deixo-a respirar. - você me assustou. vamos ficar ao pais não necessitam mais um motivo para...
TRANSCRIPT
1
Capítulo 1
- Por favor Melanie abra os olhos, por favor!
Pressiono seu pulmão e faço respiração artificial, só então ouço seu coração,
mas ela não abre os olhos. O medo me faz gritar seu nome:
- MELANIE!
Seus olhos azuis aparecem, ela tosse a água dos pulmões e volta para mim,
repentinamente senta-se:
- Richard! Desculpe-me! – nos abraçamos.
- Está tudo bem agora! – deixo-a respirar. - Você me assustou. Vamos ficar ao
sol, você precisa se aquecer!
Enquanto sentamos em campo aberto ao sol da manhã, entre nossa mansão e
o pequeno lago mantemos silêncio. Acabo de salvar a vida de minha irmã de um tolo
acidente e preciso decidir se isso deve ser mantido em segredo. Seus conflitos com
nossos pais não necessitam mais um motivo para punições e considero não revelar
este.
Para minha irmã fica a lição quanto a seu excesso de vivacidade que sempre a
coloca em situações despropositadas.
Após algum tempo seu silêncio me preocupa, ela não diz nada e eu a
questiono:
- Por que fez isto Melanie? – ela responde em um tom baixo.
- Eu quis alcançar o remo para te ajudar.
- Mas eu estava daquele lado e nós dois do mesmo lado desequilibrou o barco,
não é mesmo?
- Eu sei, não sou a inteligente da família, apenas me desculpe.
- Pode não ser a inteligente, mas você é a pessoa mais importante que existe
para mim e não posso perder você.
Após a fracassada travessia em direção à residência de nossa amiga Caroll,
retornamos para casa. A tentativa de tomar o atalho pelo lago era comum, mas hoje a
euforia de minha irmã foi demasiada. Em nosso retorno pondero sobre as poucas
similaridades entre nós, é um desafio equilibrar nossas afinidades mesmo sendo seu
irmão gêmeo.
Aproximamo-nos de nossa residência centenária, caminhado ao lado do muro
de pedras e a recepção de nossa mãe é condizente com a nossa aparência:
2
- O Meu Deus Melanie, você está horrível, como pôde comportar-se assim!
Siga imediatamente para lavar-se antes do almoço. – e ela segue, olhando para o chão.
- Me desculpe senhora.
Minha aparência similar não é questionada, um privilégio que possuo pelo
orgulho maternal em minhas aptidões intelectuais. Aptidões que permitiram que
soubesse procedimentos de primeiros socorros, mas não me fazem compreender os
distintos relacionamentos das pessoas a minha volta.
Na mesma noite uma Melanie desobediente vem ao meu quarto:
- Richard, trouxe uma panela de chocolate da cozinha!
- Melanie, você está de castigo! Não deixe ser pega, está bem.
- Não se preocupe! Mas você quer ou não?
Ela sempre gostou de doces e por isso a chamava de Cherry em segredo.
Sua presença é uma fuga para meus pensamentos, me distrai das inquietudes
de minha geração como a guerra fria e as ameaças nucleares. Essas preocupações
nunca incomodaram minha irmã e para ela parece que seu acidente ocorreu tempos
atrás.
A despeito destas reflexões a rotina sempre se manteve com os empregados
atendendo nossas necessidades e apesar do ambiente tradicional minha infância não
foi nada normal.
Fui batizado em homenagem a meu tataravô, Robert Quannt, mas recebi um
prenome monárquico, Richard. Somos membros de uma família de ascendência
privilegiada destinados a assumir as tradições de classes elitistas.
Minha irmã Melanie, não possuiu o mesmo ímpeto intelectivo, não aprendeu
leitura com três anos de idade e não foi aferida com ensino privilegiado, mas é
aparente que a maior diferença entre nós não é física ou intelectual. Melanie possui
uma excepcional capacidade de ter emoções enquanto eu não expresso nenhuma.
Prefiro a avaliação de Melanie sobre mim. Ela tem explicações simples para
minhas introspecções, acredita que quando nascemos eu fiquei com toda a razão e ela
com todas as emoções.
Somos levados pelo motorista ao colégio, sempre percorrendo uma distância
razoável pela névoa da manhã e apesar da companhia de colegas, sinto-me solitário,
pois não adiciono muito contato com outras pessoas.
Semanalmente realizamos saídas para a cidade de Harrogate, algo muito mais
apreciado por Melanie e minha mãe.
3
O isolamento era reduzido ao assistir televisão e o Reino Unido dos anos
setenta era um vislumbre de conflitos. A informação que chegava a mim me deixava
ávido pelo contemporâneo e mesmo com pouca idade sei que isso me afasta das
pretensões de meu pai.
Seu olhar orgulhoso pelos meus talentos não percebem que não possuo
interesses nos negócios da família, mesmo assim evito um confronto, seria
desgastante e dispensável. Melanie ao contrário de mim é uma eficiente questionadora
de tudo que acontece em nosso universo.
Meus questionamentos são limitados ao estudo da dinastia de minha família,
onde reconheci seu sucessor mais ávido, Robert Quannt. Minha curiosidade estava
além da biografia de meus antepassados, procurava um arquétipo para espelhar
objetivos.
Descobri que durante a revolução industrial no Reino Unido, ele assumiu a
mineração de carvão nas terras da família logo após a morte do pai. Decidiu não
aceitar um lugar imposto na sociedade e mudou sua convicção e escrúpulos. Teve uma
educação clássica e enriqueceu além do modelo de classes burguesas. Meu tataravô
não teve irmãos e para os dois filhos além dos traços genéticos, cabelo castanho e
estatura, deixou poder.
Passo o tempo na biblioteca de casa, lendo sobre o poder e sua origem. Lá fora
minha irmã era acompanhada em cavalgadas e deleitava-se com sua imaginação sobre
as terras de origem insipiente.
Vejo nos antigos mapas de nossas terras o motivo da mansão Quannt ser
singular e ter apenas um vizinho. No século dezenove ter conhecimento sobre
minérios impulsionou a ganância pelo carvão. Nossas terras não foram ilegitimamente
tomadas, mas Robert Quannt um grande orador, convenceu a muitos sobre ilusão da
vida nas cidades.
Essa perspicácia em manipular multidões não passou despercebida e nós, os
Quannt, obtivemos nossas vastas terras e adentramos ao seleto grupo que garantia as
reservas de carvão para o Império Britânico.
Minhas descobertas são interrompidas por Melanie procurando companhia
para correr. Deixo momentaneamente minhas buscas para tentar me aproximar do
membro mais importante na família.
Minha avalição sobre minha irmã provava que perdia experiências
importantes, já que Melanie era muito mais feliz, em todos os sentidos. Para mim a
capacidade de observar e entender um mundo ameaçado criava uma melancolia.
Mas sei que nossa inevitável separação ocorrerá logo. Com minha educação
antecipada concluiria o secundário e ela o começaria. Ela está ansiosa pelo regime de
4
internato, mas para mim já podia antecipar os efeitos típicos de um jovem gênio entre
colegas maiores.
Procuro aproveitar o tempo regressivo e retomar nossas idas até Caroll:
- Cherry, retirei o barco do lago e precisamos atravessar. Pode ir pela estrada
e serão longos quilômetros, mas se você confia em mim, me acompanhe!
- Sim! Mas não faça nenhuma brincadeira idiota.
- Sabe que sou incapaz disso. Suba!
Uma confiança aparente é reconquistada, afinal quando não estou presente
Cherry percorre todo caminho ou solicita ser levada pelo motorista.
Melanie tornou-se amiga de Caroll como faz com todos que cruzam seu
caminho, uma qualidade que não consigo igualar, amizades na escola, com
empregados e nossa vizinha da mesma idade.
A família de Caroll tem influência política nas terras próximas as nossas, mas
são influências liberais. Foi nestes contatos com Caroll que alterei meu
comportamento autocentrado. A família dela menos recatada permitia que eu fizesse
comparações afetivas com meus pais. Isso gerou certos discernimentos em minha já
afetada relação. O tratamento para com as pessoas em nível de igualdade era uma
qualidade que não receberia da educação de meus pais conservadores.
Meu pai constantemente se desloca para administrar os trabalhos nas minas
de carvão, o que torna a tarefa da paternidade uma atividade familiar ausente. Já
nossa mãe possui um planejamento estipulado para ambos os filhos, que nós
dispensamos.
Ao início de minha adolescência havia conseguido resultado perfeitos para
ingressar no instituto de educação superior e Melanie começaria seu internato. Nosso
aniversário seria o último juntos, sempre com muitos convidados dela claro, no
entanto Caroll era uma fiel convidada minha:
- Obrigado pelo livro Caroll, lembrou-se que eu o queria, o Tractatus Logico-
Philosophicus de Ludwig Wittgenstein será uma ótima leitura. Onde o conseguiu?
- Em Leeds, procurei em outros locais, mas demoraria a chegar.
- Obrigado!
Sorrio em uma festa que é na verdade uma despedida. Apenas irei revê-las
nos períodos de férias e se estivermos em nossas residências. Ela parece saber disto e
está emocionada, mas Cherry parece se divertir excessivamente.
Despedi-me de ambas e parti para minha nova realidade lúgubre.
5
Ao me deslocar pelas cidades é possível ver todo sistema atual de governo se
colapsando desemprego, greves e lixo acumulado, são provas que o estilo antiquado
de administração, assim como nos negócios de minha família, não se adequam mais.
Logo ao chegar meus primeiros dias em estudo são sofríveis, já que todas as
vezes que estive com colegas mais velhos ouve confronto. Nas minhas primeiras
semanas, minhas ideias admiradas pelos professores criaram uma imagem pré-
concebida entre os colegas, pretencioso e arrogante:
- Ei filho do mineiro! Acha que é mais inteligente que a gente. Até o fim do ano
vai querer nunca ter vindo estudar aqui! - um empurrão, socos e risos.
No colégio Melanie intervia a me ver sendo hostilizado e apreciava vê-la me
defender. Em casa retribuía, Melanie tinha conflitos com nossos pais e nessas ocasiões
eu a defendia. Agora estávamos ambos por conta.
No entanto a ausência de medo parecia uma provocação que me deixava
constantemente dolorido pelos pequenos confrontos com os outros alunos, mas não
resguardava raiva ou tristeza e apenas me aprofundava nos estudos.
Os desafios intelectuais eram transpostos, as pessoas não.
Isolado em meu primeiro ano sou mais bem compreendido pelos mestres e
apresentado a uma nova aptidão, computação. Minha perspicácia na solução de
problemas matemáticos permite participar de um projeto de comunicação e logo
desenvolvo uma reputação acadêmica mencionada pela instituição.
Meu retorno para casa no verão é habitual, mas a idade pesa negativamente
no relacionamento entre Melanie e meus pais. Meus conselhos para Melanie, apesar de
úteis, são ignorados e ela sempre é punida pela insensatez. Seu primeiro convívio em
internato a tornou suscetível às influências, principalmente pela sua personalidade
flutuante. Acrescente comparativos comigo e isso a leva a humilhações e decepções:
- Melanie suas notas forma deprimentes, melhore-as ou irá para uma escola
local onde o nível de estudo está mais condizente com seu desempenho, não quero o
nome da família associado a essas notas medíocres.
- Richard meu filho, foi um dos estudantes mais jovens deste país a ser aceito
e já é elogiado. Sabe exatamente o que esperamos de você.
Apesar da tentativa desproporcional de nos comparar para induzir um
espírito competitivo, meus pais não percebiam as qualidades de Melanie. Sua
vivacidade é o que há de mais valiosos nesta casa. Ela me fez compreender que
formularmos memórias diferentes destes momentos e que as similaridades me
ajudariam a preliminar um objetivo para quando voltasse aos estudos.
6
Usei minha facilidade em encontrar soluções desenvolvendo um grupo de
trabalho com potencialidades. Nos corredores capto meu próprio círculo de
seguidores de maneira individual e com procedências muito distintas:
- Olá, sou Richard, estou formando um grupo de estudo avançado, está
interessado em participar?
- Sou Nayf Fahd. Conte-me sobre este seu grupo?
- Pretendo destacar esse grupo como o melhor da Universidade e acredito que
posso fazê-lo com qualquer aluno que quiser participar.
- Pretencioso. Você não é o garoto prodígio que tanto falam?
- Correto!
- Interessante. Tenho outros colegas que poderiam participar. Alguma
restrição para ser aceito no seu grupo? Quero avisar que não temos amigos britânicos.
- Sem restrições e lhe aviso que também não tenho nenhum amigo britânico! –
apertamos as mãos.
O grupo que havia formado era composto de estudantes mais velhos e
experientes, então tinha de provar que conseguiria rapidamente torná-los
academicamente superiores. Os membros eram de origens remotas, Arábia Saudita,
Hong Kong, Tailândia, Índia e Alemanha, filhos de políticos, magnatas, alguns gênios
bolsistas e quase todos mais ricos que a minha família.
Dentre meus colegas, não cultivo amizades exoráveis, mas fui compreendido
melhor em uma troca de interesses com Nayf. O jovem Saudita é um visionário e sua
educação possuía uma aplicação mais prática em seu país. Uma de suas atribuições é
reconhecer as mentes mais capacitadas e convocar talentos. Ele percebia minha
angústia intelectual.
Com o início dos anos oitenta no Reino Unido, a geração punk rock, os
trabalhadores e o governo conservador estavam em conflito, o país precisava de
mudanças. Ignoro a pressão sobre nossa geração e neste ambiente me graduo em
engenharia como meu pai queria, mas isto consumiu apenas parte de meu tempo.
Dediquei o restante em realizações e obtive várias especializações em outras
áreas. Fiz todos os cursos de idiomas disponíveis, assisti muitas aulas fora de minha
grade e resolvi testar minhas capacidades. Por curiosidade ou ego fiz um teste de
inteligência, que teve o resultado contestado e preferi não refazê-lo.
Neste ambiente mais produtivo percebi que não era mais perseguido, mas
elogiado. Ao final de meus estudos não era o mais novo estudante que a se formar,
mas o que possuirá mais graduações de uma só vez.
7
Meus traços fortes inertes não aparentam meus dezessete anos e meu humor
depressivo me amadurece. Não ligo para aparência, alto, com cabelo castanho claro,
rosto retangular e olhos azuis, todos os traços genéticos dos Quannt. Tenho os
mesmos ímpetos e desejos de minha idade, mas com um autocontrole preventivo.
Minha graduação com méritos é notória, mas foi algo embaraçoso sem a
presença de meus pais. Elogiado pelo corpo docente e recrutado com ofertas que
poderiam direcionar meu potencial, dispenso todas, pois tenho uma agenda própria.
Espero a finalização da graduação com despedidas e cumplicidade. Nayf se
aproxima:
- Richard, parabéns, três graduações de uma só vez, vi que recebeu propostas
lucrativas, mas como esta se sentindo? Sinto pela sua família e acho que deixou claro o
que fará. O vôo é às dez da noite e preciso saber se pretende houve alguma mudança?
- Passamos anos discutindo isso e eu não vou retroceder agora. Você investiu
financeiramente e eu intelectualmente. Apenas tenho abdicado do custo emocional.
- Achei que não tivesse emoções?
- A única que possuo é a única que pode me afetar.
- Você consegue lidar com isso?
- Sim, de alguma maneira.
Despeço-me do amigo momentaneamente, retorno aos meus pertences e
percebo que tenho um tempo considerável antes de partir. Meu plano será executado
nesta data e eu não vou retornar para casa.
No momento não tinha economias nem lugar para ficar, apenas um objetivo.
Esse objetivo estava em conflito direto com o momento. Meus poucos pertences
cabem em uma mochila, mas não poderia carregar nela minha carga emocional.
Anoitece e antes de chamar um táxi paro em uma cabine telefônica numa
última tentativa de contato. Mesmo palestrando minhas radicais idéias sobre a
economia para centenas de pessoas, não sabia o que dizer naquele momento.
Inicio uma conflagração entre a razão e emoção. Minhas memórias entram em
uma introspecção, enquanto uma garoa cai na cabine e o frio me remete a distantes
momentos.
O frio ar do campo sempre me mantinha em leituras, meus pais mantiveram a
disciplina em uma afabilidade que em casa sentia-me como um convidado. Cherry
sofria pressão pelas suas qualidades, mas não pela sua singularidade. Sua
despreocupação com o pensamento dos outros fazia sua originalidade parecer uma
ofensa.
8
Eu sempre soube que Melanie não pertencia ao estilo de vida imposto a ela. O
fato dela não ocultar sua personalidade para se preservar, causava um incômodo e um
contraste dentro da mansão.
Muitos de meus sentimentos eram simples cópias dela. Eu não conseguia
espontaneamente demonstrar amor ou carinho, mas aprendi a simulá-los por Cherry.
A frustração e raiva eram menos complexas de se aprender, mas a fonte dessa emoção
em Cherry vinha do aprendizado forçado pela nossa mãe:
- Melanie querida você se serviu em excesso, remova o prato e sirva-se de
novo.
- Mas eu estou com fome.
- Sirva-se com uma dama, somente o centro do prato deve ser preenchido.
Essas correções impostas a uma criança eram tolas:
- Melanie não desça a escada correndo, damas não correm nem de incêndios.
- Mas se eu morrer queimada?
- Então queimará com elegância.
Para minha irmã ser uma dama era impossível e questionar as regras levava a
nossa mãe ao limite. Nunca vi minha mãe descontrolar-se, ela podia testemunhar o
insuportável e não levantar sua voz.
Ambas tinham esses confrontos diários, Cherry não colaborava deixando
propositadamente sua opinião pela casa:
- Por que o vaso italiano da sala está quebrado? Nem sei por que pergunto,
Melanie venha até aqui! Isto é um desastre você deve ter trato fino ao se mover. Deve
manter seu equilíbrio e dos objetos a sua volta.
Eu gostaria de ter me confrontado com meu pai. Em nossas conversas eu era
um ouvinte, muitas das questões eu sabia a resposta e sentia um despropósito em
prolongá-las. Quando me aprofundei nos estudos e realizei muitas conquistas e atendi
suas expectativas, mas a relação paternal ausente era alterada pelo orgulho
providencial.
Entre Melanie e nossa mãe os enfrentamentos causados pela desobediência
sempre tiveram conseqüências, o método aplicado por minha mãe era a indiferença. O
amor de Melanie por tudo que existe era facilmente atingido por um olhar ou algumas
palavras:
- Mãe haverá uma apresentação no colégio e todos podem comparecer, aqui
está o convite.
- Coloque-o na mesa, verei se posso ir.
9
A indiferença era manipulada por ambas, mas funcionava somente contra
Cherry. Após o descaso de minha mãe Melanie fingia não se importar, mas se continha
e chorava escondida. Nesses momentos eu tinha reação emocional:
- Cherry! Eu vou te assistir, pode ter certeza!
Meu amadurecimento precoce era apenas intelectual, apenas tardiamente
perceberia as conseqüências de nossa proximidade e como minhas intervenções
afetariam nossa relação. Havia recordações destas ocasiões, até contra meu pai em
favor dela:
- Melanie, esses papéis são de negócios, você nunca mais use meus papéis
para desenhar!
- Não foi ela senhor! Fui eu que os retirou.
- A sim Richard, claro, evite que se repita.
Meu pai abdicava da responsabilidade e se afastava em favor do filho
exemplar e eu apenas ampliava nossa dependência.
A um preço a se pagar pela busca das realizações, o meu é emocional. Soube
da consequência assim que estabeleci minhas alternativas. Neste caso o preço seria
abandonar minha irmã com meus pais.
Apesar de não parecer grave, sentia culpa.
Ironicamente um programa de televisão que Melanie gostava me veio à
mente. Era sobre o cão, Lassie, que precisava se afastar por correr perigo, seu dono,
um menino, atirava pedras para que ele se vá. O cão hesita, mas eventualmente parte.
No ano seguinte, evitava ir para casa, passando menos tempo com Melanie.
Ela frequentava escolas consideradas fracas e fazia amizades excêntricas. Nas poucas
datas, quando estávamos reunidos na mansão, não era mais cúmplice de seus atos:
- Hei “cabeção”, nossos pais e de Caroll não estão, vamos até lá. Ela está
sozinha e podemos ficar a toa.
- Não Cherry. E acho que Carol não está sozinha em casa.
- Qual seu problema. Virou um imbecil desde que foi para aquela
Universidade de conservadores. E desde quando não quer ir visitar a Caroll?
- Cherry, você não precisa de mim para decidir o que fazer. E para seu
entendimento, eu e Caroll nos damos muito bem.
- E para seu entendimento Caroll é minha amiga e você não sabe mais dela do
que eu. Até mais, imbecil!
Percebi que minha inveja da exuberante felicidade de Cherry possuía uma
imperfeição. Nestes anos separados, quando a reencontro, oposto a sua alegria vejo
10
ansiedades e raiva. Ela estava infeliz e eu não podia ajudá-la, só o tempo poderia.
Acredito que ela deva superar isso ao ir para Universidade e assim nossa separação
seria permanente.
Ela sempre quis sair de casa e acredito que nesse novo ambiente ela fará
novas amizades, influenciará outros com sua individualidade e não precisará mais de
mim. Por outro lado em minha casa tenho de enfrentar abertamente minha decisão ou
manter o meu silêncio.
Na noite antes do meu retorno para meu último ano na Universidade, fui à
sala de meu pai. Iria enfrentá-lo pela primeira vez e a minha maneira:
- Senhor, gostaria de conversarmos sobre o futuro.
- Me diga o que o aflige, meu jovem?
- Quanto a minha graduação, gostaria que compreendesse que após minha
formatura não pretendo retornar para casa. Estarei assumindo um projeto em um
local distante.
- O que? Jamais! Eu pretendo que fique aqui. Você é um Quannt, não vai
trabalhar para ninguém e você tem uma obrigação com está família!
- Acredito nisso e pretendo retornar. No momento a melhor oportunidade
está fora do país e é exatamente o que eu preciso para alcançar o máximo em meu
potencial.
- Eu não paguei seus estudos para você virar um punk sujo e vagar pelo
mundo, não pode decidir por si e vai fazer o que eu achar melhor. Irá se formar e
voltará para casa. Não quero ouvir mais nenhuma palavra sobre isso.
- Senhor, sinto muito que pense assim, mas não pretendo mentir. Eu vou
partir.
- NUNCA! Eu não pagarei mais seus estudos e não lhe darei mais nenhum
centavo. Se não estiver aqui após a formatura, estará deserdado. Não me desafie meu
jovem ou não será nem mais meu filho.
Penso, “eu não me considero seu filho há muito tempo senhor”.
- Se esta é sua decisão eu não vou mais tomar seu tempo.
- Você está louco, ligarei para seus mestres e mostrarei com quem está
lidando. Você vai implorar para voltar, seu canalha infame e vil. Saia de minha casa e
só retorno quando recobrar o juízo!
Anos aguardando o momento, apenas para uma discussão que desprovê a
dinastia da família. A óbvia derrota era prevista e antecipei até este resultado. Não me
dispensariam da Universidade, já tinha projetos em andamento e uma bolsa de
11
estudos se precisasse. Apesar do trágico resultado, fico apreensivo quanto à reação de
minha mãe e minha irmã.
Do lado de fora elas estão estarrecidas pelos gritos em minha presença.
Melanie me olha com se dissesse:
“Seu traidor ardiloso vai me deixar aqui!”
Aproximo-me de minha mãe:
- Você ouviu?
- Ouvi o suficiente para saber que pretende nos abandonar.
- É a verdade, preciso apenas que aceite minha decisão sem impor restrições.
- Você pode partir, mas nós ficaremos com seu pai. Se ele não o apoia como
nós poderíamos? Não vou impor nada, pois sei que não sente por nós o mesmo que
sentimos por você. Se quiser partir, apenas vá.
- Não fui eu quem estipulou estas condições.
- Nossa família sempre teve um herdeiro poderoso. O que você busca?
- Poderoso! Não existe somente um tipo de poder. O poder que se refere é
ilusório e estou indo por algo superior ao poder. – deixo minha mãe ao ver Melanie
sair.
Ela foi para além dos muros, subindo a colina pela estrada de cascalhos. Eu
corro por ela e logo a alcanço:
- Cherry, me perdoe!
- Eu sabia. Senti que você estava aprontando algo. Caroll me disse que você
estava diferente. Foi por isso que se afastou? O que vai fazer? Vai me deixar aqui,
sozinha? Eu sei que não nos falamos, mas sempre achei que ficaríamos próximos. Eu
apenas não sei o que pensar, mas estou orgulhosa, você enfrentou o “senhor”, em
grande estilo. Ele te chamou de “punk vagabundo”, logo você! – rimos.
- Foi “punk sujo” e eu não sou como você. Não consigo cruzar a linha várias
vezes.
- Eu percebi, apenas uma vez e você estragou tudo que fez até hoje.
- Com certeza eu te superei nessa.
- E por que vai embora, tem tudo aqui te esperando?
- Eu vou partir, mas não pelos mesmos motivos que você. Estou pronto para
realizações extraordinárias, se ficasse me tornaria inapto e deixaria todos a minha
volta miseráveis.
12
- Para onde está indo?
- Distante muito distante.
- E quando vai retornar?
- Não vou, não posso, como pôde ver, não poderei retornar, mas retornaria
por você!
- Você promete?
- Eu prometo.
Agora, dentro da cabine telefônica a garoa e o silêncio deixaram minha mente
se ocupar. Iria ligar para Melanie para dizer que não vou manter minha promessa. Não
o faço, também não faço questão de ser feliz, se fui, em algum momento, foi por estar
com Cherry.
Aceitava o peso da gnose sapiência e fugia ao meu adjetivo imposto como
medíocre, não havia solução mais absoluta que partir. Talvez meus familiares se
recuperassem, eu não sou um perito em emoções, apenas assumo meu declínio como
membro da família por um motivo egoísta e racional. Passaria a vida tentando
alcançar minha verdade absoluta.
No sereno da noite fria, entro em um táxi para o aeroporto. Como combinado,
um voo aguarda com destino marcado, Riad, Arábia Saudita.
Na aeronave sou recebido pelo amigo e colega de Universidade, Príncipe Nayf
Fahd:
- Salaan Aleikum Richard. Meu país será seu país, meu convidado e amigo.
- Alaikum As-Salaam Nayf. Espero que possamos mudar o mundo logo meu
amigo. O atual está me enlouquecendo.
A chegada ao Oriente Médio é impactante, mas comprovava a eficiência que
esperava. Um centro de tecnologia desenvolveu e materializou meus projetos
expandindo a ciência no país. Nayf era a mente jovem daquela nação e eu a prova de
sua competência. O dinheiro da família de Nayf estava patrocinando o meu projeto de
satélites e nos colocaria na vanguarda das comunicações direcionando meus objetivos.
Entre as tarefas que realizo faço ligações para casa e tudo que consigo são
resposta evasivas. Como nossa segurança é rígida não posso religar a todo o momento.
Concluo que qualquer ligação para Melanie será neutralizada e que a tática de
indiferença está sendo aplicada em meu nome.
Este país é maravilhoso, mas é apenas uma parte de meu objetivo. Ao menos
meu amigo me mostra o deserto, a zona neutra Saudita-Iraquiana e tenta me
13
convencer a ficar, mas as diferenças culturais são demasiadas. Cumpro minha parte e
me lanço em meus próximos passos.
Estou em Tóquio, Japão, onde me identifico com a proeminência tecnológica
desta cultura e imerjo em meu intelectual. A produção de componentes eletrônicos
desenhados por mim necessita de ajustes finos de engenharia. São receptores de
posicionamento global e minha presença é uma tática de aproximação.
Aprendo japonês o suficiente para que minhas soluções como engenheiro
imponham respeito, mas essas tarefas consomem todo meu tempo e até
compromissos já marcados são substituídos por outros de maior prioridade.
Discretamente fundo minha empresa de tecnologia e tenho meus primeiros
eficientes funcionários. Uma assistente pessoal, japonesa, trinta anos chamada Sora
que tem a função de decidir quem devia ou não falar comigo.
Meus cronogramas são aperfeiçoados e uma gerência responsável assume
meus objetivos. Em uma fase crucial, retorno à Europa, para Hannover, Alemanha, em
meu recém-inaugurado centro de informações de múltiplos processamentos do
sistema de satélite. Usará meu software de controle de comunicação em células que é
primordial para meus objetivos finais. Mas minha primeira atribuição é uma ligação
para tentar falar com Melanie.
Uma negativa como de costume, então sigo para meu outro contato:
- Pois não? – um homem atende após muitos toques.
- Bom dia, gostaria de falar com a senhorita Caroll, ela se encontra?
- E quem deseja?
- Um amigo, Richard Quannt.
- Um momento senhor!
Um espera se prolonga mais otimista que minhas negativas anteriores e neste
dia consigo algo que não foi possível em mais de três anos:
- Olá Richard, como está? Sou eu.
- Caroll! É maravilhoso ouvir sua voz.
- Richard, onde está?
- Em Hannover. Retornei à Europa e minha primeira atribuição foi ligar para
tentar te encontrar. Nunca desisti e continuaria, mas não esperava que fosse hoje.
Como você está?
- Seguimos nossa vida sem você Richard, sua mãe disse que você ligava
ocasionalmente e por isso sabíamos que estava vivo. O que pretende Richard? Por que
ligou?
14
- Eu quero dizer que sinto muito por tudo. Pensei em vocês esse tempo todo,
mas nunca consegui contatá-las. Não sei quais motivos impediram que nos
comunicássemos e nem preciso saber, apenas ouvir sua voz é um alívio.
- Não para mim Richard.
Faço uma pausa, não esperava ouvir isso, mas sei o que significa:
- Você que não queria falar comigo! Desculpe-me, eu não imaginei que era
este o impedimento. – uma nova compreensão recai sobre mim. – Se não quiser falar
comigo pode desligar quando quiser e nunca mais vou te perturbar. Sinto ter causado
um impacto negativo em você e ter me deixado levar tão levianamente.
- Eu não te odeio Richard. – sussurra lentamente suas palavras. - Não tenho
mais ilusões quanto a nós e sei que o que houve entre nós foi provocado por mim. Não
culpo você pelos meus sentimentos.
- Eu te magoei não foi!
- Sim, mas isto não é nada comparado com o que Melanie sente por você. Bem,
eu achei que lidaria melhor com essa ligação, mas estou enganada, desculpe. Adeus!
O tom mudo revela minha verdade, solidão absoluta.
Minha mente retornou ao meu mundo solitário, o tempo cobrou de mim as
decisões que tomei e esta curta ligação explicou tudo. Tornei-me renegado.
Usei meus projetos como fuga de minhas lamentações. Após o sucesso do
lançamento do satélite na Guiana Francesa e meus códigos compilados, que havia
escrito em linguagem de programação na Universidade, meu sistema de comunicação
começa a fornecer uma biblioteca de dados das comunicações criadas por mim.
Meu objetivo foi alcançado, o cruzamento de informações de fontes de dados
com palavras chaves serviam para calcular investimentos. Não era uma ideia original,
mas dei o primeiro passo sem nenhum questionamento moral. Meus resultados, pois
interceptava a comunicação em nível global, algo que podia ser usado para
espionagem em tempos de guerra fria, mas usava com intuito lucrativo.
Meus primeiros investimentos no mercado de ações são altos, aumento minha
segurança e contrato de Londres, William um confiável nome para proteger meus
projetos e a mim.
Diversifico meus investimentos e concentro em um único cliente. Uma
oportunidade de aproximação surge ao investir em um laboratório de genética.
Considero esse novo mercado pela quantidade de informação e potencialidade das
descobertas.
Associo-me a empresa e invisto em áreas de doenças e mutações genéticas.
Combinando a capacidade de processamento que possuo com as pesquisas, oriento os
15
resultados e as possibilidades em melhoramentos humanos. Busco uma vantagem que
me aproxima de meu cliente preferencial, os militares dos EUA.
Deixo a Alemanha para um encontro na França, que me trás as luzes após meu
período de ausência. Revejo antigos colegas, amigos e clientes, mas meu
ressurgimento é o despertar uma nova fase em meus planos:
- Richard, lembra-se de mim, estivemos na Universidade.
- Claro Roland, você era um cretino! – risos forçado da parte dele.
- Vejo que adquiriu senso de humor! Sei que se associou aos Árabes e
Japoneses, são associações de sucesso. E como esta gastando todo dinheiro que está
ganhando, carros, mulheres, viagens?
- Viagens sim, mas não tive tempo para o resto.
- Ah, então é hoje, tenho amigas aqui que vão esvaziar essa sua cabeça
pensante. Garotas venham aqui, quero apresentar o cara mais inteligente do mundo.
Esses encontros causam um transtorno mental necessário, pois contatos são
um passo importante para meus novos objetivos. Mas meu aniversário próximo me
conecta a sentimentos que não quero ter.
Da janela de minha suíte a praça está repleta de pessoas, duzentas e doze
pessoas e ninguém está desacompanhado. Penso sobre mais uma tentativa de contato
com Cherry. Acredito que posso explicar minha ausência, mas sei que não poderia
cumprir minha promessa. Não com a presteza que havia sugerido.
Imagino-a na Universidade, saindo de casa, esquecendo seu irmão e algo
interrompendo sua alegria. Não toco no aparelho.
Concentro-me no passo seguinte, seguindo os investimentos até os Estados
Unidos da América, cidade de Nova York. A consolidação do capitalismo com as
políticas conservadores do Presidente Ronald Regan e a Ministra Thatcher, enaltecem
os atributos de um jovem ambicioso, inteligente e sem relações familiares.
Não me identificando diretamente e sou associado a parcerias observando
incógnito. Adquiro uma valorosa propriedade para meu projeto pessoal de
engenharia, a “Torre Quannt”, sede de minhas empresas e uma estrutura de prestígio
declarando a seriedade de meus investimentos.
Projetava também uma nova imagem onde não possuía meu sotaque
britânico, seria inviável tê-lo e acerquei-me ao círculo social através de meus contatos:
- Richard Quannt, quando me ligou e disse o que queria fazer fiquei
impressionado e é claro que lhe atenderemos. Estou certo de que seus associados
serão bem vindos.