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1 DESMISTIFICANDO AS PRETENSÕES DOS TÉCNICOS DA RECEITA FEDERAL 1 . INTRODUÇÃO Desde que foi reapresentada a proposta de reestruturação da Administração Tributária Federal, mediante a fusão da Secretaria da Receita Federal e da Secretaria da Receita Previdenciária, com a criação de um novo órgão responsável por toda a arrecadação e fiscalização de tributos e contribuições do Governo Federal, diversas categorias têm se movimentado no sentido de aproveitar este momento para tirar proveitos para a sua corporação, destacando-se nesse processo a atuação do Sindicato dos Técnicos da Receita Federal - Sindireceita. Há vários anos o sindicato dos técnicos tem como principal pauta corporativa o enobrecimento do citado cargo, tanto no que se refere às suas atribuições quanto no que concerne à remuneração. Tais pretensões, que de resto fazem parte das atribuições dos sindicatos representativos das categorias, nada teriam de mais, não fosse o impacto que isso tem causado no âmbito da Receita Federal, com sérios prejuízos à organização, e se o objetivo final não importasse em completa burla à Constituição Federal e em indevido e pesado ônus para a previdência dos servidores públicos. Como restará bastante claro ao longo deste estudo, os técnicos têm como objetivo final transformar um cargo público, de nível médio, criado para executar atividades de média complexidade nos serviços de apoio relacionados com os encargos de que se incumbe a Receita Federal, em um cargo de nível superior, com atribuições de complexidade superior, mediante a absorção ou compartilhamento das atribuições específicas e privativas dos auditores-fiscais da Receita Federal. Essa “mutação genética” do cargo tanto poderia se dar de forma direta, com a simples transformação e fusão do cargo de técnico com o de auditor-fiscal, ou em etapas, com a paulatina absorção ou compartilhamento das atribuições dos auditores-fiscais e conseqüente valorização do cargo, até que a similaridade entre os cargos de auditor e de técnico esteja de tal modo estabelecida que não reste mais motivos para a manutenção dos dois cargos numa mesma estrutura, com a conseqüente e natural fusão de ambos em um só cargo. Há que se reconhecer que, com o apoio de algumas autoridades responsáveis pela administração da Secretaria da Receita Federal, ao longo dos últimos 10 anos, alguns passos foram dados nessa direção. Seja pela significativa valorização real da remuneração atribuída ao cargo, ocorrida no ano 1995, seja pela exigência de nível superior para ingresso no cargo, a partir de 1999 (conforme MP 1.915/99), ou, ainda, mediante sutis modificações inseridas principalmente por normas infralegais que esboçam a intenção de compartilhar atribuições dos auditores-fiscais, como se verifica no Decreto 3.611, editado em 2000.

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DESMISTIFICANDO AS PRETENSÕES DOS TÉCNICOS DA RECEITA FEDERAL

1 . INTRODUÇÃO

Desde que foi reapresentada a proposta de reestruturação da Administração Tributária Federal, mediante a fusão da Secretaria da Receita Federal e da Secretaria da Receita Previdenciária, com a criação de um novo órgão responsável por toda a arrecadação e fiscalização de tributos e contribuições do Governo Federal, diversas categorias têm se movimentado no sentido de aproveitar este momento para tirar proveitos para a sua corporação, destacando-se nesse processo a atuação do Sindicato dos Técnicos da Receita Federal - Sindireceita.

Há vários anos o sindicato dos técnicos tem como principal pauta corporativa o enobrecimento do citado cargo, tanto no que se refere às suas atribuições quanto no que concerne à remuneração. Tais pretensões, que de resto fazem parte das atribuições dos sindicatos representativos das categorias, nada teriam de mais, não fosse o impacto que isso tem causado no âmbito da Receita Federal, com sérios prejuízos à organização, e se o objetivo final não importasse em completa burla à Constituição Federal e em indevido e pesado ônus para a previdência dos servidores públicos.

Como restará bastante claro ao longo deste estudo, os técnicos têm como objetivo final transformar um cargo público, de nível médio, criad o para executar atividades de média complexidade nos serviços de apoio relacionados com os encargos de que se incumbe a Receita Federal, em um cargo de nível superior, com atribuições de complex idade superior, mediante a absorção ou compartilhamento das atribui ções específicas e privativas dos auditores-fiscais da Receita Federal . Essa “mutação genética” do cargo tanto poderia se dar de forma direta, com a simples transformação e fusão do cargo de técnico com o de auditor-fiscal, ou em etapas, com a paulatina absorção ou compartilhamento das atribuições dos auditores-fiscais e conseqüente valorização do cargo, até que a similaridade entre os cargos de auditor e de técnico esteja de tal modo estabelecida que não reste mais motivos para a manutenção dos dois cargos numa mesma estrutura, com a conseqüente e natural fusão de ambos em um só cargo.

Há que se reconhecer que, com o apoio de algumas autoridades responsáveis pela administração da Secretaria da Receita Federal, ao longo dos últimos 10 anos, alguns passos foram dados nessa direção. Seja pela significativa valorização real da remuneração atribuída ao cargo, ocorrida no ano 1995, seja pela exigência de nível superior para ingresso no cargo, a partir de 1999 (conforme MP 1.915/99), ou, ainda, mediante sutis modificações inseridas principalmente por normas infralegais que esboçam a intenção de compartilhar atribuições dos auditores-fiscais, como se verifica no Decreto 3.611, editado em 2000.

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A questão que se quer trazer para o centro do debate é se tal pretensão, que vem sendo muito bem urdida nas sombras de gabinetes, resiste a um debate amplo e transparente sobre se atende ao interesse público e se encontra respaldo na Constituição Federal.

Temos convicção de que não. Como ao final ficará demonstrado, o eventual atendimento de tal pretensão:

• Violaria os princípios da igualdade e da moralidade estabelecidos pela Constituição Federal, bem como o princípio do concurso público como única forma de ingresso nos cargos públicos;

• Afrontaria o princípio da eficiência da administração pública, tanto por dar atribuições e responsabilidades mais complexas a servidores não concursados e despreparados para tal incumbência, como pela lacuna que se desenharia com a extinção da carreira de apoio nos quadros da SRF e que acabaria por gerar, como conseqüência, a demanda pela criação de nova carreira de igual natureza; e

• Imporia pesado ônus ao caixa da Previdência Social dos servidores públicos, ao praticamente dobrar a remuneração de milhares de servidores públicos, seja dos ativos em vias de se aposentar, sem ter contribuído proporcionalmente para obter tal benefício, seja dos servidores já aposentados e dos pensionistas que seriam beneficiados pela transformação do cargo, em obediência ao princípio da paridade, previsto no art. 40 da Constituição Federal.

Nos tópicos a seguir, depois de um breve histórico da situação, desenvolveremos as diversas questões atinentes ao tema, debatendo os argumentos que vêm sendo utilizados pelos técnicos para justificar suas pretensões, para o que se valem de pareceres de advogados para dar verossimilhança jurídica aos argumentos. Também serão incorporados ao debate os argumentos levantados no âmbito da Ação Civil Pública nº. 1999.34.00.021695-4, distribuída em 14/07/99, ajuizada pelo procurador da República Humberto Jacques de Medeiros, com intuito de questionar precisamente um dos sustentáculos da tese dos técnicos, qual seja o de que o cargo foi transformado em cargo de nível superior pela MP 1.915/99. Como se poderá constatar, os argumentos produzidos nessa ação, e não são apenas os do Ministério Público Federal, são muito ilustrativos do que realmente está em jogo nessa discussão. Os elementos de raciocínio trazidos pela União e pelo próprio advogado do sindicato dos técnicos, que se incorporou como litisconsorte no pólo passivo dessa ação, servirão em muito para demonstrar as reais pretensões dos técnicos e o que há de falacioso nos argumentos utilizados por seus representantes.

Nas conclusões finais demonstraremos que ainda está em tempo de as autoridades impedirem que se consume essa afronta à Constituição Federal e se onere indevidamente a União Federal com medidas transformadoras que só atendem ao interesse corporativo de um grupo de servidores que abdicou de tentar evoluir no serviço público pela via do concurso e centra todos os seus

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esforços na construção de um verdadeiro “trem da alegria”. A questão está nas mãos das autoridades, sejam as do Poder Executivo, que tem a iniciativa privativa para propor leis sobre os cargos e funções componentes da estrutura do Poder Executivo; sejam os parlamentares, que têm a responsabilidade de apreciar e aprovar tais proposições, no âmbito do Poder Legislativo; sejam os membros do Poder Judiciário, que têm como função maior velar pela observância à Constituição Federal, em todos os níveis, ou, ainda, do Ministério Público Federal, defensor da ordem jurídica.

Utilizando a precisa observação do ilustre procurador da República Humberto Jacques de Medeiros, na peça inaugural da ação civil pública por ele proposta, este é o momento oportuno para que aqueles que têm a responsabilidade de gerir e/ou zelar pelo bem público impeçam que “de salto em salto, de solavanco constitucional em solavanco constituciona l, servidores ocupantes de cargos que, em certos momentos, para o seu provimento, exigiu-se nível ínfimo de escolaridade, cheguem ao patamar do serviço público enquadrados como servidores de nível superi or” , evitando assim enormes prejuízos ao serviço e aos cofres públicos e a burla aos preceitos constitucionais que regem a administração pública.

2. BREVE HISTÓRICO DA CARREIRA DE TÉCNICOS

2.1 A origem e evolução da carreira de técnico

Em 1984, foi criada a carreira de Técnico em Atividades Tributárias (TAT), mediante a prestação de concurso interno, oferecido a integrantes do Plano de Classificação de Cargos, de nível médio e auxiliar, então em atividade na SRF. A exigência, naturalmente, foi compatível com o nível de escolaridade dos concursados – primeiro e segundo graus. Juntaram-se na mesma estrutura desde agentes administrativos, arquivistas e datilógrafos até servidores com formação de 3º grau.

Em 1985, foi criado, pelo DL 2.225/85, o cargo de Técnico do Tesouro Nacional (TTN), como categoria de nível médio, integrando a carreira Auditoria do Tesouro Nacional, para exercer atividades de nível médio, de apoio operacional relacionadas com os encargos específicos de competência da Secretaria da Receita Federal. O cargo de TTN foi provido, inicialmente, pela transposição dos ocupantes dos cargos de Técnicos de Atividades Tributárias.

Para todos os ingressos, a partir de então, foram exigidos concurso público e escolaridade de nível secundário.

Em junho de 1999, a Medida Provisória 1.915 alterou o nome da categoria para Técnico da Receita Federal (TRF) e estabeleceu a exigência de formação de nível superior como requisito aos próximos concursos.

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Dentro da carreira de técnico (TAT/TTN/TRF), portanto, aglutinam-se três grupos distintos, quanto à exigência de nível de escolaridade:

• a dos ingressos no PCC até 1984, com escolaridade de nível médio e fundamental, transpostos para a carreira TAT, mediante concurso interno;

• a dos que prestaram concurso para TRF no período de 1985 a junho de 1999, com exigência de escolaridade de nível médio;

• a dos que prestaram concurso para TRF no período de julho de 1999 até 2005, com exigência de escolaridade de nível superior.

O quantitativo de integrantes ativos da categoria TRF teve a seguinte evolução, a partir de 1995, conforme consta de página eletrônica da SRF:

SAÍDAS

ANO SALDO INICIAL INGRESSOS

APOSENT ADORIAS VACÂNCIAS DEMISSÕES

SALDO FINAL

1994 - - - - - 4732 1995 4732 1650 201 37 1 6143 1996 6143 0 97 10 5 6031 1997 6031 460 105 27 15 6344 1998 6344 378 135 24 2 6561 1999 6561 0 64 242 5 6250 2000 6250 0 26 76 9 6139 2001 6139 776 48 184 8 6675 2002 6675 355 64 313 12 6641 2003 6641 157 311 222 3 6262 2004 6262 514 42 191 8 6535 Sabe-se, portanto, que ingressaram, mediante concurso com exigência de formação de 3º grau, apenas 1.802 TRFs. Desses, uma parcela considerável já não faz parte da carreira, como se pode inferir pelo crescimento acentuado no número de vacâncias a partir do ano do ingresso de concursados de 3º grau (416 entre 1995 e 2000 e 910 entre 2001 e 2004). Por essa tendência, é razoável afirmar que pouco mais de 15% entre os cerca de 6.500 técnicos em atividade foram aprovados em concurso para o cargo com exigência de nível superior.

É reconhecido que a imensa maioria dos TRF capacitados já obteve ou ainda busca chegar ao cargo de Auditor-Fiscal pela via do concurso público, sem se valer do absurdo e falso argumento da execução de atividades similares.

2.2 A evolução da remuneração dos técnicos

Em 1988, com a criação da Retribuição Adicional Variável (RAV), os técnicos inicialmente receberam participação no percentual de 15% do valor devido aos auditores. Posteriormente esse percentual cresceu para 30%, fazendo com que a remuneração dos técnicos passasse a totalizar, em média, cerca de 33% da remuneração dos auditores.

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Em junho de 1995, com o aumento da RAV dos técnicos para 45% da RAV dos auditores, a relação remuneratória cresceu para a média de 45,91%.

Com a transformação da estrutura das carreiras, imposta pela MP 1.915, em junho/99 essa relação média baixou para 41,03%, recompondo-se e até crescendo para 47,19%, pelo aumento diferenciado de 15% concedido aos técnicos, à época da transformação da MP na Lei 10.593/02.

Em 2004, na edição da Lei 10.910, novo aumento diferenciado concedido aos TRFs elevou o patamar da relação remuneratória média dos TRFs com os AFRFs aos atuais 51,22%.

3. O QUE PRETENDEM OS TÉCNICOS

É inegável o avanço no status funcional do cargo de técnico, nas suas diversas denominações desde a sua criação. De carreira composta por servidores de nível básico e médio, passou a ter como exigência de ingresso formação de nível superior. No que concerne à remuneração, a evolução também foi significativa, passando de pouco mais de 30% do salário de auditor-fiscal para cerca de 51%. Mas a ambição não se esgota nisso. O grande objetivo é atuar em igualdade com os auditores-fiscais de modo a reivindicar a mesma remuneração e/ou a fusão dos cargos num só.

Como dissemos na introdução a este trabalho, essa pretensão tem sido pavimentada mais rapidamente com o beneplácito da administração da Secretaria da Receita Federal nos últimos 10 anos, notadamente após a mudança de denominação do cargo e a exigência de nível de formação superior para ingresso.

Um dos argumentos que, veremos, têm sido utilizados pelos técnicos é o de que as suas atribuições foram formalmente ampliadas pelo decreto que as regulamentou (Decreto 3.611/2000), a ponto de colocá-los em igualdade com os auditores-fiscais em certas situações. No entanto, como ficará demonstrado mais adiante, apesar de extrapolar o poder regulamentar conferido pela MP.1915/99, o decreto citado não avança no núcleo essencial das atribuições dos auditores fiscais, a ponto de os técnicos poderem justificar de fato uma equiparação funcional com os auditores.

E o requisito de similaridade das atribuições, ao lado da equivalência remuneratória e dos requisitos exigidos em concurso, são indispensáveis para que se cumpra o objetivo final dos técnicos.

De acordo com a jurisprudência mais atual do STF, o aproveitamento ou transferência de servidores de um cargo extinto para o recém-criado, sem

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constituir provimento derivado de cargo efetivo, o que ofenderia a regra do concurso público, está assentado na exigência de plena identidade substancial entre os cargos , compatibilidade funcionaleremuneratória e equivalência dos requisitos exigidos em concurso (ADI 3051/MG, rel. Min. Carlos Britto, 30.6.2005).

Daí a luta incessante dos técnicos pela obtenção de mais atribuições e de maior remuneração, de modo a avançar nessa busca de compatibilidade entre os cargos.

No vácuo da discussão da fusão dos Fiscos, o sindicato dos técnicos encomendou e apresentou a diversas autoridades governamentais e parlamentares alguns pareceres de advogados, sustentando a tese de similaridade entre os cargos de técnico e auditor-fiscal, especialmente no que concerne ao nível de escolaridade exigida e ao desempenho das atribuições, com vistas a propor a inclusão dos técnicos na fusão que se anunciava das carreiras fiscais, entre os Auditores-Fiscais da Receita Federal e os Auditores-Fiscais da Previdência Social.

Embora a tese não tenha frutificado por ocasião da decisão do governo de editar a MP 258, de 21/07/2005, a discussão permanece, pois os técnicos da Receita Federal entraram em greve contra a medida e em busca do atendimento ainda que parcial de seus pleitos, com ampliação de suas atribuições legais e da remuneração.

Portanto, é importante conhecer e tornar público os argumentos utilizados pelos técnicos, pois com base neles tem-se o balizamento completo do que significarão novas concessões a esta carreira, que, como já foi dito, nascida de nível médio e com funções de apoio operacional, mas que busca uma nova identidade, visando a passar de carreira de apoio administrativo para carreira fiscal de nível superior.

Eis os principais argumentos extraídos dos pareceres, que de um modo geral são bastante semelhantes entre si, salvo pequenas variações:

• “Os mencionados diplomas legais (Lei 10.593/02 e Dec reto 3.611/2000) formalizaram as competências do cargos d e TRF, atribuindo-lhe atividades complexas e de alta responsabilidade ...”(*)

• “Os dispositivos contidos no Decreto 3.611/2000 .... desenham um reconhecimento formal das competências realmente desempenhadas pelo Técnico da Receita Federal, em f ace do antigo cargo de Técnico do Tesouro Nacional, sendo a ele a tribuídas, em conseqüência da nova tratativa legal, atividades qu e, sob a égide do Decreto n. 2.225/85, eram reservadas ao cargo de Auditor .”(*)

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• “Como restou claro na análise da evolução legislativa que trata a matéria sob exame, até a edição da MP 1.915/99, o cargo de Técnico do Tesouro Nacional ostentava nível médio e suas atrib uições, pelo menos na redação legal, restringiam-se a serviços d e média complexidade, ou seja, ao desempenho de atividades administrativas materiais que não dependiam de níve l superior , conforme foi definido pela Lei 5.645/70.”(*)

• “Se por um lado a multicitada legislação incidiu em acerto pela visão ampliativa no número de servidores aptos e qualificados para o desempenho das importantíssimas tarefas, de outro, originou, ao menos, dois problemas que tem obstaculizado o melhor desemp enho da missão institucional da Receita Federal , quais sejam: (I) a existência de múltiplas instâncias burocráticas no desempenho de atividades e (II) o desigual tratamento outorgado a servidores que, embora desempenhando funções assemelhadas, possuem status e remuneração diferenciada. Estes, pois, os dois fatores que, aliados à semelhança de atribuições dos cargos ora analisados, fundamentam a necessidade de unificação funcional, em uma nova carreira criada por lei.”(*)

• “...o tratamento legislativo dedicado à carreira de auditoria da Receita Federal, sem qualquer dúvida, estabeleceu um diferencial entre a competência dos cargos de auditor e de técnico, fixando, inclusive, atividades privativas daqueles (art. 6 o, I da Lei 10.593/02). Contudo, a previsão de competências concorrentes (art. 3 o do Decreto 3.611/2000) e a realização efetiva das funções que competem aos dois cargos revelam que, na prática, não há qualque r justificativa para essa distinção . Se outro argumento por ora não bastasse, é incontestável que a atividade de técnico oferece subsídios para atuação do Auditor que, não raras vezes, executa tra balho meramente formal de simples conferência.”(*)

• “Os TRF são obrigados a possuírem, em larga medida, os mesmos conhecimentos não só teóricos, mas também práticos que os AFRF , pois se assim não fosse aqueles não teriam condições de auxiliá-los no exercício das atribuições consideradas de caráter privativo.”(*)

• “...as funções atribuídas aos dois cargos, extremamente assemelhadas, a necessidade de que a atividade do T écnico seja supervisionada pelo Auditor cria uma instância buro crática absolutamente desnecessária e injustificável . ...é um excesso de procedimentalização, tendo em vista que as atividades desenvolvidas pelos Técnicos da Receita federal submetem-se à rev isão pelos Auditores Fiscais da Receita Federal, apesar da qualificação de ambos os cargos ser rigorosamente a mesma e, na prática, tal revisão não ocorrer inúmeras vezes. ...Acrescente-se que não havendo hierarquia funcional entre auditores e técnicos, ma is uma impropriedade é constatada, tornando reprovável a e xistência de duas instâncias administrativas incumbidas das mesm as atividades.” (*)

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• “A unificação dos cargos almeja justamente a raciona lização das decisões administrativas, abolindo-se uma instância de procedimento... Além disso, a junção dos cargos red undará em aumento no número de servidores aptos a desempenhar as atividades dos auditores-fiscais, fator que, a valo rizar e tornar eficiente a prestação deste serviço (sic).” (*)

• “Inexiste inconstitucionalidade na proposta de lei c onducente a reestruturar a carreira Auditoria da Receita Federa l, ao ensejo de criando um único cargo de Auditor, propiciar o reap roveitamento de todos os atuais ocupantes dos cargos de Técnico da Receita Federal para os novos cargos.” (*)

(*) - grifos nossos

No próximo tópico, quando abordarmos a ação civil pública proposta pelo Ministério Público, logo em seguida à edição da MP 1.915/99, questionando a transposição dos antigos técnicos do Tesouro Nacional para o cargo de Técnico da Receita Federal, em face do nível de escolaridade exigido para o ingresso no cargo novo, veremos que os argumentos da União Federal e do próprio sindicato dos técnicos visando a sustentar a constitucionalidade da alteração promovida colidem frontalmente com o que vimos acima.

Mas, antes de passarmos a este tópico, é importante desfazermos, desde logo, algumas das afirmações contidas nos argumentos usados nos pareceres. A análise mais completa do ponto de vista jurídico e político da pretensão dos técnicos será feita em tópicos próprios.

O primeiro ponto é que o Decreto 3.611/2000, embora tenha extrapolado da sua delegação legislativa e cometido algumas impropriedades, não alterou essencialmente a função exercida pelos técnicos, muito menos a ponto de igualar suas atribuições com a dos auditores-fiscais como afirmado ou dar-lhes tarefas mais complexas e de maior responsabilidade que as anteriormente exercidas, pois de fato não poderia tê-lo feito. Se a MP não criou novas atribuições aos técnicos, não poderia o decreto fazê-lo, sob pena de ser inconstitucional. E, se assim é, ou fosse, estar-se-ia diante da criação de cargo novo, diferente do anterior e, portanto, não poderiam ter sido aproveitados os antigos ocupantes do cargo de Técnico do Tesouro Nacional. Como, aliás, alegou o Ministério Público na ação civil proposta e que foi veementemente rechaçada pelos próprios TRFs.

A CF/88 aboliu a figura do decreto autônomo, ou seja, o decreto não pode criar ou modificar direitos e obrigações, apenas detalhar situações estabelecidas pela lei. Por isto, o Unafisco Sindical está questionando judicialmente os pontos do decreto onde identificou que este extrapolou os limites da delegação, perpetrando ilegalidades, em ação ajuizada em julho de 2003, sob nº 2003.34.00.026021-1, ainda sem decisão proferida pela Justiça.

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Quanto às competências dos AFRFs, elas não se iniciaram, nem se esgotam, nas contidas na legislação da carreira, mas a inúmeras citações da legislação tributária.

A essência da carreira de auditor-fiscal é o seu poder-dever e conseqüente responsabilidade de fiscalizar tributos internos e de comércio exterior, inclusive o controle aduaneiro, que lhe confere a competência privativa de:

• Executar procedimentos de fiscalização de empresas e de pessoas físicas;

• Constituir o crédito tributário,mediante o lançamen to. Somente o auditor-fiscal pode lavrar auto de infração para a cobrança de impostos e de multas;

• Realizar o desembaraço aduaneiro de mercadorias impo rtadas ou exportadas;

• Efetuar à apreensão de mercadorias oriundas de cont rabando; • Proceder à apreensão de livros, arquivos e outros d ocumentos; • Elaborar e proferir decisões em processo administra tivo-fiscal

(julgamentos de contestações e recursos referentes a autos de infração e outros requerimentos, como pedidos de re conhecimento de isençõese pedidos de restituição , p.ex);

• Proceder à orientação do sujeito passivo, pessoalme nte ou mediante solução de consultas formuladas por escrit o.

Nenhum desses atos são, nem poderiam ser, praticados por técnicos, até porque seriam nulos.

Com relação às atribuições adicionais dos AFRFs lançadas pelo Decreto 3.611/00, além de serem absolutamente laterais, a maior parte eventuais mesmo, estariam dentro do seu escopo de atuação, independentemente de o decreto sobre elas dispor. O próprio art. 4 o, II, da MP já estabelece entre as atribuições do auditor a realização, em caráter geral, “das demais atividades inerentes à competência da Secretaria da Receita Federal”, conclusão lógica, pois se pode realizar as tarefas mais nobres da organização, por que não poderia executar, ainda que eventualmente, qualquer outra?

Aqui cabe ainda destacar uma faceta sempre atacada pelo Unafisco com relação à MP 1.915/99, qual seja a delegação ao Poder Executivo para dispor sobre as atribuições dos cargos. O temor de que o Executivo poderia extrapolar ao comando legal acabou confirmado na edição do Decreto 3.611/2000. Além de não haver o que regulamentar, especialmente no que tange às atribuições do cargo de AFRF, cuja disciplina foi esgotada pela lei, deu margem a absurdos como esse que vem sendo utilizado pelos TRFs para justificar uma pretensa equiparação de atribuições, ao relacionar atribuições concorrentes entre um cargo superior e um auxiliar.

Ora, a MP 1.915, no seu art. 4 o. inc. II, já havia atribuído ao AFRF, “em caráter geral, as demais atividades inerentes à competência da Secretaria da Receita

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Federal”. A única outorga dada pela lei ao Poder Executivo, no que concerne às atribuições dos AFRF seria a de, entre as demais atividades da SRF, de que tratam o inc. II do art. 4 o, “cometer seu exercício, em caráter privativo, ao Auditor-Fiscal da Receita Federal”. Não permitiu a lei nem que as atribuições privativas dos AFRFs sejam exercidas concorrentemente pelos TRFs, tampouco admite que se estabeleçam atribuições concorrentes entre cargos de status funcional diferente. Por questão de mera lógica, e observada a hierarquia entre os cargos, a lei simplesmente reconheceu que o AFRF pode praticar qualquer ato relativo ao desempenho das competências da SRF.

O AFRF é o responsável pelos procedimentos que podem eventualmente contar com auxílio de TRFs, situação mais comum no que se refere à conferência física na área aduaneira. A realização de uma parte do trabalho, sob determinação do AFRF, não implica a responsabilidade pelo todo, que é do auditor-fiscal. Não há, portanto, instância burocrática superposta. A responsabilidade pela execução e conclusão dos procedimentos de sua competência privativa é, por definição legal, do AFRF.

Sobre a inexistência de hierarquia entre os cargos, afirmada pelos pareceristas dos técnicos, não é o que pensa Maria Sylvia di Pietro, professora titular de Direito Administrativo da USP, conforme analisa em parecer solicitado pelo Unafisco Sindical: “Fica muito claro, por esse dispositivo da Medida Provisória, que, embora o cargo de Técnico da Receita Federal também seja hoje de nível superior, existe uma indiscutível diferença de hierarquia entre ambos, tendo em vista a posição de auxiliar atribuída ao Técnico da Receita Federal. O Decreto não pode, sob pena de ilegalidade, alterar o disposto em lei, seja para atribuir aos Técnicos funções privativas do Auditor-Fiscal, seja para igualar a sua posição no caso das funções não privativas.”

O fato de se demandarem alguns conhecimentos práticos e teóricos dos técnicos sobre as atribuições dos auditores-fiscais é conseqüência lógica de sua posição de auxiliar, sem que isto desnature sua função. Os técnicos do Judiciário também têm conhecimentos teóricos e práticos das atividades desempenhadas pelos juízes, nem por isso a eles se equiparam. O mesmo ocorre com o escrivão em relação ao Delegado de Polícia.

Desde a criação da carreira, os técnicos jamais detiveram, e ainda não detêm, prerrogativas de Fisco. Integram o quadro de servidores da Receita Federal, exercendo atividades de apoio operacional com função auxiliar ao trabalho do auditor-fiscal. Nenhuma atribuição legal do AFRF é exercida por TRF. São repassadas, como não poderiam deixar de ser, tão somente as tarefas técnicas auxiliares e administrativas de apoio ao trabalho fiscal.

4. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA N. 1999.34.00.021695-4 (DIS TRIBUÍDA EM 14/07/99)

4.1 Argumentos do procurador da República Humberto Jacques de Medeiros

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Poucos dias após a edição da Medida Provisória 1.915/99, o Ministério Público Federal do Distrito Federal, pelo ilustre procurador Humberto Jacques de Medeiros, interpôs ação civil pública visando a impedir o aproveitamento dos Técnicos do Tesouro Nacional no recém-criado cargo de Técnico da Receita Federal, para o qual se passou a exigir formação de nível superior para ingresso, diferentemente do cargo de TTN, cujo requisito de ingresso era de nível médio. Em síntese, foram estes os argumentos do procurador:

• “A transposição dos atuais ocupantes do cargo de TTN , de nível médio, para o novo cargo de TRF, de nível superior, configura, na verdade, uma ascensão funcional disfarçada.” (*)

• “Travestiu-se de “transposição”de cargos o que, em rea lidade, é uma ascensão funcional . Com isso, tentou-se contornar a Constituição do modo mais inconteste revelada na jurisprudência da Corte suprema sedimentada no sentido de não ser admissível, em face da nova ordem constitucional, as formas derivadas de provimento de cargos públicos.” (*)

• “Fica evidente que o cargo de Técnico da Receita Federal não pode ser considerado sucedâneo do cargo de Técnico do Te souro Nacional, por ser de nível médio e aquele de nível superior, cujas atribuições, inclusive, não poderão ser as mesmas. Trata-se, isto sim, de criação de cargo novo, cujo provimento somente pode ser feito mediante concurso público e não por formas derivadas.” (*)

• O procurador destacou que “o malsinado ato ofende ao princípio da moralidade administrativa”, não apenas por titulariza r pessoas detentoras de grau médio de formação em cargo de ní vel superior, mas devido à própria origem e evolução do cargo de Técnico da Receita Federal . Destaca que “o cargo de TTN, criado pelo DL. 2225/85 foi provido, inicialmente pela transposição dos ocupantes dos cargos de Técnicos de Atividades Tributárias, que por sua vez haviam sido providos mediante o aproveitamento dos então ocupantes do cargo de agente administrativo que, em 31 de dezembro de 1981, exerciam atribuições de apoio operacional às atividades de competência específica do Ministério da Fazenda, conforme dispôs a Lei 7.025/85.”(*)

• E destaca: “ou seja, de salto em salto, de solavanco constituci onal em solavanco constitucional, servidores ocupantes d e cargos que, em certos momentos, para o seu provimento, exigiu-s e nível ínfimo de escolaridade, chegam ao patamar do serviço públi co enquadrados como servidores de nível superior , sem que, ao menos, deles se exija a habilitação legal respectiva”.(*)

• “É respeitável a escolha do legislador pela escolari dade superior para os titulares desses cargos públicos, muito emb ora impeça que os brasileiros sem curso superior tenham acesso a t ais cargos . Todavia o mesmo legislador permitiu que pessoas sem curso superior ocupem esses cargos: os TTNs ”. E indaga por quê “Não há resposta compatível com o princípio da igualdade, a não ser dizer que os atuais técnicos do Tesouro Nacional são mais iguais que os seus concidadãos.”(*)

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• “O fato de alguém já ser ocupante de um cargo públic o, ou cargo público na Receita Federal, não pode significar o acesso mais facilitado a outro cargo público que os demais cida dãos.” (*)

• “A referida transposição importa em violação dos pri ncípios constitucionais da administração pública, além de c onfigurar lesão ao patrimônio público. A lesão ao patrimônio público é uma decorrência lógica do enquadramento em nível superior, de titulares de cargos de nível médio, que não possuem nível superior, nem fizeram concurso público para tanto, e que passarão a receber remuneração correspondente a um cargo para o qual não possuem habilitação específica.” (*)

(*) - grifos nossos

4.2 Nota da Assessoria Especial da SRF

Em defesa das mudanças no cargo, promovida pela MP 1.915/99, a Assessoria Especial da Secretaria da Receita Federal expediu uma nota que foi juntada às fls. 103 a 107 do processo, onde sustenta que:

• ‘Houve equívoco do MP ao afirmar que o cargo de TTN , de nível médio, passou, com a nova reestruturação, a ser car go de nível superior . Partindo dessa premissa, conclui o Autor da Ação que está sendo realizada uma ascensão funcional disfarçada, o que violaria o disposto no art. 47, caput, I e II da Constituição.”(*)

• “É bom ter presente que o cargo de TRF continua sendo de nível médio, nos termos do art. 1 o. do Decreto-Lei 2.225 , de 1985. Esse dispositivo legal não foi revogado expressa nem tacitamente pela MP 1.915,de 1999.”(*)

• “O nível de cada cargo (superior e médio), constante do Anexo I do DL 2.225, de 1985 não foi tratado na MP. Portanto, os mesmos cargos, apenas com nova denominação, tiveram seus níveis mantidos. O cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal continua sendo , na nova situação, de nível superior e o cargo de Técnico da Receita Federal, de nível médio . O disposto no art. 5 o da MP “cuida tão somente de requisitos e condições para o INGRESSO nos aludidos cargos. Obviamente está tratando do ingresso para o futuro, e apenas do ingresso. Nada mais.”(*)

• “Tanto é certo que o cargo de TRF continua sendo de nível médio que o pagamento de diárias, a que faz jus seus ocupantes, está sendo feito, a partir de 1 o de julho de 1999, pelo valor que a legislação fixa para o cargo de nível médio...”.

• “Em suma, a transposição operada pela MP, do cargo de TTN para TRF, não atingiu nem a natureza nem as atribuições do car go . Continua sendo cargo de provimento efetivo mediante aprovação em concurso público. Houve, simplesmente, o deslocamento de um cargo existente para nova estrutura, com a manutenção de suas atribuições. O cargo de TTN com atribuições de média e pequena com plexidades

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nos serviços da Receita Federal continua com a nova denominação de TRF, com atribuições de auxiliar nas atividades da Receita Federal . Não se está conferindo ao TRF novas atribuições. Por isto não cabe falar em transformação de cargo. Não há, portanto, novo provimento de cargo. Em conseqüência, não cabe falar, muito menos, em ascensão funcional disfarçada, na linguagem do Ministério Público.”(*)

(*) - grifos nossos

4.3 Contestação da União

A União Federal, por intermédio da Advocacia Geral da União contestou a ação, utilizando-se quase que na íntegra dos argumentos trazidos na Nota da Assessoria Especial da SRF, defendendo a legalidade da alteração e da transposição feita para o novo cargo, nos seguintes termos:

• “E, definitivamente, não houve a criação de um novo cargo ou de uma nova carreira. As atribuições do cargo de Técni co da Receita Federal são as mesmas do Técnico do Tesouro Naciona l.”(*)

• “Poder-se-ia talvez admitir a alegação de ascensão funcional sem concurso se os dois cargos de Auditor e Técnico tivessem sido fundidos em um único, com atribuições comuns aos dois. Ou se as atribuições do Técnico da Receita federal fossem tão diversas d as exercidas pelos Técnicos do Tesouro Nacional a ponto de não p oder identificar-se o cargo original (como ocorreria ent re o auxiliar de necropsia e o médico legista, entre o datilógrafo e o procurador). E não foi este o caso, pois as atribuições prosseguem as mesmas.”(*)

• “Portanto, é muito evidente o equívoco do Ministério Público ao afirmar que o cargo de Técnico do Tesouro Nacional, de nível médio, passou, com a reestruturação operada pela MP, a constituir cargo de nível superior.”

• Endossa os argumentos da nota da SRF, afirmando que: “ o cargo de TRF continua sendo de nível médio , nos termos do art. 1 o do Decreto-Lei 2.225, de 1985. Esse dispositivo legal não foi revogado expressa nem tacitamente pela MP 1.915, de 29/06/1999.”(*)

• E prossegue usando literalmente os argumentos da SRF: “O nível de cada cargo (superior e médio), constante do Anexo I do DL 2.225, de 1985, não foi tratado na MP. Portanto, os mesmos cargos, apenas com nova denominação, tiveram seus níveis mantidos. O cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal continua sendo, n a nova situação, de nível superior e o cargo de Técnico da Receita F ederal, de nível médio... ”. “Tal dispositivo legal” [art. 5 o da MP], “cuida tão somente de requisitos e condições para o INGRESSO nos aludidos cargos. Obviamente está tratando do ingresso para o futuro, e apenas do ingresso. Nada mais.”(*)

• “Em suma, a transposição operada pela MP, da antiga estrutura da carreira para a atual, não atingiu nem a natureza ne m as atribuições

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do cargo . Continua sendo cargo de provimento efetivo mediante aprovação em concurso público. Houve, simplesmente, o deslocamento para nova estrutura, de cargos antes e xistentes, mantendo-se, no entanto, sua natureza e suas atribui ções . O cargo de TTN com atribuições de média complexidade nos se rviços de apoio relacionados como encargos específicos de com petência da Receita Federal continua com a nova denominação de Técnico da Receita Federal , com as mesmas atribuições de auxiliar nas atividades da Receita Federal . Como visto, não se está conferindo ao TRF novas atribuições. Por isto não cabe falar em transformação de cargo. Não há, portanto, novo provimento de cargo.”(*)

• “Ora, conforme já demonstrado, a ascensão pressupõe carreiras diversas, distintas entre si, e o parâmetro para de cidir se um cargo possui encargos mais nobres e elevados são as atrib uições desempenhadas . A natureza do cargo está intimamente ligada às atribuições a serem exercidas, e as atribuições dos Técnicos da Receita Federal permanecem idênticas às já desempenhadas pelo Técnico do Tesouro Nacional.”(*)

(*) - grifos nossos

4.4 Contestação do Sindicato dos Técnicos represent ado por Aldir Guimarães Passarinho

O Sindicato dos Técnicos do Tesouro Nacional – Sind tten (atualmente denominado Sindireceita), representado pelo ex-mini stro do STF, Aldir Guimarães Passarinho, integrou-se ao pólo passivo d a lide, também defendendo a constitucionalidade da modificação pro movida na carreira, defendendo em síntese que:

• “A inicial em nenhum momento alega – e nem poderia d eclarar diferentemente – que se modificaram as atribuições dos Auditores Fiscais, eis que realmente não se alteraram no que é característico dos seus cargos.”(*)

• “...no tangente aos Técnicos do Tesouro Nacional foi pr evista a integração na exata e mesma carreira – tal como aconteceu com os auditores Fiscais – apenas tendo havido a mudança de denominação e passando a haver a exigência de maior escolaridade, sem nenhuma alteração no tangente às atribuições do cargo, que é o que, na verdade, pode importar em uma nova carreira ou série de classes.”(*)

• “Para haver melhor correspondência entre o desempenho do cargo e o nível de conhecimentos considerado compatível, passou a ser para ele exigido maior nível de escolaridade, sem alteração, contudo, das atribuições que lhe eram pertinentes. O cargo é o mesmo, já que suas atribuições são as mesmas, e a área de sua atuação também permaneceu rigorosamente a mesma . Quanto à elevação de nível conhecimentos poderia fazer-se não por exigência de cursos formais de escolaridade, mas sim por concursos mais difíceis, com questões

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correspondentes a conhecimento de nível superior. Haverá nisso alguma inconstitucionalidade?”(*)

• “Não há, realmente qualquer base para a alegação de que, no caso, haveria ascensão funcional . Esta, na técnica da nomenclatura da administração de pessoal, como se sabe, significa passar o funcionário do final de uma carreira (ou série de c lasses), para outra de novas atribuições específicas, hierarquica mente superior e de maior responsabilidade, e não quando apenas pass a a haver maior nível de escolaridade no outro cargo.”(*)

• “O que, na verdade, caracteriza um cargo público, alé m de seus elementos básicos de ser criado por lei, em número certo, com denominação própria e pago pelos cofres da Fazenda Pública, são as atribuições que a ele correspondem.”(*)

• “A exigência de diploma para exercício de um cargo , quando não se trata de carreira regulamentada, significa requisito de um maior nível de escolaridade, mas não é isso que lhe define as atribuições ou o maior nível de responsabilidade, e nem mesmo importa em m aior nível de conhecimentos específicos ...”.(*)

• “Assim, o cargo público não deixa de ser o mesmo se o nível de conhecimentos exigidos para seu provimento passa a ser mais elevado, desde que não haja modificação nas suas at ribuições básicas.”(*)

• “No caso em exame tanto os Técnicos do Tesouro Nacio nal como os Auditores do Tesouro Nacional... continuam a executar exata e precisamente os mesmos serviços, sem qualquer alter ação, justamente porque os cargos continuam os mesmos.”(*)

• “Assim, parece que o único ponto em que se situa a alegação da inicial é no referente ao nível de escolaridade e, como antes já se viu, haver maior exigência de nível de conhecimentos não desnatura tal cargo, não havendo qualquer inconstitucionalidade.”

• “Mas, então, se assim é, o que se tem é que a exigência de nível universitário é que modificaria os cargos e, sendo assim, tal exigência é que seria inconstitucional. E o disposi tivo que exige o nível universitário é que teria de ser declarado in constitucional.” (grifo do autor)

(*) - grifos nossos

4.5 – A sentença do juiz federal substituto da 9ª Va ra em auxílio na 4 a Vara Federal do DF, José Parente Pinheiro

O juiz federal acolheu a tese defendida pela União e pelo Sindicato dos Técnicos de que não houve a criação de cargo novo, conforme conclusões da sentença proferida em 28/11/2000, abaixo transcritos:

• “Neste primeiro momento, diviso que realmente não ho uve criação de cargos . Estes, ao meu sentir, foram criados quando da edição do DL 2.225, de 10 de janeiro de 1985...”(*)

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• “Apenas houve a mudança na nomenclatura, sem alteraç ão das funções, de um (e) de outro cargo, da mesma carreira . De outro tanto, ao passar a exigir que, doravante, para o ingresso no cargo de Técnico da Receita Federal possua o candidato nível superior, não importa que os atuais ocupantes, portadores de nível médio, tenham que perder o cargo..”(*)

• “Nessa ordem de idéias, não diviso as máculas apontadas pelo digno e zeloso membro do Ministério Público Federal, daí porque não vislumbro como dar atendimento às súplicas formuladas por via desta ação civil pública.”

(*) - grifos nossos

Esta ação civil pública encontra-se em fase recursal, tramitando perante o Tribunal Regional da 1 a Região. Tanto o recurso de apelação do Ministério Público, quanto as contra-razões das partes demandadas (União e Sindicato dos Técnicos) reiteraram os argumentos apresentados em primeira instância.

5. ASPECTOS JURÍDICOS DA QUESTÃO

Como ficou claro até aqui, além dos aspectos de conveniência política/administrativa que devem ser analisados quanto às pretensões dos técnicos, que comentaremos mais adiante, a discussão envolve importantes questões sob o aspecto jurídico.

A posição do Supremo Tribunal Federal no que diz respeito à criação de cargos públicos e ao seu preenchimento, com aproveitamento de servidores já concursados e oriundos de cargos recém-extintos, deve servir como a moldura final do quadro que os técnicos pretendem desenhar para atingir seus objetivos.

Como já foi mencionado neste trabalho, o STF exige plena identidade substancial entre os cargos, compatibilidade funcional e remuneratória e equivalência dos requisitos exigidos em concurso, para que esse aproveitamento seja aceito.

É este o conteúdo material da ADI 3051/MG, Relator Min/ Carlos Britto, que entendeu naquele caso que “a norma em questão padece do vício de inconstitucionalidade material, porquanto a transferência de servidores autorizada constitui provimento derivado de cargo efetivo que ofende a regra do concurso público (CF, art. 37, II). Por fim, reputou-se inaplicável, ao caso, a orientação, fixada pelo Supremo no sentido de admitir o aproveitamento de ocupantes de cargos extintos em recém-criados quando houver plena identidade substancial entre os cargos, compatibilidade funcional e remuneratória e equivalência dos requisitos exigidos em concurso, eis que, na espécie, o cargo de carcereiro em nada se assemelha com o de detetive, o que é reconhecido, inclusive, no próprio texto impugnado”.

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Conforme se viu, até aqui, os técnicos deram alguns passos na via pela qual pretendem a transformação do cargo de nível médio auxiliar de apoio operacional em cargo de nível superior com atribuições fiscais.

A instituição da exigência de nível superior para o ingresso no cargo foi o principal passo dado. Porém insuficiente.

No que concerne à remuneração, como visto anteriormente, os técnicos evoluíram de uma remuneração de pouco mais de 1/3 da dos auditores-fiscais para cerca de 50% dela.

Relativamente às atribuições, em que pese o Decreto 3.611/2000 tenha extrapolado de sua delegação legal, ao compartilhar alguns aspectos das atribuições dos auditores-fiscais com os técnicos e prever inadequada e absurdamente atribuições de caráter concorrente entre cargos de importância e hierarquia funcional completamente distintas, o núcleo essencial das competências dos Auditores-Fiscais ainda não foi arranhado.

Assim, em que pesem as argumentações contidas nos pareceres contratados pelos técnicos, faltam-lhes ainda os requisitos de compatibilidade funcional (atribuições semelhantes e de igual complexidade e responsabilidade) e a equivalência remuneratória, para que possam pleitear uma igualdade de tratamento com a conseqüente fusão dos cargos.

Para eles é preciso avançar, tanto no que se refere à remuneração quanto na obtenção de atribuições mais nobres, de maior complexidade e responsabilidade.

Poder-se-ia dizer, em princípio, que caberia ao administrador público do Poder Executivo e ao legislador decidir sobre a conveniência política ou administrativa de aprofundar essa transmutação do cargo de apoio dentro da SRF, num cargo mais nobre, mais bem remunerado e com atribuições fiscais. Porém, como fica claro na discussão travada na ação civil pública, referida neste estudo, essa opção não é dada pela Constituição Federal, nem ao administrador público, nem ao legislador.

De fato o chefe do Poder Executivo tem a prerrogativa constitucional da iniciativa de propor ao Congresso Nacional a criação de novos cargos ou modificação de cargos e funções públicos já existentes, nos termos do art. 59 da CF/88, mas o preenchimento desses cargos deve obedecer rigorosamente aos princípios constitucionais que regem a administração pública, notadamente a exigência do concurso público para o provimento dos cargos.

Se modificado o conteúdo essencial de um cargo, no que concerne à sua remuneração e atribuições, estará caracterizada a criação de cargo novo. Assim, a não ser em completa burla à Constituição, os ocupantes do antigo cargo jamais poderão ocupar o novo cargo, com encargos mais nobres e remuneração mais elevada, sob pena de se caracterizar ascensão funcional

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disfarçada como, aliás, denunciava o Ministério Público na ação civil pública ajuizada em 1999. Segundo o MP isto já estaria ocorrendo com a simples modificação da exigência de nível superior para o cargo novo.

No bojo da ação civil pública, o que se viu foi a União Federal e o Sindicato dos Técnicos utilizarem à saciedade o argumento de que o cargo de Técnico da Receita Federal era exatamente o mesmo que o antigo cargo, de Técnico do Tesouro Nacional, sustentando veementemente que os técnicos continuavam rigorosamente com as mesmas atribuições, e até mesmo que sequer o nível do cargo (nível médio) teria sido afetado pela MP 1.915/99, pois esta não revogou o art. 1 o do DL 2.225/85, que estabelecia o nível de cada cargo: Auditor-Fiscal – nível superior e Técnico – nível médio.

E tal argumentação tem toda a razão de ser, pois se assim não fosse o argumento do Ministério Público teria de ser necessariamente acolhido pelo Judiciário e os antigos Técnicos do Tesouro Nacional seriam impedidos de ocupar o novo cargo de Técnico da Receita Federal.

É o que sustenta a União Federal, na defesa apresentada pela AGU:

“Ora, conforme já demonstrado, a ascensão pressupõe carreiras diversas, distintas entre si, e o parâmetro para decidir se u m cargo possui encargos mais nobres e elevados são as atribuições desempenhadas . A natureza do cargo está intimamente ligada às atribuições a serem exercidas, e as atribuições dos Técnicos da Receita Federal permanecem idênticas às já desempenhadas pelo Técnico do Tesouro Nacional.” (grifo nosso)

O patrono dos Técnicos, Aldir Guimarães Passarinho, ex-ministro do STF, não deixa por menos:

“Não há, realmente, qualquer base para a alegação de que, no caso, haveria ascensão funcional . Esta, na técnica da nomenclatura da administração de pessoal, como se sabe, significa passar o funcionário do final de uma carreira (ou série de classes) para outra de novas atribuições específicas, hierarquicamente superior e de maior responsabilida de, e não quando apenas passa a haver maior nível de escolaridade no outro cargo.” (grifos nossos)

“Assim, o cargo público não deixa de ser o mesmo se o nível de conhecimentos exigidos para seu provimento passa a ser mais elevado, desde que não haja modificação nas suas atribuições básic as.” (grifos nossos)

“No caso em exame tanto os Técnicos do Tesouro Nacio nal como os Auditores do Tesouro Nacional... continuam a executar exata e precisamente os mesmos serviços, sem qualquer alter ação, justamente porque os cargos continuam os mesmos.” (grifos nossos)

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Não se pode deixar de destacar o mérito do digno procurador Humberto Jacques por vislumbrar na simples mudança da exigência do nível para o ingresso no cargo que estava em curso uma tentativa de burla ao instituto do concurso público, pois na esteira dessa exigência, naturalmente, viria a demanda por novas atribuições:

“Fica evidente que o cargo de Técnico da Receita Federal não pode ser considerado sucedâneo do cargo de Técnico do Tesour o Nacional, por ser de nível médio e aquele de nível superior, cuja s atribuições, inclusive, não poderão ser as mesmas. Trata-se, isto sim, de criação de cargo novo, cujo provimento somente pode ser feito mediante concurso público e não por formas derivadas.” (grifo nosso)

O juiz de primeira instância inclinou-se pela tese defendida pela União e pelo sindicato dos Técnicos, negando o pedido do MP, exatamente por acolher o pressuposto de que o cargo não fora modificado nas suas atribuições básicas. Ficou claro que se tivesse vislumbrado essa modificação, certamente teria acolhido o requerimento do Ministério Público e impedido o provimento do novo cargo pelos antigos TTNs.

O Ministério Público estava ciente de que essas modificações poderiam ocorrer de forma gradual, por meio de diplomas legais posteriores, daí a diligente iniciativa de propor ação de imediato.

Tanto que o Procurador da República juntou ao processo da mesma ação civil pública, o inteiro teor do acórdão proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1031-1/Santa Catarina, que tratava de caso análogo ao da modificação na estrutura do cargo de técnico, destacando que uma lei do Estado de Santa Catarina alterou o nível de escolaridade exigido para ingresso nos cargos de “Escrivão de Exatoria” e de “Fiscal de Mercadorias em Trânsito”, antes de nível médio, passando-se a exigir nível superior, assegurando aos então ocupantes desses cargos o direito de neles permanecer. Posteriormente, nova lei atribui aos ocupantes de tais cargos as mesmas atribuições dos “Fiscais de Tributos Estaduais” e “Exatores”, categorias originalmente de nível superior.”

A avaliação do procurador, após comparar as duas situações, resume bem as pretensões dos técnicos:

“...a situação criada pela Medida Provisória n. 1915 é uma repetição das leis do Estado de Santa Catarina, que a Suprema cor te extirpou do mundo jurídico. Lá, tinha-se, originalmente, os ‘Escrivãe s de Exatoria”e de Fiscais de Mercadorias em Trânsito”, de nível médio, e os “Fiscais de Tributos Estaduais” e “Exatores”, de nível superior e posteriormente fundidas suas atribuições com as daqueles que, originalmente, já encontravam-se assim qualificados. No plano federal deu-se apenas o primeiro passo – elevação dos TTN a nível superior, encontrando-se em

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gestação o segundo: fundir suas atribuições com as dos Auditores Fiscais”. (grifo nosso)

A partir dos aspectos jurídicos levantados já é possível extrair algumas conclusões:

• Não existe nenhuma similaridade entre os cargos de técnico e auditor-fiscal que possa justificar uma fusão direta e imediata dos dois cargos num terceiro com aproveitamento de técnicos.

• Além de uma indiscutível diferença hierárquica entre os cargos, com o primeiro sendo auxiliar do segundo, as atribuições são completamente distintas, pois incumbe ao auditor desempenhar privativamente as atividades fins (de alta complexidade e responsabilidade) da Secretaria da Receita Federal - fiscalização, tributação e julgamento -, enquanto ao técnico cabe a tarefa administrativa, auxiliar, de apoio operacional relacionada aos encargos (de média complexidade) da SRF.

• A diferença remuneratória entre os cargos de Auditor-Fiscal e de Técnico é plenamente compatível com o nível de complexidade e responsabilidade das atribuições inerentes a cada um dos cargos.

• Qualquer iniciativa no sentido de transferir ou compartilhar atribuições privativas dos auditores-fiscais para o cargo de técnico, seja mediante a criação de novo cargo, seja atribuindo ao cargo já existente, implica modificação substancial do cargo, o que vedaria o aproveitamento dos atuais técnicos no novo cargo.

• O aproveitamento de todos os atuais Técnicos da Receita Federal em novo cargo, com atribuições mais nobres e remuneração mais elevada, implicaria em burla do instituto do concurso público como única forma de acesso a cargos públicos exigido pela CF/88, além de violação dos princípios da igualdade, da moralidade e de configurar lesão ao patrimônio público.

• A administração superior da Secretaria da Receita Federal e do Ministério da Fazenda e a Representação Jurídica da União (AGU) estão totalmente cientes dessa situação, haja vista suas manifestações no âmbito da ação civil pública 1999.021695-4, de modo que aceitar novas modificações de natureza funcional ou remuneratória no cargo de técnico, avançando no sentido de permitir a identidade substancial com o cargo de auditor-fiscal buscada pelos técnicos, configuraria não apenas a ausência da lealdade processual exigida no processo judicial, mas verdadeiro ato de improbidade administrativa, pois violaria os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.

6. ASPECTOS POLÍTICOS E ADMINISTRATIVOS

A remuneração dos TRFs, embora tenha sido aumentada significativamente nos últimos 10 anos, corresponde a cerca de 50% da remuneração dos AFRFs.

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Precisamente por isto os TRFs têm buscado estrategicamente abocanhar atribuições inerentes ao cargo de AFRF como forma de paulatinamente ir pleiteando melhorias salariais, até que possam pleitear a completa isonomia com os AFRFs, seja em tabela de remuneração própria, seja pela unificação dos dois cargos.

O que se verifica é que o cargo de técnico foi equivocadamente inflado pelos administradores da SRF, no período de 1995 a 2002. E isto é que tem proporcionado a crescente demanda do sindicato dos técnicos por mais atribuições e mais remuneração.

Um significativo aumento de remuneração recebida pelos técnicos em 1995- um aumento injustificado de 50% no valor da gratificação de produtividade (RAV- Retribuição Adicional Variável) paga à carreira na época – deu início a esse processo. Com esse aumento, os técnicos passaram a ter remuneração, já naquela ocasião, maior que algumas carreiras de nível superior. Esse fato contribuiu para a próxima demanda da categoria dos técnicos: ser enquadrado em cargo de nível superior.

Em junho de 1999, foi consumada outra deformação com o estabelecimento da exigência de nível superior para ingresso no cargo, introduzida pela MP 1.915/99.

Em setembro do ano 2000 a administração da SRF prosseguiu na expansão do cargo ao patrocinar a edição do Decreto 3.611/2000, que exorbitou de sua competência regulamentar ao disciplinar atribuições do Técnico da Receita Federal. Embora, como já foi dito, o núcleo essencial das atribuições dos Auditores-Fiscais não tenha sido tocado, algumas sutilezas do decreto parecem ter sido colocadas de forma a gerar confusão entre as atribuições de auditores e a dos técnicos. Tanto pela forma como estabeleceu o auxílio dos TRFs nas atribuições privativas do Auditor quanto pela esdrúxula estipulação de atribuições concorrentes entre cargos de hierarquia e importância funcional distintas.

Registre-se novamente que o Unafisco Sindical está questionando judicialmente as ilegalidades contidas no Decreto 3.611/2000, nos pontos em que extrapolou o poder regulamentar conferido pela lei.

É louvável que a administração busque um melhor aproveitamento de seus servidores e existe espaço para esse bom aproveitamento, mas deve ser feito dentro dos limites da lei e da Constituição Federal.

Ocorre que sob esse manto justificador (melhor aproveitamento da mão-de-obra técnica) o que se tem verificado é uma crescente demanda dessa categoria, colocando o governo cada vez mais refém da situação que criou, com prejuízos significativos para o bom andamento dos trabalhos e o bom ambiente dentro da Secretaria da Receita Federal.

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Aproveitando a discussão da fusão das secretarias da Receita Federal e da Receita Previdenciária, os técnicos voltaram a se mobilizar para obter mais avanços para o seu cargo, demandando desta vez atribuições de natureza fiscal para o cargo, ou seja, competências próprias dos auditores-fiscais, ainda que lhes sejam conferidas de forma mitigada ou restrita.

Do ponto de vista administrativo, isto equivaleria a criar um novo cargo de auditor-fiscal, ou uma espécie de “mini-auditor” , com funções sobrepostas às já existentes, e ensejaria uma lacuna nas atividades de apoio operacional (atividade- meio da SRF e de média complexidade). Concretamente significa um novo cargo de auditor-fiscal, com atribuições mitigadas e remuneração rebaixada.

Mas não é preciso enxergar muito longe para vislumbrar as conseqüências imediatas dessa situação:

1 o) Abriria espaço para novas reivindicações remuneratórias por parte dos técnicos, por passarem a exercer funções mais nobres, seguidas por novas demandas por atribuições dos auditores-fiscais e novamente por aumentos remuneratórios, num círculo vicioso que só fechará no momento da equiparação completa com os auditores-fiscais.

2 o) A necessidade de criação de nova carreira de apoio, de nível médio ou superior, para suprir a lacuna deixada.

Abstraindo-se a inconstitucionalidade da proposta, de resto já abordada, não se pode deixar de questionar o seu impacto, especialmente no que tange ao aspecto da racionalidade, da economia e da eficiência.

Se há carência de auditores-fiscais – o Unafisco Sindical há muito pleiteia a ampliação do quadro de auditores-fiscais –, transformar técnicos em auditores não é a solução.

Em que pese a alegação de que os técnicos executem atividades similares à dos auditores-fiscais, na verdade, realizam apenas tarefas parciais de apoio ao trabalho fiscal. E, ainda, somente assim uma pequena parte deles trabalha no apoio direto ao trabalho fiscal, pois a maioria do quadro de técnicos está voltada para o atendimento ao contribuinte e outras “atividades-meio” da SRF.

O trabalho de auditoria requer treinamento especializado e profundo conhecimento da legislação. Não é por mero acaso ou diletantismo do legislador que o concurso público para o cargo de auditor-fiscal compõe-se de duas etapas. Os candidatos aprovados na prova escrita (primeira etapa) têm que se submeter a uma segunda etapa, também eliminatória, com três a quatro meses de duração visando à formação do auditor-fiscal.

Assim, além de se submeter a provas muito mais complexas e rigorosas, e cujos candidatos são muito mais capacitados e preparados, o auditor-fiscal

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recebe treinamento especializado em legislação e técnicas de auditoria que o colocam em condições de executar tarefas de alta complexidade e grande responsabilidade.

Já o Técnico da Receita Federal, além de ser aprovado em concurso de conteúdo bem mais simplificado, embora constem do edital várias disciplinas exigidas no concurso de auditor, e também passem por uma segunda etapa de formação, nesta recebem apenas instruções básicas sobre legislação e para a realização das tarefas de apoio e atendimento ao público, em um curso de formação que dura cerca de um mês.

Para que os ocupantes do cargo de técnico pudessem desempenhar a contento as atividades fiscais dos auditores seria imprescindível que passassem por novo curso de formação fornecido pela SRF, para se adequar às exigências do novo cargo.

Supondo que isto fosse legalmente possível, quantos técnicos teriam de fato condições de concluir a contento a segunda etapa do curso de formação em auditoria-fiscal? Pois, como se viu, pelo menos de uma parte significativa deles sequer se exigiu nível superior. Por certo grande parte dos atuais técnicos não teriam condições de assimilar o conhecimento necessário. O que seria feito com estes?

Esta é exatamente a finalidade do concurso público em duas etapas: selecionar os melhores e os que se demonstrarem mais aptos a se tornarem auditores-fiscais. Os que não logram êxito, embora tal fato seja raro, dado o nível dos aprovados na primeira etapa, não são aproveitados. Ou seja, não ingressam no cargo. Possuir diploma de nível superior é condição necessária, mas não suficiente para ingressar no cargo de auditor-fiscal. Dezenas de milhares de candidatos com curso superior, muitos deles exercendo o cargo de técnico, disputam as vagas do concurso de auditor-fiscal, mas somente algumas centenas desses candidatos logram aprovação.

Outro ponto tão relevante, ou mais, é o do aumento do gasto público, totalmente desproporcional ao possível benefício.

Como abordado, a conseqüência natural ao se transferir à carreira de apoio técnico atribuições de auditoria-fiscal é a demanda por maior remuneração, até a completa equiparação ou fusão com auditores-fiscais. Mesmo que isto não se dê de imediato, será naturalmente a reivindicação seguinte dos técnicos. Este objetivo está muito claro nos pareceres encomendados aos advogados pelo Sindireceita.

Ora, se os técnicos lograrem êxito na transformação do cargo em carreira fiscal, não apenas os atuais ativos se beneficiarão da nova remuneração, mas também todos os inativos e pensionistas do quadro de técnico, em obediência ao art. 40 da Constituição Federal. Considerando também que uma significativa parte dos atuais servidores ativos está próxima da aposentadoria, mesmo que

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a retarde visando a atingir o tempo mínimo no cargo, exigido pelas Emendas Constitucionais 41 e 47 (cinco anos no cargo), o custo para os cofres da previdência social do servidor público será exorbitante, sem que tenha havido a contraprestação dos beneficiários.

Considerando-se que a esmagadora maioria dos servidores públicos se aposenta no último nível da carreira, tendo-se em conta o número atual de técnicos ativos, inativos e pensionistas, é possível estimar o custo adicional para os cofres públicos. Segundo o Boletim de Pessoal do Ministério do Planejamento do mês de março de 2005, existem atualmente 6.496 técnicos ativos, 5.088 TRFs aposentados e 1.907 TRFs instituidores de pensão, totalizando 13.491 beneficiários de uma possível transformação do cargo. Tomando-se por base a atual remuneração de final de carreira de técnicos e de auditores, o custo mensal adicional estimado é de cerca de R$ 59 milhões mensais, ou cerca de R$ 767 milhões por ano (considerando o 13 o salário e sem levar em conta as vantagens pessoais). Note-se que se está falando de custo adicional da aposentadoria/ pensão dos atuais integrantes do quadro de Técnicos da Receita Federal (ativos, inativos e pensionistas). Para se ter uma ordem de grandeza desses números, a economia anual estimada com a última reforma da Previdência Social era de R$ 1 bilhão por ano.

Seria um enorme contra-senso, um verdadeiro absurdo, o governo, que acaba de concluir mais uma reforma da Previdência Social do servidor público, exigindo maiores sacrifícios de servidores ativos e até de aposentados e pensionistas, dos quais voltou a cobrar contribuição previdenciária, sob o argumento de conter o gasto público com a previdência dos servidores, viesse a patrocinar tais medidas que certamente gerarão um ônus mensal adicional desnecessário de centenas de milhões de reais aos cofres públicos.

Esse tipo de medida é que gera, de fato, os chamados rombos na Previdência Social. O problema é que, por conta de medidas injustificadas como esta, que só beneficia os cerca de 13.500 servidores/pensionistas, todos os demais servidores (federais, estaduais e municipais) são chamados a arcar com a conta, seja mediante reformas constitucionais seguidas, seja por meio de tentativas de burla ao direito constitucional à paridade de vencimentos entre ativos e aposentados, mediante a instituição de gratificações de desempenho e produtividade não estendidas aos aposentados e pensionistas.

Se por hipótese houvesse a necessidade de elevar o quadro de auditores-fiscais em número correspondente ao do total de TRFs em atividade atualmente, seria muito mais econômico e eficiente realizar concursos públicos para a nomeação de igual número de novos auditores-fiscais.

Adicione-se que, em qualquer caso, seria indispensável treinar os “novos” auditores para que pudessem desempenhar as atividades fiscais. O custo e o tempo necessário para isto seriam praticamente iguais, com enorme probabilidade de o nível de excelência atual cair significativamente caso se opte por transformar os atuais técnicos em auditores-fiscais.

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Se do ponto de vista econômico e da eficiência administrativa a medida seria absurda, no que diz respeito à sua racionalidade a avaliação não seria melhor, pois a transformação da atual carreira de apoio administrativo em carreira fiscal fatalmente redundaria na necessidade de se recriar outro cargo de apoio para suprir a lacuna deixada.

Ademais, a prosperar as pretensões ora analisadas, devemos alertar que outras carreiras poderiam se sentir encorajadas a trilhar o mesmo caminho dos técnicos, instaurando no serviço público infindáveis demandas com potencial de instaurar o caos nos quadros de servidores, trazer a desarmonia nas repartições públicas, prejudicar a prestação de serviços à sociedade e lesar os interesses dos incontáveis cidadãos que se preparam para os concursos.

A conclusão, sob o prisma político-administrativo, é que, por qualquer ângulo que se aborde a questão, não existe racionalidade, nem economia, tampouco atendimento ao princípio da eficiência, em quaisquer medidas que venham a resultar na transformação do cargo auxiliar de técnico, de natureza administrativa e de apoio operacional, em outro cargo com atribuições próprias dos auditores-fiscais e conseqüentemente mais bem remunerado.

7. CONCLUSÕES FINAIS

O presente estudo demonstrou cabalmente a inconveniência e a inoportunidade política e administrativa e a impossibilidade jurídica de atendimento das pretensões dos Técnicos da Receita Federal, seja o de incorporar-se direta e imediatamente ao cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal, aproveitando-se da proposta de fusão das Secretarias da Receita Federal e da Secretaria da Receita Previdenciária, instituída pela MP 258, de 21/07/2005, seja a de ter o cargo aquinhoando-se de parte das atribuições privativas dos auditores-fiscais, ainda que de forma concorrente.

Como se demonstrou, não existe similaridade entre os cargos de técnico e auditor-fiscal que possa justificar uma fusão direta e imediata dos dois cargos num terceiro com aproveitamento de técnicos. Assim, em princípio, se vislumbra que, como a via direta está fechada, resta a alternativa do caminho mais longo, mediante a transformação paulatina do cargo de técnico, de apoio administrativo, em cargo de natureza de fiscalização, com atribuições típicas dos auditores-fiscais, por meio da transferência ou compartilhamento das atribuições destes.

As conseqüências do atendimento dessas pretensões também ficaram bastante claras. A primeira é que abriria espaço para novas reivindicações remuneratórias por parte dos técnicos, por passarem a exercer funções mais nobres, seguidas por novas demandas por atribuições dos auditores-fiscais e novamente por aumentos remuneratórios, num círculo vicioso que só fechará no momento da equiparação completa com os auditores-fiscais. A segunda é a

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necessidade de criação de nova carreira de apoio, de nível médio ou superior, para suprir a lacuna deixada.

Do ponto de vista administrativo, a medida não resiste a uma análise sob o ponto de vista da racionalidade, economia e da eficiência:

• Não há racionalidade , pois levaria à superposição de cargos para executar as mesmas atribuições, ao mesmo tempo em que se criaria uma lacuna nas atividades de apoio operacional e na área de atendimento ao público.

• É antieconômica , pois com a transformação do cargo em carreira fiscal, não apenas os atuais ativos se beneficiariam da transposição para cargo mais bem remunerado, como todos os inativos e pensionistas do quadro de técnico, em obediência ao art. 40 da Constituição Federal. Considerando que também uma significativa parte dos atuais servidores ativos estão próximos da aposentadoria, mesmo que a retardem visando a atingir o tempo mínimo no cargo, exigido pelas Emendas Constitucionais 41 e 47 (cinco anos no cargo), o custo para a Previdência Social do servidor público seria exorbitante, sem que tivesse havido a contraprestação dos beneficiários.

• Afronta o princípio da eficiência da administração pública , pois daria atribuições e responsabilidades mais complexas a servidores não concursados e despreparados para tal incumbência, ao invés de recrutar auditores-fiscais mais aptos e preparados pela via do concurso público, a um custo bem menor para os cofres da previdência pública.

Sob o ponto de vista da análise jurídica, também se demonstrou que:

o Não existe nenhuma similaridade entre os cargos de técnico e auditor-fiscal que podesse autorizar uma fusão direta e imediata dos dois cargos num terceiro, com aproveitamento de técnicos.

o Há uma indiscutível diferença hierárquica entre os cargos, com o primeiro sendo auxiliar do segundo . Além disso, as atribuições são completamente distintas, pois incumbe ao auditor desempenhar privativamente as atividades-fi m (de alta complexidade e responsabilidade) da Secretaria da Receita Federal - fiscalização, tributação e julgamento -, enquanto ao técnico cabe a tarefa administrativa, auxiliar, de apoio operacional relacionada aos encargos (de média complexidade) da SRF.

o A diferença remuneratória existente entre os cargos de Auditor-Fiscal e de Técnico é plenamente compatível com o nível de complexidade e responsabilidade das atribu ições inerentes a cada um dos cargos.

o Qualquer iniciativa no sentido de transferir ou com partilhar atribuições privativas dos auditores-fiscais para o cargo de técnico , seja mediante a criação de novo cargo, seja atribuindo

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ao cargo já existente, implicaria modificação substancial do cargo, o que vedaria o aproveitamento dos atuais té cnicos no novo cargo .

o O aproveitamento de todos os atuais Técnicos da Rec eita Federal em novo cargo, com atribuições mais nobres e remuneração mais elevada, implicaria burla ao insti tuto do concurso público como única forma de acesso a cargos públicos exigido pela CF/88, além de violação dos princípios da igualdade, da moralidade e de configurar lesão ao patrimônio público.

o A administração superior da Secretaria da Receita F ederal e do Ministério da Fazenda e a Representação Jurídica da União (AGU ) estão totalmente cientes dessa situação , haja vista suas intervenções no âmbito da ação civil pública 1999.021695-4, de modo que aceitar novas modificações de natureza funcional ou remuneratória no cargo de técnico, avançando no sentido de permitir que se promova a identidade substancial com o cargo de auditor-fiscal buscada p elos técnicos , configuraria não apenas a ausência da lealdade processual exigida no processo judicial, mas verdad eiro ato de improbidade administrativa, pois violaria os dev eres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.

Conforme afirmamos no início deste trabalho, ainda está em tempo de as autoridades impedirem que se consume essa afronta à Constituição Federal e se onere indevidamente a União Federal com medidas transformadoras que só atendem ao interesse corporativo de um grupo de servidores que abdicou de tentar evoluir no serviço público pela via do concurso e centra todos os seus esforços na construção de um verdadeiro “trem da alegria”.

A questão está, neste momento, nas mãos das autoridades, quer do Poder Executivo, que detém a iniciativa para propor leis sobre os cargos e funções públicas, quer dos parlamentares, que têm a responsabilidade de apreciar e aprovar tais proposições, no âmbito do Poder Legislativo.

Conforme demonstramos, as autoridades da Receita Federal e do Ministério da Fazenda estão plenamente cientes dos limites constitucionais a que estão sujeitos ao decidirem sobre o pleito dos técnicos. Essa discussão está posta desde julho de 1999, no âmbito da ação civil pública interposta pelo Ministério Público. As manifestações da Assessoria Especial da SRF e da Advocacia Geral da União, endossadas pelo próprio Sindicato dos Técnicos naquela ação, demonstram o quão estreitas são as balizas constitucionais para manobras que modifiquem substancialmente um cargo público. Todas as autoridades da União que têm responsabilidade sobre o assunto, como a Ministra-Chefe da Casa Civil da Presidência da República e o Ministro do Planejamento, também devem estar cientes desses fatos.

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Os membros do Poder Legislativo também estão sendo devidamente alertados e esclarecidos sobre o real contexto e implicações dessa demanda, de modo a apreciá-la adequadamente, tanto do ponto de vista da conveniência para o serviço público quanto dos limites constitucionais.

O UNAFISCO SINDICAL, que sempre tem pautado a sua atuação, mesmo quando em defesa dos mais legítimos interesses corporativos dos auditores-fiscais, na busca maior do interesse público, confia que o tratamento dessa questão, pelas autoridades do Poder Executivo, representadas pelo Secretario da Receita Federal e Ministro da Fazenda, e pelos parlamentares, se dará dentro dessa ótica, em respeito à Lei Maior e ao bem coletivo.

Ao mesmo tempo confia que, se necessário levar tal discussão ao Poder Judiciário, que tem como função maior velar pelo respeito à Constituição Federal, terá o respaldo do Ministério Público Federal, diligente defensor da ordem jurídica, e que o Poder Judiciário não sancionará alterações que venham a burlar os princípios constitucionais da administração pública.

Não é exagero voltar a utilizar, para concluir, a precisa observação do ilustre procurador da República Humberto Jacques de Medeiros, na peça inaugural da ação civil pública por ele proposta, pois este, mais do que nunca, é o momento oportuno para que, aqueles que têm a responsabilidade de gerir e/ou zelar pelo bem público, impeçam que “de salto em salto, de solavanco constitucional em solavanco constitucional, servidores ocupantes d e cargos que, em certos momentos, para o seu provimento, exigiu-se n ível ínfimo de escolaridade, cheguem ao patamar do serviço público enquadrados como servidores de nível superior” , evitando assim enormes prejuízos ao serviço e aos cofres públicos e a burla aos preceitos constitucionais que regem a administração pública.

UNAFISCO SINDICAL

Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal