desenho urbanístico modernista

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  • 7/22/2019 Desenho Urbanstico Modernista

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    Desenho Urbanstico Modernista e Viso Teleolgica de Histria

    Elson Manoel Pereira, Doutor em Urbanismo IUGDepartamento de Expresso GrficaUniversidade Federal de Santa Catarina

    Campus Universitrio Trindade88010-970 Florianpolis, SCe-mail : [email protected]

    Abstract

    Thispaper present an analysis of moderns urban designers history vision. It shows that theyhave a teleological history vision: they work in a retroactive way in the design conception,that is , from the desired objective to the existent conditions. Their drawings present a visionof the idealized future. This paper analizes three design projects: the Voisin plan by LeCorbusier in 1925, and two other projects in Florianopolis in 1952 and 1969.

    Key Words

    City, Modern, Urbanism, Urban Design

    Resumo

    Este trabalho apresenta uma anlise da viso de histria de alguns urbanistas ditosmodernistas. Mostra que eles tm uma viso de histria dita teleolgica : ao elaboraremseus projetos, eles trabalham de forma retroativa, quer dizer, do fim imaginado em direos condies existentes. Seus desenhos apresentam uma viso de futuro idealizada. Soanalisados trs projetos : o plano Voisin de Le Corbusier de 1925 e os projetos paraFlorianpolis de 1952 e 1969.

    Palavras Chave

    Cidade, Modernismo, Urbanismo, Desenho Urbano

    In troduo

    No urbanismo, o modernismo comea por se distanciar das normas e das formas davida urbana burguesa, as quais ele tenta subverter, propondo, ao mesmo tempo, um futuroradicalmente diferente e um meio para alcan-lo. Trabalhando de forma retroativa, querdizer, do fim imaginado em direo s condies existentes, os modernistas possuem umviso de histria chamada Viso Tlologica.

    Esta teleologia possui vrias conseqncias : primeiramente ela gera um dosfundamentos do urbanismo modernista : a descontextualizao total, pois ele toma umfuturo imaginado como base critica par avaliar o presente. Assim, a viso modernista dehistria, paradoxalmente, nega a prpria histria pois lhe falta a noo de contexto histrico.Em segundo lugar, a viso teleolgica da histria dispensa uma considerao dos agentes ede suas intenes, de suas origens e de seus conflitos. O nico tipo de ao que o

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    modernismo admite a interveno do prncipe (o dirigente poltico) e do gnio (oarquiteto/urbanista).

    Essa interveno significa, na realidade, uma negao da histria, pois ela d aoprncipe e ao gnio o poder de negar o passado atravs da referncia ao futuro imaginado.

    Assim, a relao do modernismo com a histria estranhamente abstrata.

    A viso de futuro dos urbanistas chamados modernistas, na maioria das vezes materializada por um desenho da cidade imaginada. Perspectivas monumentais soapresentadas como uma maneira de contrapor cidade existente -"plena de problemas"-,uma cidade ideal, livre de qualquer entrave.

    Neste sentido, este artigo procurar mostrar trs projetos urbansticos modernistas,atravs dos desenhos apresentados por seus idealizadores : o plano Voisinpara Paris de1926, elaborado por Le Corbusier; o plano para Florianpolis de 1952 elaborado pelosarquitetos Edvaldo Pereira Paiva, Edgar Graef e Demtrio Ribeiro e o projeto paraFlorianpolis de 1969 elaborado pelo arquiteto Gama d'Ea.

    O Plano Vois in de Paris 1925

    Le Corbusier intenciona consagrar o pavilho da Revista lEsprit Nouveau para aexposio Internacional de Artes Decorativas de Paris, na dcada de 20, ao urbanismo e habitao. Para financi-o, ele encontra-se com os diretores das empresas ligadas ao setorautomobolstico Citron, Peugeot e Voisin. M. Mongeron, administrador delegado dosAroplanes G. Vosin aceita financiar tal empreendimento. O resultado um projetourbanstico para o centro de Paris, conhecido como plano Vosin.

    Figura 1: O plano Voisin para o centro de Paris 1925Fonte : Le Corbusier. Urbanisme. Paris : G.Grs et Cie, 1925

    O futuro imaginado para Paris : Le Corbusier descreve o seguinte cenrio para o

    centro de Paris :

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    (o plano) compreende a criao de elementos novos essenciais :uma cidade de negcios e uma cidade de residncias (...) A Estaoferroviria central se encontra entre a cidade de negcios a deresidncias (...). A cidade de residncias situada a oeste da novaestao traria ao centro de Paris, bairros magnificamente aerados,onde se elevariam 30 ou 40 metros de altura, as sedes do cmando

    poltico : os ministrios reagrupados. As salas de reunio, deassociaes e as de divertimentos. Enfim, os grandes hotis deviajantes. 1

    A anlise do presente (1922) a partir do futuro imaginado : o croquis perspectivoapresentado por Le Corbusier para Paris apresenta uma cidade aerada, organizadasegundo funes, com os edifcios espaados uns dos outros, e grandes vias de circulao. este cenrio idealizado por Le Corbusier que lhe serve de parmetro de anlise da cidadede Paris que lhe contempornea. Sua avaliao da capital francesa, mostra uma cidadedoente : a cidade caminha para um impasse porque no tratou que de pequenos ferimetos,enquanto que seu pulmo e seu corao esto doentes para morrer (255). Mas ao invs deconsiderar as condies dadas da cidade e ento propor solues, ele, por trabalhar comuma viso teleolgica, procura nos problemas existentes no espao urbano justificativa parasuas propostas. Ele mostra uma cidade etoufe: uma verdadeira necessidade delibertao impulsiona a cortar, a abrir, a furar perspectivas (254); com problemas decirculao :circulai, circulai. Precisa-se de remdios, propem-se remdios(243); onde osedifcios se justapem e que, segundo ele, se degradam uns aos outros : os bairros doMarais, dos Archives, do Templo, etc., seriam destrudos. Mas as igrejas, as mais antigasso preservadas. Elas se apresentariam no meio de grandes reas verdes; nada de maissedutor (272), enfim, mostra uma cidadeonde a mistura de funes se constitue no umalgica natural da cidade mas um problema de ordem. Desta forma, Le Corbusier avalia acidade segundo sua propostas urbansticas que vinham sendo delineadas desde seusprimeiros escritos na revista lEsprit Nouveau. Os desenhos perspectivos de une ville

    contemporaine pour trois millions dhabitants! j haviam materializado sua concepo decidade e funcionado como forte elemento ideolgico, fazendo assim, inmeros discpulos.

    O Plano de Demtrio Ribeir o para Flo rianpolis /SC - 1952

    Em 1952, num outro contexto, mas fortemente influenciado pelas idias de LeCorbusier, neste momento fortemente difundidas pela Carta de Atenas, Florianpolis, capitaldo estado de Santa Catarina, recebe um plano urbano com caractersticas claramentemodernistas.

    A administrao municipal de Florianpolis engaja em 1951 um grupo de arquitetos

    de Porto Alegre para elaborar aquele que seria o primeiro plano diretor da cidade. A equipeera dirigida por Edvaldo Pereira Paiva e completada por Edgar Graef e Demtrio Ribeiro.Esta equipe fazia parte da prefeitura municipal de Porto Alegre e preparava um plano paraesta cidade. Edvaldo Paiva e Demtrio Ribeiro haviam seguido um curso deaperfeioamento em urbanismo em Montevidu. A metodologia de planejamento urbanoensinada no Uruguai era a mais avanada na poca, com claras tendncias modernistas.

    Diferentemente do plano de Le Corbusier para o centro de Paris, o plano paraFlorianpolis abrangia todo o territrio urbanizado e apresentava uma estratgia dedesenvolvimento para a cidade. No entanto, a exemplo do plano Voisin, o desenhoperspectivo apresentado para o centro da cidade de Florianpolis, desconhece e/oudesconsidera toda a histria arquitetnica e urbanstica da cidade e serve de parmetro para

    1LE CORBUSIER. Urbanisme. Paris : G.Grs et Cie, 1925, pp 262,

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    a avaliao das condies existentes. So as grandes avenidas, os edifcioshigienicamente construdos e as funes urbanas racionalmente distribudas no espaoque servem de parmetros para a avaliao da cidade. A concepo do plano precede aavaliao das condies existentes.

    Estas informaes se tornam incontestveis se compararmos o projeto idealizado(figura 2) com uma foto da poca (foto 1).

    Figura 2 : O projeto para Florianpolis de 1952Fonte : PAIVA, Edvaldo, RIBEIRO, Demtrio e GRAEFF, Edgar. Florianpolis : Plano Diretor. Porto

    Alegre : Imprensa Oficial do Estado do Rio Grande do Sul, 1952.

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    Photo 1 : Florianpolis dans les annes cinquante.Source: VEIGA, 1993, op. cit., p.309

    O Plano de Gama d'Ea para Flo rianpo lis 1969

    Em 1969, a prefeitura municipal de Florianpolis, descontente com a diferena entrea cidade que se estabelecia e o plano idealizado no incio da dcada anterior, solicita aostcnicos municipais uma reviso do Plano Diretor. Da reviso do plano, no entanto, osobjetivos se ampliaram para a eleborao de um novo plano.

    O Plano Diretor elaborado ratifica o plano idealizado em 1952 e apresenta a mesmaviso de histria daquele. O desenho que materializa o projeto, mais uma vez revela adistino entre o projetado pelos urbanistas e a cidade existente. Ele apresenta um futurodesconexo do presente e do passado e serve de avaliao dos problemas encontrados nacidade quando da sua elaborao.

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    Figura 3 : Perspectiva do Plano Diretor de Florianpolis de 1969.Fonte : ESPLAN. Plano de Desenvolvimento da Area Metropolitana de Florianpolis. Florianpolis :

    exemplar datilografado, 1971.

    A frente do Plano Diretor de Florianpolis encontra-se o urbanista Luiz Felipe GamadEa. Militar de carreira, ele estudou arquitetura e urbanismo na Escola de Arquitetura eUrbanismo da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. O currculo de seu curso tinha sidoelaborado por Lcio Costa e o perodo no qual ele permanece na escola coincide com operodo de construo de Braslia. Esses fatos evidenciam uma forte influncia domovimento modernista sobre Gama dEa.

    Seu diagntico da cidade de Florianpolis muito semalhante quele que LeCorbusier fez para Paris durante a elaborao do Plano Voisin :

    a esclerose est presente em todos os espaos urbanos e de formageneralizada sem condies de modificao pelo processo rotineirode ao. (...) No adianta melhorar os acessos porque impossvel oaumenro da capacidade de fluxo da ponte. Admitindo a hiptese de

    que esse problema fosse resolvido por um recurso tcnicomiraculoso, o xadrez de suas ruas estreitsima do centro tradicionalteria de ser completamente modificado, com a demolo de todo ocentro, o que impossvel tcnica e econmicamente" 2

    Con sideraes fin ais

    A perspectiva foi um instrumento usado pelos projetistas de cidades, sobretudo noMovimento Modernista, para mostrar suas idias para outros tcnicos ou para aspopulaes envolvidas. Esses desenhos eram ricos em componentes ideolgicos e podemservir de anlise da viso desses urbanistas. Eles so simpliicadores da realidade ; elesapresentam uma lgica ortogonal de ordem ; eles representam uma negao da cidade

    2ESPLAN , op.cit., p.123.

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    mista, da cidade complexa, da cidade densa e appropriada por sua populao. Essesdesenhos so normamente limpos , ordenados , vazios de pessoas .

    Igualmente, esses desenhos denunciam a viso de histria de seus conceptores ; aoprojetar uma cidade com essas caractersticas, os tcnicos envolvidos se mostram maiscomprometidos com suas vises particulares de cidade do que com a compreenso de umarealidade rica em componentes culturais, histricos e complexos. A viso teleolgica decidade que esse artigo quiz usar como instrumental analtico para estudar os projetosanalisados, se mostra com uma ferramente til de compreenso da ideologia que permeiamuitos desses estudos de cidade.

    Refernc ias B ib lio grficas

    1. ESPLAN. Plano de Desenvolvimento da Area Metropolitana de Florianpolis. Florianpolis :exemplar datilografado, 1971.

    2. HOLSTON, James. A cidade Modernista. So Paulo : Companhia das Letras, 1993.3. Le Corbusier. Urbanisme. Paris : G.Grs et Cie, 1925

    4. pnlvlbodyPAIVA, Edvaldo, RIBEIRO, Demtrio e GRAEFF, Edgar. Florianpolis : Plano Diretor.Porto Alegre : Imprensa Oficial do Estado do Rio Grande do Sul, 1952.

    5. PEREIRA. Elson Manoel. Histoire dun outil damnagement : le zonage . Grenoble : Tese deDoutorado, 1999.