desigualdades_sociais_e_saude_no_brasil[1]

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    a Enfermeiro. Mestrando em Enfermagem e membro do Grupo de Estudos em Sade Coletiva da Escola de Enfermagem da UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil.

    b Doutora em Antropologia Social. Coordenadora do Grupo de Estudos em Sade Coletiva e Professora Adjunta em Sade Coletiva da Escolade Enfermagem da UFRGS, Brasil.

    DESIGUALDADES SOCIAIS E SADE NO BRASIL:produo cientfica no contexto do Sistema nico de Sade

    Daniel Labernarde dos SANTOS

    a

    Tatiana Engel GERHARDTb

    RESUMO

    Este artigo visa discutir as relaes entre as desigualdades sociais e as de sade, analisando a forma de abordageme operacionalizao utilizadas nos estudos cientficos, produzidos aps a criao do Sistema nico de Sade (SUS).Foi realizada uma reviso, tendo como universo de anlise quatro revistas cientficas nacionais que se encontramindexadas internacionalmente e disponibilizam seus artigos on-line no projeto Scientific Eletronic Library Online(SciELO). Foram includos todos os estudos de sade resultantes de pesquisas de natureza emprica e experimentalproduzidos no Brasil, a partir de 1988, utilizando-se oito descritores: desigualdades sociais, desigualdades desade e conceito de sade. Encontrou-se produo cientfica sobre o tema, focada na dimenso biolgica da sade,

    concepo projetada na noo de desigualdades em sade, noo essa relacionada, na maioria dos estudos, aoacesso e utilizao de servios mdicos. Apresenta, igualmente, grande tendncia em se tratar desigualdades sociaispor meio de indicadores econmicos clssicos, como a renda.

    Descritores: Sade pblica. Iniqidade social. Desigualdades em sade. Promoo da sade.

    RESUMEN

    Este artculo tiene como meta discutir las relaciones entre las desigualdades sociales y de la salud, analizando el enfoque y lapuesta en operacin utilizados en los estudios cientficos que se produjeron luego de la creacin del Sistema nico de Salud(SUS). Se realiz una revisin empleando como universo de anlisis cuatro revistas cientficas nacionales que estn indexadasinternacionalmente y que colocan sus artculos a disposicin, on-line, en el proyecto Scientific Eletronic Library Online(SciELO). Se incluyeron todos los estudios de salud resultantes de investigaciones de naturaleza emprica y experimental

    producidos en Brasil a partir de 1988. Se utilizaron ocho descriptores: desigualdades sociales, desigualdades de salud y

    concepto de salud. Se encontr produccin cientfica sobre el tema enfocando la dimensin biolgica de la salud, concepcin quese proyecta en la nocin de desigualdades en la salud. La mayora de los estudios mdicos relata esta nocin sobre el acceso yla utilizacin de los servicios mdicos. Tambin presenta la idea de que se trata de desigualdades sociales, demostrndolo pormedio de indicadores econmicos clsicos, como el ingreso.

    Descriptores:Salud pblica. Inequidad social. Desigualdades en la salud. Promocin de la salud.Ttulo:Desigualdades sociales y salud en Brasil: produccin cientfica en el contexto del Sistema nico de Salud.

    ABSTRACT

    This paper discusses the relationships between social and health care system inequalities analyzing the approach and operationalways used in scientific studies produced after the foundation ofSistema nico de Sade (SUS), the Brazilian health caresystem. A review was conducted having as framework four internationally indexed Brazilian scientific journals , which publish

    their papers on-line in the Project Scientific Electronic Library Online (SciELO). All empiric research studies on healthproduced in Brazil from 1988 onwards were included and eight descriptors were used: social inequalities, health inequalitiesand health concept. The scientific production on the subject focuses on the fact that differences in health status are a directresult of inequalities in access and use of medical services. At the same time, a strong trend towards dealing with socialinequalities through traditional economic indicators, such as income was observed.

    Descriptors:Public health. Social inequity. Health inequalities. Health promotion.Title:Social and health inequalities in Brazil: scientific production within the Brazilian health care system context.

    ARTIGODE REVISO

    Santos DL,Gerhardt TE. Desigualdades sociais e sade no Brasil: produo cientfica no contextodo Sistema nico de Sade. Rev Gacha Enferm., Porto Alegre (RS) 2008 mar;29(1):129-36. 129

    Santos DL,Gerhardt TE. Desigualdades sociales y salud en Brasil:produccin cientfica en el contexto del Sistema nico de Salud[resumn]. Rev Gacha Enferm., Porto Alegre (RS) 2008mar;29(1):129.

    Santos DL,Gerhardt TE. Social and health inequalities in Brazil:scientific production within the Brazilian health care systemcontext.[abstract]. Rev Gacha Enferm., Porto Alegre (RS) 2008mar;29(1):129.

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    INTRODUO

    O presente estudo parte do Trabalho deConcluso de Curso(1) desenvolvido no mbito docurso de Enfermagem da Universidade Federal do

    Rio Grande do Sul que aborda as desigualdadessociais, tema que se constitui uma das caracters-ticas predominantes da histria brasileira.

    Essa situao de desigualdades tem se agrava-do, recentemente, em funo da crise econmica dosanos 80, do desenvolvimento industrial e do pro-cesso de urbanizao concentradores. O aumento dasdesigualdades, em termos de concentrao de renda,tem sido evidenciado por indicadores econmicos.

    O Brasil, em relao ao contexto mundial,revela uma situao peculiar por contrastar a sua

    posio relativa no rankingdo Produto Interno Bru-to (PIB) (13 lugar) com a posio ocupada norankingdo PIBper capita(64 lugar) e do ndice deDesenvolvimento Humano (IDH) (63lugar), fican-do atrs de pases bem menos desenvolvidos indus-trial e economicamente(2). Isto pode se explicar porum quadro de desigualdades persistentes e pronun-ciadas, como tambm por polticas pblicas de sadee educao pouco eficazes.

    A traduo das desigualdades sociais em ter-mos de disparidades de sade faz da sade pblica

    um campo interessante para o estudo dessas rela-es, especialmente na rea urbana de um Pas todesigual. Os Estados brasileiros apresentam dis-paridades do estado de sade, observveis quandose comparam indicadores de esperana de vida aonascer e mortalidade infantil dos Estados do Nor-deste com os do Sul(3).

    Todavia, este tipo de anlise que focaliza osextremos tende a levar simplificao da realidade,sem colocar em evidncia a complexidade do pro-cesso social. De qualquer modo, a grande maioria

    das anlises assinala o maior comprometimento dapopulao mais pobre em termos de adoecimentoe morte. Nessa viso dualista, existe uma concepode fronteira, bem delimitada e precisa, que separaduas realidades distintas, o que verdadeiro, masno d conta de toda a realidade social, no interiorda qual se encontram dinmicas de inter-relaese interdependncia que geram uma complexidademaior de situaes sociais. A noo de fronteira aser utilizada deve incorporar as nuances existentesentre as situaes extremas.

    O ano de 1988 constituiu um marco histricopara a sade no Brasil, pois o sistema de sadebrasileiro focado na biologia humana e, por conse-qncia, na assistncia individual, passara a serfortemente questionado. Estes novos questiona-

    mentos surgiram em funo de que, muito emborahouvesse o desenvolvimento de novas tecnologiase medicamentos cada vez mais dispendiosos esofisticados, o sistema continuava ineficiente. Destaforma, surge a necessidade de se tratar a sade deforma diferente no pas criando-se o Sistema nicode Sade (SUS), atravs da Constituio Federaldo Brasil, promulgada em 1988. Assim, o SUS pro-pe-se tratar a sade em sua integralidade, comeqidade no acesso a bens e servios sociais, a infor-mao, a educao, ao lazer, a cidadania, enfim, atra-

    vs da promoo da sade e da qualidade de vidada populao.

    Nessa conjuntura, reatualiza-se a necessidadede compreenso dos elementos que interferem nasrelaes entre desigualdades sociais e sade. Dife-rentes estudos realizados no Brasil, em perodosanteriores ao SUS, sobre as relaes entre a situa-o socioeconmica e o estado de sade da popula-o urbana, utilizam indicadores socioeconmicosna avaliao de diferenciais intra-urbanos. Domesmo modo, um estudo mais recente trabalha a

    epidemiologia das desigualdades em sade noBrasil, utilizando o conceito de desigualdade emsade especificamente como a distribuio desigualdos fatores de exposio, dos riscos de adoecer oumorrer e do acesso a bens e servios de sade entregrupos populacionais distintos(4).

    inegvel a contribuio destes estudos, comotambm importante ressaltar que so estudos quese situam em um nvel de anlise mais global, ondeso demonstrados os aspectos mais gerais de umadeterminao socioeconmica e ambiental. No se

    nega a existncia de mecanismos macro-estruturaisna constituio das desigualdades, mas deve-se iralm, pois com esta reduo, perde-se a oportuni-dade de aprofundar o conhecimento sobre aspectosmais dinmicos, subjacentes a cada realidade social,desses processos de desigualdades e suas complexasrelaes com a sade.

    Dois estudos recentes sobre as relaes entredesigualdades sociais e desigualdades de sade (oprimeiro, uma reviso bibliogrfica que analisa 41estudos latino-americanos e 34 estudos de outros

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    pases realizados durante o perodo de 1960-88 (5),e o segundo, um estudo da produo cientfica apartir dos anos 60, na Amrica Latina e Caribesobre desigualdades em sade segundo condiesde vida(6)), encontraram poucas mudanas na forma

    de abordagem do tema, ou seja, permanecendoancoradas de forma linear em indicadores socio-econmicos.

    Desta forma, torna-se relevante questionar se,aps a criao do SUS e sua nova proposta para aateno a sade no pas, ocorreram mudanas naforma de abordagem das relaes entre desigual-dades sociais e desigualdades de sade na produocientfica brasileira, e, tendo ocorrido, quais foramestas mudanas. Objetivando contribuir para essareflexo, este trabalho busca elementos para dis-

    cutir essas relaes, atravs de levantamento daproduo cientfica sobre o tema nas principaisrevistas cientficas nacionais da sade coletiva,analisando a abordagem e operacionalizao utiliza-da nos estudos produzidos aps a criao do SUS.

    METODOLOGIA

    Estudos publicados em revistas cientficas,conquanto no sejam os nicos produtos da pes-quisa, constituem uma das principais formas de

    difuso. Deste modo, estabeleceram-se, como uni-verso de anlise para este estudo, os textos publi-cados em quatro revistas cientficas nacionais degrande circulao.

    As revistas selecionadas foram as seguintes:Cadernos de Sade Pblica, Revista Brasileira deSade Pblica, Cincia e Sade Coletiva e RevistaBrasileira de Epidemiologia, as quais, atualmente,constituem importante fonte de informao da reacientfica em sade pblica no Brasil, encontrando-se listadas em bases de indexao bibliogrfica

    internacional, alm de todas disponibilizarem osseus artigos on-line, por intermdio do projetoScientific Eletronic Library Online(SciELO).

    Em relao seleo dos artigos, foram in-cludos todos os estudos de sade, resultantes depesquisas de natureza emprica e experimentalproduzidos no Brasil, no perodo a partir de 1988,publicados nos peridicos sob os seguintes descri-tores: desigualdades sociais, iniqidade, condiesde vida, classe social, estratificao social, grupossociais, desigualdades de sade e conceito de sade.

    Os dados qualitativos foram analisados pormeio de categorizao temtica(7). Partindo daleitura e re-leitura, procedeu-se organizao domaterial, procurando identificar tendncias e idiasrelevantes, com o propsito de encontrar aspectos

    que se repetiram ou se destacaram, para entoproceder ao preenchimento das fichas de leitura.

    Para cada texto selecionado, foi preenchidauma ficha contendo os seguintes itens para anlise:(1) autores e instituies; (2) descritores; (3) proble-ma abordado; (4) escala espacial de anlise e locali-zao geogrfica do estudo; (5) grupos populacio-nais includos no estudo; (6) noo de sade; (7)noo de desigualdades sociais; (8) noo de desi-gualdades em sade.

    RESULTADOS E DISCUSSO

    Foram identificados 39 artigos no perodo,sendo que a Revista de Sade Pblica e os Cadernosde Sade Pblica tiveram o maior nmero depublicaes, totalizando 16 textos cada peridico.Desse universo de artigos identificados, 26 foramselecionados para a realizao deste estudo(1).

    O nmero de publicaes anuais mantm certaregularidade, sendo que no perodo de 1989 a 1996,houve apenas quatro publicaes. Desde ento, so

    publicados em mdia dois artigos por ano noscitados peridicos, sendo que, durante os anos de2002 e 2003, ocorreu uma elevao no nmeromdio de publicaes, tendo sido publicados quatrotrabalhos a cada ano. Tendo em vista a importnciae magnitude do problema das desigualdades sociaise suas relaes com a sade em nosso Pas e dadifcil e complexa resoluo desses problemas, surpreendente que esta temtica, apesar dos avan-os terico-metodolgicos obtidos no campo dasade, como um todo, tenha sido to pouco aborda-

    da, no perodo estudado.A escassez de publicaes cientficas sobre o

    tema, no perodo selecionado, bem como sua irregu-laridade, no decorrer dos anos, ficou evidente. Verifica-se, ao longo do perodo, certa regularidade na produ-o e uma tendncia de aumento desta nos textos querelacionam condies socioeconmicas e morbidades,atingindo seu pice no perodo 2002-2003, com trspublicaes a cada ano. J nos anos seguintes, a abor-dagem dessa temtica, juntamente com a produocientfica em geral, diminuiu abruptamente.

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    Foram identificadas 36 instituies compublicaes sobre a temtica no perodo, sendo 33nacionais e trs estrangeiras. As instituies nacio-nais estavam distribudas por dez Unidades daFederao, com grande concentrao da produo

    cientfica nas regies Sudeste e Sul, especialmente,nos Estados de So Paulo e Rio Grande do Sul.

    Entre descritores simples ou compostos, foramidentificados 87 diferentes, nos artigos analisados.Quanto aos descritores propostos para proceder pesquisa dos artigos, os relacionados condiosocioeconmica foram os mais presentes entre osartigos selecionados, sendo classe social e condiesde vida os mais citados. Surpreendentemente, noforam encontrados artigos sobre os descritoresdesigualdades sociais e desigualdades de sade.

    Conforme o problema abordado pelos autorescomo objeto de estudo das desigualdades sociais ede sade, os textos foram classificados em quatrodiferentes grupos: condies de sade (um artigo);acesso e utilizao dos servios de sade (doisartigos); relaes entre condies socioeconmicase morbidade (15 artigos); relaes entre condiessocioeconmicas e ocorrncia de eventos especficos(oito artigos). Os resultados indicam tendncia emse tratar o tema sade por meio da questo socio-econmica, relacionando-o com a ocorrncia de

    morbidades ou eventos especficos, ou seja, dentrode uma concepo do processo sade-doena emque a sade vista como ausncia de doena.

    Embora se saiba que, para diminuir as desi-gualdades em sade em nosso Pas, seja crucial odesenvolvimento socioeconmico, e que, para isso, necessrio criar condies favorveis sade de todaa populao, o maior acesso aos servios, por si s,nem sempre ir garantir uma melhora na situao desade, pois necessrio considerar, ainda, as demaisquestes pessoais, sociais e ambientais.

    Em relao escala espacial, os autores tendema utilizar as de anlise reduzidas (municpios, bairros,localidades especficas), como se verificou na maioriados estudos, o que parece contribuir para a melhorexpresso da realidade de cada populao.

    Noo de sade: a nfaseno biolgico permanece

    Em relao definio da noo de sade pelosautores dos artigos analisados, os trabalhos foram

    classificados, nesse tema, em trs categorias: Amplaconcepo de sade; Presena/ausncia de morbi-dade; e Ocorrncia de eventos especficos.

    Partindo dessa classificao, apenas em umartigo foi apresentada uma definio multidimen-

    sional de sade, compreendendo a situao socio-econmica, a rede social de apoio, as funes fsicase mentais e o acesso e uso de servios de sade,assemelhando-se definio de sade como bem-estar fsico, mental e social(8), sendo, ento, o nicoclassificado na categoria Ampla concepo de sade.

    Cinco trabalhos compuseram a categoriaOcorrncia de eventos especficos; entre esses, ostemas pesquisados foram a mortalidade infantil e aocorrncia de situaes de violncia. Nos estudosabordando o tema da mortalidade infantil, foi

    traada uma relao entre mortalidade e as con-dies de vida, analisando-se a ocorrncia de morte,limitando-se, contudo, a explorar essas relaessem apresentar uma definio da noo de sade esem tecer quaisquer outras argumentaes destarelao com as condies de sade da populaoestudada.

    No mesmo sentido, nos textos em que foiabordado o tema da violncia, foi trabalhada unica-mente a ocorrncia de homicdios e violncias comoagravos sade, e da mesma forma, como nos

    estudos acima mencionados, no feita referncia noo de sade, o que explica sua incluso nessacategoria.

    A expressiva maioria dos estudos analisados(20) foi enquadrada na categoria Presena/ausnciade morbidade, visto que seus autores, ainda que demaneiras variadas, condicionam sade ausnciade morbidades.

    Desta forma, a noo de sade de alguns es-tudos apareceu diretamente relacionada preva-lncia de sintomas psiquitricos, particularmente

    presena de ansiedade, depresso, distrbios so-matoformes e neurastenia, enquanto a incapacidadepara superar a vivncia de experincias estressan-tes, tal como mudana de domiclio, morte ou doen-a de familiar, separao conjugal, e principalmentea insatisfao no trabalho e o desemprego foramapontados como fatores determinantes que podemcomprometer o bem-estar psicolgico do indivduo.

    Em estudos no campo odontolgico, da mes-ma forma, a presena de crie dentria colocadacomo fator de impacto negativo na qualidade de

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    vida das pessoas, por ser causa de dor e sofrimento,associando a ocorrncia desta patologia a uma con-dio negativa de sade.

    Em relao ao estado nutricional, houve ocor-rncias do desenvolvimento fsico adequado como

    sinnimo de sade, enquanto surgiram referncias evoluo da prevalncia de obesidade e ressal-taram sua associao com doenas cardiovasculares,dislipidemias e hipertenso, entre outros, apontan-do a obesidade como um importante agravo sade.

    Por fim, em alguns trabalhos, os autores tra-taram especificamente de uma determinada patolo-gia, como por exemplo, a clera e a Sndrome deImunodeficincia Adquirida (AIDS); outros relacio-naram sade com a aptido para o trabalho, ou ain-da, como um estado obtido pela utilizao de servi-

    os mdicos, quer seja para a preveno ou para arecuperao de doenas. J as diferenas de sadeentre classes foram abordadas pelas diferenas noadoecer e na distribuio desigual de determinadaspatologias entre os grupos populacionais.

    Esta percepo de sade, associada ausnciade doenas, verificada na maioria dos estudos, pareceser conseqncia de uma abordagem historicamenteconstruda sobre a dimenso biolgica da sadehumana, que se mantm ainda muito difundida pelaMedicina tradicional, em um modelo biologicista que

    enfatiza, hoje, mais a doena em suas dimensesfsicas do que a sade, ignorando-se, assim, as condi-es do indivduo como ser humano(9).

    Portanto, considerando-se o discurso da sadepblica, desde a criao do SUS, articulando-se emtorno da idia de promoo da sade, tal produocientfica que permanece focalizada na dimensobiolgica da sade humana encontra-se em desali-nho com a proposta de integralidade do sistema desade, ao desconsiderar o dinamismo de um estadoque sofre influncias de diversos fatores sociais e

    ambientais, e no somente biolgicos.

    Noo de desigualdades sociais: o econmicocomo nico fator determinante

    Em relao forma como as desigualdadessociais foram caracterizadas, os artigos foram clas-sificados em quatro categorias: Estratos de renda;Estratos de escolaridade; Insero no processo pro-dutivo; e Condies de infra-estrutura. Essas catego-rias foramutilizadas isoladamente ou combinadas.

    O emprego isolado de uma das categoriasocorreu em 13 estudos, sendo que Insero no pro-cesso produtivo foi a mais utilizada de forma inde-pendente, assim acontecendo em oito trabalhos; aseguir, apareceu a utilizao de Estratos de renda

    e Estratos de Escolaridade, ocorrendo em trs edois estudos, respectivamente.

    Entre alguns trabalhos, ocorreu a associaoentre duas ou mais categorias para construrem suanoo de desigualdades sociais, acontecendo, commaior freqncia, a associao entre Estratos derenda, Condies de infra-estrutura e Estratos deescolaridade, bem como entre Estratos de renda eEstratos de escolaridade.

    Partindo da categorizao proposta, o uso deEstratos de renda aconteceu em 15 pesquisas. Nesse

    universo, predominaram as abordagens acerca darenda do chefe da famlia, que foi classificada deacordo com o nmero de salrios mnimos recebi-dos ou, ento, pela renda mensal mdia do indiv-duo, tendo ainda, o tipo de escola, se pblica ouprivada, sido utilizado como indicador de renda emum dos trabalhos.

    A categoria Estratos de escolaridade estevepresente em 13 textos. A escolaridade do indivduo,em anos completos de estudo, foi a forma de clas-sificao mais utilizada pelos autores. A alfabeti-

    zao tambm foi abordada, tal como a escolaridadedo chefe da famlia; a primeira, classificada deacordo com a taxa de alfabetizao ou pelo ndicede analfabetos da localidade estudada, enquanto aescolaridade do chefe da famlia foi geralmenteclassificada de acordo com o nmero de anos com-pletos de seu estudo.

    A Insero no processo produtivo apareceutambm em 13 estudos, sendo predominante adiferenciao em fraes de classe, a partir daposio que o indivduo ocupa em um sistema de

    produo historicamente determinado, sua relaocom os meios de produo, seu papel na organizaosocial do trabalho, a magnitude e a forma de apro-priar-se de parte da riqueza social de que dispe. Aocupao e a posio na ocupao foram utilizadaspara diferenciar os indivduos dentro da inserono processo produtivo; normalmente a classificaoocorre entre trabalhadores formais e informais, e,dentro desses, em trabalhadores braais, presta-dores de servios, operrios, intelectuais e seus as-semelhados.

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    Os textos classificados em Condies de Infra-estrutura foram seis. Nesses artigos, os autoresfizeram uma caracterizao das condies de vidados indivduos, baseados, principalmente, nascondies de saneamento bsico, abastecimento da

    rede geral de gua, esgoto e destino do lixo, e nascondies de moradia, como a posse de bens du-rveis, o tamanho do domiclio, a propriedade dacasa, o tamanho das famlias e o nmero de cmodospor domiclio, para por meio da associao destacom outras categorias, formular sua noo de desi-gualdades sociais.

    Embora se verifique a preocupao dos auto-res com os aspectos sociais da doena e as vriastentativas de se buscarem formas mais completasde se classificarem os diferenciais sociais, os estudos

    terminam por centrar sua anlise em indicadoressocioeconmicos tradicionais como renda, ocupa-o, consumo de bens e escolaridade, traando umaassociao direta entre esses e as condies de sadedos indivduos, afirmando a existncia de uma certaendogeneidade na equao de rendimentos dosindivduos, ou seja, um pior rendimento gera umasade mais precria, e uma pior sade, um menorrendimento(10).

    O que se constata a limitao deste instru-mental metodolgico, que pode ser observado em

    trabalhos em que a operacionalizao de classessociais ocorre a partir da insero produtiva dasrelaes sociais, sem que se atente, muitas vezes,para a necessidade de adaptao da proposta deoperacionalizao a ser empregada, levando emconsiderao as particularidades da formao socio-econmica estudada, o que acontece, da mesmaforma, com o emprego da renda e escolaridade, quemuitas vezes podem ser associadas com melhor oupior qualidade de sade.

    Estudos permitem constatar que grupos de

    renda mdia, num pas com alto grau de iniqidadede renda, tm situao de sade pior que a de gruposcom renda inferior, mas que vivem numa sociedademais eqitativa. Isto se deve ao fato de que, uma vezsuperado um determinado limite de crescimentoeconmico de um pas, um crescimento adicional dariqueza no se traduz em melhorias significativas dascondies de sade. A partir desse nvel de riqueza, ofator mais importante para explicar a situao geralde sade de um pas no sua riqueza total, mas amaneira como ela se distribui(11).

    H ainda a necessidade de se salientar a pr-pria limitao do indicador de renda, ao considerar-se que, em nosso Pas, uma grande parcela da po-pulao economicamente ativa encontra-se nomercado informal.

    Noo de desigualdades de sade: reflexoda concepo biomdica

    Conforme era definida a noo de desigual-dades de sade, os trabalhos foram classificados,nesse tema, em cinco diferentes categorias: Acessoe utilizao dos servios de sade; Estilo/Hbitosde vida; Exposio a fatores de risco; Acesso a bense servios sociais; Ampla concepo. Essas cate-gorias foram utilizadas isoladamente ou combina-

    das, tal como anteriormente mencionado no itemsobre a noo de desigualdades sociais.

    Em mais da metade dos trabalhos foi apresen-tada apenas uma categoria para a definio dedesigualdades de sade, sendo Acesso e utilizaodos servios de sade a mais utilizada, estandoempregada em seis estudos. Na seqncia, aparece-ram as categorias Acesso a bens e servios sociaise Exposio a fatores de risco, utilizadas isolada-mente em cinco e quatro estudos, respectivamente.Os trabalhos que foram classificados na categoria

    Estilo/Hbitos de vida no apareceram isolada-mente em nenhum estudo.

    Em alguns trabalhos, houve a associao entreduas ou mais categorias, ocorrendo, com maiorfreqncia, a associao entre Acesso e utilizaodos servios de sade e Acesso a bens e serviossociais, bem como entre Estilos/Hbitos de vida eAcesso a bens e servios sociais.

    A partir da classificao proposta, Acesso eutilizao dos servios de sade foi a categoria maisutilizada, tendo sido empregada em 13 estudos,

    refletindo a importncia creditada aos servios desade no que se refere proteo e manutenoda sade dos indivduos.

    Segunda maior em nmero de artigos iden-tificados, a categoria Acesso a bens e servios so-ciais foi identificada em 12 artigos; nesses estudos,foi abordado o acesso a servios pblicos porexemplo, abastecimento de gua, rede de esgoto edestino do lixo como fator determinante do estadode sade dos indivduos, uma vez que a ausnciadestes pode ser considerada risco potencial para o

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    surgimento de diversas doenas, tendo como agra-vante a dificuldade de acesso educao e infor-mao sobre esses riscos.

    Deste mesmo modo, o acesso alimentaoadequada aparece como fator de desigualdades de

    sade, no tangente ao estado nutricional dos indiv-duos, tendo em vista os diferenciais na alimentao,pela dificuldade de acesso a produtos de qualidade,como carnes, frutas e verduras, pelas classes sociaismenos privilegiadas.

    A categoria Exposio a fatores de risco estevepresente em seis trabalhos, sendo apresentada dediversas formas. Tratou-se do consumo de substn-cias como o lcool e o fumo que estariam relacio-nados ao risco para o desenvolvimento de doenasespecficas. A exposio a acidentes de trabalho foi

    abordada da mesma forma, estando relacionada exposio a produtos txicos e carga horria ex-cessiva, enquanto outros estudos trataram da maiorexposio violncia e morte, das classes sociaismenos privilegiadas e do sexo masculino em relaoao feminino.

    Verifica-se, nesses estudos, uma noo dedesigualdades de sade baseada em indicadores querefletem a concepo biomdica adotada pelosautores, e que no est associada condio desade do indivduo, mas ausncia de morbidade.

    Por outro lado, em quatro estudos que compu-seram a categoria Estilo/hbitos de vida, os autoressituaram os indivduos como co-responsveis pelasua sade, creditando a eles sua parcela de respon-sabilidade na promoo e manuteno da prpriasade, por meio da prtica de atividades fsicas,hbitos alimentares saudveis e cuidados prprios.

    Ainda nesse sentido, um artigo foi classificadoem Ampla concepo, por apresentar uma nooampliada de desigualdades de sade, em que estadependeria das diferenas individuais, sociais e de

    classe, como tambm das caractersticas culturaise dos padres adaptativos de comportamento.

    CONSIDERAES: elementospara um debate necessrio

    Falar sobre desigualdades sociais e desigual-dades em sade em nosso Pas sempre um desafio,sobretudo quando tanto j se tratou desses proble-mas e dos mecanismos que os produzem, [...]mesmo quando governos procuram mobilizar a

    sociedade e as foras polticas para medidas des-tinadas a golpear alguns dos mecanismos mais im-portantes de reproduo da desigualdade como ainflao, as restries de acesso educao e sade,o desemprego, o escasso impacto redistributivo dos

    investimentos e gastos sociais no fcil venceras resistncias e dar problemtica social o desta-que que merece(12).

    Com este estudo, procurou-se identificar eanalisar as diferentes operacionalizaes dos estu-dos sobre desigualdades sociais e de sade pro-duzidos no Brasil, aps a criao do SUS, portantosob a perspectiva de trabalhar-se com a promoode sade no Pas. Tendo em vista a importncia dotema, surpreendeu a escassez da produo cient-fica, no perodo selecionado, embora isso possa estar

    associado ao fato de ter-se restringido as buscassomente aos descritores, e no a palavras comunsnos textos.

    No que se refere aos eixos noo de sade,noo de desigualdades sociais e noo dedesigualdades de sade, de maneira geral, o quese pde observar foi uma concepo de sade predo-minantemente associada ausncia de doenas oudanos, o que, como anteriormente mencionado,parece reflexo de uma abordagem histrica sobrea dimenso biolgica da sade humana que ainda

    se mantm muito difundida na Medicina tradicionale no Sistema de Sade. Esta concepo projetadana noo de desigualdades em sade, quando, namaioria dos estudos, est relacionada ao acesso eutilizao dos servios mdicos, ou seja, a sadecomo resultado do combate s doenas, tanto emrelao preveno quanto recuperao.

    Outro aspecto importante a ressaltar a formacomo so utilizados os indicadores para medir asdesigualdades sociais: no caso dos estudos analisa-dos, foi utilizada majoritariamente a varivel renda.

    Nesse sentido, a reflexo necessria a ser feita ade [...] no aceitar os limites do economicismo emostrar que as diferenas de renda so apenas umdos aspectos do fenmeno da desigualdade, que seespraia em uma srie de diferentes reas, comoacesso educao, sade, previdncia social, aoemprego e a tudo o que relevante para a qualidadede vida(12).

    Embora vrios estudos incorporem indicado-res sociais, estes no expressam a forma como osatores sociais lidam com essas variveis na vida

  • 8/3/2019 desigualdades_sociais_e_saude_no_brasil[1]

    8/8

    Santos DL,Gerhardt TE. Desigualdades sociais e sade no Brasil: produo cientfica no contextodo Sistema nico de Sade. Rev Gacha Enferm., Porto Alegre (RS) 2008 mar;29(1):129-36.136

    cotidiana. Torna-se imprescindvel descartar oraciocnio mecanicista de que bastaria crescimentoeconmico para serem superados os problemas desade da populao.

    Enfim, com este estudo, encontrou-se uma

    produo cientfica sobre o tema das desigualdadessociais e de sade, como outrora, focada na dimen-so biolgica da sade humana, considerando-se odiscurso da sade pblica que, desde a criao doSUS, articula-se em torno da idia de promoo dasade, encontrando-se em desalinho com a propostade integralidade do sistema de sade, ao desconsi-derar o dinamismo de um estado que sofre influn-cias de diversos fatores sociais e ambientais, e nosomente biolgicos.

    Portanto, o desafio persiste e a discusso ain-

    da necessria. Se as variveis socioeconmicas soindispensveis, o tema das desigualdades sociais esuas relaes com a sade multifacetado, e, paraavanar na discusso e em propostas efetivas deao, preciso incluir necessariamente variveis deoutros campos, como o da poltica, do social, docultural e do ambiental.

    REFERNCIAS

    1 Santos DL. Produo cientfica sobre desigualdades

    sociais e de sade no Brasil, aps a criao do Sistemanico de Sade. In: Cogo ALP, Alves RHK, MirandaCL, Medeiros MD. Coletnea de trabalhos deconcluso do Curso de Enfermagem: primeirosemestre de 2006. [Em CD-ROM]. Porto Alegre:Escola de Enfermagem, Universidade Federal do RioGrande do Sul; 2006.

    2 Programa das Naes Unidas para o Desenvol-vimento. Relatrio de Desenvolvimento Humano.Braslia (DF); 2005.

    3 Nunes A, Santos JRS, Barata RB, Vianna SM. Me-dindo as desigualdades em sade no Brasil: umaproposta de monitoramento. Braslia (DF): Organi-zao Pan-Americana de Sade; 2001.

    4 Duarte EC, Schneider MC, Paes-Sousa R, RamalhoWM, Sardinha LMV, Silva Junior JB, et al.Epidemiologia das desigualdades em sade no Brasil:um estudo exploratrio. Braslia (DF): OrganizaoPan-Americana da Sade; 2002.

    5 Gianini RJ. Desigualdade social e sade na AmricaLatina. So Paulo: Annablume; 1995.

    6 Almeida Filho N. Desigualdades em sade segundocondies de vida: anlise da produo cientfica naAmrica Latina e Caribe e bibliografia anotada.Washington (DC): Organizao Pan-Americana deSade; 1999.

    7 Minayo MCS. O desafio do conhecimento, pesquisaqualitativa em sade. So Paulo: Hucitec; 1992.

    8 World Health Organization. Carta de Ottawa. In:Ministrio da Sade. Promoo da Sade: Cartas deOttawa, Adelaide, Sundsvall e Santa F de Bogot.Braslia (DF); 1998. p. 11-8.

    9 Helman CG. Cultura, sade e doena. 4 ed. PortoAlegre: Artes Mdicas; 2003.

    10 Neri M, Soares W. Desigualdade social e sade no Bra-sil. Cadernos de Sade Pblica 2002;18(Supl):77-87.

    11 Comisso Nacional sobre Determinantes Sociais daSade. Iniqidades em sade no Brasil: nossa maisgrave doena. Rio de Janeiro; 2006.

    12 Faria V. Prefcio. In: Kliksberg B. Desigualdade naAmrica Latina: o debate adiado. So Paulo: Cortez;2001. p. 9-11.

    Endereo do autor / Direccin del autor /Authors address:

    Daniel Labernarde dos SantosRua Papa Joo XXIII, 603, ap. 404AVila Cachoeirinha94910-170, Cachoeirinha, RSE-mail:[email protected]

    Recebido em: 15/03/2007Aprovado em: 23/11/2007