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99 REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 12: 99-119 JUN. 1999 ARTIGOS RESUMO DEMOCRACIA E MOBILIZAÇÃO SOCIAL: PARTICIPAÇÃO AUTÔNOMA E INSTITUIÇÕES POLÍTICAS NA TRANSIÇÃO BRASILEIRA Alberto Tosi Rodrigues Universidade Federal do Espírito Santo O artigo propõe uma leitura das mobilizações e desmobilizações políticas da sociedade como a contrapartida dos processos de ampliação e estreitamento dos canais institucionais que regulam a interação dos atores, isto é, como movimentos de “socialização” ou “privatização” do conflito sócio-político. Tomando o caso empírico brasileiro, discute a transição e a “consolidação” democráticas do ponto de vista da permeabilidade do sistema político à participação autônoma da sociedade mobilizada. PALAVRAS-CHAVE: mobilização; democracia; transição; conflito político. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 12, jun. 1999, p. 99-119 I. INTRODUÇÃO No âmbito da sociologia política, o pensamento conservador sempre indicou uma correlação direta entre a mobilização social e a eclosão de disfuncionalidades políticas sistêmicas de caráter desorganizador e desagregador. Para citar um autor que teve influência im- portante no debate brasileiro desde os anos ses- senta, Samuel Huntington traçou um modelo — compartilhado no essencial com diversos outros pesquisadores — segundo o qual os processos de modernização socioeconômica gerariam a dis- seminação rápida de certas aspirações (de con- sumo, bem-estar etc), por parte das camadas su- balternas da sociedade, que remeteriam ao siste- ma político uma carga de demandas que, nos paí- ses “em desenvolvimento”, dificilmente poderia ser processada e atendida, gerando uma mobili- zação política vista sempre como anômica. “A relação entre mobilização social e instabilidade po- lítica parece ser razoavelmente direta. A urbani- zação e os aumentos nos índices de alfabetiza- ção, educação e exposição aos meios de massa provocam um incremento das aspirações e ex- pectativas, as quais, se não satisfeitas, galvani- zam os indivíduos e os grupos para a política. Na ausência de instituições políticas fortes e adaptá- veis, tais acréscimos de participação redundam em instabilidade e violência. [...] Quanto mais rápida a instrução da população, mais freqüente é a derrubada do governo” (HUNTINGTON, 1975, p. 60). Nos anos setenta, sob os impactos da crise estagflacionista do capitalismo central, esse mes- mo conservadorismo, por meio da célebre Trilateral Comission , passou a associar as disfuncionalidades do sistema político provocadas pelos processos de mobilização social à incapaci- dade dos governos de lançar mão de mecanismos adequados de gestão econômica (basicamente, relacionados à crise fiscal do Estado) e de implementação de políticas públicas em geral. Assim foi introduzido o debate sobre a “governabilidade” dos regimes democráticos: a mobilização “excessiva” da sociedade foi diretamente vinculada à sobrecarga de demandas sobre o sistema político e, por fim, à paralisia decisória e à incapacidade dos governos dos pa- íses capitalistas centrais de viabilizar políticas ca- pazes de debelar a crise (cf. CROZIER; HUNTINGTON; WATANUCKI, 1975). As difi- culdades do enfrentamento da crise econômica foram atribuídas, assim, ao próprio processo político democrático e, mais especificamente, lo- calizadas, pelos conservadores, “nos dispositivos institucionais da democracia de massa do Estado social” (OFFE, 1984). Deste ponto de vista, quanto maior a diferen- ciação social e, com ela, quanto mais as condi- ções para a organização e a mobilização da socie- dade se fizessem presentes, numa palavra, quan- to maior a participação, maiores seriam os ris- cos para a governabilidade. Nos países “em de- senvolvimento” (América Latina em especial), por

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 12: 99-119 JUN. 1999ARTIGOS

RESUMO

DEMOCRACIA E MOBILIZAÇÃO SOCIAL:PARTICIPAÇÃO AUTÔNOMA E INSTITUIÇÕES

POLÍTICAS NA TRANSIÇÃO BRASILEIRA

Alberto Tosi RodriguesUniversidade Federal do Espírito Santo

O artigo propõe uma leitura das mobilizações e desmobilizações políticas da sociedade como a contrapartidados processos de ampliação e estreitamento dos canais institucionais que regulam a interação dos atores,isto é, como movimentos de “socialização” ou “privatização” do conflito sócio-político. Tomando o casoempírico brasileiro, discute a transição e a “consolidação” democráticas do ponto de vista dapermeabilidade do sistema político à participação autônoma da sociedade mobilizada.

PALAVRAS-CHAVE: mobilização; democracia; transição; conflito político.

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 12, jun. 1999, p. 99-119

I. INTRODUÇÃO

No âmbito da sociologia política, o pensamentoconservador sempre indicou uma correlação diretaentre a mobilização social e a eclosão dedisfuncionalidades políticas sistêmicas de caráterdesorganizador e desagregador.

Para citar um autor que teve influência im-portante no debate brasileiro desde os anos ses-senta, Samuel Huntington traçou um modelo —compartilhado no essencial com diversos outrospesquisadores — segundo o qual os processosde modernização socioeconômica gerariam a dis-seminação rápida de certas aspirações (de con-sumo, bem-estar etc), por parte das camadas su-balternas da sociedade, que remeteriam ao siste-ma político uma carga de demandas que, nos paí-ses “em desenvolvimento”, dificilmente poderiaser processada e atendida, gerando uma mobili-zação política vista sempre como anômica. “Arelação entre mobilização social e instabilidade po-lítica parece ser razoavelmente direta. A urbani-zação e os aumentos nos índices de alfabetiza-ção, educação e exposição aos meios de massaprovocam um incremento das aspirações e ex-pectativas, as quais, se não satisfeitas, galvani-zam os indivíduos e os grupos para a política. Naausência de instituições políticas fortes e adaptá-veis, tais acréscimos de participação redundamem instabilidade e violência. [...] Quanto maisrápida a instrução da população, mais freqüente éa derrubada do governo” (HUNTINGTON, 1975,p. 60).

Nos anos setenta, sob os impactos da criseestagflacionista do capitalismo central, esse mes-mo conservadorismo, por meio da célebreTrilateral Comission, passou a associar asdisfuncionalidades do sistema político provocadaspelos processos de mobilização social à incapaci-dade dos governos de lançar mão de mecanismosadequados de gestão econômica (basicamente,relacionados à crise fiscal do Estado) e deimplementação de políticas públicas em geral.Assim foi introduzido o debate sobre a“governabilidade” dos regimes democráticos: amobilização “excessiva” da sociedade foidiretamente vinculada à sobrecarga de demandassobre o sistema político e, por fim, à paralisiadecisória e à incapacidade dos governos dos pa-íses capitalistas centrais de viabilizar políticas ca-pazes de debelar a crise (cf. CROZIER;HUNTINGTON; WATANUCKI, 1975). As difi-culdades do enfrentamento da crise econômicaforam atribuídas, assim, ao próprio processopolítico democrático e, mais especificamente, lo-calizadas, pelos conservadores, “nos dispositivosinstitucionais da democracia de massa do Estadosocial” (OFFE, 1984).

Deste ponto de vista, quanto maior a diferen-ciação social e, com ela, quanto mais as condi-ções para a organização e a mobilização da socie-dade se fizessem presentes, numa palavra, quan-to maior a participação, maiores seriam os ris-cos para a governabilidade. Nos países “em de-senvolvimento” (América Latina em especial), por

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extensão, a eclosão dos regimes autoritários nossessenta e setenta foi compreendida e até mesmojustificada como uma restauração legítima dosmeios governativos por parte de Estados nacio-nais ameaçados pelo achaque de massas mobili-zadas pela ação do populismo irresponsável.

No Brasil, durante três décadas, entre os anostrinta e sessenta deste século, processou-se a in-corporação clientelista das massas urbanas aoprocesso político.

Tal incorporação se fez, fundamentalmente,por via do corporativismo de Estado e da práticapopulista, que têm, por sua vez, raízes culturais eorganizacionais mais profundas nopatrimonialismo, no patriarcalismo e nocoronelismo tradicionais. Não discutirei aqui taismatrizes políticas, mas é importante apontar aomenos que se, por um lado, o patriarcalismo (cf.DUARTE, 1939; HOLANDA, 1992), opatrimonialismo (cf. FAORO, 1979;SCHWARTZMAN, 1988) e o coronelismo (cf.LEAL, 1975) dizem respeito aos processos his-tóricos de privatização do público em contextosde ausência de competição ou de competição po-lítica controlada, por outro lado o populismo (cf.WEFFORT, 1980) e o corporativismo populista(cf. DINIZ e BOSCHI, 1991) são respostasinstitucionais ao advento da competição políticaimposta por uma ampla diferenciação social (cf.SANTOS, 1993).

Como se sabe, o movimento de 1964 pôs fimao ciclo populista. Após uma década de regimeburocrático-militar, mais especificamente após omomento de maior repressão social e fechamen-to político (1968-1974), os nós tradicionais dapolítica brasileira foram, em parte, desatados. Dofinal dos anos setenta em diante desencadeou-seuma mudança nos mecanismos pelos quais as li-deranças políticas usualmente convocam as mas-sas, urbanas e rurais, a tomar parte nos conflitospolíticos. Nesta mudança, quebrou-se a exclusi-vidade dos padrões populistas de articulação lide-rança/massa e de mobilização política da socie-dade. Embora o antigo formato persista ainda demodo considerável — em processos eleitorais denível e abrangência variados, e especialmentecomo prática incorporada à cultura política — eembora lideranças à direita e à esquerda valham-se dele ainda agora para orientar a própria condu-ta, sua vigência passou a ser contrastada pelaemergência de um setor organizado da sociedadecivil que logrou articular, além de uma nova dis-

posição para o “combate” político em moldes maisautônomos, também um novo tipo de ética públi-ca.

As bases sociais do conflito político brasileirocindiram-se, no período, entre um setor organi-zado, cuja participação autônoma expandiu-se —das reivindicações localizadas para a participaçãono espaço público de abrangência nacional —, eum desorganizado, que permaneceu como objetoda manipulação populista ou de usos de “novo”tipo. Durante a transição à democracia, essesnovos contornos assumidos pelas práticas políti-cas da sociedade interagiram de modo importan-te com o processo de reinvenção da ordeminstitucional. Mais uma vez, colocou-se ocontraponto entre as reivindicações expressaspelas mobilizações políticas da sociedade organi-zada, por um lado, e as “necessidades objetivas”postas pela tecnocracia do Estado em termos degovernança do aparelho estatal com vistas aocombate à crise econômica associada à inflaçãocrescente e ao endividamento externo.

O objetivo deste artigo é, contra o pano defundo deste painel rapidamente pincelado, levan-tar elementos analíticos que permitam uma leitu-ra das mobilizações sociais diversa da posta peloconservadorismo sociológico. Uma leitura queencara as mobilizações e desmobilizações da so-ciedade organizada como a contrapartida dos pro-cessos de ampliação e estreitamento do sistemapolítico ou, em outros termos, como movimen-tos de “socialização” ou de “privatização” doconflito sóciopolítico. Tomando, também, o pro-cesso brasileiro de “transição” e “consolidação”democráticas, pretendo levantar alguns elemen-tos relacionados à tensão que se estabelece entreos processos de mobilização social e a constru-ção das novas instituições políticas da democra-cia.

II. O PROCEDIMENTO DEMOCRÁTICO

Bobbio (1985 e 1988) ensina que a democra-cia é, basicamente, um método. Com o adventoda modernidade, a antiga democracia encontrou-se com o liberalismo para uma associação reci-procamente proveitosa: este último proveria àprimeira as garantias civis indispensáveis à liber-dade dos atores e a primeira daria ao último ummétodo, um procedimento para a tomada das de-cisões coletivas.

Num texto que se tornou referência para grandenúmero de análises dos processos de democrati-

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zação, Robert Dahl (1971) propôs uma definiçãomínima para o procedimento democrático. Seriauma poliarquia o regime que desenvolvesse sufi-cientemente a institucionalização dos procedimen-tos e a ampliação da participação da cidadania.

Qualquer processo de tomada de decisões in-clui, segundo Dahl, dois estágios analiticamentedistinguíveis: a composição da agenda política (istoé, a decisão sobre que temas serão objeto de de-liberação) e a decisão propriamente dita (“estágiodecisivo”), isto é, os resultados (cf. DAHL, 1989,p. 107). Para que uma dada ordem política sejaconsiderada democrática, pressupõe-se que asdecisões só podem ser legitimamente tomadaspelos próprios membros da associação, isto é, poraqueles aos quais as decisões se aplicam e queestão, ao cabo, obrigados a cumpri-las. E que estatomada de decisão se faça em condições de igual-dade. Supõe-se que cada membro adulto da as-sociação “é o melhor juiz de si mesmo”, ou seja,é um cidadão.

Sob uma ordem política democrática, teremosum processo político plenamente democrático sefor observado um conjunto de critérios ideal-tí-picos, a saber:

(1) No processo de tomada de decisões,os cidadãos devem ter condições adequa-das e iguais entre si para introduzir ques-tões na agenda política e para expressar asrazões pelas quais preferem um determi-nado resultado a outro.

(2) No estágio decisivo do processo de to-mada de decisões, deve ser assegurada acada cidadão igual oportunidade de expres-sar sua escolha; e essa escolha deve sercomputada com peso igual ao das esco-lhas dos demais cidadãos. (Esse critérionão implica em proibição de representaçãoproporcional ou delegação de poderes paracertas decisões).

Atendendo a estes dois primeiros critérios,sustenta Dahl, já se pode falar em governo deacordo com o processo democrático.

(3) O terceiro critério procura responder àobjeção pela qual se questiona a capacida-de intelectual dos componentes da demospara tomar determinados tipos de decisão.Dahl lembra que a democracia está histó-rica e teoricamente associada ao problemado esclarecimento, uma vez que trata-se

da tomada de decisão acerca do que aspessoas querem ou do que pensam ser omelhor, o que requer algum grau de infor-mação. Daí o acréscimo de um terceirocritério, pelo qual “cada cidadão deve teroportunidades adequadas e iguais para des-cobrir e validar (dentro do tempo permiti-do pela necessidade de uma decisão) a es-colha sobre a matéria a ser decidida quemelhor serviria aos interesses dos cida-dãos” (DAHL, 1989, p. 112).

(4) Mas há ainda o risco de que a agendade temas a serem decididos seja excessi-vamente limitada. O controle sobre a agen-da pode ser expropriado ao conjunto dacidadania por indivíduos ou oligarquias,como no caso de detentores de cargos exe-cutivos que pretendam esvaziar as atribui-ções do parlamento, por exemplo. Daí oacréscimo do critério pelo qual “a demosdeve ter a oportunidade exclusiva de deci-dir que matérias serão colocadas na agen-da de matérias a serem decididas por meiodo processo democrático” (DAHL, 1989,p. 113). Sem prejuízo da possibilidade dedelegação, por parte da demos, da decisãosobre algum tema da agenda.

(5) Há, finalmente, o risco de que a demosseja excessivamente restrita. Ou seja: qualo tamanho da cidadania para que um siste-ma seja democrático? Essa questão envol-ve tanto o problema da inclusão (quaispessoas devem ser legitimamente incluí-das na demos) quanto o problema do es-copo da autoridade (em que medida o po-der decisório da demos pode ser legitima-mente alienado). Daí o quinto critério ge-ral, pelo qual “a demos deve incluir todosos membros adultos da associação, excetovisitantes e pessoas que se comprove se-rem mentalmente incapazes” (DAHL, 1989,p. 129).

Em suma, do ponto de vista da teoria demo-crática, os dois critérios básicos, na acepção deDahl, garantem já a vigência de uma democracia,ou melhor, de um processo democrático em sen-tido amplo, ou ainda, numa tradução algo força-da, de uma democracia “procedural” ou“procedimental”. “Em contraste [acrescenta] umsistema que também atenda ao critério do enten-dimento esclarecido pode ser considerado plena-

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mente democrático com respeito à agenda e comrelação à demos. Num limiar ainda superior, umprocesso que em adição propicie o controle finalda agenda por sua demos é plenamente democrá-tico com relação a sua demos. Mas apenas se ademos for inclusiva o suficiente para atender aoquinto critério poderemos descrever o processode tomada de decisão como plenamente demo-crático” (DAHL, 1989, p. 130, sem grifo no ori-ginal) .

E sustenta que, embora trate-se de critériosideal-típicos, não se pode simplesmente acusá-los de irreais ou descolados da realidade. Argu-menta que a pressuposição de igualdade políticanão cai por terra frente às desigualdades de re-cursos dos diferentes atores, que obviamenteexistem na realidade. Pelo contrário, afirma queo fundamental é que as desigualdades de recur-sos (econômicos, ideológicos, de status etc) nãoredundem em desigualdades formais dos cidadãosindividuais frente ao processo político. “Quandodiferenças nos recursos políticos tornam os ci-dadãos politicamente desiguais, então essa desi-gualdade necessariamente revela-se como umaviolação dos critérios” (DAHL, 1989, p. 131; vertambém BEETHAN, 1994 e SAWARD, 1994).

III. BRASIL AUTORITÁRIO: DESMOBI-LIZAÇÃO, CONTROLE E RENASCI-MENTO

A história da passagem da autocraciaestabelecida pelos militares em 1964 para um re-gime que pudesse ser submetido à prova dos cri-térios de Dahl, como sabemos, foi complexa, longae truncada. E, ainda assim, os resultados da pro-va são controversos.

Sob o regime burocrático-militar, o Estado nãosó havia aprofundado o capitalismo brasileirocomo, do ponto de vista de suas relações com asociedade, também ampliara a significação políti-ca do corporativismo tradicional, ao mesmo tem-po em que banira — ao menos como prática vi-gente, no período — o padrão populista de com-petição, responsável pela mobilização das massasurbanas até então. Houve enfim um re-estreitamento da arena política, possibilitado pelareação militar à radicalização da instabilidade po-lítica e econômica do final do período populista eque foi garantido pelo aprofundamento da tutelacorporativista (O’DONNELL, 1976).

Ao mesmo tempo em que o Brasil se urbanizava

radicalmente (com o predomínio numérico, pelaprimeira vez na história, da população urbana so-bre a rural), se re-industrializava sobre novas ba-ses (essencialmente, com base no capital exter-no), promovia uma reestruturação ocupacional degrandes proporções (com predomínio do setorsecundário, em detrimento do primário, e comamplo crescimento relativo do terciário), sem fa-lar na melhoria sensível de alguns indicadores so-ciais, como escolaridade (SANTOS, 1985), ocorporativismo era retomado pelo regime comoa tecnologia institucional mais adequada ao con-trole dos atores sociais tradicionais, notadamenteas classes trabalhadoras.

Deve-se considerar que as metas econômicase políticas do regime militar, em resposta ao“pretorianismo” (HUNTINGTON, 1975, p. 204-273) vigente na crise do populismo, eram “lim-par o mercado de produtores ‘ineficientes’, he-rança das primeira etapas de industrialização e,não casualmente, em sua grande maioria capita-listas locais; por termo às demandas ‘excessivas’ou ‘prematuras’ de participação política eeconômica do setor popular; eliminar eleições epartidos políticos, que haviam sido canais de trans-missão dessas demandas [...]; ‘disciplinar’ a forçade trabalho em suas relações diretas com os em-presários; e subordinar as organizações de classe— sobretudo os sindicatos — que podiam sus-tentar o ressurgimento das lideranças e deman-das que se buscava eliminar. A obtenção dessasmetas aparecia como a estabilização das relaçõessociais a partir da qual, por sua vez, começavama ser possíveis as inversões internas e externas[...]” (O’DONNELL, 1976, p. 16).

A retomada do corporativismo estatal é o ins-trumento fundamental para a consecução dessesobjetivos. Em contraste com o corporativismopopulista, essa nova intervenção autoritária doEstado caracteriza-se pela concomitante“estatização” das organizações da sociedade e“privatização” de certas áreas do Estado, de modosegmentário, isto é, diferenciado segundo o re-corte de classe. Grosso modo: houve uma reto-mada aprofundada da tutela corporativista sobreos sindicatos de trabalhadores, visando não maisapenas antecipar-se à sua organização autônoma,mas deliberadamente reprimir a ativação populistade que haviam sido objeto e, concomitantemente,estabeleceram-se franquias ao acesso de certossetores empresariais ao Estado, na forma de fi-

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nanciamentos, isenções e incentivos. Consolidam-se nesse momento os “anéis burocráticos”, típi-cos do “modelo político brasileiro”. Estabeleceu-se, enfim, — há um certo consenso entre os ana-listas sobre isso — um novo pacto de dominaçãoou uma nova aliança de classes, setores ou gru-pos sociais, estruturada num tripé apoiado sobreo Estado, o capital estrangeiro e,subordinadamente, o capital nacional (cf. CAR-DOSO, 1975).

Sob tais condições de fechamento políticoextremado, não se pode, de modo abrangente, falarem participação política da sociedade nos dezprimeiros anos de regime militar. A partir do go-verno Geisel e especialmente sob o governoFigueiredo, porém, ganham visibilidade três di-nâmicas (evidentemente interligadas) nesse sen-tido: a chamada abertura política, especialmenteno que diz respeito à legislação restritiva das li-berdades mínimas, à dinâmica parlamentar e àretomada da importância do processo eleitoral (cf.VELASCO E CRUZ e MARTINS, 1983; DINIZ,1985); o desenvolvimento do associativismo e aerupção dos movimentos sociais urbanos (cf.BOSCHI, 1987; SADER, 1988; DOIMO, 1995);e o surgimento do novo sindicalismo combativo,cuja fachada mais visível aparecia no ABC paulistanos últimos anos da década de setenta (cf. KECK,1988). No plano partidário, a reforma de 1979deu à luz tanto a continuidade dos partidos vigen-tes no bipartidarismo (PMDB e PDS, como su-cedâneos de MDB e Arena), quanto a retomadadas tendências populistas — desta vez como far-sa — à direita (PTB) e à esquerda (PDT), sendosurpreendida, no entanto, pelo surgimento do PT,cujas bases sociais fundamentais se constituírama partir da modernização econômica apontada. Noinício da década de oitenta, por sua vez, surgema Central Única dos Trabalhadores (CUT) e oMovimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra(MST), como as expressões mais importantes daorganização autônoma das classes trabalhadorasurbanas e rurais e significando, nesse particular,um corte nítido com respeito ao populismo e aocoronelismo, respectivamente.

Eclodem também, e não por coincidência, asgrandes mobilizações de massa com a Campanhadas “Diretas Já” de 1984 (cf. RODRIGUES, 1993e 1995), à qual se segue o estabelecimento dogoverno civil da Aliança Democrática, as tentati-vas fracassadas de conter o processo inflacioná-rio que se agudizava crescentemente desde 1983,

a tentativa de reformulação do marco legal donovo regime com o processo Constituinte de1987-88 e, finalmente, a primeira eleição presi-dencial desde 1960, em 1989.

O que importa destacar aqui é que a amplamodernização econômica operada pelo regimemilitar entre 1964 e 1984, do mesmo modo quevinculou-se à repressão extremada da participa-ção social pretoriana-populista no momento ini-cial — da qual o “novo” corporativismo que des-taquei acima foi um aspecto importante —, tam-bém viabilizou a diferenciação social com basena qual se deu, na última década do regime, aexplosão associativa e o surgimento dos movi-mentos sociais urbanos, do novo sindicalismo edo PT.

IV. CONJUNTURA, PROCESSO, MOBILIZA-ÇÃO

Para acionar aqui os elementos analíticos ne-cessários ao estudo de situações relacionadas àampliação da participação da sociedade organiza-da no conflito político, é preciso estabelecer al-guns pontos básicos sobre conjunturas conflitivase processos de mobilização social, importantespara a seqüência do raciocínio.

Conflitos políticos são situações em que severifica a oposição entre atores portadores deobjetivos, recursos e estratégias diferenciadas. Seuresultado não pode ser estabelecido a priori, ape-nas pela avaliação de capabilities intrínsecas ouestoques de recursos disponíveis aos atores polí-ticos. Ele deve antes estar relacionado à análisedo próprio desenrolar do processo conflitivo, queinclui tanto constrangimentos de ordeminstitucional quanto a oposição de outros atorese, inclusive, a intervenção de eventos absoluta-mente aleatórios ou imprevisíveis.

“É extremamente difícil prever o resultado deuma disputa observando o princípio, porque nemsequer sabemos quem mais vai entrar nela. Aconseqüência lógica de se insistir demasiadamenteno determinismo das origens privadas do confli-to é atribuir um valor de zero ao processo políti-co” (SCHATTSCHNEIDER, 1967, p. 50, semgrifos no original; ver também HINDESS, 1982,p. 500).

Um conflito, por sua vez, estabelece-se entreagentes numa arena específica (ou ao mesmo tem-po em diferentes arenas) e em torno de uma de-terminada agenda. De acordo com a linguagem

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geralmente utilizada, arena refere-se às condiçõesdadas de um conflito ou conjunto de conflitos,bem como a seus modos de ação específicos(voto, greves, demissões etc) e às limitações acer-ca dos possíveis resultados. Por exemplo: se fa-lamos de um conflito na arena parlamentar, osresultados possíveis serão provavelmente leis, re-gulamentações, fiscalizações etc. Do mesmomodo, agenda pode ser definida como a pauta detemas e/ou questões em torno da qual os confli-tos são armados, cujo conteúdo é também eleobjeto do conflito, bem como a disposição tem-poral desses temas. Por exemplo: pode haver umconflito tanto em torno de um programa deprivatizações quanto um conflito para que o temadas privatizações possa entrar na agenda.

Em suma, a conjuntura é um momento de umprocesso político mais longo, balizado por certosparâmetros políticos (e econômicos, sociais, cul-turais, ideológicos etc) estruturados, no qual de-terminados atores, portadores de recursos e es-tratégias, confrontam-se conflitivamente em tor-no de arenas e agendas específicas, com vistas àobtenção de certos resultados. No decorrer doprocesso conflitivo conjuntural, as estruturas queservem de balizamento aos atores, as arenas eagendas em torno das quais os atores conflitam,os recursos de que dispõem, os objetivos que ini-cialmente buscavam, e inclusive os próprios atoresenquanto entidades unitárias, estão sujeitos a trans-formações diversas, desejadas ou não, esperadasou não. E conflito político é toda situação em queos obstáculos à consecução dos objetivos de de-terminados atores incluem a oposição de outrosatores (cf. HINDESS, 1982, p. 498). Em decor-rência, o resultado final do conflito é função diretade sua abrangência.

Valho-me aqui de três proposições deSchattschneider, pelas quais estabelece-se umarelação direta entre, de um lado, a abrangênciado conflito e o perfil dos atores (se individuais oucoletivos, se muitos ou poucos, se de direita oude esquerda), e, de outro, a composição e a reso-lução da agenda política.

(a) em primeiro lugar, a de que o resultadode qualquer conflito político é função deseu alcance, de sua possibilidade de en-volver um número maior ou menor deatores;

(b) em decorrência disso, a proposição deque a estratégia política mais importante é

aquela pela qual os atores se ocupam deexpandir ou controlar o alcance dos con-flitos; e

(c) a de que, implícita às anteriores, residea idéia de que a restrição do conflito aoslimites de seus contendores iniciais tendea perpetuar a correlação de forças dada aprincípio, enquanto que a expansão do al-cance do conflito tende a desequilibrá-loem favor dos contendores interessados em(e que se mostrem efetivamente capazesde) ampliá-lo.

Conforme a propensão dos atores e a situaçãodada, as estratégias tenderão, pois, à“privatização” ou à “socialização” do conflito.Conforme a imagem sugerida porSchattschneider, “o conflito político não é comouma partida de futebol, que se efetua num campomedido, por um número pré-determinado de jo-gadores, e na presença de um público rigorosa-mente excluído do campo de jogo. A política émuito mais semelhante ao jogo original e primiti-vo do futebol, no qual todo mundo era livre paraparticipar, uma partida em que toda a populaçãode um povoado podia jogar contra toda a popula-ção de outro povoado, correndo livremente paraum ou outro lugar pelo campo aberto. Muitosconflitos são estreitamente confinados por meiode uma variedade de estratégias, mas a qualidadedistintiva dos conflitos políticos é que a relaçãoentre os ‘jogadores’ e o público não foi definidaprecisamente, e em geral não há nada que eviteque os espectadores participem do jogo”(SCHATTSCHNEIDER, 1967, p. 24).

Mas é claro que o alcance de um conflito seráfunção também da escala de organização, moti-vação e potencial de mobilização dos atores e, aomesmo tempo, do grau de competitividade do sis-tema, isto é, da natureza das instituições políti-cas. É preciso atentar, em especial, para aquelesconflitos capazes de hegemonizar a grande arenapolítica nacional.

A discussão do quesito participação requer,na nova situação de articulação e organização quese abriu na sociedade brasileira a partir da décadade setenta, a abordagem de algumas perspectivasanalíticas que podem ajudar a esclarecer o fenô-meno da mobilização política da sociedade, tantosob as condições da transição de um regime au-toritário à democracia quanto sob a vigência for-mal desta.

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A primeira questão é: como conceituar amobilização política da sociedade num contextode ampliação da arena política — tanto do pon-to de vista dos novos espaços institucionais fran-queados paulatinamente pela transição à demo-cracia, quanto do ponto de vista do ingresso nojogo de novos atores políticos? Como passa a sedar a relação entre o conflito político, as novasregras do jogo e os novos jogadores (postos aolado dos antigos)? Como analisar o impacto des-ta ampliação sobre os desdobramentos do jogo?Como compreender as mobilizações sociais, nãocomo meras irrupções esporádicas ou como com-portamentos anômicos de massa, mas como lan-ces políticos que são parte do próprio conflitodemocrático?

A literatura sobre mobilizações dispõe de res-postas diversas sobre estas questões. Este não éo local para uma resenha exaustiva — que podeser encontrada em Mann (1991) e Tarrow (1988,p. 421-428) — mas posso indicar aqui algumasrespostas pertinentes à questão geral da relaçãoentre, de um lado, a mobilização social de massa,por vezes chamada de “protesto político”, e deoutro o sistema político institucionalizado, emespecial a institucionalidade política democráti-ca.

Nem toda literatura trata das mobilizaçõescomo participação de massa em grandes ques-tões de política nacional, que é nosso interessemais imediato aqui. Inicialmente ligada à psicolo-gia social da virada do século (cf. LE BON, 1954;CANETTI, 1983) ou à sociologia do desenvolvi-mento dos anos cinqüenta e sessenta (cf.SMELSER, 1963; além do já citadoHUNTINGTON, 1975), a pesquisa sobre mobili-zações ganhou grande impulso do final da décadade sessenta até a década de oitenta, nos EstadosUnidos e na Europa Ocidental, motivada pelasondas de protesto político que irrompiam. Enquan-to os estudiosos europeus enfatizavam as causasestruturais dos movimentos, as identidadescoletivas que eles expressavam e suas relaçõescom o capitalismo avançado (cf. TILLY, 1978;TOURAINE, 1981; entre outros), os americanospreferiam um enfoque “atitudinal”, destacando aparticipação (ou constrangimentos à participação)dos grupos organizados no protesto de massa esuas formas de ação coletiva (cf. GAMSON,1968; LIPSKY, 1970; OBERSCHALL, 1973;OLSON, 1978; entre outros). Nos trabalhos an-teriores à década de oitenta, salvo algumas

exceções, a ênfase na novidade dos movimentos(então chamados “novos movimentos sociais”)fez com que a institucionalidade política apare-cesse na análise como categoria residual, sim-plesmente como fonte de satisfação das deman-das ou de repressão ao protesto. Mas a partir dadécada passada, tanto na Europa quanto nos Es-tados Unidos, surgiram estudos mais específicosque procuraram trazer o processo político ao centroda abordagem das mobilizações sociais (cf.TILLY, 1978 e 1985; OFFE, 1985; DOBRY, 1986;TARROW, 1989; GAMSON, 1990; entre outros).

Desta literatura mais recente, interessa aquidestacar duas possibilidades analíticas abertas nainterface das mobilizações com o sistema políti-co institucional: uma que parte da conjuntura,outra que parte do processo. A primeira é o mo-delo de análise de conjunturas fluidas, isto é, con-junturas de crise política conjugadas, no correrdo curto prazo, a amplos processos demobilização de massa, desenvolvido por MichelDobry (1983 e 1986). A segunda é a perspectivade análise de ciclos de protesto e reforma, isto é,uma agregação de episódios de mobilização e aaferição das respostas dadas pelo sistema políti-co, no correr de um prazo mais longo, desenvol-vida por Sidney Tarrow (1988 e 1989).

Na perspectiva de Dobry, a especificidade dasconjunturas de crise política está justamente nascomplexas relações que se estabelecem entre asmobilizações e as mudanças no estado dos siste-mas políticos. “Em oposição a todas as formasde reificação das instituições [escreve ele] trata-se, desde logo, de abordar as ‘estruturas’, ‘orga-nizações’ ou ‘aparelhos’ levando em conta suasensibilidade às mobilizações, aos lances desferi-dos, à atividade tática dos protagonistas das cri-ses. Mas trata-se também de decifrar simultane-amente as lógicas de situação que, em tais con-textos, tendem a se impor aos atores e tendem aestruturar suas percepções, seus cálculos e seuscomportamentos” (DOBRY, 1986, p. 39-40, semgrifo no original).

Tal enfoque equivale a avaliar as conjunturascríticas como momentos em que grandes ques-tões políticas nacionais mobilizam um conjunto“novo” de atores, ampliando de modo importan-te, para estas conjunturas, o conjunto de atoresnormalmente presentes nas situações políticasrotineiras. O pressuposto é que se vive numa so-ciedade dinâmica e pluralista o suficiente para

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conter setores sociais organizados e conjun-turalmente mobilizáveis. Tal ampliação em tornode grandes questões faz com que todos os prota-gonistas deixem de basear seus cálculos políti-cos nos referenciais rotineiros, ou seja, na lógicados campos sociais específicos aos quais nor-malmente sua atividade política está confinada.Em tais conjunturas, passam a referenciar suaatividade tática em uma lógica de situação de cujaelaboração participam e por cujos contornos sãoinfluenciados, lógica que perpassa o confinamentodos diferentes espaços sociais e das diferentesarenas políticas rotineiras que convivem numa so-ciedade complexa e cria uma base temática co-mum sobre a qual o conflito conjuntural passa aocorrer.

Por exemplo, no Brasil de 1984 (na campanhadas “Diretas Já”) ou de 1992 (na campanha peloimpeachment de Collor), sindicalistas e operári-os, capitalistas e líderes de entidades empresari-ais, deixaram de operar politicamente a partir dalógica normalmente empregada nas relações en-tre empresários e trabalhadores; os estudantesdeixaram de agir a partir da lógica própria às ques-tões universitárias; e mesmo os congressistasdeixaram de agir exclusivamente a partir da lógi-ca e da rotina próprias aos jogos de força parla-mentares; e assim fizeram todos estes atores ci-tados, para passarem a agir em torno da grandequestão política nacional colocada na agenda (elei-ções diretas ou impeachment). Abandonaram comisso, por um momento, suas arenas políticassetoriais, ou seja, os espaços socialmente circuns-critos nos quais rotineiramente atuavam, para jo-garem o grande jogo (ampliado) da política naci-onal, durante a vigência da conjuntura crítica. Ou,dito de outro modo, estas arenas restritas mo-mentaneamente se fundiram numa grande arenapolítica nacional.

Como conseqüência imediata disso que aca-bamos de dizer, os recursos políticos de que osatores se valem em situações rotineiras mudamde valor (podem ampliar-se ou reduzir-se), mo-dificando o peso relativo dos contendores. Dadaa rapidez com que isso ocorre nas conjunturasde crise, toda a rotina estratégica que geralmenteempregam se desestrutura. Ocorre uma situaçãode incerteza generalizada entre os diferentesatores, aumentando a dificuldade de cada um paracalcular as próprias ações e as dos adversários,bem como antecipar os possíveis resultados de-las. Como as situações são novas e as interações

pouco ou nada comuns, aumenta muito o grau deimprevisibilidade do jogo, assim como tambémpodem tornar-se instáveis tanto os objetivos pon-tuais e certas preferências dos atores quanto atémesmo certas regras do jogo político. Como re-sultado, os atores ficam mais dependentes aindados lances desferidos pelos demais jogadores paradecidirem quais serão seus próprios lances se-guintes. Isto é, a perturbação da capacidade decálculo dos atores, em vista da rapidez, incertezae imprevisibilidade do jogo conjuntural, aumentaa interdependência tática entre esses atores.

A estes momentos de instabilidade, deimprevisibilidade, de rompimento com procedi-mentos políticos rotineiros e de mudança nas are-nas de jogo, Dobry chama de conjunturas políti-cas fluidas. No centro da crise, está a ampliaçãodo jogo, isto é, a mobilização política (conjuntural)da sociedade. Nessas conjunturas, o espaço so-cial se simplifica, pois tudo passa a girar em tor-no de algumas poucas ou mesmo de uma única“grande” questão política jogada na arena nacio-nal e, ao mesmo tempo, o jogo político torna-seinfinitamente mais complexo, pela precariedade epela velocidade das relações. Até que, ao final, oesgotamento da questão central leve àdesmontagem da lógica de situação e o jogo po-lítico tenda a reestruturar-se em torno de novas eantigas arenas setoriais e de relaçõesinstitucionalizadas (em parte, as mesmas de an-tes, em parte, novas relações). Em suma, o jogovolta ao “normal”, mas as cartas podem estar sig-nificativamente reembaralhadas (cf.RODRIGUES, 1993, cap. 1).

A partir desta discussão, é possível fazer pelomenos duas inferências, a saber. Em primeiro lu-gar, se tomarmos um lapso de tempo maior, podeser possível detectar mais de uma (talvez várias)conjunturas de mobilização como a descrita aci-ma, em torno de questões nacionais, ao lado deoutras, de abrangência mais restrita, em torno dequestões setoriais. Tal observação, em perspecti-va temporal mais alongada, poderia permitir de-tectar conexões e inter-relações entre estes dife-rentes episódios, aparentemente isolados, bemcomo seus respectivos impactos sobre o jogopolítico institucional “rotineiro”. Em segundo lu-gar, nesse lapso mais longo talvez fosse possívelconsiderar também os eventuais vínculos exis-tentes entre as respostas institucionais dadas pelosistema político e os episódios de mobilizaçãoconjuntural. Isto é, seria possível verificar se o

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sistema político, de algum modo, reformulou-seem resposta ao advento das mobilizações que ori-ginaram conjunturas críticas ou não. E sereformulou-se, verificar se o fez no sentido deatender a demandas ou de dotar-se de instrumen-tos capazes de oferecer desestímulos a novaspressões sociais (isto é, desenvolver “tecnologiasde contenção”).

Parecem ser estas as questões colocadas porSidney Tarrow. Como vimos acima, na literaturamais recente sobre mobilizações a principal novi-dade talvez seja o fato de haver-se rompido asbarreiras analíticas entre política “institucional” e“não-institucional”. Com isso, emergiram algu-mas formulações importantes acerca dasinterações entre mobilização e instituições.

Em primeiro lugar, considere-se o conceito deestrutura de oportunidades políticas e, ligado aele, também a preocupação que se passou a tercom a relação entre a emergência, a estratégia e adinâmica dos movimentos de protesto e contes-tação, de um lado, e o quadro cultural e as tradi-ções da política nacional, de outro. Ou seja, senão há solução de continuidade entre a políticafeita nas instituições e a feita nas ruas (comotambém o demonstra o modelo analítico deDobry), ambas devem estar sujeitas a conjuntosde constrangimentos ou de oportunidades quedificultam ou facilitam a ação de alguns sujeitospolíticos em detrimento de outros, conforme asituação (o que se costuma chamar de “seletividadeestrutural”).

Mais especificamente, deve-se considerar —na avaliação do impacto político das mobilizações— o grau de abertura ou fechamento do sistemapolítico, isto é, o perfil do regime; a estabilidadeou instabilidade dos alinhamentos políticos pac-tuados ao nível da política institucional; a presen-ça ou ausência de aliados e grupos de apoio comlastro organizacional e engajamento institucionalconsolidado; presença ou ausência de divisõesdentro das elites políticas e seu grau de tolerânciaao protesto; a capacidade ou incapacidade dogoverno na formulação de políticas, bem comoseu grau de agilidade na elaboração de respostasa demandas. É claro que esta chamada “estrutu-ra de oportunidades” deve ser considerada em suavariação ao longo do tempo, o que nos obriga apensar a relação entre as mobilizações e ainstitucionalidade política a partir de um registrotemporal mais alongado, que extrapola as lides

específicas da análise de conjuntura (cf.TARROW, 1988, p. 429; 1989, p. 32-40, p. 82-90).

Em segundo lugar, considere-se a importân-cia do espaço social constituído pelos movimen-tos sociais, no interior do qual arregimentam ade-sões, travam a batalha do convencimento, com-petem com outros potenciais movimentos e de-senvolvem identidades políticas. Conforme oenfoque de cada autor, esse espaço social podeser chamado de “setor dos movimentos sociais”,“sub-cultura dos movimentos sociais” ou “redede movimentos sociais”. Este setor, sub-culturaou rede de movimentos, tal como o entendeTarrow, abrange todos os indivíduos e grupos queestejam engajados em alguma forma de açãodireta visando fins coletivos ou bens públicos.Isso inclui as organizações formais que dão su-porte a movimentos sociais (ONGs, por exem-plo), mas também se estende ao conjunto de par-ticipantes esporádicos ou àqueles que emprestamapoio informal aos movimentos (no Brasil, porexemplo, OAB, ABI, Igreja Católica etc). E podetambém incluir eventualmente os grupos de inte-resse comuns (inclusive sindicatos e centrais sin-dicais). Não me parece de outra natureza a noçãode “campo ético-político” desenvolvida porDoimo (1995) na análise dos movimentos sociaisbrasileiros da década de 1970, e que também temrelações com as “matrizes discursivas” de quefala Sader (1988), a propósito dos mesmos mo-vimentos. Na visão de Tarrow, “pessoas e gru-pos podem mover-se para dentro ou para fora dosetor de movimento social, e mesmo organiza-ções fundadas para atividades não-movimentalistaspodem cooperar com ele por breves períodos [...].O tamanho, o caráter e a composição do setor demovimento social mudam ao longo do tempo,assim como os grupos se mobilizam edesmobilizam, os temas entram e saem da agen-da política e as elites respondem com diferentescombinações de facilitação, repressão, indiferen-ça e reforma” (TARROW, 1988, p. 432).

Trata-se em suma de um espaço de protestopotencial, no interior do qual circulam temáticase experiências mobilizatórias entre os movimen-tos e, ao mesmo tempo, indivíduos e grupos com-petem por espaço e hegemonia, isto é, desenvol-vem “relações políticas” do mesmo modo que osgrupos organizados em torno da institucionalidadeo fazem.

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Em terceiro lugar, considere-se o tema dosciclos de protesto e o das relações estabelecidas,dentro destes ciclos, entre protesto e reformapolítica. Baseado nos trabalhos de Tilly sobre osmovimentos do século XIX e no de Pizzorno so-bre conflito industrial, Sidney Tarrow observouque a magnitude do conflito, seus canais de difu-são, as formas de ação empregadas, além dospróprios atores e dos tipos de organização, vari-am enormemente ao longo do tempo. Ao tomarem consideração o ciclo, abandona a idéia de “es-tabilidade estrutural” dos sistemas políticos paratrabalhar com a idéia de “estabilidade dinâmica”,o que implica compreender as mobilizações comosucessivas realizações, embora em diferentes for-matos, de um mesmo princípio de interação en-tre os atores sociais mobilizados e ainstitucionalidade. Tal abordagem permite identi-ficar, ao longo do período, diferentes fases deconsenso e mobilização, de mudança ideológicaou organizacional, e de transformaçõesinstitucionais, todos fatores que impactam a emer-gência de uma dada questão na agenda política.Assim, lançam-se novas luzes sobre conjunturasde forte mobilização de massa, pois se de um ladoelas se explicam pelo sucesso das bandeiras ouda organização dos movimentos, e pela estruturade oportunidades encontrada no momento, “poroutro podem ser explicadas por externalidades nosciclos de protesto, no qual grupos que emergemna crista da onda do protesto podem aproveitar-se da atmosfera geral de descontentamento cria-da pelos esforços de outros durante as fases ini-ciais do ciclo” (TARROW, 1988, p. 434-435).

Ciclos de protesto podem ser definidos, emsuma, como agregações de episódios demobilização parcialmente autônomos e indepen-dentes. Em seu curso, novas formas de açãoemergem e evoluem, o setor (rede ou sub-cultu-ra) dos movimentos cresce e muda sua composi-ção, e as oportunidades políticas surgem ou ces-sam, em parte em conseqüência dos temas pos-tos na agenda, das práticas mobilizatórias e dasconquistas obtidas pelos próprios movimentos quebrotam no correr do ciclo.

Tarrow pensa os ciclos de protesto como algoanálogo ao ciclo econômico, isto é, como umasérie de decisões individuais e coletivas tomadasnum contexto marcado pela ação de fatoressistêmicos que não são uniformemente experi-mentados, mas antes difusamente percebidos. Osfatores que desencadeiam o ciclo são “estrutu-

rais”, por certo, mas uma vez o ciclo desencade-ado há uma retroalimentação em que resultadosde protestos passados catapultam as expectati-vas frente a novos confrontos. Tal enfoque, por-tanto, privilegia a percepção do processo em an-damento, sem esquecer as especificidades doslances conjunturais. “Um ciclo de protesto é fun-damentalmente um processo político” (TARROW,1988, p. 435, sem grifo no original).

Nesse sentido, o ciclo pode ser analisado emtrês fases. Uma fase ascendente, que dá origemao ciclo a partir de uma situação estrutural deacúmulo de “injustiças” ou de repressão sobrecertos setores sociais (como na primeira décadado regime militar brasileiro), e/ou pelo apareci-mento de novas oportunidades de ação política(como em sua segunda década). Dada essa situ-ação, o surgimento de movimentos disruptivosse difunde como que “por imitação”. Nessa fase,o protesto se espalha de um grupo a outro e ten-de a pressionar a estrutura de oportunidades po-líticas visando a abertura de novas oportunidades(como o processo brasileiro de “descompressão”e “abertura” política). Estas mobilizações desen-rolam-se num sentido crescente até o pico do ci-clo. Nesse momento, descrito na literatura como“momento de loucura” (moment de folie, momentof madness), chegamos a uma situação que podeser satisfatoriamente analisada como uma “con-juntura fluida”, vista acima (como na campanhapelas “Diretas Já”). A ela segue-se uma fase des-cendente, de desmobilização, resultado do des-gaste do tema central que monopolizava a agen-da, e marcada pela reciclagem dos movimentos eorganizações, bem como de suas temáticas (cf.TARROW, 1989, p. 50-56). Acrescente-se que omomento descendente poderia ser visto, também,como a porta de entrada para uma nova fase as-cendente.

A partir desta concepção de ciclo, Tarrow falaem “reforma” no plano político institucional comoindicativo de “sucesso” de um ciclo de protestos(o processo Constituinte de 1987-1988 pode servisto por este ângulo). Conforme a situação, po-deria seguir-se um ciclo de reformas como res-posta a um ciclo de protestos. Não se trata deseqüência temporal linear: pode haver umainterpenetração de processos. E associa-se, des-te modo, a efetividade da mobilização dos agen-tes sociais aos processos de mudança institucional.

Cabe agora olhar mais de perto, e por outro

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ângulo, o que temos até aqui chamado de “estru-tura de oportunidades políticas”. Pois o que apa-rece, do ponto de vista dos movimentos, comomudanças nas oportunidades de ação, do pontode vista institucional pode ser percebido comomudanças no regime político.

V. MOBILIZAÇÃO, TRANSIÇÃO, “CON-SOLIDAÇÃO”

Já nos perguntamos qual o efeito doengajamento de um grande número de novosatores num conflito político dado. Mas a mesmapergunta poderia ser feita de outro ângulo: sobque condições institucionais seria facultada e/oufacilitada ou, por outro lado, restringida e/ou difi-cultada, a entrada num dado conflito de um am-plo espectro de novos atores individuais oucoletivos? Ou, por outra: qual o impacto sobreuma institucionalidade, digamos, “pouco toleran-te à participação”, da entrada de um grande nú-mero de novos atores na disputa em torno dosconflitos políticos principais da agenda?

É claro que o desejo contido nestas indaga-ções é o de relacionar a compreensão das mobili-zações conjunturais e dos ciclos de protesto àconfiguração do regime político. Mais especifi-camente, o interesse aqui é relacionar estes ele-mentos aos processos de democratização, ou doque se convencionou chamar de “transição” deregime autoritário e “consolidação” da democra-cia.

Como seria impossível aqui, mais uma vez,uma resenha exaustiva da enorme literatura dis-ponível, tomarei como exemplo representativo doque se pode chamar de “primeira geração” deestudos sobre a transição, os trabalhos deO’Donnell e Schmitter sobre o sul da Europa e aAmérica Latina, em especial suas generalizaçõesconceituais. Quase década e meia depois depublicada, esta análise da transição de regime au-toritário e “consolidação” democrática parece terse tornado uma espécie de senso comum acadê-mico. No entanto, o papel nela atribuído àmobilização política da sociedade organizada,creio, não corresponde ao que se verificouempiricamente durante a alongada transição bra-sileira.

Desde logo estes autores frisam aindeterminação e incerteza características da tran-sição de regime. Trata-se de situação, afirmam,em que várias alternativas estão postas (ingresso

na democracia, volta ao autoritarismo, vazio depoder), mas nenhuma está firmada; situação emque a virtù dos agentes prevaleceria sobre a for-tuna das determinações estruturais; intervalo deregime situado entre a desestruturação doautoritarismo e o estabelecimento de alguma for-ma de democracia; em que as regras do jogo são,antes de tudo, objeto do conflito; regras que “de-finirão, em larga escala, os recursos a seremdespendidos e os atores com permissão de entra-da na arena política” (O’DONNELL eSCHMITTER, 1988, p. 23).

Debalde tanta indeterminação, parece haverporém um caminho “normal” pelo qual passariao processo. O princípio de tudo é a “liberali-zação”, momento da reconquista de direitos for-mais elementares pelos cidadãos, da aquisição deliberdades cuja conseqüência é baixar o custo daexpressão de interesses individuais e coletivos.Uma vez reduzido este custo, a tendência é a erup-ção de focos de descontentamento e contestaçãoao regime, que terão um “efeito multiplicador”.O próximo passo é a “democratização”, entendi-da como o conjunto de “processos mediante osquais as regras e procedimentos da cidadania sãoaplicados a instituições políticas previamentedirigidas por outros princípios [...], ou são ex-pandidos, para incluir pessoas que antes não go-zavam desses direitos nem estavam submetidas aessas obrigações [...] ou, ainda, estendidos deforma a dar conta de temas e instituições que pre-viamente não se encontravam sujeitas à partici-pação dos cidadãos [...]” (O’DONNELL eSCHMITTER, 1988, p. 25-26).

Assim, embora distintas, liberalização e demo-cratização estão associadas, uma vez que quantomais avança a primeira, mais difícil se torna manteras restrições ao efetivo advento da segunda.

A liberalização principia, nessa perspectiva,com o surgimento de tensões entre grupos “du-ros” e “brandos” no interior das forças autoritári-as, pois “não há transição cujo início não sejaconseqüência — direta ou indireta — de impor-tantes divisões no próprio regime autoritário”(O’DONNELL e SCHMITTER, 1988, p. 41-42).O lance seguinte é a formação de alianças demo-cratizantes entre os brandos do regime e os mo-derados da oposição consentida. A grande amea-ça, onipresente nos cálculos deste aindareduzidíssimo grupo de atores, é a de um golpeque reverta a abertura e recrudesça o autorita-

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rismo. Mas a efetividade das alianças e oposiçõesesboçadas só se manifesta quando ocorre, a par-tir da chamada “ressurreição da sociedade civil”,a mobilização política de um amplo leque de for-ças sociais.

De modo muito semelhante às fases do ciclode protesto de que fala Tarrow, O’Donnell eSchmitter vêem três fases no processo demobilização social durante a transição de regime.Na primeira — quando novos atores começam aperceber seu espaço potencial, mas antes de uma“explosão” mobilizatória oposicionista — os bran-dos/moderados parecem representar a melhor al-ternativa; na segunda, quando os protestos alcan-çam o pico, a situação de “desordem” parece fa-vorecer os duros, que acenam com o golpe,acuando os brandos/moderados; na terceira,quando se dá uma desmobilização relativa, “a ca-pacidade de tolerância dos vários atores aumen-tará. Os elementos brandos e indecisos no regi-me já liquidado, assim como as classes e setoressociais que lhe deram apoio, terão aprendido alidar com novos conflitos e demandas, com mo-dificações nas regras do jogo e arranjosinstitucionais, assim como com níveis e padrõesde demandas e de organização populares que ja-mais teriam aceito no início da transição”(O’DONNELL e SCHMITTER, 1988, p. 53-54).

Ou seja, no curso da transição de regime au-toritário — que se afigura, na descrição deO’Donnell e Schmitter, como leito de um “ciclode protesto” típico — a liberalização, sua primei-ra fase, desprende energias estancadas e possibi-lita a descoberta de espaços públicos desativadose identidades coletivas esquecidas ou até entãonão configuradas: “ela pode envolver o ressurgi-mento dos partidos políticos anteriormente exis-tentes ou a formação de novos partidos para exer-cer pressão a favor da democratização ou mes-mo de uma revolução; o aparecimento repentinode livros e revistas dedicados a assuntos há mui-to suprimidos pela censura; a conversão de anti-gas instituições — sindicatos, associações de clas-se e universidade — de agentes de controle go-vernamental em instrumentos para expressão deinteresses, ideais e de raiva contra o regime; aemergência de organizações de base que articu-lam exigências há muito reprimidas ou ignoradaspelo regime autoritário; a expressão de preocu-pações éticas por parte de grupos religiosos e es-pirituais previamente conhecidos pela sua pruden-te acomodação às autoridades; e assim por dian-

te” (O’DONNELL e SCHMITTER, 1988, p. 85).

Tornam-se apoiadores da transição mesmo osgrupos privilegiados que inicialmente apoiaram oregime autoritário e que agora não vêem maisnecessidade em sua permanência, seguidos porprofissionais liberais e setores assalariados de clas-se média, que trazem à cena pública a interven-ção de suas entidades de classe, que ganham ostatus de “entidades representativas da sociedadecivil” e, também, pela re-articulação dos traba-lhadores e do movimento sindical operário. E issosem contar “a literal explosão dos movimentosde base”, especialmente ligados a igrejas.

Configura-se o que Tarrow chama de setor(sub-cultura ou rede) de movimentos sociais, queforma o caldo a partir do qual conjunturas de açãocoletiva disruptiva emergem em meio ao cenáriodas transições de regime (“conjunturas fluidas”,na linguagem de Dobry; “revolta popular”, paraO’Donnell e Schmitter). “Em alguns casos e emmomentos particulares da transição [descrevemeles] muitas dessas diversas camadas da socie-dade reúnem-se para formar o que denominamos‘revolta popular’. Sindicatos, movimentos de base,grupos religiosos, intelectuais, artistas, clérigos,defensores dos direitos humanos e associaçõesprofissionais apóiam-se mutuamente em seus es-forços pela democratização e formam um todomaior que se identifica a si mesmo como ‘o povo’,el pueblo, il popolo, le peuple, ho laos. Esta frenteemergente exerce forte pressão para expandir oslimites da mera liberalização e da democratizaçãoparcial. A fantástica convergência que essa re-volta envolve é ameaçadora, tanto para os bran-dos do regime, que patrocinaram a transição naesperança de controlar suas conseqüências, quan-to para alguns dos seus quase-aliados, os opo-nentes moderados do regime, que esperavam do-minar, sem essa ruidosa interferência, a competi-ção subseqüente pelas mais altas posições do go-verno” (O’DONNELL e SCHMITTER, 1988, p.91-92).

A fase final deste ciclo é a desmobilização.“Em qualquer caso, independentemente da inten-sidade e do pano de fundo de que emerge, a re-volta popular é sempre efêmera. A repressãoseletiva, a manipulação e a cooptação realizadaspelos incumbentes do regime transicional; a fadi-ga produzida por freqüentes demonstrações nasruas; os conflitos internos que estão fadados aocorrer no tocante às escolhas de procedimentos

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e políticas substantivas; um sentimento de desi-lusão ética com relação aos compromissos ‘rea-listas’ impostos por pactos e/ou pela emergênciade padrões autoritários de liderança no interior dealguns dos grupos que a compõem – todos estessão fatores que levam à dissolução da revolta. Aascensão e declínio desta revolta deixa muitasesperanças frustradas e muitos atores desiludi-dos” (O’DONNELL e SCHMITTER, 1988, p. 94-95).

Abrem-se, ao longo destes diferentes momen-tos do ciclo transicional, espaços para a celebra-ção de pactos (ou para um ciclo de reformas, comodiria Tarrow), dados entre grupos restritos deatores, visando redefinir as regras sob as quaisatuam, por meio do estabelecimento de garantiasmútuas. Trata-se, na acepção de O’Donnell eSchmitter, de uma forma de entrada na democra-cia “por meios não-democráticos”, já que os pac-tuantes (via de regra “oligarquias”) “tendem areduzir a competição e o conflito; buscam limitara responsabilidade junto ao público mais amplo;intentam controlar a agenda de prioridades políti-cas; e distorcem deliberadamente o princípio daigualdade entre os cidadãos. Não obstante, estespactos podem alterar relações de poder; promo-ver novos processos políticos e conduzir a resul-tados não antecipados” (O’DONNELL eSCHMITTER, 1988, p. 68).

Ou seja, este tipo de mudança política pactua-da, apesar de ser capaz de abrir novas possibili-dades para a democracia, implica na constituiçãode repertórios de contenção institucionais, for-mulados na medida em que diferentes pactos sãocelebrados.

Segundo nossos autores — embora ressaltemsempre que nos casos reais as fases não são tãolinearmente dispostas — poderíamos distinguirtrês momentos aos quais corresponderiam trêstipos de pactos: o momento militar, equacionadopelo pacto entre duros e brandos em torno daliberalização política e da disposição de volta dosmilitares aos quartéis; o momento político, sacu-dido já pelas mobilizações, no qual a necessidadede restabelecimento dos mecanismos básicos dacompetição política poderia equacionar-se por umpacto destinado a “limitar a agenda de alternati-vas políticas, compartilhar proporcionalmente dadistribuição de benefícios, [e] restringir a partici-pação dos não pactuantes na tomada de decisões.Em troca, os pactuantes concordam em renunci-

ar ao apelo à intervenção militar e ao empenhopela mobilização das massas” (O’DONNELL eSCHMITTER, 1988, p. 73); e finalmente o mo-mento econômico da transição, em que se fariamister enfrentar o legado de crise econômica ede aumento de desigualdades sociais geralmenteherdados do autoritarismo e que poderia serequacionado, por sua vez, nos casos em que fos-se possível, por um pacto entre organizaçõescorporativas do capital e do trabalho nacional-mente centralizadas.

O desfecho “normal” da transição, neste mo-delo, seria marcado por pactos políticos apoia-dos sobre tecnologias de contenção, como semobilizações sociais fossem, ao mesmo tempo,um recurso necessário para ajudar a “distender”o autoritarismo, e uma inconveniência a ser dis-pensada tão logo os recursos acumulados pelaoposição “democrática” fossem suficientes paraa celebração de acordos intra-elite. Nesse desfe-cho, dá-se a convocação de eleições razoavelmen-te competitivas para os cargos fundamentais dogoverno, cujas regras, pactuadas entre os princi-pais atores do processo, quando estabelecidascom sucesso representam as bases de um “con-senso contingente”, em torno do qual a nova de-mocracia se estabelece. O impacto destas elei-ções fundadoras, para O’Donnell e Schmitter, serádiferenciado conforme os resultados obtidos pe-las forças mais à direita ou mais à esquerda. Se-gundo os autores, haverá maiores chances deestabilização se os resultados do centro-direitaforem satisfatórios.

Em suma, a “transição se encerra quando a‘anormalidade’ já não constitui a característicaprincipal da vida política; acontece quando osatores estabelecem — e respeitam — um conjun-to de normas mais ou menos explícitas que defi-nem os canais a serem utilizados para acesso acargos de governo, os meios que podem empre-gar legitimamente em seus conflitos, os procedi-mentos a se aplicar na tomada de decisões esta-tais, e os critérios usados para excluir do jogo.Em outras palavras, a normalidade torna-se umacaracterística principal da vida política quandoaqueles que estão ativos na política nutrem a ex-pectativa de que todos ajam de acordo com asregras — e ao conjunto dessas regras de jogodenominado regime” (O’DONNELL eSCHMITTER, 1988, p. 107, sem grifos no origi-nal).

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Uma vez que os procedimentos principiam seuprocesso de rotinização, estes autores tendem aconsiderar que adentramos o momento de “con-solidação” da democracia. O que se espera destafase é que nela seja possível estruturar e legitimaras coletividades, identidades políticas, arranjosespecíficos e recursos que tenham surgido du-rante a transição. Trata-se da institucionalizaçãoda incerteza própria à democracia, a partir de umquadro de referências “estabilizado”. Não se tra-ta de um simples prolongamento da transição. Aconsolidação tem, na perspectiva destes autores,uma dinâmica própria. Os dias tormentosos,conflitivos e incertos em que os regimes autori-tários são derrubados vão, paulatinamente, sen-do substituídos por momentos de “normalização”,de “rotinização” — agora em padrões democráti-cos — da vida política. “Enquanto que durante atransição uma forma pura de causalidade políticatende a predominar, numa situação de mudançarápida, alto risco e escolha estratégicaindeterminada, durante a consolidação os atorestêm [...] que organizar suas estruturas internasmais previsivelmente, consultar seus ‘constituin-tes’ mais regularmente, mobilizar seus recursoscom mais confiança, considerar as conseqüênci-as de longo prazo de suas ações mais seriamente,e geralmente experimentar os constrangimentosimpostos por deficiências materiais e resistênci-as normativas profundamente arraigadas de modomuito mais perceptível” (SCHMITTER, 1985, p.6).

A partir do funcionamento regular de umlegislativo eleito livre e competitivamente, tidosempre como instituição central da nova demo-cracia, seriam definidas algumas questõescruciais: a natureza e o caráter da representaçãoterritorial; a relação entre os partidos (no planoeleitoral e no parlamento); a autonomia das agên-cias estatais e para-estatais; as estratégias dasassociações de interesses; as formas de relacio-namento com as pressões sociais etc. É, enfim,o processo de estabilização da representação seestruturando, via dois canais genéricos de aces-so: o territorial, controlado por partidos; e o fun-cional, manipulado por associações de interesse.

Qual seria o sentido, pois, da eventual presen-ça de protestos políticos ou mobilizações de mas-sa, se as demandas sociais passam a ser expres-sas pelos canais rotineiros, pelo voto ou pelopertencimento organizacional estruturado?

Para Schmitter e O’Donnell, após a entradaem operação dos processos acima e a rotinizaçãoda alternância (ou de um maior realinhamento)dos partidos no poder, estaria completada aregulação interna das principais instituições de-mocráticas: competição partidária, atuação dasassociações de interesses, parlamento funcionan-do, poder executivo responsável. Padrões con-tingentes se tornariam então estruturas firmadas,práticas e normas seriam convertidos em leis ouregulamentos embasados na autoridade do Esta-do e na letra da Constituição. No que tange aosatores e arenas do conflito que se impõem napassagem dos regimes autoritários aos democrá-ticos, observa Schmitter que “[...] assim comoO’Donnell e eu propusemos que os movimentosforam o espaço crucial para a determinação dosresultados da derrocada do regime autoritário eque os partidos foram centrais na transição paraa democracia, agora proporei que o parlamento e[...] as associações de interesse são os espaçosonde a consolidação será decidida”(SCHMITTER, 1985, p. 22, sem grifos no origi-nal).

Em suma, o que se passaria da transição àconsolidação da democracia seria uma transfor-mação das contingências engendradas no perío-do conflitivo de derrocada do autoritarismo emum padrão institucional estruturado, rotinizado,normalizado. Um processo no qual atores políti-cos de vocação disruptiva, de um lado, ou re-pressiva, de outro, simplesmente sairiam de cena,ou então transformar-se-iam em gruposinstitucionalizados (internamente falando) cominteresses estruturados, ocupando posições dife-renciais com relação à institucionalidade político-jurídica. Um processo no qual as próprias regrasconstitutivas do regime deixariam de ser objetodo contencioso e passariam a balizar expectati-vas mutuamente normalizadas. Um processo aocabo do qual estariam recolocadas em seus devi-dos lugares – com ou sem rearranjos — inclusi-ve aquelas relações de assimetria social que enra-ízam a dominação política numa dominaçãoeconômica.

Pelo modelo O’Donnell/Schmitter, as mobili-zações, que estavam no centro da arena no mo-mento de se forçar as portas da “liberalização”, eos partidos, que foram os canais privilegiados noencaminhamento da “democratização”, dão lugar,com o advento da “consolidação democrática”, àprevalência, no centro da cena pública, do parla-

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mento, como arena por excelência do conflitoregrado, e dos grupos de interesse corporativoorganizados como atores políticos privilegiadosde um jogo cujas regras tendem a ser universal-mente conhecidas e rotineiramente aceitas, por-que anteriormente pactuadas.

Esse modelo parece-me empiricamente insu-ficiente. Ao contrário de Huntington, que vê amobilização social como erupção disfuncional eproduz uma análise que é antes uma explicaçãoconservadora da emergência do autoritarismoenquanto resposta institucional à mobilização,O’Donnell e Schmitter vêem a mobilização socialdo ponto de vista de sua funcionalidade no querespeita ao processo de erosão da institucionalidadeautoritária. Porém, assim como no primeiro, nossegundos também não há instrumentos analíticospara dar conta da erupção de conjunturas de for-te mobilização social em contextos institucionaisdemocráticos. Mobilizações em contextos demo-cráticos, se levarmos tal modelo ao pé da letra,constituiriam anomalias. O enfoque funcional e ainsistência na disjuntiva transição/mobilizaçãoversus consolidação/desmobilização, inerentes aomodelo O’Donnell/Schmitter, limitam seu podercompreensivo e, além do mais, não permitem quese leve em consideração a contribuição damobilização da sociedade organizada para a cons-trução positiva de uma institucionalidade demo-crática.

Pretendo, a título de um comentário final, des-tacar que no processo brasileiro de transição econsolidação democráticas as novas instituiçõesnão rotinizaram uma competição política de moldepoliárquico porque os pactos da transição, porterem sido firmados entre atores de perfiloligárquico, deram sobrevida ao padrão autoritá-rio anterior de relação entre a sociedade e o Esta-do; e também porque, em função disso, as refor-mas institucionais oferecidas pelo sistema políti-co como resposta às mobilizações da transiçãotiveram por objetivo limitar o alcance da sociali-zação da política em vez de institucionalizar acompetição ampliada; e, finalmente, porque a ex-clusão social, subproduto da modernização con-servadora, compôs um campo social cindido en-tre a sociedade organizada e mobilizada, de umlado, e uma massa inorgânica e desmobilizada,de outro, inviabilizando com isso o engajamentode amplas faixas da população no processo departicipação política. Desenvolverei esse raciocí-nio mais abaixo.

Por hora, lembro que O’Donnell, em artigomais recente (1996), insinua que, para formaçõessociais como as latino-americanas, o cotejo dosprocessos efetivos de construção democráticacom o modelo da poliarquia de Dahl tende a des-tacar apenas as lacunas e insuficiências dos sis-temas políticos reais. Suas positividades, assim,deveriam ser buscadas em uma tradição políticaprópria. Penso, diferentemente, que o construtode Dahl, justamente por seu caráter ideal-típico,é o instrumento mais adequado para desvelar opeso negativo da tradição política clientelista e au-toritária de países como o Brasil sobre as possi-bilidades presentes de institucionalização da de-mocracia. É justamente do advento da “demo-cracia por meios não-democráticos” que estes li-mites emergem. Se reconstruirmos, porém, oprocesso de mobilização crescente da sociedadeorganizada durante a transição, veremos que sem-pre houve uma alternativa histórica a esta contra-dição “em termos”.

VI. DEMOCRATIZAÇÃO SEM DEMOCRACIA

É certo que, conforme esperado pelo modeloO’Donnell/Schmitter, a arena parlamentar ganhapeso significativo durante e após a redação e pro-mulgação da Constituição brasileira de 1988. Não,porém, na condição de locus institucional em quese processam as demandas societais.

A imagem que se incorporou ao senso comumacadêmico de um contraponto linear entre umatransição conflitiva e uma competição políticademocrática estável centrada na arena parlamen-tar e na representação societal via grupos de inte-resse, no caso do Brasil, não corresponde aosfatos, entre outras, pelas seguintes razões.

Em primeiro lugar, porque os pactos políticosfirmados, embora tenham garantido a superaçãodo regime, não tiveram por objeto mover o siste-ma político em direção à institucionalização deuma nova ordem de relações entre Estado e so-ciedade. O modo pelo qual os pactos da transiçãose deram contribuiu antes para gerar, ao longo daNova República, um “clima” de ampla insatisfa-ção da sociedade com os resultados desses pac-tos, seja com respeito ao fracasso dos experi-mentos de estabilização monetária, seja com res-peito à disseminação de práticas tradicionais “fi-siológicas” incompatíveis com o momento de re-construção institucional. A crise do Estado, en-quanto crise do pacto de dominação vigente sob

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o autoritarismo (cf. SALLUM JR., 1995), que nãopode ser discutida nos estreitos limites deste tra-balho, amalgamou-se às outras dificuldades en-contradas pela rotinização democrática da com-petição política, confrontando, no conflitotransicional, a tendência à socialização do jogopolítico própria à lógica da sociedade organizadae mobilizada à tendência à privatização do jogo,própria à lógica tecnocrática dos administrado-res econômicos sob uma situação de crise fiscale endividamento externo (cf. LOUREIRO, 1997).

A heterogeneidade da coalizão que possibili-tou a transição inviabilizou, nesse sentido, aefetivação das expectativas por ela própria susci-tadas — basicamente a idéia de que deveriam serinstitucionalizadas novas articulações entre asassociações de interesse emergentes e o poderpúblico, este último a ser remodelado. Nem oEstado nem sua forma de intervenção nos pro-cessos econômico e político foram substancial-mente alterados, o que representou uma longasobrevida do padrão corporativista e autoritáriode relação com a sociedade organizada. O efeitoda eclosão da participação organizada e autônomados novos e antigos atores sóciopolíticos foi tor-nar letra morta boa parte deste tipo de regula-mentação, o que, no entanto, não resolve o pro-blema institucional. Mas é certo também que, pelolado da sociedade, a setorização dos atores tradi-cionais (as organizações sindicais e empresari-ais) impossibilitou a formulação de projetos glo-bal ou parcialmente consistentes ao nível das as-sociações de interesse e deslocou para o Executi-vo e o Congresso — em especial no momentoConstituinte — o gerenciamento da instituciona-lização, fazendo chegar à instância legislativa de-mandas dispersas e/ou de cunho exclusivamentecorporativo (DINIZ, 1992).

Em segundo lugar, a tendência recente à cons-tituição de uma sociedade “moderna, dinâmica epluralista” (DAHL, 1989), que servisse de base auma competição política em moldes horizontais(à imagem do sistema político americano) nãochegou a ser capaz — em especial por conta daresistência ferrenha das velhas estruturasclientelistas e da direita que delas se vale — dedotar o novo regime, que se desenhava, de umainstitucionalidade formal tipicamente poliárquica,apesar de atuar de fato nesse sentido. Acomplexificação social que se observou ao longodas décadas de sessenta, setenta e oitenta teveimpacto não imediato e pouco evidente sobre as

mudanças na institucionalidade política formal,embora tenham impactado diretamente o proces-so de emergência de novos atores e a mobilizaçãopolítica da sociedade. O sistema político, presoao padrão clientelista, respondeu com um “ciclode reformas” parcial e limitado (e sobretudo in-capaz de instituir um padrão efetivamentepoliárquico) ao “ciclo de protestos” deflagradona transição.

Assim, se por um lado, “houve mudanças subs-tanciais nos padrões associativos e nas formasde mobilização”, isto é, “intensificou-se o pro-cesso de urbanização, aprofundou-se a diferen-ciação social, ampliou-se e fortaleceu-se a capa-cidade de organização”, e, em função disso,“[a]mpliaram-se substancialmente as pressões edemandas sobre o sistema institucional e o siste-ma político”, por outro lado, no entanto, “os efei-tos políticos dessas mudanças foram superesti-mados”, tanto pelos próprios atores políticos en-volvidos quanto pelas formulações teóricas dosanalistas. As limitações de ordem política ao al-cance dessas mudanças sócio-econômicas podemser atribuídas, por seu turno, a duas causas, asaber. Por um lado, como notaram Camargo eDiniz, “o processo de mudança obedeceu antes auma lógica incrementalista do que a uma dinâmi-ca de ruptura com padrões já estabelecidos, tan-to no que se refere a segmentos da elite quanto àsorganizações populares” (1989, p. 11). Dito deoutro modo: os pactos que coroaram o desfechoda transição limitaram o alcance da retomada doprocesso de mobilização política crescente dasociedade, desencadeado pela complexificaçãosocial produzida pela modernização econômica.Como apontei em outro trabalho, no episódio de-cisivo da campanha pelo restabelecimento de elei-ções diretas para a Presidência da República, em1984, a “lógica da negociação” prevaleceu sobrea “lógica da ruptura”, isto é, o refluxo da ampli-ação havida na arena política em direção a umasituação, novamente, de disputas intra-elite —embora estas não sejam comparáveis, em termosde excludência social, às que dominaram o perí-odo anterior a 1964 — prevaleceu sobre a lógicada “socialização” do conflito (cf. RODRIGUES,1993). Por outro lado, os “aperfeiçoamentos dacapacidade de organização não se traduzem au-tomaticamente em absorção satisfatória pelo sis-tema político institucional”, isto é, o conflito doqual emergiu a institucionalidade formal pós-au-toritária resultou na prevalência das posições da-

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queles atores que tinham interesse em construirmecanismos que antes limitassem a absorção demodo autônomo e dar trânsito à intervenção so-cial organizada sobre o processo político. “Cris-talizou-se, portanto, o hiato entre a sociedade e oEstado, gerando um foco de crises crônico e per-manente” (CAMARGO e DINIZ, 1989, p. 11).

Em terceiro lugar, dado o perfil socialmenteexcludente da modernização por que passou o país,a faceta organizada da sociedade tem compostoo terreno societal ao lado de imensas massaseconômica e politicamente marginalizadas, com-prometendo o volume e a eficácia das demandassubstantivas. Se os setores sociais organizadoscarecem da contrapartida do Estado em termosde uma institucionalização formal eficaz dos ca-nais de acesso ao processo político, as massasinorgânicas crescentes continuam sob o domínioda institucionalidade informal clientelista(notadamente o coronelismo e o populismo, en-tendidos aqui não como um fenômeno históricodatado, mas antes como uma matrizcomportamental). Como observou FranciscoWeffort, “a ordem política inaugurada no Brasilem 1988-89 reflete um processo de transição noqual essas duas dimensões da democratização(liberalização e participação) tiveram um cresci-mento extremamente desigual. O aumento daliberalização (do direito à informação e à expres-são) foi muito maior do que o da participação —isto é, da capacidade do povo de influenciar ogoverno e suas políticas, seja por eleições, sejapor outros meios democráticos” (WEFFORT,1992, p. 21-22).

E isso apesar das possibilidades de participa-ção formalmente facultadas pela Constituição de1988 (cf. BENEVIDES, 1991). Segundo a pers-pectiva de Weffort, o Brasil vive presentementeum sistema dual, que opõe marginalizados e inte-grados, estes últimos os únicos a acessar os me-canismos de participação. Assim, embora ainstitucionalidade democrática formal faculte apossibilidade de influência, a marginalização decaráter sócio-econômico, que diminui a capaci-dade de organização dos grupos sociais — ao ladoda influência da institucionalidade clientelista ain-da existente sobre os comportamentos dessessetores desorganizados — tem vedado seu exer-cício de fato.

Diante destas e de outras questões que não épossível abordar aqui, seria no mínimo enigmáti-

co falar em “democracia consolidada” no Brasil.

A crise política vivida na transição brasileiraconfigurou-se numa crise eminentementeinstitucional. Mais especificamente, foi uma cri-se de incompatibilidade entre instituições formaisaspirantes à poliarquia (mas marcadas pelo“casuísmo” e por uma concepção autoritária derelação com a demos) e processos políticosefetivos em que a sociedade organizada, intervin-do com mobilizações que tenderam a ampliar oespaço público, confrontou-se com tecnologiasinstitucionais de contenção viabilizadas por práti-cas de inspiração tradicional, tendencialmenterestritivas do espaço público, e portantotendencialmente antidemocráticas. “Os desloca-mentos sociais das últimas décadas [notaWanderley Guilherme] produziram a emergênciade realidades sociais inéditas, e redefiniram o sig-nificado político de situações mais antigas. Oresultado agregado mais significativo dessas mo-dificações consiste no intenso confronto entre oprocesso político instaurado por essas novas re-alidades e o velho processo político característi-co do corporativismo subdesenvolvido associa-do ao populismo irresponsável. [...] Em poucaspalavras, a essência da crise institucional con-temporânea define-se pelo fato de que o proces-so político real deixou para trás, e muito longe,as instituições criadas há cinqüenta anos. Ocorporativismo subdesenvolvido está em criseporque não consegue conter mais encapsulado oprocesso normal de competição entre os diver-sos segmentos sociais. Ao mesmo tempo, aindanão se desenharam com clareza os marcosinstitucionais que irão balizar a evolução históricafutura” (SANTOS, 1993, p.37-38, sem grifos nooriginal).

E o problema não se limita ao sistema deintermediação de interesses corporativos. A “gran-de política” (parlamento, partidos, eleições) tam-bém continua refém de uma institucionalidadeinformal herdeira da tradição clientelista e autori-tária que concorre com o “pacote institucional”poliárquico e obstaculiza sua implantação efetiva.

O importante a destacar aqui é que em dife-rentes oportunidades, ao longo do processo dedemocratização — seja no momento seminal dacampanha das diretas, seja no processo Consti-tuinte, seja na eleição presidencial de 1989 —houve oportunidades históricas para escolhaspolíticas que privilegiassem a institucionalização

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da poliarquia em detrimento da manutenção detraços institucionais autocráticos e tradicionais.

Nesse sentido, apenas indicarei uma questão— a ser desenvolvida em outra oportunidade —que pode iluminar a análise da construção destainstitucionalidade híbrida e do estreitamento rela-tivo dos espaços de mobilização sob a democra-cia recente. Trata-se da constituição, nas déca-das de 1980 e 1990, de dois pólos político-ideo-lógicos distintos na política brasileira. Cada qualgestando e procurando implementar modos di-versos de enfrentamento das questões fundamen-tais do processo de democratização, ou seja: oproblema do Estado — a crise fiscal/financeira ea crise do poder público (poder de Justiça e depolícia, manutenção da ordem etc) —, o proble-ma da estruturação do regime — no que respeitaao mencionado conflito entre a institucionalizaçãodo “full package” poliárquico em meio às remi-niscências oligárquicas — e o problema da parti-cipação — relativa tanto às tecnologiasinstitucionais de contenção da participação dasociedade organizada e mobilizada, inseridas oumantidas mesmo em contexto democrático, quan-to às barreiras sócio-econômicas limitativas daparticipação de amplos setores inorgânicos dasociedade brasileira.

Por um lado, o campo ético-político gestadoa partir dos movimentos populares urbanos e donovo sindicalismo da década de setenta espraiou-se para o espaço público de abrangência nacio-nal, especialmente com a formação do PT e suaascensão eleitoral durante os anos oitenta e no-venta. Esses atores, basicamente polarizados emtorno da esquerda partidária e do sindicalismo detradição combativa, buscaram tratar o problemado Estado a partir da idéia de desprivatização,isto é, da remoção dos enclaves empresariais desuas posições privilegiadas frente ao aparelho deEstado e do aumento de transparência na relaçãodeste corpo estatal com a sociedade, e isso comouma fórmula para a superação da crise financeirae de autoridade pública de que padece o Estadobrasileiro; assim como buscaram tratar o proble-ma do regime no sentido da equalização regradada competição política (sem “casuísmos” eparticularismos) e, portanto, no sentido dapoliarquia; e, finalmente, buscaram tratar do pro-blema da participação enquanto mobilização dasociedade organizada em moldes autônomos (e

não mais populistas), justamente porque esta vialhes possibilitou o acúmulo de recursos políticosnecessários para fazer frente aos adversárioscontroladores do aparelho de Estado.

Por outro lado, a recepção da ideologianeoliberal no Brasil operou-se com o intento, en-tre outros, de contrapor-se à ética pública porassim dizer “tocquevilleana” surgida nos anossetenta. A esta ética associativista e solidária aideologia neoliberal contrapôs uma ética de mer-cado, privatista e pré-liberal-democrática, comouma de suas contribuições para a formação dasatitudes e para o balizamento do comportamentodos atores. Uma ética de mercado que associou-se intimamente, por sua vez, à tradição clientelistae autocrática cultivada tradicionalmente pela di-reita. No Brasil, mesmo sem a presença da rela-ção entre os interesses organizados e o WelfareState, que tornara-se o alvo mais imediato dascríticas neoliberais nos países industrializados, talideologia não deixou de voltar-se contra arecentíssima organização política dos trabalhado-res e dos segmentos populares. Os atores quecompuseram este pólo buscaram enfrentar a cri-se financeira do Estado a partir das noções deEstado mínimo e das reformas orientadas para omercado (que assentam-se sobre a idéia dedesregulamentação dos direitos sociais) e, nesseprocesso, mais valeram-se das reminiscênciasinstitucionais oligárquicas do que buscaram es-tabilizar uma ordem institucional de perfilpoliárquico. Do mesmo modo, no intuito de ob-ter a margem de manobra adequada ao enfoquetecnocrático e centralizador de gestão econômicae de implementação das políticas de estabilizaçãomonetária por eles adotado — em nome, maisuma vez, da governabilidade —, apostaram nacontenção da mobilização da sociedade organiza-da e na cooptação (desta vez por via dos media edo marketing político) das amplas parcelas de-sorganizadas da população, seja no âmbito doconflito distributivo, seja no âmbito do processoeleitoral.

O segundo pólo, como se sabe, vem se tor-nando crescentemente hegemônico, mas as re-correntes crises econômicas internacionais e osavanços eleitorais da esquerda doméstica apon-tam para um acirramento do conflito e, com ele,novos picos de mobilização.

Recebido para publicação em janeiro de 1998.

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Alberto Tosi Rodrigues ([email protected]) (http://www.politica.pro.br) é Mestre em Ciência Política,Doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Professor deCiência Política e Sociologia do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do EspíritoSanto (UFES).

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João Roberto Martins Filho (Universidade Federal de São Carlos)

This article studies the impact of Cuban Revolution on interamerican relations in the period between 1959 and 1964 and, specifically, the heritage of contra-insurrection theory, exported with enthusiasm during the Kennedy government. In this period, Latin America had a prominent position in the agenda of both the State Departament and the Pentagon, something expressed in a multiplication of American military support and in the reinforcement of anti-subversive undertakings, historically performed by the military. Inside the United States, on the other hand, the employment of the so-called Special Forces was problematic, generating resistence and tension inside the Armed Forces.

KEY WORDS: Cuban Revolution; Kennedy government; Latin America; contra-insurrection; military support.

THE STUDY OF INTERNATIONAL RELATIONS IN BRAZIL: THE STATE OF THE ART

Shiguenoli Miyamoto (Universidade Estadual de Campinas)

This article reviews the study of International Relations in Brazil in two periods: before and after 1978. In the first period, we verify a small number of professionals and institutions devoted to these themes, whereas in the decade of the 1980´s there was a notable increase in those numbers, specially with the creation of several undergratuate programs offering degrees in International Relations. The article also points to the difficulties faced by this area in the country, given intermissions in both teaching and research institutions devoted to the theme as well as in specialized publications.

KEY WORDS: International relations; Brazilian external politics; International Relations teaching institutions; International Relations periodicals.

DEMOCRACY AND SOCIAL MOBILIZATION: AUTONOMOUS PARTICIPATION AND POLITICAL INSTITUTIONS IN THE BRAZILIAN TRANSITION

Alberto Tosi Rodrigues (Universidade Federal do Espírito Santo)

This article offers an understanding of society´s political mobilizations and demobilizations as a counterpart of the processes of enlargement and narrowing down of institutional channels that regulate the actors´ interaction, such as "socialization" or "privatization" movements of socio-political conflicts. Focusing on the Brazilian case, the article discusses the democratic transition and "consolidation" from the perspective of permeability of the political system in relation to the autonomous participation of the mobilized society.

KEY WORDS: mobilization; democracy; transition; political conflict.

BRAZILIAN MOVIES IN THE ESTADO NOVO: DIALOGUES WITH ITALY, GERMANY AND USSR

Cláudio Aguiar Almeida (Universidade de São Paulo)

This article analyses the relation between Brazilian movie producers and the State in the creation of agencies for incentive and protection of Brazilian cinema and in the elaboration of cultural projects aiming to use movies as an instrument of education and propaganda during the "Estado Novo" (1937-1945). In the 1930's and 40's, Brazilian movie-makers, fascinated with systems of official cinematographic production in Germany, Italy and the USSR, vindicated similar interventions of the Brazilian government, considering them as necessary for the implementation of a national cinematographic industry.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA N0 12: 195-197 JUN. 1999

LES ETATS-UNIS, LA RÉVOLUTION CUBAINE ET LA CONTRE-INSURRECTION

João Roberto Martins Filho (Universidade Federal de São Carlos)

Cet article étudie l’impact de la Révolution Cubaine sur les relations interaméricaines entre 1959 et 1964 et plus particulièrement, l’héritage laissé par la théorie de la contre-insurrection, exporté avec enthousiasme sous le gouvernement Kennedy. Pendent cette période, l’Amérique Latine a figuré au centre des intérêts du Départament d’Etat et du Pentagone, ce qui s’est traduit par la multiplication de l’aide militaire Américaine et par le renforcement du rôle antisubversif, rempli historiquement par les militaires. Par contre, aux États-Unis, l’emploi des Forces Spéciales a été problématique et a engendré des resistances et des tensions au sein des Forces Armées.

MOTS-CLES: révolution cubaine; gouvernement Kennedy; Amérique Latine; contre-insurrection; aide militaire.

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L’ÉTUDE DES RELATIONS INTERNATIONALES AU BRÉSIL: L’ETAT DE L’ART

Shiguenoli Miyamoto (Universidade Estadual de Campinas)

Cet article dresse le bilan de l’étude des Relations Internationales au Brésil au cours de deux périodes: avant et après 1978. Au cours de la première période, on peut noter un nombre réduit de professionels et d’institutions Qui se consacrent à cette thématique, alors qu’à partir de 1980 on remarque une amélioration significative, due notamment à la création de plusieurs cours Universitaires dans le domaine des Relations Internationales. L’article souligne également les difficultés rencontrées dans l’étude des Relations Internationales au Brésil, face aux intermittences des instituitions de renseignement, de recherche et des publications spécialisées.

MOTS-CLES: relations internationales; politique étrangère; instituitions de renseignement dans le domaine des relations internationales; périodiques.

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DEMOCRATIE ET MOBILISATION SOCIALE: PARTICIPATION AUTONOME ET INSTITUITIONS POLITIQUE AU COURS DE LA TRANSITION BRÉSILIENNE

Alberto Tosi Rodrigues (Universidade Federal do Espírito Santo)

Cet article interprète les mobilisations et les démobilisations politiques de la société en vue des processus d’accroissement et de rétrécissement des voies institutionelles qui conduisent l’interaction des acteurs sociaux. Considérant le cas du Brésil, on discute la transition politique et la consolidation du régime démocratique dans l’optique de la perméabilité du système politique à la participation autonome de la société.

MOTS-CLES: mobilisation; démocratie; transition; conflit politique.

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LE CINÉMA BRÉSILIEN SOUS LE ESTADO NOVO: DIALOGUE AVEC L’ITALIE, L’ALLEMAGNE ET L’URSS

Claudio Aguiar Almeida (Universidade de São Paulo)

Cet article analyse d’abord la relation entre les réalisateurs brésiliens et le rôle de l’Etat au moment de la création d’organismes chargés de stimuler et de défendre le cinéma national; et puis, l’élaboration des projets culturels proposant l’utilisation du cinéma comme moyen d’éducation et de publicité sous le Estado Novo (1937-1945) à la fois. Dans les années trente et quarante, les cinéastes brésiliens fascinés par les systèmes officiels de production cinématographe de l’Allemagne, de

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