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1 Capítulo 1 - Por favor Melanie abra os olhos, por favor! Pressiono seu pulmão e faço respiração artificial, só então ouço seu coração, mas ela não abre os olhos. O medo me faz gritar seu nome: - MELANIE! Seus olhos azuis aparecem, ela tosse a água dos pulmões e volta para mim, repentinamente senta-se: - Richard! Desculpe-me! – nos abraçamos. - Está tudo bem agora! – deixo-a respirar. - Você me assustou. Vamos ficar ao sol, você precisa se aquecer! Enquanto sentamos em campo aberto ao sol da manhã, entre nossa mansão e o pequeno lago mantemos silêncio. Acabo de salvar a vida de minha irmã de um tolo acidente e preciso decidir se isso deve ser mantido em segredo. Seus conflitos com nossos pais não necessitam mais um motivo para punições e considero não revelar este. Para minha irmã fica a lição quanto a seu excesso de vivacidade que sempre a coloca em situações despropositadas. Após algum tempo seu silêncio me preocupa, ela não diz nada e eu a questiono: - Por que fez isto Melanie? – ela responde em um tom baixo. - Eu quis alcançar o remo para te ajudar. - Mas eu estava daquele lado e nós dois do mesmo lado desequilibrou o barco, não é mesmo? - Eu sei, não sou a inteligente da família, apenas me desculpe. - Pode não ser a inteligente, mas você é a pessoa mais importante que existe para mim e não posso perder você. Após a fracassada travessia em direção à residência de nossa amiga Caroll, retornamos para casa. A tentativa de tomar o atalho pelo lago era comum, mas hoje a euforia de minha irmã foi demasiada. Em nosso retorno pondero sobre as poucas similaridades entre nós, é um desafio equilibrar nossas afinidades mesmo sendo seu irmão gêmeo. Aproximamo-nos de nossa residência centenária, caminhado ao lado do muro de pedras e a recepção de nossa mãe é condizente com a nossa aparência:

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Page 1: deixo-a respirar. - Você me assustou. Vamos ficar ao pais não necessitam mais um motivo para punições e considero não revelar este. Para minha irmã fica a lição quanto a seu

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Capítulo 1

- Por favor Melanie abra os olhos, por favor!

Pressiono seu pulmão e faço respiração artificial, só então ouço seu coração,

mas ela não abre os olhos. O medo me faz gritar seu nome:

- MELANIE!

Seus olhos azuis aparecem, ela tosse a água dos pulmões e volta para mim,

repentinamente senta-se:

- Richard! Desculpe-me! – nos abraçamos.

- Está tudo bem agora! – deixo-a respirar. - Você me assustou. Vamos ficar ao

sol, você precisa se aquecer!

Enquanto sentamos em campo aberto ao sol da manhã, entre nossa mansão e

o pequeno lago mantemos silêncio. Acabo de salvar a vida de minha irmã de um tolo

acidente e preciso decidir se isso deve ser mantido em segredo. Seus conflitos com

nossos pais não necessitam mais um motivo para punições e considero não revelar

este.

Para minha irmã fica a lição quanto a seu excesso de vivacidade que sempre a

coloca em situações despropositadas.

Após algum tempo seu silêncio me preocupa, ela não diz nada e eu a

questiono:

- Por que fez isto Melanie? – ela responde em um tom baixo.

- Eu quis alcançar o remo para te ajudar.

- Mas eu estava daquele lado e nós dois do mesmo lado desequilibrou o barco,

não é mesmo?

- Eu sei, não sou a inteligente da família, apenas me desculpe.

- Pode não ser a inteligente, mas você é a pessoa mais importante que existe

para mim e não posso perder você.

Após a fracassada travessia em direção à residência de nossa amiga Caroll,

retornamos para casa. A tentativa de tomar o atalho pelo lago era comum, mas hoje a

euforia de minha irmã foi demasiada. Em nosso retorno pondero sobre as poucas

similaridades entre nós, é um desafio equilibrar nossas afinidades mesmo sendo seu

irmão gêmeo.

Aproximamo-nos de nossa residência centenária, caminhado ao lado do muro

de pedras e a recepção de nossa mãe é condizente com a nossa aparência:

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- O Meu Deus Melanie, você está horrível, como pôde comportar-se assim!

Siga imediatamente para lavar-se antes do almoço. – e ela segue, olhando para o chão.

- Me desculpe senhora.

Minha aparência similar não é questionada, um privilégio que possuo pelo

orgulho maternal em minhas aptidões intelectuais. Aptidões que permitiram que

soubesse procedimentos de primeiros socorros, mas não me fazem compreender os

distintos relacionamentos das pessoas a minha volta.

Na mesma noite uma Melanie desobediente vem ao meu quarto:

- Richard, trouxe uma panela de chocolate da cozinha!

- Melanie, você está de castigo! Não deixe ser pega, está bem.

- Não se preocupe! Mas você quer ou não?

Ela sempre gostou de doces e por isso a chamava de Cherry em segredo.

Sua presença é uma fuga para meus pensamentos, me distrai das inquietudes

de minha geração como a guerra fria e as ameaças nucleares. Essas preocupações

nunca incomodaram minha irmã e para ela parece que seu acidente ocorreu tempos

atrás.

A despeito destas reflexões a rotina sempre se manteve com os empregados

atendendo nossas necessidades e apesar do ambiente tradicional minha infância não

foi nada normal.

Fui batizado em homenagem a meu tataravô, Robert Quannt, mas recebi um

prenome monárquico, Richard. Somos membros de uma família de ascendência

privilegiada destinados a assumir as tradições de classes elitistas.

Minha irmã Melanie, não possuiu o mesmo ímpeto intelectivo, não aprendeu

leitura com três anos de idade e não foi aferida com ensino privilegiado, mas é

aparente que a maior diferença entre nós não é física ou intelectual. Melanie possui

uma excepcional capacidade de ter emoções enquanto eu não expresso nenhuma.

Prefiro a avaliação de Melanie sobre mim. Ela tem explicações simples para

minhas introspecções, acredita que quando nascemos eu fiquei com toda a razão e ela

com todas as emoções.

Somos levados pelo motorista ao colégio, sempre percorrendo uma distância

razoável pela névoa da manhã e apesar da companhia de colegas, sinto-me solitário,

pois não adiciono muito contato com outras pessoas.

Semanalmente realizamos saídas para a cidade de Harrogate, algo muito mais

apreciado por Melanie e minha mãe.

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O isolamento era reduzido ao assistir televisão e o Reino Unido dos anos

setenta era um vislumbre de conflitos. A informação que chegava a mim me deixava

ávido pelo contemporâneo e mesmo com pouca idade sei que isso me afasta das

pretensões de meu pai.

Seu olhar orgulhoso pelos meus talentos não percebem que não possuo

interesses nos negócios da família, mesmo assim evito um confronto, seria

desgastante e dispensável. Melanie ao contrário de mim é uma eficiente questionadora

de tudo que acontece em nosso universo.

Meus questionamentos são limitados ao estudo da dinastia de minha família,

onde reconheci seu sucessor mais ávido, Robert Quannt. Minha curiosidade estava

além da biografia de meus antepassados, procurava um arquétipo para espelhar

objetivos.

Descobri que durante a revolução industrial no Reino Unido, ele assumiu a

mineração de carvão nas terras da família logo após a morte do pai. Decidiu não

aceitar um lugar imposto na sociedade e mudou sua convicção e escrúpulos. Teve uma

educação clássica e enriqueceu além do modelo de classes burguesas. Meu tataravô

não teve irmãos e para os dois filhos além dos traços genéticos, cabelo castanho e

estatura, deixou poder.

Passo o tempo na biblioteca de casa, lendo sobre o poder e sua origem. Lá fora

minha irmã era acompanhada em cavalgadas e deleitava-se com sua imaginação sobre

as terras de origem insipiente.

Vejo nos antigos mapas de nossas terras o motivo da mansão Quannt ser

singular e ter apenas um vizinho. No século dezenove ter conhecimento sobre

minérios impulsionou a ganância pelo carvão. Nossas terras não foram ilegitimamente

tomadas, mas Robert Quannt um grande orador, convenceu a muitos sobre ilusão da

vida nas cidades.

Essa perspicácia em manipular multidões não passou despercebida e nós, os

Quannt, obtivemos nossas vastas terras e adentramos ao seleto grupo que garantia as

reservas de carvão para o Império Britânico.

Minhas descobertas são interrompidas por Melanie procurando companhia

para correr. Deixo momentaneamente minhas buscas para tentar me aproximar do

membro mais importante na família.

Minha avalição sobre minha irmã provava que perdia experiências

importantes, já que Melanie era muito mais feliz, em todos os sentidos. Para mim a

capacidade de observar e entender um mundo ameaçado criava uma melancolia.

Mas sei que nossa inevitável separação ocorrerá logo. Com minha educação

antecipada concluiria o secundário e ela o começaria. Ela está ansiosa pelo regime de

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internato, mas para mim já podia antecipar os efeitos típicos de um jovem gênio entre

colegas maiores.

Procuro aproveitar o tempo regressivo e retomar nossas idas até Caroll:

- Cherry, retirei o barco do lago e precisamos atravessar. Pode ir pela estrada

e serão longos quilômetros, mas se você confia em mim, me acompanhe!

- Sim! Mas não faça nenhuma brincadeira idiota.

- Sabe que sou incapaz disso. Suba!

Uma confiança aparente é reconquistada, afinal quando não estou presente

Cherry percorre todo caminho ou solicita ser levada pelo motorista.

Melanie tornou-se amiga de Caroll como faz com todos que cruzam seu

caminho, uma qualidade que não consigo igualar, amizades na escola, com

empregados e nossa vizinha da mesma idade.

A família de Caroll tem influência política nas terras próximas as nossas, mas

são influências liberais. Foi nestes contatos com Caroll que alterei meu

comportamento autocentrado. A família dela menos recatada permitia que eu fizesse

comparações afetivas com meus pais. Isso gerou certos discernimentos em minha já

afetada relação. O tratamento para com as pessoas em nível de igualdade era uma

qualidade que não receberia da educação de meus pais conservadores.

Meu pai constantemente se desloca para administrar os trabalhos nas minas

de carvão, o que torna a tarefa da paternidade uma atividade familiar ausente. Já

nossa mãe possui um planejamento estipulado para ambos os filhos, que nós

dispensamos.

Ao início de minha adolescência havia conseguido resultado perfeitos para

ingressar no instituto de educação superior e Melanie começaria seu internato. Nosso

aniversário seria o último juntos, sempre com muitos convidados dela claro, no

entanto Caroll era uma fiel convidada minha:

- Obrigado pelo livro Caroll, lembrou-se que eu o queria, o Tractatus Logico-

Philosophicus de Ludwig Wittgenstein será uma ótima leitura. Onde o conseguiu?

- Em Leeds, procurei em outros locais, mas demoraria a chegar.

- Obrigado!

Sorrio em uma festa que é na verdade uma despedida. Apenas irei revê-las

nos períodos de férias e se estivermos em nossas residências. Ela parece saber disto e

está emocionada, mas Cherry parece se divertir excessivamente.

Despedi-me de ambas e parti para minha nova realidade lúgubre.

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Ao me deslocar pelas cidades é possível ver todo sistema atual de governo se

colapsando desemprego, greves e lixo acumulado, são provas que o estilo antiquado

de administração, assim como nos negócios de minha família, não se adequam mais.

Logo ao chegar meus primeiros dias em estudo são sofríveis, já que todas as

vezes que estive com colegas mais velhos ouve confronto. Nas minhas primeiras

semanas, minhas ideias admiradas pelos professores criaram uma imagem pré-

concebida entre os colegas, pretencioso e arrogante:

- Ei filho do mineiro! Acha que é mais inteligente que a gente. Até o fim do ano

vai querer nunca ter vindo estudar aqui! - um empurrão, socos e risos.

No colégio Melanie intervia a me ver sendo hostilizado e apreciava vê-la me

defender. Em casa retribuía, Melanie tinha conflitos com nossos pais e nessas ocasiões

eu a defendia. Agora estávamos ambos por conta.

No entanto a ausência de medo parecia uma provocação que me deixava

constantemente dolorido pelos pequenos confrontos com os outros alunos, mas não

resguardava raiva ou tristeza e apenas me aprofundava nos estudos.

Os desafios intelectuais eram transpostos, as pessoas não.

Isolado em meu primeiro ano sou mais bem compreendido pelos mestres e

apresentado a uma nova aptidão, computação. Minha perspicácia na solução de

problemas matemáticos permite participar de um projeto de comunicação e logo

desenvolvo uma reputação acadêmica mencionada pela instituição.

Meu retorno para casa no verão é habitual, mas a idade pesa negativamente

no relacionamento entre Melanie e meus pais. Meus conselhos para Melanie, apesar de

úteis, são ignorados e ela sempre é punida pela insensatez. Seu primeiro convívio em

internato a tornou suscetível às influências, principalmente pela sua personalidade

flutuante. Acrescente comparativos comigo e isso a leva a humilhações e decepções:

- Melanie suas notas forma deprimentes, melhore-as ou irá para uma escola

local onde o nível de estudo está mais condizente com seu desempenho, não quero o

nome da família associado a essas notas medíocres.

- Richard meu filho, foi um dos estudantes mais jovens deste país a ser aceito

e já é elogiado. Sabe exatamente o que esperamos de você.

Apesar da tentativa desproporcional de nos comparar para induzir um

espírito competitivo, meus pais não percebiam as qualidades de Melanie. Sua

vivacidade é o que há de mais valiosos nesta casa. Ela me fez compreender que

formularmos memórias diferentes destes momentos e que as similaridades me

ajudariam a preliminar um objetivo para quando voltasse aos estudos.

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Usei minha facilidade em encontrar soluções desenvolvendo um grupo de

trabalho com potencialidades. Nos corredores capto meu próprio círculo de

seguidores de maneira individual e com procedências muito distintas:

- Olá, sou Richard, estou formando um grupo de estudo avançado, está

interessado em participar?

- Sou Nayf Fahd. Conte-me sobre este seu grupo?

- Pretendo destacar esse grupo como o melhor da Universidade e acredito que

posso fazê-lo com qualquer aluno que quiser participar.

- Pretencioso. Você não é o garoto prodígio que tanto falam?

- Correto!

- Interessante. Tenho outros colegas que poderiam participar. Alguma

restrição para ser aceito no seu grupo? Quero avisar que não temos amigos britânicos.

- Sem restrições e lhe aviso que também não tenho nenhum amigo britânico! –

apertamos as mãos.

O grupo que havia formado era composto de estudantes mais velhos e

experientes, então tinha de provar que conseguiria rapidamente torná-los

academicamente superiores. Os membros eram de origens remotas, Arábia Saudita,

Hong Kong, Tailândia, Índia e Alemanha, filhos de políticos, magnatas, alguns gênios

bolsistas e quase todos mais ricos que a minha família.

Dentre meus colegas, não cultivo amizades exoráveis, mas fui compreendido

melhor em uma troca de interesses com Nayf. O jovem Saudita é um visionário e sua

educação possuía uma aplicação mais prática em seu país. Uma de suas atribuições é

reconhecer as mentes mais capacitadas e convocar talentos. Ele percebia minha

angústia intelectual.

Com o início dos anos oitenta no Reino Unido, a geração punk rock, os

trabalhadores e o governo conservador estavam em conflito, o país precisava de

mudanças. Ignoro a pressão sobre nossa geração e neste ambiente me graduo em

engenharia como meu pai queria, mas isto consumiu apenas parte de meu tempo.

Dediquei o restante em realizações e obtive várias especializações em outras

áreas. Fiz todos os cursos de idiomas disponíveis, assisti muitas aulas fora de minha

grade e resolvi testar minhas capacidades. Por curiosidade ou ego fiz um teste de

inteligência, que teve o resultado contestado e preferi não refazê-lo.

Neste ambiente mais produtivo percebi que não era mais perseguido, mas

elogiado. Ao final de meus estudos não era o mais novo estudante que a se formar,

mas o que possuirá mais graduações de uma só vez.

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Meus traços fortes inertes não aparentam meus dezessete anos e meu humor

depressivo me amadurece. Não ligo para aparência, alto, com cabelo castanho claro,

rosto retangular e olhos azuis, todos os traços genéticos dos Quannt. Tenho os

mesmos ímpetos e desejos de minha idade, mas com um autocontrole preventivo.

Minha graduação com méritos é notória, mas foi algo embaraçoso sem a

presença de meus pais. Elogiado pelo corpo docente e recrutado com ofertas que

poderiam direcionar meu potencial, dispenso todas, pois tenho uma agenda própria.

Espero a finalização da graduação com despedidas e cumplicidade. Nayf se

aproxima:

- Richard, parabéns, três graduações de uma só vez, vi que recebeu propostas

lucrativas, mas como esta se sentindo? Sinto pela sua família e acho que deixou claro o

que fará. O vôo é às dez da noite e preciso saber se pretende houve alguma mudança?

- Passamos anos discutindo isso e eu não vou retroceder agora. Você investiu

financeiramente e eu intelectualmente. Apenas tenho abdicado do custo emocional.

- Achei que não tivesse emoções?

- A única que possuo é a única que pode me afetar.

- Você consegue lidar com isso?

- Sim, de alguma maneira.

Despeço-me do amigo momentaneamente, retorno aos meus pertences e

percebo que tenho um tempo considerável antes de partir. Meu plano será executado

nesta data e eu não vou retornar para casa.

No momento não tinha economias nem lugar para ficar, apenas um objetivo.

Esse objetivo estava em conflito direto com o momento. Meus poucos pertences

cabem em uma mochila, mas não poderia carregar nela minha carga emocional.

Anoitece e antes de chamar um táxi paro em uma cabine telefônica numa

última tentativa de contato. Mesmo palestrando minhas radicais idéias sobre a

economia para centenas de pessoas, não sabia o que dizer naquele momento.

Inicio uma conflagração entre a razão e emoção. Minhas memórias entram em

uma introspecção, enquanto uma garoa cai na cabine e o frio me remete a distantes

momentos.

O frio ar do campo sempre me mantinha em leituras, meus pais mantiveram a

disciplina em uma afabilidade que em casa sentia-me como um convidado. Cherry

sofria pressão pelas suas qualidades, mas não pela sua singularidade. Sua

despreocupação com o pensamento dos outros fazia sua originalidade parecer uma

ofensa.

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Eu sempre soube que Melanie não pertencia ao estilo de vida imposto a ela. O

fato dela não ocultar sua personalidade para se preservar, causava um incômodo e um

contraste dentro da mansão.

Muitos de meus sentimentos eram simples cópias dela. Eu não conseguia

espontaneamente demonstrar amor ou carinho, mas aprendi a simulá-los por Cherry.

A frustração e raiva eram menos complexas de se aprender, mas a fonte dessa emoção

em Cherry vinha do aprendizado forçado pela nossa mãe:

- Melanie querida você se serviu em excesso, remova o prato e sirva-se de

novo.

- Mas eu estou com fome.

- Sirva-se com uma dama, somente o centro do prato deve ser preenchido.

Essas correções impostas a uma criança eram tolas:

- Melanie não desça a escada correndo, damas não correm nem de incêndios.

- Mas se eu morrer queimada?

- Então queimará com elegância.

Para minha irmã ser uma dama era impossível e questionar as regras levava a

nossa mãe ao limite. Nunca vi minha mãe descontrolar-se, ela podia testemunhar o

insuportável e não levantar sua voz.

Ambas tinham esses confrontos diários, Cherry não colaborava deixando

propositadamente sua opinião pela casa:

- Por que o vaso italiano da sala está quebrado? Nem sei por que pergunto,

Melanie venha até aqui! Isto é um desastre você deve ter trato fino ao se mover. Deve

manter seu equilíbrio e dos objetos a sua volta.

Eu gostaria de ter me confrontado com meu pai. Em nossas conversas eu era

um ouvinte, muitas das questões eu sabia a resposta e sentia um despropósito em

prolongá-las. Quando me aprofundei nos estudos e realizei muitas conquistas e atendi

suas expectativas, mas a relação paternal ausente era alterada pelo orgulho

providencial.

Entre Melanie e nossa mãe os enfrentamentos causados pela desobediência

sempre tiveram conseqüências, o método aplicado por minha mãe era a indiferença. O

amor de Melanie por tudo que existe era facilmente atingido por um olhar ou algumas

palavras:

- Mãe haverá uma apresentação no colégio e todos podem comparecer, aqui

está o convite.

- Coloque-o na mesa, verei se posso ir.

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A indiferença era manipulada por ambas, mas funcionava somente contra

Cherry. Após o descaso de minha mãe Melanie fingia não se importar, mas se continha

e chorava escondida. Nesses momentos eu tinha reação emocional:

- Cherry! Eu vou te assistir, pode ter certeza!

Meu amadurecimento precoce era apenas intelectual, apenas tardiamente

perceberia as conseqüências de nossa proximidade e como minhas intervenções

afetariam nossa relação. Havia recordações destas ocasiões, até contra meu pai em

favor dela:

- Melanie, esses papéis são de negócios, você nunca mais use meus papéis

para desenhar!

- Não foi ela senhor! Fui eu que os retirou.

- A sim Richard, claro, evite que se repita.

Meu pai abdicava da responsabilidade e se afastava em favor do filho

exemplar e eu apenas ampliava nossa dependência.

A um preço a se pagar pela busca das realizações, o meu é emocional. Soube

da consequência assim que estabeleci minhas alternativas. Neste caso o preço seria

abandonar minha irmã com meus pais.

Apesar de não parecer grave, sentia culpa.

Ironicamente um programa de televisão que Melanie gostava me veio à

mente. Era sobre o cão, Lassie, que precisava se afastar por correr perigo, seu dono,

um menino, atirava pedras para que ele se vá. O cão hesita, mas eventualmente parte.

No ano seguinte, evitava ir para casa, passando menos tempo com Melanie.

Ela frequentava escolas consideradas fracas e fazia amizades excêntricas. Nas poucas

datas, quando estávamos reunidos na mansão, não era mais cúmplice de seus atos:

- Hei “cabeção”, nossos pais e de Caroll não estão, vamos até lá. Ela está

sozinha e podemos ficar a toa.

- Não Cherry. E acho que Carol não está sozinha em casa.

- Qual seu problema. Virou um imbecil desde que foi para aquela

Universidade de conservadores. E desde quando não quer ir visitar a Caroll?

- Cherry, você não precisa de mim para decidir o que fazer. E para seu

entendimento, eu e Caroll nos damos muito bem.

- E para seu entendimento Caroll é minha amiga e você não sabe mais dela do

que eu. Até mais, imbecil!

Percebi que minha inveja da exuberante felicidade de Cherry possuía uma

imperfeição. Nestes anos separados, quando a reencontro, oposto a sua alegria vejo

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ansiedades e raiva. Ela estava infeliz e eu não podia ajudá-la, só o tempo poderia.

Acredito que ela deva superar isso ao ir para Universidade e assim nossa separação

seria permanente.

Ela sempre quis sair de casa e acredito que nesse novo ambiente ela fará

novas amizades, influenciará outros com sua individualidade e não precisará mais de

mim. Por outro lado em minha casa tenho de enfrentar abertamente minha decisão ou

manter o meu silêncio.

Na noite antes do meu retorno para meu último ano na Universidade, fui à

sala de meu pai. Iria enfrentá-lo pela primeira vez e a minha maneira:

- Senhor, gostaria de conversarmos sobre o futuro.

- Me diga o que o aflige, meu jovem?

- Quanto a minha graduação, gostaria que compreendesse que após minha

formatura não pretendo retornar para casa. Estarei assumindo um projeto em um

local distante.

- O que? Jamais! Eu pretendo que fique aqui. Você é um Quannt, não vai

trabalhar para ninguém e você tem uma obrigação com está família!

- Acredito nisso e pretendo retornar. No momento a melhor oportunidade

está fora do país e é exatamente o que eu preciso para alcançar o máximo em meu

potencial.

- Eu não paguei seus estudos para você virar um punk sujo e vagar pelo

mundo, não pode decidir por si e vai fazer o que eu achar melhor. Irá se formar e

voltará para casa. Não quero ouvir mais nenhuma palavra sobre isso.

- Senhor, sinto muito que pense assim, mas não pretendo mentir. Eu vou

partir.

- NUNCA! Eu não pagarei mais seus estudos e não lhe darei mais nenhum

centavo. Se não estiver aqui após a formatura, estará deserdado. Não me desafie meu

jovem ou não será nem mais meu filho.

Penso, “eu não me considero seu filho há muito tempo senhor”.

- Se esta é sua decisão eu não vou mais tomar seu tempo.

- Você está louco, ligarei para seus mestres e mostrarei com quem está

lidando. Você vai implorar para voltar, seu canalha infame e vil. Saia de minha casa e

só retorno quando recobrar o juízo!

Anos aguardando o momento, apenas para uma discussão que desprovê a

dinastia da família. A óbvia derrota era prevista e antecipei até este resultado. Não me

dispensariam da Universidade, já tinha projetos em andamento e uma bolsa de

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estudos se precisasse. Apesar do trágico resultado, fico apreensivo quanto à reação de

minha mãe e minha irmã.

Do lado de fora elas estão estarrecidas pelos gritos em minha presença.

Melanie me olha com se dissesse:

“Seu traidor ardiloso vai me deixar aqui!”

Aproximo-me de minha mãe:

- Você ouviu?

- Ouvi o suficiente para saber que pretende nos abandonar.

- É a verdade, preciso apenas que aceite minha decisão sem impor restrições.

- Você pode partir, mas nós ficaremos com seu pai. Se ele não o apoia como

nós poderíamos? Não vou impor nada, pois sei que não sente por nós o mesmo que

sentimos por você. Se quiser partir, apenas vá.

- Não fui eu quem estipulou estas condições.

- Nossa família sempre teve um herdeiro poderoso. O que você busca?

- Poderoso! Não existe somente um tipo de poder. O poder que se refere é

ilusório e estou indo por algo superior ao poder. – deixo minha mãe ao ver Melanie

sair.

Ela foi para além dos muros, subindo a colina pela estrada de cascalhos. Eu

corro por ela e logo a alcanço:

- Cherry, me perdoe!

- Eu sabia. Senti que você estava aprontando algo. Caroll me disse que você

estava diferente. Foi por isso que se afastou? O que vai fazer? Vai me deixar aqui,

sozinha? Eu sei que não nos falamos, mas sempre achei que ficaríamos próximos. Eu

apenas não sei o que pensar, mas estou orgulhosa, você enfrentou o “senhor”, em

grande estilo. Ele te chamou de “punk vagabundo”, logo você! – rimos.

- Foi “punk sujo” e eu não sou como você. Não consigo cruzar a linha várias

vezes.

- Eu percebi, apenas uma vez e você estragou tudo que fez até hoje.

- Com certeza eu te superei nessa.

- E por que vai embora, tem tudo aqui te esperando?

- Eu vou partir, mas não pelos mesmos motivos que você. Estou pronto para

realizações extraordinárias, se ficasse me tornaria inapto e deixaria todos a minha

volta miseráveis.

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- Para onde está indo?

- Distante muito distante.

- E quando vai retornar?

- Não vou, não posso, como pôde ver, não poderei retornar, mas retornaria

por você!

- Você promete?

- Eu prometo.

Agora, dentro da cabine telefônica a garoa e o silêncio deixaram minha mente

se ocupar. Iria ligar para Melanie para dizer que não vou manter minha promessa. Não

o faço, também não faço questão de ser feliz, se fui, em algum momento, foi por estar

com Cherry.

Aceitava o peso da gnose sapiência e fugia ao meu adjetivo imposto como

medíocre, não havia solução mais absoluta que partir. Talvez meus familiares se

recuperassem, eu não sou um perito em emoções, apenas assumo meu declínio como

membro da família por um motivo egoísta e racional. Passaria a vida tentando

alcançar minha verdade absoluta.

No sereno da noite fria, entro em um táxi para o aeroporto. Como combinado,

um voo aguarda com destino marcado, Riad, Arábia Saudita.

Na aeronave sou recebido pelo amigo e colega de Universidade, Príncipe Nayf

Fahd:

- Salaan Aleikum Richard. Meu país será seu país, meu convidado e amigo.

- Alaikum As-Salaam Nayf. Espero que possamos mudar o mundo logo meu

amigo. O atual está me enlouquecendo.

A chegada ao Oriente Médio é impactante, mas comprovava a eficiência que

esperava. Um centro de tecnologia desenvolveu e materializou meus projetos

expandindo a ciência no país. Nayf era a mente jovem daquela nação e eu a prova de

sua competência. O dinheiro da família de Nayf estava patrocinando o meu projeto de

satélites e nos colocaria na vanguarda das comunicações direcionando meus objetivos.

Entre as tarefas que realizo faço ligações para casa e tudo que consigo são

resposta evasivas. Como nossa segurança é rígida não posso religar a todo o momento.

Concluo que qualquer ligação para Melanie será neutralizada e que a tática de

indiferença está sendo aplicada em meu nome.

Este país é maravilhoso, mas é apenas uma parte de meu objetivo. Ao menos

meu amigo me mostra o deserto, a zona neutra Saudita-Iraquiana e tenta me

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convencer a ficar, mas as diferenças culturais são demasiadas. Cumpro minha parte e

me lanço em meus próximos passos.

Estou em Tóquio, Japão, onde me identifico com a proeminência tecnológica

desta cultura e imerjo em meu intelectual. A produção de componentes eletrônicos

desenhados por mim necessita de ajustes finos de engenharia. São receptores de

posicionamento global e minha presença é uma tática de aproximação.

Aprendo japonês o suficiente para que minhas soluções como engenheiro

imponham respeito, mas essas tarefas consomem todo meu tempo e até

compromissos já marcados são substituídos por outros de maior prioridade.

Discretamente fundo minha empresa de tecnologia e tenho meus primeiros

eficientes funcionários. Uma assistente pessoal, japonesa, trinta anos chamada Sora

que tem a função de decidir quem devia ou não falar comigo.

Meus cronogramas são aperfeiçoados e uma gerência responsável assume

meus objetivos. Em uma fase crucial, retorno à Europa, para Hannover, Alemanha, em

meu recém-inaugurado centro de informações de múltiplos processamentos do

sistema de satélite. Usará meu software de controle de comunicação em células que é

primordial para meus objetivos finais. Mas minha primeira atribuição é uma ligação

para tentar falar com Melanie.

Uma negativa como de costume, então sigo para meu outro contato:

- Pois não? – um homem atende após muitos toques.

- Bom dia, gostaria de falar com a senhorita Caroll, ela se encontra?

- E quem deseja?

- Um amigo, Richard Quannt.

- Um momento senhor!

Um espera se prolonga mais otimista que minhas negativas anteriores e neste

dia consigo algo que não foi possível em mais de três anos:

- Olá Richard, como está? Sou eu.

- Caroll! É maravilhoso ouvir sua voz.

- Richard, onde está?

- Em Hannover. Retornei à Europa e minha primeira atribuição foi ligar para

tentar te encontrar. Nunca desisti e continuaria, mas não esperava que fosse hoje.

Como você está?

- Seguimos nossa vida sem você Richard, sua mãe disse que você ligava

ocasionalmente e por isso sabíamos que estava vivo. O que pretende Richard? Por que

ligou?

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- Eu quero dizer que sinto muito por tudo. Pensei em vocês esse tempo todo,

mas nunca consegui contatá-las. Não sei quais motivos impediram que nos

comunicássemos e nem preciso saber, apenas ouvir sua voz é um alívio.

- Não para mim Richard.

Faço uma pausa, não esperava ouvir isso, mas sei o que significa:

- Você que não queria falar comigo! Desculpe-me, eu não imaginei que era

este o impedimento. – uma nova compreensão recai sobre mim. – Se não quiser falar

comigo pode desligar quando quiser e nunca mais vou te perturbar. Sinto ter causado

um impacto negativo em você e ter me deixado levar tão levianamente.

- Eu não te odeio Richard. – sussurra lentamente suas palavras. - Não tenho

mais ilusões quanto a nós e sei que o que houve entre nós foi provocado por mim. Não

culpo você pelos meus sentimentos.

- Eu te magoei não foi!

- Sim, mas isto não é nada comparado com o que Melanie sente por você. Bem,

eu achei que lidaria melhor com essa ligação, mas estou enganada, desculpe. Adeus!

O tom mudo revela minha verdade, solidão absoluta.

Minha mente retornou ao meu mundo solitário, o tempo cobrou de mim as

decisões que tomei e esta curta ligação explicou tudo. Tornei-me renegado.

Usei meus projetos como fuga de minhas lamentações. Após o sucesso do

lançamento do satélite na Guiana Francesa e meus códigos compilados, que havia

escrito em linguagem de programação na Universidade, meu sistema de comunicação

começa a fornecer uma biblioteca de dados das comunicações criadas por mim.

Meu objetivo foi alcançado, o cruzamento de informações de fontes de dados

com palavras chaves serviam para calcular investimentos. Não era uma ideia original,

mas dei o primeiro passo sem nenhum questionamento moral. Meus resultados, pois

interceptava a comunicação em nível global, algo que podia ser usado para

espionagem em tempos de guerra fria, mas usava com intuito lucrativo.

Meus primeiros investimentos no mercado de ações são altos, aumento minha

segurança e contrato de Londres, William um confiável nome para proteger meus

projetos e a mim.

Diversifico meus investimentos e concentro em um único cliente. Uma

oportunidade de aproximação surge ao investir em um laboratório de genética.

Considero esse novo mercado pela quantidade de informação e potencialidade das

descobertas.

Associo-me a empresa e invisto em áreas de doenças e mutações genéticas.

Combinando a capacidade de processamento que possuo com as pesquisas, oriento os

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resultados e as possibilidades em melhoramentos humanos. Busco uma vantagem que

me aproxima de meu cliente preferencial, os militares dos EUA.

Deixo a Alemanha para um encontro na França, que me trás as luzes após meu

período de ausência. Revejo antigos colegas, amigos e clientes, mas meu

ressurgimento é o despertar uma nova fase em meus planos:

- Richard, lembra-se de mim, estivemos na Universidade.

- Claro Roland, você era um cretino! – risos forçado da parte dele.

- Vejo que adquiriu senso de humor! Sei que se associou aos Árabes e

Japoneses, são associações de sucesso. E como esta gastando todo dinheiro que está

ganhando, carros, mulheres, viagens?

- Viagens sim, mas não tive tempo para o resto.

- Ah, então é hoje, tenho amigas aqui que vão esvaziar essa sua cabeça

pensante. Garotas venham aqui, quero apresentar o cara mais inteligente do mundo.

Esses encontros causam um transtorno mental necessário, pois contatos são

um passo importante para meus novos objetivos. Mas meu aniversário próximo me

conecta a sentimentos que não quero ter.

Da janela de minha suíte a praça está repleta de pessoas, duzentas e doze

pessoas e ninguém está desacompanhado. Penso sobre mais uma tentativa de contato

com Cherry. Acredito que posso explicar minha ausência, mas sei que não poderia

cumprir minha promessa. Não com a presteza que havia sugerido.

Imagino-a na Universidade, saindo de casa, esquecendo seu irmão e algo

interrompendo sua alegria. Não toco no aparelho.

Concentro-me no passo seguinte, seguindo os investimentos até os Estados

Unidos da América, cidade de Nova York. A consolidação do capitalismo com as

políticas conservadores do Presidente Ronald Regan e a Ministra Thatcher, enaltecem

os atributos de um jovem ambicioso, inteligente e sem relações familiares.

Não me identificando diretamente e sou associado a parcerias observando

incógnito. Adquiro uma valorosa propriedade para meu projeto pessoal de

engenharia, a “Torre Quannt”, sede de minhas empresas e uma estrutura de prestígio

declarando a seriedade de meus investimentos.

Projetava também uma nova imagem onde não possuía meu sotaque

britânico, seria inviável tê-lo e acerquei-me ao círculo social através de meus contatos:

- Richard Quannt, quando me ligou e disse o que queria fazer fiquei

impressionado e é claro que lhe atenderemos. Estou certo de que seus associados

serão bem vindos.