por exemplo, amalgama tanto a ideia

do divino quanto a ideia do natural e racional, pois para ele havia uma relação imbricada entre

a dominação e o estabelecimento de um poder, no qual a conquista de determinado espaço já

garantiria o usufruto desse11.

Destarte, em se tratando da América portuguesa, deve-se levar em consideração que

as Leis que permitiam a guerra justa sob os povos indígenas sofreram diversas reformulações.

Ora o rei concedia tal permissão, ora a negava, haja vista os excessos cometidos pelos

colonizadores e moradores ao se valerem desse aparato jurídico. Dessa maneira, as leis

representam um processo volitivo da criação do Direito pois, para a organização de uma

sociedade, exige-se a delimitação de certas regras que estabeleçam uma ordem, podendo serem

elas regras religiosas, éticas, de cortesia e/ou jurídicas. Porém, o que se percebe como elemento

diferenciador das regras jurídicas reside na questão da coação aos destinatários delas, tendo em

vista muitas vezes partirem de instituições hierarquicamente superiores. Sobre as normas

jurídicas recaem pelo menos três ordens de problemas, que são: quanto à sua justiça; à sua

validade; e à sua eficácia. O aspecto da justiça, recorrentemente abordado aqui ao se observar

os documentos produzidos pelos ideólogos da guerra justa ou mesmo os documentos que tratam

9 Cf.: PLANS, Juan Belda. La Escuela de Salamanca. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2000. 10 PLANS, Juan Belda. La Escuela de Salamanca. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2000, p. 157. 11 RODRIGUES, Erick Matheus Bezerra Mendonça. Espaços criados, espaços conquistados: relações de

domínio da Espanha imperial com os espaços das Indias Occidentales no século XVI). Dissertação (Mestrado em

História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN, 2019. p. 9.

Page 21: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

20

da guerra justa nos sertões do Rio Grande, está circunscrito entre a norma ideal e a norma real,

entre o que deveria existir e o que de fato existe na realidade prática12.

Através da execução da guerra, os colonos puderam fazer cativos os índios e explorar

terras e minerais. Em 1565, uma decisão da Mesa da Consciência e Ordens13 permitia apenas o

direito de fazer um índio cativo mediante a guerra justa e “seu status sócio-jurídico era

semelhante ao de um escravo negro: sua pessoa era propriedade de outrem”14. Para além da

questão do trabalho indígena, havia outra forte motivação para o empreendimento da guerra

que estava centrada na oportunidade de que os moradores e colonizadores tinham de tomar as

terras pertencentes aos grupos indígenas e utilizá-las em proveito próprio. Sobre isso, Tyego da

Silva atribui o estabelecimento de núcleos populacionais nas principais ribeiras da capitania do

Rio Grande, principalmente aos “‘homens de armas’ que, por meio da guerra justa, adquiriram

mão de obra indígena e ainda concessões de sesmarias para fixarem-se naquelas localidades”15.

Esse movimento de ampliação do território apoiado nas conquistas movidas pelas

guerras configura um novo processo de territorialização de um dado espaço por parte dos

colonizadores. Sobre a noção de território atrelado a suas perdas para uns e conquistas para

outros, deve-se ter em mente que esse conceito pode ser apreendido de diferentes maneiras, seja

pelo viés econômico, político, cultural ou natural. Aqui, o território da Capitania do Rio Grande,

em meados do final do século XVII e início do XVIII, é considerado intrinsecamente ligado às

relações sociais ou culturais, entendendo-as também como consequentes relações territoriais,

principalmente ao partir-se da premissa de que os grupos indígenas desenvolviam uma

aproximação profícua com o território para além de sua utilização no sentido de produção

material. Portanto, durante o processo de conquista, alguns povos sofreram com o fenômeno da

desterritorialização no qual determinados grupos, como é o caso dos indígenas, foram alijados

12 SILVA, Nuno J. Espinosa Gomes da. História do direito português: fontes de direito. Lisboa: Fundação

Calouste Gulbenkian, 2006, p. 21-23. 13 A Mesa da Consciência e Ordens foi criada por D. João III em 1532 e atuou até 1833, surgiu com o intuito de

organizar e solucionar as matérias que tocassem a "obrigação de sua consciência", um dos mecanismos para a

centralização do poder do rei. Com o tempo, suas atribuições foram sendo acrescidas e dizia respeito não apenas

à administração espiritual, mas também temporal das mesmas ordens, sendo assim designada como da Consciência

e Ordens. Cf.: Cruz, Maria. 1993. A Mesa da Consciência e Ordens, o Padroado e as Perspectivas da Missionação.

In Vol. 3 of Actas do Congresso Internacional de História, Missionação Portuguesa e Encontro de Culturas.

Braga: Faculdade de Teologia, 1993, p. 627-647. 14 LOPES, Fátima Martins. Em nome da liberdade: as vilas de índios do Rio Grande do Norte sob o diretório

pombalino no século XVIII. Rio de Janeiro: PUBLIT, 2015, p. 56. 15 SILVA, Tyego Franklim da. A ribeira da discórdia: terras, homens e relações de poder na territorialização do

Assú colonial (1680-1720). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

Natal-RN, 2015. p. 71.

Page 22: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

21

do acesso ao território, no sentido elementar da terra, ao vivenciar “‘experiências múltiplas’

imprevisíveis em busca da simples sobrevivência física cotidiana”16.

Rogério Haesbaert, em seus estudos sobre o território e suas diferentes dimensões,

destaca a necessidade de, ao se analisar determinado território, não o encarar como um espaço

neutro, ideia similar à de Paul Little que acredita no espaço como mas como lócus de constante

disputa de poder17. Para Haesbaert, deve-se observar esse espaço seja sob uma perspectiva de

terra (territorium), onde predomina o uso dela para fins econômicos, seja sob a ideia de

terror/aterrorizar (terreo/ territor), na qual há a imposição do medo e do terror dos atores

hegemônicos aos atores hegemonizados, servindo de recurso para os primeiros e de abrigo para

os últimos. Quando se detém ao conceito da desterritorialização, o geógrafo o coloca como

uma das faces da moeda da territorialização, enquanto a outra face é a reterritorialização. Desse

modo, os movimentos sociais ou individuais de desterritorialização são seguidos de novos

processos de reterritorialização, pois sempre haverá alguma forma de territorialidade18.

Haesbaert acredita que antes de definir-se como e onde ocorreu a desterritorialização,

é preciso destacar exatamente o tipo de território que se pretende analisar, haja vista o conceito

de território ser amalgamado em diferentes orientações, podendo ser pelo viés simbólico e

cultural, material e econômico ou pelo poder político19. Aqui, ao tratar do território referente

aos índios, tem-se em mente o emaranhado das relações sociais como resultante de uma carga

simbólica e cultural a qual demarca o espaço de convívio dos grupos indígenas. Seguindo essa

linha de pensamento, portanto, caminha-se na direção do que propõe o antropólogo João

Pacheco de Oliveira ao pensar a noção de territorialização, definida como um processo de

reorganização social. Nesse sentido, o processo acarreta alterações diretas no espaço envolvido,

das quais Pacheco de Oliveira elencou: 1) surgimento de uma nova unidade sociocultural

através de uma identidade étnica diferenciadora; 2) elaboração de mecanismos políticos

especializados; 3) atribuição do controle social sobre os recursos ambientais a outro grupo; 4)

16 COSTA, Rogério Haesbaert da. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade.

6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. p. 175. 17 Cf.: LITTLE, Paul E. Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil: por uma antropologia da territorialidade.

In: Anuário Antropológico/2002-2003. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004. p. 251-290. 18 Cf.: COSTA, Rogério Haesbaert da. Da desterritorialização à multiterritorialidade. In: Anais do X Encontro de

Geógrafos da América Latina. São Paulo, Universidade de São Paulo, março de 2005, p. 6774-6792. Disponível

em: <http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal10/Teoriaymetodo/Conceptuales/19.pdf>. Acesso

em 10 de julho de 2019. 19 Cf.: COSTA, Rogério Haesbaert da. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à

multiterritorialidade. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

Page 23: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

22

remodelação da cultura e da relação com o passado20. O antropólogo compreende o conceito de

territorialização como “uma intervenção da esfera política que associa [...] um conjunto de

indivíduos e grupos a limites geográficos bem determinados”21, intervenção da qual muitas

vezes ocorreu de maneira arbitrária.

Desse modo, ao evidenciar os principais focos de desterritorrialização da capitania do

Rio Grande através da execução da guerra justa no período da Guerra dos Bárbaros, pretende-

se elucidar os possíveis rumos tomados pelos índios no sentido de criarem uma nova

territorialização vinculada à sua carga cultural e identitária. Nesse sentido, a presente

dissertação visa tratar das novas configurações espaciais da Capitania do Rio Grande,

envolvendo os grupos indígenas através da incidência da guerra justa no período da Guerra do

Açu (c. 1680-1720). Pretende-se, portanto, responder ao problema da reorganização do espaço,

principalmente dos sertões, pela perspectiva dos índios ao mapear os principais focos de guerra

justa e consequentes pontos de refúgio. Tem-se como ponto de partida as relações sociais dos

índios com o seu território ao sofrer diversos processos de desterritorialização, seguidos de

novas territorializações com suas vivências próprias do espaço, de acordo com sua cultura e do

seu tempo. Portanto, diante dos processos de disputas territoriais da capitania, visa-se

evidenciar as trajetórias tomadas por grupos indígenas que sofreram com o processo de

desterritorialização de seu espaço e se viram na necessidade de territorializar outro. Como

Haesbaert bem explicita, “cada grupo cultural e cada período histórico funda sua própria forma

de vivenciar ‘integralmente o espaço’”22. Essa forma integral de experiência dos povos

indígenas do Rio Grande, por exemplo, pode ser evidenciada através de sua conduta

territorial23, conceito proposto pelo antropólogo Paul Little ao observar as ações e usos

empregados pelos grupos em seus territórios sociais.

Ruy Moreira, ao tratar do sistema de produção agrícola na América portuguesa,

montado em função do modo de produção, o colonial agroexportador, pontua a mão de obra

escrava como essencial para a estruturação e crescimento da empresa agroexportadora. Pois

“sendo a terra um fator de produção abundante e a mão de obra um fator escasso, reside no

controle deste último a base do prestígio e do poder da grande empresa, garantindo-lhe a fruição

20 OLIVEIRA. João Pacheco de. Uma etnologia dos “índios misturados”? Situação colonial, territorialização e

fluxos culturais. Mana –Estudos de Antropologia Social, v. 4, n. 1, Rio de Janeiro, 1998. p. 55. 21 OLIVEIRA, Op. Cit., p. 56. 22 COSTA, Rogério Haesbaert da. O Mito da Desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade.

6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. p. 67. 23 Cf.: LITTLE, Paul E. Territórios sociais e povos tradicionais no brasil: por uma antropologia da territorialidade.

In: Anuário Antropológico/2002-2003. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004 p. 253.

Page 24: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

23

exclusiva dos benefícios, oriundos dos centros de decisão da colônia”24 (grifo meu). Dessa

maneira, pode-se entender a terra – distinta do território – enquanto meio de prestígio e poder

social no período colonial, representando motivação suficiente de interesse para o avanço de

embates cujo objetivo era a posse e domínio das regiões até então pertencentes aos índios.

A Guerra do Açu, composta por diversas guerras justas, representa um momento claro

de interesse dos colonos nas terras dos índios bem como na tentativa de aumento do número de

escravos indígenas. Tal conflito tem sua data de início marcada por volta de 1687 e de término

em 1720, tendo ocorrido na Ribeira do Açu, localizada na Capitania do Rio Grande, e fez parte

de uma série de embates contra indígenas de diferentes etnias, entre elas pode-se citar os

Janduís, Caboré, Capela, Panicuassus – essas são as nações de índios que aparece com maior

recorrência nas fontes. Esse episódio marcou a história colonial na América Portuguesa e é

comumente associado a um dos casos da Guerra dos Bárbaros, evento que compreendeu não

apenas a Guerra do Açu, mas se estendeu desde as Guerras do Recôncavo (1651-1679)25.

A área correspondente ao Açu era repleta de campos que podiam servir para criação

de gado, como ocorreu no período de mais intensa colonização por volta do final da década de

1670 e início de 1680. Quando vaqueiros instalaram currais, aquele local era habitado

inicialmente pelos tapuias26. Segundo Gregório Varela de Berredo Pereira, autor do “Breve

compêndio”27 (1690), o Açu era um lugar de difícil acesso “por estar de distância de trezentas

léguas pelo sertão adentro, em parte com morros de areais e em outras de penedia mui

agreste”28. Foi nesse cenário que os índios presenciaram o avanço e as investidas de

colonizadores e moradores, tendo que responder aos ataques e gerando conflitos ainda mais

sangrentos.

No processo de colonização da capitania do Rio Grande, é possível identificar o litoral

como uma zona de difusão, conceito que Antônio Carlos Robert de Moraes usou ao caracterizá-

24 MOREIRA, Ruy. Formação espacial brasileira: uma contribuição crítica à geografia do Brasil. Rio de Janeiro:

Consequência, 2012. p. 33. 25 PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros: povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do Brasil, 1650-

1720. São Paulo: Hucitec/Edusp, 2002. p. 13. 26 Tapuia foi uma categoria colonial atribuída a determinados grupos indígenas em oposição aos tupis. Os tapuias

seriam os considerados inimigos e “de língua travada”. Cf.: POMPA, Cristina. Religião como tradução:

missionários, tupi e tapuia no Brasil colonial. Bauru-SP: EDUSC, 2003. p. 221-223. 27 Gregório Varela de Berredo Pereira, morador de Pernambuco, nomeado Capitão de Infantaria no Brasil em 1690,

escreveu sobre o curto período de governo de Antônio Luís Gonçalvez da Câmara Coutinho. Neste relato, ao tratar

os esforços e feitos políticos do governador de Pernambuco e suas anexas, Gregório termina por descrever

informações importantes sobre a capitania do Rio Grande, como detalhes dos sertões do Açu. 28 PEREIRA, Gregório Varela de Berredo. Breve compêndio do que vai obrando neste governo de Pernambuco o

senhor Antonio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho. Recife, 1690. In: MELLO, José Antônio Gonçalvez de.

Pernambuco ao tempo do governo de Câmara Coutinho (1689-1690). Revista do Instituto Arqueológico,

Histórico e Geográfico de Pernambuco. Vol. LI. Recife: CEPE, 1979. p. 264.

Page 25: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

24

la como um centro de assentamento cuja serventia era de base para o alastramento da conquista

da área pretendida. Como possibilidade de expandir territorialmente, os sertões do Açu

representaram o que Moraes convencionou chamar de fundos territoriais, que seriam os

estoques de espaços para futuras apropriações29. O estabelecimento dos colonizadores, tanto na

zona de difusão quanto nos fundos territoriais, configura a região colonial, esse conjunto

territorial sobre o domínio e a jurisdição da Coroa Portuguesa.

No entanto, a pretensão de aqui se estudar a relação dos índios com o seu território,

nos momentos de guerra justa, logo colide com as dificuldades encontradas por meio da análise

do discurso de fontes de cunho burocrático produzidas pelas autoridades coloniais. Entendendo

que uma nova territorialização dos sertões30 do Rio Grande, motivada pela desterritorialização

dos índios durante as guerras, acarretou transformações substanciais nos elementos e nos atores

políticos e sociais daquela área, torna-se dificultoso perceber as movimentações dos grupos

indígenas mediante os relatos lacunares dos agentes detentores dos meios de escrita e registro

no período colonial. Tendo em vista essas limitações, representada também pela intenção de

determinados colonos em documentar ou não certos detalhes à sua época, exige-se um esforço

no sentido de captar as ações dos índios nos meandros da documentação.

Exemplo desse esforço e de certo olhar sensível que se deve ter às fontes para tratar

dos deslocamentos dos índios, em tempos de guerras, pode ser evidenciado ao encontrar um

caso de transferências de presos da etnia Janduí e Caboré, em uma guerra até então indefinida

se justa ou injusta. Através de uma portaria que foi remetida ao provedor da Fazenda Real, em

27 de fevereiro de 1713, sobre a assistência no sustento de uma índia, Dona Catherina31, que

estava presa em Olinda, pôde-se apreender que dessa guerra ocorrida no Rio Grande foram

feitos muitos índios cativos e achou-se mais prudente os remeterem para o forte de Santa Cruz

29 Cf.: MORAES, Antônio Carlos Robert de. Território e história no Brasil. 2 ed. São Paulo: Annablume, 2005. 30 Na definição de Raphael Bluteau, lexicólogo português, em seu Vocabulário portuguez e latino (1717-1721), o

sertão é considerado como o interior, o coração das terras, que se opõe ao marítimo. Sobre o conceito de sertão,

Janaina Amado disserta que desde o século XIV já era utilizado em Portugal, podendo ser grafado tanto iniciando

com a letra “s” quanto com a letra “c”, e dizia respeito às partes mais distantes de Lisboa. A partir do século XV

é que novos significados foram atribuídos ao termo, fazendo referência aos espaços vastos e interiores localizados

nas possessões recém conquistadas, onde muito pouco se sabia sobre eles. Ao longo do século XVIII, continuou

sendo utilizado pela Coroa portuguesa, contudo, como sinônimo de um espaço desconhecido e misterioso a ser

desbravado. Já no Brasil, apenas no século seguinte foi que se inseriu na língua falada. Cf.: AMADO, Janaína;

FIGUEIREDO, Luiz Carlos. O Brasil no Império português. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, Coleção Descobrindo

o Brasil, 2001. 31 “Dona” é uma expressão de distinção social utilizada no período colonial, a qual atribui certa diferenciação

hierárquica, assim como o termo “dom”. No entanto, a respeito de Dona Catherina, ainda não se pode afirmar mais

sobre quem ela teria sido ou o que levou à utilização dessa expressão, por ausência de documentos até o momento.

No entanto, em ocasião mais oportuna a frente, esse caso será retomado e melhor tratado, especificamente no

tópico 4.2, que trata sobre os deslocamentos indígenas no contexto das guerras justas.

Page 26: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

25

de Itamaracá, em Pernambuco, para lá colaborarem com o trabalho proveniente da

fortificação32.

Nessa ocasião, vale ressaltar que mesmo com a indeterminação sobre a matéria da

guerra, se seria justa ou injusta, diversos índios foram aprisionados. Não achando suficiente,

foram retirados de seu espaço de convívio social e deslocados para um novo território a cerca

de 266 km de distância da atual cidade do Natal, a fortaleza de Itamaracá. Esse processo de

desterritorialização é evidenciado e justificado no documento pelo temor que se tinha de uma

reorganização do grupo para preparação de um motim contra os brancos em consequência do

conflito.

Na historiografia nacional e local, o índio guerreiro que estava fadado ao fracasso –

morte ou escravidão – ou à assimilação colonial foi apresentado recorrentemente. Muitos dos

estudiosos reproduziam de maneira acrítica os discursos presentes nos documentos produzidos

pelas autoridades coloniais, em sua maioria carregados de adjetivos e termos que

caracterizavam negativamente a imagem do índio, como “bárbaros” – marcando fortemente a

própria historiografia que cunhou esse conflito com o termo “Guerra dos Bárbaros” –, além de

“gentio”, “rebelde” ou “revoltoso”. Essas atribuições contribuíram e contribuem para

estigmatizar sobre eles a imagem do índio insolente e que por isso merecia as investidas

violentas da Coroa.

Um dos problemas evidenciados que influenciou na perenidade desse estigma foi o

fato de que a historiografia clássica, tanto no âmbito nacional quanto local, ao tratar dos índios

muitas das vezes se encarregou de reproduzir os discursos dos documentos sem a devida

problematização. Vale salientar que a produção historiográfica se transforma ao longo do

tempo, assim, deve-se ser situada no tempo e no espaço a qual foi construída. Isto posto, ao

deparar-se com essa historiografia, é necessário levar em consideração, além da formação do

historiador, o seu interesse e preocupação, tanto social quanto pessoal, à época da escrita.

Em se tratando da produção historiográfica local, Câmara Cascudo foi o exemplo de

um dos maiores expoentes da história do Rio Grande do Norte no século XX. Ao iniciar o seu

capítulo sobre a fundação da cidade de Natal, lança na primeira sentença a seguinte assertiva:

“o forte construído ficava isolado no seu arrecife cercado pelo mar assim como a guarnição

estava circundada pela indiada furiosa”33. Cascudo concluiu essa ideia afirmando que a

32 Portaria que foi ao provedor da Fazenda Real para assistir à tapuia Dona Catherina com o seu sustento. Biblioteca

Nacional de Lisboa (BNL), Coleção Pombalina (PBA), códice 115, fl. 127. 33 CASCUDO, Luís da Câmara. História da cidade do Natal. 4 ed. Natal: EDUFRN, 2010. p. 47.

Page 27: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

26

conquista dos índios seria consolidada pela espada e pela catequese, alegando que “mosquetes,

canhões, lanças, espadas e pelouros nada fariam”34. São afirmações veementes e com ausência

de problematizações como essas que corroboraram com a manutenção de um ideário do índio

insolente, que apenas seria capaz de conhecer a obediência por meio da força das armas e da

missionação. Em contrapartida, ao apresentar figuras como Antônio Vaz Gondim, então

capitão-mor do Rio Grande, de 1654 a 1663 e de 1673 a 1677, Cascudo o classificou como “o

enfermeiro da terra e da gente”35, tendo em vista a necessidade de recuperação da Capitania

diante dos estragos ocasionados pelos índios. Da mesma maneira, Câmara Cascudo exaltou as

atitudes dos capitães-mores Agostinho César de Andrade e Bernardo Vieira de Melo, os quais

lidaram diretamente com os mais intensos embates com os índios durante o período da Guerra

dos Bárbaros, a qual o autor denominou de “Guerra dos Cariris”36. Já ao tratar do início do

conflito, ele faz menção aos ataques que os índios faziam às residências e currais de gado, no

sertão de Açu, destruindo toda coisa viva, e sobre o destino final deles o resume ao seu

desaparecimento.

Ao não relativizar as ações dos índios, Cascudo terminou por ter uma visão

reducionista da história, e em específico do envolvimento deles nas guerras, mesmo que em

algum momento tenha ressaltado a utilização da guerra justa, por parte dos colonos, como uma

manobra para se ludibriar as Leis de liberdade dos índios e conquistar mão de obra escrava37.

Assim, seu pensamento alinhou-se com o de muitos historiadores da época. Vicente de Lemos

foi um deles pois este, ao dedicar seus esforços na construção de dois volumes de livros sobre

os capitães-mores e governadores do Rio Grande do Norte, teceu uma narrativa que privilegiava

a exaltação das iniciativas dessas personalidades em detrimento da problematização de suas

atitudes. Em relação aos índios, nesse período conturbado da história, Lemos os cita

recorrentemente nas suas análises dos perfis dos capitães-mores como aqueles a serem vencidos

ou submetidos à obediência.

No segundo volume de seu livro, Vicente de Lemos debruçou-se sobre as cartas

patentes dos capitães-mores do Rio Grande, entre 1701 e 1822, e dentre todos os citados não há

34 Idem. 35 CASCUDO, Op. Cit., p. 77. 36 Câmara Cascudo denomina a Guerra dos Bárbaros como Guerra dos Cariris pois, segundo sua visão, os cariris

teriam sido as maiores vítimas nos conflitos. Eles correspondiam aos povos Paiacu, Icó, Caratiú, Pega, Caicó,

Panati, Janduí, etc, que atacaram desde o Jaguaribe até o sertão da Paraíba. Na definição de Cascudo, cariris eram

os índios de cabeça chata e silenciosos pois o significado de cariri era “calado” e “taciturno”. Cf.: CASCUDO,

Luís da Câmara. História da cidade do Natal. 4 ed. Natal: EDUFRN, 2010. p. 79. 37 Cf.: CASCUDO, Luís da Câmara. História da cidade do Natal. 4 ed. Natal: EDUFRN, 2010. p. 78.

Page 28: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

27

um sequer que não faça menção à relação deles com os índios, com exceção de Sebastião Nunes

Collares (1705-1708), do qual se comenta apenas sobre doações de sesmarias na ribeira de

Mossoró38. Contudo, em todas as outras citações referentes aos índios, eles são colocados como

um problema que os capitães tinham de enfrentar. André Nogueira da Costa, por exemplo,

governou entre 1708 e 1711 e, ao lidar com a busca de soluções para se resolver o que fazer

com os “silvícolas”, a dúvida pairava entre a catequese e “a espoliação, cativeiro, o massacre”39.

Porém, ao consultar o Senado da Câmara de Natal, decidiu-se pela continuidade da guerra

contra os índios. Em consequência disso, no período de vigência do seu sucessor, Salvador

Alvares da Silva (1711-1715), “houve nas ribeiras do Açu nova revolta dos Cariris no início de

1712, que avançara contra o arraial tudo depredando e matando”40. Assim como Cascudo,

Vicente de Lemos influenciou sobremaneira as produções historiográficas sobre o Rio Grande

do Norte, incorrendo ao risco da manutenção do estigma do índio rebelde que destruía tudo em

derredor ao não se propor a problematizar certas entrelinhas da história, e, apenas, reproduzir o

discurso oriundo das fontes.

Outro nome emblemático da historiografia norte-rio-grandense é o de Tavares de Lyra.

Em 1918, ele publicou o primeiro volume de seu trabalho, intitulado “Notas Históricas sobre o

Rio Grande do Norte”, enquanto a obra “História do Rio Grande do Norte” foi publicada em

1921. Nessa última, o historiador propôs-se a discutir temas importantes que envolveram o Rio

Grande do Norte desde a conquista da Capitania até os fatos ocorridos no início do século XX.

Em um de seus capítulos, nomeado “Início do povoamento dos sertões e revolta dos índios”,

Lyra inicialmente traçou as trajetórias dos capitães-mores, relatando as dificuldades e as

conquistas na gestão deles na Capitania após a expulsão dos holandeses. Ao tratar da Guerra no

Açu, ele ressalta que a incitação de guerras que os colonos faziam com o pretexto de apresar

índios para mão de obra escravizada seria motivo para justificar o levante dos índios, no entanto,

reitera a imagem do índio bárbaro ao comentar que:

Veio um dia em que desapareceu essa fingida paz que existia; os índios

levantaram-se em massas poderosas, assaltaram os moradores, destruíram as

plantações, assolaram as casas, e por tal forma que a 2 de dezembro de 1687,

a Câmara, ponderando que estavam os índios senhores do Açu e a república

em perigo, e ‘vendo o pouco fervor com que se havia o capitão-mor Pascoal

38 Cf.: LEMOS, Vicente de; MEDEIROS, Tarcísio. Capitães-mores e governadores do Rio Grande do Norte.

Vol. 2. Natal: Edição do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, 1980. p. 27. 39 Idem, p. 29. 40 Idem, p. 31.

Page 29: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

28

[Gonçalves] acordou na vereação deste dia irem todos os senadores com as

pessoas que os quisessem acompanhar bater os índios levantados41.

Tavares de Lyra, discorrendo sobre os índios envolvidos no conflito, aderiu à

dicotomia Potiguares contra Tapuias, em que os primeiros teriam se aliado aos portugueses

enquanto os outros foram contrários a eles, dentre os quais, as etnias que predominaram teriam

sido as de Janduís e de Caracarás42. Portanto, ele não se detém a identificar os grupos étnicos

que foram vulgarmente categorizados como tapuias, especificando apenas dois povos

diferentes. Porém, diferentemente de Cascudo, em “História da Cidade do Natal”, Lyra inseriu

na discussão sobre a guerra o interesse dos colonos não apenas na mão de obra indígena mas

também na exploração da terra43.

Como cada estudo é produto do seu tempo e espaço específicos, os autores, com seus

objetivos próprios, trataram de temas referentes ao Rio Grande do Norte à sua maneira. Outra

referência importante que, assim como as anteriores, se dedicou a discutir a história do seu

estado no século XX foi Rocha Pombo. Esse autor apresentou fatos desde antes da conquista

lusitana e, para o período da chegada dos portugueses, já naturalizou o uso da terminologia

“bárbaros” ao referir-se aos índios. Tratando da tentativa de fixação de colonos no Rio Grande,

ele comenta que “os bárbaros, porém, não os deixaram tranquillos, depredando-lhes as roças e

incendiando-lhes os engenhos”44. Já a respeito do período da Guerra do Açu, Pombo dissertou

que os “bárbaros” interceptaram o meio entre o Ceará e o Rio Grande, especificamente na

ribeira do Açu, e se utilizando dos relatos de Pedro Carrilho de Andrade45, mesmo trecho que

Tavares de Lyra usou, ele reafirmou a destruição de toda coisa viva naquela área por parte dos

índios46.

Não obstante, na contramão dessas ideias, houve um crescimento vertiginoso de

trabalhos que privilegiaram o viés da História Antropológica sobre os índios desde a década de

41 LYRA, A. Tavares de. História do Rio Grande do Norte. 3.ed. Natal: EDUFRN – Editora da UFRN, 2008, p.

141-142. 42 LYRA, Op. Cit., p. 143. 43 Cf.: LYRA, A. Tavares de. História do Rio Grande do Norte. 3.ed. Natal: EDUFRN – Editora da UFRN,

2008, p. 159. 44 POMBO, Rocha. História do estado do Rio Grande do Norte. Natal: EDUFRN, 2018, p. 30. 45 Pedro Carrilho de Andrade foi tenente da Fortaleza da Capitania do Rio Grande, assim como Capitão do Terço

de Paulistas na Campanha do Açu, e, por essa relação direta com os índios envolvidos na Guerra do Açu, ele

elaborou relatos carregados de juízo de valor, que a despeito disso permitem dar uma noção sobre detalhes

importantes dos grupos indígenas em sua “Memória sobre os Índios no Brasil”, por exemplo. 46 Cf.: POMBO, Rocha. História do estado do Rio Grande do Norte. Natal: EDUFRN, 2018. p. 151.

Page 30: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

29

197047. Porém, essas iniciativas não esgotaram as possibilidades de pesquisa que se dedicam a

tratar o passado dos índios com um olhar diferenciado daquele construído pela historiografia

até meados do século XX. Aqui, através da temática da Guerra Justa, tem-se o intuito de ampliar

as discussões que atentem para os índios da Capitania do Rio Grande, não os associando a

papéis secundários48.

No âmbito da historiografia local, no que se tratou dos revisionistas e de uma leva de

historiadores compromissados com o estudo mais direcionado aos índios do Rio Grande,

destaca-se nomes como Olavo de Medeiros Filho. Esse, embora tenha, inicialmente, se proposto

a analisar a genealogia das famílias brancas nos livros Velhas famílias do Seridó e Velhos

inventários do Seridó, lançados respectivamente em 1981 e 1983, tratou de ampliar sua análise

nos anos seguintes. Foi em 1984 que Medeiros Filho lançou Índios do Açu e Seridó, no qual

abordou, exclusivamente, aspectos dos índios dessas regiões até então pouco explorados, como

suas relações amorosas, questões de saúde, costumes, religiosidades e trabalho49. Além disso,

no mesmo livro, versou sobre o contexto da Guerra dos Bárbaros, ao qual se refere como

Levante dos Tapuias, através de temas como a colonização do Rio Açu por meio das concessões

de sesmarias e os consequentes embates entre índios e moradores. No entanto, por vezes, ainda

terminava por não problematizar o aspecto feroz dos índios, categorizando-os como bárbaros.

Já sobre a historiografia produzida a respeito da temática da guerra justa na capitania

do Rio Grande, tem-se observado um crescimento vertiginoso nos estudos, majoritariamente

acadêmicos, que privilegiam de alguma maneira a perspectiva da História Indígena,

acompanhando o crescimento que houvera no âmbito da historiografia nacional. Maria Idalina

Pires, por exemplo, representou os passos iniciais rumo a essa valorização da história pela ótica

dos índios do Rio Grande ao discutir acerca da Guerra dos Bárbaros. Para ela, “o termo ‘Guerra

47 Importantes nomes da historiografia local e nacional como John Monteiro, Maria Regina Celestino de Almeida

e João Pacheco de Oliveira, por exemplo, dedicaram-se a tratar da História do período colonial por um viés que

atenuasse as lacunas referentes aos índios, abordando-os através de um sentido antropológico, em que o conceito

de cultura é entendido por meio de “todos os produtos materiais, espirituais e comportamentais da vida humana,

bem como as dimensões simbólicas da vida social” (ALMEIDA, 2010, p. 21), abandonando a ideia de uma cultura

fixa e imutável para assim valorizar a trajetória histórica de cada povo. 48 Para Maria Regina Celestino de Almeida, desde o começo da História do Brasil por Francisco Adolfo Varnhagen

(1854) até momentos bem avançados do século XX, os índios “pareciam estar no Brasil à disposição dos europeus,

que se serviam deles conforme seus interesses” (ALMEIDA, 2010, p. 13). Por isso, essa vertente da história

antropológica visa, sempre que possível, dar maior visibilidade aos índios como maneira de dirimir a

marginalização histórica deles. Cf.: ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. O lugar dos índios na história: dos

bastidores ao palco. In: ALMEIDA, Maria Regina Celestino. Os índios na História do Brasil. Rio de Janeiro:

FGV, 2010. p. 13-28. 49MEDEIROS FILHO, Olavo de. Velhas famílias do Seridó. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1981;

MEDEIROS FILHO, Olavo de. Velhos inventários do Seridó. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1983;

MEDEIROS FILHO, Olavo de. Índios do Açu e Seridó. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1984.

Page 31: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

30

dos Bárbaros’ não apenas exprimiu a noção de valentia que estes índios resistiam às incursões

portuguesas, mas transmitiu a ideia de que sua ‘primitividade’ [...] justificava seu extermínio50”.

Na tentativa de dirimir as lacunas historiográficas sobre os índios, Soraya Geronazzo também

trabalhou com a Guerra dos Bárbaros, no entanto, dedicou-se a especificar as etnias indígenas

envolvidas nesse contexto, não as tratando de maneira generalizada, além de atentar para as

experiências desenvolvidas por eles nos conflitos no que tangia às estratégias e uso de armas,

por exemplo51.

Seguindo essa linha de análise, Helder Alexandre Medeiros de Macedo deteve-se em

partes de suas pesquisas a apresentar indivíduos, eventos e ações indígenas, até então

obscurecidos na história, que envolviam o sertão do Rio Grande, colocando-os em vários meios

sociais desde os laços de convívio familiar até a guerra e consequente escravidão52. Júlio César

de Alencar, mais recentemente, realizou seu trabalho de dissertação analisando a Guerra dos

Bárbaros através dos documentos produzidos pelo Senado da Câmara da cidade do Natal. No

trabalho de Alencar, apesar de não se apresentar diretamente o conceito de desterritorialização

do sertão, é possível observar exemplos dessa ação a partir de seu estudo das fontes dos

camarários ao evidenciar a busca para “garantir o acesso aos espaços liberados para a

colonização na capitania do Rio Grande, alegando terem descoberto as terras que requeriam

e/ou terem combatido indígenas, contribuindo para o povoamento desses espaços53”. Em se

tratando das guerras no Rio Grande, Fátima Martins Lopes, ao discorrer sobre a participação

dos índios em tropas coloniais, apresenta que era uma possibilidade de se continuar exercendo

a prática guerreira do ponto de vista dos indígenas tanto Tupis quanto demais etnias54.

Ricardo Pinto de Medeiros, em sua tese de doutorado, realizou sua pesquisa

principalmente através dos relatos dos cronistas, identificando e localizando, na escala espacial,

grande parte dos povos indígenas do sertão nordestino que foram contatados e adquiriram

50 PIRES, Maria Idalina. Guerra dos Bárbaros: resistência indígena e conflito no Nordeste colonial. Recife:

Fundap/CEP, 1990, p. 28-29. 51 Cf.: ARAUJO, Soraya Geronazzo. O muro do demônio: a economia e cultura na Guerra dos Bárbaros no

nordeste colonial do Brasil – séculos XVII e XVIII. 2007. 122f. Dissertação (Mestrado em História Social). Centro

de Humanidades. Universidade Federal do Pará, 2007. 52 Cf.: MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Populações indígenas no sertão do Rio Grande do Norte. Natal:

Ed. UFRN, 2011. 53 ALENCAR, Júlio César Vieira de. Para que enfim se colonizem estes sertões: a Câmara de Natal e a Guerra

dos Bárbaros (1681-1722). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

Natal-RN, 2017. p. 169. 54 Cf.: LOPES, Fátima Martins. Os indígenas aldeados na Capitania do Rio Grande na primeira metade do século

XVIII: Terra e trabalho. In: MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de; SANTOS, Rosenilson da Silva (orgs.).

Capitania do Rio Grande: histórias e colonização na América Portuguesa. João Pessoa: Ideia; Natal: Edufrn,

2013. p. 73-90.

Page 32: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

31

visibilidade não apenas no Rio Grande, mas nas demais capitanias envolvidas na Guerra dos

Bárbaros55. Já Lígio José de Oliveira Maia, ao discutir a relação dos indígenas nas Serras de

Ibiapaba, no Ceará, desde quando essa era aldeia até o momento em que se tornou vila de índios,

reservou um espaço para tratar da força marcial desses povos que chegaram a ser considerados

“o braço forte da capitania”, tendo em vista sua destreza bélica em favor da Coroa portuguesa

nos tempos de guerra56.

Apesar de esses trabalhos recentes apontarem para uma participação mais efetiva dos

grupos indígenas nas guerras, ainda há lacunas a serem aprofundadas e mitigadas,

principalmente no que tange ao estudo da guerra justa como, por exemplo, a análise em

específico dos discursos produzidos pelas autoridades coloniais, atentando para a

ressignificação desse aparato jurídico na prática e a introdução de elementos que fossem

capazes de viabilizar a desterritorialização, seguida da dominação, do sertão do Rio Grande.

Questões importantes que já foram trabalhadas, porém, não se esgotaram, como as agências

indígenas, as resistências, as novas possibilidades de territorialização dos grupos indígenas

alijados de suas terras, entre outras abordagens nesse sentido que foram tratadas aqui.

A relação aqui estabelecida com o objeto de pesquisa e as próprias fontes foi sendo

construída ainda ao longo da graduação, quando sob a orientação do Professor Doutor Lígio

José de Oliveira Maia foi possível iniciar uma bolsa de Iniciação Científica voltada para a

pesquisa referente aos indígenas da Capitania do Rio Grande através da análise do fundo

documental do Arquivo Histórico Ultramarino no ano de 2015. Tal iniciativa resultou, em 2017,

na Monografia de Conclusão de Curso intitulada “História indígena e do indigenismo na

documentação avulsa do Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa concernente ao Rio Grande

do Norte (AHU-RN) – Século XVIII”. Foi por meio do estudo e análise desses documentos que

se começou a construir um acervo próprio que pudesse dar conta das narrativas das guerras

envolvendo os índios do Rio Grande.

Logo, uma das motivações para construção desta pesquisa baseia-se na tentativa da

reconstrução de parte da história dos índios, além do interesse em contribuir com a produção

historiográfica concernente ao Rio Grande do Norte que, paulatinamente, vem tendo suas

lacunas preenchidas através das recentes pesquisas, principalmente aquelas vinculadas ao

55 Cf.: MEDEIROS, Ricardo Pinto. O descobrimento dos outros: povos indígenas do sertão nordestino no período

colonial. 2000. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós-graduação

em História, Recife, 2000. p. 114-149. 56 Cf.: MAIA, Lígio José de Oliveira. Serras de Ibiapaba, de aldeia à vila de índios: Vassalagem e identidade

no Ceará Colonial–Século XVIII. 2010. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense,

Programa de Pós-graduação em História, Niterói, 2010. p. 200-220.

Page 33: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

32

Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte57.

Para alcançar esse objetivo será necessário o cruzamento de informações oriundas de fontes

diversas, das quais se pode apreender dados qualitativos e quantitativos que deem conta do

impacto da incidência das guerras justas na capitania, aparato jurídico que condensou os

interesses de moradores intencionados em ganhos de terras e mão de obra indígena e os

interesses da Coroa de alastramento de sua área de domínio.

Para a elaboração deste trabalho, em sua maioria, foram utilizadas fontes legislativas

e administrativas, que, apesar de seu caráter burocrática, permitiram analisar a inserção do

aparato jurídico da guerra justa na produção dos discursos. Portanto, fez-se necessária a

utilização de cartas régias, Leis e Alvarás que tratam da constituição da guerra justa; dos termos

da Junta das Missões de Pernambuco; das cartas, pareceres, bandos e ofícios emitidos e

recebidos pelo Conselho Ultramarino, a maioria já transcrito e lido desde 2015, na bolsa de

Iniciação Científica; além de termos do Livro de Provisões do Senado da Câmara. Através dos

documentos de cunho administrativo e legal, como as Leis e Alvarás, por exemplo, e a devida

análise do discurso desses, é possível encontrar o posicionamento do rei, suas táticas,

estratégias, avanços e recuos em relação à incitação das guerras justas. Contudo, em alguma

medida, também foi preciso recorrer a documentos eclesiásticos, como bulas papais, que

pudessem embasar os debates teológicos em torno da matéria da guerra justa, permitindo

vislumbrar a linha tênue entre a religião e a violência, por exemplo. Através dos meandros

desses documentos, pôde-se conjecturar a respeito das possíveis articulações dos grupos

indígenas em meio às guerras, suas tentativas de resistência, fuga e territorialização.

Os termos da Junta das Missões de Pernambuco, por exemplo, permitem observar os

encaminhamentos e soluções tomadas pelo órgão sobre as situações que envolviam os índios

das Capitanias do Norte do Estado do Brasil, inclusive no tocante à justiça das guerras. A Junta

foi instituída em 1681 e durou até 1759 e foi criada pela necessidade da conquista de novos

territórios nas chamadas “capitanias de fora” do sertão norte do Estado do Brasil bem como

pela necessidade de elaboração de mecanismos eficazes que minassem os obstáculos para o

57 Muitos desses trabalhos recentes vinculados ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal

do Rio Grande do Norte forneceram subsídios para a presente pesquisa, e se já não foram citados até aqui, serão

mais à frente. Dentre eles, pode-se citar as dissertações que contribuíram direta ou indiretamente com as discussões

levantadas aqui a respeito dos índios na Capitania do Rio Grande, tais como a pesquisa de Maiara Silva Araújo,

defendida em 2019, assim como a de Erick Rodrigues; anteriormente, Júlio César de Alencar e Tyego Franklim

da Silva, defenderam suas pesquisas respectivamente em 2017 e 2015, ambas com diferentes e importantes

abordagens sobre a Guerra dos Bárbaros.

Page 34: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

33

êxito desse avanço. Como os índios constituíam uma espécie de fronteira58 que dificultava o

acesso ao sertão, a Junta das Missões de Pernambuco obrigatoriamente tratou dessa questão e,

assim, a guerra justa aparecia como uma alternativa viável para atender ao projeto da Coroa

portuguesa. Os termos aqui utilizados fazem parte da Coleção Pombalina da Biblioteca

Nacional de Portugal, estando alguns deles inseridos como anexos da dissertação de Ágatha

Gatti59 – os demais foram cedidos generosamente pelo Professor Ricardo Pinto de Medeiros,

totalizando uma média de 78 termos lidos e fichados.

No que diz respeito às cartas, pareceres, bandos e ofícios do Conselho Ultramarino, é

por meio delas que se consegue perceber as inquietações de moradores e autoridades locais,

como também do rei, sobre as experiências com os índios e a matéria da guerra. O Conselho

Ultramarino foi criado, em 1642, para tentar reestruturar e reorganizar administrativamente o

Brasil. Graças ao Projeto Resgate Barão do Rio Branco foi que o Rio Grande do Norte recebeu

a digitalização e a disponibilização on-line de um montante de 628 conjuntos documentais

oriundos do Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), acessíveis aos pesquisadores e ao público

em geral. Tais documentos dão conta de vários conflitos que compõem a Guerra do Açu, além

de guerras isoladas que iremos discutir adiante.

Já os termos do Livro de Cartas e Provisões do Senado da Câmara de Natal

apresentam, além do conteúdo referente à guerra, as tentativas de se firmar a paz com os índios.

Essa documentação encontra-se digitalizada no Laboratório de Imagens do Centro de Ciências

Humanas, Letras e Artes (Labim/CCHLA) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Além dos conjuntos documentais supracitados, foram usados os Documentos Históricos da

Biblioteca Nacional (DHBN) pois há, entre eles, informações sobre a Guerra dos Bárbaros e

eventos que se relacionam com as guerras justas nos sertões da capitania. Através da visita à

Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro também foi possível encontrar um manuscrito, que ainda

não se encontra digitalizado, que tratava das guerras nas ribeiras do Assu e Jaguaribe, assim

como documentos no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro que tratavam de guerras justas

58 Hal Langfur atribui a categoria de “fronteiras” aos índios Botocudos da região de Minas Gerais no período

colonial pelo fato de eles representarem uma barreira que dificultava o contrabando de ouro na região (Cf.:

LANGFUR, Hal. The forbidden lands: colonial identity, frontier violence, and the persistence of Brazil's eastern

Indians, 1750-1830. Stanford University Press, 2006), assim como na ideia apresentada por Soraya Geronazzo

Araujo, a qual coloca os tapuias do Rio Grande envolvidos na Guerra dos Bárbaros como o “muro do demônio”,

expressão identificada dentre os documentos analisados em sua dissertação, referindo-se também a uma barreira

humana que servia de impedimento para o avanço dos colonos aos sertões da Capitania. 59 GATTI, Ágatha Francesconi. O trâmite da fé: a atuação da Junta das Missões de Pernambuco, 1681-1759.

Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São

Paulo, São Paulo. 2011.

Page 35: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

34

não apenas na Capitania do Rio Grande, mas também em outras próximas a ela. Há ainda os

Manuscritos do Arquivo da Casa de Cadaval respeitantes ao Brasil, organizado pela professora

Virginia Rau e por Maria Fernanda Gomes da Silva. Eles correspondem a cartas, petições,

pareceres e consultas que revelam não só os manuscritos do primeiro Duque de Cadaval, D.

Nuno Álvares Pereira de Melo60 (1638-1725), mas também documentos em geral de meados

do século XVII e o fim do primeiro quartel do século XVIII.

Os documentos foram aqui analisados através dos pressupostos metodológicos da

História qualitativa por meio da análise do discurso histórico61, ao atentar para as nuances e

detalhes informados nos documentos que dizem respeito da relação entre a guerra justa e a

Guerra do Açu. Além disso, em momento oportuno, também se fará uso da História Conectada,

proposta pelo historiador Sanjay Subrahmanyam62. Através dessa metodologia construiu-se

outra parte da pesquisa que se deteve aos estudos dos casos de guerra justa envolvendo as

demais Capitanias do Norte. Em suma, o trabalho ocorreu por meio do cruzamento de fontes

eclesiásticas, administrativas e legislativas, capazes de fornecer informações relevantes a fim

de tecer a narrativa histórica apresentada aqui. Dessa maneira, ao longo do trabalho tentou-se

responder questões tocantes aos usos e as apropriações do discurso jurídico da guerra justa na

Legislação indigenista, e em específico, na Guerra dos Bárbaros, problematizando as

interpretações e as adaptações que foram realizadas para que a norma teórica incidisse naquela

realidade local. Destarte, a análise dos discursos, desde o século V até o século XVIII, gira em

torno da problemática da justiça e sua validade no ultramar, além de tentar perceber de que

maneira a incidência desse aparato jurídico interferiu nas relações estabelecidas nos territórios

60 “D. Nuno Álvares Pereira de Melo foi o primeiro Duque do Conselho do Estado, presidente, respectivamente,

do Conselho Ultramarino, da Junta do Tabaco e do Desembargo do Paço, mestre-de-campo general, etc.” (Cf.:

RAU, Virginia; SILVA, Maria Fernanda Gomes da (Org.). Os manuscritos do Arquivo da Casa de Cadaval

respeitantes ao Brasil. Vol. II. Acta Universitatis Conimbrigensis. Coimbra: University of Coimbra, 1958. p.

540). 61 Ao tomar como objeto o discurso e sua produção, pretende-se “uma rejeição da noção realista de que a linguagem

é simplesmente um meio neutro de refletir, ou descrever o mundo, e uma convicção da importância central do

discurso na construção da vida social”. Cf.: GILL, R. Análise de Discurso. In: BAUER, MW; GASKELL, G.

Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 3a ed. Vozes: Petrópolis (RJ), 2002, p.

244. 62 Sanjay Subrahmanyam sugeriu que a história comparativa não era, necessariamente, a forma mais fecunda de

prosseguir uma investigação com o objetivo de entender o mundo da época moderna. Sua proposta é observar

fenômenos que articulam histórias para além das tradicionais fronteiras do pensamento, não apenas comparando

um país a outro, por exemplo, mas considerando um o espelho do outro. Assim, pretende-se partir para as análises

de outras capitanias do Norte e suas realidades próprias de guerras justas contra os índios. Cf.:

SUBRAHMANYAM, Sanjay. Connected Histories: Notes towards a Reconfiguration of Early Modern Eurasia.

In: Modern Asian Studies, Vol. 31, No. 3, Special Issue: The Eurasian Context of the Early Modern History of

Mainland South East Asia, 1400-1800. (Jul., 1997). p. 735-762.

Page 36: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

35

sociais dos índios, tendo em vista os sucessivos processos de desterritorialização,

desnaturalização e territorialização ao qual foram submetidos.

***

Através do cruzamento de dados provenientes das fontes citadas acima, construiu-se o

primeiro capítulo da dissertação, intitulado O discurso jurídico da guerra justa: Guerra dos

Bárbaros e desterritorialização. Nele, levantou-se um debate acerca da legitimidade atribuída

à guerra contra os índios e como ela reverberou suas consequências práticas no processo de

desterritorialização do sertão da Capitania do Rio Grande através da Guerra dos Bárbaros. Para

que esse aparato jurídico fosse elaborado, diversas discussões ocorreram por parte de teólogos,

juristas e religiosos que tratavam da natureza da guerra e do dilema de executá-la contra aqueles

que pretendiam cristianizá-los ou torná-los servos do rei. Essas discussões ocorriam em torno

de Portugal e da Espanha, desde meados do século XV, mas seu raio de incidência arrastou-se

por muitos séculos depois por diferentes localidades e atingindo povos distintos. A legislação

indigenista no Brasil absorveu a ideia da guerra justa, e as hostilidades dos índios, agravadas

com a questão da antropofagia, foram tidas como motivos suficientes para que os índios

sofressem com ela. A Guerra dos Bárbaros, portanto, exemplifica vários episódios em que a

guerra justa foi invocada e, como consequência, gerou a desterritorialização dos grupos

indígenas do sertão.

Para o capítulo seguinte, Guerras (in)justas da Bahia ao sertão do Açu, de maneira

mais pragmática, avançou-se na elaboração de uma espécie de análise comparativa ao

apresentar as realidades conectadas de outras Capitanias do Norte, observando as relações que

se estabeleceram entre elas através das dissidências e aproximações no que se refere à

imposição da guerra justa e do movimento de desterritorialização dos índios. Tratando como

uma espécie de colcha de retalhos, ao sinalizar para os pontos em que se intercruzam nas

histórias das Capitanias do Rio Grande, Pernambuco, Paraíba, Maranhão, Piauí, Bahia e Ceará,

no contexto da utilização do recurso da guerra justa. Apenas após isso foi que se propôs uma

discussão mais aprofundada da incidência da guerra justa no contexto geral da Guerra dos

Bárbaros, possibilitando restringir ainda mais o foco da análise discursiva para a área do sertão

do Açu, partindo do macro ao micro.

Já no terceiro e último capítulo, apresentou-se uma discussão em torno da noção dos

territórios sociais dos índios da Capitania, assim como os movimentos espaciais como

Page 37: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

36

alternativas de reterritorialização dos grupos em um novo local. Nesse capítulo, decidiu-se

privilegiar direta e exclusivamente a História Indígena com o foco de endossar as narrativas

historiográficas por esse viés. Para finalizar, expôs-se a força de resistência adaptativa63

indígena, a exemplo das fugas. Em um movimento contrário à fuga dos índios, as autoridades

coloniais impeliam uma tentativa de desnaturalização dos índios pautada no desenraizamento

deles de seus locais de estabelecimento através de deslocamentos compulsórios para outras

localidades, motivados principalmente pelo objetivo de pôr fim ao espaço de sociabilidade dos

índios, visto como sinônimo de sublevação.

63 Para Steve Stern, a resistência adaptativa se configura a partir do momento em que os índios passam a se utilizar

dos meios acessíveis da própria Coroa para garantir melhores condições de sobrevivência. No contexto das guerras

justas aqui apresentado, pode-se pontuar por exemplo a participação de índios no corpo do Terço dos Paulistas ou

os deslocamentos indígenas para além do sertão. Cf.: STERN, Steve. Resistance, rebellion and consciousness in

the Andean Peasant Word, 18th to 20th Centuries. The University of Wisconsin Press, 1987.

Page 38: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

37

2 DEBATES TEÓRICOS E JURÍDICOS EM TORNO DA GUERRA JUSTA

Neste primeiro momento da discussão, pretende-se trazer um breve histórico da

constituição da Guerra Justa como um discurso que deu legitimidade para catalisar o processo

de desterritorialização dos grupos indígenas da Capitania do Rio Grande, especialmente no

período dos embates que compuseram a Guerra do Açu64 (c. 1680-1720). Para isso, deseja-se

apresentar os debates que estavam em voga desde o século XV entre teólogos, juristas e as

Escolas da época, tanto em Portugal quanto na Espanha, visando uma interlocução que

materialize o pano de fundo que estava por trás das Leis e Alvarás que determinaram a execução

da guerra justa e seus ditames na colônia.

Como uma espécie de adendo nessa parte do histórico da guerra justa, decidiu-se

reservar o tópico seguinte para tratar do Debate de Valladolid, ocorrido na Espanha em 1550,

evento que marcou o auge do enfrentamento entre Bartolomeu de Las Casas e Juan-Ginés

Sepúlveda. Na ocasião, os dois puderam discorrer a respeito de seus tratados e análises sobre

questões que envolviam as conquistas espanholas, mais especificamente a guerra justa, a

escravidão dos índios e a evangelização deles, cada qual com sua visão. Por conseguinte, foram

analisados os principais tratados e proposições apresentadas pelos dois, pontuando os elementos

de inflexão em seus pontos de vista que vieram a conformar parte de suas obras intelectuais.

Após isso, objetiva-se atentar para a legislação indigenista e destacar, nesse conjunto de

normas e leis que versava sobre a realidade social dos índios na colônia, a presença do discurso

da guerra justa. Assim, dever-se-á levar em consideração o modo como era inserido esse

artifício jurídico diante das demais normas que foram determinadas para os povos indígenas do

atual Brasil, observando as justificativas utilizadas para imposição da guerra, além das

dissonâncias e semelhanças nos discursos jurídicos produzidos desde o Regimento de Tomé de

Sousa até as chamadas Leis de Liberdade dos índios.

64 Como uma maneira de diferenciação da Guerra dos Bárbaros – combates com extensão territorial maior por ter

alcançado as regiões de Pernambuco, Ceará, os sertões do Piauí e Paraíba, além da capitania do Rio Grande –,

pretende-se utilizar o termo Guerra do Açu, situando de maneira mais precisa essa área do sertão que foi norteadora

no trabalho.

Page 39: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

38

2.1 – Breve histórico da guerra justa

Antônio Carlos Robert de Moraes, ao levantar uma discussão sobre a conquista do

espaço por meio dos processos de colonização, mostra que se configura uma expansão territorial

ao se incorporar um novo espaço ao anterior, garantido, em alguns casos, pela perenidade e

fixação da presença do conquistador nesse dado território e funcionando como um aditivo

econômico para o país colonizador. De maneira sintética, Moraes destaca que a colonização

“envolve conquista, e esta se objetivava na submissão das populações encontradas, na

apropriação dos lugares, e na subordinação dos poderes eventualmente defrontados”65,

alinhando essas populações à nova ordem seja pela incorporação ou pela destruição de outrem.

Portanto, nesse contexto de avanço de territórios conjugado com o avanço dos poderes

coloniais, exigia-se um elemento difusor desse projeto, possibilitado pelo empreendimento da

guerra justa pois, ao passo que afastavam os povos indígenas de determinado espaço, o

ganhavam para concretização da conquista através da fixação na área.

Diante das situações vivenciadas na colônia, era necessária certa plasticidade e

inventividade por parte dos agentes coloniais para que pudessem lograr êxito na sua instalação

e, por isso, contavam com fatores como a mão de obra bem como com recursos naturais que

poderiam ser apreendidos no local. Moraes destaca que

o sentido da colonização em cada território estabelece uma conjunção entre a

geopolítica metropolitana e as condições locais defrontadas pelo colonizador,

notadamente no que tange aos contingentes demográficos e aos recursos

naturais existentes, num jogo comandado pela lucratividade do capital

mercantil66.

Para fundamentar a discussão inicial acerca da guerra justa, situando-a e definindo-a

historicamente, pretende-se aqui traçar um histórico da constituição dela e, apesar de se tratar

de um recorte temporal muito extenso, este deverá ser feito de maneira sucinta, privilegiando

os principais eventos que circundaram a temática e dando clareza da grande proporção do

debate que o tema sugere. O período mais distante do trabalhado aqui, e que se deve ser

elucidado, remonta a 1099, marco da conquista de Jerusalém com as Cruzadas, um exemplo

comumente associado às guerras contra bárbaros e à anexação de territórios. Sobre esse período,

vale acentuar que ele foi marcado pela constituição de ordens religioso-militares de cavalaria,

sendo as primeiras: a dos Templários, a dos Hospitalários de São João de Jerusalém, a do Santo

65 MORAES, Op. Cit., p. 65. 66 MORAES, Op. Cit., p. 67.

Page 40: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

39

Sepulcro, a dos Cavaleiros Teutônicos67. A Igreja, de maneira geral, via com bons olhos a

condição militar, bem como a guerra que a ela estava imbricada, pois o militar que cumpria seu

serviço atrelado à dedicação religiosa o fazia de modo santificado e consagrado. Desse modo,

paulatinamente, a Igreja foi moldando as ideias que compuseram a guerra justa, ensinando o

ideal do guerreiro cristão.

Nessa relação entre a Igreja e o militarismo, a Bíblia Sagrada foi um forte recurso

utilizado por muito tempo para endossar argumentações e justificativas das mais diferentes

causas sociais. Recuando no marco temporal do histórico da guerra justa e adentrando no século

V – período de maior interesse para se entender a noção da guerra justa pelo fato de se teorizar

de maneira pragmática o aparato jurídico –, encontram-se diversos religiosos que elaboraram

tratados e estudos sobre problemas da sociedade apoiados nas suas interpretações dos textos

bíblicos, como por exemplo, Santo Agostinho e Santo Ambrósio. Eles acreditavam que os

ensinamentos de Jesus permitiam e, em alguns casos, incentivavam a prática militar e da guerra.

Na visão tomista – proposta por São Tomás de Aquino, já no século XIII –, a paz era entendida

como “a tranquilidade da ordem”, apresentando-se como sucessor da linha de raciocínio

exposta por Agostinho. Nesses ideais, portanto, não se descartava a hipótese da guerra, mas

almejava-se o objetivo da ordem, visto que a guerra por si só não era um mal, mas poderia ser

boa e até santa, a depender da sua finalidade e de como seria conduzida68.

Marcocci aponta três fatores que teriam desencadeado o nascimento de uma reflexão

sobre a relação entre violência e religião, sendo eles:

a variedade de ambientes e contextos políticos dos territórios atingidos pelo

expansionismo português; as divergências entre os conselheiros de D. João

III, isto é, os membros da alta nobreza e os oficiais imperiais de maior

categoria, acerca das formas concretas que deveria assumir o sistema de

domínio português (sobretudo na Ásia, mas também no Norte da África); e a

progressiva hegemonia cultural dos teólogos da corte, que impuseram uma

nova preocupação pelas ‘obrigações de consciência’ que condicionavam a

ação política69.

Os critérios que estabelecidos para que a guerra fosse considerada santa e justa foram

baseados na Summa contra gentiles70 de Tomás de Aquino e no Decreto de Graciano. Dentre

67 Cf.: COSTA, Ricardo da; SANTOS, Armando Alexandre dos. O pensamento de Santo Tomás de Aquino (1225-

1274) sobre a vida militar, a guerra justa e as ordens militares de cavalaria. In: Mirabilia 10. Jan-jun/ 2010. p.

146. 68 Idem. 69 MARCOCCI, Op. Cit., p. 251. 70 Summae é um gênero textual cuja escrita é contínua e elaborada, com base lógica-formal, ligado a alguma Escola,

mas de caráter pessoal. Consolida-se no século XII como um tipo de literatura jurídica utilizada onde não se havia

Page 41: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

40

as premissas para execução da guerra, tornando-a legítima, estavam os seguintes casos: 1º -

deveria ser precedida de alguma ação injusta do inimigo; 2º - teria que ser impelida com

intenções boas; 3º - deveria ser deliberada por alguma autoridade, seja a Igreja ou um príncipe71.

Essas proposições de Tomás de Aquino são um reflexo das ideias que permeavam o século V.

Isto posto, pode-se repensar a relação que se criou entre a negociação e a violência, não as

encarando como opostas, mas interligadas, como lembrado por Aquino: “entre os verdadeiros

adoradores de Deus, até as guerras são pacíficas, pois é o desejo da paz que os move, e não a

cobiça ou a crueldade, para que sejam freados os maus e favorecidos os bons”72.

No que tange à licitude da vida militar atrelada às ordens religiosas, Tomás de Aquino

novamente se vale dos ensinamentos de Santo Agostinho ao rejeitar a ideia de que esse modo

de vida desagradaria a Deus, utilizando o exemplo do rei Davi – militar que ainda assim teria

agradado muito ao Senhor. Aquino afirma que, dentre as funções de uma ordem religiosa, se

poderia avançar para além das obras da vida contemplativa e alcançar as obras da vida ativa,

como o serviço militar, e se embasando em versículos retirados da bíblia acredita que

pode-se convenientemente fundar uma ordem religiosa para a vida militar, não

com um fim mundano, mas para a defesa do culto divino, do bem público, ou

dos pobres e oprimidos, de acordo com o Salmo que diz “Salvai o pobre, livrai

o indigente das mãos do pecador”73.

A discussão acerca da guerra justa dividia opiniões entre apoiadores e contrários. Santo

Agostinho fora um dos expoentes dessa doutrina que, apesar de clamar pelo fim das guerras

várias vezes, deixou exceções que posteriormente foram assumidas por São Tomás de Aquino

na defesa da guerra justa. Santo Agostinho afirmara, portanto, que era melhor que os justos

subjugassem os malfeitores ao invés de os justos serem governados pelos malfeitores.

Consequentemente, uma guerra empreendida por justos lhe parecia um mal necessário ou, como

em suas palavras, “um feliz acontecimento”74 motivado pelas injustiças observadas no lado

oposto. Já os humanistas cristãos criticavam diretamente qualquer tipo de ressalva que

favorecesse a guerra. Erasmo, por exemplo, na oração A lamentação da paz de 1517, opõe a

acesso às glosas ou ao Corpus Iuris, entendendo as glosas como uma explicação gramatical simples e de caráter

exegético. Cf.: SILVA, Nuno J. Espinosa Gomes da. História do direito português: fontes de direito. 2006. 71 Cf.: ZERON, Carlos Alberto de Moura Ribeiro. Linha de Fé: A Companhia de Jesus e a Escravidão no Processo

de Formação da Sociedade Colonial (Brasil, Séculos XVI e XVII). São Paulo: Editora da Universidade de São

Paulo, 2011. 72 De verbis Domin., De civitate Dei, 119, c. 12. Apud. COSTA; SANTOS, Op. Cit., p. 145-157. 73 Suma teológica II-IIae. Apud COSTA; SANTOS, Op. Cit., p. 154. 74 SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

p. 264.

Page 42: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

41

guerra à irmandade cristã, sendo ainda inimiga de um governo virtuoso, objetivando em sua

oração o fim da guerra e o estabelecimento da paz perpétua e universal75.

A contradição entre religião e violência bélica era geralmente diluída pela perspectiva

da conquista espiritual do outro. Em outro momento, o próprio adágio Dulce bellum inexpertis

(ou seja, a guerra é doce para os que dela não têm experiência), de Erasmo, reconhece que os

impérios só se erigiam na história com derramamento de sangue enquanto César Augusto

colocou que a possibilidade de paz existente nos contextos de conquista era somente a imposta

pelos vencedores aos vencidos. A guerra aos infiéis e inimigos de Cristo era então considerada

justa, sem serem feitos muitos aprofundamentos nos debates acerca da temática. Na bula “De

nobilitate”, de 1542, escrita por Jeronimo Osório, além do espaço reservado à inferiorização da

religião dos romanos, asseverava-se que o ideal da paz devia ser apoiado pelas armas e a força

bélica estaria intrinsicamente ligada ao pressuposto de um Estado sólido. João de Barros76,

inspirado nos escritos de Nicolau Maquiavel, por exemplo, foi um dos que escreveu que “aonde

se trattão bem as couzas de guerra, cumpre que aja boa ordem, [...] onde há boa ordem, não

pode deixar d’aver justiça”77.

Outro período importante a respeito da trajetória da guerra justa ficou evidente através

das instituições de ensino e pesquisa consolidadas nos impérios de Portugal e Espanha.

Destacados mestres de Teologia compuseram as Universidades de Coimbra, Évora, Salamanca

e Alcalá de Henares. Eram homens da Igreja, frades e clérigos, confessores régios, catedráticos,

entre outros, que elaboraram suas opiniões e posicionamentos, uns contrários à ideia que Deus

concordasse com a atitude dos cristãos de avançar e tomar territórios não cristãos, expropriando

e matando seus povos, enquanto outros mostravam-se favoráveis. Para alguns, tais atitudes

eram tidas como contrárias ao evangelho, ao direito divino, natural e humano e da ideia de

liberdade de que os homens foram criados à imagem e semelhança de Deus, já outros teciam

reticências e pontos que pudessem legitimar de algum modo o empreendimento da guerra.

75 Idem. 76 João de Barros foi responsável pelo senhorio da “Terra dos Potiguara”, entre 1521 e 1557, capitania donatária

concedida pelo rei D. João III, que viria ser a capitania do Rio Grande. Sobre Barros, Elenize Trindade Pereira

realizou sua pesquisa de dissertação referente à sua trajetória de vida, e, mais especificamente, da relação que se

constituiu desde à concessão da capitania hereditária até o momento de transformação dela em capitania régia..

Cf.: PEREIRA, Elenize Trindade. De capitania donatária à capitania régia: o senhorio de João de Barros na

"Terra dos Potiguara": século XVI. 2018. 159f. Dissertação (Mestrado em História) - Centro de Ciências Humanas,

Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2018. 77 BARROS, João de. Panegíricos (Panegírico de D. João III e da Infanta D. Maria). Texto restituído, prefaciado

e notas pelo prof. M. Rodrigues Lapa. Lisboa: Sá da Costa, 1943, fol. 10rv (ed. moderna, p. 16).

Page 43: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

42

Pedro Calafate destacou nas universidades de Coimbra e Évora o caráter do que

chamou de Escola Ibérica da Paz. Para os mestres que as compuseram era necessário respeitar

a legitimidade das soberanias indígenas, equiparando seu poder político ao poder político dos

príncipes cristãos e concebendo a paz como a caracterização da vida e não como o resultado do

medo da guerra78. Os autores da chamada Escola Ibérica da Paz acreditavam, portanto, que o

papa não podia conceder o direito de conquistar primeiro para evangelizar depois os povos

indígenas, pois Deus não lhes teria dado a espada temporal, muito menos o poder espiritual

sobre os povos do mundo inteiro, apenas sobre os já batizados. Frei António de São Domingos

Francisco Suárez, professor da Universidade de Coimbra entre 1573 e 1593, relata nas suas

lições sobre o direito da guerra:

todavia, e salvo melhor opinião, esta causa não parece suficientemente justa,

e prova-se porque o Senhor quer que o Evangelho seja pregado com mansidão,

e não pela força das armas, como provámos atrás. Em segundo lugar, porque

eles teriam em relação a nós um justo motivo de escândalo, porquanto não

podemos provar-lhes que Cristo pôde conceder este direito.79

No entanto, essa visão de pregação do evangelho com mansidão não foi a única

construída nas instituições, nem muito menos foi a que imperou na prática colonial do além-

mar, haja vista os excessos violentos cometidos contra os índios. Partindo de Portugal para

Espanha, a Escola de Salamanca merece destaque, valendo a pena apontar o pensamento de

alguns teóricos e estudiosos que estavam preocupados com o tema da guerra. Como se estava

em centralidade assuntos relacionados às novas experiências além-mar, a escravidão e a

liberdade foram temáticas que não passaram despercebidas por eles. Assim, elas colocaram em

cheque dissonâncias referentes à doutrina cristã medieval, principalmente no tocante à diferença

existente entre a doutrina tradicional da igualdade e liberdade originária de todos os povos e

àquela proposta pela Igreja, além da falta de um referencial empírico e concreto que pudesse

ser aplicado80.

A Escola de Salamanca durou quase todo o século XVI e primeiros anos do século

XVII, pois se iniciou com a chegada de Francisco de Vitória, em 1523, e se estendeu até a morte

de Domingo Báñez, em 1604, com a queda paulatina das produções da Escola, ao ponto de se

78CALAFATE, Pedro. A Escola Ibérica da Paz nas universidades de Coimbra e Évora (século XVI).

Teocomunicação, Porto Alegre, v. 44, n. 1, jan-abr. 2014. p. 78-96. 79SÃO DOMINGOS, António de de Bello. Biblioteca Nacional de Portugal, fol. 67vº-68, tradução de A.

Guimarães Pinto (no prelo) apud CALAFATE, Op. Cit., p. 78-96. 80Cf.: TOSI, Giuseppe. A doutrina subjetiva dos direitos naturais e a questão indígena na Escuela de Salamanca e

em Bartolomé de Las Casas. Cuadernos salmantinos de filosofía, Salamanca, v. XXX, 2003. p. 577-587.

Page 44: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

43

desintegrarem como grupo. Ao estudá-la, deve-se ter em mente dois momentos diferentes:

primeiro, a origem e sua configuração inicial; segundo, a evolução posterior com as mudanças

de elementos importantes do espírito fundacional. Esses momentos distintos foram separados

também a partir dos autores e do que eles estavam produzindo em cada época.

Desse modo, vê-se que o primeiro período é marcado de 1523, por Vitória, e foi até

1576 com Mancio, momento em que a grande maioria dos catedráticos eram dominicanos de

San Esteban, cujo espírito das produções baseavam-se de maneira plena pelo original dado por

Vitória. Já a segunda Escola de Salamanca foi desde Medina e Juan Guevara (c.1570) até Pedro

de Herrera (1604) e Juan Márquez (1600-1607), substitutos de Medina e Guevara. Nessa nova

fase, além dos dominicanos, aparecem em várias cátedras também os agostinianos e,

diferentemente da primeira, desenvolveu uma nova corrente dentro da Escola, para além da

linha vitoriana. De maneira geral, a orientação de Vitória baseava-se na utilização da Summa

de Tomás de Aquino, aliando-a aos elementos humanistas. Em contrapartida, a linha bañeciana

– em referência a Domingo Báñez81 –, seguida no segundo momento da Escola, era também

baseada no tomismo, porém com maior presença do elemento especulativo ou metafísico em

detrimento das abordagens humanistas82.

Atribui-se, portanto, a fundação da Escola de Salamanca a Francisco de Vitória,

auxiliado pelo seu braço direito Domingo de Soto e seu sucessor Melchor Cano. A respeito

dessas personalidades, sabe-se que Francisco de Vitória (1483-1546) contribuiu com as

discussões que envolviam os conceitos de jus e de dominium – noção que deriva da ideia de

justum proposta por Tomás de Aquino e significa tanto “direito” quanto “justo” – pois, para ele,

não havia dúvida quanto aos bárbaros serem destinados ao dominium em detrimento da sua

humanidade. Vitória sempre mostrou preferência pela discussão de temas morais e práticos e

foi quem iniciou a nova orientação da moral com seus comentários sobre a Secunda Secundae

de Tomás de Aquino em suas novas Relecciones, como foi o caso da Releccion De matrimonio

(1531) e suas Relecciones de Indis prior e De Indis posterior seu de iure belli (1539).

81 Teólogo espanhol, nascido em Valladolid em 1528, defensor da doutrina de Tomás de Aquino, obteve a cátedra

na Universidade de Salamanca em abril de 1577, cujos frutos de seus quatro anos de atuação nessa posição podem

ser simbolizados pelas Decissiones de iure et iustitia, comentário presente na II-II da Suma Teológica. Cf.:

CUADRADO, José Ángel García. La obra filosófica y teológica de Domingo Báñez (1528-1604). Anuario de

Historia de la Iglesia, 7, 1998, p. 209-227. 82 PLANS, Juan Belda. La Escuela de Salamanca. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2000. p. 158.

Page 45: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

44

Nesses últimos textos, ele aborda o tema da licitude moral da conquista da América,

assim como o tema da guerra justa. Ele considera os índios incapazes de se governarem,

defendendo que se deveria ter uma relação do tipo paternalista em que os índios poderiam ser

favorecidos de alguma maneira, fosse com a educação ou com a evolução do seu estágio de

barbárie – e não apenas dando benefícios ao senhor. Quanto à guerra, ele acreditava que deveria

ser feita e aceita desde que ela assumisse o caráter de guerra defensiva, assim como dizia que

durante uma guerra justa poderia fazer-se tudo que fosse necessário a fim de defender o bem

público. Contudo, ele alertava que nem sempre era suficiente a causa apresentada pelo príncipe

para se ter uma guerra justa, devendo-se examinar com muito cuidado e diligência a justiça da

guerra83.

Domingo de Soto (1494-1560), assim como Melchior Cano (1509-1560), foram

discípulos de Francisco de Vitória. O primeiro propôs a distinção entre o conceito do dominium

e do jus – para ele, o dominium era apenas uma parte que estava inserida no todo representado

pelo jus, e o primeiro corresponderia à relação entre o homem e a propriedade, a qual se dava

como uma característica intrínseca do homem e como condicionante necessária para a

liberdade84. Já Cano diferenciou-se dos demais teólogos por não reconhecer a servidão natural,

apesar de não negar a legitimidade da escravidão. Para ele, a sujeição do homem pelo homem

não se deu por meio do direito natural, mas foi introduzida pelo direito das gentes85.

Nesse contexto, a guerra passou a ser traduzida em política. A proposta de

regulamentação da ideia de uma “guerra defensiva” ganhou êxito e foi por meio dela que os

capitães-mores puderam, portanto, incitar livremente uma guerra, sem muitas vezes analisarem

cuidadosamente as causas que a categorizariam como justa, como proposto por Vitória. Nota-

se, portanto, que, a partir do momento em que se valem da ideia de que o evangelho de Cristo

não pôde ser anunciado em todos os lugares, pois o empecilho era o outro, esse poderia ser

ultrapassado legitimamente enquanto um obstáculo a ser combatido na guerra. A “Guerra

Justa”, portanto, foi um exemplo de discurso jurídico proposto pela Coroa portuguesa que

legitimou o alcance de determinados grupos indígenas que se mostraram contrários à sua

dominação e, consequentemente, possibilitou a tomada de seus respectivos territórios.

83 VITÓRIA, Francisco de. Relecciones sobre los índios y el derecho de guerra. Madrid: ESPASA-CAPLE, S.

A., 3 ed., 1946. p. 108. 84 Cf.: TOSI, Op. Cit., p. 577-587. 85 Cf.: ZERON, Op. Cit.

Page 46: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

45

Nos meandros das discussões a respeito da violência e da religião, destaca-se a

existência de diversas nuances nas diferentes possessões ultramarinas, pois em cada novo

território conquistado havia a manifestação de suas especificidades locais, como estruturas

sociais, culturais e, em alguns casos, políticas já estabelecidas, tendo em vista a variedade de

sociedades indígenas presentes. Nesse sentido, a inventividade fazia-se necessária no meio

jurídico português ao se defrontar com as novidades advindas do expansionismo e o uso da

violência era então ponderado já que poderia ser uma alternativa viável de concretização das

conquistas.

No jogo da colonização, e em se tratando da América Portuguesa, a plasticidade e

inventividade dos colonos estendeu-se à legislação indigenista haja vista que os ditos “índios

amigos” receberiam tratamento diferenciado dos índios ditos como “gentio bravo”. Desse

modo, houve leis específicas que atendiam a cada grupo e às suas respectivas demandas86. Com

isso, cabia às autoridades presentes nas conquistas portuguesas uma espécie de adaptação das

leis estabelecidas nos moldes da metrópole. Diferentes dispositivos legais, como a Lei de 20 de

março de 1570; a Lei de 24 de fevereiro de 1587; as Leis de 02 de novembro de 1595 e de 27

de junho de 1596; as Leis de 30 de julho de 1609 e de 10 de setembro de 1611, versavam sobre

a liberdade dos índios e uma possível necessidade de tutela. Essas leis vieram a determinar

ainda a possibilidade de escravidão dos povos indígenas, garantida por meio da conquista na

guerra justa, continuando a condenar a antropofagia e reiterando seu resgate87. Sobre os

Tupinambá e sua relação com a antropofagia, por exemplo, essa foi veemente condenada pela

Coroa, Carneiro da Cunha e Viveiros de Castro pontuam o sentimento de vingança existente na

cerimônia da morte de um guerreiro capturado, declarando que matar e comer a carne humana

dos seus contrários era um processo único88. Segundo o relato do Frei Vicente de Salvador, o

ritual da antropofagia ocorria da seguinte maneira:

86 Essa distinção entre índios aliados e índios inimigos presente na legislação indigenista é apontada por Beatriz

Perrone-Moisés. Cf.: Cf: PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: Os princípios da legislação

indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos índios

no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. 87 Os regates seriam uma forma de aprisionamento dos índios capturados na guerra justa, que legitimava a

utilização desses como mão de obra pelos colonos ou moradores locais. Na década de 20 do século XVIII, na

Amazônia, por exemplo, “a violência passa a ser uma condição quase que necessária para se obrigar os indígenas

a se estabelecerem junto às comunidades ou roças dos moradores. Percebe-se que essa atividade se revestiu quase

que em uma forma velada de se realizar resgates, utilizando-se dessa mão-de-obra como se ela fosse escrava, com

a diferença de que esses índios não seriam passados aos descendentes dos moradores”. Cf. PERRONE-MOISÉS,

Op. Cit., p. 127. 88 Cf.: CUNHA, Manuela Carneiro da; CASTRO, Eduardo Viveiros de. Vingança e temporalidade: os

Tupinambá. Journal de la Société des Américanistes, v. 71. 1985. p. 129-208.

Page 47: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

46

Em morrendo este preso, logo as velhas o despedaçam e lhe tiram as tripas e

forçura, que mal lavadas cozem para comer, e reparte-se a carne por todas as

casas e pelos hóspedes que vieram a esta matança, e dela comem logo assada

e cozida e guardam alguma, muita assada e mirrada, a que chama moquém,

metida em novelos de fio de algodão e posta nos caniços ao fumo, pera depois

renovarem seu ódio e fazerem outras festas, e do caldo fazem grandes

alguidares de migase papas de farinha de carimã, para suprir na falta de carne,

e poder chegar a todos89.

Já o jesuíta Serafim Leite, ao discorrer sobre a antropofagia em Páginas de História

do Brasil, tratou-a como um mal combatido logo nas “primeiras conquistas morais dos

Jesuítas”, atribuindo parte do êxito também a Tomé de Sousa e Mem de Sá:

O combate ao vício de comer carne humana principiou muito antes da

catequese propriamente dita. Os padres chegaram a arrancar, em pleno

terreiro, das mãos das velhas, dispostas já a cozinha-lo para um banquete, o

corpo morto de um índio. Tal audácia ia-lhes custando a vida. Com a ajuda de

Tomé de Sousa saíram felizmente indemnes. E, com o método e com a

cooperação de Mem de Sá, que impôs sanções legais contra esse terrível

costume, a antropofagia desapareceu em breve entre os índios, que se punham

em contato com os Portugueses.90

No entanto, mesmo que as leis ao serem estabelecidas, fossem direcionadas à colônia

de acordo com suas especificidades e demandas locais, gerava-se ainda mais questionamentos

por parte dos colonos ao compararem-nas entre as diferentes áreas do Estado do Brasil. D. João

de Lencastro, Governador-geral do Brasil com patente passada em 22 de fevereiro de 1694,

respondendo ao Capitão das Entradas Bernardo Cardoso de Macedo, em 1704, sobre a

permissão de se aprisionar o gentio do corso91 nas entradas feitas nos sertões do São Francisco,

disse não ser de acordo com o apresamento pois as leis garantiam a liberdade do gentio e as

presas feitas nas guerras do Rio Grande eram um caso particular. Pela análise do documento,

tudo indica que o Capitão de Entradas, em carta anterior, tivesse dado o exemplo dos índios

feitos cativos no Rio Grande, pois a argumentação de Lencastro, na resposta, baseia-se no fato

de que esses cativeiros foram determinados pelo rei especificamente naquela capitania “a fim

de obrigar os paulistas a virem fazer a dita guerra àquele gentio bárbaro, e [esse precedente]

89 SALVADOR, Frei Vicente de. História do Brasil 1500-1627. Belo Horizonte: Itatiaia/EDUSP, 1982, p. 87. 90 LEITE, Serafim. Páginas de História do Brasil. São Paulo: Companhia editora nacional, 1937. p. 17. 91 Nas Memórias do Maranhão e Grão-Pará da Coleção Manuel Barata, define-se a existência de três condições de

índios, sendo elas: índio de corso; índios “que contratão com os Portugueses”; e os índios “amigos mais antigos

dos Portugueses”. Quanto à categoria do gentio do corso, utilizada recorrentemente nos documentos coloniais,

segundo a fonte que descreve os três tipos de índios, esse seria aquele que amanhece em uma parte e anoitece em

outra pelo mato, “como bichos, sem domessilio, ou obediencia alguma, bem semelhantes a maldição de Caim

[...]”. In: MORAES, José de. Memórias do Maranhão e Grão-Pará. Coleção Manuel Barata. Instituto Histórico

e Geográfico Brasileiro, 1708, Lata 278, livro 3, s.d, p. 105v.

Page 48: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

47

não dá faculdade para que se cative, o mais que nos fizer guerra, em outra qualquer parte deste

Estado92”.

Em 1702, D. João de Lencastro emitiu uma carta comentando as proposições que

haviam sido feitas pelos reis sobre a condução das missões. A essa altura, o poder temporal já

estava sob o domínio dos capitães-mores, restando apenas o poder espiritual para os

missionários, pois o rei assim ordenara em 1698. Sobre essa alteração da lei no sentido de

outorgar o domínio do poder temporal para as mãos dos capitães-mores, Lígio Maia acredita

que fora “motivada pela urgência dos conflitos com o intuito de evitar que os missionários

detivessem tempo considerável para dar o aval para a guerra justa, pelo menos na maior parte

dos casos julgados necessários”93. O autor pontua, ainda, a sobreposição de interesse que houve

dos sesmeiros em detrimento dos religiosos, já que os primeiros foram motivados pela tomada

das terras após se livrarem dos índios incitados por meio de ataques indiscriminados. Além

disso, apesar dos missionários representarem um obstáculo a esses tipos de embates nas

missões, nem sempre impediam as invasões que se faziam nelas.

Na dita carta, ao discorrer sobre as premissas relativas às missões, Lencastro comenta

a respeito da relação de punição que estava em voga bem como do medo existente tanto por

parte dos índios como por parte dos missionários por conta da execução da justiça. No terceiro

ponto, ele relata que os missionários não castigavam os índios, pelo fato de serem poucos e com

isso temerem que os índios os matassem, mas, em contrapartida, os índios também temiam os

missionários, principalmente por saberem “que os cabos da milícia, circunvizinhos, tinham

ordem dos governadores para os prender e os remeter à justiça, se desobedecessem aos

religiosos”94 (grifo meu), ficando claro, assim, tanto o temor por parte dos missionários como

por parte dos índios, tendo em vista a execução da justiça.

A justiça, portanto, em determinados momentos, foi considerada algo superior, criada

por Deus, e o maior objetivo de sua execução seria o de lograr a paz social. Nesse caso, as

questões jurídicas e as questões morais se mesclavam, acompanhadas de conceitos como “bem

comum” ou “utilidade pública”; “tutela” ou “domínio”, que soavam um tanto quanto

92 DHBN 40 p. 243, 25/11/1704. 93 MAIA, Lígio de Oliveira. Aldeias e missões nas capitanias do Ceará e Rio Grande: catequese, violência e

rivalidades. Revista Tempo, vol. 19 n. 35, Jul–Dez/2013. p. 14. 94 CÓPIA do papel, com que Dom Joam de Lancastro responde aos 16 pontos, que contem a carta, que Sua

Magestade que Deus guarde lhe escreveu este anno sobre as Missoens. In: RAU, Virgínea (Org.). Os manuscritos

do Arquivo da Casa de Cadaval respeitantes ao Brasil. v. II, Acta Universitatis Conimbrigensis. Coimbra:

University of Coimbra, 1958, p. 48-53.

Page 49: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

48

polissêmicos, apesar do período aqui estudado se tratar de uma época de constante modificação

tanto no direito natural, quanto no direito positivo. Dessa maneira, o direito poderia ser

entendido como aquilo que é justo ou que não é pecado e não era baseado numa conduta prévia,

mas já decorrida. Por isso, a execução da guerra justa assumia uma posição conflitante tendo

em vista que, para alguns, era ela necessária para a manutenção do Estado enquanto para outros

era um meio que ia na contramão dos ideais religiosos. Mas, em grande medida, as regras

jurídicas se sobressaem e se diferem justamente pelo poder coercitivo com a qual as instituições

hierarquicamente superiores as determinam.

O que se sabe e se percebe até aqui em relação à justiça e à utilização do discurso

jurídico da guerra justa é que a construção de sua legitimidade foi apoiada por meio da

utilização dos “justos títulos”, principalmente no século XVI, sendo eles considerados como

“ganchos onde se penduram as teorias”95, ou seja, os justos títulos seriam as justificativas

encontradas na realidade social e utilizadas pelos colonos, através das quais podiam conectar

com os discursos teóricos já produzidos. Carlos Zeron os vê como uma espécie de “lugares de

passagem” pelo fato de confluir o discurso do passado, que legitimaria a escravidão, e a posse

junto com o discurso da realidade presente. Isso poderia, por exemplo, unir a teoria do

dominium às possibilidades atuais de sua execução. Portanto, os justos títulos, nesses casos,

eram as motivações ou argumentos específicos que legitimavam o cativeiro e, mais ainda, a

efetivação da posse sob o outro. Dentre eles, pode-se citar a miséria extrema, condenação à

morte, nascimento de ventre escravo e, finalmente, a própria guerra justa.

Não se restringindo apenas ao século XVI, ficou evidente o uso do recurso dos “justos

títulos” numa das cartas analisadas emitida pelo rei, em 12 de dezembro de 1695, e destinada

ao governador de Pernambuco. O teor da carta tratava das guerras envolvendo as Capitanias de

Pernambuco, do Ceará e do Rio Grande. Nela, o rei determinou que os Paulistas libertassem os

índios aprisionados, pois eles foram cativados “sem justo título no Rio Grande e neste caso se

devem aldear e situar em lugar onde não só estejam seguros de se restituírem para os sertões

mas onde mais facilmente possam receber o pasto espiritual dos missionários96”. O rei

continuou discorrendo que se devia examinar a matéria da guerra para se constatar se realmente

foi justa e, a partir disso, ele tomaria a resolução conveniente, mas, enquanto isso, que se

95 ZERON, Op. Cit., p. 309. 96 CARTA do rei ao governador de Pernambuco sobre a conta que deu através da junta das missões da guerra que

se fez no Ceará, venda e cativeiro de índios. AHU, Cód. 256, fl. 209v/210.

Page 50: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

49

restituísse a liberdade dos índios, podendo ser suspendida desde que se tratasse de uma guerra

justa.

Até o presente momento, através de discussões bibliográficas recentes e pertinentes,

tentou-se trazer os principais debates que circundaram o tema da guerra justa. Desse modo,

pôde-se entender, de maneira geral, do que se tratou esse aparato jurídico e como o tema foi

abordado no meio dos estudiosos, religiosos e instituições acadêmicas, e depois recebido e

inserido na sociedade colonial como ferramenta de desenraizamento dos povos de seus locais

de origem. Destarte, uma das maneiras que efetivamente contribuiu no processo de

desterritorialização – ideia que será melhor evidenciada e discutida nos capítulos seguintes –

de diversos grupos indígenas foi a execução da Guerra Justa pelo fato de o empreendimento

dessas guerras, além de conquistar os povos, ter permitido alcançar as terras deles e iniciar um

novo processo de territorialização que visasse atender às necessidades imperiais e

expansionistas da Coroa. A Guerra dos Bárbaros apresenta-se como um exemplo clássico dessa

empreitada, a qual será tratada posteriormente mais a fundo de modo que possibilite relacionar

a série de eventos desse embate com o discurso jurídico e legitimador da guerra justa.

2.2 – Valladolid: ponto de encontro e desencontro entre Bartolomeu de Las Casas e Juan-

Ginés Sepúlveda sobre a guerra justa

Seguindo a discussão na linha de raciocínio anterior, a qual se dedicou a traçar um

histórico da guerra justa, reservou-se este espaço para se aprofundar em um episódio

considerado importante na construção do debate acerca dessa temática. Neste momento,

portanto, será privilegiada a análise do evento que ficou conhecido como o debate de

Valladolid, ocorrido em duas sessões, a primeira em 1550 e a segunda em 1551. Nele, dois

personagens principais, Dom Frei Bartolomeu de Las Casas (1474-1566), bispo de Chiapas, nas

Índias, e Juan-Ginés de Sepúlveda (1490-1573), cronista do rei, protagonizaram um embate

intelectual que enriqueceu o andamento das discussões a respeito dos índios, da guerra justa e

das ideias de Aristóteles sobre esse assunto.

Contudo, antes de partir para o entendimento das linhas de raciocínio defendidas por

Las Casas e Sepúlveda, cabe aqui a elucidação de um breve perfil biográfico deles, a fim de

apresentar a trajetória de cada um, de modo a compreender os principais momentos de suas

vidas que precederam o encontro em Valladolid e corroboraram para os levarem a essa ocasião.

Page 51: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

50

Sobre Las Casas, sabe-se que nasceu na cidade de Sevilha, Espanha, no ano de 1474. Seu

primeiro contato com nativos da América foi por intermédio de seu pai, Almirante que

retornava pela segunda vez das “Índias” e levava consigo um jovem índio, de idade aproximada

a de Las Casas, a ser escravizado. Sugere-se que a simpatia dele pelos índios da América surgiu

e se intensificou cada vez mais desde esse primeiro encontro. Quando jovem, decidiu tornar-se

clérigo, e juntamente com seu pai, em 1502, partiu numa embarcação com mais de dois mil

colonos rumo à América. Quando em 1503, começa-se a oficializar a instituição das

encomiendas97, e a essa altura Las Casas passa a ser doctrinero e encomendero, em Concepción

de la Vega. Poucos anos depois, ele é ordenado padre e continua agindo também como

colonizador. No entanto, com a chegada dos dominicanos, por volta de 1510, e especificamente

através das pregações do Frei Antônio de Montesinos, Las Casas começa a se questionar a

respeito do direito e da justiça concedida para o trabalho servil dos índios, tornando-se mais

tarde um missionário dominicano e defensor dos índios, levando-o a criticar veemente as

encomendas e a desqualificação que se fazia dos índios, apesar de segundo ele ter os tratado

bem enquanto era colonizador98.

Já Juan-Ginés de Sepúlveda nasceu em 1490, no município de Pozoblanco na Espanha,

e pela sua familiaridade com o grego e o latim entrou na Universidade Alcalá em 1510, onde

obteve a formação em Filosofia. Quando em 1513, passou entre os trinta alunos bolsistas para

o Colegio de San Antonio de Siguenza, estudando teologia, filosofia e direito canônico. Apenas

em 1515, quando já era clérigo, Sepúlveda entrou no Colégio de São Clemente de Bolonha,

onde consegue o grau de doutor em Filosofia e Teologia. A partir desse momento, ele começou

a realizar importantes traduções das obras de Aristóteles, como “Meteorologia” e “De Ortu et

Interitu”. Seguindo sua carreira eclesiástica, começou a escrever e publicar suas próprias obras,

quando por volta de 1530 foi nomeado como cônego da Catedral de Córdoba. Passados cinco

anos, publicou em Roma o Democrates Primus, no qual defende a licitude da Guerra Justa e a

compatibilidade da milícia com a religião cristã99.

97 As encomiendas se caracterizam pela repartição de terras destinadas à utilização dos índios como mão de obra

no trabalho servil. Cf.: JOSAPHAT, Frei Carlos. Las Casas: todos os direitos para todos. São Paulo: Edições

Loyola, 2000, p. 45. 98 JOSAPHAT, Frei Carlos. Las Casas: todos os direitos para todos. São Paulo: Edições Loyola, 2000, p. 41-62. 99 RODRIGUES, Juan Pablo Martín. Juan Ginés de Sepúlveda: gênese do pensamento imperial. 2010. Tese

(Doutorado em Letras) – Universidade Federal de Pernambuco, Programa de pós-graduação em Letras, Recife,

2010, p. 20-26.

Page 52: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

51

Sabe-se que ambas as trajetórias não se limitam aos eventos elencados acima, porém,

decidiu-se pontuar os principais momentos de suas vidas que conformaram o caráter que os

levariam a defender posições divergentes em Valladolid, no ano de 1550. No caso de Las Casas

– lado esquerdo da Imagem 1 a seguir –, por exemplo, houve uma transformação de conduta

com relação ao tratamento destinado aos índios, mesmo que sua experiência tenha sido

construída desde a infância de modo a torná-lo um colonizador, por mais que se inclinasse à

prática do sacerdócio. Em se tratando de Sepúlveda – lado direito da Imagem 1 –, sua erudição

e tendência ao domínio de línguas estrangeiras, como o grego e o latim, permitiram não somente

iniciar sua carreira, como dar continuidade a ela através das traduções de Aristóteles,

possibilitando-o desenvolver argumentos jurídicos e teológicos que validassem sua posição

favorável à guerra justa.

Imagem 1 – Ilustrações dos retratos de Bartolomeu de Las Casas e Juan-Ginés de Sepúlveda

Fonte: Retratos produzidos por artista anônimo, no século XVI100.

100 Disponível em: <https://i1.wp.com/biocultura.prorural.org.bo/wpcontent/uploads/2016/03/

VALLADOLID13.jpg>. Acesso em 16 mai. 2020.

Page 53: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

52

A controvérsia dos dois residia, principalmente, no tocante à licitude da guerra, da qual

Bartolomeu de Las Casas posicionava-se de maneira contrária, enquanto Juan-Ginés de

Sepúlveda a exaltava e a legitimava. Fincados em lados opostos, o primeiro deteve-se a ler e

escrever a história dos vencidos e, por isso, tomou partido em defesa dos direitos dos índios, já

o segundo dedicou-se à escrita da história dos poderosos, das guerras e façanhas do reino. Desse

modo, Valladolid, então capital política da Espanha, serviu de palco para o enfrentamento

dessas duas personalidades antagônicas101.

Bartolomeu de Las Casas foi uma das exceções no meio da grande maioria dos

teólogos espanhóis, pois afirmava que quem deveria ser considerado como bárbaros e selvagens

eram, na verdade, os espanhóis por se comportarem pior que animais. Na visão de Las Casas,

acreditava-se que os índios podiam ser conduzidos com amor e suavidade à religião, abrindo

mão da violência, porém sem deixar de lado o caráter universal atribuído ao catolicismo, que

deveria ser o fator de propulsão do projeto evangelizador.

Porém, na contramão dessas ideias, alguns autores passaram a utilizar como referência

a doutrina da escravidão natural proposta por Aristóteles para justificar um fato que se estava

consumando. A fim de justificar a guerra justa contra os povos da América, Juan-Ginés de

Sepúlveda se tornou o maior defensor e um dos mais importantes tradutores de Aristóteles,

portanto, o ponto de partida para elencar os argumentos necessários foi fazer a associação direta

entre os escravos naturais, que Aristóteles comentara, e os índios da América. Ideia que,

inclusive, foi contrariada pelos mestres de Salamanca, pois estes não apenas não concordaram

com essa visão como também propuseram o ponto de vista pelo viés tanto teológico quanto

jurídico, embasado na discussão sobre jus e dominium apresentada anteriormente.

Para entender como ocorreu o debate, precisa-se ter conhecimento de pelo menos dois

pontos principais: primeiro, a estrutura preparada em torno desse evento; e, segundo, talvez

mais importante, os argumentos elencados por eles através de seus Tratados. Portanto, partindo

para a primeira questão, tem-se que a partir de 1542, emergiam com mais força as inquietações

a respeito da apropriação de terras e a submissão dos povos, ações consequentes da conquista.

Justamente meio século após a expedição de Cristóvão Colombo, as dúvidas pululavam quanto

101JOSAPHAT, Frei Carlos. Controvérsia entre Las Casas e Sepúlveda. In: CASAS, Bartolomeu de Las.

Liberdade e Justiça para os povos da América: oito tratados impressos em Sevilha em 1552: obras completas

II. São Paulo: Paulus, 2010. p. 113-117.

Page 54: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

53

ao direito absoluto e exclusivo que se exercia sobre as novas terras encontradas e seus

respectivos povos.

De maneira geral, Carlos V, vendo-se sem respostas diante dos conflitos, sugeriu uma

reunião que visasse minimizar as dúvidas: a Junta de Valladolid. A discussão ocorreu num

Colégio dominicano e foi presidida pelo teólogo Frei Domingo de Soto – na época, eminente

professor da Universidade de Salamanca e assessor do Concílio de Trento – acompanhado de

um júri formado por uma dúzia de juízes, teólogos, juristas e políticos102. O debate iniciou-se

com o prólogo de Domingo de Soto, o qual deixou claro a sua não interferência nas arguições

dos oponentes, apesar de ter várias ressalvas que, segundo ele, seriam dadas somente no

momento apropriado em que fossem solicitadas, reafirmando seu papel de reproduzir fielmente

os pareceres e razões de cada um. Além disso, Soto situou os demais presentes quanto ao teor

do assunto que seria tratado na ocasião, dizendo que se pautava no questionamento de:

Se era lícito Sua Majestade fazer guerra àqueles índios antes de pregar-lhes a

fé, para sujeitá-los a seu Império e, depois de sujeitos, possam, mais fácil e

confortavelmente, ser ensinados e iluminados pela doutrina evangélica, e

assim conhecer seus erros e a verdade cristã. O doutor Sepúlveda sustenta a

parte afirmativa, asseverando que tal guerra não somente é lícita, mas

conveniente. O senhor bispo defende a negativa, dizendo que não só não é

conveniente, mas ainda não é lícita, senão iníqua e contrária a nossa

religião103.

Logo, Juan-Ginés Sepúlveda elencou suas doze objeções, assim como Bartolomeu de

Las Casas fez suas doze réplicas. No entanto, sobre os pontos apresentados por eles, o próprio

Domingo de Soto salientou que não se podia ser tão injusto com o primeiro pelo fato de ele não

ter lido o livro de Las Casas, enquanto esse teria lido extensivamente o de Sepúlveda, bem como

o fato de que, por Las Casas não ter ouvido a apresentação do adversário, suas réplicas não

foram feitas na ordem das objeções.

Não obstante, a primeira objeção de Sepúlveda dizia respeito à idolatria como justa

causa da guerra, da qual ele acreditava ser um motivo plausível à luz da bíblia para sujeitar os

índios e retirar os impedimentos para que se pregasse o evangelho a eles. Na segunda, o doutor

referenciou teólogos anteriores, como Santo Agostinho, para afirmar que existia um duplo

sentido na passagem bíblica do livro de Lucas, que tratava do uso da força para se levar ao lado

do bem, podendo ser essa não só espiritual, mas física. Na objeção seguinte, ele propôs oposição

102 JOSAPHAT, Op. Cit., p. 24-30. 103 CASAS, Bartolomeu de Las. Liberdade e Justiça para os povos da América: oito tratados impressos em

Sevilha em 1552: obras completas II. São Paulo: Paulus, 2010, p. 122-123.

Page 55: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

54

ao que Las Casas dissera sobre a compulsão corporal ser destinada apenas aos hereges que já

tinham recebido a fé e não contra os pagãos. Já na quarta, o cronista dissertou a respeito da

possibilidade dada aos pontífices de exortar os reis às guerras justas, ofício esse que seria

atribuído aos prelados, especialmente ao Papa.

Na quinta objeção, tratou de justificar a questão dos julgamentos contra os que não

faziam parte do evangelho, acreditando que não se deveria fazê-los, porém, “procurar que se

convertam e pregar-lhes o Evangelho e procurar com todas suas forças todas as coisas que

servem para este fim”104, ideia que se assemelha a de Aristóteles, na qual o fim é o principal,

não importando tanto os meios. É na sexta objeção que Sepúlveda chama a atenção para a

relação de dominação das terras, na qual atribui a Deus “o direito de apascentar, reger e

governar suas ovelhas em toda terra”105, desse modo, abrindo precedente para seus apóstolos

irem por todo o mundo pregar o seu evangelho à toda criatura, inclusive aos infiéis, que são

considerados as ovelhas que não tem aprisco na passagem bíblica de João 10.

As quatro objeções seguintes são as menores dentre as demais e parecem repetir

algumas das ideias anteriores, como na sétima objeção em que se reitera a idolatria como um

símbolo de infidelidade e blasfêmia, portanto, causa de guerra justa; na nona e na décima, sua

argumentação gira novamente em torno da ideia de Aristóteles, expressa acima, que acredita

que “a guerra e os soldados não são para converter nem para pregar, senão para sujeitar os

bárbaros e aplainar e assegurar o caminho da pregação”106, assim como fazer os infiéis ouvirem

à força a comissão de Cristo. Na oitava objeção, ele se dirigiu a definir quem eram os bárbaros,

pois na visão de Las Casas os índios não deveriam encaixar-se nessa categoria, contudo, para

Sepúlveda, os bárbaros eram todos “aqueles que não vivem conforme a razão natural e têm

maus costumes publicamente aprovados entre eles”107, portanto, os índios não apenas seriam

bárbaros, como por essa causa também estariam destinados a obedecer aos prudentes.

A décima primeira e penúltima objeção era sobre o número de inocentes que eram

mortos em uma guerra, mesmo que justa. Sepúlveda, totalmente contrário a Las Casas,

acreditava que nem se comparava o número de inocentes mortos em uma guerra com o número

de mortos em sacrifícios feitos pelos infiéis a cada ano, portanto, “maior mal é que se perca

uma alma que morre sem batismo, do que matar inúmeros homens, mesmo que sejam

104 Idem, p. 152. 105 Idem, p. 153. 106 Idem, p. 157. 107 Idem, p. 156.

Page 56: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

55

inocentes”108, seguindo mais uma vez a linha de pensamento de Santo Agostinho. A sua última

objeção às proposições de Las Casas encerrava sua série de argumentação com a afirmação de

que a intenção do Papa Alexandre, em sua bula, era de que se sujeitassem os bárbaros primeiro

aos reis de Castela para, então, ser-lhes pregado o Evangelho.

Fazendo um apanhado geral das objeções feitas por Sepúlveda a Las Casas, percebe-

se que as determinações de Sepúlveda, para além de reafirmar sua expressa posição favorável

à guerra contra os índios, centraram-se em consonância, principalmente, com ideias de teóricos

importantes como Agostinho, Tomás de Aquino e Aristóteles, que serviram de aporte para suas

argumentações. Além disso, percebe-se as repetidas vezes em que afirma determinados

pensamentos a fim de cumprir seu objetivo discurso de convencimento da necessidade da

guerra, como o fim importando mais do que os meios; a idolatria como uma causa de guerra

justa; e a categorização dos índios como bárbaros. As condições para se ter uma guerra justa,

segundo Sepúlveda, também eram similares às de Santo Agostinho, sendo elas: primeira, justa

causa para ser empreendida; segunda, por uma legítima autoridade; terceira, reta intenção de

quem a fez; quarta, reta maneira de fazê-la. Essas causas residiam também em quatro aspectos:

repelir a força com a força; recobrar as coisas injustamente tiradas; impor punição merecida aos

malfeitores não punidos em suas cidades; subjugar pelas armas, quando não houver outro modo,

aqueles que por condição natural deviam obedecer, mas não o faziam109.

Já Las Casas, em suas doze réplicas, teve o objetivo de contrapor todos os argumentos

elencados acima por Sepúlveda, cuja conclusão pautou-se na anunciação do Evangelho, porém,

aos moldes e no ritmo de Deus, grande tema de análise dele. Motivando-o, inclusive, a escrever

o grande Tratado intitulado A única maneira de atrair todos os povos à verdadeira religião,

datado de 1537110, no qual consubstanciava os argumentos propostos por ele em Valladolid. Ele

acreditava, portanto, que de maneira pacífica é que se deveria pregar o evangelho e não por

meio da guerra; “e, se por ela não se converterem os fiéis das Índias neste ano, Deus que por

eles morreu, há de convertê-los, no outro ano, e, se não, daqui a dez anos”111.

108 Idem, p. 158. 109 GUTIÉRREZ, Jorge Luis. A controvérsia de Valladolid (1550): Aristóteles, os índios e a guerra justa. Revista

USP, São Paulo, nº 101, mar-mai, 2014. p. 223-235 110 Cf.: TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1939. 111 CASAS, Bartolomeu de Las. Liberdade e Justiça para os povos da América: oito tratados impressos em

Sevilha em 1552: obras completas II. São Paulo: Paulus, 2010, p. 211.

Page 57: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

56

Seu contra-argumento baseou-se em elencar pontos que, para ele, Sepúlveda teria

apresentado de maneira equivocada, como no que se referia à noção de direito, por exemplo.

Las Casas, primeiramente, acreditava que não era correta a associação que se fazia entre o

direito e as armas; em segundo plano, entendia que Sepúlveda se enganava sobre o direito

também quanto à obrigatoriedade dos reis de Castela e Leão investir seus recursos na

conservação do bom governo dos reinos e das gentes, assim como da pregação do Evangelho,

nas Índias, pois na visão de Las Casas era necessário direcionar todas as rendas possíveis, e não

apenas parte dela, para a finalidade da evangelização; já o terceiro e último ponto contrário à

concepção de direito de Sepúlveda tratava-se da ideia que ele fez de subverter a ordem,

colocando o meio como o fim e o acessório como o principal, ideia similar à de Aristóteles.

Imagem 2 – Argumento pela causa das proposições sugeridas pelo Bispo Dom Frei Bartolomeu de Las

Casas

Fonte: Trinta proposições jurídicas elencadas por Bartolomeu de Las Casas, em 1552. Disponível em:

<http://www.cervantesvirtual.com/obra-visor/aqui-se-contienen-treynta-propositiones-muy-juridicas-en-

las-quales-sumaria-y-succintamiente-se-to-0/html/d00386f1-4096-4caf-b430-346858a27bf9_4.htm>.

Acesso em 07 jan. 2019.

Page 58: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

57

Na imagem acima, está contido o argumento pelo qual Bartolomeu de Las Casas

elaborou trinta outras proposições jurídicas a respeito do direito que a Igreja e os príncipes

cristãos teriam sobre os infiéis de qualquer espécie que fossem. Nele se justifica a origem de

suas proposições a partir de sua experiência dos anos nas Índias e do conhecimento das

necessidades espirituais dos espanhóis. Outro fruto importante de suas análises e estudos, assim

como de sua experiência pessoal, foi a Brevissima Relación de la Destruición de las Indias

Ocidentales, lançado em 1552, o qual se tornou um dos livros mais vendidos na Holanda,

Inglaterra e Alemanha112. Ao tratar das conquistas espanholas nas possessões das Índias, Las

Casas ressaltou todos os desmandos e violências contra os índios de cada região. De maneira

geral, o bispo caracterizou os povos dessas terras como “cordeiros tão dóceis, tão qualificados

e dotados pelo seu criador”113, enquanto os espanhóis equiparavam-se a lobos “há muito tempo

esfaimados, de quarenta anos para cá, e ainda hoje em dia, outra cousa não fazem ali senão

despedaçar, matar, afligir, atormentar e destruir esse povo por estranhas crueldades”114,

totalizando em suas contas quinze milhões de mortes através de guerras injustas.

Pode-se dizer que o resultado final do Debate de Valladolid tende a caracterizar a

vitória de Las Casas sob Sepúlveda, pelo fato de impedir a publicação das obras do adversário

na Espanha115. Como se poderá observar no próximo tópico, alguns elementos incorporados na

arguição dos debatedores de Valladolid continuaram a ser reproduzidos na legislação

indigenista respeitante ao Brasil, fossem com o propósito de reafirmar ou negar a licitude da

guerra. Diante dos recorrentes recuos e avanços na legislação indigenista quanto à liberdade

dos índios, é possível perceber a evocação de temáticas já discutidas nesse evento, tais como: a

manutenção do estigma do bárbaro que necessitava de domínio; os ideais de Aristóteles,

principalmente, no tocante à servidão natural; além de, em alguns momentos, a proposição da

ideia de conversão à fé católica anteposta à escravização. A seguir, por meio da análise de um

conjunto de leis condizentes ao Brasil, esses temas, que norteiam a noção da guerra justa e da

liberdade dos povos indígenas, serão aprofundados e melhor discutidos.

112 BUENO, Eduardo. Genocídio de ontem e hoje. In: CASAS, Frei Bartolomé de Las. Brevíssima relação da

destruição das Índias. Porto Alegre: L&PM Editores Ltda., 1984. p. 13. 113 CASAS, Frei Bartolomé de Las. Brevíssima relação da destruição das Índias. Porto Alegre: L&PM

Editores Ltda., 1984. p. 28. 114 Idem. 115 JOSAPHAT, Op. Cit., p. 117.

Page 59: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

58

2.3 – A guerra justa na legislação indigenista

A preexistência de hostilidades por parte dos índios inimigos fora o argumento central

e motivador que perpassou diversos documentos legais da América portuguesa como forma de

assegurar a execução das guerras justas. Como se sabe, houve certa plasticidade no que se tratou

do momento de instalação dos colonizadores nos novos espaços conquistados e isso não foi

diferente ao se tratar da elaboração e da manutenção da legislação indigenista, pois foi evidente

a manifestação dessa inventividade também nesse âmbito haja vista que as distinções nos

posicionamentos dos índios implicavam diretamente nas leis e no tipo de tratamento

direcionados a eles: se aliados e amigos da Coroa Portuguesa, teriam direitos e mercês

específicas; se rebeldes e inimigos, incidiriam sobre eles punições exemplares116. Contudo, as

leis exprimem-se como elementos volitivos que configuram o Direito117, ou seja, são as leis,

mesmo que oscilantes, que conformam de maneira decisiva o que se concebeu como o Direito

português.

A respeito das diferenciações entre os índios, para além de serem índios amigos ou

inimigos, sabe-se que houve outras categorizações que os distinguiram dentro da sociedade

colonial. Nas Memórias do Maranhão e Grão-Pará, da Coleção Manuel Barata118, por exemplo,

além de definir o índio de corso; apresenta-se duas categorias possíveis aos índios que dizem

respeito à relação desenvolvida com os portugueses, sendo uma a dos índios “que contratão

com os Portugueses”; e outra dos índios “amigos mais antigos dos Portugueses”. Cada uma

dessas especificações é detalhada com informações dos hábitos e costumes dos índios que

pudessem justificar tal tipificação, além de exemplificada à luz de passagens bíblicas que

serviam para endossar a argumentação. Esse recurso discursivo aproxima-se daquele

apresentado anteriormente sobre o uso dos “justos títulos”, uma vez que se utiliza de teorias já

estabelecidas (versículos da Bíblia) conectadas à realidade atual a qual se estava imerso e que

se queria tratar no momento (distinção dos índios).

Nesse documento, iniciam-se as categorizações pelos chamados índios de corso; esses

foram frequentemente associados aos índios não só inimigos, mas considerados selvagens na

116 Cf.: PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do

período colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos índios no Brasil.

São Paulo: Companhia das Letras/FAPESP, 1992. p. 115-131. 117 Cf.: SILVA, Nuno J. Espinosa Gomes da. História do direito português: fontes de direito. Lisboa: Fundação

Calouste Gulbenkian, 2006. p. 23. 118 MORAES, José de. Memórias do Maranhão e Grão-Pará. Coleção Manuel Barata. Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro, 1708, Lata 278, livro 3, s.d, p. 105-109.

Page 60: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

59

sociedade colonial. Quanto a essa categoria, segundo a fonte revela, seria destinada àquele que

amanhece em uma parte e anoitece em outra pelo mato, “como bichos, sem domessilio, ou

obediencia alguma, bem semelhantes a maldição de Caim [...]”. Em seguida, o autor cita o

seguinte trecho em latim: “Vagus et profugus eris super terram”, fazendo referência ao capítulo

4 do livro de Gênesis, que na versão atualizada da Bíblia significa “você será um fugitivo errante

pelo mundo119”. No referido capítulo bíblico, narra-se na íntegra o assassinato de Abel,

cometido pelo próprio irmão Caim. Tal acontecimento teria sido motivado pela inveja e

ambição de Caim que se sentia preterido em relação ao irmão. Como forma de punição, Deus

amaldiçoou a geração de Caim para que essa não tivesse êxito no cultivo de suas terras e

consequentemente viesse a vagar a procura de um local. Sendo assim, ao comparar os índios de

corso com os descendentes amaldiçoados de Caim, denota-se a imprecisão desses índios na

definição de um espaço para seu convívio social, podendo estarem num dia em determinado

lugar e, no dia seguinte, em outro. Pode se pensar ainda que essa definição abre margem para a

provocação de uma guerra justa no momento em que os índios de corso adentrassem ou se

fixassem em espaços de interesse da Coroa portuguesa. Finaliza-se a descrição dos índios do

corso dizendo que eles seriam aqueles que não conhecem vassalagem.

Destarte, segue-se para a descrição da segunda condição dos índios, aqueles que

“contratão com os Portugueses, tem cazas, e vivendaz pellas suas terras, ou matos”, mas

também não tem vassalagem, “gente sem domínio nem Principe a quem uniformemente

obedeção”. Eles se diferem dos índios de corso apenas pelo fato de estarem assentados em um

lugar fixo denominado de “Aldea com seu pedaço deterritorio” e liderado por um principal,

porém, a sua volubilidade para a maldade é pontuada independente disso. Ao tratar da possível

inclinação desses índios para o mal, traz referências bíblicas com relação ao demônio, dizendo

que ele “os toma sugeytando sempre os mais poderosos ao mais fracos, não só pra seservirem

delles mas para os tragarem”. Já os índios da terceira condição, além de serem os amigos mais

antigos dos portugueses, são aqueles que vivem “todos mestiços huns com outros e criados com

a doutrina”120.

Logo, para cada tipo de índio explicitado, incidiu um tratamento específico. A guerra

justa, objeto de análise aqui, portanto, seria destinada para os chamados índios de corso ou

índios inimigos – como vulgarmente aparece nas fontes. Dito isso, decidiu-se reservar um

119 BÍBLIA Sagrada, Gênesis, 4: 12. 120 MORAES, José de. Memórias do Maranhão e Grão-Pará. Coleção Manuel Barata. Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro, 1708, Lata 278, livro 3, s.d, p. 105-109.

Page 61: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

60

momento para discutir e analisar as proposições feitas na legislação indigenista do período

colonial, atentando para a recorrência na utilização do discurso jurídico da guerra justa. Como

ponto de partida, decidiu-se analisar alguma das leis citadas anteriormente que tratavam da

liberdade dos índios e de uma possível tutela deles. Dentre elas, tem-se: a Lei de 20 de março

de 1570; a Lei de 24 de fevereiro de 1587; as Leis de 02 de novembro de 1595 e de 27 de junho

de 1596; as Leis de 30 de julho de 1609 e de 10 de setembro de 1611; a de 17 de outubro de

1680; e, por último, a de 4 de abril de 1755, as quais apresentam em seus meandros, de algum

modo, a justiça da guerra contra os índios.

Após a análise das leis supracitadas, fica evidente os recuos e avanços que se fizeram

na legislação indigenista ao se tratar da questão de sua liberdade. Ora determinado rei concedia

liberdade para todos os índios, ora outro rei elaborava ressalvas que impediam a liberdade total

deles. Através dessas oscilações, pretende-se, aqui, detalhar o que cada lei estabelecia e como

o caráter da guerra justa incidia sobre ela. Iniciando a partir da lei de 1570, promulgada por

Dom Sebastião, então “rei de Portugal e dos Algarves d’aquém e d’além mar em África, Senhor

de Guiné e da conquista, navegação e comércio de Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia”121. Era

assim que geralmente se começavam a redigir as leis, como um cabeçalho padrão que dava

conta da extensão do poder territorial e político do atual rei; após isso é que se inseria o teor da

lei, na qual o rei disse se tratar dos modos ilícitos com que vinham sendo feitos cativos os

gentios das partes do Brasil.

Dom Sebastião determinou, portanto, que, a partir do momento da promulgação de sua

lei, não se fizessem mais cativos os índios do Brasil de modo nem maneira alguma, a não ser

aqueles que fossem tomados em guerra justa, “com autoridade e licença minha, ou do meu

Governador das ditas partes”122. Desse modo, a lei de 1570, que confirmava os excessos

cometidos no cativeiro dos índios e se iniciava com uma possibilidade de liberdade irrestrita a

eles, uma vez que defende que não os fizessem cativos de nenhum modo, logo ganhou uma

ressalva destacando a guerra justa como único meio segundo o qual se poderiam cativá-los.

Além desses índios tomados em guerra justa, poderiam ser feitos cativos também aqueles que

costumavam “saltear os portugueses ou a outros gentios para os comerem”. Destarte, as causas

121 LEI sobre a liberdade dos gentios das terras do Brasil, e em que casos se podem ou não podem cativar, de 20

de março de 1570. Legislação Antiga, 1446-1754, Boletim do Conselho Ultramarino, p. 127. In: NAUD, Leda

Maria Cardoso. Documentos sobre o índio brasileiro (1500-1822). Revista de Informação Legislativa, p. 291. 122 Idem.

Page 62: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

61

que justificavam o cativeiro dos índios giravam em torno das ações praticadas por eles, como

uma forma de retaliação à prática da antropofagia, aos assaltos e às guerras que eles cometiam.

Sobre a argumentação utilizada para a execução da guerra justa ser baseada nas

hostilidades dos índios, Beatriz Perrone-Moisés comenta que desde o Regimento de Tomé de

Sousa (15/12/1548) tal motivação já era utilizada recorrentemente como justificativa. Mesmo

nas vezes em que o Conselho ou o rei determinaram guerras como injustas, pondo fim ao

cativeiro, em sua maioria, elas tinham sido justificadas a priori pelas hostilidades dos índios.

Para a autora, o caso da antropofagia somava-se aos argumentos das hostilidades prévias como

um agravante, porém, não fora considerado a causa principal para guerra, como sugerido pelo

jesuíta Luis de Molina, que afirmava que se deveria mover a guerra caso houvesse o sacrifício

de inocentes e/ou se alimentassem de suas carnes123.

A Lei de 20 de março de 1570, ao deixar acertada a guerra justa como o único motivo

para o estabelecimento do cativeiro, engendrou uma escravidão limitada e controlada por

administradores locais, fato que abriu margem para um possível exagero dos colonos em

incitarem a guerra, tendo em vista a necessidade de mão de obra que se tinha na época. Como

foi colocado a esse respeito pelo bispo Dom Antonio Barreiros, pelo ouvidor-geral Cosme

Rangel e o reitor do Colégio da Bahia, o padre Gregório Serrão, por volta de 1581-1583, em

uma resolução acerca dos injustos cativeiros dos “Indios do Brasil” sobre o que poderia ser feito

para aumentar o número de convertidos ao catolicismo,

Um dos títulos justos [que autorizam a redução dos índios ao cativeiro] é os

tomados em guerra justa dada, ou mandada pelo Governador geral e capitães

das Capitanias desta costa, com parecer dos Padres da Companhia. E tem a

experiência mostrado que se deram muitas guerras nas quais não houve

nenhuma justiça senão só pretender trazer escravos [...]. E a fim de os trazer

por escravos tomam qualquer ocasião para lhes dar guerra sem jamais

concorrer a solenidade que se deve guardar para que a guerra seja justa. E se

não se tira este título sempre dirão que há justa causa de lhe dar guerra”124.

No caso da Lei de 24 de fevereiro de 1587, sabe-se que ela foi decretada sob o comando

de Felipe II da Espanha pelo fato de ter ocorrido a unificação dos dois reinos ibéricos em 1580

– esse rei mostrava-se contrário aos jesuítas e motivou certas tensões. Nessa lei há a

conformação da lei anterior de tudo que tangia à guerra justa e ao resgate, além de se continuar

123 Cf.: PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do

período colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos índios no Brasil.

São Paulo: Companhia das Letras/FAPESP, 1992. p. 115-131. 124 “Resolução acerca dos injustos cativeiros dos Indios do Brasil e do que poderia ser feito para aumentar o número

de convertidos ao catolicismo” Apud ZERON, Op. Cit., p. 330.

Page 63: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

62

condenando a antropofagia. Em virtude do fato de o tráfico negreiro para o Brasil ainda não se

ter desenvolvido tanto nessa época, a mão de obra escrava indígena continuou em ascendência

para que se pudesse impulsionar a produção açucareira inicial na colônia.

As leis seguintes, de 02 de novembro de 1595 e de 27 de julho de 1596, foram

promulgadas novamente por Dom Sebastião, que reassumiu o reinado. Na primeira, o mesmo

Dom Sebastião revogou as leis anteriores em virtude das violações que os colonos estavam

fazendo, principalmente no tocante à autoridade do rei sobre a determinação e a declaração das

guerras justas que não estava sendo respeitada, reservando a ele o direito exclusivo de

proclamação da guerra a partir de então. Enquanto isso, continuava acreditando que a filosofia

da lei era coerente e devia continuar sendo aplicada já que o problema estava apenas no fato da

insubordinação dos súditos da Coroa.

Já a segunda, datada de 1596 e proposta oito meses depois da anterior, vem somente

para ampliar alguns pontos de discussão levantados na lei anterior, como a questão da

sedentarização dos índios retirados do sertão e a incumbência exclusiva dessa atividade para os

padres da Companhia de Jesus, que deveriam buscá-los e convencê-los a estabelecerem-se no

litoral junto aos portugueses, além de serem os responsáveis pelo ensino, catequização e

distribuição dos índios para o trabalho por parte dos empregadores portugueses –

diferentemente do que estava estabelecido na lei de 1587 – sob contrato assalariado de duração

máxima de dois meses. Esse movimento de deslocamento e sedentarização em núcleos de

povoação de grupos de índios motivado pelos jesuítas caracteriza o que se entende por

descimentos. Nessas ações, propunha-se convencer sem violência os índios do sertão a se

estabelecerem e aldearem-se junto aos portugueses sob o argumento de promoção de segurança

e bem-estar dos índios125.

Essa última lei (1596) não surtiu o efeito que os jesuítas esperavam. Segundo Zeron,

eles imaginavam assumir total controle sobre os índios respaldados pela legislação, no entanto,

seu raio de incidência no momento da declaração foi relativamente fraco, pois apenas três anos

depois de declarada pelo rei foi que a lei veio a ser anunciada em São Paulo, gerando um maior

acirramento entre os colonos e jesuítas e findando na expulsão desses religiosos da Capitania.

O descontentamento com a lei em vigor levou à proposição da Lei de 30 de julho de 1609,

125 Cf.: PERRONE-MOISÉS, Op. Cit.

Page 64: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

63

assinada por Filipe III, que reconheceu os abusos cometidos sobre os índios por meio da

ilegalidade dada ao cativeiro126.

A Lei de 1609 propôs a liberdade natural e irrestrita dos índios, fossem eles

convertidos ou gentios127, haja vista as capturas indistintas e mortes que aconteceram através

da guerra justa. A própria lei reconhece que os moradores do Brasil usavam a guerra justa como

pretexto para cativar os índios desde a lei de 1570, fato que teria motivado sua revogação pela

de 1595, pois assim não se cessariam os inconvenientes com relação ao cativeiro dos índios.

Filipe III viu-se impelido a assinar uma provisão, em 5 de junho de 1605, determinando que de

nenhum modo dever-se-ia cativar os gentios, visto que “por algumas razões justas de direito se

possa em alguns casos introduzir o dito cativeiro, são de tanto maior consideração as que há em

contrário, principalmente pelo que toca à conversão dos gentios à nossa santa Fé Católica128”.

Dessa maneira, por mais que o Direito garantisse a escravidão em alguns casos, ele também

assegurava a conversão dos gentios ao catolicismo, possibilidade que deveria ser anteposta a

qualquer outra, segundo o então rei. Portanto, visando que se encerrassem os excessos do

cativeiro e “para de todo se cerrar a porta a isto”, declarou-se que fossem feitos “todos os gentios

daquelas partes do Brasil por livres conforme o Direito, e seu nascimento natural, assim os que

já forem batizados, e reduzidos à nossa Santa Fé Católica, como os que ainda viverem como

gentios serão tratados, e havidos por pessoas livres129”.

Posto isso, os índios não poderiam ser induzidos a serviços ou coisa alguma contra sua

vontade, devendo assim receber por qualquer trabalho prestado às pessoas. Além disso,

poderiam, com liberdade e segurança, morar onde quisessem e comercializar com qualquer

morador das capitanias. Nesse contexto de localização espacial, percebe-se que a expressão

“sertão” – conceito utilizado no presente trabalho – é introduzida e passa a ser utilizada pelo rei

ao determinar que “cessem de todo os enganos e violências, com que os capitães e moradores

os traziam [os índios] do sertão”. Mais a frente, o rei cita, ainda, especificamente, as terras de

126 Cf.: ZERON, Op. Cit. 127 Na perspectiva tomista haveria cristãos, gentios e infiéis, entendendo-se que a conversão era o meio pelo qual

se possibilitaria afastar os gentios do paganismo e inseri-los na cristandade e, assim, conseguiriam torná-los fiéis

aos dogmas do catolicismo. 128 Alvará em que se determinou que, por ser contra Direito natural o captiveiro, não pudessem captivar-se os

gentios do Brasil. Legislação Antiga, 1446-1754, Boletim do Conselho Ultramarino, p. 204. In: NAUD, Leda

Maria Cardoso. Documentos sobre o índio brasileiro (1500-1822). Revista de Informação Legislativa, p. 292. 129 Idem.

Page 65: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

64

Jaguaribe130 como a principal área em que se cativavam os índios contra a forma das leis até

então estabelecidas.

O rei, ao continuar discorrendo a parte da lei que tratava dos espaços destinados aos

índios, afirmou que os gentios poderiam ser senhores de suas fazendas nas povoações em que

moravam e, a esse respeito, ordenou que essas terras não deviam ser tomadas nem sobre elas se

fazer moléstia ou injustiça alguma bem como seria vetada a mudança de lugar desses índios

sem seu consentimento. No entanto, os processos de desterritorialização e territorialização entre

1680-1720, assim como os deslocamentos compulsórios de grupos indígenas, que serão

evidenciados mais à frente, atestam a fragilidade da perenidade e da validade de uma lei como

essa de maneira prática frente à execução da guerra justa no sertão da Capitania do Rio Grande.

A lei de 1609 estava longe de extinguir totalmente a guerra justa pois, apesar de ter

representado uma mudança significativa nas proposições que estavam sendo elaboradas até

então, uma vez que concedeu de maneira irrestrita a liberdade dos índios, sem abrir precedentes

legais para a sua escravização, ela foi mitigada pouco mais de dois anos depois de sua

promulgação. Aos 10 dias do mês de setembro de 1611, Dom Filipi revogou a lei anterior e

instaurou uma nova, a qual recolocava a guerra justa como única medida possível de se privar

a liberdade dos índios. Nela, ele continuou afirmando a liberdade de todos os gentios do Brasil,

conforme o Direito e seu nascimento natural, porém, salientou que nos casos em que os gentios

movessem guerra, rebelião e levantamento, deveria realizar-se uma Junta local que contaria

com a presença do governador, do bispo, do chanceler e do presidente do Tribunal da Relação,

além do responsável pela ordem religiosa que estava em exercício no local do litígio131.

A partir da reunião da Junta e da devida averiguação da guerra envolvendo os índios,

deveria decidir-se se tal guerra realmente convinha e era necessária ao bem do Estado, ou seja,

se ela seria justa. Caso fosse considerada justa, mesmo que a resposta do rei para confirmação

da guerra demorasse a chegar, ela deveria ser executada e assim proceder o consequente

cativeiro dos índios capturados. Segundo a orientação do rei, os gentios que fossem cativados

deveriam ser assentados em um livro em que constassem seus nomes, lugar de origem, idade,

circunstâncias do cativeiro e as pessoas aos quais os índios seriam pertencentes, devendo ser

130 As terras de Jaguaribe, citadas na Lei de 30 de julho de 1609, faziam referência também às áreas circunvizinhas. 131 Alvará em que se tornou a declarar a mesma liberdade a favor dos gentios do Brasil, exceto no caso de serem

tomados em guerra justa, com outras circunstâncias para a sua educação Civil e Cristã. Legislação Antiga, 1446-

1754, Boletim do Conselho Ultramarino, p. 206. In: NAUD, Leda Maria Cardoso. Documentos sobre o índio

brasileiro (1500-1822). Revista de Informação Legislativa. p. 294.

Page 66: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

65

feito cativo no tempo de no máximo dez anos. Além disso, as guerras entre os próprios índios

e a antropofagia foram citadas mais uma vez, possivelmente ratificando a execução do cativeiro

uma vez que reforçou a prática do resgate ao dar legitimidade aos colonos para resgatarem os

índios que estavam condenados à morte nos rituais antropofágicos nas partes do sertão.

Ademais, estabeleceu algumas diretrizes para a gestão dos aldeamentos por parte dos jesuítas

responsáveis apenas pelas questões de ordem espiritual.

Vale lembrar que no início dos Tempos Modernos, apesar de ter sido uma época de

pluralismo jurídico, nota-se que o direito positivo já começava a dar sinais de vigorar maior

veemência em detrimento do direito natural, por mais que os dois fossem percebidos

concomitantemente na sociedade. O direito natural, por exemplo, foi citado nas leis de 1609 e

1611, e sobre ele entendendo-se que é “a doutrina idealista do direito que enxerga ao lado, ou

melhor, acima do direito positivo algumas normas imutáveis e de observância obrigatória,

postas por uma autoridade supra-humana”132, ou seja, o direito dado por natureza. Já o direito

positivo contrapõe-se ao natural ao passo que é aquele posto pelo homem e não mais por uma

divindade superior, sobrepondo-se ao natural, principalmente a partir do surgimento do Estado

e sua consequente posse de todos os poderes existentes, estando a criação de leis inclusa nesses

poderes, acompanhada da “equidade estabelecida” que é proposta pelo juiz, que difere da

“equidade rude” proposta no direito natural.

Isto posto, percebe-se que dentre os argumentos mais utilizados pelos colonizadores

para compor as justificativas de incitação da guerra justa, era mais recorrente o que dizia

respeito às hostilidades dos índios. Houve uma necessidade de criar e manter um inimigo real

na sociedade colonial e aos índios recaíram vários estigmas decorrentes disso, ligados ao caráter

da barbárie, selvageria e ferocidade. Através das guerras justas, portanto, os colonizadores, em

benefício próprio, puderam acrescer braços indígenas como força de trabalho. Por isso, em

alguns momentos da história, a Coroa Portuguesa colocou-se reticente quanto à escravização

dos índios e terminou limitando a incitação da guerra justa como meio de dirimir os excessos

cometidos nesse sentido.

Em geral, quando aprisionados nas guerras justas, os índios assumiam um status sócio-

jurídico similar ao de um negro escravizado, tornavam-se propriedades de outrem e eram

subordinados à autoridade de seus proprietários, aos quais deviam prestar serviço mediante

132 MATOS, Andityas Soares de Moura Costa. Filosofia do Direito e Justiça na obra de Hans Kelsen. 2. ed.

Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 191.

Page 67: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

66

coação. Caso contrário, esses índios tinham a alternativa de optar por aldearem-se e, apesar de

terem a garantia da liberdade jurídica nesses espaços, deveriam também exercer um trabalho

que era remunerado, mas de caráter compulsório. Nesse panorama geral, percebe-se que a

liberdade dos índios era a todo tempo cerceada e a legislação indigenista, ao longo do período

colonial, funcionou como uma ferramenta efetiva que possibilitava a limitação dessa

liberdade133.

Nesse sentido, a lei de 17 de outubro de 1680 também merece destaque pois é nela que

mais uma vez reafirma-se a liberdade irrestrita dos índios, restando apenas dois casos como

exceção para execução do cativeiro: a guerra justa e o resgate. Contudo, ela também se destaca

por ter sido promulgada exatamente no ano definido como marco temporal da presente

pesquisa. A medida de liberdade irrestrita fora tomada com o propósito de fechar “a porta aos

pretextos, simulações e dolo com que a malícia, abusando dos casos em que os cativeiros são

justos, introduz os injustos”134. Na Carta Régia de 1680, que trata de guerra aos índios das

missões jesuíticas espanholas, há ainda a menção à especificidade do cativeiro para prisioneiros

de guerra que fossem “índios infiéis” pois para o caso de um prisioneiro ser cristão, esse não

deveria ser escravizado.

Já a última Lei de Liberdade dos Índios, a qual aboliu totalmente o cativeiro, foi a de

1755, garantindo aos índios a liberdade de suas pessoas, bens e comércio. Em 4 de abril desse

ano, lançou-se o alvará em forma de Lei que tratava sobre a questão do casamento entre brancos

e índias, visando o incentivo ao maior povoamento e fixação nos domínios portugueses na

América. Dois meses depois, no dia 6 de junho, foi emitida a lei que restituiu aos índios do

Maranhão e Grão-Pará a liberdade de suas pessoas, bens e comércio. Já no dia seguinte, 7 de

junho, um novo Alvará aboliu o poder temporal dos missionários sobre os índios aldeados,

passando essas atribuições aos civis135.

Salienta-se que essas últimas leis (lei de 1609; lei de 1680; lei de 1755) formam um

conjunto dentro da legislação indigenista que considerou mais importante a salvação das almas

em detrimento do direito de guerra, compondo as chamadas leis de liberdade ao reconhecer a

liberdade irrestrita dos índios pelo fato da grande quantidade de denúncias dos abusos e

133 Cf.: LOPES, Op. Cit. 134 LEI de 01/04/1680 apud PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da

legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.).

História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras/FAPESP, 1992. p. 126. 135 Cf.: ALMEIDA, Op. Cit.

Page 68: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

67

violências cometidos. Porém, como já é de conhecimento, a legislação indigenista era

considerada oscilante, e não foi diferente no caso dessas leis que aboliram o cativeiro dos índios,

pois logo em seguida restauraram tal prática mediante a guerra justa.

Consegue-se observar, ainda, que diversas questões locais que surgiram ao longo da

colonização levaram as autoridades a formularem intervenções viáveis que assegurassem o

estabelecimento tanto do dominium quanto do imperium, exemplo disso foi o caso dos excessos

cometidos no cativeiro dos índios das terras de Jaguaribe, citado na lei de 1609 e 1611. Casos

como esse influenciaram diretamente as tomadas de decisões na metrópole que viriam a incidir

diretamente na colônia a partir da confabulação de novas leis. Ao tratar da ideia de dominium e

imperium, Luiz Felipe de Alencastro comenta que a Igreja ibérica foi quem ajudou “a consolidar

o dominium ao fixar o povoamento colonial nas regiões ultramarinas e fortaleceu o imperium

na medida em que suscita a vassalagem dos povos além-mar ao Reino”136. Para isso, dever-se-

ia pensar em medidas que alcançassem os povos de maneira a torná-los súditos da Coroa e os

mediadores desse intento seriam as autoridades locais, ora representadas pelos capitães-mores,

ora pelos missionários, mas sempre refletindo as intenções do rei. No que diz respeito aos

índios, deve-se levar em consideração que o tipo de organização social no qual eles estavam

inseridos era diferente da lógica de dominação ibérica, fato que de antemão já serviria de choque

entre os índios e as autoridades locais.

No entanto, vale ressaltar que a noção de dominium difere de tutela, sendo categorias

jurídicas distintas. A primeira era o que garantia a legitimidade da escravidão, por exemplo, já

que suprimia a liberdade de culto, os direitos civis ou políticos de modo integral de determinado

indivíduo. Já o conceito do “direito de tutela” foi o que ajudou os missionários a financiarem

suas missões e a colocarem em prática seus projetos de conversão pois, para eles, o dominium

não se inseria na concepção da tutela. De maneira geral, o que se fez de início na sociedade

colonial com relação aos índios foi delegar a alguém a função de administrá-los exclusivamente,

devendo ser alguém de mais cabedal ou que tivesse bom trato com os índios, mas que de todo

modo cumprisse o objetivo de inseri-los no sistema colonial. Para isso, não deveria se lançar

mão dos dogmas religiosos, pois os poderes temporal e espiritual estavam intrinsecamente

ligados, desse modo, além de adequá-los aos padrões de vida do europeu, os índios deveriam

ser catequizados e aderir ao cristianismo.

136 ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e

XVII. São Paulo, Companhia das Letras, 2000, p. 27.

Page 69: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

68

Rodrigo Faustinoni Bonciani, em sua pesquisa a respeito da execução do dominium

nas possessões ultramarinas com relação aos africanos e índios, ressalta que no Brasil os

discursos que englobavam o domínio sobre os nativos vinham, geralmente, por parte dos

senhores locais e governadores. Esses, sempre que possível, posicionavam-se contrários à

manutenção da tutela dos índios pelos jesuítas, cujo argumento baseava-se na civilização por

meio da inserção deles aos trabalhos que os afastaria da indolência e rebeldia137. Esse

argumento, por sua vez, endossa a ideia da utilização da guerra justa como ferramenta de

controle do domínio pelos colonos e moradores, à medida que encontraram na guerra justa o

respaldo jurídico necessário para a conquista dos povos através do apresamento.

No que diz respeito a um plano de orientação para tratamento do índio no Brasil, esse

surgiu apenas com a criação do Governo-Geral, em 1549, haja vista as dificuldades geradas nos

primeiros contatos frente à resistência indígena. Foi nesse momento que Tomé de Sousa

solicitou o envio de alguns jesuítas para o Brasil para que pudessem levar adiante o plano de

conversão dos índios, assim, as aldeias missionárias funcionavam como o meio para que esse

objetivo fosse alcançado. Os jesuítas foram então incumbidos de agrupar os índios perto de

povoamentos portugueses a partir do final da década de 1550 sob a influência de Mem de Sá,

que consolidou o projeto de Tomé de Sousa dos aldeamentos. As missões no Brasil iniciaram

com a chegada dos jesuítas, em 1549, seguidos dos carmelitas descalços (1580), dos beneditinos

(1581), dos franciscanos (1584), dos oratorianos (1611), dos mercedários (1640) e dos

capuchinhos (1642).

Em se tratando de Tomé de Sousa e seu Regimento de 1548, até esse momento este

não tinha sido citado pelo fato de não aparecer diretamente a expressão “guerra justa”, porém,

a partir dele, já se poderia considerar as guerras sem autorização do governador geral ou do

capitão-mor da capitania como guerras injustas uma vez que a consequência disso seria a pena

de morte natural e o confisco dos bens, haja vista a designação do que era justo ou injusto partir

de um crivo da moral cristã. Assim, as guerras de conquista, cujo objetivo estava centrado no

enriquecimento rápido, foram condenadas e os portugueses deveriam ser devidamente punidos.

De toda maneira, o documento deixa claro que a motivação para a guerra deveria ser pautada

na ação dos Tupinambás que, caso atacassem os portugueses, devia-se cumprir “[...] a serviço

137 BONCIANI, Rodrigo Faustinoni. O dominium sobre os indígenas e africanos e a especificidade da

soberania régia no Atlântico: da colonização das ilhas à política ultramarina de Felipe III (1493-1615). 2010.

Tese (Doutorado em História Social) – Universidade de São Paulo, Programa de Pós-graduação em História Social,

São Paulo, 2010, p. 260-261.

Page 70: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

69

de Deus e meu, os que assim se alevantaram e fizeram guerra serem castigados com muito rigor

[...]”138. Para o entendimento da cosmovisão jurídica da Primeira Modernidade, Rafael Ruiz

destaca que a principal chave de leitura é a clareza na compreensão de que a cultura jurídica

própria desse período era marcada pela teologia moral e pelo direito canônico139.

Portanto, o Regimento de Tomé de Sousa foi o primeiro texto normativo estabelecido

pela Coroa portuguesa respeitante à administração colonial e especificamente às questões

referentes às relações entre europeus e ameríndios. Da dualidade entre os índios amigos e os

índios inimigos, rendeu nesse Regimento, a orientação de retirada dos Tupinambás de suas

terras para “povoar assim dos cristãos como dos gentios da linhagem dos Tupiniquins que dizem

que é gente pacífica e que se oferecem a os ajudar a lançar fora e a povoar e defender a terra”140.

Por meio do Governo Geral, instituído por D. João III em 1549, e do Regimento de Tomé de

Sousa, estabeleceu-se que para os índios ditos amigos “convém atraí-los à paz para o fim da

propagação da fé, e aumento da povoação e comércio”. Em contrapartida, determinava-se que

se “fizesse guerra aos índios que se mostrassem inimigos, destruindo-lhes as aldeias e

povoações, matando e cativando”141. É nesse documento, ainda, que se abre ao governador-

geral o precedente de incitar a guerra, atributo até então designado ao Príncipe, mas que nem

por isso gerou problemas do ponto de vista jurídico.

Dentre as especificidades do Regimento de Tomé de Sousa, Carlos Zeron assinala que,

apesar de o cerne geral do documento dizer respeito à cristianização dos índios, isso não foi um

fato que impossibilitou a imposição da guerra, nem muito menos da evidenciação dos objetivos

últimos da conquista que estavam pautados na ocupação e fixação duradoura no território com

o intuito de explorar economicamente o espaço, além de frisar a possibilidade de concessão de

perdão para o caso de arrependimento dos índios bem como uma tangível liberdade oriunda da

conversão, mas que, para o autor, seria não uma liberdade física, mas de consciência.

Com isso, percebeu-se até aqui a relação estabelecida entre o aparato jurídico

desenvolvido e debatido pelos portugueses e espanhóis, ou mesmo pelas autoridades locais,

138 Regimento que levou Tomé de Souza governador do Brasil, Almerim, 17/12/1548. In: Lisboa, AHU, códice

112, fls. 1-9. Disponível em: <http://lemad.fflch.usp.br/sites/lemad.fflch.usp.br/files/2018-

04/Regimento_que_levou_Tome_de_Souza_governador_do_Brasil.pdf>. Acesso em 01 de junho de 2019. 139 RUIZ, Rafael. A Teologia como chave de leitura dos processos judiciais na América espanhola. In: ALVEAL,

Carmen; DIAS, Thiago (org.). Espaços Coloniais: domínios, poderes e representações. São Paulo: Alameda,

2019, p. 314. 140 Idem. 141 Idem.

Page 71: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

70

visando o controle dos índios e consequentemente de suas terras. Atentando para forma como

a transição para a supremacia do direito positivo – proposto pelos homens –, nos tempos

modernos, incidiu na formulação leis que objetivavam a integração dos índios à lógica colonial,

fosse por meio das missões ou, de maneira mais agressiva, pelas guerras justas. Logo, a

negociação e a violência interceptavam-se nas tentativas de assimilação total dos grupos

étnicos.

***

Até o presente momento, apresentaram-se os debates que estavam em voga em torno

da matéria da guerra, em especial a guerra justa, nos Tempos Modernos. Para isso, foi

necessário atentar tanto para os discursos produzidos pelos religiosos quanto pelos juristas

desde o século XV. Tentando perceber as dissonâncias e as aproximações existentes em seus

pensamentos, assim como nas produções oriundas da Escola Ibérica da Paz e da Escola de

Salamanca através da apresentação desse pano de fundo que compôs o debate jurídico em

Portugal e na Espanha, pôde-se perceber a tentativa de execução do dominium, a princípio,

sobre os homens e depois sobre suas terras. Essa discussão possibilitou perceber a relação entre

a Igreja e o rei, entre a conversão e a violência, entre a paz e a guerra, enfim, entre a justiça e a

injustiça. Vale salientar que é uma justiça sendo entendida como uma extensão da vontade de

Deus, mas aplicada pelos homens aos povos que não se enquadravam nos moldes cristãos, e

que por isso eram considerados “gentios”.

Para além dos textos bíblicos que apoiaram a construção da ideia da guerra justa ou

dos debates dos juristas nas Escolas, a realidade na colônia obrigou os colonizadores a

repensarem suas estratégias para a conquista dos ameríndios. A antropofagia, por exemplo, foi

um elemento adicional que apareceu para os portugueses julgarem, denotando-a como

selvageria e barbárie e se somando aos demais pontos negativos que justificavam a execução

da guerra justa. Portanto, na legislação indigenista do período colonial no Brasil, a

inventividade fez-se presente. Ora se podia cativar os índios, ora não se podia. Porém, a guerra

justa sempre apareceu de alguma maneira, mesmo com os excessos cometidos pelos moradores,

desde o Regimento de Tomé de Sousa até às chamadas Leis de liberdade dos índios pois,

amparados pelo Direito por meio das normas que estabeleciam a guerra justa, colonos puderam

Page 72: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

71

incitar diversos embates, alguns apoiados sob a égide da conversão dos índios gentios, mas em

sua maioria com o propósito maior de conquistar escravos de guerra e a consequente anexação

de territórios desses grupos nativos.

Para elucidar isso de modo mais pragmático, apontou-se alguns casos de

enfrentamento no período da Guerra dos Bárbaros que serão melhor trabalhados mais à frente

junto com outros conflitos específicos da Guerra do Açu. No entanto, até aqui, pôde-se observar

discussões acerca da justiça ou injustiça da guerra, assim como da legitimidade do cativeiro

através da guerra, caso que ficará ainda mais evidente na realidade dos Janduís, Caboré e

Capela, apresentada mais à frente. Por meio desses exemplos, evidencia-se também a

preocupação com o sertão que ainda não tinha a extensão dos tentáculos da Coroa portuguesa,

mas que, para alcançar esse intento, exigia a concretização de uma nova territorialização da

localidade após desterritorializar os grupos indígenas.

Ao avançar na dissertação, almeja-se destinar o próximo momento para uma análise

sincrônica das diferentes experiências da guerra para os índios no Brasil durante o período

colonial. Nessa ocasião, utilizando metodologicamente o viés das Histórias Conectadas,

pretende-se observar a experiência da força marcial dos índios, assim como todos os outros

pontos dissonantes ou consonantes, no momento da expansão territorial das Capitanias do

Norte, Maranhão, Pernambuco, Ceará, Piauí, Paraíba, Bahia, e o próprio Rio Grande, através

da incidência de guerras justas.

Page 73: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

72

3 GUERRAS (IN)JUSTAS DA BAHIA AO SERTÃO DO AÇU

Para este capítulo, reservou-se, no primeiro momento, uma discussão que privilegie

conectar as realidades das Capitanias do Norte envolvidas nas guerras justas, dentre elas o

Ceará, Paraíba, Pernambuco, Maranhão, Piauí e Bahia, além do Rio Grande. Propondo uma

discussão bibliográfica com estudos mais recentes sobre esses espaços e a incidência da guerra

justa, pensou-se na construção de um diálogo que privilegie a utilização das Histórias

Conectadas, a fim de estabelecer uma relação entre as dissonâncias e similitudes que

aproximam as realidades dessas Capitanias. A Junta das Missões de Pernambuco, por exemplo,

foi um órgão da Coroa Portuguesa instituído a partir de 1681, e através dos termos elaborados

pela instituição tem-se informações relevantes que subsidiaram a pesquisa, pelo fato da sua

extensão de poder e decisão não se limitar a Pernambuco, mas abranger Capitanias vizinhas,

principalmente em ocasiões de conflitos contra os grupos indígenas.

Após o estabelecimento de pontos de intersecção entre as Capitanias do Norte, a

discussão direciona-se no sentido de tratar especificamente da análise dos discursos de fontes

documentais referentes ao período da Guerra dos Bárbaros. Através da análise do discurso,

sinalizou-se o uso de argumentos, noções e ações que conformavam o caráter da guerra justa:

justificação das guerras fundamentada pelas leis régias; reconsiderações sobre a justiça ou

injustiça da guerra; incitação à violência contra os grupos indígenas; morte e cativeiro de índios;

e expropriação de terras, por exemplo. Em sua maioria, as fontes são oriundas do Arquivo

Histórico Ultramarino (AHU) e Documentos Históricos da Biblioteca Nacional (DHBN), as

quais possibilitaram a construção do segundo tópico deste capítulo.

Por último, neste segundo capítulo, propõe-se o debate em uma escala espacial menor

que permita atentar-se especificamente para a área do sertão do Açu, na Capitania do Rio

Grande. Essa área foi um dos principais focos de incidência da guerra justa na Capitania durante

a Guerra dos Bárbaros. Desse modo, conseguiu-se, também através das fontes do AHU e

DHBN, identificar a discussão que se fizera em torno do aparato jurídico da guerra justa e suas

consequentes ações ao ser empreendida naquele espaço.

Page 74: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

73

3.1 – Histórias conectadas entre as realidades das Capitanias do Norte e a guerra justa

A expressão histórias conectadas foi proposta por Sanjay Subrahmanyam, historiador

indiano, na tentativa de desconstruir o que considerava ser uma visão tradicional da produção

historiográfica da Europa referente ao mundo asiático. Em sua abordagem, Subrahmanyam

tratou a história da Euroásia por meio das suas conexões com a Europa e outras partes do

mundo, sem entendê-la subordinada a outra ou como um mero produto da história europeia.

Por meio dessa perspectiva, o historiador sugeriu um avanço no que se entendia pela história

comparada, principalmente ao dialogar com o debate levantado pelo historiador americano

Victor Lieberman nos volumes intitulados Strange Parallels. Nessas obras, Lieberman abordou

a história da Birmânia, paralela à história da França entre os séculos XVI e XVII, tratando

ambas como reinos com tendências centralizadoras por meio de uma classificação dos poderes

políticos do mundo no respectivo período, criando distinções e semelhanças a fim de valorizar

a história da Birmânia142.

O historiador indiano, no entanto, aprimorou o modelo anterior de análise, que seria

tratar os sistemas de maneira interligada e não fechada, pois assim geraria uma comparação

mecânica, não desprezando totalmente a história comparada. A proposta de Subrahmanyam

baseava-se, portanto, em sair dos impérios em direção ao seu entorno, aproximando objetos que

poderiam estar divididos convencional ou artificialmente por qualquer motivo que fosse. Nesse

sentido, sua sugestão de análise através da História Conectada foi no sentido de contrapor uma

tendência dominante existente. Serge Gruzinski também alertou para o risco dos estudos que se

dedicam à História Comparada, pois muitas vezes poderiam terminar incorrendo em uma visão

eurocêntrica e/ou dicotômica. Sua sugestão incidia na direção de se estabelecerem conexões

partindo para além da análise da nação, por exemplo143.

Recentemente, Giuseppe Marcocci fez um interessante trabalho valendo-se da História

Conectada. Em suas observações, tratou do espaço do império português, em especial a

sociedade colonial brasileira cujo objeto principal era a escravidão e, assim, teceu conexões

entre os escravos ameríndios e os negros africanos. Dentre as naturezas das causas para a

escravização desses sujeitos, dedicou-se a examinar “o juízo acerca da capacidade de trabalho,

142 SUBRAHMANYAM, Sanjay. Connected Histories: Notes towards a Reconfiguration of Early Modern Eurasia.

In: Modern Asian Studies, Vol. 31, No. 3, Special Issue: The Eurasian Context of the Early Modern History of

Mainland South East Asia, 1400-1800. (Jul., 1997). p. 735-762. 143 GRUZINSKI, Serge, “Les mondes mêlés de la Monarchie catholique et autres ‘connected histories’”. Annales

HSS, nº 1, jan-fev, 2001.

Page 75: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

74

a influência do paradigma antijudaico e o debate sobre a salvação da alma dos ameríndios e dos

negros africanos”144.

Como uma maneira de introduzir o presente capítulo de maneira a abranger o macro,

destinou-se este espaço para abordar as realidades das Capitanias do Norte, no qual o objeto

unificador, estabelecido aqui, capaz de realizar conexões entre elas foi a Guerra Justa. Logo,

pretende-se elucidar as aproximações e distanciamentos existentes nas realidades das

Capitanias da Bahia, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Ceará, Paraíba e Rio Grande, no tocante

às incursões das guerras justas nesses territórios. Por mais que se trate de uma análise dentro da

própria nação, diferentemente do que propôs Gruzinski, deve-se ter em mente a relação de

distinção estabelecida entre as Capitanias do Rio Grande e Pernambuco, tendo em vista que a

primeira foi subordinada administrativamente a segunda, em determinados momentos do

período colonial. Contudo, é possível estabelecer interligações no que diz respeito às vivências

dos grupos indígenas em meio a incidência das guerras justas; e elencar similitudes ou mesmo

dissonâncias que aproximem as capitanias através de seus pontos relacionais. Desse modo,

aproxima-se a realidade da Capitania do Rio Grande às das demais capitanias ao identificar

elementos e ações da Coroa que visavam um objetivo em comum: a dominação dos índios e

das terras, permitindo apresentar um panorama geral da Guerra dos Bárbaros, sobretudo com

base na historiografia recentemente produzida sobre a temática.

Para iniciar a análise das relações entre as Capitanias do Norte estabelecidas pela Coroa

no tratamento das questões tocantes à guerra justa, traz-se, aqui, uma carta do rei emitida para

o governador de Pernambuco, em dezembro de 1695, na qual se aconselhava uma análise do

procedimento realizado na guerra na Capitania do Ceará em comparação com o tratamento

utilizado no Rio Grande. O rei ordenou a restituição da liberdade dos índios que tinham sido

apresados numa guerra do Ceará, em 1695, caso durante o exame da matéria da guerra notassem

que não se tratava de uma guerra justa. No intuito de reafirmar sua posição, o rei relembrou a

decisão tomada anteriormente sobre os paulistas que “cativaram sem justo título no Rio Grande

e neste caso se devem aldear e situar em lugar onde não só estejam seguros de se restituírem

144 MARCOCCI, Giuseppe. Escravos ameríndios e negros africanos: uma história conectada. Teorias e modelos

de discriminação no império português (ca. 1450-1650). Tempo, Niterói, v. 16, n. 30, p. 41-70, 2011. Disponível

em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-77042011000100003&lng=en&nrm=iso>.

Acesso em 28 jan. 2020.

Page 76: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

75

para os sertões, mas onde mais facilmente possam receber o pasto espiritual dos

missionários”145.

Poucos anos depois, uma carta do Governador geral dirigida ao capitão das entradas,

Bernardo Cardoso de Macedo, comparava novamente a situação vivenciada com relação ao

cativeiro dos índios do Rio Grande para dar resposta dos aprisionamentos nos sertões do São

Francisco. Em novembro de 1704, essa carta trazia a discordância frente à proposta do capitão

das entradas, que se dispunha a fazer as entradas ao sertão do Rio São Francisco, combatendo

e aprisionando para si o “gentio do corso”146. Diante da reprovação de tal ato, o Governador

geral frisou que havia leis específicas que garantiam a liberdade dos índios e os cativeiros

realizados pelos paulistas no Rio Grande eram como um caso específico, por ordem do rei,

visando convencer os paulistas a guerrearem. Assim, segundo o Governador, esse “estímulo”

dado aos paulistas pautado no cativeiro após a guerra justa do Rio Grande não deveria ser

estendido às demais partes do Estado. Segundo Ricardo Pinto, os primeiros conflitos

identificados nas margens do Rio São Francisco, mais próximo a Pernambuco, datam por volta

de 1675147.

Nos dois casos supracitados, a Capitania do Rio Grande serviu de referência para a

elaboração da argumentação do que se tratava da guerra justa. Apesar de suas razões

contraporem-se – por ser a primeira afirmando a liberdade dos índios, enquanto a segunda

julgava o cativeiro como um incentivo para os paulistas –, os dois exemplos mostram a

experiência da guerra justa no Rio Grande sendo utilizada como um artifício que respaldasse as

decisões com relação a outras Capitanias, tomadas pelo rei ou pelo Governador-geral.

Ricardo Pinto de Medeiros, quando analisou as guerras ocorridas pelo sertão em sua

dissertação, dividiu as regiões envolvidas em três grandes áreas com base no caráter político-

administrativo delas e na ordem cronológica dos eventos, sendo elas: o sertão do Recôncavo

baiano e a margem baiana do rio São Francisco; o sertão das capitanias de Pernambuco, Paraíba,

Rio Grande e Ceará; e o sertão das capitanias do Maranhão e do Piauí148. Sobre a área do

Recôncavo baiano, o historiador destaca que, apesar de em alguns momentos citarem as etnias

Topin, Paiaiá e Maracá, na maioria das vezes, predominou a utilização do termo genérico

145 Carta do rei ao governador de Pernambuco sobre a conta que deu através da junta das missões da guerra que se

fez no Ceará, venda e cativeiro de índios. AHU, Cód. 256, fl. 209v/210. 146 DHBN 40 p. 243, 25/11/1704. 147 MEDEIROS, Op. Cit., p. 116. 148 Idem, p. 114.

Page 77: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

76

“gentio bárbaro”149. Nas demais Capitanias do Norte não foi diferente, prova disso é o próprio

nome do conflito, que se perpetuou como “Guerra dos Bárbaros”.

A generalização do termo “bárbaro” ocorreu também atrelada à categoria “tapuia”,

denotando os índios de variadas etnias, como por exemplo os Tarairiús, Ariús, Icós, Janduís,

Payayá, Paiacu, Curema, Panicuassu, entre outros. A respeito disso, Cristina Pompa alertou

também para a homogeneização que a própria historiografia perpetuou o uso de terminações

referentes a esse episódio tais como “Levante Geral dos Tapuias” ou “Confederação dos

Kariri”150. Com relação à Capitania do Rio Grande, essa vulgarização de terminologias que

estigmatizaram a imagem do índio violento também foi muito presente tanto nos documentos

quanto na historiografia151.

Não obstante, os conflitos que ocorreram desde o Recôncavo baiano até o Açu não

representam uma unidade, mas foram eventos isolados que tiveram um caráter similar pelo fato

de atenderem ao cumprimento da Coroa no que se tratava do avanço aos sertões. Os pontos em

comum observados por Kalina Vanderlei nas áreas onde os conflitos assolaram o sertão foram

respeitantes ao aspecto político e ao militar régio justamente pelo fato de se configurarem como

um confronto bélico e tático à coletividade indígena, nesse momento vista como uma ameaça à

sociedade colonial152.

Dessa maneira, a Guerra Justa no sertão das Capitanias do Norte soou renitente ao ser

orquestrada pelos colonos e moradores, haja vista a possibilidade de se combater os índios e

avançar às suas terras, justificada pelo impedimento de ataques aos currais de gados e amparada

nessa abertura da legislação. No relato de uma carta de João Antônio Andreoni, datado de

novembro de 1704, identifica-se algumas relações entre as Capitanias do Rio Grande, Ceará e

Paraíba, citadas por ele. Andreoni comentou a respeito das tentativas de estabelecimento dos

índios em espaços para além dos seus: primeiro ter-se-ia retirado os Paiacus da Aldeia do Apodi,

por terem tramado contra os Icós, e enviado para a Aldeia de Avaré a pedido do capitão-mor

do Ceará. Mas, por terem fugido de lá, o capitão-mor da Paraíba designou um sítio ao sul para

serem remetidos, especificamente na Aldeia de Urutaguí153, no sul da Paraíba, onde hoje

149 Idem, p. 115. 150 POMPA, Op. Cit., p. 270. 151 Vide elucidado na introdução dessa dissertação. 152 SILVA, Op. Cit., p. 256. 153 CARTA ânua de João Antônio Andreoni por mandato do Pe. Provincial, 25 de novembro de 1704. ARSI, Bras.

10, ff. 42-43 apud Leite, 1938-50: 543-547.

Page 78: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

77

localiza-se o município de Alhandra, na área da Zona da Mata (04) conforme apresentado

abaixo no Mapa 1.

Mapa 1 – Limites aproximados da Capitania da Paraíba.

Fonte: Soares; Moura Filha (2013)154.

Para além dos pontos elencados pela recente historiografia, que permite tecer relações

conectadas entre as Capitanias do Norte, ressalta-se, aqui, a guerra justa como um elemento

unificador entre elas. Através da incidência da guerra justa, pôde-se conduzir o processo

expansionista de conquista dos sertões. Na Capitania do Rio Grande, por exemplo, Rocha

Pombo já havia acentuado a relação entre o uso da violência e da conquista ao escrever que

“penosamente, conquistando a terra pedaço a pedaço, investindo e recuando, cedendo agora

para avançar amanhã, numa dolorosa alternativa de destroço e de sucesso – é assim que se vai

entrando naquela porção de domínio”155. Sobre a Capitania do Ceará, Lígio Maia destacou que

as primeiras vilas foram calcadas com a mesma preocupação da Coroa em ocupar o interior.

Para alcançar essa finalidade, amalgamava-se a ação de expulsão dos índios e a de distribuição

das datas de sesmarias156.

Não diferentemente do ocorrido no Rio Grande e no Ceará, a Paraíba também vivenciou

a experiência de ter seu processo fundacional baseado na guerra justa, inclusive apoiada pelos

missionários como demonstrado no Sumário das Armadas, documento que reunia todas as

154 SOARES, Maria Simone Morais; MOURA FILHA, Maria Berthilde. O sertão da Paraíba no século XVIII:

representações espacial e imagética. InterScientia, João Pessoa, v.1, n.2, maio/ago. 2013, p. 91. 155 POMBO, Op. Cit., p. 36. 156 MAIA, Op. Cit., p. 88-90.

Page 79: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

78

ações que os missionários julgavam dignas de honra157. É certo que há vários casos de excessos

de violência contra os índios, que foram denunciados pelos jesuítas, contudo, a linha que dividia

a relação dos missionários com a negociação da violência era tênue e, nesse caso, há o

argumento do jesuíta Serafim Leite que, tratando sobre os cativeiros injustos dos índios, serve

de contraponto ao comentar ter sido um dos alvos de combate dos jesuítas. Sobre a liberdade

dos índios, descreveu ter sido essa “a grande cruz dos Jesuítas no Brasil, e na qual haviam de

ser afinal crucificados”158. No entanto, documentos como o Sumário das Armadas comprovam

a inclinação que os missionários tiveram em alguns casos ao tratar das guerras justas.

Seguindo seu relato sobre os cativeiros injustos, Leite atribuiu o nascimento da ideia do

cativeiro à necessidade de que os colonos construíram em torno da mão de obra indígena,

julgando-a natural, pois não teriam saído de seus locais de origem à toa. Coube, portanto, aos

jesuítas posicionarem-se sobre o caso com base “na moral e na jurisprudência da época, foi

esta: o cativeiro pode ser justo ou injusto”159, sendo justo nos casos em que um índio estava

para morrer nas mãos de uma “tribo, pois entre perder a vida e perder a liberdade, era menos

mal perder a liberdade”. Como, segundo ele, eram poucos os casos em que se aprisionava o

índio nessas condições, os colonos investiram na venda dos índios e no “ciclo da caça ao

índio”160. Sobre a execução dos trabalhos nas capitanias, Stuart Schwartz avaliou que, no final

do século XVI, a população indígena era responsável por ¾ da força de trabalho na Bahia e os

índios seguiram sendo grande maioria da mão de obra ao longo da primeira metade do século

XVII161.

Ao tratar da realidade dos sertões do Maranhão e do Piauí, Vanice Siqueira de Melo

também atribuiu o povoamento e a colonização dessas áreas aos conflitos empreendidos contra

os grupos indígenas. Os índios tidos como hostis teriam “o ‘pronto e eficaz remédio’ da guerra

justa”162. A historiadora aponta que dentre as principais razões para o empreendimento das

guerras justas contra os índios do Maranhão e Piauí estava a espoliação do território, pois

157 BATISTA, Adriel Fontenele. O sumário das armadas: guerras, missões e estratégias discursivas na conquista

do rio Paraíba. Natal: EDUFRN, 2013, p. 49. 158 LEITE, Op. Cit., p. 18. 159 Idem, p. 19-20. 160 Segundo Serafim Leite, o “ciclo da caça ao índio” era como um eufemismo de uma caça aos homens, cuja

finalidade era o domínio deles para serem usados como mão de obra. Cf.: LEITE, Op. Cit., p. 20. 161 SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial (1550-1835). São Paulo:

Companhia das Letras, 1988. 162 MELO, Vanice Siqueira de. Cruentas guerras: índios e portugueses nos sertões do Maranhão e Piauí (primeira

metade do século XVIII). 2011. 156f. Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia). Instituto de

Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal do Pará, 2011.

Page 80: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

79

imperava a ambição pela exploração das terras para criação de gado, não muito diferente do

ocorrido na Capitania do Rio Grande. Dessa maneira, a extensão territorial da Guerra dos

Bárbaros se estendeu desde o Recôncavo baiano até o sertão do Açu, no Rio Grande, passando

pela ribeira do Jaguaribe, na Capitania do Ceará, como apresentado no Mapa 2, a seguir.

Mapa 2 – Extensão territorial do conflito da Guerra dos Bárbaros.

Fonte: Puntoni (2002).163

Além desses pontos em comum que relacionam o caráter expansionista da Coroa

Portuguesa e o empreendimento da guerra justa nas Capitanias do Norte, a atuação da Junta das

Missões de Pernambuco, que será explorada ainda melhor no capítulo seguinte, também foi um

ponto de conexão entre elas. Na maioria das vezes, as decisões tomadas pela Junta estavam em

consonância com os desejos dos colonos tanto de garantir mão de obra indígena quanto de

conquistar novas terras no sertão. A Junta das Missões de Pernambuco foi uma das instituições

criadas pela Coroa portuguesa a fim de resolver casos contingentes que não estavam previstos

no regimento e, mais ainda, que necessitassem de urgência nas soluções. No fim do século

163 PUNTONI, Op. Cit., p. 23.

Page 81: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

80

XVII, o Estado do Brasil era compreendido pelas capitanias de Pernambuco, Rio Grande,

Paraíba, Sergipe, Itamaracá, Ceará, Porto Seguro, Bahia, Cabo Frio, Rio de Janeiro, Espírito

Santo e São Vicente. A Capitania de Pernambuco foi escolhida para ser a sede da Junta por

alguns possíveis motivos, como “a grande abrangência da diocese de Olinda, estendendo-se do

rio São Francisco, limite com a Bahia, até o Ceará, aliada à crescente concentração

administrativa em torno de Pernambuco”164, tendo em vista o seu exercício de jurisdição sobre

as capitanias do Ceará, Alagoas, Paraíba, Itamaracá e Rio Grande. Assim como ela, outras

Juntas também foram criadas ao longo do tempo, como exposto no Quadro 1, a seguir:

164 MELLO, Marcia Eliane Alves de Souza e. Fé e império: as Juntas da Missões nas conquistas portuguesas.

Manaus: EDUA, 2007, p. 154.

Page 82: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

81

Quadro 1 – Juntas das missões nas possessões ultramarinas

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Mello (2007).166

165 De início, as Juntas ocorriam onde se encontrava o governador, fosse no Maranhão ou no Pará. Apenas em

1701 as duas passaram a funcionar em consonância; uma Junta sediada em São Luís, no Maranhão, e outra em

Belém, no Pará. O funcionamento simultâneo das duas deixou de vigorar em 1757, após a implementação do

Diretório dos Índios do Pará e Maranhão. Contudo, a Junta do Maranhão prolongou sua atividade até 1777 com

algumas alterações, conforme fora estabelecido no Diretório. Cf.: MELLO, Marcia Eliane Alves de Souza e. Fé e

império: as Juntas da Missões nas conquistas portuguesas. Manaus: EDUA, 2007, p. 152-153. 166 MELLO, Marcia Eliane Alves de Souza e. Fé e império: as Juntas da Missões nas conquistas portuguesas.

Manaus: EDUA, 2007.

JUNTA

PERÍODO DE

DURAÇÃO

SEDE

PRINCIPAIS

DEMANDAS

Junta das

Missões do

Estado da Índia

1681-1774

Goa

Defesa do

padroado

português na

região frente ao

avanço das

Companhias

Holandesas e

Inglesas das

Índias Orientais.

Junta das

Missões do

Reino de

Angola

1681-final do

séc. XVIII

Luanda

Catequese e

formação de

missionários

africanos.

Junta das

Missões no

Estado do

Maranhão e

Grão-Pará165

1683-1757

São Luís/

Belém

Catequese e

liberdade dos

índios.

Junta das

Missões do

Estado do

Brasil

1692-1759

Pernambuco

Reestruturação do

trabalho

missionário após a

presença

holandesa e

avanço da

catequese para o

sertão.

Page 83: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

82

Após perceber os êxitos que a Junta das Missões estava operando na Índia no sentido de

incentivo à propagação da fé católica, D. Pedro II remeteu uma carta ao Governador do Rio de

Janeiro, Dom Manuel Lobo, em 7 de março de 1681, ordenando a criação da Junta das Missões

no Brasil. Seguindo as orientações de D. Pedro II, com o intuito de promover as missões

presentes no Brasil, a Junta deveria reunir-se na presença do Bispo, que caso não pudesse

comparecer, poderia ser substituído pelo Vigário Geral do Bispado, o Ouvidor Geral e o

Provedor da Fazenda, além do Governador167. Dentre as dez proposições estabelecidas acerca

da Junta das Missões e de suas atribuições, destacam-se as exigências que se fazia para que sua

realização se desse, no mínimo, de quinze em quinze dias; que um secretário ficasse responsável

pela escrita das consultas e resoluções tomadas; e que se deveria manter comunicação com

Lisboa, informando as novidades vivenciadas na colônia168.

Em um registro de concordata sobre as pazes com os índios Caborés, datado de 11 de

novembro de 1716, na presença do capitão-mor Domingos Amado, dos oficias da Câmara de

Natal, do provedor da Fazenda Real e do Sargento-mor do Estado, comentou-se sobre a

necessidade de realização de uma junta a respeito do cativeiro dos Paiacus, pois esses teriam

assassinado alguns dos Caborés, que, por sua vez, tinham acordado a paz com os conquistadores

durante uma das entradas ao sertão do Açu. Ao comentarem sobre os excessos cometidos pelos

Paiacus, percebe-se que a dúvida a respeito do castigo deles circundava entre os presentes na

ocasião, pois escreve-se que “para os que dizia que indevidamente são cativos, lhe ordenava

consultar o dito capitão-mor para que ele determinado tudo com a melhor individuação lhe

desse conta ao dito senhor governador para resolver em junta das missões a providência que se

devia dar nestes particulares”169. Portanto, a fim de sanar as dúvidas tocantes ao cativeiro dos

Paiacus, recomendava-se a execução de uma junta e de um possível veredito que confirmasse

ou não a licitude desse ato. Sabe-se, ainda, que isso não representou um caso isolado na

sociedade colonial, haja vista que a dúvida sobre se fazer ou não cativo determinado grupo

indígena era recorrente, assim como a solução disso ser encaminhada a uma junta, fato que

ficará mais evidente no próximo capítulo.

167 Carta régia ao Governador do Rio de Janeiro sobre a criação da Junta das Missões Ultramarinas. Arquivo

Nacional (Rio de Janeiro), cód. 952, vol. 3, p. 5. Lisboa, 07 de Março de 1681. 168 Carta sobre a instituição da Junta das Missões e do que lhe toca obrar. Biblioteca da Ajuda, cód. 50-V-37, fl.

355-355v. Lisboa, post. 1686. Apud. MELLO, Marcia Eliane Alves de Souza e. Fé e império: as Juntas da Missões

nas conquistas portuguesas. Manaus: EDUA, 2007. p. 291-292. 169 Registro de um termo de ajuntamento e concordata que fizeram ao capitão-mor Domingos Amado os oficiais

da câmara, provedor da fazenda Real e sargento-mor do Estado sobre as pazes com os Tapuyas Caborés. 11 de

novembro de 1716. Livro 6 de Provisões da Câmara – Fl. 78v-80.

Page 84: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

83

Dessa maneira, a Junta deveria reunir-se e deliberar sobre assuntos pertinentes à

vivência na colônia de modo a atender aos interesses dos religiosos e dos demais conquistadores

e moradores. As Capitanias do Norte tiveram suas demandas assistidas pela Junta das Missões

de Pernambuco e, assim, a maioria dos casos que passava pelo cerne da Junta envolviam direta

ou indiretamente os índios, tendo em vista o grande número de casos de guerras e cativeiros,

cabendo à Junta decidir, por exemplo, sobre a justiça ou a injustiça da guerra e a liberdade ou

o apresamento e cativeiro dos índios. Logo, pode-se entender, aqui, a Junta das Missões de

Pernambuco como o elo entre as Capitanias do Norte no que se tratava da guerra justa, capaz

de permitir inferir as conexões e intersecções existentes nelas.

Em uma consulta da Junta Geral das Missões, datada de 1697, discutiu-se sobre a falta

de párocos nas igrejas do sertão noticiada pelo bispo de Pernambuco em maio do mesmo ano.

Nela, apontou-se para a maioria das Capitanias do Norte, principalmente nas áreas envolvidas

na Guerra dos Palmares e na Guerra dos Bárbaros: Alagoas; rio São Francisco; sertão de

Rodelas; Açu, no Rio Grande; e Jaguaribe, no Ceará. Para Rodelas, o Bispo decidiu enviar

quatro clérigos, destinando terras para dois curatos, já para o Açu e Jaguaribe foram enviados

sacerdotes. A demanda dos Paulistas que estavam no sítio dos Palmares era no sentido de

também remeterem sacerdotes para esse local a fim de administrarem os sacramentos. O parecer

do Conselho Ultramarino foi favorável à solicitação e foi feito um adendo quanto à situação no

sertão de Rodelas, informando que deveria ser “o remédio juntamente espiritual e temporal,

espiritual pelo benefício dos párocos e operários, e o temporal pela correção e castigo dos

delitos”170.

Portanto, pululavam questões tocantes à vida social da colônia a serem discutidas nas

reuniões da Junta, principalmente as que envolviam os missionários e o poder espiritual bem

como a possibilidade de avanço da catequese aos sertões, aliada ao povoamento por parte dos

moradores, mesmo que para isso fossem necessárias a correção e o castigo dos índios, como

explicitado na consulta acima. As punições, muitas das vezes, variavam entre o cativeiro, a

morte ou a desnaturalização171.

170 Consulta da Junta Geral das Missões sobre a falta de párocos nas igrejas do sertão. AHU-PE, Papéis avulsos

(Lisboa, 29 de Outubro de 1697). Apud MELLO, Marcia Eliane Alves de Souza e. Fé e império: as Juntas da

Missões nas conquistas portuguesas. Manaus: EDUA, 2007. p. 298-301. 171 A tentativa de desnaturalização dos índios do Rio Grande aparece em alguns termos da Junta das Missões de

Pernambuco e, em suma, significa o desenraizamento dos índios feitos cativos, ou seja, após o cativeiro, alguns

índios eram indicados a serem levados a Capitanias vizinhas para que se afastassem do seu local de vivência e de

Page 85: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

84

Uma portaria do governador de Pernambuco de 1713, por exemplo, solicitava ao

Provedor da Fazenda de Itamaracá o sumário de onze índios “tapuias” que tinham sido presos

na Capitania do Rio Grande e remetidos à fortaleza de lá. Por isso, os índios apresados no Rio

Grande, ao serem feitos cativos e destinados a Itamaracá, ficaram incumbidos pelo trabalho de

retirada de entulhos na dita fortaleza, mas quando encontraram a oportunidade de mudar de

atividade e buscar lenha com mais dois soldados, puseram-se em fuga na ocasião172, ou seja,

assim que os índios atinaram para o fato de que o trabalho laboral de buscar lenha demandava

mais tempo fora da fortaleza, podem ter se disponibilizado para fazê-la ou, ainda que tenham

sido mandados pelos soldados, logo aproveitaram a chance de fugir. Fatos como esse serão

ainda melhor explanados no capítulo seguinte, pois corroboram com a ideia do desenraizamento

dos índios de seu local de fixação, proposta baseada na desnaturalização.

Desse modo, diversos aspectos em comum intercruzam-se e esses pontos montam

relações entre as Capitanias do Norte de modo que suas semelhanças e diferenciações

constroem uma espécie de colcha de retalhos cujo pano de fundo é a guerra justa. Elementos

como a retirada ou a fuga de índios de uma capitania para outra e as ações institucionais da

Junta das Missões de Pernambuco, por exemplo, funcionaram como fios de ligação dessa

tessitura, a qual produz pontos de intersecção entre as Capitanias do Rio Grande, Pernambuco,

Paraíba, Ceará, Maranhão, Piauí e Bahia.

3.2 – A guerra justa no contexto da Guerra dos Bárbaros

A capitania do Rio Grande contava com a presença de certo estoque de espaço

disponível a ser apropriado e incorporado ao sistema colonial, haja vista o processo de

colonização ter sido iniciado pelo litoral, enquanto os sertões deveriam ser paulatinamente

incorporados ao domínio português em determinado momento. Caso semelhante ocorreu no

processo de avanço aos sertões de Minas Gerais, estudado por Hal Langfur, cujo objetivo era a

tomada das terras dos índios para assumirem o controle do ouro que já se encontrava escasso

por volta dos anos finais do século XVIII. Os colonos, portanto, obstinados na corrida do ouro,

invadiram as terras dos Botocudos e de outros grupos indígenas provocando embates violentos.

Por fim, o príncipe regente ainda declarou guerra em 1808. A guerra justa foi a ferramenta

suas relações de sociabilidade, sendo encarados como eminentes perigos aos moradores e colonos. A discussão

mais aprofundada sobre esse conceito e sua tentativa de execução aliada à guerra justa segue no próximo capítulo. 172 Portaria do governador de PE ao provedor da fazenda de Itamaracá, 20/05/1713. BNL, PBA, Cód. 115, p. 154.

Page 86: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

85

encontrada pelos colonos para desbaratar os índios e assim romper com essa barreira humana

que impedia o contrabando de ouro na região. Isto posto, tanto no caso da Capitania de Minas

Gerais quanto na Capitania do Rio Grande, mas não sendo exclusivo desses espaços, os índios

representavam uma espécie de muro ao redor da fronteira assim como no Jaguaribe, localizado

na Capitania do Ceará, que foi mencionado nas Leis de 1609 e 1611, comentadas anteriormente,

à essa época já sinalizando um indicativo do uso excessivo do cativeiro dos índios pelos

colonos.

Com isso, a fronteira ganhou uma conotação de barreira a ser transpassada, um limite

que se deseja perpassar e avançar. Era a terra como uma incógnita a ser desvendada pelos

colonos. Diogo de Vasconcelos, considerado o fundador da historiografia moderna do período

colonial de Minas Gerais, escreveu, no início do século XX, que as florestas à leste ainda eram

rigorosamente conservadas e tinham seu acesso impedido e, por isso, são chamadas de “terras

proibidas”, nome dado ao livro de Langfur. Ele coloca, ainda, que as políticas advindas da

Coroa e dirigidas aos índios tinham tanto o papel de escravizar quanto de marginalizar quando

as subjugava a certa adaptação. Como Caio Prado Júnior evidencia, ao diferenciar a colonização

lusitana da norte-americana, aqui se tentou

[...] aproveitar o índio, não apenas para a obtenção dele, pelo tráfico mercantil,

de produtos nativos, ou simplesmente como aliado, mas sim como elemento

participante da colonização. Os colonos viam nele um trabalhador

aproveitável; a metrópole, um povoador para a área imensa que tinha que

ocupar, muito além de sua capacidade demográfica173.

Ao analisar aspectos econômicos e culturais presentes na Guerra dos Bárbaros em sua

dissertação de Mestrado, Soraya Geronazzo Araújo destacou a importância que os tapuias

representaram no impedimento ao avanço da Coroa aos sertões do Recôncavo, fato que a

motivou a considerar os índios como “verdadeiras ‘muralhas do sertão’”174. A guerra dos

Bárbaros, portanto, foi um sangrento embate entre índios e portugueses que teve como um dos

palcos principais os sertões do Açu no Rio Grande, mas se estendeu pelas regiões do sertão de

Rodelas, em Pernambuco, também na Ribeira do Jaguaribe, no Ceará, além dos sertões do Piauí

e Paraíba. Com relação ao período da Guerra dos Bárbaros, Puntoni coloca que a partir de 1661

já ocorriam conflitos, porém, é por volta de 1687 que se nota grande número de documentos

173 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo: Brasiliense, v. 16, 2000, p.

86-87. 174 ARAUJO, Soraya Geronazzo. O muro do demônio: a economia e cultura na Guerra dos Bárbaros no nordeste

colonial do Brasil – séculos XVII e XVIII. 2007. 122f. Dissertação (Mestrado em História Social). Centro de

Humanidades. Universidade Federal do Pará, 2007, p. 81.

Page 87: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

86

dando conta desses levantes. O autor caracteriza o evento como “uma série heterogênea de

conflitos que foram o resultado de diversas situações criadas ao longo da metade do século

XVII”175. No que diz respeito ao sertão do Açu, os documentos analisados até o momento

também apontam o início dos conflitos para o começo de 1687.

Em uma carta que o então Governador Geral do Brasil, Mathias da Cunha, escreveu

para o governador de Pernambuco, João da Cunha de Sotto Maior, “sobre a guerra do gentio

bárbaro do Rio Grande”176, em 1688, já se declarava a justiça desse conflito. Segundo relata-

se, Mathias da Cunha convocou uma junta que acordou em votação, na presença de teólogos,

ministros e oficiais maiores, a uniformidade da guerra contra os índios do Rio Grande, a qual

passou a ser considerada justa, devendo ser de caráter ofensivo com o apresamento dos cativos.

Para a realização do intento, a junta indicou o socorro da capitania através de medidas como o

envio de infantes de praças das cidades de Olinda, Itamaracá e Paraíba, que deveriam ser

sustentados pelas câmaras de cada cidade, assim como 200 infantes do terço de Henrique Dias

e de Filipe Camarão, além de assistência da Fazenda Real com todas as armas, munições e

fardamentos necessários aos índios e soldados pretos que fossem enviados à região dos

conflitos. Em tal carta, ainda, se menciona a obediência do Governador geral à legislação em

vigência, citando que o parecer da Junta, a respeito da guerra justa e do cativeiro dos índios,

alinhava-se em conformidade com a Lei de 1611.

Ao tratar dos grupos sociais, Haesbaert coloca a desterritorialização como uma

precarização territorial, que nada mais é do que a expropriação de dado território, que se

compreende não apenas como meio de subsistência e continuidade da vida humana, mas

também como recurso fundamental para a criação e manutenção de identidades e simbolismos.

Ao citar os indígenas, o geógrafo aponta a terra para além de um meio de produção, mas que

emana de um nível simbólico-cultural na qual determinadas porções do espaço estariam

carregadas de referências simbólicas e seriam consideradas veículos de manutenção da cultura,

podendo ainda ter ligações com o sentido religioso. Cada contexto tem, pois, seus agentes de

desterritorialização, seja o mundo virtual e os meios de comunicação cada vez mais avançados

ou mesmo a tentativa de usurpação de espaços físicos que culminam na desintegração de grupos

175 PUNTONI, Op. Cit., p. 13. 176 Carta que se escreveu ao governador de Pernambuco João da Cunha de Sotto Maior sobre a guerra do gentio

bárbaro do Rio Grande [1668]. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, Volume 10, pp. 263-267.

Page 88: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

87

sociais, formando o que Haesbaert classificou como uma espécie de “aglomerados humanos de

exclusão” haja vista serem retirados de seu território.

Destarte, a guerra justa, de certa maneira, serviu como um dos vetores que impulsionou

o avanço dos empreendimentos colonialistas aos sertões da Capitania do Rio Grande. Ao

avançar para o expoente de terras adentro da capitania, a barreira sociocultural formada pelos

grupos indígenas seria enfrentada diretamente para que o projeto da colonização pudesse ser

concretizado. Guerrear com os índios ditos “bárbaros” ou “rebeldes”, portanto, seria uma

alternativa imperativa, ainda mais ao se utilizarem do aparato jurídico que os permitia declarar

guerra em nome da justiça. Desse modo, a dizimação ou o aprisionamento de índios serviria

aos interesses dos colonos visto que os permitiam adentrar os vastos sertões após vencer essa

fronteira humana.

Nesses espaços, o empreendimento da colonização demandava estratégias que fossem

capazes de dominar os grupos indígenas, ou seja, a povoação do sertão do Açu por parte dos

colonos seria uma opção viável apenas após a dominação dos índios. Como maneira de tornar

o sertão útil de alguém maneira, Salvador Correia de Sá escreveu um parecer para o Conselho

Ultramarino, em 1675, no qual defendeu a dispersão de aldeias missionárias pelos sertões. Elas

funcionariam como um meio de combate contra os negros fugidos e os tapuias que causavam

danos aos moradores, mas também seriam a possibilidade de expandir os domínios portugueses

pela colônia adentro177. Sobre a relação da Coroa Portuguesa com os povos indígenas da área

amazônica, Ângela Domingues declara que ela “visava tornar doméstico, útil e civil não apenas

o solo, como os homens”178.

Ainda nos anos iniciais da Guerra dos Bárbaros, por volta de 1693, o Conselho

Ultramarino emitiu um parecer, após a consulta de diversas cartas recebidas de autoridades

locais, sobre o estado das ruínas em que se encontrava a Capitania do Rio Grande, dando aviso

da falta de meios para sua defesa e das possíveis ações para recuperá-la. Nesse parecer,

assegurava-se o caráter exploratório da Coroa em relação à Capitania ao afirmar que “se acuda

e obre nella tudo o que for necessario, para que estejão com toda a boa prevenção, e segurança,

177 Cf.: PUNTONI, Op. Cit., p. 72. 178 DOMINGUES, Ângela. Quando os índios eram vassalos: colonização e relações de poder no norte do Brasil

na segunda metade do século XVIII. Lisboa: Comissão nacional para as comemorações dos descobrimentos

portugueses, 2000. p. 76.

Page 89: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

88

quando se offereça a ocasião de serem invadidas179”, além da ideia de tornar também os índios

úteis e civis, explicitada no trecho acima, declarando que “procurará fazer povoação, a que os

reduza, fazendolhe Regimentos por que se governem assim no político e civil, como na

administração da justiça para que por este meyo se evitem as desordens que costumão suceder

naquelles certões180”. No decorrer do parecer, confirma-se a possibilidade da continuidade de

guerra aos índios caso não se consiga reduzi-los por meio da paz.

Os relatos que levaram o Conselho Ultramarino a emitir tal parecer foram remetidos por

diversos núcleos de poder da Capitania envolvidos na guerra, dentre eles, do próprio capitão-

mor, Sebastião Pimentel, dos oficiais da Câmara de Natal e do governador de São Tomé,

Ambrósio Berredo, além do ouvidor-geral da Paraíba, Diogo Rangel Castel Branco. Em sua

maioria, a narrativa das cartas assemelha-se quanto à descrição do estado da Capitania e da

Fortaleza dos Reis Magos, ambas em ruínas, assim como quanto à urgência de intervenção da

Coroa e de pagamento dos soldados pois, caso contrário, a Capitania seria tomada pelos índios

inimigos, enquanto os moradores abandonariam o local, sem “poder se povoar as terras

melhores que tem, por que de outra sorte nem os moradores podem aturar181”, segundo

Sebastião Pimentel.

Logo no início da guerra, ainda em 1688, o propósito de destruir o índio inimigo através

da guerra já era anunciado. Mathias da Cunha, então Governador geral do Brasil, ao escrever

para o coronel responsável pelo Forte do Cuó, no sertão do Açu, Antônio de Albuquerque da

Câmara, ordenou-o que degolasse os índios até destruir todos, de modo que servisse como um

castigo exemplar para instalar o medo nos demais grupos indígenas182. Para esse intento,

somaram-se esforços de todos os lados possíveis, pois 300 homens brancos e índios marchariam

pelo sertão a partir do Rio São Francisco, com o governador das armas paulista, mais 600

homens que estavam de caminho ao Palmares, a mando do Governador de Pernambuco, além

de terem o auxílio financeiro de 100$000 réis dado pelo Senado da Câmara de Olinda e as armas

179 Consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. Pedro II sobre diversas cartas recebidas acerca do estado de ruínas

da Capitania do Rio Grande do Norte e da Fortaleza dos Reis Magos por causa da Guerra dos Bárbaros. Anexo:

aviso, parecer do Conselho Ultramarino (minuta); cartas do ouvidor-geral da Paraíba, Diogo Rangel Castel Branco,

do capitão-mor da capitania do Rio Grande do Norte, Sebastião Pimentel, dos oficiais da Câmara de Natal e do

governador de São Tomé, Ambrósio Pereira de Berredo. In: AHU-RN, Papéis avulsos, Caixa 1, Doc. 35 (1693,

Novembro, 23, Lisboa). 180 Idem. 181 Idem. 182 Carta que se escreveu ao governador de Pernambuco, João da Cunha de Sotto Maior, sobre a guerra do gentio

bárbaro do Rio Grande [1668]. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, Volume 10, pp. 263-267.

Page 90: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

89

e munições concedidas pela Fazenda Real. Desse modo, almejava-se a invasão e destruição dos

índios, especialmente os Janduís, nas campanhas interiores da Paraíba, Rio Grande e Ceará183.

Porém, seis dias antes do envio dessa carta, especificamente no dia 08 de março de

1688, Mathias da Cunha já escrevera ao capitão-mor dos paulistas Domingos Jorge Velho,

dando as ordens para socorrer a Capitania do Rio Grande por todos os meios possíveis. Ele

disserta que, além de esperar que se degolassem os bárbaros, como reafirmado na carta anterior,

esperava-se que também os aprisionassem “por a guerra ser justa resolvi em Conselho de

Estado, que para isso se fez que fossem cativos todos os bárbaros que nela se aprisionassem na

forma do Regimento de Sua Majestade de 1611184”. O sucesso dessa missão foi comemorado

em carta do Governador geral ao bispo de Pernambuco, seis meses depois, e, apesar de não

detalhar o número de apresamentos ou mortes de índios, garante que o primeiro embate com os

bárbaros durou quatro dias pelo sertão interior185.

A Guerra Justa, portanto, apresentou-se como uma alternativa de subordinação e

submissão e, quando possível, também de destruição dos grupos indígenas insurgentes, que se

colocavam contrários ao projeto civilizatório da Coroa e da Igreja. Mathias da Cunha, como

Governador geral, foi um exemplo dos colonos que incorporaram a Lei de 1611 e,

especificamente, no que tangia à guerra justa, solicitou o aprisionamento dos índios. Após

torná-los cativos mediante a justiça da guerra, facilitou o acesso dos moradores aos sertões,

povoando as melhores porções de terra, antes ocupadas pelos índios, como sugerido pelo

capitão-mor Sebastião Pimentel em 1693.

Marcocci, ao estudar a estruturação do Império ultramarino português, colocou que

Portugal inspirava-se tanto na Roma sacra quanto na Roma profana e isso colocava a questão

moral em xeque, inclusive na legislação desenvolvida. Para ele, na verdade, a legislação

espelhava o clima geral em que o interesse dos colonos pela exploração de mão de obra indígena

encontrava apoio na difundida opinião de que os índios não eram seres humanos de pleno direito

por serem desprovidos de alma186.

183 Idem. 184 Carta para o capitão-mor Domingos Jorge Velho sobre partir com a gente que tiver sobre os bárbaros do Rio

Grande [1668]. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, Volume 10, pp. 293-295. 185 Carta que se escreveu ao bispo de Pernambuco sobre o sucesso da guerra do Rio Grande [1688]. Documentos

Históricos da Biblioteca Nacional, Volume 10, p. 306-308. 186 Cf.: MARCOCCI, Op. Cit.

Page 91: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

90

Sabe-se que a Guerra dos Bárbaros arrastou-se por longos anos, no entanto, logo dois

anos após a comemoração de Mathias Cardoso ao suposto sucesso na guerra, falava-se da

necessidade que se tinha da continuidade da ação dos paulistas, os quais seriam os únicos

capazes de dar o último fim à guerra dos bárbaros do Rio Grande, segundo o Arcebispo e

Governador da Bahia187. Ele assegurou suas esperanças nos paulistas, mas também em uma

nova forma de guerra sugerida por ele, na qual se contava com o maior número de homens para

guerrear contra os índios e cuja conclusão seria dada após a destruição de todos. Mesmo com o

extermínio dos índios sendo o lema que guiava essa guerra, o Arcebispo fez uma ressalva

quanto à sua escravização, pois para ele devia-se aguardar a resolução direta do rei. No entanto,

o sargento mor, Manuel Álvares de Moraes Navarro, já tinha assumido a responsabilidade sobre

a questão e vinha declarando cativo os índios presos na guerra.

Diante da profícua relação entre os clérigos e a vida política e do reino, desenvolveu-

se o que Marcocci chamou de “teologia política”, evidenciada em atos teóricos produzidos pelos

teólogos ou fossem em comparações entre as principais instituições do reino e da Igreja. Para

conquistar e efetivar o domínio sob as possessões, os portugueses encontraram apoio e

legitimidade também nas bulas papais, sendo o período entre a década de 20 e início da década

de 30 do século XVI o momento em que se desenvolveram posições acerca de fatos mais

complexos que giravam em torno do império, tal como a guerra. As bulas redigidas por

Alexandre VI em 1503, por exemplo, conferia aos espanhóis poderes para dominar os povos

indígenas da América, como no caso das ideias expressas na Inter coetera 188.

Dessa maneira, os interesses do Estado moderno estavam pautando suas justificações

e limites através das tradicionais doutrinas cristãs que versavam tanto sobre a guerra quanto

sobre o comércio, elaboradas ainda na Idade Média, mas contendo assuntos de extrema

pertinência para a efetivação do Império como conquistador e detentor de povos e riquezas. Os

próprios soldados, por exemplo, que personificaram os ideais de conquista e defesa militar,

eram atravessados pelos preceitos da fé. Assim, a virtude militar e a religião cristã formavam o

pacote de elementos essenciais para o soldado da Península Ibérica das primeiras décadas de

Quinhentos.

187 Carta para o senhor almotacé-mor do reino e governador de Pernambuco [1690]. Documentos Históricos da

Biblioteca Nacional, Volume 10, p. 388-393. 188JIMÉNEZ FERNÁNDEZ, Manuel. Las bulas alejandrinas de 1493 referentes a las Índias. Nuevas

consideraciones sobre la historia, sentido y valor de las bulas alejandrinas en 1493 referentes a las Índias. Sevilla:

Anuario de Estudios Americanos, 1944.

Page 92: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

91

Dentre as observações de Marcocci acerca do Império e suas possessões, ele ressalta a

associação da violência e da conversão no momento em que apresenta as atividades

concernentes aos missionários no contexto das regiões da Índia. Percebe-se mais claramente a

questão da utilização da força militar nas conquistas territoriais justificada pelos religiosos

como meio de conquista dos povos e das almas. Para Marcocci,

guerra, resistências locais (não raramente armadas) e outros episódios de

violência constituíram o contexto constante das estratégias de conversão

empreendidas pelos inacianos e missionários das outras ordens que agiam na

sombra do extenso, mas frágil, império português189.

O objetivo principal das atividades incumbidas aos missionários estava centrado na

edificação de uma fé que se pretendia monolítica, sem dúvidas ou incertezas por parte dos povos

recém cristianizados, porém, na realidade, os missionários eram surpreendidos com abjurações

da nova fé e fugas para além das fronteiras.

Tomé de Sousa, já citado aqui, com o primeiro texto normativo da Coroa sobre as

relações entre europeus e ameríndios, o Regimento Geral do Governador Tomé de Sousa de 17

de dezembro de 1548, fez menção a nuances da noção da Guerra Justa da seguinte maneira:

Eu sou informado que os gentios que habitam ao longo da costa da capitania

de Jorge de Figueiredo, da vila de São Jorge até a dita Bahia de Todos os

Santos, são da linhagem dos Tupinambás e se alevantaram já por vezes contra

os cristãos e lhes fizeram muitos danos e que ora estão ainda alevantados e

fazem guerra e que será muito serviço de Deus e meu serem lançados fora

dessa terra para se poder povoar assim dos cristãos como dos gentios da

linhagem dos Tupiniquins que dizem que é gente pacífica e que se oferecem

a os ajudar a lançar fora e a povoar e defender a terra190.

Sendo justificado pelo serviço de Deus, portanto, o ideal seria despovoar as terras

ocupadas pelos índios não cristãos, retomando a ideia empregada nas Cruzadas para a

desapropriação de um território repleto de infiéis em nome da Igreja. No corpo do texto do

Regimento, ao tratar da guerra, observa-se o contexto local sendo explicitado primeiramente,

para só então reafirmar os ideais da doutrina, legitimando as investidas de guerra que viessem

a ser sucedidas, abrindo, ainda, ao governador-geral, o precedente de incitar a guerra, ação até

então designada ao Príncipe. Tal alteração não surtiu nenhum sinal de problemas do ponto de

vista jurídico, pois se determinou ao governador-geral que:

189 MARCOCCI, Op. Cit., p. 376. 190 REGIMENTO que levou Tomé de Souza governador do Brasil, Almerim, 17/12/1548. In: Lisboa, AHU, códice

112, fls. 1-9. Disponível em: <http://lemad.fflch.usp.br/sites/lemad.fflch.usp.br/files/2018-

04/Regimento_que_levou_Tome_de_Souza_governador_do_Brasil.pdf>. Acesso em 01 jun. 2019.

Page 93: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

92

trabalhareis porque se conserve e sustente para que nas terras que habitam

possam seguramente estar cristãos e aproveitá-las, e quando suceder algum

levantamento acudireis a isso e trabalhareis por pacificar tudo o melhor que

puderes castigando os culpados191.

Através do Regimento é estabelecida a concessão de perdão para o caso de

arrependimento dos índios por seus intentos e ainda uma condição de liberdade por meio da

conversão, mas que seria manifesta apenas na consciência e não numa liberdade física, ou seja,

a definição do que seria justo não passava pelo viés da moral cristã. No entanto, muitos dos

conflitos envolvendo os índios eram motivados por ações iniciais dos colonos, que incitavam

atritos até mesmo entre os próprios índios. Mesmo levando em consideração que o Regimento

de Tomé de Sousa seja ideal para se analisar as visões em torno da justiça da guerra, vale

salientar que esse dispositivo jurídico foi proposto ainda no início da colonização e, de lá até o

período da Guerra do Açu, muitas coisas foram alterando-se através dos novos contextos

históricos que surgiam; a dispensa dos quintos reais pode ser um exemplo dessa mudança.

Contudo, a respeito das causas motivadoras para as guerras ao longo da colonização do sertão

do Rio Grande, percebe-se a ambição pela tomada de terras dos índios como uma das principais

motivações que se manteve como uma constante, ainda que na parte do Regimento direcionada

ao Governador geral se indicasse a ele o trabalho de pacificação de qualquer levantamento,

como evidenciado no trecho acima.

Portanto, revoltas envolvendo a questão de terras dos índios e a distribuição desigual

delas, ou mesmo sua apropriação, foram muito comuns. É possível evidenciar relatos de

inquietações envolvendo os índios das aldeias de tapuias do Siará Grande, em 1713, na

Capitania do Ceará, ao saberem que as terras dos índios da Aldeia de Mipibu, na Capitania do

Rio Grande, tinham sido doadas pelo Capitão-mor Salvador Álvares da Silva (1711-1715), uma

ao Padre Manuel Rodrigues Pereira e outra a Baltasar Gonçalves192. Por isso, segundo consta

no documento, três aldeias de tapuias do Seará Grande teriam se levantado e matado os

moradores dessa localidade.

Em resposta a essa carta enviada pelo Desembargador Cristóvão Soares Reimão, o rei

pronunciou-se dizendo que estranhava a doação dessas terras aos ditos padres, tendo em vista

191 Idem. 192 Carta do desembargador Cristóvão Soares Reimão ao rei [D. João V] informando que o Capitão– mor do Rio

Grande do Norte, Salvador Álvares da Silva, havia dado terras dos índios da Aldeia de Mipibu ao padre Manuel

Rodrigues Pereira e a Baltasar Gonçalves, causando conflitos com os índios. In: AHU-RN, papéis avulsos, Caixa

1, Doc. 75 (1713, Outubro, 11, Recife).

Page 94: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

93

já terem sido demarcadas para os índios da Aldeia de Mipibu. No entanto, pela situação ocorrida

da doação das terras, leva-se a crer aqui que possivelmente a Aldeia não estivesse de fato

demarcada. Assim, o rei ordenou que os restituíssem com a sua devida porção de terra. Na carta

de resposta do rei é que se infere a respeito da relação desses índios de Mipibu com os do Ceará

pois se comenta que as três aldeias de tapuias que se levantaram tinham sido as mesmas que

colaboraram com a defesa da fortaleza e conquista da Capitania do Ceará anteriormente. Após

a retirada de suas terras do Mipibu para os padres, gerou-se uma inquietação geral que culminou

na revolta contra o capitão-mor do Ceará, Francisco Duarte de Vasconcelos (1710-1715), e na

morte de moradores193.

As inquietações dos índios por conta da apropriação de seus territórios foram

intensificadas por meio do recurso jurídico da guerra justa. Em uma ata datada de 05 de

setembro de 1712, da Junta das Missões de Pernambuco, período ainda referente à Guerra do

Açu, colocou-se em cheque a justiça da guerra ocorrida contra os índios Janduís, Caboré e

Capela. No decorrer da ata, apresentou-se que mesmo diante da dúvida pela justiça da guerra,

o resgate consequente da guerra justa já tinha sido executado pois, de toda maneira, os índios

estavão legitimamente captivos todos os que forão presionados na dita guerra,

sem embargo das duvidas que se prepuserão em Rezão de algumas vexações,

e emjustiças que havião feyto, a hum Rancho do dito Tapuya, captivandolhe

o mulherio que levarão para as minas194.

A referida guerra ocorreu pelo fato de os índios “Caboré-Açu” terem-se vingado de

um ataque que sofreram por parte de alguns vaqueiros na Ribeira do Açu. Esses vaqueiros foram

considerados de “cidiozos mal advertidos” pelo Capitão-mor Salvador Álvares da Silva por

terem ido “dar no Resto dos tapuias matando a mayor parte dos que havião ficado [...]”, além

de terem feito cativos as mulheres e filhos. Como expresso no documento em questão, os

tapuias se vingaram “matando gente, cavallos, e gados”195, levando o Capitão-mor da Capitania

do Rio Grande a acreditar que, caso continuassem assim, iriam “dispovoar os Certons destas

193 AHU, Cód. 258, f. 40/40v. 194 Termo sobre fazerse guerra aos Ianduins. Termo 31, 12 de setembro de 1712. Biblioteca Nacional de Portugal,

Coleção Pombalina, Cód. 115, “Livro dos assentos da Junta das Missões, cartas ordinárias, ordens e bandos que

se escreveram em Pernambuco no tempo do governador Félix José Machado”, fl. 35v. Apud. GATTI, Op. Cit, p.

185. 195 Carta do [capitão-mor do Rio Grande do Norte], Salvador Álvares da Silva, ao rei [D. João V], sobre a

destruição que os índios “Caboré-Açu” fizeram na Ribeira do Açu, como vingança do ataque que sofreram dos

vaqueiros. In: AHU-RN, Papéis Avulsos, Caixa 1, Doc. 68 [post. 1711, Novembro, 30, Natal].

Page 95: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

94

partes e perder todas as fazendas”196, prejudicando não apenas os moradores como também as

finanças da Coroa. Isso evidencia, assim, a preocupação que se havia em manter os sertões

ocupados por conquistadores e, principalmente, que os moradores pudessem aumentar os

ganhos da Fazenda real. Além disso, pelo reforço dado na narrativa à parte referente à

“vingança” dos índios, pode-se apreender a intenção de manutenção do estigma selvagem do

índio, contudo, é notória a resistência dos índios, nessa ocasião, em virtude das investidas do

capitão-mor, quanto à guerra e à escravização.

As dissidências quanto à justiça ou injustiça da guerra e quanto à legitimidade do

consequente cativeiro foram sanadas com a decisão apresentada na Ata da Junta das Missões

de Pernambuco do dia 03 de abril de 1713, sete meses após a ata que colocou em dúvida essa

questão e indicou tirar-se devassa do caso para apurar os detalhes que envolveram a situação.

A decisão, portanto, foi emitida por meio de um bando declarando que “os Indios Tapuyas que

fizerão guerra aos brancos, e forão prezioneyros, havendo dúvida se havião de seguir as

mulheres o mesmo extriminio, se rezolveo que assim se devia executar, e que só devião ficar

na terra, os de idade de sete annos”197.

Na avaliação dos edis da Câmara de Natal, o lançamento desse bando teria levado mais

dano do que benefício “porque so servio, de avizo para os mais delles se aColherem, a sua

antiga vivenda, donde os tinha tirado puder daz armas”198 (grifo meu). “Os mais delles”,

destacado no trecho anterior, faz alusão aos índios que teriam retornado à sua antiga vivenda,

localizada no que disseram ser uma ilha por trás da Aldeia de Guajiru, atual município de

Extremoz, no Rio Grande do Norte. Percebe-se, com isso, a dimensão do poder de propagação

da notícia no meio dos índios como também a consequente atuação deles no sentido de

articulação e organização em grupo para retornar imediato ao seu espaço de convívio anterior.

196 Idem. 197 Termo sobre humas Aldeas que seachão sem missionarios sobre os cabos do Siry, e Arataguy nam terem muita

fidelidade, sobre os Tapuyas hirem para fora da terra. Sobre querer o Provedor do Rio Grande quintar huns Tapuyas

que tinham ajustado paz. Sobre os Tapuyas da Capella não terem Aldea separada, nem postos. Sobre matarem-se

em uma marcha 14 Tapuyas da Capella por desconfiança; sobre marchar o Terço do Assú para sua conquista.

Sobre pagarse aos Indios a 80 reis e de comer. Sobre os Tapuyas Anasses matarem ao Mestre de campo Antônio

da Cunha Solto Mayor. Termo 32, 03 de abril de 1713. Biblioteca Nacional de Portugal, Coleção Pombalina, Cód.

115, “Livro dos assentos da Junta das Missões, cartas ordinárias, ordens e bandos que se escreveram em

Pernambuco no tempo do governador Félix José Machado”, fl.36v. Apud. GATTI, Op. Cit, p. 187. 198 Carta dos oficiais da Câmara de Natal ao rei [D. João V] sobre as dificuldades que os moradores enfrentam por

causa de um bando que o governador de Pernambuco, Felix José Machado, mandou lançar para que todos os

tapuias cativos de sete anos para cima fossem remetidos a Pernambuco para serem vendidos no Rio de Janeiro.

Anexo: carta dos oficiais da Câmara de Natal ao governador de Pernambuco (treslado) e resposta. In: AHU-RN,

Papéis Avulsos, Caixa 1, Doc. 71 (1713, Julho, 29, Natal).

Page 96: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

95

Diante das investidas dos moradores e dos oficiais militares e paulistas, os índios

encontravam maneiras de sobrevivência e, de acordo com as atitudes dos luso-brasileiros, os

nativos tomavam certos posicionamentos como lhes parecessem mais favoráveis. As revoltas e

conflitos dos índios contra os colonos era uma alternativa para a contestação e rejeição dos

ordenamentos da Coroa, porém, a resistência poderia ocorrer de outras maneiras. Inclusive,

valendo-se de meios oriundos dos próprios luso-brasileiros ao incorporar elementos da cultura

política do grupo oposto.

Steve Stern considera como resistência adaptativa outras formas de resistir, não

diretamente ligadas ao confronto bélico, que foram sendo construídas na história diante do

contato entre povos indígenas e europeus. Sem negar a ordem colonial, mas não a aceitando

plenamente, os índios utilizavam-se dos meios acessíveis da própria Coroa para garantir

melhores condições de sobrevivência199. No contexto das guerras que aqui se estuda, observar-

se-á a participação de índios no corpo do Terço dos Paulistas, o que poderia ser levado em conta

como uma possível representação desse tipo de resistência visto que os índios encontraram

nessa lógica europeia uma alternativa de sobrevivência em meio aos inúmeros confrontos. A

inserção dos índios aldeados na cultura política portuguesa através, por exemplo, da apropriação

dos ofícios militares e da colaboração com os poderes colonialistas foi uma constante observada

na aldeia de Ibiapaba na capitania do Ceará na primeira metade do século XVIII200.

Pelo fato de os índios serem portadores de uma importante força marcial, além do

conhecimento das terras da Capitania do Rio Grande, sua participação em atividades como a

do Terço era considerada importante para os portugueses. Puntoni acredita que “a presença do

indígena era constante e acabava pela sua adequação ao meio e às técnicas necessárias,

conferindo o caráter das atividades militares”201. Desde o século XVI, existiam as alianças entre

indígenas e colonos com fins militares, sendo um caso particular ocorrido em 1614 quando o

chefe potiguara Potiguaçu chegou a deslocar seu grupo do Rio Grande para o Maranhão em

virtude do combate a ser travado contra os franceses202. O terço de Camarão pode ser apontado

199 STERN, Steve. Resistance, rebellion and consciousness in the Andean Peasant Word, 18th to 20th

Centuries. The University of Wisconsin Press, 1987. 200 MAIA, Lígio de Oliveira. Honras, Mercês e Prestígio Social: a inserção da família indígena Sousa e Castro nas

redes de poder do antigo regime na capitania do Ceará. Revista de Ciências Sociais, v. 43, n. 2, p. 9-23, jul/dez,

2012. 201 PUNTONI, Op. Cit., p. 188. 202 Cf.: SILVA, Kalina Vanderlei. Nas solidões vastas e assustadoras: a conquista do sertão de Pernambuco pelas

vilas açucareiras nos séculos XVII e XVIII. Cepe Editora, 2010.

Page 97: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

96

como outro exemplo de integração e articulação dos povos indígenas e suas técnicas militares

aos moldes portugueses203.

Apesar da importância dos índios inseridos no meio militar, encontram-se certas

distinções acerca do serviço militar dos índios e dos brancos no Terço que valem ser ressaltadas,

a começar pela matrícula para a participação do efetivo. Em uma minuta do rei, a ordem era

que, ao abrir novos títulos na Companhia do Terço, matriculassem-se “os brancos na forma do

Regimento e os Indios so pelos nomes e nações de q forem”204. Isso aconteceu possivelmente

pelo fato de eles julgarem ser impossível matricular os índios no Terço já que eles tinham

“variede na sua prezistencia” e abandonavam a qualquer tempo o serviço, repercutindo não

apenas na matrícula mas também no pagamento deles, que levaria à outra diferenciação, pois

se sugeria que só os brancos recebessem o soldo enquanto “os Indios serem socorridos com

farinha e a farda de q usão estes gentios”205.

Os índios que surgem na documentação analisada fazem utilização de armas de fogo

provenientes dos brancos, como se evidencia, por exemplo, em um tratado de paz entre

Bernardo Vieira e os “Tapuyas Ariûs piquenos” anexo a uma carta do próprio capitão-mor para

o rei D. Pedro II com a ideia de criação de um presídio no sertão do Açu, assinado no dia 20 de

março de 1697206. Em uma das cláusulas para o estabelecimento da paz, exigia-se a não

utilização de armas de fogo pelos índios. Com isso, não necessariamente os índios

abandonavam suas técnicas e armas próprias de guerra, mas as incrementavam e

complementavam seu arsenal, tendo em vista as pesadas investidas que sofriam pelos

adversários. De acordo com Maria Regina Celestino de Almeida,

Houve diversas formas do que Steve Stern chamou de resistência adaptativa,

através das quais os índios encontravam formas de sobreviver e garantir

melhores condições de vida na nova situação em que se encontravam.

Colaboraram com os europeus, integraram-se à colonização, aprenderam

novas práticas culturais e políticas e souberem utilizá-las para a obtenção das

possíveis vantagens que a nova condição permitia. Perderam muito, não resta

dúvida, mas nem por isso deixaram de agir207.

203 Cf.: ELIAS, Juliana Lopes. Militarização indígena na Capitania de Pernambuco no século XVII: caso

Camarão. 2005. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós-

graduação em História, Recife, 2005. 204 Carta (minuta) ao rei [D. Pedro II] sobre os índios agregados ao Terço dos Paulistas no Açu. In: AHU-RN,

Papéis Avulsos, Caixa 1, Doc. 55 [post. 1700]. 205 Idem. 206 Carta do capitão-mor do Rio Grande do Norte, Bernardo Vieira de Melo, ao rei [D. Pedro II] sobre decisão dos

oficiais da Câmara e moradores de Natal de se fazer um presídio no sertão do Açu, que seria sustentado por seis

meses pelas farinhas dadas pelos moradores. In: AHU-RN, Papéis Avulsos, Caixa 1, Doc. 42 (1697, Abril, 25,

Natal). 207 STEVE, Stern. Apud. ALMEIDA, Op. Cit., p. 23.

Page 98: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

97

Fossem envolvidos como aliados ou inimigos, os índios participaram efetivamente dos

conflitos que compuseram a Guerra dos Bárbaros. A maioria dos eventos que compuseram a

Guerra do Açu podem ser caracterizados como guerras justas, tal como no exemplo supracitado

dos índios Janduís, Caboré e Capela. Já próximo ao fim da Guerra dos Palmares, o mestre de

campo responsável pela guerra e o seu terço solicitavam as mercês, principalmente as

concessões de sesmarias, em retribuição às suas ações208. Nessa ocasião, compararam o conflito

dos Palmares com a guerra nos sertões do Açu, Piranhas, e Rio Grande, de importância igual

ou maior, segundo eles, pois nessas áreas conseguiu-se deter o gentio levantado tornando-os

escravos que pudessem suprir as perdas que a guerra levou mesmo com o impedimento inicial

dos padres, que logo teriam se arrependido de suas intervenções a respeito do cativeiro. No

Mapa 3, abaixo, é possível perceber as primeiras frentes de conquista do sertão do Rio Grande,

quando ainda existiam apenas as missões do Apodi, Guajiru e Guaraíras.

Mapa 3 – Primeiras frentes de conquista no sertão do Rio Grande (final do século XVII).

Fonte: Santos Júnior (2008)209.

208 Requerimento que – aos pés de Vossa Majestade humildemente prostrado – faz em seu nome e nome de todos

os oficiais e soldados do terço de Infantaria São Paulista de que é mestre de campo, Domingos Jorge Velho que

atualmente serve à Vossa Majestade na guerra dos Palmares contra os negros rebelados nas capitanias de

Pernambuco. Documento original no Arquivo Histórico Ultramarino (AHU, Portugal, Lisboa) transcrito e

publicado por Ernesto Ennes, pp. 316-344. In: GOMES, Flávio (org.). Mocambos dos Palmares: histórias e

fontes (Séc. XVI-XIX). Rio de Janeiro: 7Letras, 2010, p. 421-422. 209 SANTOS JÚNIOR, Valdeci dos. Os índios tapuias do Rio Grande do Norte: antepassados esquecidos.

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Mossoró, 2008, p. 78.

Page 99: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

98

A conquista do interior, não apenas da Capitania do Rio Grande, mas de maneira geral

das Capitanias do Norte do Estado do Brasil, interferia na vida de vários setores da sociedade

colonial. Primeiro, a própria Coroa que visava a expansão territorial a fim de avançar com a

empresa pastoril; em seguida, as elites coloniais poderiam galgar novos títulos ou adquirir novas

terras; já a Igreja, além das terras, alastraria o campo de alcance da catequese e os povos

indígenas sofreriam as diversas tentativas de desterritorialização seguidos de suas ações de

resistências e enfrentamentos. Esse interior a ser conquistado é o que recebe a denominação de

sertão, possivelmente advinda do termo “desertão” ou “deserto”, no século XV, já que se tratava

de um espaço ausente da presença da Coroa e de seus súditos210.

Gabriel Soares de Souza, sertanista do século XVI, deixou suas impressões a respeito

das terras que correspondiam aos sertões e seus habitantes:

Este gentio senhoreia esta costa do Rio Grande até a Paraíba, onde se

confinaram antigamente com outro gentio, que chamam os Caités, que são

seus contrários, e se faziam cruelíssima guerra uns aos outros, e se fazem ainda

agora pela banda do sertão onde agora vivem os Caités, e pela banda do Rio

Grande são fronteiros dos Tapuias, que é gente mais doméstica, com que estão

às vezes de guerra e às vezes de paz, e se ajudam uns aos outros contra os

Tabajaras, que vizinham com eles pela parte do sertão211.

Observa-se, portanto, que o sertão era visto pela Coroa como um espaço amplo que se

encontrava sem sua extensão de poder e leis, mas que poderia ser ultrapassado ao se romper a

barreira formada pelos grupos indígenas, sempre associados aos selvagens e incivilizados. Foi

apenas no século XVIII, próximo do fim da Guerra dos Bárbaros, que o sertão ganhou também

o significado de estrada ou caminho de acesso. Nesse caso, seria a possibilidade de entrada a

uma área ora desconhecida, mas possível de tornar-se produtiva após sua conquista212.

Em uma carta de Domingos Afonso Sertão para D. João de Lencastro, datada de

janeiro de 1702, em que dava conta ao governador-geral do Brasil dos caminhos e povoações

que distavam da Bahia até o último povoado da parte Norte, ele comentou acerca de uma estrada

que partia de uma povoação e se conseguiria alcançar o Ceará, Rio Grande, Paraíba e

Pernambuco. A partir dessa estrada foi possível “ir socorros sempre que fosse preciso, em carros

e cavalos, porque por todas aquelas paragens havia muitos currais de gados e farinhas para

210 Cf.: LOPES, Fátima Martins. Missões religiosas – índios, colonos e missionários na colonização do Rio Grande

do Norte. 1999. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade

Federal de Pernambuco, Recife. 211 SOUZA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Recife: Ed. Massangana. 2000. p. 16-17. 212 Cf.: SILVA, Op. Cit.

Page 100: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

99

sustento desses comboios213”. Isso estabeleceu, assim, a relação que se existia para auxiliar os

comboios que estavam presentes em outras regiões, sempre que necessário, e principalmente

no caso de ataques dos índios já que um outro caminho que existia tivera sido destruído pelo

gentio bravo.

Nesse sentido, dialoga-se com Domingos Loreto Couto (1700-1757), que foi um

cronista e religioso da Ordem de São Bento que também deixou suas impressões acerca dos

sertões após a Guerra dos Bárbaros:

Livres os moradores destes certões das hostilidades, que experimentavão no

furor dos Indios, se vião combatidos de grande chusma de gente atrevida, e

dissoluta, que procurando naquellas terras huã vida livre, e licenciosa,

cometião roubos, homicidios, e outros enormes peccados, porque não havia

Tribunal, onde pedissem satisfação dos agravos, nem Justiça que castigasse os

seus insultos. O comercio era a medida de suas vontades, e dividas só as paga

quem queria, e muitas vezes o pagamento era huã balla, porque matar e ferir

mais que culpa, era bizarria.214

Entendendo os sertões como fronteiras, percebe-se que os processos de transformações

territoriais no que hoje é o Brasil, e mais especificamente na Capitania do Rio Grande, estão

relacionadas com a efetiva expansão dos domínios do império ultramarino português. É nesse

contexto de avanços dos colonizadores pela colônia que há choques entre os grupos sociais,

tendo em vista que cada grupo vivencia sua territorialidade ao seu próprio modo, configurando

o que Paul Little chamou de “conduta territorial”215.

Em uma consulta do Conselho Ultramarino sobre a nomeação de alguém para uma

vaga na companhia de Infantaria, no lugar de Luís da Silveira Pimentel, falecido após ter

servido vinte anos como soldado, alferes, ajudante e capitão de Infantaria do Terço dos

Paulistas, encontra-se a folha de serviços de Luís Pimentel na qual cita sua atuação na Guerra

dos Bárbaros e comenta justamente das entradas feitas ao sertão. Para o socorro da Capitania

do Rio Grande, portanto, diz-se que se penetrou “cem léguas do sertão, sendo mandado por

cabo de 250 homens das Guaraíras a buscar o inimigo no meio da capitania216”. A missão

213 Carta de Domingos Afonso Certão para D. João de Lencastre, governador e capitão-geral do Brasil, dando-lhe

conta, a seu pedido, dos caminhos, povoações e distâncias da Baia ao último povoado para a parte do Norte [...].

In: RAU, Op. Cit., p. 34-36. 214 COUTO, Domingos Loreto. Desagravos do Brasil e Glória de Pernambuco. In: Anais da Biblioteca Nacional

do Rio de Janeiro. vols. 24 e 25. Rio de Janeiro: Oficina Tipográfica da Biblioteca Nacional, 1904, p. 33.

Disponível em: <http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_obrasgerais/drg177349/drg177349.pdf>. Acesso em 02

de junho de 2019. 215 LITTLE, Op. Cit. 216 CONSULTA do Conselho Ultramarino sobre a nomeação do terço do mestre de campo, Manoel Lopes para a

companhia de Infantaria, posto vago quando do falecimento de Luís V. S. da Costa [1697]. DOCUMENTO

original no Arquivo Histórico Ultramarino (AHU, Lisboa, Portugal) transcrito e publicado por Ernesto Ennes, p.

Page 101: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

100

religiosa de Guaraíras era localizada no litoral da Capitania do Rio Grande, e, nessa ocasião,

propôs-se o confronto entre os 250 índios dessa localidade e os índios sitiados no “meio da

capitania”, possivelmente referindo-se aos grupos étnicos presentes na passagem para o sertão.

Nesse sentido, compreende-se a resistência adaptativa indígena também presente na aliança

estabelecida com os “250 homens das Guaraíras” e os portugueses, que para além de se

manterem circunscritos pela missão religiosa, lutaram a favor da Coroa portuguesa e contra os

índios, como um claro exemplo de negociação e agenciamento.

Durante a Guerra dos Bárbaros, fica evidente esse choque entre diferentes grupos

sociais e o estabelecimento de simultâneos e sobrepostos processos de territorialização e

desterritorialização. Assim, em contextos de conflitos entre sociedades distintas no momento

de disputas pela posse das terras é gerada a desterritorialização dos grupos indígenas, até então

presentes no território. Através da invasão às terras desses grupos, a defesa pelo território

pareceu ser um elemento recorrente entre eles, gerando uma nova conduta territorial baseada

na proteção ou na territorialização de outro espaço.

3.3 – Simultâneos e sobrepostos processos de territorialização e desterritorialização no

sertão do Açu

Ao detalhar o conflito que teve como um dos palcos principais o sertão do Açu, Luís

da Câmara Cascudo, apesar de inicialmente atribuir a causa dele aos índios e a sua ferocidade

comentando acerca dos assaltos cometidos aos currais de gado e aos moradores daquela área,

munidos de mosquetes e armas tradicionais, faz um adendo ao tratar dos interesses dos

conquistadores. Cascudo ressalta que pelo fato de as cartas régias proibirem a escravidão

deliberada dos índios, os conquistadores ludibriavam a lei com “fórmulas jurídicas e

capciosas”217, que era o apresamento de índios em guerras que se diziam ser justas para

consequente escravização. Assim, na intenção de remediarem a escassez de mão de obra,

“excitavam, riscavam, estimulavam o indígena até que perdesse a calma e atacasse”218. Embora

Cascudo tenha pontuado esse caráter da guerra justa e da artimanha dos colonos, ele terminou

por se focar apenas na questão da necessidade da mão de obra quando, na verdade, o interesse

276. In: GOMES, Flávio (org.). Mocambos dos Palmares: histórias e fontes (Séc. XVI-XIX). Rio de Janeiro:

7Letras, 2010, p. 390. 217 CASCUDO, Op. Cit., p. 79. 218 Idem.

Page 102: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

101

na tomada de terras dos índios também representou um fator decisivo para a incidência da

guerra por se pretender desenvolver o criatório de fazenda de gado e o complexo pastoril.

O início dos conflitos no sertão do Açu, por volta de fevereiro de 1687, foi marcado

quando os índios Janduís teriam matado 46 vaqueiros. No entanto, um parente desses índios

teria sido assassinado por soldados, anteriormente. Se comparados, o número de apenas um

índio morto frente aos 46 vaqueiros, pode-se parecer desproporcional e impressionante, por isso

precisaria se levar em consideração que nesse caso, talvez não se tratasse de um membro

qualquer do grupo indígena que tivera sido assassinado, mas possivelmente uma liderança

daquele povo. Contudo, por motivo de ausência de mais detalhes oriundos da fonte, não se pode

afirmar categoricamente quem de fato era esse parente dos Janduís, o que se sabe é que a

retaliação da Coroa portuguesa diante do ocorrido já estava confabulada na Consulta do

Conselho Ultramarino. Sugeriu-se por parte do Conselho que, caso não se destruísse totalmente

o índio na guerra ou os reduzisse à paz, eles continuariam com repetidos assaltos. Dito de outro

modo, as alternativas propostas para os índios limitavam-se entre a guerra ou a redução.219

Nessa consulta, o caráter da guerra, além de corresponder com o esperado para uma

guerra justa com relação ao apresamento e cativeiro, determinou também a destruição total dos

índios ditos tapuias. Pelas décadas seguintes, continuou-se a combater os índios, fosse por meio

da possibilidade legítima de uma guerra justa ou pela sua redução. Tendo em vista as amplas

discussões que recentemente foram desenvolvidas acerca da Guerra no Açu, será privilegiado,

neste momento, um diálogo entre os documentos analisados e uma bibliografia atual que

evidencie possíveis estratégias de que os índios valeram-se direta ou indiretamente da guerra

justa. Destarte, a guerra do Açu e Piranhas contra os índios tapuias contou com gente experiente

e versada na espécie de guerra regular220, segundo o procurador dos Paulistas Bento Sorriel

Camiglio221.

219 Consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. Pedro II, sobre carta do capitão-mor do Rio Grande do Norte,

Pascoal Gonçalves de Carvalho, acerca das hostilidades que os índios tapuias Janduí faziam na capitania. AHU-

RN, Papéis avulsos, Caixa 1, Doc. 27 (1688, Fevereiro, 6, Lisboa). 220 Cf. ARAÚJO, Maiara Silva. Tropas pagas e ordenanças: perfil social dos militares da capitania do Rio Grande

(séculos XVII-XIX). 2019. 235f. Dissertação (Mestrado em História) - Centro de Ciências Humanas, Letras e

Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019. 221 Condições que os paulistas do terço de Infantaria de que é mestre de campo Domingos Jorge Velho pede que

se lhe concedam para poder continuar nos Palmares [1694]. Documento original no Arquivo Histórico Ultramarino

(AHU, Lisboa, Portugal) transcrito e publicado por Ernesto Ennes, p. 212-221. In: GOMES, Flávio (org.).

Mocambos dos Palmares: histórias e fontes (Séc. XVI-XIX). Rio de Janeiro: 7Letras, 2010. p. 332-337.

Page 103: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

102

Dentre as folhas de serviços de pessoas que se candidataram ao posto de capitão de

infantaria na praça de Pernambuco222, em maio de 1698, destaca-se a de Manoel da Rocha Lima

em meio à consulta do Conselho Ultramarino que, além de ter servido como soldado na Guerra

dos Palmares, teria servido também no Açu. Ao discorrer sobre sua atuação e a de mais de 200

homens, em 1689, por terem sido mandados pelo governador de Pernambuco, Antônio Luis

Gonçalves, comentava-se que a perseguição contra os índios Janduís começou na Ribeira do

Açu, avançando pela Ribeira do Piató, travessia do rio Paneminha, Panema Grande, Ribeira de

Mossoró até à Lagoa do Apodi, no decurso de cinco meses, trajeto destacado em vermelho no

Mapa 4. Segundo o relato, o resultado dessa empreitada foi a morte de quatros índios, além do

principal Jacaré-açu, e o aprisionamento de suas mulheres e filhos.

Mapa 4 – Trajeto de perseguição contra os índios Janduís.

Fonte: Editado pelo autor com base em Silva (2015)223.

222 Consulta do Conselho Ultramarino de 22 de maio de 1698, sobre a nomeação de pessoas para o posto de capitão

de infantaria que vagou na praça de Pernambuco pela promoção de Manoel Pinto ao posto de ajudante de tentente

[1698]. Documento original no Arquivo Histórico Ultramarino (AHU, Lisboa, Portugal) transcrito e publicado

por Ernesto Ennes, p. 297-301. In: GOMES, Flávio (org.). Mocambos dos Palmares: histórias e fontes (Séc.

XVI-XIX). Rio de Janeiro: 7Letras, 2010. p. 425-428. 223 SILVA, Tyego Franklim da. A ribeira da discórdia: terras, homens e relações de poder na territorialização do

Assú colonial (1680-1720). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Gtande do Norte,

Natal-RN, 2015, p. 32.

Page 104: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

103

Como comentado anteriormente, em março de 1688, a ordem do Governador Geral

Mathias da Cunha era de que o paulista Domingos Jorge Velho deixasse a ida para os Palmares,

e partisse rumo à Ribeira do Açu, a fim de combater os índios. Mathias da Cunha esperava não

apenas que se degolassem os “bárbaros”, mas também “a utilidade dos que aprisionarem,

porque por a guerra ser justa resolvi em Conselho de Estado, que para isso se fez, que fossem

cativos todos os bárbaros que nela se aprisionarem na forma do Regimento de Sua Majestade

de 611”224.

Pedro Carrilho, anos depois, escreveu ao rei dando conta da guerra ofensiva ou

defensiva que estava se sucedendo na Ribeira do Açu e Jaguaribe contra o “gentio bárbaro de

Corso: jandois, urius, piacus, caretius, ycos e outros”225. Nessa carta, logo de início deixava-se

claro as perdas e os danos que os moradores enfrentaram em virtude dos roubos e mortes que

os índios estariam realizando. No intuito de reforçar ao rei o caráter belicoso dos índios,

Carrilho propôs dissertar primeiro sobre quem eram “estes bárbaros homens ou homens

bárbaros”226, afirmando que eles não tinham fé, lei, nem piedade.

Contudo, a sua descrição a respeito dos índios não se limitou apenas a defini-los no

âmbito das guerras, adentrou também aos costumes e à religiosidade deles, por exemplo.

Detalhou-se a crença que os índios tinham nos feiticeiros e agoureiros, sem os quais não faziam

nada antes de solicitar informações sobre o futuro. Além disso, eles tinham uma relação

profícua com a natureza, a exemplo da lua, na qual se orientavam para contar o tempo, do canto

das aves e grunhir dos bichos que inspiravam os seus agouros e da alimentação baseada em

raízes e frutas. Quanto aos seus costumes, destacaram-se os furos que realizavam pelo corpo

desde pequenos, assim como os exercícios, a luta, as corridas, os saltos e a nudez. Sobre a

questão da moradia, reforçava-se a ideia de serem realmente índios do corso, pois se afirmou

que eles eram espíritos ambulantes que andam pelos montes e vales, sem casas, aldeias, jazigo

ou lugar certo para dormir.

Após as quatro primeiras folhas da carta dedicadas aos detalhes expostos acima, Pedro

Carrilho retoma os adjetivos que categorizam esses índios como ferozes, comparando-os a

animais. Para ele, os índios eram brutos e irracionais pelo fato de comerem uns aos outros, seres

da mesma espécie. Consequentemente, para além das ações empreendidas na guerra, pontuou-

224 Carta para o capitão-mor Domingos Jorge Velho sobre partir com a gente que tiver sobre os bárbaros do Rio

Grande [1668]. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, Volume 10. p. 293-295. 225 ANDRADE, Pedro Carrilho de. Memória sobre os índios do Brazil. Revista do IHGRN. Vol. 7, nº 1 e 2,

1909. 226 Idem.

Page 105: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

104

se a antropofagia como elemento que reforçasse o estado de barbárie presente nos índios. Dessa

maneira, o cerne principal da carta girava em torno de descrevê-los de modo a dar conhecimento

ao rei da figura de um índio que naturalmente mereceria a guerra. Assim, a guerra seria

considerada justa pois todos os aspectos descritos, desde a religião até a alimentação, colaboram

para estigmatizar a imagem de animalidade e brutalidade.

Com a finalidade de aclarar a visão do rei, tendendo mais para a tomada de decisão de

se fazer e continuar a guerra do que se manter a paz com os índios, Carrilho começou a

apresentar casos em que eles estariam de pazes feitas e não teriam sido leais. A exemplo dos

Paiacus, citou-se o ocorrido de quando teriam matado um religioso que ia do Açu para o

Jaguaribe, especificamente no caminho do Apodi. Já os Janduís levantaram-se nas Ribeiras do

Açu, Mossoró e Apodi, entre 1687 e 1688, matando e queimando tudo pela frente. Em ambas

as situações, os índios teriam realizado pazes com os portugueses previamente. No entanto, em

determinado momento, voltaram atrás e realizaram ataques. Destarte, conformou-se a ideia de

vulnerabilidade e inconstância dos índios com relação às leis e acordos estabelecidos, mais um

atributo negativo que corroborava para não se firmar acordos com eles, mas impelir a guerra

justa.

A respeito da guerra e da ação das autoridades, Carrilho comentou do investimento

que se fizera para que as infantarias pudessem assistir a Capitania do Rio Grande mesmo com

a dificuldade que se tinha pelo fato de a guerra dos índios ser toda de ciladas e assaltos, como

um raio que passa. Ainda segundo Carrilho, os índios eram sabidos pois, ao perceberem alguma

movimentação que indicasse um confronto, eles entravam nas missões para se protegerem e

evitar a guerra justa quando, na verdade, a Igreja não deveria protegê-los, pois se tratavam de

hereges e tiranos, de acordo com sua visão. Nesse caso, Pedro Carrilho, assim como a grande

maioria dos colonos e proprietários de terras, se posicionou contrário à proteção concedida aos

índios nas missões. Os índios, por sua vez, valendo-se da prerrogativa da paz nesses espaços,

costumavam se acolherem a fim de refugiarem-se e livrarem-se dos conflitos, característica que

também conforma uma face da resistência adaptativa.

Na tentativa de solicitar medidas enérgicas em prol do socorro da Capitania do Rio

Grande e, especificamente, o sertão do Açu, Pedro Carrilho não poupou o uso de atribuições

negativas aos índios, contribuindo para o argumento da destruição deles, tendo em vista serem

equiparados a animais. A antropofagia, por exemplo, realizada muitas vezes de maneira

ritualística por parte dos índios quando capturavam um inimigo na guerra, passava

incompreendida pelo olhar dos colonos e se tornava uma razão de intervenção das autoridades.

Page 106: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

105

Tzvetan Todorov, ao analisar o comportamento dos colonos espanhóis na convivência

com os índios, apontava justamente para essa falta de compreensão em suas relações. Não se

havia um interesse em falar com o outro para conhecê-lo, bastava apenas falar dele. Isto é, “se

a compreensão não for acompanhada de um reconhecimento pleno do outro como sujeito, então

essa compreensão corre o risco de ser utilizada com vista à exploração, ao ‘tomar’; o saber será

subordinado ao poder”227. Desse modo, o vício pelo poder de subjugar e dominar o outro era

acompanhado de agressividade e se materializava nos massacres.

No caso dos índios do Rio Grande não foi diferente: reconhece-se a proposta dos

conquistadores em animalizar ou desumanizar os índios por razões não declaradas, enquanto a

conformação da guerra justa mostrou-se como um regulador da escravidão e da tomada de terras

no Açu, assim ilustrando a materialização desse vício pelo poder de dominação. É notório, na

grande maioria dos relatos coloniais, a falta de esforços para reconhecer a alteridade ao índio.

Antes soava mais fácil a utilização da força e da violência como maneira de se tratar aquele a

quem não se pretendia tomar muito conhecimento, apenas explorar. Sobre o poder de castigar

e premiar os índios quando necessário, por exemplo, Pedro Carrilho foi um dos que sugeriu a

escolha de um administrador que seria responsável por eles na Ribeira do Açu pois, para ele,

ninguém era bom se não fosse por meio do temor.

Confiando no temor como ferramenta de sujeição do outro, Carrilho baseou-se em

trechos da Bíblia, no direito natural e em doutores, como São Tomás de Aquino, para elaborar

sua arguição e afirmar as leis régias que garantiam o cativeiro àqueles que movessem ou

provocassem guerra. Assim, de acordo com seu relato, poderia ser justa e lícita a guerra que

visasse conservar o bem comum; aquela que recuperasse bens injustamente usurpados; e, por

último, que defendesse o inocente. Para ele, todas as condições anteriores estavam sendo

violadas pelos índios da Ribeira do Açu e, por isso, tinha-se a necessidade de incidência da

guerra e do cativeiro. Ideias, inclusive, similares às de Juan Ginés Sepúlveda expressas no

debate de Valladolid como causas motivadoras de uma guerra justa.

No mesmo viés de desumanização do índio com o pretexto de reduzi-lo, Domingos

Jorge Velho o fez ao narrar as ações realizadas pelos paulistas. Domingos Jorge Velho escreveu

que na “conquista do gentio brabo deste vastíssimo sertão”, cativá-lo não seria o objetivo deles,

mas, antes, adquirir “o Tapuia gentio brabo e comedor de carne humana para reduzi-lo ao

227 TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1939, p. 128.

Page 107: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

106

conhecimento da urbana humanidade e humana sociedade a associação racional”228. Jorge

Velho tentou mascarar a real intenção dos paulistas com relação ao cativeiro, sendo uma das

ambições deles. Desse modo, seu relato não corresponderia totalmente à realidade, tanto que há

diversos momentos em que o rei ou o governador de Pernambuco solicitavam a liberdade de

índios que tinham sido apresados por eles em guerras que, de início, pareciam ser justas, mas,

após devassarem o caso, tratavam-se de guerras injustas. Contudo, o que se percebe em suas

opiniões, além da desumanização do índio, é uma estratégia de manipulação, tratando o

cativeiro de forma velada ao utilizar sinônimos que não diretamente caracterizam o cativeiro,

como “adquirir” e “reduzir” os índios, para depois se servirem deles nas lavouras. Os dois

termos, na verdade, corroboraram a ideia de cativeiro dos índios, apesar de Jorge Velho

continuar em estado de negação sobre essa conduta dos paulistas, pois, para ele, esses atos

estariam bem longe de cativá-los, “antes se lhes faz um irremunerável serviço em ensiná-los a

saberem lavrar, plantar, colher e trabalhar para seu sustento”229.

Portanto, não sendo suficiente tratar os índios tais quais animais ou bestialidades, haja

vista comerem carne humana, Jorge Velho propôs uma suavização de como ocorria a guerra

justa e o consequente cativeiro. De maneira eufemística, Jorge Velho normatizava a forma de

se “adquirir” os índios, como se fosse um bem semovente, tais quais os escravos ou animais de

tração, disponível e necessitado de aperfeiçoamento através da instrução de modo a torná-los

“racionais” e úteis para suas lavouras. Como Fátima Martins Lopes já tinha apontado, a prática

da guerra justa “continuou a alimentar um constante mercado de índios, para servirem aos

colonos como escravos, e à colonização nas guerras contra outros índios”230. Portanto, mesmo

com a proibição da escravidão dos índios, os resgates e os prisioneiros de guerra supriam a

demanda de mão de obra dos colonos através do cativeiro feito com licença oficial.

Ao combater o gentio bárbaro, as terras do sertão do Açu avolumavam-se como

possibilidades de recompensas aos envolvidos nos conflitos favoráveis à Coroa portuguesa. Em

2 de julho de 1689, os oficiais do Senado da Câmara de Natal assinaram uma carta escrita pelo

tenente-coronel João de Barros Coutinho, a qual foi remetida a Lisboa por meio de um

representante, o capitão Gonçalo da Costa Faleiro. Nesse momento, eles também davam

228 Carta autografada de Domingos Jorge Velho, escrita do Outeiro do Barriga, campanha dos Palmares em que

narra os trabalhos e sacrifícios que passou e acompanha a exposição de Bento Sorriel Camiglio procurador dos

Paulistas [1694]. In: GOMES, Flávio (org.). Mocambos dos Palmares: histórias e fontes (Séc. XVI-XIX). Rio

de Janeiro: 7Letras, 2010, p. 342. 229 Idem. 230 LOPES, Fátima Martins. Missões religiosas – índios, colonos e missionários na colonização do Rio Grande

do Norte. 1999. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade

Federal de Pernambuco, Recife, p. 331.

Page 108: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

107

informações sobre o estado da Capitania do Rio Grande e de seus moradores, além da urgência

de socorro por meio da ação dos paulistas, dos índios de Pernambuco e dos pretos de Henrique

Dias, os quais poderiam ser capazes de “destruir e arruinar todo o gentio, ficando estes sertões

livres para se colonizarem”231. Segundo Júlio César de Alencar, o interesse dos camarários na

integração do sertão e consequente colonização era notório pela proporção com que davam ao

combate aos índios, evidente tanto no momento que solicitavam a participação de tropas de

outras partes da colônia quanto no extenso volume de documentação produzida pela Câmara de

Natal.232

Solicitava-se, na carta emitida pelos camarários em 1689, um reforço para a fortaleza

dos Reis Magos e, mais ainda, o estabelecimento de uma fortificação na Ribeira do Açu com

pelo menos trinta homens que pudessem garantir a segurança dos moradores locais. Sobre o

sertão, comentaram que

Nos limites desta capitania se tem descoberto mais de trezentas léguas de terra

pela costa do mar e para o sertão, todas estas mui capazes para criar gados e

fazer muitas lavouras, todas estas dadas a quem as quiser pedir das mais

capitanias e desta; há sujeito que possui vinte e trinta léguas, sem ter cabedal

para as povoar.233

Logo, as terras do sertão do Açu foram colocadas à disposição dos colonos que tivessem

interesse em povoá-la – sem se levar em consideração os índios daquela área nem sequer ser

necessário cabedal para tal, contradizendo o que se esperava quando eram concedidas

sesmarias. Desse mesmo sertão, os camarários do Senado da Câmara de Natal diziam haver

uma confusão justamente na demarcação e no domínio possivelmente porque o governo e a

justiça eram distantes de lá. Porém, mesmo com as incertezas que permeavam o pouco

conhecido sertão, foi sugerido pelos camarários que, ao fim da guerra contra os bárbaros e

derramamento de sangue continuado com as armas em mãos, fossem dadas as terras como

forma de premiação àqueles que lutassem ao lado dos portugueses.

A respeito da criação de um presídio no Açu, Bernardo Vieira de Melo, então capitão-

mor do Rio Grande, escreveu, ainda em 1697, ao rei D. Pedro II comunicando da decisão

tomada junta aos oficiais da Câmara e dos moradores de Natal, favoráveis à construção desse

231 MEMORIAL que a Câmara de Natal escreveu para ser levado à Sua Majestade. IHGRN, LCPSCN, Caixa 65,

Livro 2, fls. 129, 02/07/1689.. 232 ALENCAR, Júlio César Vieira de. Para que enfim se colonizem estes sertões: a Câmara de Natal e a Guerra

dos Bárbaros (1681-1722). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

Natal-RN, 2017, p. 75-76. 233 MEMORIAL que a Câmara de Natal escreveu para ser levado à Sua Majestade. IHGRN, LCPSCN, Caixa 65,

Livro 2, fls. 129, 02/07/1689.

Page 109: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

108

presídio distante 40 léguas do sertão do Açu com o objetivo de “refrear qualquer impulso dos

Bárbaros”.234 Alegando falta de recursos da Real Fazenda, o capitão-mor pediu aos que estavam

de acordo com o estabelecimento do presídio que colaborassem com farinhas. Logo, os

envolvidos concordaram com a concessão do auxílio e se comprometeram a sustentar os que

iriam assistir o presídio com as farinhas durante seis meses enquanto se aguardava uma resposta

do Governador-geral e/ou do rei.

A construção de um presídio no sertão do Açu colaborava para o novo processo de

territorialização, impulsionado pela Coroa portuguesa, visando uma expansão territorial do seu

poder de modo a tomar controle daquela área, haja vista que os próprios camarários, desde

1689, já tinham comentado que se tratava de um espaço distante do domínio e da justiça. O

desejo pela fixação do poder no espaço do sertão também foi endossado na gestão do capitão-

mor Agostinho César de Andrade quando, em 1690, este tomou a medida de conservar na

Ribeira do Açu dois quarteis com 150 homens, 40 infantes e alguns índios domésticos235. Assim

como na gestão seguinte, de Sebastião Pimentel, em 4 de agosto de 1693, também se propôs

não apenas dar assistência e socorro advindos de dois arraias de paulistas no Açu, mas

incentivar o povoamento dessa área, a qual ele se obrigava “a deixar tudo povoado, e que de

outra sorte, as campanhas são abertas”236, possivelmente fazendo referência às vastas

possibilidades de campos e terras a serem povoadas, haja vista esse pronunciamento ter sido

dado nos anos iniciais dos conflitos na área do Açu, ainda ocupada majoritariamente por povos

indígenas.

No processo de dominação do sertão, os índios tinham opções de lugar pré-definidos

onde se poderiam encaixar, de acordo com a concepção da Coroa: o cativeiro, mediante a guerra

justa; as missões, depois de reduzidos; ou “outros sertões remotos em que vivam sem prejudicar

234 CARTA do capitão-mor do Rio Grande do Norte, Bernardo Vieira de Melo, ao rei [D. Pedro II] sobre decisão

dos oficiais da Câmara e moradores de Natal de se fazer um presídio no sertão do Açu, que seria sustentado por

seis meses pelas farinhas dadas pelos moradores. AHU-RN, Papéis avulsos, Caixa 1, Doc. 42 (1697, Abril, 25,

Natal). 235 Consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. Pedro II, sobre carta do capitão-mor do Rio Grande do Norte,

Agostinho César de Andrade, acerca da destruição da capitania com os ataques dos tapuias e sobre a falta de

mantimentos para os soldados aquartelados na Ribeira do Açu, o que os obrigava a abandonar o posto. AHU-RN,

Papéis avulsos, Caixa 1, Doc. 31 (1690, Novembro, 10, Lisboa). 236 Consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. Pedro II, sobre diversas cartas recebidas acerca do estado de ruínas

da Capitania do Rio Grande do Norte e da Fortaleza dos Reis Magos por causa da Guerra dos Bárbaros. Anexo:

aviso, parecer do Conselho Ultramarino (minuta); cartas do ouvidor-geral da Paraíba, Diogo Rangel Castel Branco,

do capitão-mor da capitania do Rio Grande do Norte, Sebastião Pimentel, dos oficiais da Câmara de Natal e do

governador de São Tomé, Ambrósio Pereira de Berredo. AHU-RN, Papéis avulsos, Caixa 1, Doc. 35 (1693,

Novembro, 23, Lisboa).

Page 110: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

109

os moradores”237. Dom João de Lencastro, à época em que era Governador Geral do Brasil,

especificamente em junho de 1694, escreveu uma carta ao Governador de Pernambuco, com

cópia a Agostinho Cesar de Andrade, informando a proposta de se criar novas povoações de

aldeias no Açu, Jaguaribe e Piranhas. Nesse contexto, portanto, o Governador-geral afirmou

que, diante da não aceitação da redução através de uma “paz fixa” por parte dos índios e da

impossibilidade de colaboração no povoamento daquelas áreas, pelas forças das armas eles a

aceitassem ou buscassem os “outros sertões remotos”. Isto posto, os índios deveriam se deslocar

para áreas além do povoamento do sertão do Açu, sendo destinados a outros espaços que não

os seus.

Os índios do sertão do Açu, já associados aqui como “barreiras humanas” ou

“fronteiras”, quando se colocavam contrários ao projeto expansionista da Coroa como

resistência, eram impelidos pelas armas lusas a fim de “limpar” o território e montar as bases

de fixação no local. A guerra justa, como se vem percebendo até o momento, foi uma das

maneiras mais eficazes de se alcançar esse intento no Açu pois unia a legitimidade dada pelas

leis oriundas do Rei com o cumprimento do propósito de espoliação dos espaços desejados, ou

seja, do modo considerado lícito e justo diante da Coroa, os colonos e os moradores do Rio

Grande tiveram em suas mãos a possibilidade de avançar com a colonização para os sertões e,

se necessário, retirar do caminho qualquer impedimento.

Logo que Domingos Jorge Velho e os paulistas chegaram “nas províncias das Piranhas

e Açu”, teriam encontrado o capitão-mor daquela guerra, Constantino de Oliveira, preso num

cerco montado pelos índios, por volta de 1698. Em forma de represália, os paulistas

desestruturam o cerco e puseram em fuga o grupo indígena. No entanto, chegaram a matar

“grande quantidade deles até chegar a uma sua grande povoação, que destruiu e queimou,

degolando os quantos achou nela: tirando com isso aquele grande obstáculo que impedia a

passagem aos gados [...] para Pernambuco”238 (grifo meu), deixando-se clara a representação

dos índios como obstáculos que precisavam ser ultrapassados a fim de garantir o êxito da

colonização.

237 Carta para o governador de Pernambuco [1694]. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, vol. 38, pp.

314-315. 238 Requerimento que – aos pés de Vossa Majestade humildemente prostrado – faz em seu nome e nome de todos

os oficiais e soldados do terço de Infantaria São Paulista de que é mestre de campo, Domingos Jorge Velho, que,

atualmente, serve à Vossa Majestade na guerra dos Palmares contra os negros rebelados nas capitanias de

Pernambuco. Documento original no Arquivo Histórico Ultramarino (AHU, Portugal, Lisboa) transcrito e

publicado por Ernesto Ennes, pp. 316-344. In: GOMES, Flávio (org.). Mocambos dos Palmares: histórias e

fontes (Séc. XVI-XIX). Rio de Janeiro: 7Letras, 2010, p. 408.

Page 111: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

110

Maria Hilda Paraíso categorizou essa relação que envolvia a guerra em uma ponta e a

escravidão em outra como “círculo de ação-reação-repressão”239 em seu estudo envolvendo a

Bahia na década de 1650. Esse círculo “girava”, inicialmente, quando a ação de interiorização

dos colonos era posta em prática. Logo depois, os índios responderiam ao avanço de forma

bélica na tentativa de impedi-lo e, por fim, o poder lusitano articularia uma forma de reprimi-

los. Vale ressaltar que, apesar de ilustrar de maneira mais prática como uma espécie de ciclo,

essa visão pode ser um pouco reducionista do ponto de vista da História Indígena ao pensar-se

que termina por limitar os acontecimentos que envolviam os índios – caso venha a se tratar esse

ciclo de maneira engessada e generalizada pelo fato de ser um movimento iniciado pelos

conquistadores e findado pelos índios.

Tendo em vista que nos meandros desse ciclo poderiam surgir diversas oportunidades

de resistência dos índios, algumas já mencionadas aqui, como os casos de índios adentrando as

missões pois sabiam que lá poderiam livrar-se da guerra; ou de acordos de paz estabelecidos

com os portugueses240, por exemplo, as adaptações e reflexões indígenas assemelham-se ao que

Steve Stern apresentou em relação aos desejos dos espanhóis no momento da conquista. Nesse

sentido, “quando a adaptação e a reflexão indígena saíram à luz, as utopias se desvaneceram”241,

sendo essas utopias baseadas nos anseios que os espanhóis tinham de enriquecer, ascender

socialmente ou cristianizar os índios mediante a colonização.

Dessa maneira, por mais que os colonos tivessem planos traçados ou arquitetassem suas

formas de repressão, as adaptações dos índios poderiam sobrepor-se e surpreender o que se

tinha idealizado. Com isso, a ideia de se tratar a guerra e a escravidão em um ciclo fechado

incorre o risco de reduzir os movimentos indígenas e tende a tratá-los de modo vulgar. Os

tratados de paz dos Arius pequenos e dos Janduís na Ribeira do Açu242, por exemplo, são

ilustrações de reflexão e adaptação dos índios visto que se valeram de um aparato legal dos

239 PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. De como se obter mão-de-obra indígena na Bahia entre os séculos XVI e

XVII. Revista de História, São Paulo, n. 119-131, p. 179-208, ago./dez. 1993; ago./dez. 1994. 240 Cf.: ALENCAR, Júlio César Vieira de. Para que enfim se colonizem estes sertões: a Câmara de Natal e a

Guerra dos Bárbaros (1681-1722). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande

do Norte, Natal-RN, 2017. p. 113. 241 Versão original: “Cuando la adaptación y la reflexión indígena salió a luz, las utopias se desvanecieron”. Cf.:

STERN, Steve J. Paradigmas de la conquista: historia, historiografía y política. Boletín del Instituto de História

Argentina y Americana “Dr. E. Ravignami”. Tercera serie, núm. 6, 2do. Semestre de 1992, p. 27. 242 Carta do capitão-mor do Rio Grande do Norte, Bernardo Vieira de Melo, ao rei [D. Pedro II] sobre decisão dos

oficiais da Câmara e moradores de Natal de se fazer um presídio no sertão do Açu, que seria sustentado por seis

meses pelas farinhas dadas pelos moradores. Anexo: termo de obrigação entre os oficiais da Câmara de Natal e os

moradores (cópia); tratado de paz com os tapuias Jandui, da Ribeira do Açu (cópia); certidão do rendimento dos

contratos do Rio Grande do Norte, de 1695 a 1697. AHU-RN, Papéis Avulsos, Caixa 1, Doc. 42 (1697, Abril, 25,

Natal).

Page 112: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

111

próprios colonizadores para evitarem a continuidade dos confrontos. O acordo de paz com o

“Rei Canindé”, em 1692, foi tema de uma consulta do Conselho Ultramarino no ano seguinte.

Como era de se esperar, pelo fato de repetidas vezes depreciarem a imagem dos índios,

comentou-se da volatilidade deles no que se tratava de manter sua palavra, dizendo serem eles

muito inconstantes e, por isso, o Conselho já deixava determinado que a qualquer momento que

a paz fosse descumprida, devia-se fazer, após a aprovação da junta das principais pessoas

declaradas no regimento243, a guerra defensiva.

No entanto, a ambição por aprisionar os índios tornou-se tão grande ao ponto de os

próprios moradores tramarem junto com os capitães do Terço dos Paulistas para incitar um

conflito entre os índios Paiacu e os Panucuguassu, em 1710, que visasse capturar as mulheres

e seus filhos. Mesmo com os Panucuguassu já tendo aceito a redução diante da ameaça de

guerra e do cativeiro pelos paulistas e convivendo no arraial determinado pelo mestre-de-campo

Manuel Álvares Navarro, alguns oficiais do terço aliaram-se aos moradores e com os Paiacus

do Apodi para matarem os Panucuguassu e que eles pudessem ficar apenas com as mulheres e

filhos. A trama não deu certo somente porque o mestre-de-campo tinha sido avisado por um

soldado, que teve tempo de informar aos Panucuguassu para que eles fugissem antes244. Tal

atitude de Navarro levanta dúvida quanto à sua motivação e o real interesse por trás dela, tendo

em vista ele se tratar de um dos principais responsáveis por comandar diversas tropas de ataque

aos índios245. A seguir, no Mapa 5, é possível identificar algumas das etnias indígenas presentes

na Capitania do Rio Grande e que foram apresentadas no mapa etno-histórico produzido por

Curt Nimuendaju em 1944.

243 Consulta do Conselho Ultramarino sobre o que escreve o governador-geral acerca das pazes que lhe mandarão

pedir os Tapuias dos campos do Açu em nome do Rei Canindé [1693]. Documento original no Arquivo Histórico

Ultramarino (AHU, Lisboa, Portugal) transcrito e publicado por Ernesto Ennes, p. 472-474. In: GOMES, Flávio

(org.). Mocambos dos Palmares: histórias e fontes (Séc. XVI-XIX). Rio de Janeiro: 7Letras, 2010, p. 327-328. 244 Carta do [sargento-mor do Terço dos Paulistas] José de Morais Navarro ao rei [D. João V] sobre uma trama

entre capitães do Terço dos Paulistas e moradores da Ribeira do Açu para incitar os índios Paiacu contra os

“Panucuguassu”, aldeados pelo mestre-de-campo Manuel Álvares de Novais Navarro, a fim de conseguirem

aprisionar as suas mulheres e filhos. AHU-RN, Papéis Avulsos, Caixa 1, Doc. 65 (1710, Maio, 27, Açu). 245 DIAS, Patrícia de Oliveira. Gentes de conquista: famílias, poder e pecuária na Ribeira do Apodi-Mossoró

(1676-1725). Anais Eletrônicos do XVII Encontro Estadual de História ANPUH-PB. v. 17, n. 1, 2016, p. 436-

446.

Page 113: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

112

Mapa 5 – Recorte do mapa etno-histórico de Curt Nimuendaju referente à Capitania do Rio Grande (1944).

Fonte: Mapa etno-histórico do Brasil e regiões adjacentes por Curt Nimuendajú, 1944246.

Apesar desse último caso referir-se ao Apodi, a maioria dos casos de guerra justa e

cativeiro dos índios ocorriam pelo sertão do Açu. Em uma carta régia, de 1703, destinada aos

oficiais da Câmara de Natal, tratando dos índios Janduís, recomenda-se reunir a Junta e

“achando-se justificada, faça-se a guerra”. No mesmo documento, comenta-se ainda que no

trato com os índios tem-se experimentado a pouca fidelidade deles. Infere-se, então, que

possivelmente por esse motivo, baseado na desconfiança dos laços estabelecidos com os índios,

deveria discutir-se sobre a incidência de uma guerra justa247.

Em outro documento, uma portaria do governador de Pernambuco ao Desembargador

geral, fez uma denúncia do mau procedimento executado pelos oficiais do Terço dos Paulistas

no que se tratava do cativeiro dos índios do Açu. Dez anos após a data da fonte anterior,

especificamente em 03 de agosto de 1713, sobre a Guerra do Açu, o governador de Pernambuco

expôs a contradição que se estava fazendo com relação ao “capítulo 82 do Regimento das

Fronteiras: nenhum oficial de guerra, soldado e fazenda comprará por si nem por interposta

246 Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Mapa%20Nimuendaju%202017%2

0versão%20Jorge%2004092017.pdf>. Acesso em: 16 de maio de 2020. 247 Carta régia aos oficiais da Câmara de Natal sobre se fazer junta acerca da guerra contra os índios Janduís. AHU,

Cd. 257 f. 121v e 122v.

Page 114: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

113

pessoa coisa alguma das presas que se tomarem”248. Segundo o relato do governador, os oficiais

da infantaria tinham comprado “presas” tomadas na capitania do Rio Grande, acarretando nas

penas de privação dos cargos e no pagamento dobrado do valor dado pelo índio cativo à

Fazenda.

Através dessa fonte não se pôde inferir se houve o cumprimento de tais penalidades

aos oficiais do Terço dos Paulistas, contudo, o alerta foi dado por parte do governador de

Pernambuco diante do descumprimento de regras que diziam respeito ao procedimento com os

índios cativos da Guerra no Açu. A esse respeito, Lopes assinala que os paulistas que já tinham

ampla experiência com a guerra e com o apresamento de índios na região do sul colonial viram

uma boa oportunidade nas guerras justas do Rio Grande, e em específico no Açu, por garantir

a possibilidade do envio de presas para venda nas cidades249.

Logo, a incidência da guerra justa no sertão do Açu serviu para balizar entre o cativeiro

e a venda de índios, o que seria mais conveniente para os conquistadores e moradores naquele

momento. Dessa maneira, decidir pela justiça ou injustiça da guerra contra os grupos indígenas

acarretava não apenas em consequências aos próprios índios, como também em vantagens aos

conquistadores pois, além da espoliação do território do sertão do Açu, objetivo que parece se

sobrepor nas ações de guerra, era possível garantir mão de obra cativa e, em algumas situações,

a venda dos índios, como feita pelos paulistas. Assim, o sertão do Açu representou um local de

ambição e disputa de poder cuja finalidade da Coroa se apoiava no domínio dos homens e das

terras por meio da apropriação dos espaços.

***

Neste capítulo, pretendeu-se partir do macro para adentrar à realidade do micro, ou seja,

no primeiro momento foram apresentadas as teias que conectavam algumas das Capitanias do

Norte, cujo fio condutor era o empreendimento da guerra justa e as autoridades e instituições

que orbitavam em torno de sua execução nesses espaços. Feito isso, caminhou-se em direção a

uma análise discursiva dos documentos que tratam da Guerra dos Bárbaros, apontando as

248 Portaria do gov. de PE ao desembargador geral ouvidor e auditor geral para proceder contra os oficiais da

infantaria do 3 º do Açu. BNL PBA Cd. 115 p. 184/185. 249 LOPES, Op. Cit., p. 289-290.

Page 115: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

114

discussões que permeavam a justiça ou injustiça da guerra, a legalidade do cativeiro e as ações

de conquista dos espaços pretendidos pela Coroa Portuguesa.

Após estabelecer o macro, através da análise da Guerra dos Bárbaros, propôs-se reduzir

a lente de observação para enxergar em específico as peculiaridades da incidência da guerra

justa no sertão do Açu. Por meio disso, perceberam-se os excessos cometidos, fosse pelos

capitães-mores, governadores ou mesmo oficiais de infantaria, assim como o jogo de interesses

baseado na justificativa das guerras para que pudessem gerar benefícios próprios às autoridades

ou à Coroa Portuguesa de modo a ampliar seu espaço de poder para os sertões, até então

“cercados” pelos índios.

Por outro lado, como se viu, os índios aceitaram acordos de paz, refugiaram-se nas

aldeias cristãs ou fugiram com destino a outros espaços onde pudessem ser reterritorializados.

Logo, nota-se que ora recorrendo às possibilidades disponibilizadas pela Coroa Portuguesa, ora

se valendo dos meios mais próximos ao seu alcance, os índios agiram de modo a exercer as

alternativas viáveis pretendendo resistir diante das investidas das autoridades coloniais e

moradores locais. Portanto, as formas de resistência adaptativa utilizadas pelos índios visavam

dirimir as ações que o sistema colonial os impunha, desde a proposição de uma guerra justa até

à consequente espoliação dos territórios nos sertões.

Page 116: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

115

4 DESNATURALIZAÇÃO INDÍGENA E APROPRIAÇÃO DO TERRITÓRIO EM

MEIO ÀS GUERRAS

No último capítulo, designou-se um momento de análise, em sua maioria, com base

nos Termos da Junta das Missões de Pernambuco, entendendo que esses documentos revelam

as estratégias discursivas referentes à guerra justa, assim como as ordens práticas da Junta

contra os índios inimigos. Assim, é possível não apenas entender a organicidade da instituição,

como também a sua relação com a justiça sobre os índios e a aplicabilidade dela na realidade

da Capitania do Rio Grande. Contudo, para iniciar a discussão, tratou-se de pensar

primeiramente nos territórios sociais – noção conceituada e discutida no próximo tópico deste

capítulo – dos índios nesse espaço colonial, na intenção de situar esse conceito de maneira

pragmática para a área do sertão do Açu, espaço até então habitado predominantemente por

índios, elencando elementos que o designam como tal.

Após discutir, inicialmente, de modo mais teórico, pretende-se abordar as razões e os

encaminhamentos tomados pelos índios quando defrontados pelas guerras justas no Rio

Grande. Apontando os acontecimentos que antecediam e que sucediam a declaração de uma

guerra justa nesse espaço, contudo, destacando os possíveis trajetos tomados pelos grupos

indígenas em meio a esse evento, fossem resistindo por meio da fuga ou sendo impelidos a um

deslocamento compulsório. Portanto, os deslocamentos dos índios, principalmente após a

chegada dos conquistadores, estavam condicionados à guerra, ora como resistência, ora como

punição. Dessa maneira, durante o processo de conquista do sertão, alguns povos sofreram com

o fenômeno da desterritorialização, que muitas vezes os levava a recorrer aos deslocamentos

espaciais durante a Guerra do Açu pois esse território foi tido como uma projeção espacial de

relações de poder, tendo em vista as sucessivas tentativas de controle e dominação da região e

de seus povos250, em específico a ribeira do Açu, área de maior foco de incidência da guerra na

Capitania.

Para encerrar as análises e reflexões estabelecidas aqui, dedicou-se a última discussão

baseada em um desdobramento dos deslocamentos compulsórios evidenciado durante o estudo

de alguns dos Termos da Junta das Missões de Pernambuco: a desnaturalização. Essa noção

começou a aparecer em alguns termos e associava essa ação ao deslocamento dos índios cativos

de guerra, motivados principalmente pelo desejo de desenraizá-los do local que estavam

250 Cf.: LITTLE, Paul E. Territórios sociais e povos tradicionais no brasil: por uma antropologia da territorialidade.

In: Anuário Antropológico/2002-2003. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004. p. 251-290.

Page 117: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

116

estabelecidos, possivelmente a fim de distanciar os laços de sociabilidade e comunicação, que

podiam ser ameaçadoras à continuidade do processo de conquista do sertão por parte da Coroa.

4.1 – Territórios sociais indígenas

Até aqui se tem falado acerca do território e das sucessivas tentativas de apropriação

por parte dos colonos e moradores que se valiam da guerra justa, contudo, cabe, agora, pensar

exatamente que tipo de território é esse de que se pretendia tomar posse. Tendo em vista que

cada grupo da sociedade vivencia uma dada territorialidade ao seu próprio modo, conforma-se

a ideia de “conduta territorial” proposta por Paul Little, ou seja, por meio dos esforços coletivos

configura-se a conduta territorial de determinado grupo, no qual a noção de territorialidade é

percebida pragmaticamente por meio de suas ações no sentido de “ocupar, usar, controlar e se

identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a assim em seu

‘território’ ou homeland”251. Dessa maneira, o antropólogo termina por associar a constituição

do território ao processo histórico no qual ele está imerso, determinando que “precisa-se de uma

abordagem histórica que trate do contexto específico em que surgiu e dos contextos em que foi

definido e/ou reafirmado”252.

Tomando conhecimento do tipo de território em questão, deve-se atentar que, aqui, se

considera o território do sertão do Açu também a partir da trajetória histórica à qual esse espaço

foi submetido, principalmente no que se refere ao processo de avanço para essa área e

consequente desterritorialização dos índios através da proposição da guerra justa. Destarte, o

sertão do Açu assume a posição de um território social. Essa noção de territorialidade ligada

aos processos históricos e sociais permite perceber a expansão das fronteiras como uma história

territorial formada pelo choque entre a conduta territorial do grupo que pretende avançar com

a conduta territorial do grupo já residente naquele espaço. Logo, a conduta territorial dos índios

do Açu foi confrontada pelos colonos e moradores que se valeram da guerra justa com o intuito

de tornar aquelas terras disponíveis para os seus projetos colonizadores.

Em meio aos conflitos e à espoliação dos territórios, os povos indígenas que conviviam

nesses espaços precisavam encontrar novos destinos a serem reterritorializados e,

consequentemente, elaborar uma nova conduta territorial. Caso contrário, alimentariam o

251 LITTLE, Op. cit., p. 253. 252 Idem, p. 254.

Page 118: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

117

desejo pelo retorno aos seus locais de origem, mesmo depois de terem sido desterritorializados,

assim como ocorreu com os Janduís. Dentre as condições de paz estabelecidas por Canindé, o

principal dos Janduís, em 1692, no tratado mencionado no capítulo anterior, solicitava-se o

reestabelecimento das terras deles no Rio Grande, as quais tinham sido perdidas durante a

guerra. O principal dos índios afirmou não só a necessidade que eles tinham de retornar, como

também a felicidade que teriam em repovoar suas terras, assim como recuperar seus currais

para que plantassem seus mantimentos e realizassem suas pescas nos rios e praias onde

geralmente o faziam253.

Através desse trecho das capitulações acordadas entre o “Rei Canindé” e o

Governador-geral, Antônio Luís Gonçalves de Câmara, consegue-se ter uma mínima noção da

relação que os Janduís estabeleceram com o seu território. Mesmo a terra sendo colocada por

eles como um bem necessário para a sua subsistência, por meio da pesca e das plantações, não

a restringiam a uma relação baseada na exploração, ao passo que não descartavam o fato de

esse retorno torná-los contentes. Essa felicidade, portanto, para além de ser vinculada ao uso da

terra, poderia ser baseada também no reestabelecimento de outros elementos da conduta

territorial deles, outrora abalada com a guerra.

Por meio das pazes que se ajustavam com os índios inimigos, é possível identificar

alguns dos elementos que comporiam a sua conduta territorial pelo fato de esses tratados

trazerem, de certa maneira, o que se poderia chamar de uma versão dos eventos mais

aproximada da ótica dos índios no momento em que eles estabeleciam suas condições para

realização das pazes. Em um registro de pazes feito com “alguns tapuias que foram da missão

da Capelinha”, localizada entre o Rio Ceará-mirim e o Rio Maxaranguape – é possível

identificá-la no Mapa 6 da página 126 –, em 28 de julho de 1713, explicitava-se que esses índios

eram cativos, mas fugiram de seus senhores e se reestabeleceram pelos sertões do Ceará-mirim,

onde estavam fazendo rancho. No documento, pôde-se inferir a resistência deles em manter as

vivências coletivas e recuperar a conduta territorial ao reterritorializarem o espaço com o rancho

253 Cópias das capitulações realizadas entre o governador-geral do Brasil Antônio Luís Gonçalves de Câmara e

Canindé, Rei dos Janduís [1692]. Documento original no Arquivo Histórico Ultramarino (AHU, Lisboa, Portugal)

transcrito e publicado por Ernesto Ennes, p. 422-426. In: GOMES, Flávio (org.). Mocambos dos Palmares:

histórias e fontes (Séc. XVI-XIX). Rio de Janeiro: 7Letras, 2010, p. 323.

Page 119: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

118

e ao manterem suas trilhas “muito escuras e encobertas”, por exemplo, por mais que não

passassem do número de dez índios254.

Em outro registro de paz, quatro anos após o supracitado, dessa vez realizado com os

índios da etnia Panicuassu, no qual se discorreu sobre as condições propostas para que eles

fossem assistidos por uma missão, faz-se menção à notícia que tivera sido dada pelo governador

de Pernambuco, informando que o capitão-mor do Rio Grande, Domingos Amado, deveria

estabelecer o aldeamento desses índios em uma missão e que, para tanto, deveria determinar

um “sítio conveniente em que eles se perpetuassem e porque queriam viver sossegados com

suas pessoas e famílias, fazendo plantas e lavouras para seu sustento”255 (grifo meu). Portanto,

além das condições de se tornarem súditos da Coroa, prestarem serviço aos moradores e não

portarem armas de fogo, por exemplo, há uma certa reticência quanto ao local de agrupamento

desses índios, que lhes garantisse a plantação e a colheita, possivelmente por pretenderem a

fixação deles nesse devido espaço.

Vale salientar que a escolha de determinado território para o estabelecimento dessa

missão, apesar de no excerto acima poder levar a inferir a respeito de uma provável preocupação

com os interesses dos índios, diz mais ainda sobre o interesse dos conquistadores pois, do ponto

de vista econômico, os colonizadores eram beneficiados através da facilidade de acesso aos

índios nesses agrupamentos para serem utilizados como mão de obra, bem como a liberação de

terras anteriormente ocupadas pelos índios, visando a apropriação e a ocupação desses

espaços256. Contudo, assim como fica claro nos dois acordos de paz acima, percebe-se a

necessidade de se fazer uma escolha de um “sítio conveniente” para construção de um rancho

e de lavouras, ou seja, uma conveniência no que tangia aos índios a partir do momento que se

colocava em questão o interesse dos índios com relação a determinado sítio.

Apesar de as missões tratarem-se de um tipo de territorialização tal qual João Pacheco

de Oliveira caracteriza, por meio de uma intervenção institucional e não unicamente por meio

da iniciativa dos grupos indígenas pois, segundo o antropólogo, esse fenômeno ocorre, muitas

vezes, através de “uma intervenção da esfera política que associa [...] um conjunto de indivíduos

254 Registro de um papel de pazes que se fizeram com os tapuias ajudado delas o capitão Teodósio da Rocha. Livro

6 de Provisões do Senado da Câmara – Fl. 8v. 255 Registro de um termo de obrigação que fizeram os tapuias Panicus-Assús e condições que se lhe foram

propostas para ire assistir na missão. Livro 6 de Provisões da Câmara – Fl. 81v. 256 Cf.: LOPES, 1999, Op. Cit., p. 343-344.

Page 120: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

119

e grupos a limites geográficos bem determinados”257, corroborando para o surgimento de uma

nova unidade sociocultural por meio de suas identidades étnicas diferenciadoras, sinais como

os da escolha de um local ideal para o estabelecimento deles reforçam a ideia que se pretende

elucidar aqui, tendo em vista que, ao decidirem pelo espaço mais adequado de acordo com o

interesse dos índios, seria possível criar um lugar que se assemelharia, de alguma maneira, ao

território social deles e permitiria reelaborar sua conduta territorial.

A conveniência na escolha do sítio mais apropriado para os índios implicava, além da

garantia de fixação por meio das plantações, na integridade de sua saúde. Na ocasião do pedido

de paz com o “Rei Canindé” em 1692, no sertão do Açu, analisado no capítulo anterior,

identificou-se por meio de uma consulta posterior o destino dele e de seu grupo. Nessa consulta,

feita por Bernardo Vieira de Melo, então capitão-mor do Rio Grande, em 1699, dava-se conta

da morte do principal Canindé e de mais sete ou oito crianças por causa de um “achaque de

maleitas”, motivado possivelmente “pelo sítio ser menos conveniente ou pela sua natureza se

não acomodar viver fora do sertão”258, tendo em vista estarem sitiados no litoral sul da Capitania

do Rio Grande259. Para indignação do capitão-mor, esses índios não tinham sido batizados

ainda, mesmo sendo assistidos espiritualmente por um clérigo chamado Manuel Serrão de

Oliveira260. Quanto aos demais índios do grupo que sobreviveram, logo se retiraram desse local,

“buscando o seu centro que é o sertão”261. Indo o capitão-mor ao encontro do restante do grupo,

conseguiu convencê-los temporariamente a se aldearem em um lugar mais próximo ao sertão

257 OLIVEIRA. João Pacheco de. Uma etnologia dos “índios misturados”? Situação colonial, territorialização e

fluxos culturais. Mana – Estudos de Antropologia Social, v. 4, n. 1, Rio de Janeiro, 1998, p. 56. 258 Consulta de Bernardo Vieira de Melo – da capitania do Rio Grande – em que dá conta de se haver ausentado o

gentio Canindé do sítio em que estava, e de lhe haver morrido o seu principal e sete crianças sem as batizar o

clérigo que lhes assistia [1699]. Documento original no Arquivo Histórico Ultramarino (AHU, Lisboa, Portugal)

transcrito e publicado por Ernesto Ennes, p. 420-421. In: GOMES, Flávio (org.). Mocambos dos Palmares:

histórias e fontes (Séc. XVI-XIX). Rio de Janeiro: 7Letras, 2010, p. 432-433. 259 Cf.: POMPA, Op. Cit., p. 284. 260 A respeito do batismo de índios no contexto da Guerra dos Bárbaros, especificamente na Capitania do Rio

Grande, Carmen Alveal e Dayane Dias analisaram 957 registros de batismos, datados entre 1681 e 1714. Desses,

36% (342) correspondiam a escravos, enquanto 64% (615) eram de pessoas livres, nesse caso tanto negros quanto

indígenas. Especificamente sobre os escravos indígenas, o número era de 79, sendo 32 do sexo masculino e 39 do

sexo feminino. Além disso, o local onde comumente eram realizados os batismos dos índios era a Igreja Matriz de

Nossa Senhora da Apresentação, em Natal (20); seguido pela Capela de Santo Antônio, onde atualmente é o

município de São Gonçalo do Amarante (18); e pela Capela de São Gonçalo do Potengi (9); além das Aldeias de

Guajiru, atual Extremoz (5) e de Mipibu, atual São José de Mipibu (3), assim como no Oratório de Jundiaí (3), já

os demais batismos teriam ocorrido em locais desconhecidos. Cf.: DIAS, Dayane Julia Carvalho; ALVEAL,

Carmen Margarida Oliveira. Um estudo sobre a população da Capitania do Rio Grande com ênfase na escravidão

negra e indígena no contexto da Guerra dos Bárbaros (1681-1714). Resgate - Rev. Interdisciplinar, Campinas,

v. 25, n. 2 [34], jul./dez. 2017, p. 57-80. 261 POMPA, Op. Cit, p. 284.

Page 121: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

120

pelo fato de o clima assemelhar-se ao qual eles estavam acostumados. Contudo, eles logo

tornaram a abandonar o local à procura de um novo.

Dessa maneira, tanto pelas evasões consecutivas dos índios aos locais escolhidos

quanto pelas tentativas de negociação do capitão-mor para determinação do espaço mais

“conveniente”, fica evidente mais uma vez a importância atribuída ao território destinado aos

indígenas, de modo que não impedisse os planos dos conquistadores de avanço ao sertão, mas

também satisfizesse os índios de alguma maneira262. Com relação a esse aspecto, é possível,

ainda, inferir a respeito da relação estabelecida entre os índios Canindé e o sertão. Para eles,

esse espaço poderia significar muito mais do que a terra como provedora de seu sustento, quiçá

representasse um laço afetivo com seu local de estabelecimento, ou um costume ao clima local,

como sugerido por Bernardo Vieira de Melo. Têm-se, aqui, claramente, desde o início deste

trabalho, que o território pode ser encarado de diferentes maneiras, seja simbólico e cultural,

material e econômico ou mesmo pelo poder político263. No entanto, esse território social dos

índios que se vem tratando diz mais respeito ao seu viés cultural e simbólico, tendo em vista as

diversas relações sociais construídas coletivamente, capazes de demarcar seus espaços de

convívio.

Situação parecida, envolvendo a questão das doenças pelo sertão, fez com que os

índios Paiacus, que sofreram também com a guerra justa, alimentassem a vontade de mudar de

território. Os Paiacus, que após serem surpreendidos e terem alguns dos seus índios mortos

pelos Icós, outro grupo indígena, recolherem-se na Lagoa do Apodi, logo tentaram vingar-se

dos inimigos e foram reestabelecidos na aldeia de Urutaguí, no sul da Paraíba, em 1704264.

Contudo, com o passar do tempo, especificamente em 1711, o novo lugar não parecia satisfazer

mais os Paiacus, principalmente após a morte de muitos índios atingidos por doenças naquela

área, despertando neles o desejo de retornar ao sertão. Porém, foram convencidos pelos

missionários a não regressarem. Nesse momento, os missionários informaram aos índios da

epidemia de morbilo265, que estava acometendo a Lagoa do Apodi e a Serra de Ibiapaba, na

262 No que diz respeito à relação estabelecida entre os índios e a terra, Cristina Pompa faz uma análise sobre o mito

da “Terra sem mal”, que apesar de ser típico da cultura tupi-guarani, denota o misticismo imbricado às terras

indígenas. Cf.: POMPA, Cristina. O mito ‘mito da terra sem mal’: a literatura “clássica” sobre o profetismo tupi-

guarani. Revista de Ciências Sociais, v. 29, n. 1/2, 1998, p. 44-72. 263 Cf.: COSTA, Rogério Haesbaert da. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à

multiterritorialidade. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. 264 Carta ânua de João Antônio Andreoni por mandato do Pe. Provincial, 25 de novembro de 1704. ARSI, Bras.

10, ff. 42-43 apud Leite, 1938-50. p. 543-547. 265 Segundo Cristina Pompa, tratava-se de sarampo. Cf.: POMPA, Op. Cit., p. 290.

Page 122: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

121

Capitania do Rio Grande e Ceará, respectivamente. Por isso, achavam por bem que os índios

não fizessem o caminho de volta para que se evitasse maior número de mortes266.

Destarte, o que é possível apreender do documento acima é que mesmo os Paiacus

tendo vivenciado sucessivos processos de desterritorialização/territorialização, o desejo de

retorno ao local que estavam anteriormente ou àquele que consideravam melhor parecia

adormecido. No entanto, tornou-se visível após as mortes dos seus índios. De imediato, os

índios que estavam, de 1704 a 1711, situados no sul da Capitania da Paraíba, articularam-se

para voltar à Lagoa do Apodi, possivelmente por esse ter sido o local que para eles serviu de

refúgio na ocasião da guerra contra os Icós em 1704. Assim, pela decisão tomada de

abandonarem o espaço, levanta-se a dúvida se de fato podia-se considerá-lo já territorializado,

pois, por mais que tivessem convivido naquele espaço há um bom tempo, ali trazia doenças e

mortes, ou seja, não se apresentava como a opção mais viável para o seu estabelecimento,

ascendendo o anseio pelo retorno ao sertão e pela sua reterritorialização.

De maneira geral, percebe-se que a terra posta em disputa através da guerra justa, para

os índios tratava-se de um território social diferente daquele pretendido pelos conquistadores e

moradores, pois, por mais que fosse o mesmo dito espaço do sertão, a conduta territorial de

cada grupo implicaria em uma determinada ressignificação do território. Esse território social,

o qual se atribuiu aos índios, vinha carregado de cultura, simbolismo, identidade, sociabilidade

e costumes próprios, enquanto, para os conquistadores, o sertão que era visto como o

desconhecido, paralelamente representava a possibilidade de expansão territorial, de posse e de

lucro. A guerra justa, portanto, funcionou como uma ferramenta de propulsão para retirada dos

índios de seus territórios sociais, as barreiras do sertão, a fim de aplainar o terreno rumo à

conquista da Coroa e da empresa pastoril.

4.2 – Deslocamentos indígenas em tempos de guerra

Durante o período colonial, a história dos índios chocou-se com uma série de embates

consequente do contato com o europeu, fossem portugueses ou holandeses. Na Capitania do

Rio Grande não fora diferente. No entanto, longe dos índios entregarem-se facilmente ou

estarem destinados diretamente à morte, houve alternativas estratégicas de sobrevivência e,

dentre elas, a fuga será destacada aqui. Aos grupos indígenas, em sua maioria das etnias Caboré,

Capela, Janduí e Panicuassu, restaram algumas possibilidades de reinvenção no sentido de se

266 Carta de Mattheus de Moura ao Padre Geral, 31 de dezembro de 1711. ARSI, Bras, 10. f. 78. Apud. POMPA,

Op. Cit., p. 290.

Page 123: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

122

adaptarem e se integrarem socialmente que, em suma, se configuraram como alternativas de

sobrevivência nos tempos de guerra. Aqui, serão destacados os deslocamentos desses índios,

fossem compulsórios ou fossem fugas livres, como uma das possibilidades viáveis para

execução da resistência adaptativa.

Em uma carta, José Lopes de Ulhoa, filho do Provedor Mor da Bahia que serviu na

Capitania do Rio Grande no período dos conflitos, declarou ao rei de Portugal, sobre as fugas

dos índios quando eram ameaçados de serem castigados, que era

quasi impossível porque logo que tiverem notícia que os vão buscar para

castigar se hão de por em fugida, e com muitos cuidadosos e diligentes que

sejão os que forem em seu seguimento os não poderão alcansar pela ligeireza

com que este gentio marcha267.

Como percebe-se pelo trecho exposto acima, era sabido do potencial dos índios para

fugas, tanto por serem cuidadosos quanto por se movimentarem rapidamente, dificultando o

encontro deles, e, por conseguinte, evitando que fossem castigados. Ao se deslocarem, os índios

teriam novos destinos em vista, provavelmente já conhecidos por eles de alguma maneira,

possibilitando, assim, a recriação de novos espaços para suas vivendas e suas relações sociais,

ideia que comunga com a noção de territorialização do antropólogo João Pacheco de Oliveira,

definida como um processo de reorganização social. A maior parte dos documentos que compõe

o presente tópico foi de termos268 da Junta das Missões de Pernambuco. No entanto,

metodologicamente, faz-se necessário o cruzamento de informações oriundas de outros fundos

documentais, como os do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e os Documentos

Históricos da Biblioteca Nacional, que corroboram na análise e problematização das

informações.

Sobre a Junta das Missões de Pernambuco, sabe-se que ela foi instituída por um

decreto de D. Pedro II, em março de 1681, porém iniciou suas atividades apenas por volta de

1692 e ficou ativa até 1759. A instituição nasceu no contexto de consolidação da pecuária e do

aumento do número de ordens religiosas no processo de missionação, imbuída das necessidades

do momento como a efetivação da conquista de novos territórios e o consequente povoamento

267 Carta de Joseph Lopes de Ulhoa ao rei de Portugal. AHU-RN, Caixa 1. 268 Boa parte dos termos da Junta das Missões de Pernambuco, a qual tenho acesso, foi gentilmente cedida pelo

Professor Ricardo Pinto de Medeiros (UFPE), que realizou pesquisas anteriores na Biblioteca Nacional de Lisboa,

na qual se encontram os documentos referentes à Junta, na Coleção Pombalina, códice 115, intitulado “Livro dos

assentos da Junta das Missões, ordens e bandos que se escreveram em Pernambuco de 1712 a 1715”.

Page 124: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

123

da área269. A Junta das Missões exercia jurisdição sobre as chamadas capitanias de fora do

sertão norte do Estado do Brasil, mas estava subordinada à Junta das Missões do Reino, em

Portugal, devendo funcionar através de encontros periódicos, pelo menos duas vezes por

semana, com a presença do governador de Pernambuco, seu secretário, o procurador dos índios,

dois prelados das religiões e o bispo270.

Como a Capitania do Rio Grande tornou-se anexa à Capitania de Pernambuco a partir

de 1701, questões que diziam respeito à administração do Rio Grande e problemas relativos a

ela, como a legitimidade das guerras ocorridas no sertão do Açu e demais áreas circunvizinhas,

passaram a ser um tema recorrente de discussão na Junta. Soraya Geronazzo atribuiu ainda

como motivação de criação da Junta a necessidade de se fazer frente ao “muro do demônio”271,

representado pelos tapuias que se colocavam como impedimento para o avanço dos colonos aos

sertões. Portanto, através da Junta, poderia decidir-se sobre as guerras justas de maneira mais

rápida. Representação semelhante também é atribuída aos índios Botocudos da capitania de

Minas Gerais, que durante o período colonial personificaram uma espécie de barreira que

dificultava o contrabando de ouro na região272.

Dito isso, as fontes oriundas da Junta das Missões de Pernambuco cooperaram

sobremaneira para o estudo da guerra justa na Capitania do Rio Grande, pois no cerne do

funcionamento da instituição essa temática fez-se recorrente e, assim, possibilitou a análise

qualitativa e quantitativa desse discurso jurídico. Foi possível analisar um total de 78 termos,

notando-se a presença desse aparato legal como um recurso de empreendimento da guerra e

consequente tomada de territórios e mão de obra indígena no Rio Grande em cerca de 28% do

total, ou seja, 22 termos. No entanto, deve-se atentar para as peculiaridades com relação às

269 Segundo Lígio Maia, “no contexto de conflito aberto que marcou a Guerra do Açu, o missionário, enquanto

agente do império português, sem dúvida, era uma personagem da maior relevância tanto quanto oficiais militares

e autoridades coloniais. Seu emprego se devia fazer em áreas de disputa direta, onde religiosos, sesmeiros e tropas

de paulistas, cada um a seu modo, disputavam palmo a palmo a conquista de terras, o controle da mão-de-obra

indígena e a conversão de neófitos para a Igreja”. Cf.: MAIA, Lígio de Oliveira. Aldeias e missões nas capitanias

do Ceará e Rio Grande: catequese, violência e rivalidades. Revista Tempo, vol. 19 n. 35, Jul–Dez/2013. p. 9. 270 GATTI, Ágatha Francesconi. O trâmite da fé: a atuação da Junta das Missões de Pernambuco, 1681-1759.

2011. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de

São Paulo, São Paulo. 271 Soraya Geronazzo Araujo atribui a expressão “muro do demônio” aos tapuias que fizeram frente ao avanço dos

conquistadores nos sertões, através do levantamento documental que resultou em sua dissertação. Cf.: ARAUJO,

Soraya Geronazzo. O muro do demônio: a economia e cultura na Guerra dos Bárbaros no nordeste colonial do

Brasil – séculos XVII e XVIII. 2007. 122f. Dissertação (Mestrado em História Social). Centro de Humanidades.

Universidade Federal do Pará, 2007, p. 77. 272 Cf.: LANGFUR, Hal. The forbidden lands: colonial identity, frontier violence, and the persistence of Brazil's

eastern Indians, 1750-1830. Stanford University Press, 2006.

Page 125: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

124

fontes e não apenas aos números, haja vista elas serem produtos de uma instituição que tinha

também o propósito de julgar as guerras como justas ou injustas, isto é, determinar quais os

enfretamentos bélicos contra os índios teriam o respaldo jurídico da Coroa portuguesa e,

portanto, poderiam ser executados com o apoio das autoridades coloniais, legitimando o

consequente cativeiro e resgate dos índios, além de ser uma instituição formada

majoritariamente por brancos alinhados com o projeto expansionista da Coroa.

Desses 22 documentos que recorrem às premissas da guerra justa ou a citam como

forma de legitimar os confrontos bélicos, há um assento da Junta das Missões que não questiona

a justiça da guerra – questionamento comumente realizado nos termos observados –, mas põe-

se em dúvida a “desconfiança” dos soldados, pois, por supostamente estarem desconfiados dos

índios, mataram quatorze deles da etnia Capela. A Junta decidiu, portanto, que “assentou-se

tirar devassa para saber se houve justa desconfiança”273. No dia seguinte, 04 de abril de 1713,

o Governador de Pernambuco, Félix José Machado, emitiu uma ordem ao Juiz Ordinário da

Capitania do Rio Grande “para averiguar se foi justa ou não a desconfiança”274. Dentre os tais

termos analisados não se observa nenhuma menção à resolução desse caso, apenas a inquietação

do Governador de Pernambuco em definir a legitimidade da desconfiança, logo, a legitimidade

da morte dos índios. Contudo, casos desse tipo que fossem considerados injustos deveriam

acarretar em punições exemplares aos envolvidos no ato, inclusive no mesmo termo abre-se

precedente para se pensar nos castigos destinados aos soldados no momento em que citaram

que “era necessário saber o procedimento a ter com os ditos soldados”275.

Segundo os termos analisados, o episódio teria ocorrido pelo fato de quinze índios da

etnia Capela terem se rendido e se agregado como cativos, porém, durante o trajeto de

descimento do grupo de índios, os soldados desconfiaram da real intenção deles e, com o

pretexto de se salvarem, mataram quatorze desses índios. Através da argumentação dos

soldados, pode-se perceber certo reflexo do discurso jurídico da guerra justa pois, ao

justificarem o ato de ataque aos índios como uma forma de defesa e proteção de suas vidas,

encaixam sua arguição no preceito de que sua ação fora precedida de alguma atitude injusta do

inimigo. Ou seja, por meio da utilização de um discurso muito próximo ao que se estabelece a

273 Ata da Junta da Missões de Pernambuco, 27 de fevereiro de 1713. Biblioteca Nacional de Lisboa, Coleção

Pombalina, Cód. 115, “Livro dos assentos da Junta das Missões, cartas ordinárias, ordens e bandos que se

escreveram em Pernambuco no tempo do governador Félix José Machado”, fl. 36/38v. 274 Idem, fl. 135. 275 Idem, fl. 36/38v.

Page 126: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

125

guerra justa, pode-se legitimar a morte dos índios e figurar esse acontecimento como uma

guerra justa, configurando o que Beatriz Perrone-Moisés veio a chamar de guerra defensiva276.

Como comentado anteriormente, a capitania do Rio Grande contava com a presença

de certo estoque de espaço disponível a ser apropriado e incorporado ao sistema colonial, haja

vista o processo de colonização ter sido iniciado pelo litoral, enquanto os sertões deveriam ser

paulatinamente anexados ao domínio português; a guerra justa pôde ser a ferramenta que

amalgamou esses desejos, mesmo com a presença de uma muralha formada pelos índios.

Portanto, a fuga foi uma alternativa viável para os índios resistirem e os deslocamentos

espaciais deles ou a possibilidade de realizá-los, dentro e fora da Capitania do Rio Grande,

aparecem constantemente nos termos da Junta das Missões.

Há casos de índios aldeados que abandonaram sua aldeia, há também casos de índios

presos que fugiram da prisão, como há, ainda, casos de deslocamentos compulsórios ou

tentativas deles, à força da Coroa. Todos esses movimentos possibilitaram aos índios a

oportunidade de vivenciar a resistência adaptativa, em que não necessariamente o índio

resistiria por meio de confrontos bélicos, mas ao se verem imersos no sistema colonial puderam

recriar modos de sobrevivência e reinserção na sociedade. Mesmo com os deslocamentos

compulsórios, esses ainda podem ser considerados meios de impulsão à resistência adaptativa

dos índios caso se leve em consideração, por exemplo, a territorialização deles nos novos

destinos imputados pela Coroa, pois eles poderiam, a partir de suas identidades, elaborar

mecanismos políticos especializados; assumir o controle social sobre os recursos ambientais do

novo local; remodelar sua cultura e sua relação com o passado de maneira adaptativa277.

Em um termo da Junta das Missões de Pernambuco, datado de 31 de janeiro de 1715,

por exemplo, há o relato de que alguns índios que estavam na Aldeia do Apodi teriam se retirado

dela e ido para o mato em virtude dos excessos cometidos pelo então missionário dela, fato que

motivou a Junta a assentar o pedido de mais informações advindas do dito missionário a respeito

de seu procedimento para que então se tomassem as providências cabíveis278. Alguns meses

antes, especificamente em 14 de setembro de 1714, em outro termo, relatou-se que houvera

276 Cf.: PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do

período colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos índios no Brasil.

São Paulo: Companhia das Letras/FAPESP, 1992, p. 115-131. 277 Cf.: OLIVEIRA. João Pacheco de. Uma etnologia dos “índios misturados”? Situação colonial, territorialização

e fluxos culturais. Mana – Estudos de Antropologia Social, v. 4, n. 1, Rio de Janeiro, 1998. 278 Ata da Junta da Missões de Pernambuco, 27 de fevereiro de 1713. Biblioteca Nacional de Lisboa, Coleção

Pombalina, Cód. 115, “Livro dos assentos da Junta das Missões, cartas ordinárias, ordens e bandos que se

escreveram em Pernambuco no tempo do governador Félix José Machado”, fl. 61v/62.

Page 127: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

126

uma fuga de cinco índios da prisão da Fortaleza de Itamaracá, em Pernambuco, e que eles

poderiam ser os mesmos que se encontravam agora presos na Fortaleza do Rio Grande. Eles

teriam fugido “da fortaleza que se achavam presos nela debaixo de chave e que abriram a porta

da prisão em que estavam e se botaram com uma corda da muralha abaixo”279. Portanto,

segundo posto em dúvida pela Junta se seriam os mesmos índios de Itamaracá, até aquele

momento presos no Rio Grande, denota-se o longo trajeto de deslocamento desses índios que

teriam saído da Capitania de Pernambuco e percorrido cerca de 266 quilômetros de distância

até chegar à atual cidade do Natal, onde se localiza a Fortaleza. Caso fossem os mesmos índios,

a Junta determinou ainda que o então capitão mor do Rio Grande, Salvador Álvares da Silva,

soltasse-os, atendendo a um assento anterior da Junta emitido em 25 de agosto280.

Esse assento de 25 de agosto de 1714 também tem uma cópia registrada dentre os

documentos do Conselho Ultramarino e apresenta o desfecho desses índios fugidos281. No

assento consta que os índios das etnias Caboré e Capela recolheram-se na Aldeia do Guajiru,

onde teriam recebido as pazes do Capitão-mor do Rio Grande e do missionário responsável pela

aldeia que, com efeito, os reduziram nela, pois nem sequer tinham clareza das causas que os

tinham levado a serem presos na Fortaleza de Itamaracá. Como se percebe aqui, há dois

exemplos contrapostos que, apesar de configurarem os movimentos de deslocamentos dos

índios em meio às guerras justas, sinalizam dois pontos de destinos opostos. Um desses destinos

seria o dos índios fugidos de Itamaracá que encontraram refúgio na Aldeia de Guajiru, enquanto

os índios citados acima do termo da Junta de 31 de janeiro de 1715 fizeram o movimento

reverso, largando a Aldeia do Apodi e adentrando os matos.

Logo, no primeiro movimento, os índios, apesar de terem recorrido à fuga,

continuaram circundados por uma territorialização advinda da Coroa no momento em que se

refugiaram em uma Aldeia; já no segundo deslocamento, ao adentrar os matos, surgia a

possibilidade de reconstruir uma territorialização própria baseada em sua própria conduta

territorial. De todo modo vale ressaltar que, mesmo que circundados por territorializações da

Coroa – Fortaleza de Itamaracá, Aldeia de Guajiru e Aldeia do Apodi, estando as duas últimas

destacadas no mapa a seguir (Mapa 6) –, esses índios articularam-se em um movimento de fuga

279 Idem, fl. 58v/59v. 280 Idem, fl. 55/58. 281 Assento (cópia) da Junta das Missões sobre o extermínio e pazes feitas com os índios tapuias Caboré e Capela

que estavam reunidos na aldeia Guajiru (Lisboa, 25 de agosto de 1714). AHU-RN, Papéis avulsos, Caixa 1, Doc.

78.

Page 128: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

127

cujo destino lhes possibilitasse a sobrevivência, fossem retornando aos matos ou a uma aldeia

em que lhes propusessem as pazes diante da guerra. Já no que se refere às motivações para a

concessão das pazes aos índios acolhidos em Guajiru, comenta-se sobre a vantagem de se evitar

mais despesas da Fazenda Real com as tropas envolvidas na guerra, além da possível ameaça à

Capitania por se acharem as estradas impedidas e o gado não poderia passar do sertão para

baixo. Apesar da inclusão desses índios à Aldeia de Guajiru levantar dúvidas quanto aos

possíveis conflitos interétnicos com os índios aldeados anteriormente nesse espaço, não se pode

inferir mais a respeito por ausência de informações nas fontes analisadas.

Mapa 6 – Aldeamentos e Vilas da Capitania do Rio Grande

Fonte: Lopes (1999)282.

Alguns desses movimentos dos índios dentro da própria Capitania do Rio Grande,

foram pontuados por Júlio César de Alencar, e mostram, inclusive, o medo que se construiu em

torno da figura dos “bárbaros” por parte dos moradores e autoridades locais, desde 1665. Desse

modo, o clima de insegurança somava-se às dificuldades desse período, como poucos

moradores com cabedal, além da carência de munições e de infantaria. Quase uma década

282 LOPES, Fátima Martins. Índios, colonos e missionários na colonização da capitania do Rio Grande do

Norte. Mossoró: Fundação Vingt-um Rosado; Coleção Mossoroense. Edição Especial para o Acervo Virtual

Oswaldo Lamartine de Faria, 2003, p. 463.

Page 129: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

128

depois, especificamente em 1674, por exemplo, Alencar destaca cartas dos oficiais do Senado

da Câmara de Natal e do capitão mor, então Antônio Vaz Gondim, remetidas ao príncipe

regente, D. Pedro, nas quais narravam o estado da Capitania do Rio Grande de maneira similar,

acentuado pelo problema de ela ser “metida entre os gentios alarves”283, que costumavam

“descer” à faixa litorânea. A respeito da expressão “alarves”, Júlio César Alencar comenta que

se fazia referência aos índios do sertão, e tal terminação procedia de grupos árabes que tinham

um estilo de vida nômade, reforçando, assim, a ideia desses índios que “desciam” do sertão ao

litoral, termo evidente em algumas das fontes analisadas por ele284. Contudo, cabe aqui ressaltar

que, em alguns documentos, esse último termo pode referir-se aos descimentos indígenas

realizados de modo compulsório, ocorrido no momento em que determinado grupo de índios

era apresado e o faziam forçadamente, muitas vezes amarrados, a se transferirem para outra

localidade.

Caso similar de fuga de índios, em meio ao período turbulento das guerras justas na

Capitania do Rio Grande, foi evidenciado em uma carta de Mathias da Cunha, então

governador-geral, endereçada ao coronel Antônio de Albuquerque, responsável pelo Forte do

Cuó, em 1688. Nela, dava-se ordem para que, dos 80 infantes que foram remetidos de

Pernambuco para a fortaleza do Rio Grande, 50 fossem enviados para reconduzir todos os

índios que saíram das Aldeias de Mipibu, Cunhaú e Guaraíras, localizadas no Rio Grande, em

fuga rumo à Aldeia da Preguiça, na Paraíba. Vale salientar que o teor dessa carta repetiu-se em

mais outras duas com destinatários diferentes, sendo eles o governador de Pernambuco, João

da Cunha de Sotto Maior285, e o capitão-mor do Rio Grande, Paschoal Gonçalves de Oliveira286,

informou da fuga e da união desses índios ao somarem suas forças, levando-se a inferir aqui a

possibilidade deles serem do mesmo grupo étnico. Sobre esses índios, o Governador geral

discorreu que havia muitos deles “homiziados sem partes e degredados em todas as capitanias

desde a Bahia até essa287” e, como solução encontrada por ele, para incentivar o retorno desses

índios aos seus locais de origem, sugeria-se que eles receberiam perdão por seus crimes desde

283 Apud. ALENCAR, Op. Cit., p. 93. 284 ALENCAR, Op. Cit., p. 91-93. 285 Carta que se escreveu ao governador de Pernambuco João da Cunha de Sotto Maior sobre a guerra do gentio

bárbaro do Rio Grande [1668]. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, Volume 10, pp. 263-267. 286 Carta que se escreveu para o capitão-mor da capitania do Rio Grande Paschoal Gonçalves de Oliveira sobre a

guerra do gentio bárbaro do Rio Grande [1668]. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, Volume 10, pp.

270-272. 287 Carta que se escreveu ao coronel Antônio de Albuquerque da Câmara sobre a guerra do gentio bárbaro do Rio

Grande [1668]. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, Volume 10, pp. 276-280.

Page 130: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

129

que se alistassem no Regimento até o fim da guerra, servindo de força marcial para continuidade

dos embates.

Tanto o caso dos índios que migraram das Aldeias de Mipibu, Cunhaú e Guaraíras, no

Rio Grande, para a Aldeia da Preguiça, na Paraíba, em 1688, quanto o caso dos índios das etnias

Caboré e Capela que foram recolhidos na Aldeia de Guajiru, em 1714, desperta a reflexão a

respeito das relações interétnicas desenvolvidas por esses grupos indígenas. Por não se ter

maiores informações nas fontes consultadas, não se sabe ao certo se de fato esses índios

pertenciam aos mesmos grupos étnicos, no entanto, a união entre os índios de diferentes aldeias

do litoral, mencionada pelo capitão-mor Paschoal Gonçalves de Oliveira, pode caminhar em

sentido à noção de comunhão étnica. Para Max Weber, as relações de sangue não se

caracterizam como suficientes para a conformação de um grupo étnico, mas sim o sentimento

de comunhão étnica, em geral advindo de alguma ação política288. Essa espécie de consciência

comunitária tende a ser construída ainda mais facilmente em situações de ameaça de guerra,

com o intuito de somarem forças diante das investidas dos inimigos, fato que poderia explicar

essa movimentação entre diferentes aldeias, dentro e fora da Capitania do Rio Grande.

Além disso, durante o período colonial é possível perceber, não somente na Capitania

do Rio Grande, diferentes jogos de interesse entre os próprios índios envolvendo sua

classificação étnica. Maria Regina Celestino de Almeida destacou algumas situações de conflito

entre índios da Aldeia de Mangaratiba, no Rio de Janeiro, em meados do século XVIII, em que

um dos índios, Pedro Alexandre Galvão289, ora se declarava como liderança indígena, ora como

morador, categoria contrária ao aldeado, de modo que lhe fosse mais conveniente nos processos

de contestação de terras. A esse respeito, Almeida conclui que:

A classificação étnica se apresenta, pois, como importante instrumento de

reinvindicação não só para pedir terras, mas também para destituir líderes

acusados de introduzir brancos nas terras dos índios e negociar com elas. [...]

ser índio e identificar-se com os interesses coletivos da aldeia era importante

para ganhar suas terras ou conquistar sua liderança.290

288 WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: UnB, v. 1, 1999, p. 270. 289 Esse caso envolvendo Pedro Alexandre Galvão e o conflito de terras no interior da Aldeia, foi discutido

amplamente na dissertação de Carmen Alveal. Cf.: ALVEAL, Carmen Margarida Oliveira. História e direito:

sesmarias e conflito de terras entre índios em freguesias extramuros do Rio de Janeiro (século XVIII). 2002.

Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em

História Social, Rio de Janeiro, 2002. 290 ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Quando é preciso ser índio: identidade étnica como força política nas

aldeias do Rio de Janeiro. Tradições e modernidades. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2010, p. 51-52.

Page 131: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

130

Desse modo, coloca-se em cheque as relações interétnicas no sentido de entendê-las

não como bloco monolíticos, mas passível de mudanças, de acordo com os interesses

envolvidos. Essas oscilações podem ocorrer tanto nas formações de alianças, como pode ter

sido no caso do acolhimento de diferentes etnias na Aldeia do Guajiru, em 1714, quanto nas

classificações étnicas, como no caso de Pedro Galvão, e por que não se pensar em uma situação

semelhante no caso da união das diferentes Aldeias de Mipibu, Cunhaú e Guaraíras rumo à

Aldeia da Preguiça, na Capitania da Paraíba.

De maneira geral, os casos referentes à Capitania do Rio Grande, apresentados acima,

representam fugas indígenas, um tipo de deslocamento de iniciativa livre dos índios, apesar de

serem, em sua maioria, motivadas por possíveis ataques de inimigos. Nessas ocasiões, muitas

vezes os índios percorriam distâncias longínquas, entre Pernambuco e Rio Grande, para poder

escapar da guerra e do cativeiro. Em 1647, já próximo ao fim do trajeto da viagem de Roulox

Baro, intérprete e embaixador ordinário da Companhia das Índias Ocidentais, ao país dos

tapuias, ele encontrou-se com o principal de um grupo de índios Janduís localizados na atual

Serra de Santana, no Rio Grande do Norte, ao qual comentou que aquele espaço não era ainda

seguro suficiente para o grupo, fator que motivava a fuga do local, pois “ao primeiro ruído de

guerra, abandona-o e foge para o mato”291. O local atual que estavam, por sua vez, já era fruto

de uma fuga anterior, fato que levou Baro a questionar a falta de vergonha deles em abandonar

os demais membros do grupo, sendo surpreendido pela resposta do principal ao dizer que não

era uma questão de vergonha, pois “não tendo recorrido aos seus inimigos, aos quais não

podiam resistir, era prudente fugir; oprimidos pela fome em sua aldeia. Sem isso, sentir-se-iam

felizes vivendo em paz”292 naquela ocasião. Em outro momento da trajetória, Baro deparou-se

com outro grupo de tapuias e lhes questionou o porquê de estarem tão afastados, em meio às

matas e distante do seu povo, e, novamente, o tópico da guerra surge na resposta dos índios.

Eles alegaram que por conta da guerra, preferiam ficar naquele espaço convivendo em paz com

outros tapuias vizinhos293.

Apesar do relato de viagem de Roulox Baro tratar-se de uma produção realizada em

um período anterior ao definido para ser estudado aqui e em outro contexto, serve para endossar

a importância atribuída à fuga pelos grupos indígenas em busca de paz, e encontrando nos

matos, por mais distante que fosse dos demais parentes de seus grupos, uma alternativa de

291 BARO, Roulox. Relação da Viagem ao país dos Tapuias. São Paulo/ Belo Horizonte: Edusp/Itatiaia, 1979. 292 Idem. 293 Idem.

Page 132: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

131

verem-se livres das guerras. Nesses novos espaços, como no caso dos matos, portanto, tinha-se

a possibilidade de reterritorialização, fosse por meio da afirmação étnica; relação com outros

grupos indígenas; e estabelecimento da paz e dos costumes próprios.

No entanto, o movimento reverso entre as Capitanias também pôde ser evidenciado

nas fontes da Junta. Em um dos termos, encontra-se um caso de transferências de índios Janduí

e Caboré, apresados em uma guerra que até então estava indefinida se justa ou injusta, retirados

da Capitania do Rio Grande para a Fortaleza de Itamaracá em Pernambuco. Através de uma

portaria que foi remetida ao provedor da Fazenda Real, em 27 de fevereiro de 1713, sobre a

assistência no sustento de uma índia, Dona Catherina – citada anteriormente – que estava presa

em Olinda, pôde-se apreender que dessa guerra ocorrida no Rio Grande foram feitos muitos

índios cativos e achou-se mais prudente os remeterem para Pernambuco para lá colaborarem

com o trabalho na fortificação294. Nessa ocasião, vale ressaltar que mesmo com a

indeterminação sobre a matéria da guerra, se seria justa ou injusta, diversos índios foram

aprisionados. Não obstante, foram retirados de seu espaço de convívio social e deslocados para

um novo território. Esse processo de retirada dos índios do local que estavam fixados é

evidenciado e justificado no documento pelo temor que se tinha de uma reorganização do grupo

para preparação de um motim contra os brancos em consequência do conflito.

Numericamente falando, do total dos 22 termos da Junta das Missões que tratam da

temática da guerra justa no Rio Grande, mais da metade dão conta dos deslocamentos dos índios

pela Capitania do Rio Grande, sendo 5 (22,7%) considerados de inciativa livre dos índios,

enquanto 11 (50%) representam os deslocamentos compulsórios, somando 16 termos no total,

como exposto no Gráfico 1. Além dos destinos comentados acima, os outros possíveis locais

de territorialização dos índios evidenciados na documentação foram a Aldeia de Guajiru na

própria Capitania do Rio Grande.

294 Ata da Junta da Missões de Pernambuco, 27 de fevereiro de 1713. Biblioteca Nacional de Lisboa, Coleção

Pombalina, Cód. 115, “Livro dos assentos da Junta das Missões, cartas ordinárias, ordens e bandos que se

escreveram em Pernambuco no tempo do governador Félix José Machado”, fl. 127.

Page 133: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

132

Gráfico 1 – Termos da Junta das Missões de Pernambuco analisados (1712-1715)

Fonte: Elaborado pelo autor com base nos 78 termos analisados (Silva, 2020).

É possível identificar as fugas dos índios em diversos documentos que fazem

referência aos momentos das guerras e perseguições contra eles. Em uma carta régia ao

Governador do Maranhão, de 1695295, o rei autorizou a guerra ao “gentio brabo” para que se

defendesse os moradores da Capitania do Rio Grande das hostilidades dele. Contudo, fazia-se

necessário não apenas combatê-lo na própria Capitania, como também que se encontrassem

tropas compostas pelos moradores e índios guerreiros na Serra do Guepeba296, local no qual os

índios ameaçados teriam escolhido para fugir das armas. Apesar de não se saber ao certo onde

especificamente se localiza a Serra do Guepeba, por motivo de falta de detalhes na fonte, o rei

comenta apenas que seria fora da jurisdição do Estado. A escolha desse refúgio, possivelmente

distante da Capitania do Rio Grande, mas principalmente fora de sua jurisdição, pode indicar a

estratégia de articulação dos índios em fugirem para um novo espaço, ou mesmo um espaço já

295 Carta régia ao governador do Maranhão sobre se ter resoluto fazer-se guerra ao gentio brabo em defesa das

hostilidades que fazem aos moradores do Rio Grande. Lisboa, 10 de março de 1695. Conselho Ultramarino – Tomo

V – PE. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Arq. 1. 2. 24, fl. 112.

296 Pela leitura e transcrição do manuscrito, identificou-se o destino da “Serra do Guepeba” como um local para

refúgio dos índios. Pode-se inferir a respeito desse espaço que se trate da Serra de Ibiapaba, pois como explicitado

na fonte, ela também não faz parte da jurisdição do Estado do Maranhão.

s

Page 134: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

133

conhecido por eles anteriormente, para que se reterritorializassem afastados do raio de alcance

do controle da Coroa portuguesa e de suas ações.

Em uma parte da crônica de João Andreoni de 1704, mencionada no capítulo anterior,

quando ele discorreu sobre a situação a qual os índios do Rio Grande, Ceará e Paraíba foram

submetidos para serem reduzidos em aldeias distantes de seus locais de origem, pode-se ter uma

noção de como esses índios reagiam a isso pois se declara que:

Como a transmigração se fazia do solo pátrio ou do sertão, começaram uns a

dizer que iam como escravos, outros que iam a ser mortos pelos Paulistas,

outros olhavam entre lágrimas o sertão que iam deixar, outros que não se

poderiam defender dos contrários se fossem assaltados pelo caminho.297

Desse modo, pelas palavras de João Andreoni, consegue-se perceber que no início do

século XVIII, os índios poderiam compartilhar um sentimento em comum advindo da

transmigração. O solo pátrio associado por ele ao sertão, e entendido aqui como um território

social dos índios, era desvinculado de seu grupo, que apesar de carregar consigo sua conduta

territorial própria, via-se confrontado à diversas situações possíveis, desde a sua retirada do

sertão, passando pela trajetória conduzida pelos Paulistas, até a chegada – se chegassem vivos,

pois eles também temiam a morte no caminho – ao novo local designado pelos colonos. Essa

retirada do solo pátrio ganhará ainda uma nova denotação, a da desnaturalização, como será

possível evidenciar no tópico a seguir.

4.3 – Desnaturalização dos índios da Capitania do Rio Grande

Atrelada aos movimentos dos deslocamentos compulsórios, evidenciou-se na

documentação a ideia de desnaturalização dos índios. Ao ler os termos da Junta das Missões de

Pernambuco, nota-se repetidas vezes a menção a essa noção que, de maneira geral, se contrapõe

aos projetos assimilacionistas298 propostos pela Coroa portuguesa de integração dos índios ao

meio social dos brancos, salientando-se a especificidade desse período de caráter conquistador.

Pelo que se pôde observar das fontes até aqui analisadas, no que diz respeito ao discurso jurídico

da guerra justa e às consequências oriundas dela, houve esse incremento no aparato legal pois,

297 Carta ânua de João Antônio Andreoni por mandato do Pe. Provincial, 25 de novembro de 1704. ARSI, Bras.

10, ff. 42-43 apud Leite, 1938-50: 543-547. 298 A ideia de assimilação dos índios estava vinculada aos projetos da Coroa portuguesa destinados aos índios

amigos, a exemplo de ações desse caráter pode-se destacar, tanto as Missões Jesuíticas como o Diretório

Pombalino (1755) e o estabelecimento das vilas de índios, que visavam a integração social deles no meio dos

brancos, ao assimilá-los e torná-los adeptos da fé católica, além de súditos do rei.

Page 135: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

134

até então, a partir da execução de uma guerra desse tipo, era garantido aos conquistadores o

apresamento dos índios e a conquista do território deles.

Em um dos termos da Junta das Missões fica claro que, após a conquista de um dado

espaço por meio da guerra justa, o próximo passo deveria ser a retirada dos grupos indígenas

locais para que houvesse o estabelecimento efetivo do poder da Coroa, fazendo-se necessário,

portanto, a aplicabilidade da desnaturalização dos índios. A noção de desnaturalização aparece

em um termo de assento299, datado de 23 de setembro de 1713, no qual faz referência aos grupos

Janduís, Caboré e Capela, os quais não deveriam ser feitos apenas cativos, após o

empreendimento da guerra justa, mas se sugere serem também desnaturalizados. Ao continuar

discorrendo o termo, a Junta propõe que, para efetivar a “desnaturalização” dos índios, eles

teriam que ser retirados da jurisdição do governo de Pernambuco, ao qual o Rio Grande estava

submetido, e serem remetidos ao Rio de Janeiro. Tal iniciativa fora motivada pelo fato de que

esses povos eram considerados rebeldes e estavam praticando roubos e mortes constantemente.

Nesse mesmo termo, a Junta comentou de uma índia tapuia cativa de guerra que se teria casado

com um negro da Capitania do Ceará e que, portanto, ela se encaixaria no perfil destinado à

desnaturalização, pelo fato de também ter participado da guerra, sugerindo-se ser remetida a

partir de então à jurisdição do Ceará. Porém, pelo fato de o casal ter seguido o rito matrimonial

do casamento sem que houvesse dolo, a índia fora absolvida da pena.

Nos dois casos acima, os índios envolvidos configuraram perfis semelhantes no

sentido de terem participado de conflitos, especificamente guerras justas na Capitania do Rio

Grande, no entanto, o perfil que se sobressaía para a execução da desnaturalização era dos

grupos étnicos Janduís, Caboré e Capela. De início, pode-se levantar algumas hipóteses a

respeito da indicação desse perfil à desnaturalização, infere-se aqui, por exemplo, o fato desses

grupos serem numericamente maior, se comparado apenas à tapuia cativa, além disso, por conta

de a índia já encontrar-se casada em outra Capitania, não mais no Rio Grande, portanto, não se

fazia necessário remetê-la a outra jurisdição.

Segundo o termo mencionado acima, essa mesma determinação já havia sido tomada

nas juntas anteriores de 03 de abril e 08 de julho do mesmo ano. No entanto, dentre os termos

analisados, encontra-se apenas o do mês de abril, no qual se solucionou a dúvida com relação

299 Ata da Junta da Missões de Pernambuco, 23 de setembro de 1713. Biblioteca Nacional de Lisboa, Coleção

Pombalina, Cód. 115 “Livro dos assentos da Junta das Missões, cartas ordinárias, ordens e bandos que se

escreveram em Pernambuco no tempo do governador Félix José Machado”, fl. 41/43v.

Page 136: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

135

ao envio também das mulheres para o Rio de Janeiro, determinando que ficasse na terra apenas

os índios de sete anos de idade300. Sobre esse caso, há ainda um bando301, datado de 24 de maio

desse ano, em que se ordena que os moradores da Capitania do Rio Grande que tiverem em seu

poder índios das etnias Janduí, Capela e Caboré, fossem entregá-los na Capitania de

Pernambuco para serem remetidos ao Rio de Janeiro ou os remetessem diretamente para o Rio

de Janeiro, caso quisessem. A respeito desse caso, questiona-se aqui o porquê da escolha desse

possível destino dos índios ser especificamente o Rio de Janeiro, e não outra Capitania, contudo,

apenas o que se pode inferir através das fontes é que o processo de desnaturalização estava

vinculado à retirada de determinados índios da jurisdição à qual faziam parte e, por conseguinte,

das suas terras de origem, fosse remetendo-os ao Rio de Janeiro, fosse atribuindo-os à Capitania

do Ceará, como no caso da índia da tapuia.

Outro termo302, referindo-se aos mesmos grupos étnicos de índios Janduí, Caboré e

Capela e suas guerras, emitido um ano antes do citado acima, propôs que eles fossem

legitimamente feitos cativos através da guerra justa e que de modo nenhum convinha deixá-los

na sua terra, corroborando a ideia da guerra justa ligada à desnaturalização. Assim, era

necessário dissociar o índio de seu território social, ao qual competia tanto o sentido físico

quanto o sentido espiritual, ao considerar os índios intrinsicamente ligado às suas terras de

origem e elas como parte elementar de sua constituição como grupo social.

Segundo Rafael Bluteau, lexicólogo português, o termo “desnaturalisação” foi

apresentado em seu dicionário e definido como o ato de desnaturalizar, que por sua vez

significava “privar dos direitos de natural, ou nacional de alguma nação, reino”303. Enquanto

que os termos “naturalizar” e “naturalidade” diziam respeito à relação do indivíduo com a sua

pátria e seus direitos de cidadão. A “pátria”, por sua vez, era entendida como “a terra onde

alguém he natural”304. Logo, pode-se compreender que essas noções já estavam consolidadas e

bem estabelecidas, tanto epistemologicamente quanto pragmaticamente, à medida que o

degredo dos índios era estimulado e vinculado ao argumento jurídico da guerra justa. Não se

sabe ao certo se o intento de degredar os índios da Capitania do Rio Grande para o Rio de

300 Idem, fl.36/38v. 301 Idem, fl. 163/164. 302 Idem, fl.35. 303 BLUTEAU, Rafael. Dicionário da língua portuguesa composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado,

e acrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro. Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo

Ferreira, 1789. Disponível em: https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/5413. Acesso em: 08 de novembro de 2019. 304 Idem.

Page 137: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

136

Janeiro logrou êxito. Não obstante, o fato que mais interessa aqui é o de que o projeto de

desnaturalização dos índios associou-se a uma das consequências das guerras julgadas como

justas pela Junta das Missões para além das consequentes mortes a sangue frio e venda de índios

como peças de guerra.

Através de uma carta dos oficiais da Câmara de Natal remetida ao rei D. João V305,

externando sua consternação com o bando lançado pelo Governador de Pernambuco para

desnaturalizar os índios do Rio Grande, assim como o descontentamento dos moradores,

levanta-se aqui a dúvida sobre a efetivação do degredo, visto que os oficiais comentaram que

os índios já estavam feitos cativos por terem sido apanhados em guerra viva306 – terminação

utilizada por eles para denotar a guerra que estava em execução no momento – e,

consequentemente, uns foram comprados e alguns capturados pelos moradores, enquanto

outros foram arrematados em praça pelo Provedor da Fazenda Real, motivo que justificaria a

petição dos moradores e oficiais para não remeterem os índios ao Rio de Janeiro.

Contudo, relata-se, no mesmo documento, que o lançamento do bando teria levado

mais dano do que benefício para a Coroa, uma vez que serviu para que os índios se recolhessem

à sua antiga vivenda, de onde tinham sido tirados pela força das armas. Questionando até que

ponto é verossímil esse relato de deslocamento livre dos índios para seu antigo local de convívio

social, situada numa ilha por trás da Aldeia de Guajiru, por motivo de poder ter sido uma

informação manipulada pelos oficiais da Câmara para não os entregar ao Governador de

Pernambuco, poderia levar-se a crer no poder de articulação desses grupos indígenas que

refizeram determinada territorialidade ao retornar para o seu lugar de origem e, assim, impedir

a sua desnaturalização. No entanto, tudo leva a crer que o cumprimento do bando não chegou

a ser realizado pois Domingos Amado, Capitão-mor Rio Grande entre 1715 e 1718, teria

conseguido estabelecer a paz na região ao suspender o bando de Félix José Machado, impedindo

que se remetessem os tapuias para serem vendidos no Rio de Janeiro307.

No entanto, essa não teria sido a primeira vez em que o Governador de Pernambuco

emitiu um bando determinando que todos os moradores do Rio Grande que tivessem a posse de

305 Carta dos oficiais da Câmara de Natal ao rei [D. João V], sobre as dificuldades que os moradores enfrentam

por causa de um bando que o governador de Pernambuco, Felix José Machado, mandou lançar para que todos os

tapuias cativos de sete anos para cima fossem remetidos para Pernambuco, para serem vendidos no Rio de Janeiro.

AHU-RN, Papéis Avulsos, Caixa 1, Doc. 71 (1713, Julho, 29, Natal). 306 Cf.: BICALHO, M. Fernanda. Conquista, mercês e Poder local: a nobreza da terra na América portuguesa e a

cultura política do Antigo Regime. Almanack Braziliense. São Paulo, USP, n. 2, p. 21-34, nov., 2005. 307 LEMOS, Vicente de; MEDEIROS, Tarcísio. Capitães-mores e governadores do Rio Grande do Norte. Vol.

2. Natal: Edição do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, 1980, p. 34.

Page 138: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

137

índios fossem devolvê-los. Em julho de 1691, o governador ordenou que os moradores dessa

praça deveriam ir à presença dos paulistas, aos quais tinham vendido esses índios, para, após

entregá-los, serem restituídos do valor da compra no prazo de 15 dias após a data de publicação

do bando. Porém, diferentemente do bando de 1713 ao qual propôs-se a emissão e venda dos

índios no Rio de Janeiro, os outros seriam libertos, seguindo-se a ordem de 1691308. Um mês

após o lançamento do bando, especificamente no dia 30 de agosto de 1691, o mesmo

governador de Pernambuco escreveu diretamente a Domingos Jorge Velho confirmando a

liberdade de 100 índios machos e fêmeas que tinham sido tomados na guerra do Rio Grande,

na gestão do seu antecessor, declarando que não eram mais cativos309.

Um dos motivos para se tentar desassociar os grupos indígenas poderia ser o de

desarticular suas ações de guerra, pois, como se sabe, os índios dominavam técnicas marciais

que, muitas vezes, surpreendiam os pressupostos dos colonos. Em uma consulta do Conselho

Ultramarino, datada de dezembro de 1699, comunicava-se dos ataques que os índios faziam

tanto pela vanguarda quanto pela retaguarda dos inimigos, fazendo uso de flechas

envenenadas310. Além disso, diferentemente dos parâmetros de guerra estabelecidos pelos

corpos militares luso-brasileiros, os índios pareciam não seguir uma organização pois numa

carta endereçada aos mestres de campo, Antônio de Albuquerque da Câmara e Domingos Jorge

Velho, em novembro de 1688, já se comentava da irregularidade e diversidade da guerra desses

índios311, contudo, vale salientar que diversas táticas de guerra desenvolvidas pelos índios

foram incorporadas e utilizadas não só pelos portugueses, como também pelos holandeses.

Segundo o relato, a irregularidade ficava evidente por não formarem exércitos nem batalhas na

campanha, “antes são de salto as suas investidas, ora em uma, ora em outra parte, já juntos, já

divididos”312. Ademais, a força marcial indígena exercida nas guerras era, geralmente, através

da união de grupos étnicos diferentes, fator que os fortaleciam e favoreciam diante dos colonos

pois era “tão considerável o poder com que juntas se acham”313, mas também que veio a servir

como prerrogativa para diversas guerras justas.

308 BNL PBA Cód. 239, fl. 124/125. 309 BNL PBA Cód. 239, fl. 357/358. 310 Consulta ao Conselho Ultramarino. DPH/UFPE, AHU, fL. 164-165v. 311 Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, Vol X, 1929, p. 348. 312 Idem. 313 Carta que se escreveu ao governador de Pernambuco João da Cunha de Sotto Maior sobre a guerra do gentio

bárbaro do Rio Grande [1668]. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, Volume 10, pp. 263-267.

Page 139: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

138

Dentre os documentos do Conselho Ultramarino, também foi possível identificar uma

consulta que deixou um rastro de que a prática da desnaturalização dos índios poderia ser

comumente realizada. A dita consulta foi feita para a nomeação de pessoas para a companhia

de Infantaria de Pernambuco que vagou no Terço do mestre de campo Zenóbio Acioly de

Vasconcelos e nela se trazia a folha de serviços de Francisco Gil Ribeiro como um dos possíveis

a assumir o cargo. Francisco Ribeiro teria servido tanto na Guerra dos Palmares quanto na

Guerra dos Bárbaros e, nesse último conflito, ao comentar de sua participação em socorro à

Capitania do Rio Grande, afirma-se a perseguição que fizera ao Tapuia inimigo, marchando

desde Ceará-mirim até o sítio da Capelinha, localizado a 18 léguas, em 1688. No ano seguinte,

esse candidato à vaga da companhia de Infantaria, além de ter seguido sua marcha em

perseguição aos índios nas ribeiras de Utinga, Camaragibe e Pedra Branca, se propôs a

“desalojar o Tapuia que andara por aquelas partes”314. Apesar de não aparecer explicitamente

o termo “desnaturalizar”, a ação de desalojá-los de sua terra configura-se como tal, pois mesmo

que não se tenha comentado da retirada desses índios da jurisdição do Rio Grande, como nos

casos anteriores, é possível afirmar que quando desalojados, esses índios viram-se privados do

acesso à terra onde eram naturais, em consonância com o significado de “desnaturalização”

proposto por Bluteau.

Apesar das inferências feitas aqui, o tema da desnaturalização no âmago da Guerra dos

Bárbaros ainda é pouco presente nas análises historiográficas, aparecendo quase sempre apenas

na forma de dados e informações e não como o próprio objeto de pesquisa. Em outros contextos

de guerra também foi dificultoso encontrar elementos correspondentes à desnaturalização

evidenciada para os índios da Capitania do Rio Grande. Contudo, observou-se um caso de

desnaturalização com os índios da Argentina nos anos finais do século XVII, mesmo que se

tratando de uma realidade e contexto diferentes, vale a pena elucidar aqui. Virginia Zelada, ao

discutir sobre a entrega e distribuição de índios desnaturalizados em Córdoba, na Argentina,

comprovou que grande parte dos índios de lá foram desnaturalizados pois antes eram residentes

do Chaco e do Valle Calchaquí, cerca de 830 quilômetros e 655 quilômetros de distância da

atual cidade de Córdoba, respectivamente. No momento em que o ouvidor Antonio Martínez

Luján de Vargas visitou Tucumán, entre 1692 e 1694, propondo-se elaborar o registro da

jurisdição de Córdoba, identificou que das 36 unidades de encomendas existentes, 11 eram

314 Documento original no Arquivo Histórico Ultramarino (AHU, Lisboa, Portugal) transcrito e publicado por

Ernesto Ennes, p. 276. In: GOMES, Flávio (org.). Mocambos dos Palmares: histórias e fontes (Séc. XVI-XIX).

Rio de Janeiro: 7Letras, 2010, p. 394.

Page 140: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

139

compostas por índios desnaturalizados, tanto do Chaco quanto do Valle Calchaquí, levando-os

a refletir sobre as leis e os problemas que teriam resultado nesse movimento315.

Pelo que se pôde observar, a implantação dessa nova consequência na prática da guerra

justa, no contexto da Guerra do Açu, quando junta às demais, visava contribuir com o propósito

de aniquilamento das raízes identitárias, as quais eram associadas aos territórios sociais dos

índios, possivelmente motivada pelo desejo de desmobilização dos grupos indígenas nas

guerras, e, consequente conquista de territórios. Pois, como citado anteriormente, para os

conquistadores e autoridades, não bastava apenas apresar os índios, mas a partir de então devia-

se desnaturalizá-los. Ao pôr em prática tal ação, os colonos terminavam por minar o poder de

articulação dos grupos naquele local no qual estavam inseridos, na tentativa de desestruturar as

bases sociais deles e consequentemente diminuir as chances de possíveis vinganças. Porém,

essa iniciativa não limitava os índios de recriarem tanto um novo espaço social quanto sua

organização política através da territorialização de outro espaço, motivada pela retirada de seu

território e consequente envio a outro316.

*****

Principalmente por meio dos documentos oriundos da Junta das Missões de

Pernambuco, foi possível elaborar neste último capítulo uma discussão que primasse mais

diretamente pela História Indígena na Capitania do Rio Grande. Visando contribuir com as

discussões referentes aos índios desse espaço colonial no sertão do Açu, foco de maior

incidência das guerras justas, pensou-se em tratar primeiramente sobre qual seria o território

deles e como se poderia caracterizá-lo e defini-lo. Portanto, ao partir da noção dos territórios

sociais, conseguiu-se materializar, por meio de fontes documentais e relatos, a maior parte pelos

tratados de paz, em que se deixavam escapar elementos que conformavam uma conduta

territorial específica aos índios. Pode-se citar, como exemplo dessa conduta, os laços afetivos

e sociais estabelecidos coletivamente em seu território social, a preferência pelo clima do sertão,

além das relações de uso e produção desse espaço ao modo deles para sustento do grupo. Dessa

maneira, o sertão do Açu, que tanto se abordou nesse trabalho, assume a posição de um território

315 ZELADA, Virginia. Entrega y distribución de indios desnaturalizados en córdoba. Promesas, normativas y

disposiciones de gobierno en torno al “problema” calchaquí, 1659-1693. Andes, vol. 29, núm. 2, 2018. 316 Portanto, essa hipótese precisa ser ainda melhor investigada para dar conta da experiência social dos índios,

tanto no Rio de Janeiro quanto em Pernambuco, atentando para se de fato as tentativas de desnaturalização ao

serem concretizadas, foram seguidas de uma nova territorialização no momento em que os índios foram inseridos

em uma nova jurisdição.

Page 141: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

140

social visto pelo ângulo dos índios, que mesmo após a guerra justa e a consequente

reterritorialização de outro espaço por meio de novas condutas territoriais nutrem o desejo de

retorno para o sertão.

Depois de designar o Açu como um território social, envolvido em diversas disputas

de poder, pretendeu-se mapear de alguma maneira os rumos tomados pelos índios envolvidos

nos conflitos das guerras justas. Sabendo que esses índios viam-se impelidos a reterritorializar

um novo espaço de acordo com sua conduta territorial, tentou-se elencar os principais destinos

tomados por eles após os embates com os colonos e moradores. É certo que nem todos os

destinos foram decididos por livre e espontânea vontade dos índios, muitos deles foram

remetidos a outras localidades de modo compulsório pelos conquistadores, cujas principais

finalidades eram, principalmente: primeiro, desterritorializar os índios para assumir o controle

do sertão; e, segundo, para desarticular os grupos indígenas e as possíveis ações deles contra o

processo de avanço territorial da Coroa portuguesa.

De maneira geral, o processo de desterritorialização apresentou outro vetor baseado na

condição de desnaturalizar os índios e, por meio dos termos da Junta das Missões de

Pernambuco, começou-se a notar a inciativa das autoridades coloniais em desnaturalizar os

índios. Na prática, os dois termos parecem assemelhar-se, uma vez que ambos dão conta de um

desenraizamento de determinado grupo do seu local atual por fatores externos, geralmente

ligados a instituições e/ou autoridades superiores. Contudo, a desnaturalização por si só parece

realizar-se em um nível não apenas físico, de retirada da terra, mas também simbólico, uma vez

que se pretendia a dissociação dos grupos indígenas. Logo, a terra que era tida como “pátria” e,

mais ainda, como um território social para os índios, especificamente o Açu, ao se tornar alvo

das investidas expansionistas, terminou por viabilizar um projeto de desterritorialização dos

índios, que viria a suprir tanto o desejo de retirada deles do sertão quanto a ambição pela

conquista desse espaço.

Page 142: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

141

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, abordou-se a temática da guerra justa, porém, tentando ao máximo

privilegiar as problemáticas das discussões pelo viés da História Indígena, tendo em vista que

grande parte das produções em torno da temática da chamada Guerra dos Bárbaros, em especial

no sertão do Açu, nem sempre se detém a essa face. No entanto, para adentrar nessa seara, foi

necessário, a princípio, estabelecer um debate de cunho teórico que atentasse para as produções

teóricas, teológicas e jurídicas que davam conta da guerra justa, propondo um balanço geral da

constituição desse aparato da legislação que colocava em consonância o projeto de expansão

territorial da Coroa portuguesa e o interesse dos moradores e colonos pela tomada das terras.

Nesse sentido, propôs-se um diálogo não somente entre fontes que abordavam questões da

América portuguesa, mas também a respeito da América espanhola, servindo, inclusive, como

um ponto de encontro dos consensos e discordâncias no tocantes à liberdade, cativeiro e guerra

dos índios.

Através deste estudo, pôde-se perceber os limites e os contornos tomados durante os

debates, como o ocorrido em Valladolid, ao pôr em cheque estudiosos e teólogos do século

anterior que já estavam tratando da relação entre a matéria da guerra e a Igreja, entre a violência

e a catequização dos índios, entre o cativeiro e a liberdade. Portanto, os ditames que

conformaram o que veio a ser o conceito jurídico da guerra justa passaram por diversas

abordagens, por supressão de elementos e incremento de outros, desde as primeiras teorizações

com Santo Agostinho, no século V, até a incidência dessa prática nas possessões coloniais.

Desse modo, os índios personificaram os mais diferentes estigmas negativos a fim de construir

o alvo ideal para se guerrear.

A legislação indigenista no Brasil foi um reflexo do intenso debate que permeou a

temática da guerra justa. O conjunto de leis conhecido como Leis de Liberdade dos Índios –

sancionadas nos anos de 1609; 1680; e 1755 –, por exemplo, ilustram as idas e vindas nas ideias

que estabeleciam as leis ao tratar da guerra e consequente cativeiro dos índios. Ora se

determinava uma liberdade irrestrita, ora a restringiam, contudo, o elemento que parecia

cristalizar as discussões era a guerra justa pois através dela, e apenas por ela, é que se fariam

cativos os índios. Sendo assim, amparados juridicamente pela legislação, conquistadores e

moradores poderiam atender às suas necessidades não apenas com a mão de obra indígena, mas

com o domínio das terras no momento em que esses índios combatidos e cativos eram retirados

do seu território social.

Page 143: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

142

Foi com a chamada Guerra dos Bárbaros que as guerras justas se avolumaram em

grande quantidade nas Capitanias do Norte. A começar pelo uso e solidificação da expressão

“bárbaros”, tem-se que esse conflito tratar-se-ia de um conflito aos índios estigmatizados como

rebeldes e insolentes, portanto, aptos para serem combatidos e feitos cativos. Como se notou,

as guerras (in)justas que assolaram os índios, da Bahia ao Açu, tiveram um crescimento

vertiginoso e, apesar de não se deterem a uma análise quantitativa, percebe-se qualitativamente

que os discursos produzidos pelas autoridades ou moradores faziam uso do recurso jurídico da

guerra justa constantemente, a fim de tomar posse dos territórios dos índios. A Guerra do Açu,

especificamente, materializou a ambição pelos sertões e, mais ainda, pelo que aqui se entendeu

como territórios sociais dos índios.

Também se apresentou aqui, apesar das limitações e dificuldades com relação à

especificidade e o caráter das fontes oriundas da Junta das Missões de Pernambuco, do

Conselho Ultramarino e demais instituições vinculadas à Coroa Portuguesa, o resultado da

pesquisa construído por meio da análise do discurso jurídico por um prisma que viabiliza o

enriquecimento da narrativa historiográfica do Rio Grande do Norte condizente aos índios.

Dessa maneira, pôde-se identificar a utilização do aparato legal da guerra justa na capitania do

Rio Grande, entre os séculos XVII e XVIII, como um argumento justificador para o

estabelecimento de guerras contra os índios, comumente das etnias Janduí, Caboré, Capela e

Panicuassu, vistas como ameaças, em especial, quando se uniam.

Notou-se a recorrência na utilização desse argumento jurídico sobre os povos

indígenas, principalmente pelos termos da Junta das Missões de Pernambuco, fato que os levou

a recriarem estratégias de sobrevivência em meio ao jugo da Coroa no período colonial. Mesmo

sabendo dos diferentes meios possíveis de articulação dos grupos indígenas que podem ser

caracterizados como resistências adaptativas, decidiu-se pontuar aqui apenas os deslocamentos

dos grupos indígenas como uma das alternativas possíveis de se resistir. Tanto por meio da fuga

quanto pelos deslocamentos compulsórios, conjectura-se que os índios viam-se impelidos a

estabelecerem um novo espaço de sociabilidade por meio do resgate e afirmação de suas

identidades e, portanto, tinham de criar mecanismos capazes de garantir a territorialização de

dado local, muitas vezes para além do sertão da Capitania do Rio Grande.

No entanto, vale salientar que o caráter dos deslocamentos compulsórios vinha a

cumprir um objetivo próprio das autoridades coloniais pois, valendo-se do movimento de

retirada e desarraigamento dos índios do seu local de sociabilidade, intentou-se desnaturalizá-

Page 144: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

143

los. Tendo isso em vista, o discurso jurídico da guerra justa ganhou esse complemento,

introduzido como mais uma das consequências possíveis de ser direcionada aos índios inimigos.

Em decorrência disso, os colonos teriam a chance de povoar e dominar os sertões mais

livremente em nome da Coroa Portuguesa pois os índios que se apresentavam como fronteiras,

impedindo esse movimento, seriam retirados da jurisdição da Capitania do Rio Grande e

remetidos a um novo espaço, aqui evidenciado como o Rio de Janeiro, assim como a Capitania

de Itamaracá ou de Pernambuco, por exemplo.

Enfim, a desnaturalização incidiria diretamente no processo de desterritorialização dos

índios, enquanto uma nova territorialização ganharia maior força no formato desejado pela

Coroa portuguesa. Tendo-se como ponto de partida as relações sociais dos índios com o seu

território ao sofrer diversos processos de desterritorialização, seguidos de novas

territorializações com suas vivências próprias do espaço, de acordo com sua cultura e do seu

tempo, pretendeu-se, aqui, evidenciar as possíveis trajetórias tomadas por esses grupos, haja

vista que “cada grupo cultural e cada período histórico funda sua própria forma de vivenciar

‘integralmente o espaço’”317. Portanto, para concretização do projeto de domínio do sertão nos

moldes lusitanos, fazia-se necessário o rompimento das relações sociais dos índios entre eles

mesmos e com o ambiente ao qual estavam originariamente inseridos. Logo, desnaturalizar os

índios assumia um caráter de desenraizá-los de seu espaço de sociabilidade ou de seus territórios

sociais.

317 HAESBAERT, Rogério. O Mito da Desterritorialização. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. p. 67.

Page 145: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

144

FONTES

FONTES MANUSCRITAS

Assento (cópia) da Junta das Missões sobre o extermínio e pazes feitas com os índios tapuias

Caboré e Capela que estavam reunidos na aldeia Guajiru. In: AHU-RN, Papéis avulsos, Caixa

1, Doc. 78 (Lisboa, 25 de agosto de 1714).

Carta régia ao Governador do Rio de Janeiro sobre a criação da Junta das Missões Ultramarinas.

Arquivo Nacional (Rio de Janeiro), cód. 952, vol. 3, p. 5. Lisboa, 07 de Março de 1681.

Carta régia aos oficiais da Câmara de Natal sobre se fazer junta acerca da guerra contra os

índios Janduís. AHU, Cd. 257 f. 121v e 122v.

Carta régia ao governador do Maranhão sobre se ter resoluto fazer-se guerra ao gentio brabo

em defesa das hostilidades que fazem aos moradores do Rio Grande. Lisboa, 10 de março de

1695. Conselho Ultramarino – Tomo V – PE. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,

Arq. 1. 2. 24, fl. 112.

Carta para o governador de Pernambuco [1694]. Documentos Históricos da Biblioteca

Nacional, Volume 38, pp. 314-315.

Carta para o capitão-mor Domingos Jorge Velho sobre partir com a gente que tiver sobre os

bárbaros do Rio Grande [1668]. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, Volume 10,

pp. 293-295.

Carta que se escreveu ao governador de Pernambuco João da Cunha de Sotto Maior sobre a

guerra do gentio bárbaro do Rio Grande [1668]. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional,

Volume 10, pp. 263-267.

Carta que se escreveu para o capitão-mor da capitania do Rio Grande Paschoal Gonçalves de

Oliveira sobre a guerra do gentio bárbaro do Rio Grande [1668]. Documentos Históricos da

Biblioteca Nacional, Volume 10, pp. 270-272.

Carta que se escreveu ao coronel Antônio de Albuquerque da Câmara sobre a guerra do gentio

bárbaro do Rio Grande [1668]. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, Volume 10, pp.

276-280.

Carta que se escreveu ao bispo de Pernambuco sobre o sucesso da guerra do Rio Grande [1688].

Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, Volume 10, pp. 306-308.

Carta para o senhor almotacé-mor do reino e governador de Pernambuco [1690]. Documentos

Históricos da Biblioteca Nacional, Volume 10, pp. 388-393.

Carta do capitão-mor do Rio Grande do Norte, Bernardo Vieira de Melo, ao rei [D. Pedro II]

sobre decisão dos oficiais da Câmara e moradores de Natal de se fazer um presídio no sertão

do Açu, que seria sustentado por seis meses pelas farinhas dadas pelos moradores. In: AHU-

RN, Papéis Avulsos, Caixa 1, Doc. 42 (1697, Abril, 25, Natal).

Carta (minuta) ao rei [D. Pedro II] sobre os índios agregados ao Terço dos Paulistas, no Açu.

In: AHU-RN, Papéis Avulsos, Caixa 1, Doc. 55 [post. 1700].

Page 146: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

145

Carta do [sargento-mor do Terço dos Paulistas] José de Morais Navarro ao rei [D. João V] sobre

uma trama entre capitães do Terço dos Paulistas e moradores da Ribeira do Açu para incitar os

índios Paiacu contra os “Panucuguassu”, aldeados pelo mestre-de-campo Manuel Álvares de

Novais Navarro, a fim de conseguirem aprisionar as suas mulheres e filhos. AHU-RN, Papéis

Avulsos, Caixa 1, Doc. 65 (1710, Maio, 27, Açu).

Carta do [capitão-mor do Rio Grande do Norte], Salvador Álvares da Silva, ao rei [D. João V],

sobre a destruição que os índios “Caboré-Açu” fizeram na Ribeira do Açu, como vingança do

ataque que sofreram dos vaqueiros. In: AHU-RN, Papéis Avulsos, Caixa 1, Doc. 68 [post. 1711,

Novembro, 30, Natal].

Carta dos oficiais da Câmara de Natal ao rei [D. João V], sobre as dificuldades que os moradores

enfrentam por causa de um bando que o governador de Pernambuco, Felix José Machado,

mandou lançar para que todos os tapuias cativos de sete anos para cima fossem remetidos para

Pernambuco, para serem vendidos no Rio de Janeiro. Anexo: carta dos oficiais da Câmara de

Natal ao governador de Pernambuco (treslado) e resposta. In: AHU-RN, Papéis Avulsos, Caixa

1, Doc. 71 (1713, Julho, 29, Natal).

Carta do desembargador Cristóvão Soares Reimão ao rei [D. João V] informando que o

Capitão-mor do Rio Grande do Norte, Salvador Álvares da Silva, havia dado terras dos índios

da Aldeia de Mipibu ao padre Manuel Rodrigues Pereira e a Baltasar Gonçalves, causando

conflitos com os índios. In: AHU-RN, Papéis avulsos, Caixa 1, Doc. 75 (1713, Outubro, 11,

Recife).

Carta autografada de Domingos Jorge Velho, escrita do Outeiro do Barriga, campanha dos

Palmares em que narra os trabalhos e sacrifícios que passou e acompanha a exposição de Bento

Sorriel Camiglio procurador dos Paulistas [1694]. In: GOMES, Flávio (org.). Mocambos dos

Palmares: histórias e fontes (Séc. XVI-XIX). Rio de Janeiro: 7Letras, 2010, p. 342.

Consulta de Bernardo Vieira de Melo – da capitania do Rio Grande – em que dá conta de se

haver ausentado o gentio Canindé do sítio em que estava, e de lhe haver morrido o seu principal

e sete crianças sem as batizar o clérigo que lhes assistia [1699]. Documento original no Arquivo

Histórico Ultramarino (AHU, Lisboa, Portugal) transcrito e publicado por Ernesto Ennes, p.

420-421. In: GOMES, Flávio (org.). Mocambos dos Palmares: histórias e fontes (Séc. XVI-

XIX). Rio de Janeiro: 7Letras, 2010, p. 432-433.

Consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. Pedro II, sobre carta do capitão-mor do Rio Grande

do Norte, Pascoal Gonçalves de Carvalho, acerca das hostilidades que os índios tapuias Janduí

faziam na capitania. AHU-RN, Papéis avulsos, Caixa 1, Doc. 27 (1688, Fevereiro, 6, Lisboa).

Consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. Pedro II, sobre carta do capitão-mor do Rio Grande

do Norte, Agostinho César de Andrade, acerca da destruição da capitania com os ataques dos

tapuias e sobre a falta de mantimentos para os soldados aquartelados na Ribeira do Açu, o que

os obrigava a abandonar o posto. AHU-RN, Papéis avulsos, Caixa 1, Doc. 31 (1690, Novembro,

10, Lisboa).

Consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. Pedro II, sobre diversas cartas recebidas acerca do

estado de ruínas da Capitania do Rio Grande do Norte e da Fortaleza dos Reis Magos por causa

da Guerra dos Bárbaros. Anexo: aviso, parecer do Conselho Ultramarino (minuta); cartas do

ouvidor-geral da Paraíba, Diogo Rangel Castel Branco, do capitão-mor da capitania do Rio

Grande do Norte, Sebastião Pimentel, dos oficiais da Câmara de Natal e do governador de São

Tomé, Ambrósio Pereira de Berredo. AHU-RN, Papéis avulsos, Caixa 1, Doc. 35 (1693,

Novembro, 23, Lisboa).

Page 147: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

146

FONTES IMPRESSAS

ANDRADE, Pedro Carrilho de. Memória sobre os índios do Brazil. Revista do IHGRN. Vol.

7, nº 1 e 2, 1909.

BARO, Roulox. Relação da Viagem ao país dos Tapuias. São Paulo/ Belo Horizonte:

Edusp/Itatiaia, 1979.

BARROS, João de. Panegíricos (Panegírico de D. João III e da Infanta D. Maria). Texto

restituído, prefaciado e notas pelo prof. M. Rodrigues Lapa. Lisboa: Sá da Costa, 1943, fol.

10rv (ed. moderna, p. 16).

Carta de Domingos Afonso Certão para D. João de Lencastre, governador e capitão-geral do

Brasil, dando-lhe conta, a seu pedido, dos caminhos, povoações e distâncias da Baia ao último

povoado para a parte do Norte [...]”. RAU, Virginia; SILVA, Maria Fernanda Gomes da (Org.).

Os manuscritos do Arquivo da Casa de Cadaval respeitantes ao Brasil. Vol. II. Acta

Universitatis Conimbrigensis. Coimbra: University of Coimbra, 1958.

Carta ânua de João Antônio Andreoni por mandato do Pe. Provincial, 25 de novembro de 1704.

ARSI, Bras. 10, ff. 42-43 apud Leite, 1938-50: 543-547.

Carta sobre a instituição da Junta das Missões e do que lhe toca obrar. Biblioteca da Ajuda, cód.

50-V-37, fl. 355-355v. Lisboa, post. 1686. Apud. MELLO, Marcia Eliane Alves de Souza e. Fé

e império: as Juntas da Missões nas conquistas portuguesas. Manaus: EDUA, 2007, p. 291-

292.

Carta de Mattheus de Moura ao Padre Geral, 31 de dezembro de 1711. ARSI, Bras, 10. f. 78.

Apud. POMPA, Cristina. Religião como tradução: missionários, tupi e tapuia no Brasil

colonial. Bauru-SP: EDUSC, 2003, p. 290.

CASAS, Frei Bartolomé de Las. Brevíssima relação da destruição das Índias. Porto Alegre:

L&PM Editores Ltda., 1984.

CASAS, Bartolomeu de Las. Liberdade e Justiça para os povos da América: oito tratados

impressos em Sevilha em 1552: obras completas II. São Paulo: Paulus, 2010.

Consulta do Conselho Ultramarino sobre a nomeação do terço do mestre de campo, Manoel

Lopes para a companhia de Infantaria, posto vago quando do falecimento de Luís V. S. da Costa

[1697]. Documento original no Arquivo Histórico Ultramarino (AHU, Lisboa, Portugal)

transcrito e publicado por Ernesto Ennes, p. 276. In: GOMES, Flávio (org.). Mocambos dos

Palmares: histórias e fontes (Séc. XVI-XIX). Rio de Janeiro: 7Letras, 2010, p. 390.

Consulta do Conselho Ultramarino de 22 de maio de 1698, sobre a nomeação de pessoas para

o posto de capitão de infantaria que vagou na praça de Pernambuco pela promoção de Manoel

Pinto ao posto de ajudante de tentente [1698]. DOCUMENTO original no Arquivo Histórico

Ultramarino (AHU, Lisboa, Portugal) transcrito e publicado por Ernesto Ennes, p. 297-301. In:

GOMES, Flávio (org.). Mocambos dos Palmares: histórias e fontes (Séc. XVI-XIX). Rio de

Janeiro: 7Letras, 2010, p. 425-428.

Consulta da Junta Geral das Missões sobre a falta de párocos nas igrejas do sertão. AHU-PE,

Papéis avulsos (Lisboa, 29 de Outubro de 1697). Apud MELLO, Marcia Eliane Alves de Souza

e. Fé e império: as Juntas da Missões nas conquistas portuguesas. Manaus: EDUA, 2007, p.

298-301.

Cópia do papel, com que Dom Joam de Lancastro responde aos 16 pontos, que contem a carta,

que Sua Magestade que Deus guarde lhe escreveu este anno sobre as Missoens. RAU, Virgínea

Page 148: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

147

(Org.). Os manuscritos do Arquivo da Casa de Cadaval respeitantes ao Brasil. v. II, Acta

Universitatis Conimbrigensis. Coimbra: University of Coimbra, 1958, p. 48-53.

COUTO, Domingos Loreto. Desagravos do Brasil e Glória de Pernambuco. Anais da

Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. vols. 24 e 25. Rio de Janeiro: Oficina Tipográfica da

Biblioteca Nacional, 1904, p. 33. Disponível em:

<http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_obrasgerais/drg177349/drg177349.pdf>. Acesso

em 02 de junho de 2019.

De verbis Domin., De civitate Dei, 119, c. 12. COSTA, Ricardo da; SANTOS, Armando

Alexandre dos. O pensamento de Santo Tomás de Aquino (1225-1274) sobre a vida militar, a

guerra justa e as ordens militares de cavalaria. In: Mirabilia 10. Jan-jun/ 2010, p. 145-157.

Documento original no Arquivo Histórico Ultramarino (AHU, Lisboa, Portugal) transcrito e

publicado por Ernesto Ennes, p. 276. In: GOMES, Flávio (org.). Mocambos dos Palmares:

histórias e fontes (Séc. XVI-XIX). Rio de Janeiro: 7Letras, 2010, p. 394.

Lei de 01/04/1680. PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios

da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela

Carneiro da (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras/FAPESP,

1992, p. 126.

Memorial que a Câmara de Natal escreveu para ser levado à Sua Majestade. IHGRN, LCPSCN,

Caixa 65, Livro 2, fls. 129, 02/07/1689.

MORAES, José de. Memórias do Maranhão e Grão-Pará. Coleção Manuel Barata. Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro, 1708, Lata 278, livro 3, s.d, p. 105-109.

PEREIRA, Gregório Varela de Berredo. Breve compêndio do que vai obrando neste governo

de Pernambuco o senhor Antonio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho. Recife, 1690. In:

MELLO, José Antônio Gonçalvez de. Pernambuco ao tempo do governo de Câmara Coutinho

(1689-1690). Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco.

Vol. LI. Recife: CEPE, 1979, p. 257-300.

Regimento que levou Tomé de Souza governador do Brasil, Almerim, 17/12/1548. In: Lisboa,

AHU, códice 112, fls. 1-9. Disponível em:

<http://lemad.fflch.usp.br/sites/lemad.fflch.usp.br/files/2018-

04/Regimento_que_levou_Tome_de_Souza_governador_do_Brasil.pdf>. Acesso em 01 de

junho de 2019.

Resolução acerca dos injustos cativeiros dos Indios do Brasil e do que poderia ser feito para

aumentar o número de convertidos ao catolicismo” ZERON, Carlos Alberto de Moura Ribeiro.

Linha de Fé: A Companhia de Jesus e a Escravidão no Processo de Formação da Sociedade

Colonial (Brasil, Séculos XVI e XVII). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011,

p. 330.

Requerimento que – aos pés de Vossa Majestade humildemente prostrado – faz em seu nome e

em aquele de todos os oficiais e soldados do terço de Infantaria São Paulista de que é mestre de

campo, Domingos Jorge Velho que atualmente serve a Vossa Majestade na guerra dos Palmares

contra os negros rebelados nas capitanias de Pernambuco. Documento original no Arquivo

Histórico Ultramarino (AHU, Portugal, Lisboa) transcrito e publicado por Ernesto Ennes, pp.

316-344. In: GOMES, Flávio (org.). Mocambos dos Palmares: histórias e fontes (Séc. XVI-

XIX). Rio de Janeiro: 7Letras, 2010, p. 407-424.

Page 149: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

148

SALVADOR, Frei Vicente de. História do Brasil 1500-1627. Belo Horizonte:

Itatiaia/EDUSP, 1982, p. 87.

São Domingos, António de de Bello. Biblioteca Nacional de Portugal, fol. 67vº-68, tradução de

A. Guimarães Pinto (no prelo). CALAFATE, Pedro. A Escola Ibérica da Paz nas universidades

de Coimbra e Évora (século XVI). Teocomunicação, Porto Alegre, v. 44, n. 1, p. 78-96, jan.-

abr. 2014.

SOUZA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Recife: Ed. Massangana.

2000. p. 16-17.

SUPER Matheum, apud Suma Teológica II-IIae, q. 188. COSTA, Ricardo da; SANTOS,

Armando Alexandre dos. O pensamento de Santo Tomás de Aquino (1225-1274) sobre a vida

militar, a guerra justa e as ordens militares de cavalaria. In: Mirabilia 10. Jan-jun/ 2010, p. 154.

Termo sobre fazerse guerra aos Ianduins. Termo 31, 12 de setembro de 1712. Biblioteca

Nacional de Portugal, Coleção Pombalina, Cód. 115, “Livro dos assentos da Junta das Missões,

cartas ordinárias, ordens e bandos que se escreveram em Pernambuco no tempo do governador

Félix José Machado”, fl. 35v. GATTI, Ágatha Francesconi. O trâmite da fé: a atuação da Junta

das Missões de Pernambuco, 1681-1759. 2011. Dissertação (Mestrado em História) –

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, p.

185.

Termo sobre humas Aldeas que seachão sem missionarios sobre os cabos do Siry, e Arataguy

nam terem muita fidelidade, sobre os Tapuyas hirem para fora da terra. Sobre querer o Provedor

do Rio Grande quintar huns Tapuyas que tinham ajustado paz. Sobre os Tapuyas da Capella

não terem Aldea separada, nem postos. Sobre matarem-se em uma marcha 14 Tapuyas da

Capella por desconfiança; sobre marchar o Terço do Assú para sua conquista. Sobre pagarse

aos Indios a 80 reis e de comer. Sobre os Tapuyas Anasses matarem ao Mestre de campo

Antônio da Cunha Solto Mayor. Termo 32, 03 de abril de 1713. Biblioteca Nacional de

Portugal, Coleção Pombalina, Cód. 115, “Livro dos assentos da Junta das Missões, cartas

ordinárias, ordens e bandos que se escreveram em Pernambuco no tempo do governador Félix

José Machado”, fl.36v. GATTI, Ágatha Francesconi. O trâmite da fé: a atuação da Junta das

Missões de Pernambuco, 1681-1759. 2011. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de

Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 187.

VITÓRIA, Francisco de. Relecciones sobre los índios y el derecho de guerra. Madrid:

ESPASA-CAPLE, S. A., 3 ed., 1946, p. 108.

Page 150: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

149

REFERÊNCIAS

AGNOLIN, Adone. Jesuítas e selvagens: o encontro catequético no século XVI. In: Revista de

História, n. 144, p. 19-71, 2001.

ALENCAR, Júlio César Vieira de. Para que enfim se colonizem estes sertões: a Câmara de

Natal e a Guerra dos Bárbaros (1681-1722). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN, 2017.

ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul,

séculos XVI e XVII. São Paulo, Companhia das Letras, 2000.

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. O lugar dos índios na história: dos bastidores ao palco.

In: ALMEIDA, Maria Regina Celestino. Os índios na História do Brasil. Rio de Janeiro: FGV,

2010, p. 13-28.

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Quando é preciso ser índio: identidade étnica como

força política nas aldeias do Rio de Janeiro. Tradições e modernidades. Rio de Janeiro: FGV

Editora, 2010, p. 47-60.

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Identidades étnicas e culturais: novas perspectivas para

a história indígena. In: ABREU, Martha; SOIHET, Rachel. Ensino de história: conceitos,

temáticas e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009, p.30.

ALVEAL, Carmen Margarida Oliveira. História e direito: sesmarias e conflito de terras entre

índios em freguesias extramuros do Rio de Janeiro (século XVIII). 2002. Dissertação (Mestrado

em História) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em História

Social, Rio de Janeiro, 2002.

AMADO, Janaína; FIGUEIREDO, Luiz Carlos. O Brasil no Império português. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar, Coleção Descobrindo o Brasil, 2001.

ARAÚJO, Maiara Silva. Tropas pagas e ordenanças: perfil social dos militares da capitania

do Rio Grande (séculos XVII-XIX). 2019. 235f. Dissertação (Mestrado em História) - Centro

de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal,

2019.

AZEVEDO, Antonio Carlos do Amaral. Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos.

3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

BATISTA, Adriel Fontenele. O sumário das armadas: guerras, missões e estratégias

discursivas na conquista do rio Paraíba. Natal: EDUFRN, 2013.

BONCIANI, Rodrigo Faustinoni. O dominium sobre os indígenas e africanos e a

especificidade da soberania régia no Atlântico: da colonização das ilhas à política

ultramarina de Felipe III (1493-1615). 2010. Tese (Doutorado em História Social) –

Universidade de São Paulo, Programa de Pós-graduação em História Social, São Paulo, 2010.

BUENO, Eduardo. Genocídio de ontem e hoje. In: CASAS, Frei Bartolomé de Las. Brevíssima

relação da destruição das Índias. Porto Alegre: L&PM Editores Ltda., 1984, p. 11-25.

CALAFATE, Pedro. A Escola Ibérica da Paz nas universidades de Coimbra e Évora (século

XVI). Teocomunicação, Porto Alegre, v. 44, n. 1, p. 78-96, jan.-abr. 2014.

CASCUDO, Luís da Câmara. História da cidade do Natal. 4 ed. Natal: EDUFRN, 2010.

Page 151: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

150

CUADRADO, José Ángel García. La obra filosófica y teológica de Domingo Báñez (1528-

1604). Anuario de Historia de la Iglesia, 7, 1998, p. 209-227.

CUNHA, Manuela Carneiro da; CASTRO, Eduardo Viveiros de. Vingança e temporalidade: os

Tupinambá. Journal de la Société des Américanistes, v. 71. 1985. p. 129-208.

CHAMBOULEYRON, Rafael; BOMBARDI, Fernanda Alves. Descimentos privados de índios

na Amazônia colonial (séculos XVII e XVIII). Varia História, Belo Horizonte, vol. 27, nº 46:

p.601-623, jul/dez 2011.

COSTA, Ricardo da; SANTOS, Armando Alexandre dos. O pensamento de Santo Tomás de

Aquino (1225-1274) sobre a vida militar, a guerra justa e as ordens militares de cavalaria. In:

Mirabilia 10. Jan-jun/ 2010. p. 145-157.

COSTA, Rogério Haesbaert da. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à

multiterritorialidade. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011, 396 p.

COSTA, Rogério Haesbaert da. Concepções de território para entender a desterritorialização.

In: BECKER, Bertha K; SANTOS, Milton (Org.). Território, territórios: ensaios sobre o

ordenamento espacial. 1ed. Niterói: Programa de Pós-Graduação em Geografia, 2002, p. 17-

38.

COSTA, Rogério Haesbaert da. Da desterritorialização à multiterritorialidade. In: Anais do X

Encontro de Geógrafos da América Latina. São Paulo, Universidade de São Paulo, março

de 2005. Disponível em:

<http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal10/Teoriaymetodo/Conceptuales/19.p

df>. Acesso em 10 de julho de 2019. p. 6774-6792. 2005.

DIAS, Dayane Julia Carvalho; ALVEAL, Carmen Margarida Oliveira. Um estudo sobre a

população da Capitania do Rio Grande com ênfase na escravidão negra e indígena no contexto

da Guerra dos Bárbaros (1681-1714). Resgate - Rev. Interdisciplinar, Campinas, v. 25, n. 2

[34], jul./dez. 2017, p. 57-80.

DIAS, Patrícia de Oliveira. Gentes de conquista: famílias, poder e pecuária na Ribeira do

Apodi-Mossoró (1676-1725). Anais Eletrônicos do XVII Encontro Estadual de História

ANPUH-PB. v. 17, n. 1, 2016, p. 436-446.

DOMINGUES, Ângela. Quando os índios eram vassalos: colonização e de poder no norte do

Brasil na segunda metade do século XVIII. Lisboa: Comissão nacional para as comemorações

dos descobrimentos portugueses, 2000.

ELIAS, Juliana Lopes. Militarização indígena na Capitania de Pernambuco no século

XVII: caso Camarão. 2005. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de

Pernambuco, Programa de Pós-graduação em História, Recife, 2005.

FERNÁNDEZ, Manuel Jiménez. Las bulas alejandrinas de 1493 referentes a las Índias.

Nuevas consideraciones sobre la historia, sentido y valor de las bulas alejandrinas en 1493

referentes a las Índias. Sevilla: Anuario de Estudios Americanos, 1944.

FONTES, João Luís Inglês. Cruzada e expansão: a bula Sane Charissimus. Lusitania Sacra,

1995, p. 403-420.

GATTI, Ágatha Francesconi. O trâmite da fé: a atuação da Junta das Missões de Pernambuco,

1681-1759. 2011. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e

Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.

Page 152: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

151

GILL, R. Análise de Discurso. In: BAUER, MW; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com

texto, imagem e som: um manual prático. 3a ed. Vozes: Petrópolis (RJ), 2002, p. 244-270.

GRUZINSKI, Serge. “Les mondes mêlés de la Monarchie catholique et autres ‘connected

histories’”. Annales HSS, nº 1, jan-fev. 2001.

GUTIÉRREZ, Jorge Luis. A controvérsia de Valladolid (1550): Aristóteles, os índios e a guerra

justa. Revista USP, São Paulo, nº 101, p. 223-235, mar-mai, 2014.

JOSAPHAT, Frei Carlos. Controvérsia entre Las Casas e Sepúlveda. In: CASAS, Bartolomeu

de Las. Liberdade e Justiça para os povos da América: oito tratados impressos em Sevilha

em 1552: obras completas II. São Paulo: Paulus, 2010.

JOSAPHAT, Frei Carlos. Las Casas: todos os direitos para todos. São Paulo: Edições Loyola,

2000.

LANGFUR, Hal. The forbidden lands: colonial identity, frontier violence, and the persistence

of Brazil's eastern Indians, 1750-1830. Stanford University Press, 2006.

LEMOS, Vicente de; MEDEIROS, Tarcísio. Capitães-mores e governadores do Rio Grande

do Norte. Vol. 2. Natal: Edição do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte,

1980.

LEITE, Serafim. Páginas de História do Brasil. São Paulo: Companhia editora nacional, 1937.

LITTLE, Paul E. Territórios sociais e povos tradicionais no brasil: por uma antropologia da

territorialidade. In: Anuário Antropológico/2002-2003. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,

2004: 251-290.

LOPES, Fátima Martins. Os indígenas aldeados da Capitania do Rio Grande na primeira metade

do século XVIII: terra e trabalho. In: MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de; SANTOS,

Rosenilson da Silva (Orgs.). Capitania do Rio Grande: histórias e colonização na América

portuguesa. João Pessoa: Ideia; Natal: EDUFERN, 2013. p. 73-90.

LOPES, Fátima Martins. Em nome da liberdade: as vilas de índios do Rio Grande do Norte

sob o diretório pombalino no século XVIII. Rio de Janeiro: PUBLIT, 2015.

LOPES, Fátima Martins. Índios, colonos e missionários na colonização da capitania do Rio

Grande do Norte. Mossoró: Fundação Vingt-um Rosado; Coleção Mossoroense. Edição

Especial para o Acervo Virtual Oswaldo Lamartine de Faria, 2003.

LYRA, A. Tavares de. História do Rio Grande do Norte. 3.ed. Natal: EDUFRN – Editora da

UFRN, 2008.

MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Populações indígenas no sertão do Rio Grande

do Norte. Natal: Ed. UFRN, 2011.

MACEDO, José Rivair. Mouros e cristãos: a ritualização da conquista no velho e no Novo

Mundo. Bulletin du centre d’études médiévales d’Auxerre, 2008, p. 1-12.

MAIA, Lígio de Oliveira. Aldeias e missões nas capitanias do Ceará e Rio Grande: catequese,

violência e rivalidades. Revista Tempo, vol. 19 n. 35, Jul–Dez/2013. p. 7-22.

MAIA, Lígio de Oliveira. Honras, Mercês e Prestígio Social: a inserção da família indígena

Sousa e Castro nas redes de poder do antigo regime na capitania do Ceará. Revista de Ciências

Sociais, v. 43, n. 2, p. 9-23, jul/dez, 2012.

Page 153: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

152

MAIA, Lígio José de Oliveira. Serras de Ibiapaba, de aldeia à vila de índios: Vassalagem e

identidade no Ceará Colonial–Século XVIII. 2010. Tese (Doutorado em História) –

Universidade Federal Fluminense, Programa de Pós-graduação em História, Niterói, 2010.

MARCOCCI, Giuseppe. A Consciência de um Império: Portugal e seu Mundo (Século XV-

XVII). Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012.

MATOS, Andityas Soares de Moura Costa. Filosofia do Direito e Justiça na obra de Hans

Kelsen. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

MEDEIROS, Ricardo Pinto. O descobrimento dos outros: povos indígenas do sertão

nordestino no período colonial. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de

Pernambuco, Programa de Pós-graduação em História, Recife, 2000.

MEDEIROS FILHO, Olavo de. Velhas famílias do Seridó. Brasília: Centro Gráfico do Senado

Federal, 1981.

MEDEIROS FILHO, Olavo de. Velhos inventários do Seridó. Brasília: Centro Gráfico do

Senado Federal, 1983.

MEDEIROS FILHO, Olavo de. Índios do Açu e Seridó. Brasília: Centro Gráfico do Senado

Federal, 1984.

MELO, Vanice Siqueira de. Cruentas guerras: índios e portugueses nos sertões do Maranhão

e Piauí (primeira metade do século XVIII). 2011. 156f. Dissertação (Mestrado em História

Social da Amazônia). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal do Pará,

2011.

MELLO, Marcia Eliane Alves de Souza e. Fé e império: as Juntas da Missões nas conquistas

portuguesas. Manaus: EDUA, 2007.

MORAES, Antônio Carlos Robert de. Território e história no Brasil. 2 ed. São Paulo:

Annablume, 2005.

MOREIRA, Ruy. Formação espacial brasileira: uma contribuição crítica à geografia do

Brasil. Rio de Janeiro: Consequência, 2012.

OLIVEIRA. João Pacheco de. Uma etnologia dos “índios misturados”? Situação colonial,

territorialização e fluxos culturais. Mana –Estudos de Antropologia Social, v. 4, n. 1, Rio de

Janeiro, 1998.

PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. De como se obter mão-de-obra indígena na Bahia entre os

séculos XVI e XVII. Revista de História, São Paulo, n. 119-131, p. 179-208, ago./dez. 1993;

ago./dez. 1994.

PEREIRA, Elenize Trindade. De capitania donatária à capitania régia: o senhorio de João

de Barros na "Terra dos Potiguara": século XVI. 2018. 159f. Dissertação (Mestrado em

História) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande

do Norte, Natal, 2018.

PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação

indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro da

(org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras/FAPESP, 1992, p.

115-131.

Page 154: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

153

PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Legislação indigenista: inventário e índice. 1990. Dissertação

(Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e

Ciências Humanas, Campinas, 1990.

PIRES, Maria Idalina. Guerra dos Bárbaros: resistência indígena e conflito no Nordeste

colonial. Recife: Fundap/CEP, 1990.

PLANS, Juan Belda. La Escuela de Salamanca. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos,

2000.

POMBO, Rocha. História do estado do Rio Grande do Norte. Natal: EDUFRN, 2018.

POMPA, Cristina. Religião como tradução: missionários, tupi e tapuia no Brasil colonial.

Bauru-SP: EDUSC, 2003.

POMPA, Cristina. O mito ‘mito da terra sem mal’: a literatura “clássica” sobre o profetismo

tupi-guarani. Revista de Ciências Sociais, v. 29, n. 1/2, 1998, p. 44-72.

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo:

Brasiliense, v. 16, 2000.

PUNTONI, Pedro. A guerra dos Bárbaros: povos indígenas e a colonização do sertão nordeste

do Brasil, 1650-1720. São Paulo: Hucitec/Edusp, 2002.

RODRIGUES, Erick Matheus Bezerra Mendonça. Espaços criados, espaços conquistados:

relações de domínio da Espanha imperial com os espaços das Indias Occidentales no século

XVI). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

Natal-RN, 2019.

RODRIGUES, Juan Pablo Martín. Juan Ginés de Sepúlveda: gênese do pensamento imperial.

2010. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Federal de Pernambuco, Programa de pós-

graduação em Letras, Recife, 2010.

RUIZ, Rafael. A Teologia como chave de leitura dos processos judiciais na América espanhola.

In: ALVEAL, Carmen; DIAS, Thiago (org.). Espaços Coloniais: domínios, poderes e

representações. São Paulo: Alameda, 2019, p. 313-352.

SANTOS JÚNIOR, Valdeci dos. Os índios tapuias do Rio Grande do Norte: antepassados

esquecidos. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Mossoró, 2008, p. 78.

SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial (1550-

1835). São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

SILVA, Tyego Franklim da. A ribeira da discórdia: terras, homens e relações de poder na

territorialização do Assú colonial (1680-1720). Dissertação (Mestrado em História) –

Universidade Federal do Rio Gtande do Norte, Natal-RN, 2015.

SILVA, Kalina Vanderlei. Nas solidões vastas e assustadoras: a conquista do sertão de

Pernambuco pelas vilas açucareiras nos séculos XVII e XVIII. Cepe Editora, 2010.

SILVA, Nuno J. Espinosa Gomes da. História do direito português: fontes de direito. Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian, 2006.

SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia

das Letras, 1996.

Page 155: GUERRA JUSTA E DESTERRITORIALIZAÇÃO: OS ÍNDIOS E AS … · Silva, Victor André Costa da. Guerra Justa e desterritorialização: os índios e as novas configurações espaciais

154

SOARES, Maria Simone Morais; MOURA FILHA, Maria Berthilde. O sertão da Paraíba no

século XVIII: representações espacial e imagética. InterScientia, João Pessoa, v.1, n.2,

maio/ago. 2013, p. 84-99.

SOUSA, Rodrigo Franklin de. A legitimação da guerra no discurso ético e político de Santo

Agostinho. Ciências da Religião – História e Sociedade, São Paulo. v. 9, n. 1, 2011, p. 192-

208.

SOUZA, José Antônio de C.R. Un Fillo de Gómez Chariño?: Álvaro Pais, Traxectoria e

Promoción ao Episcopado. Revista Galega do Ensino, Santiago de Compostela, n. 44, nov.

2004.

STERN, Steve J. Paradigmas de la conquista: historia, historiografía y política. Boletín del

Instituto de História Argentina y Americana “Dr. E. Ravignami”. Tercera serie, núm. 6,

2do. Semestre de 1992, p. 27.

STERN, Steve. Resistance, rebellion and consciousness in the Andean Peasant Word, 18th

to 20th Centuries. The University of Wisconsin Press, 1987.

SUBRAHMANYAM, Sanjay. Connected Histories: Notes towards a Reconfiguration of Early

Modern Eurasia. In: Modern Asian Studies, Vol. 31, No. 3, Special Issue: The Eurasian

Context of the Early Modern History of Mainland South East Asia, 1400-1800. (Jul., 1997). p.

735-762.

THOMAS, Georg. Política indigenista dos portugueses no Brasil: 1500-1640. Tradução do

Pe. Jesus Hortal. São Paulo: Loyola, 1981.

TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins

Fontes, 1939.

TOSI, Giuseppe. A doutrina subjetiva dos direitos naturais e a questão indígena na Escuela de

Salamanca e em Bartolomé de Las Casas. Cuadernos salmantinos de filosofía, Salamanca, v.

XXX, p. 577-587, 2003.

WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: UnB, v. 1, 1999.

ZERON, Carlos Alberto de Moura Ribeiro. Linha de Fé: A Companhia de Jesus e a Escravidão

no Processo de Formação da Sociedade Colonial (Brasil, Séculos XVI e XVII). São Paulo:

Editora da Universidade de São Paulo, 2011.