darwin, wallace e a evoluÇÃo da mente humana · charles darwin e alfred wallace, ela é...

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Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE s e das Técnicas e Epistemologia 1º Congresso de História das Ciência – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008 DARWIN, WALLACE E A EVOLUÇÃO DA MENTE HUMANA Lucio Ferreira Alves (PG) HCTE/UFRJ [email protected] Rua Conde de Bonfim 568/201 Rio de Janeiro/RJ Palavras-chaves : Darwin, Wallace, evolução, ética., mente humana Introdução Em 1º de junho de 2008, a comunidade acadêmica, ou pelo menos parte dela, comemorou os 150 anos da leitura na Linnean Society, do que viria a ser conhecida como teoria da seleção natural. Proposta de maneira independente por Charles Darwin e Alfred Wallace, ela é considerada a única teoria científica capaz de explicar a complexidade e a origem dos seres vivos. Então, por que nome Darwin aparece sempre à frente enquanto que o de Wallace vem quase sempre em segundo plano, como uma espécie de apêndice ao de seu colega? Neste trabalho, eu sugiro que as razões podem ser encontradas nas diferenças de opiniões entre eles e, principalmente, no que diz respeito à origem da mente humana. Resultados e Discussão Apesar de terem sido os responsáveis por uma das idéias mais revolucionárias da história da biologia, as divergências entre esses dois homens eram profundas, inclusive no que diz respeito a própria teoria que elaboraram. Em 1871, Darwin escreveu The Descent of Man and Selection in Relation to Sex 1 , livro no qual introduz na literatura científica a teoria da seleção sexual e a questão da evolução da moral através da seleção natural. Um ano mais tarde, ele publicou The Expression of Emotions in Man and Animals 2 para mostrar como os animais e os seres humanos expressam da mesma maneira uma série de sentimentos, tais como raiva, culpa, alegria, tristeza, etc. No princípio, Wallace aceitou o papel da seleção natural na origem da moral e escreveu: “É a luta pela sobrevivência, (...) que exercita as faculdades morais e desperta as latentes centelhas da genialidade” 3 . Mais tarde, ele mudou drasticamente de opinião. Para ele, deveria haver uma inteligência superior responsável pelo hiato entre os homens e 1 Darwin, C.R. The Descent of Man and Selection in Relation to Sex. Princeton, Princeton University Pr ss, [1871], 1989. e 2 Darwin, C. R. The Expression of Emotions in Man and Animals, [1872], 1965, Chicago, The University of Chicago Press. 3 Wallace, A.R. Viagem aos Rios Amazonas e Negro, Editora Itatiaia, Belo Horizonte, [1889], 1972, p. 89. os animais inferiores e por dotar aqueles do senso de ética e moral 4 . A partir de 1975, a hipótese de Darwin ganhou um novo impulso com a publicação de uma série de livros de livros e artigos que sugerem que as questões éticas e morais evoluíram a partir dos conflitos de interesses que existem devido às nossas diferenças genéticas. Esses dados baseiam- se em estudos realizados com o altruísmo parental e com o altruísmo recíproco em seres humanos 5 Os cientistas puderam também mostrar que primatas não humanos são capazes de se organizarem em grupos para atacar grupos rivais, exibirem hostilidade contra forasteiros, mas também ajudam seus companheiros em situações de perigo, alimentam jovens órfãos, compartilham alimentos com membros do grupo, etc. o que sugere que essas características não são exclusivas da nossa espécie 6 . Conclusões Em mensagem que dirigiu à Academia de Ciências do Vaticano, o Papa João Paulo II, afirmou que em vez de uma teoria da evolução, deve-se falar de outras hipótese opostas e várias teorias da evolução. Por ‘outras hipóteses opostas’ e ‘várias teorias da evolução’ entende-se, é claro, o criacionismo. Ao mesmo tempo, ele foi categórico ao afirmar que as teorias da evolução que consideram a mente como originária da matéria viva, são incompatíveis com a dignidade do homem 7 . Para muitas pessoas, incluindo diversos biólogos, aceitar a hipótese de que nosso comportamento social tenha evoluído através da seleção natural, reside na conclusão errônea de que ele é fixo e, portanto, imutável. É o que o filósofo Daniel Dennett chamou de A Idéia Perigosa de Darwin 8 . 4 Wallace, A.R. The Limits of Natural Selection as Applied to Man. Alfred Russell Wallace Page 1871. Acessado em 14/08/01. 5 Alexander, R. The Biology of Moral System, New York, Aldine, 1989. 6 De Waal, F. Eu, Primata, Rio de Janeiro, Companhia das Letras, Rio de Janeiro, 2007. 7 John Paul II. The Pope’s Message on Evolution and four Commentaries. Q. Rev. Biol., 72, 377, 1997. 8 Dennett, D. Darwin’s Dangerous Idea, New York, Simon & Schuster, 1995.

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Scientiarum Historia – UFRJ / HCTE

s e das Técnicas e Epistemologia 1º Congresso de História das Ciência – UFRJ / HCTE – 22 e 23 de setembro de 2008

DARWIN, WALLACE E A EVOLUÇÃO DA MENTE HUMANA

Lucio Ferreira Alves (PG)

HCTE/UFRJ

[email protected]

Rua Conde de Bonfim 568/201 Rio de Janeiro/RJ

Palavras-chaves : Darwin, Wallace, evolução, ética., mente humana

Introdução Em 1º de junho de 2008, a comunidade acadêmica, ou pelo menos parte dela, comemorou os 150 anos da leitura na Linnean Society, do que viria a ser conhecida como teoria da seleção natural. Proposta de maneira independente por Charles Darwin e Alfred Wallace, ela é considerada a única teoria científica capaz de explicar a complexidade e a origem dos seres vivos. Então, por que nome Darwin aparece sempre à frente enquanto que o de Wallace vem quase sempre em segundo plano, como uma espécie de apêndice ao de seu colega? Neste trabalho, eu sugiro que as razões podem ser encontradas nas diferenças de opiniões entre eles e, principalmente, no que diz respeito à origem da mente humana.

Resultados e Discussão Apesar de terem sido os responsáveis por uma das idéias mais revolucionárias da história da biologia, as divergências entre esses dois homens eram profundas, inclusive no que diz respeito a própria teoria que elaboraram. Em 1871, Darwin escreveu The Descent of Man and Selection in Relation to Sex1, livro no qual introduz na literatura científica a teoria da seleção sexual e a questão da evolução da moral através da seleção natural. Um ano mais tarde, ele publicou The Expression of Emotions in Man and Animals2 para mostrar como os animais e os seres humanos expressam da mesma maneira uma série de sentimentos, tais como raiva, culpa, alegria, tristeza, etc. No princípio, Wallace aceitou o papel da seleção natural na origem da moral e escreveu: “É a luta pela sobrevivência, (...) que exercita as faculdades morais e desperta as latentes centelhas da genialidade”3. Mais tarde, ele mudou drasticamente de opinião. Para ele, deveria haver uma inteligência superior responsável pelo hiato entre os homens e

1 Darwin, C.R. The Descent of Man and Selection

in Relation to Sex. Princeton, Princeton University Pr ss, [1871], 1989. e2 Darwin, C. R. The Expression of Emotions in Man and Animals, [1872], 1965, Chicago, The University of Chicago Press. 3 Wallace, A.R. Viagem aos Rios Amazonas e Negro, Editora Itatiaia, Belo Horizonte, [1889], 1972, p. 89.

os animais inferiores e por dotar aqueles do senso de ética e moral4. A partir de 1975, a hipótese de Darwin ganhou um novo impulso com a publicação de uma série de livros de livros e artigos que sugerem que as questões éticas e morais evoluíram a partir dos conflitos de interesses que existem devido às nossas diferenças genéticas. Esses dados baseiam-se em estudos realizados com o altruísmo parental e com o altruísmo recíproco em seres humanos5

Os cientistas puderam também mostrar que primatas não humanos são capazes de se organizarem em grupos para atacar grupos rivais, exibirem hostilidade contra forasteiros, mas também ajudam seus companheiros em situações de perigo, alimentam jovens órfãos, compartilham alimentos com membros do grupo, etc. o que sugere que essas características não são exclusivas da nossa espécie6.

Conclusões Em mensagem que dirigiu à Academia de Ciências do Vaticano, o Papa João Paulo II, afirmou que em vez de uma teoria da evolução, deve-se falar de outras hipótese opostas e várias teorias da evolução. Por ‘outras hipóteses opostas’ e ‘várias teorias da evolução’ entende-se, é claro, o criacionismo. Ao mesmo tempo, ele foi categórico ao afirmar que as teorias da evolução que consideram a mente como originária da matéria viva, são incompatíveis com a dignidade do homem7. Para muitas pessoas, incluindo diversos biólogos, aceitar a hipótese de que nosso comportamento social tenha evoluído através da seleção natural, reside na conclusão errônea de que ele é fixo e, portanto, imutável. É o que o filósofo Daniel Dennett chamou de A Idéia Perigosa de Darwin8.

4 Wallace, A.R. The Limits of Natural Selection as Applied to Man. Alfred Russell Wallace Page 1871. Acessado em 14/08/01. 5 Alexander, R. The Biology of Moral System, New York, Aldine, 1989. 6 De Waal, F. Eu, Primata, Rio de Janeiro, Companhia das Letras, Rio de Janeiro, 2007. 7 John Paul II. The Pope’s Message on Evolution and four Commentaries. Q. Rev. Biol., 72, 377, 1997. 8 Dennett, D. Darwin’s Dangerous Idea, New York, Simon & Schuster, 1995.