desafios da supervisão e dos estágios nos espaços sócio

11
DESAFIOS DA SUPERVISÃO E DOS ESTÁGIOS NOS ESPAÇOS SÓCIO-OCUPACIONAISDESAFIOS DA SUPERVISÃO E DOS ESTÁGIOS NOS ESPAÇOS SÓCIO-OCUPACIONAIS DESAFIOS DA SUPERVISÃO E DOS ESTÁGIOS NOS ESPAÇOS SÓCIO- OCUPACIONAIS Alzira Baptista Lewgoy Inicialmente eu quero cumprimentar a todas e a todos presentes, saudando-os com o meu bom-dia, e em especial agradecer à comissão organizadora do I º ENCONTRO ESTADUAL DO FÓRUM DE SUPERVISÃO EM SERVIÇO SOCIAL pelo convite para participar como palestrante neste Encontro. Quero também expressar a minha satisfação e alegria por estar aqui na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, lugar em que trabalhei por um período de 13 anos e do qual guardo intensas saudades, boas recordações e muitos aprendizados. Alegria também por estar testemunhando a materialização do Fórum Estadual de Supervisores do Rio Grande do Sul. Quando Vice-Presidente da Região Sul I na gestão da ABEPSS 2009-2010, em parceria com o GT de Formação do 10º CRESS, a constituição desse Fórum foi uma das metas almejadas e alcançadas. O Fórum é uma instância de discussão, espaço para aglutinar docentes e profissionais e estudantes, como uma estratégia política de fortalecimento e permanência do debate sobre as questões do estágio supervisionado, bem como a garantia de construção de alternativas comuns à qualificação. Assim, para falar sobre “os desafios da supervisão e dos estágios nos espaços sócio-ocupacionais”, busco inspiração em Carlos Drumonnd de Andrade, que diz: “[...] Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considere a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas [...].” O poeta indica que um dos desafios para os profissionais e para as profissões é compreender o seu tempo presente, e, nesse sentido, é fundamental pensar e sintonizar a supervisão, os estágios e os espaços sócio- ocupacionais com o Serviço Social e os processos de Formação e Exercício Profissional.

Upload: rosiaparecida13317

Post on 18-Jan-2016

1 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Desafios Da Supervisão e Dos Estágios Nos Espaços Sócio - Alzira Mª Baptista Lewgoy

TRANSCRIPT

Page 1: Desafios Da Supervisão e Dos Estágios Nos Espaços Sócio

DESAFIOS DA SUPERVISÃO E DOS ESTÁGIOS NOS ESPAÇOS SÓCIO-OCUPACIONAISDESAFIOS DA SUPERVISÃO E DOS ESTÁGIOS NOS ESPAÇOS SÓCIO-OCUPACIONAIS

DESAFIOS DA SUPERVISÃO E DOS ESTÁGIOS NOS ESPAÇOS SÓCIO-OCUPACIONAIS Alzira Mª Baptista Lewgoy Inicialmente eu quero cumprimentar a todas e a todos presentes, saudando-os com o meu bom-dia, e em especial agradecer à comissão organizadora do I º ENCONTRO ESTADUAL DO FÓRUM DE SUPERVISÃO EM SERVIÇO SOCIAL pelo convite para participar como palestrante neste Encontro. Quero também expressar a minha satisfação e alegria por estar aqui na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, lugar em que trabalhei por um período de 13 anos e do qual guardo intensas saudades, boas recordações e muitos aprendizados. Alegria também por estar testemunhando a materialização do Fórum Estadual de Supervisores do Rio Grande do Sul. Quando Vice-Presidente da Região Sul I na gestão da ABEPSS 2009-2010, em parceria com o GT de Formação do 10º CRESS, a constituição desse Fórum foi uma das metas almejadas e alcançadas. O Fórum é uma instância de discussão, espaço para aglutinar docentes e profissionais e estudantes, como uma estratégia política de fortalecimento e permanência do debate sobre as questões do estágio supervisionado, bem como a garantia de construção de alternativas comuns à qualificação.

Assim, para falar sobre “os desafios da supervisão e dos estágios nos espaços sócio-ocupacionais”, busco inspiração em Carlos Drumonnd de Andrade, que diz: “[...] Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considere a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas [...].” O poeta indica que um dos desafios para os profissionais e para as profissões é compreender o seu tempo presente, e, nesse sentido, é fundamental pensar e sintonizar a supervisão, os estágios e os espaços sócio-ocupacionais com o Serviço Social e os processos de Formação e Exercício Profissional. O Serviço Social é uma profissão de caráter interventivo e educativo, e a supervisão de estágio tem uma dimensão pedagógica, teórica, técnico-política, que constitui o fio condutor do processo. A supervisão de estágio está inserida na dinâmica, na organização e gestão do trabalho organizacional e, portanto, sofre os impactos deste modelo. O estágio supervisionado tem uma autoimplicação entre suas dimensões formativas e interventivas. Nessa perspectiva, é necessário identificar as conexões e as alterações entre as partes e o sentido de cada parte e do todo tendo em vista que a totalidade concreta não é um todo dado, mas um movimento de autocriação permanente. Isso implica a historicização dos fenômenos que a compõem, expressando a “[...] realidade como um todo estruturado, dialético, no qual, ou do qual, um fato qualquer pode vir a ser racionalmente compreendido [...]” (KOSIK, 2002, p. 44).Nesse sentido, a exposição sobre “Os desafios da supervisão e dos estágios nos espaços sócio-ocupacionais” nos remete a uma imersão e uma contextualização dos aspectos que balizam a supervisão como uma das competências profissionais e que tem, no estágio supervisionado em Serviço Social, a condensação de uma série de elementos a serem problematizados no que se refere à indissociabilidade entre ambos para a formação e para o trabalho do assistente social nos espaços sócio-ocupacionais. Assim, é necessário: a) contextualizar as transformações dos processos macroscópicos e

Page 2: Desafios Da Supervisão e Dos Estágios Nos Espaços Sócio

profissionais para compreender as suas repercussões no trabalho cotidiano dos supervisores nos espaços sócio-ocupacionais; b) dar visibilidade aos desafios postos ao processo de supervisão de estágio, que requer a indissociabilidade entre estágio e supervisão acadêmica e de campo, ou seja, desafios diante:• Das contrarreformas do Estado e dos impactos no modelo de organização e gestão do trabalho no que se refere à questão da qualidade e da competência profissional;• Do processo de supervisão na materialização do projeto político profissional, do trabalho em tríade, da concepção de supervisão de estágio e da articulação teórico-prática.1. Da contrarreformas do Estado e os [e dos] impactos do modelo de organização e gestão do trabalhoQuero ressaltar neste 1° ponto a compreensão de que as contrarreformas implementadas pelo Governo Federal alteraram significativamente as condições de trabalho de todos os trabalhadores, tanto na esfera pública como na privada. Como? Através da extinção de postos de trabalho e serviços, das demissões, da contenção de salários, da corrida à aposentadoria, do aumento dos índices de desemprego e, ainda, de uma alta precarização das condições do exercício profissional, o que repercute na categoria dos assistentes sociais como trabalhadores assalariados. Essa lógica rebate nos espaços ocupacionais dos assistentes sociais que vêm sofrendo significativas mutações e, automaticamente, trazendo imensos e renovados desafios, tais como:

a) Visualização da lógica mercantilizada e empresarial impressa notrabalho cotidiano que é executado nos espaços sócio-ocupacionais. O desafio está na reflexão sobre a concepção de gestão adotada nas organizações que se expressa pela multifuncionalidade, pela polivalência das atividades cotidianas, impactando nas condições objetivas do trabalhador, na identificação da diversidade de atividades e consequente dificuldade de gerenciar o tempo, de localizar as doenças oriundas do trabalho e causadoras de stress, e pela crítica às posturas de isolamento do trabalhador advindas de atividades isoladas, ou seja, não coletivas, que é a direção do trabalho profissional do assistente social;

b) Compreensão da concepção de qualidade e de competência profissional, porque são termos tão rapidamente difundidos, que perderam seu significado. Utilizados em contextos tão diferentes e por atores políticos com sentidos muitas vezes opostos, volatilizaram-se, a ponto de não sabermos mais qual o seu significado, que caminhos iluminam e a que finalidades nos conduzem (PIMENTA, 2005). Visualizamos o caráter polissêmico da qualidade pelo significado dessa expressão em situações que podem mobilizar reivindicações de diferentes categorias profissionais, como os assistentes sociais e os docentes que desejam melhores salários e mais recursos; ela também é expressa pelos acadêmicos, que almejam um resultado educacional a menor custo ou gratuitamente, e pelos dirigentes dos espaços sócio-ocupacionais, que buscam uma força de trabalho mais disciplinada e flexibilizada. O desafio está no discernimento entre o caráter “retórico” da qualidade e o caráter ideológico do discurso, e na superação do contraponto do discurso competente, ou seja, na apreensão de que a qualidade exige comprometimento com a compreensão da desigualdade social crescente, em vista das escassas alternativas decorrentes da acirrada disputa pelo mercado de trabalho, o que contribui para dissuadir o pensamento crítico, dificultando, assim, as iniciativas de enfrentamento.

Nesta perspectiva, o processo da supervisão e dos estágios nos espaços sócio-

Page 3: Desafios Da Supervisão e Dos Estágios Nos Espaços Sócio

ocupacionais não pode ser reduzido à mera preparação de tarefas, ação atrelada à burocracia, aos ditames mecânicos, rotineiros e essencialmente técnicos, tendo-se o cuidado para não adotar a supervisão numa perspectiva controladora. Dessa forma, é necessário processar a supervisão de estágio numa perspectiva formativa, na direção da democratização das decisões e da emancipação política dos sujeitos, convergentes com o projeto ético-político. É igualmente necessário garantir a continuidade dos projetos de intervenção, o alcance dos objetivos e avaliar e qualificar a efetividade e o alcance da prestação de serviços, na direção de esforços para a apreensão crítica da realidade e para a compreensão da particularidade das expressões da questão social numa perspectiva de totalidade.

c) Reflexão sobre o cotidiano e a organização do trabalho do assistente social, porque a cotidianidade do processo de supervisão de estágio apresenta uma multiplicidade de atividades que, ao se tornarem rotineiras e programáveis, correm o risco de absorver e ofuscar o exercício de pensar sobre o realizado, de forma alienante e alienadora. Kosik (2002) refere-se a essas manifestações como a “práxis das operações diárias”, em que o homem é empregado no sistema de coisas já prontas, isto é, torna-se um serviçal dos aparelhos, do sistema, de tal modo que ele próprio se torna objeto de manipulação, pois a práxis da manipulação transforma os homens em manipuladores e objetos de manipulação. Nesse sentido, é necessária a clareza do não isolamento entre os espaços sócio-ocupacionais e destes com a Universidade e o não distanciamento entre docentes, supervisor acadêmico e supervisores de campo para não reproduzir uma percepção ainda fragmentada da relação e uma concepção dicotômica entre teoria e prática, academia e campos de estágio.

2. Do processo de supervisão na materialização do projeto político profissional, do trabalho em tríade, da concepção de supervisão de estágio e da articulação teórico-práticaA direção ética, teórica, técnica e política do processo ensino-aprendizagem do estágio supervisionado pressupõe: concepção, objetivos, estratégias pedagógicas e metodológicas, conhecimento das expressões da questão social e da realidade dos campos de estágio, conhecimento dos saberes profissionais das áreas trabalhadas, incentivo à investigação, interlocução com outras áreas e saberes, e articulação constante e programática entre os sujeitos do processo – alunos, professores, supervisores acadêmicos e de campo e a coordenação de estágio. Sobre a concepção da supervisão de estágio busco referência nos documentos da ABESS/CEDEPSS, que diz ser “[...] um processo didático-pedagógico que se consubstancia pela indissociabilidade entre estágio e supervisão acadêmica e profissional” (1997, p. 62), e no texto da Política Nacional de Estágio (PNE), que caracteriza este processo como uma atividade “[...] teórico-prática, efetivada por meio da inserção do estudante nos espaços sócio-institucionais nos quais trabalham os assistentes sociais, capacitando-o nas dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa” (2010, p. 14). Ainda sobre a concepção de supervisão de estágio Lewgoy (2009) apresenta da seguinte maneira: “Espaço de mediações entre formação e exercício profissional”, ou seja, processo complexo de mediações que supõe apreensão da realidade concreta da sociedade, da profissão, da universidade, dos acadêmicos, do processo de ensino-aprendizagem, dos campos de estágio e dos usuários. É um escopo de possibilidades e de apreensão da totalidade social em suas dimensões de universalidade, particularidade e singularidade, e um “espaço afirmativo de formação” por constituir-se na direção da

Page 4: Desafios Da Supervisão e Dos Estágios Nos Espaços Sócio

garantia de um espaço efetivo, de não-tutela, de autonomia, de acolhimento, de fruição, de referência, de criatividade e de ensino-aprendizagem, pela intencionalidade, a orientação, o acompanhamento sistemático e de ensino. Isto deve ser feito na perspectiva de garantir ao aluno o desenvolvimento da capacidade de produzir conhecimentos sobre a realidade com a qual se defronta no estágio, de intervir nessa realidade, operando políticas públicas /sociais e outros serviços. Esse reforço é ainda referendado por Lewgoy (2009), ao afirmar que o processo de supervisão se constitui pela: articulação constante e programática entre os sujeitos do processo (supervisores acadêmico e de campo, alunos e coordenador de estágio), indissociabilidade entre a supervisão acadêmica e a de campo ou profissional, na atividade de estágio, garantia da supervisão grupal (pequenos grupos), por potencializar o exercício contínuo de: saber-ouvir, trabalhar em equipe, expor críticas e posicionar-se diante delas, compartilhar construção de conhecimentos, ruptura, por parte dos assistentes sociais-supervisores de campo, da concepção de que a supervisão é sobretrabalho, identificada e reconhecida como mais uma atividade a ser desempenhada, caracterizando-se não como atividade que compõe o cotidiano de trabalho desses profissionais e a interlocução com outras áreas.Dando materialidade à operacionalidade do processo de supervisão de estágio, Lewgoy (2009) diz que é imprescindível o conhecimento dos instrumentos de trabalho por parte dos que estão envolvidos no processo, tais como: o Projeto Político-Pedagógico do curso, o(s) plano(s) de ensino da(s) disciplina(s); o(s) projeto(s) de trabalho elaborado(s) entre estudantes e supervisores; a Lei de Regulamentação da Profissão; o Código de Ética Profissional; as Diretrizes Curriculares (1996); a Lei nº 11.788, de 25/09/2008, que dispõe sobre Estágio dos Estudantes; a Resolução CFESS nº 533,/29/9/2008, que regulamenta a supervisão direta de estágio; a Política Nacional de Estágio – PNE (15/52009); as Leis/Estatutos/Políticas: a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), a Lei Orgânica da Saúde, a Lei da Assistência Social, a Lei da Pessoa Portadora de Deficiência, a Lei de Educação Ambiental, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Política Nacional do Idoso, a Política Nacional de Saúde Mental e as bibliografias básicas que alicerçam os conteúdos sobre a Questão Social, as Políticas Sociais e o Processo de Trabalho. E, por fim, deve-se salientar a adoção das Concepções sobre Formação Profissional, de Ensinar e de Aprender e a do estágio supervisionado. Além disso, o conhecimento e problematização da realidade dos campos de estágio pela familiarização com a instituição, com os programas e projetos e com a política social, as expressões da Questão Social e os saberes profissionais das áreas trabalhadas nos campos sócio-ocupacionais.Dessa forma, visualizamos que os desafios postos estão na articulação orgânica do trabalho da supervisão de campo nas atividades de estágio com o Curso de Serviço Social e com a Coordenação do Departamento de Estágio, estão em como manter a concepção de Supervisão de Estágio em Serviço Social, no contexto da precarização e desregulamentação do trabalho e da redução dos direitos nos espaços socio-ocupacionais. É importante destacar, neste contexto, que a PNE na área do Serviço Social se caracterizou como uma demanda histórica e também um desafio para a categoria profissional, colocando para a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social – ABEPSS a direção de construir parâmetros orientadores para a integralização da formação profissional do assistente social, constituindo-se, assim, como estratégica na defesa do projeto de formação e exercício profissional em consonância com o projeto-ético político do Serviço Social. Assim, após a sua publicação em 2010 nos sites das Entidades Representativas da Profissão (CRESS, ABEPSS) e na Revista Científica da área o maior desafio é sua implementação pela

Page 5: Desafios Da Supervisão e Dos Estágios Nos Espaços Sócio

importância estratégica de reafirmar as DCs que balizam o trabalho profissional nos espaços sócio-ocupacionais.Sobre a relação teoria-prática no processo de supervisão de estágio, busco referência não só na bibliografia científica da área, mas também na literatura, como a poesia, a música, que contêm textos que ensinam a pensar e localizar este assunto no cotidiano. Gostaria de começar a falar sobre este tema através do seguinte poema de Cora Coralina:

Conclusões de AninhaEstavam ali parados. Marido e mulher.Esperavam o carro. E foi que veio aquela da roçatímida, humilde, sofrida.Contou que o fogo, lá longe, tinha queimado seu rancho,e tudo que tinha dentro.Estava ali no comércio pedindo um auxílio para levantar novo rancho e comprar suas pobrezinhas.

O homem ouviu. Abriu a carteira, tirou uma cédula, entregou sem palavra.A mulher ouviu. Perguntou, indagou, especulou, aconselhou,se comoveu e disse que Nossa Senhora havia de ajudarE não abriu a bolsa.Qual dos dois ajudou mais?

Donde se infere que o homem ajuda sem participar e a mulher participa sem ajudar.Da mesma forma aquela sentença:"A quem te pedir um peixe, dá uma vara de pescar."Pensando bem, não só a vara de pescar, também a linhada,o anzol, a chumbada, a isca, apontar um poço piscosoe ensinar a paciência do pescador.Você faria isso, Leitor?Antes que tudo isso se fizesseo desvalido não morreria de fome?Conclusão: Na prática, a teoria é outra.

Um dos ícones da década de 1980 sobre o tema supervisão de estágio, a professora Iraci Junqueira, evidencia sua preocupação quando diz: “[...] o método dialético materialista é excelente como instrumento de análise da realidade, mas não instrumentaliza para a prática” (JUNQUEIRA, 1980, p. 27 ). A Profª Ana Maria Vasconcelos, na sua obra “A prática do Serviço Social: cotidiano, formação e alternativas na área da saúde”, mostra que “[...] para os assistentes sociais, a teoria não tem lugar, necessidade, valor, mérito ou interesse, ou seja, não há exigência de referencial teórico para se trabalhar como assistente; a teoria não é uma necessidade, não é indispensável. [...] Para alguns a prática é colocada como a ‘coisa mais importante’ que pode e não exige ser pensada, projetada, na medida em que os autores é que se distanciam da prática e não os assistentes sociais que se distanciam da teoria” (VASCONCELOS, 2002, p. 349).A professora Cláudia Mônica, nossa presidente atual da ABEPSS, em sua obra “Na prática a teoria é outra? Mitos e dilemas na relação entre teoria e prática, instrumentos e técnicas no Serviço Social”, relata que, como supervisora, foi

Page 6: Desafios Da Supervisão e Dos Estágios Nos Espaços Sócio

[...] abordada em sala de aula por aluno que tinha ingressado no estágio. Eles se diziam decepcionados com o que estavam presenciando nos campos, uma vez que em nenhum deles havia uma intervenção condizente com o que estavam apreendendo na universidade [...] Ouvi então repetirem: parece que na prática a teoria é outra (SANTOS, 2010, p. 2).

As narrativas aqui apresentadas expressam a dificuldade de apreensão entre teoria e prática e, consequentemente, da relação entre as dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa da intervenção profissional, o que vai rebater, no processo do estágio supervisionado, na questão de como trabalhar estas dimensões na unidade e diversidade, e não na identidade. A teoria e a prática são apreendidas, conforme Santos (2010, p. 5):

Teoria (Não é...) Prática (Não é...)

a) Algo que se transforma em prática de forma imediata, portanto “teoria de ruptura” igual a “prática de ruptura”;

b) Algo que, por si só, oferece os procedimentos para a intervenção. Ou seja, que da teoria se retiram, também de forma imediata, instrumentos próprios a ela;

c) Análoga à formação profissional a) Sinônimo de instrumentos e técnicas, ou seja, resume-se na utilização de instrumentos e técnicas;

b) Análoga ao mercado de trabalho exclusivamente;

c) Reduzida à prática profissional.

Portanto, é necessário compreender que unidade não é identidade, mas uma relação profunda na diferença. A não compreensão da unidade entre teoria e prática por parte dos supervisores e alunos, mesmo usando como referência as DCS (1996), continuará reforçando os seguintes equívocos: a) considerar que os instrumentos e técnicas são geridos de acordo com os referenciais teóricos; em outras palavras, que as direções teóricas nos emprestam os instrumentos e técnicas específicos a elas; b) requisitar modelos prontos para a intervenção; c) dificultar a criação de novos instrumentos e técnicas adequadas; d) apropriar-se, de forma problemática, dos instrumentos herdados de nossa tradição profissional (SANTOS, 2010, p. 6).

Essa maneira de conceber a teoria e a prática vem tomando vulto face às atuais exigências do mercado e à conseqüente mercantilização da formação profissional. Esta posição precisa ser mais discutida e combatida, ou seja, é um dos desafios que aponto no processo do estágio supervisionado, e, pensando sobre isso, sugiro a todos os presentes para levar como tema de casa as seguintes questões:a) Qual o papel da teoria no processo de estágio supervisionado para uma profissão interventiva como o Serviço Social?b) Qual a concepção de teoria utilizada no processo de estágio supervisionado?c) Temos tendência à dicotomia e à hierarquização entre teoria e prática no processo do estágio supervisionado?

Page 7: Desafios Da Supervisão e Dos Estágios Nos Espaços Sócio

d) O que é práxis social? Apropriamo-nos da práxis no processo de estágio supervisionado?

E, para finalizar, quero mostrar este quadro de Salvador Dali, que muitos conhecem e se chama “Persistência da Memória”, também conhecido por Relógios Moles. É uma tela pintada a óleo, com 24,1 por 33 cm, que se encontra exposta no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. Escolhi-o para concluir a minha fala porque Dali via os relógios como instrumentos normalizados e exatos que traduziam de forma objetiva a passagem do tempo, que tempo, e para mim o tempo é um dos grandes desafios no processo de formação profissional e em especial na supervisão de estágio. Também o escolhi para servir de inspiração para aqueles supervisores que gostam de trabalhar com a arte no processo de supervisão, reproduzindo, assim, algumas pistas de como os desafios no processo de supervisão podem ser problematizados:[...] O tempo escorre entre nós. Ficamos correndo para acompanhá-lo. Luta ingrata. Na verdade é o que estou vivendo. A pressão do tempo, a pressão das demandas. Estou colocando no diário. Porque as demandas institucionais se contrapõem com as minhas próprias demandas. Eu quero trabalhar 1 coisa e a instituição quer outra. Esse conflito pode me desgastar e eu ficar imobilizada diante da pressão do tempo e do próprio serviço. Lembro do quanto eu critiquei as Assistentes Sociais que estavam no campo. Para mim elas pareciam tão acomodadas e conformadas com as situações. Hoje me vejo, assim, dentro de um furacão. Agora consigo entender melhor a situação delas. Isso me dá até um alívio, pois percebo que não é só comigo. Que não é uma situação isolada. Que escrever no diário é muito importante, pois ajuda a fazer a gente pensar sobre as nossas ações. As mudanças que estão acontecendo diariamente. O meu foco estava no projeto, que tinha que estar toda hora reformulando, mas na verdade ele é o produto do meu dia-a-dia, e onde vou buscar os subsídios para modificá-lo, é no diário. A ficha caiu! O desafio é conseguir superar o olhar imediato da matéria de trabalho (objeto). Relativizar o que é demandado, buscar a universalidade, ou seja, ter um distanciamento ideal diante dos fatos (para perceber a totalidade). Não pessoalizar os entraves encontrados. Buscar a particularidade que é a mediação do que está explícito com o que foi desvelado.Estagiária R (2010)

Concluindo, parafraseio Paulo Freire para falar de vontades coletivas quando ele diz: “[...] Eu sou um intelectual que não tem medo de ser amoroso, eu amo as gentes e amo o mundo. E é porque amo as pessoas e amo o mundo, que eu brigo para que a justiça social se implante antes da caridade.”Muito obrigada!