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0 DANIEL CERVANTES ANGULO VILARINHO NILSANDRA MARTINS DE CASTRO EDISON FERNANDO POMPERMAYER (ORGS)

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DANIEL CERVANTES ANGULO VILARINHO NILSANDRA MARTINS DE CASTRO

EDISON FERNANDO POMPERMAYER (ORGS)

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FACULDADE CATÓLICA DOM ORIONE – FACDO

© Copyright 2016, Daniel Cervantes Angulo Vilarinho, Nilsandra Martins de Castro, Edison

Fernando Pompermayer

1ª edição

1ª impressão

(publicado em 21 de outubro de 2016)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Eduardo Ferreira da Silva CRB-2/1257

Todos os direitos reservados, protegidos pela Lei 9.610/98. Nenhuma parte desta edição pode ser

utilizada ou reproduzida, em qualquer meio ou forma, nem apropriada e estocada sem a expressa

autorização dos autores.

E56 Encontro Jurídico: direito e suas (inter) faces multidisciplinares / Daniel Cervantes Angulo Vilarinho; Nilsandra Martins de Castro; Edison Fernando Pompermayer (organizadores) -- Araguaína: FACDO, 2016.

258 f.; 28 cm Livro eletrônico da Faculdade Católica Dom Orione - Ebook

ISBN: 978-85-69435-01-3

1. Direito 2. Deveres 3. Cidadania I. Vilarinho, D.C.A. II. Castro,

N.M.; II. Pompermayer, E.F. IV. Título

CDD 340

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FACULDADE CATÓLICA DOM ORIONE - FACDO

DIRETORIA GERAL

Pe. Josumar dos Santos

DIRETORIA ACADÊMICA

Pe. Eduardo Seccatto Caliman

SUPERVISÃO DO NÚCLEO DE EXTENSÃO E INICIAÇÃO CIENTÍFICA – NEIC

Edison Fernando Pompermayer

CONSELHO EDITORIAL

Lucia Maria Barbosa do Nascimento - Doutora

Dênia Rodrigues Chagas - Doutora

Mirian Aparecida Deboni - Doutora

Bruno Gomes Pereira – Doutor

Wantuil Luiz Candido Holz - Mestre

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SUMÁRIO

Apresentação

Daniel Cervantes Angulo Vilarinho, Nilsandra Martins de Castro e

Edison Fernando Pompermayer ............................................................................ 05

Virgílio C. de O., Cidadão aos 98 Anos

Graciela Maria Costa Barros, Halyny Mendes Guimarães,

Osnilson Rodrigues Silva e Patrícia da Silva Negrão ............................................. 06

Divórcio Sem Filhos Incapazes E Sem Bens A Partilhar:

Necessidade De Audiência Conciliatória?

Téssia Gomes Carneiro .......................................................................................... 22 Hospitalização e Cárcere

Paulo de Tasso Moura de Alexandria Junior .......................................................... 33 Guarda Compartilhada sob a Perspectiva da Preservação do

Melhor Interesse do Menor Diante da Lei N° 13.058/2014

Letícia Sales Brito e Patrícia Francisco Silva .......................................................... 40

Segurado Especial: Uma Forma de Inclusão Social Previdenciária

Daise Alves e Daniel Cervantes Angulo Vilarinho ................................................... 58

Considerações Sobre a Qualidade do Atendimento aos Pacientes de Câncer

numa Unidade de Oncologia em Araguaína – Tocantins

Joelma Moreira e Humberto Tenório Gomes .......................................................... 72

Redução da Maioridade Penal é a Melhor Opção?

Juliana Ferreira dos Reis e Priscila Francisco Silva ................................................ 90

O Pagamento de Tributos como um Dever Fundamental no Brasil

Darlan de Carvalho Lima, Fernanda Rodrigues Lagares e

Maicon Rodrigo Tauchert ...................................................................................... 101

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Liberdade Provisória no Crime de Tráfico de Drogas e a Visão do Supremo

Tribunal Federal

Carla Priscilla Soares Galvão e Marcondes da Silva Figueiredo Júnior ................ 120

Aportes da Teoria Literária para o Direito ou como Superar o Isolamento

Disciplinar

Nayana Guimarães Souza de Oliveira .................................................................. 135

Criação Da Amazônia Ocidental – A Zona Franca De Manaus

Juliana de Sá A. C. Guedes, Mario Quintas Neto e

Priscila Francisco da Silva ..................................................................................... 145

A Realidade na Aplicação das Audiências de Custódia na

Comarca de Palmas/TO

Rafaela Brito Sayão Lobato e Danilo Frasseto Michelini ....................................... 160

Falência do Sistema Prisional Brasileiro

Danillo Sandes Pereira e Rainer Andrade Marques .............................................. 177

Responsabilidade Civil decorrente do Rompimento de Noivado

Kíscilla Sampaio de Amorim Abreu e Rainer Andrade Marques ........................... 186

Alienação Parental no Âmbito Jurídico

Rejanne Fonseca Cabral e Daniel Cervantes Angulo Vilarinho ............................ 201

A Inconstitucionalidade do Decreto Legislativo N. 273 De 2014, que Sustou a

Resolução – Rdc N. 52, de 6 de Outubro De 2011, da Agência Nacional de

Vigilância Sanitária – Anvisa, que Dispunha sobre a Proibição do Uso das

Substâncias Anfepramona, Femproporex e Mazindol, entre Outras Imposições

Sóya Lélia Lins de Vasconcelos ............................................................................ 220 Princípios Básicos de Linguística Textual: Alguns Apontamentos sobre a

Escrita a partir do Uso dos Operadores Argumentativos

Bruno Gomes Pereira e Vanessa Soares da Silva ................................................ 239

A Influência da Mídia sobre as Decisões Tomadas no Tribunal do Júri

João Victor Moraes Felix Batista e Nilsandra Martins de Castro ........................... 246

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APRESENTAÇÃO

Entender o Direito como uma alternativa de investigações científicas

multidisciplinares e reconhecê-la como ciência aberta a diálogos teóricos e práticas

com outras áreas do conhecimento humano. Esta perspectiva mostra-se condizente

com a demanda do atual paradigma emergente, uma vez que nos convida a olhar o

objeto analisado sob diferentes enfoques.

A multidisciplinaridade no Direito é uma alternativa de percebê-lo como uma

área do conhecimento das Ciências Humanas e Sociais, de maneira a trilhar

caminhos cada vez mais interessantes como, por exemplo, por meio de sua

articulação aos estudos aplicados da linguagem, à teoria literária, à sociopragmática,

à medicina, à odontologia e vários outros conhecimentos que compõem a anatomia

do saber humano.

Nesse sentido, esse livro se baseia na tentativa de se fazer um panorama a

respeito do Direito e outras possibilidades de análise, de maneira a oportunizar o leitor

a uma troca de sentidos prazerosa e significativa à sua construção de conhecimentos.

Portanto, o leitor atento perceberá que a escolha dos textos que compõem essa obra

não foi feita de maneira aleatória. Nossa intenção é proporcionar análises que sejam

substanciais à construção do conhecimento sobre o Direito e suas possibilidades de

diálogo com outras ramificações do saber.

Tentamos, com isso, acompanhar a demanda de uma sociedade

contemporânea que apresenta dúvidas específicas do contexto científico pelo qual

passamos. Procuramos atender a tais demandas contemporâneas de maneira

satisfatória, uma vez que o olhar multidisciplinar a respeito do Direito incita questões

até então não problematizadas pela academia.

Em suma, esperamos que esse livro possa render ganhos a pesquisadores

de diferentes áreas, não apenas do Direito, e que sirva como ponto de partida para

outros trabalhos semelhantes.

Daniel Cervantes Angulo Vilarinho, Nilsandra Martins de Castro

e Edison Fernando Pompermayer

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VIRGÍLIO C. DE O., CIDADÃO AOS 98 ANOS

Graciela Maria Costa Barros

Halyny Mendes Guimarães

Osnilson Rodrigues Silva

Patrícia da Silva Negrão

Introdução

O presente trabalho busca refletir sobre o direito ao nome, enquanto direito

fundamental, a partir do qual o indivíduo pode exercer amplamente a cidadania.

O estudo é realizado por meio da técnica da História de Vida, em que se

analisa a trajetória do Sr. Virgílio C. de O., que no processo judicial n° 5000653-

51.2013.827.2711 pleiteou a autorização para registro de nascimento. Nesse

particular, o trabalho voltou-se para a importância da efetividade das decisões

judiciais, quando do tardio registro civil de nascimento.

O Brasil assegura por intermédio da Constituição Federal um imenso rol de

direitos e garantias concernentes ao indivíduo, tais como a vida, a saúde, a educação,

a propriedade, dentre outros. Mas como ter amplo alcance a essas garantias quando

não se possui um nome? Como ser um cidadão, sem nome, sem documento?

Para que se possa ostentar a qualidade de cidadão, é preciso que o indivíduo

esteja na posse plena da capacidade civil e encontre-se investido de seus direitos

políticos. Ora, quando não se tem um nome, não se pode pensar em amplo exercício

da cidadania.

O Código Civil Brasileiro, no artigo 16 regula sobre o direito ao nome, o qual

inclui prenome e sobrenome. Constitui o nome, verdadeiro direito da personalidade,

irrenunciável, inalienável e imprescritível.

Não se registram no Brasil estatísticas oficiais ou mesmo estimativas sobre

os brasileiros adultos sem registro civil. Mas fato é que existem muitos brasileiros sem

o devido registro de nascimento, o que pode ser evidenciado por meio da expressiva

quantidade de sub-registros no país.

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O sub-registro de nascimento é definido pelo IBGE como o conjunto de

nascimentos não registrados no próprio ano de ocorrência ou até o fim do primeiro

trimestre do ano subsequente.

E o Sr. Virgílio C. de O., era um desses brasileiros sem nome, sem

documento. Homem simples, de vida rural, pai de família, conhecido em sua região.

Mas já em avançada idade, não possuía documentos da vida civil.

Em situações como essa cabe pensar de que maneira os direitos humanos e

fundamentais podem ser garantidos à pessoa. Pode-se então imaginar, de quantos

direitos o Sr. Virgílio Cachoeira de Oliveira foi privado ao longo do tempo, pela falta

do registro civil.

Partindo dessa História de Vida então, procedeu-se a uma reflexão do nome

enquanto direito humano-fundamental. E ainda sobre saídas, dadas pela própria

legislação vigente, por meio do exercício da Jurisdição, para que haja o

reconhecimento desse direito, ainda que tardiamente.

Esta é uma pesquisa qualitativa, que aqui se importa com questões de ordem

social e valorativa, às quais não se aplica a quantificação. Marconi e Lakatos (2010)

explicam que a abordagem qualitativa é a pesquisa que tem como objetivo analisar e

interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento

humano e ainda fornecendo análises mais detalhadas sobre as investigações,

atitudes e tendências de comportamento. Tem como foco os processos e os

significados.

Pela História de Vida do Sr. Virgílio C. de O., extraída de fontes documentais,

foi realizado um apanhado, partindo do relato do caso estampado no processo judicial

para autorização de registro de nascimento fora do prazo até a sentença que deu

provimento ao pleito.

Para realização do trabalho buscou-se o juiz da causa, Jean Fernandes

Barbosa de Castro, por meio do qual, se teve acesso a toda documentação que faz

parte do processo. Foi levantada ainda, bibliografia que desse suporte à análise do

ponto de vista conceitual.

A pesquisa preocupou-se com o indivíduo em foco, seu ambiente, relações

de parentesco e sociais. Tendo sido infrutífera a tentativa dos pesquisadores em

manter contato com o Sr. Virgílio Cachoeira de Oliveira e sua família, a investigação

limitou-se à trajetória de vida constante nos documentos que compõem o processo

judicial.

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Importante ressaltar que se trata de um processo judicial público, ao final do

qual foi feita a ressalva pelo julgador para que se procedesse a divulgação do fato em

virtude das peculiaridades únicas do caso.

Foram trazidos para a pesquisa dados descritivos, de forma que a situação

estudada, no caso o direito ao nome e a efetividade da tutela jurisdicional, possa ser

entendida por meio de uma trajetória de vida. Portanto, os dados vistos segundo o

ponto de vista do Sr. Virgílio C. de O. e das pessoas próximas a ele, são de suma

importância para a pesquisa. E esses pontos de vista foram extraídos a partir das

falas e relatos estampados nos autos.

O método de História de Vida evidencia o momento histórico e a dinâmica

das relações vividas pelo sujeito. Isso permitiu, partindo de um caso concreto, analisar

o grau de importância do direito ao nome, viabilizado nesta história, por meio de uma

decisão judicial efetiva.

A Trajetória de Vida

Este trabalho trata de explorar a trajetória de vida do Sr. Virgílio C. de O. e a

busca por um direito fundamental: o acesso a uma certidão de nascimento.

O objetivo desta exploração é o de verificar uma situação comum entre os

brasileiros adultos que não possuem registro de nascimento: a baixa condição

econômica dos trabalhadores rurais e a dificuldade de acesso à justiça.

Para além destas condições, a análise do caso revelará como decisões

judiciais podem alterar a dinâmica da exclusão social e oportunizar, aos excluídos, o

alcance dos seus direitos fundamentais.

A trajetória de vida do Sr. Virgílio foi analisada por meio de documento

jurídico. A Petição Inicial movida pela Defensoria Pública do Estado do Tocantins

revela dados de sua biografia e das condições sociais econômicas.

O Relato de uma Biografia: O filho Virgílio C. de O.

O Sr. Virgílio C. de O. sempre viveu no campo. O trabalho na terra

proporcionou o sustento de sua família como filho e o sustento de sua família como

pai.

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Como filho, alega que sua data de nascimento é 02/08/1915, no povoado da

Ilha do Bananal. Como não há registro e as datas são imprecisas, o fato de neste ano

o Sr. Virgílio completar 100 anos de idade, se torna um grande mistério.

Sua trajetória demonstra uma peculiaridade: foi adotado por uma família

substituta que não providenciou a lavratura de seu registro de nascimento. Sobre

seus pais biológicos, a Sra. Maria C. de O. e Sr. Manoel C. de O., apesar de saber os

seus nomes, ele não os conheceu.

Esse é um padrão de comportamento de pessoas com as mesmas

características do Sr. Virgílio. Por não terem documentos que registram sua data de

nascimento, localidade, nome dos pais biológicos, possuem uma vida sem raízes na

sua árvore genealógica.

No caso do Sr. Virgílio, cujo nome dos pais é Maria e Manoel, ele poderia ter

criado nomes para tentar criar uma realidade para si ou, esta realidade artificial, foi

produzida pelos pais biológicos. De uma forma ou de outra, a falta de um documento

não proporciona aos indivíduos conhecer sua verdadeira realidade. Tudo que possui

de referência torna-se uma construção artificial para fazer do mundo um lugar seu.

Da mesma forma, a construção artificial de uma localidade, no povoado da

Ilha do Bananal, poderá ser uma tentativa de pertencer a um lugar.

Não há registros do povoado Ilha do Bananal na rede mundial de

computadores. Especula-se, então, que o local de nascimento do Sr. Virgílio é a

Fazenda Bananal no município de Aurora.

O Sr. Virgílio nunca frequentou a escola. A distância, o trabalho no campo e,

principalmente, a falta de documentos pessoais não permitiu ter acesso a esse direito.

Apesar de saber assinar o nome, de reconhecer algumas palavras, foi durante toda

uma vida, marginalizado por ser analfabeto.

O Relato de uma Biografia: O pai Virgílio C. de O.

Como pai, vive na Fazenda Bananal, município de Aurora do Tocantins – TO,

localidade onde reside há 40 anos. Segundo seu próprio relato e de testemunhas.

Vive em união estável com a Sra. Maria Pereira da Silva há 58 anos. Sua

esposa não possui a mesma trajetória. Seu documento de nascimento ainda lhe

pertence.

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O termo “união estável” utilizado na Petição Inicial da Defensoria Pública,

tenta racionalizar o estado civil do Sr. Virgílio, já que, para uma declaração pública de

União Estável é necessária a apresentação de documentos pessoais.

O trabalho na terra garante o sustento da família, mas com poucos recursos,

o que não permite “juntar dinheiro suficiente” para fazer valer um direito: o acesso a

um documento pessoal.

Desse relacionamento nasceram 04 (quatro) filhos que não passaram pela

mesma trajetória do pai e vivem na zona urbana. Apesar de não acesso à educação

e a informação, durante anos se esforçaram para conseguir o seu registro de

nascimento.

Porém, seus filhos não possuem pai. No registro de nascimento dos filhos o

sobrenome de cada um deles não é acompanhado do sobrenome do pai.

Um cidadão sem registro de nascimento fica à margem de todas as conquistas sociais já efetivadas, além de encontrar-se impedido de postular, judicial ou administrativamente, o direito que entende lhe assistir. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO TOCANTINS, 2014).

Da condição social e econômica desprovida de recursos; moradores de uma

região rural com dificuldade acesso a um grande centro ou uma cidade desenvolvida;

localizados na parte pobre do Norte do Estado de Goiás; sem recurso ou programas

de assistência social do Governo (Federal ou Estadual), que nesta época, não

existiam. Cria-se um contingente de pessoas que estarão à margem da pirâmide

social.

O Direito ao Registro Civil

A certidão de nascimento é o primeiro e mais importante documento do

cidadão, posto que, de início, tal documento é que possibilita à pessoa ser

reconhecida como cidadã.

Destaca-se, portanto, como direito humano fundamental, uma vez que

confere identidade à pessoa natural. Além disso, o nascimento constitui-se no

primeiro ato jurídico formal que documenta o nascimento de uma pessoa com vida,

tornando público o nascimento de uma nova pessoa para a sociedade e para o

Estado.

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Nestes termos, deve o Estado tomar providências para assegurá-lo,

buscando garantir o que se nomeou de padrão mínimo de dignidade humana,

considerando que sem o registro civil é impossível inserir uma pessoa na sociedade

e, por consequente, como anteriormente mencionado, exercer sua cidadania.

Para dimensionar o direito à certidão de nascimento, importante salientar que

um dos mais importantes direitos fundamentais, como o direito à educação, só pode

ser exercido pela criança se esta portar o referido documento para ter direito a se

matricular em uma escola.

No Brasil, milhares de crianças não são registradas em seu primeiro ano de

vida e foi o que aconteceu com o Sr. Virgílio, cuja história de vida se constitui no objeto

do trabalho.

Ora, não é demais lembrar que todo ser humano tem direito ao registro de

nascimento, constituindo tal documento em condição sem a qual não se é possível a

qualquer pessoa exercer o direito à cidadania, especialmente, no que diz respeito ao

direito à personalidade, de modo que uma pessoa sem o registro de nascimento fica

à margem dos direitos sociais, como estudar, trabalhar com carteira assinada,

possibilitar ver seu nome no registro de seus filhos, enfim, existir como cidadão!

Interessante notar que o direito ao registro de nascimento e por consequente

à certidão nascimento encontra resguardo na Constituição Federal como um dos

direitos fundamentais, conforme se depreende do art. 5º, LXXVI, tanto que o registro

de nascimento é obrigatório.

Desta maneira, o registro de nascimento é o documento que determina a

existência do ser humano, tendo embasamento na Constituição Magna, destacando-

se entre eles a dignidade humana e a cidadania.

Ademais, nos termos do que preceitua o art. 1º do Código Civil a vida jurídica

se inicia com o nascimento, isto porque determina que toda pessoa é capaz de direitos

e deveres na ordem civil.

Por outro lado, o artigo 2º do mesmo diploma legal remete à individualização

necessária enquanto ente de direito, quando expressa a personalidade civil, da

mesma maneira que individualiza a concepção, como um ser, tanto que lhe preserva

os direitos do nascituro.

Neste sentido, imperioso notar que o mesmo texto legal leva a uma única

conclusão, somente o nascituro não tem um nome, tem uma qualidade que é a

nascituro.

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A personalidade precisa de um nome o qual o artigo 9º do mesmo Código

assegura-lhe de antemão o registro em Cartório de Registro Público. Vejamos:

Art. 9º Serão registrados em registro público: I - os nascimentos, casamentos e óbitos; II - a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do Juiz III - a interdição por incapacidade absoluta ou relativa IV - a sentença declaratória de ausência e de morte presumida Todos os direitos garantidos ao cidadão, elencados nos incisos acima, primeiramente, é necessário o cumprimento cabal do inciso um; o registro do nascimento, sendo eles intransmissíveis e irrenunciáveis, sem nenhuma limitação por parte de quem quer que seja.

Portanto, verifica-se que o direito ao nome está presente em todo o

ordenamento jurídico brasileiro, não bastasse isso foi elevado a status constitucional,

como se denotará adiante.

Certidão de Nascimento: Um Direito Fundamental Individual

Inicialmente, cumpre registrar que quanto ao fundamento da dignidade da

pessoa humana, esse parece ser o princípio constitucional mais importante quando

se fala em garantia e proteção de direitos fundamentais.

A dignidade humana é, no presente, considerada uma cláusula geral

constitucional, que tem valor de princípio, uma norma de dever-ser, com caráter

jurídico e vinculante.

Neste sentido, por estar expressamente veiculado na Constituição, como

princípio fundamental, acaba por vincular todas as esferas jurídicas, dando significado

ao conceito de dignidade humana o aproximando do conceito de respeito à essência

do ser humano, aos seus sentimentos e características.

Corrobora tal assertiva o que reverbera Alexandre de Moraes (2014, p.188):

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se num mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

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Ao observar-se que o registro de nascimento é um direito essencialmente

humano, verifica-se que a Constituição Federal, em seu art. 4°, inciso II, prevê que os

direitos humanos devem prevalecer sobre os demais.

Neste passo, observa-se que os direitos humanos devem prevalecer num

ambiente de cooperação entre os povos para o progresso da humanidade

reconhecendo os princípios e direitos expressos na Declaração Universal dos Direitos

Humanos.

Portanto, infere-se que sem o registro, a pessoa natural não tem acesso aos

serviços sociais fundamentais para uma existência digna, vivendo em uma

permanente exclusão social.

Conclui-se, também, que não podem existir políticas públicas de qualquer

natureza, sem que em sua formulação existam a prevalência e as prerrogativas

conferidas aos Direitos Humanos como referencial obrigatório e, conclui-se, por óbvio

que os Direitos Humanos somente se materializam por meio de políticas públicas,

capazes de conferir satisfação ao pleno exercício da cidadania, garantindo o

cumprimento dos preceitos e normas fundamentais insculpidos na Constituição

Federal Brasileira bem como na Declaração de Direitos Humanos.

De tudo o que foi dito até o presente momento, chama a atenção o fato de

que é indubitável que a certidão de nascimento é seguramente um direito

fundamental, cuja terminologia nos traz o ideal de garantia de direito natural

constituindo-se no mínimo que deve ser observado em toda e qualquer sociedade.

Importa trazer a baila que, ao longo do tempo, com a constitucionalização dos

direitos fundamentais, o ser humano passou a ser o núcleo da titularidade dos direitos

constitucionais. Por tal motivo os direitos fundamentais são atualmente apontados

como centro de um ordenamento constitucional, reconhecidos inclusive como

cláusula pétrea na maioria das constituições, consubstanciando um núcleo

insuscetível de abolição pelo poder constituinte de reforma.

Ademais, considerados como direitos fundamentais, conferem ao seu titular

a possibilidade de exigir do Estado, uma ação ou omissão com a finalidade precípua

de preservação das dignidades, garantida na atual Constituição Brasileira de 1988,

no artigo 1.º, inciso III, como princípio fundamental: a dignidade da pessoa humana

que tem início como o nome: O direito ao nome.

Certidão de Nascimento Tardia e o Acesso À Justiça

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Da análise da história de vida em estudo, verifica-se que o registro ocorreu

de forma tardia. Ora, se a certidão de nascimento constitui-se numa consequência do

direito ao nome e da necessidade de individuação, ato contínuo é a forma legítima de

se exercer a cidadania plena ainda que de forma tardia.

O registro tardio é aquele que se dá pelo conjunto de nascimentos não

registrados no ano de ocorrência ou até o final do primeiro trimestre do ano

subsequente.

Esta ainda é uma triste realidade no Brasil, sendo comum nas regiões mais

pobres nas quais pessoas privadas de nome e de sobrenome são também privadas

ainda do exercício da cidadania.

Percebe-se que tal fato gera a exposição dessas pessoas a uma sobrevida

de fragilidades contribuindo para a desigualdade bem como exclusão social, ou seja,

ausência total de dignidade.

Logo, neste caso, pessoas que não tem o registro de nascimento podem

exigi-lo do Estado, firmadas no direito à dignidade garantida pela Carta Magna,

constituindo-se num direito equiparado ao direito à própria vida.

Observe que o Sr. Virgílio viveu sob o fosso social com um grande entrave no

registro civil, uma vez que se achava na linha da pobreza e por desinformação,

grandes obstáculos que só foram superados com o ajuizamento de ação judicial para

ver seu direito reconhecido.

Importante notar que a justiça, em razão do instituto da dignidade da pessoa

humana, não pode deixar de apreciar o pedido que a ele vem na maioria das vezes

nominado de "Ação de Registro de Nascimento Tardio" na certeza de que se tratar

de pedido fundamentado e não de fraude, não pode deixar de ser concedido.

O Processo Judicial

Durante mais de 90 anos o Senhor Virgílio C. de O. não teve acesso aos

direitos básicos e primordiais de cidadão. Essa violação afrontava tanto a ordem

jurídica quanto a própria dignidade da pessoa e foi questionada pela via judicial na

buscar por fazer cessar a premente injustiça do qual era vítima.

A ausência do registro oficial de nascimento, conforme já relatado

anteriormente, o impedia de ser considerado uma pessoa com capacidade jurídica

para efetivar os atos da vida civil. Em outras palavras, juridicamente até o ano de

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2014, o Senhor Virgílio C. de O. não existia. Nunca possuiu conta em agência

bancária, nunca votou, nunca pode ser proprietário e nem sequer pode registrar os

próprios filhos.

Com o avançar da idade, tentou aposentar-se e foi impedido por não ter

qualquer documento que comprovasse a data, o local ou sequer sua ascendência. E

assim, pobre e sem instrução, buscou junto a Defensoria Pública do munícipio de

Aurora do Tocantins, a representação judicial a fim de ingressar com a ação.

A Ação: Processo Judicial Nº 5000653-51.2013.827.2711

O procedimento foi instaurado em outubro de 2013 e a petição inicial,

direcionada ao Juiz de Direito da Vara da Fazenda e Registro Públicos da Comarca

de Aurora do Tocantins, tinha como pedido principal a solicitação de Autorização para

Restauração de Registro de Nascimento fora do prazo.

A justificação do pedido pelo Defensor foi feita com a apresentação da

situação in concreto, alegando que “(...) todo ser humano tem direito ao registro de

nascimento, documento este indispensável ao exercício da cidadania e do direito à

personalidade.”.(TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO TOCANTINS, 2014). Isto

porque, o fato de não possuir um registro de seu próprio nascimento colocaria o

cidadão à margem da sociedade, sem acesso às conquistas sociais e impedido de

postular os direitos que lhe cabia.

A citada peça teve como embasamento jurídico o inciso LXXVI, do artigo 5º,

da Constituição Federal, e na Lei 6.015/75, que dispõe sobre os registros públicos. E

teve como anexos a declaração de hipossuficiência do autor, os documentos pessoais

dos filhos – sem a paternidade declarada – e da companheira e declaração do oficial

do Cartório de Registro Civil da cidade de Taguatinga, Tocantins, de que conhece o

Senhor Virgílio C. de O. há quarenta anos e que não possuía documentos que

registrassem seu nascimento.

Foi realizada a primeira audiência em 26/02/2014, onde o juiz determinou a

expedição de ofícios aos Cartórios de Registro Civil de Taguatinga e Aurora, a fim de

que fossem buscados registros do autor. Os cartórios, após a comunicação oficial,

informaram que não foram localizados quaisquer registros em nome de Virgílio C. de

O..

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Na segunda audiência, em 26/03/2014, o Ministério Público se manifestou

pela procedência da petição inicial em todos os seus termos. Também foram ouvidas

duas testemunhas do autor bem como o próprio autor, que afirmou nunca ter sido

registrado.

Após os procedimentos judiciais o juiz emitiu a sentença deferindo o pedido

do autor.

A Sentença

Na sua peça final, o juiz de Direito Jean Fernandes Barbosa de Castro,

responsável pela Comarca de Aurora do Tocantins, expõe suas razões para deferir o

pedido de registro tardio de nascimento do Senhor Virgílio C. de O..

Defende que o nascimento, ainda que seja um fato biológico, desencadeia

várias e importantes consequências no mundo jurídico e social, devendo por isso ser

devidamente assentado nos registros públicos. Afinal, é com o nascimento que a

pessoa adquire o direito da personalidade, que lhe confere o atributo de pessoa.

Sendo assim, o fundamento constitucional para os direitos da personalidade

decorrem da dignidade da pessoa humana, e por isso, é imprescindível a tutela dos

direitos mínimos existenciais, dentre os quais “o registro de nascimento das pessoas,

como consectário do atributo da personalidade.” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO

TOCANTINS, 2014).

De fato, o magistrado demonstra sua perplexidade com os prejuízos,

impossíveis de serem contabilizados, por um ser humano que passou por mais de

nove décadas sem ter qualquer registro de seu nascimento. Um total e real atentado

aos seus direitos fundamentais.

Ao discorrer sobre as provas juntadas aos autos, o julgador afirma que a partir

dos depoimentos é possível afirmar “uma convicção de quase certeza sobre o evento

afirmado, ou seja, do nascimento sem registro do autor, sendo quase improvável a

existências de possível fraude para a obtenção de novo registro.” (TRIBUNAL DE

JUSTIÇA DO TOCANTINS, 2014).

Assim convencido, determinou a expedição de mandado para que se

procedesse ao registro civil de nascimento do Senhor Virgílio C. de O., nos seguintes

termos: brasileiro, natural do povoado da Ilha do Bananal, Município de Taguatinga –

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TO, nascido aos 02 dias do mês de agosto de 1915, sexo masculino, filho de Maria

C. de O. e Manoel C. de O..

A Efetividade da Tutela Jurisdicional Concedida

Entende-se por jurisdição o poder concedido ao Estado para substituir os

interesses das partes em um processo e assim, aplicando o direito ao caso concreto,

buscar solucionar o problema a ele entregue.

Esse instituto tornou-se monopólio do Estado com a evolução das

organizações sociais, como forma de dar soluções imparciais aos conflitos antes

resolvidos pelas partes. Conforme bem destaca Zacarella (2011, p.302):

na oportunidade em que o Estado proibiu a autotutela, trazendo para si a tarefa de dizer e realizar o direito, visando assegurar o império da ordem jurídica, atraiu para si, também, neste momento, ‘o dever de tornar realidade a disciplina das relações intersubjetivas prevista nas normas por ele mesmo editadas’.

Com isso, o poder do Estado de solucionar os litígios, também se converteu

em um dever, o de prestar uma tutela adequada, efetiva, útil e eficaz. Sobre isso

Zacarella cita Jesús González Pérez (2011, p.303):

A justa paz da comunidade só é possível na medida em que o Estado é capaz de criar instrumentos adequados e eficazes para satisfazer as pretenções que a ele se formulam. Pois se os anseios de Justiça que todo homem carrega no mais íntimo de seu ser não encontram satisfação nos meios pacíficos instaurados pelo Estado, por mais fortes e brutal que seja a máquina repressiva, eles desbordarão para uma busca desesperada de justiça, atuada pela autodefesa.

A Constituição Brasileira no artigo 5º, inciso XXXV estabelece a

responsabilidade de solucionar litígios quando afirma que “A lei não excluirá da

apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Ou seja, cabe ao Poder

Judiciário realizar a prestação jurisdicional de forma efetiva, absoluta, concreta e

justa.

Entende-se que a prestação jurisdicional deve também se dar da forma mais

célere e eficaz possível, para que a violação ao direito seja cessada diminuindo o

prejuízo à parte prejudicada. As discussões sobre a razoável duração do processo

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são várias tanto entre os membros do Poder Judiciário quanto entre os doutrinadores,

de forma que não cabe a esse trabalho apresentá-las.

A efetividade da tutela concedida no caso estudado é de fácil visualização e

comprovação. Isso porque a partir da sentença e concretizado mediante o Ofício nº

076/2014 (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO TOCANTINS, 2014) do Cartório de Registro

Civil de Pessoas Naturais de Taguatinga, pode o Senhor Virgílio C. de O. dispor de

seus documentos pessoais.

O jurisdicionado ao buscar a tutela do Poder Judicial visa alcançar um seu

direito que entende desrespeitado ou violado e sobre o qual não foi possível chegar

a uma solução entre as partes. Na presente análise a violação não decorreu da ação

de uma terceira pessoa, ou seja, não se tratava de uma demanda contenciosa, mas

tão somente queria o autor ter acesso ao seu direito pleno de cidadão que por tanto

tempo lhe foi negado.

Ainda que pareça impossível aos olhos das pessoas “normais” um indivíduo

viver por quase 100 anos sem qualquer documento, esse fato existe sim e ainda,

principalmente nos rincões do Brasil rural, decorrente da falta de instrução aliada a

falta de recursos financeiros. Mas o caso é singular em razão da situação ter se

postergando por tanto tempo, quando em geral o fato da falta de registro de

nascimento ocorre na infância e não na vida adulta.

Considerações Finais

A trajetória de vida do Sr. Virgílio C. de O. permite delinear importantes

considerações relativas ao direito ao nome. A decisão judicial que concedeu o direito

ao registro, ainda que de maneira tardia, revelou-se efetiva nesse caso, tutelando

mais que um direito da vida civil, alcançando sim, a esfera de respeito à dignidade do

homem.

A descrição da vida do Sr. Virgílio C. de O., quanto à falta do registro civil, foi

uma importante ferramenta, a qual possibilitou evidenciar quão graves são as

consequências de não se ter o registro de nascimento. A partir dessa História de Vida

foi possível verificar que apesar de existirem tantos direitos, nacionalmente e

internacionalmente reconhecidos, de muita coisa se é privado, quando não existe a

simples garantia do nome.

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Já em avançada idade, o sujeito em análise encontrava-se em dificuldade

para aposentar-se, devido ao fato de não possuir registro de nascimento. E quantas

outras não foram as privações que sofreu? É pai de fato, mas não registrou nenhum

de seus quatro filhos; é marido, mas não se casou com sua esposa; não estudou; não

possui propriedade em seu nome.

Ora, para que tenha seus direitos amplamente reconhecidos, não basta ao

homem ter nascido. Preciso é, que como atributo da personalidade, haja registro civil

do nascimento em cartório. E como bem fundamentou o juiz da ação movida pelo Sr.

Virgílio, reconhecer o direito ao registro, constitui verdadeiro respeito à dignidade da

pessoa humana.

Sabe-se que o nome apresenta um caráter público. Afinal, interessa ao

Estado a identificação dos indivíduos. No entanto, o estudo foi voltado principalmente

para o aspecto privado, do nome enquanto uma garantia que permite à pessoa o

exercício aos direitos e até mesmo o cumprimento de deveres, podendo assim,

alcançar o patamar de cidadão.

Não há como ser considerado cidadão se não se pode participar da vida

política, se não se pode exercer direitos fundamentais. E sem o registro civil, isso é

uma realidade.

Embora o Sr. Virgílio não tivesse o registro, fato é que era uma pessoa, que

inclusive exercia direitos. Todavia, impedido estava de exercer a cidadania de

maneira ampla, afinal, estava privado de inúmeros direitos em decorrência da falta de

registro civil, o que por certo, viola a dignidade do homem. Portanto, o direito ao nome,

é direito humano e fundamental.

O caso em foco trata-se de um reconhecimento tardio, operado via judicial.

Diante dos fatos e depoimentos, o que se viu por meio do provimento judicial dado na

sentença, foi o reconhecimento devido, a um homem que por quase um século foi um

anônimo para os atos da vida civil.

O que se tutelou não foi apenas o direito ao nome, mas à pessoa e à sua

dignidade. Além de ser a representação da pessoa humana, o nome é direito de

cidadania, expressão primeira da personalidade, que habilita a pessoa a ser titular de

direitos e obrigações.

De muito pouco valem tantos direitos humanos consagrados, se o direito ao

nome é negado. Portanto, a desburocratização e a eficácia de decisões judiciais como

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a aqui estampada, em que pese, ser uma medida tardia, que aponta para a

necessidade de políticas públicas anteriores, promove, sem dúvida, justiça social.

Nessa História de Vida, relatada num processo, constata-se mais que a

concretização de uma obrigação de interesse social, que é a identificação de uma

pessoa. Vislumbra-se uma decisão judicial efetiva e necessária, que fez nascer, aos

98 anos, um cidadão.

Referências

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origem=processo_consulta_nome_parte_publica&acao_retorno=processo_consulta_nome_parte_publica&num_processo=50006535120138272711&num_chave=&hash=5d66c5ca50d74886b53b99364e15bea1&num_chave_documento=>. Acesso em: 23 ago. 2015.

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DIVÓRCIO SEM FILHOS INCAPAZES E SEM BENS A PARTILHAR:

NECESSIDADE DE AUDIÊNCIA CONCILIATÓRIA?

Téssia Gomes Carneiro

Introdução

A nova redação conferida ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, está

umbilicalmente ligada à principiologia da privacidade familiar e da celeridade

processual, isto é, da desnecessidade de motivação ou prazo para a concessão do

pleito de divórcio formulado conjuntamente ou separadamente por um dos consortes.

Como efeito, a natureza do divórcio, como direito potestativo, busca não

somente afastar-se da seara íntima do casal; a questão vai além da análise

puramente simplista, decorrência do princípio da duração razoável do processo para

o alcance da atividade satisfativa.

É de se registrar que o divórcio passou a ser direto, sem a exigência de

qualquer requisito temporal ou de prévia separação.

Trata-se de completa mudança de paradigma sobre o tema, em que o Estado busca afastar-se da intimidade do casal, reconhecendo a sua autonomia para extinguir, pela sua livre vontade, o vínculo conjugal, sem necessidade de requisitos temporais ou de motivação vinculante. (GAGLIANO e FILHO, 2011, p. 43).

Na perspectiva processual, atribuindo vida ao artigo 226º, § 6º, da

Constituição Federal, de 1988, objetivar-se-á reflexão sobre a desnecessidade de

prévio acordo quanto a partilha de bens, a guarda, visitação e alimentos para os filhos

comuns, posto que necessária tão somente a vontade de umas das partes, podendo

as demais questões serem discutidas em ações próprias, posteriormente.

Nesse sentido, prescindível a designação de audiência de conciliação ou de

ratificação, seja em feito consensual, seja em feito cujo objeto específico seja a

dissolução do vínculo matrimonial sem discussões outras, que poderão ser

apreciadas em momento futuro.

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Contextualização Histórica do Divórcio no Brasil

Até o advento da República no Brasil, por força da religião oficial católica, o

Direito Canônico exerceu forte influência na sistematização legislativa do país, como

por exemplo, ao proibir a dissolução do matrimônio.

A Proclamação da República em 1889 separou Estado e Igreja, isto é,

implementou o Estado laico, neutro, sem a indicação de uma religião oficial ao permitir

a liberdade de crença e de opinião.

Apesar do novo regime republicano, a construção do Código Civil de 1916

deu-se sob a influência religiosa e patriarcal do século XIX e trouxe concepções

conservadoras a exemplo do instituto do desquite que permitia a dissolução da

sociedade conjugal, porém mantinha o vínculo conjugal.

O desquite, instituto jurídico elaborado sobre a influência da religião, não

possibilitava que o casal, cuja sociedade conjugal tivesse sido dissolvida, contraísse

novas núpcias, posto que o vínculo matrimonial era mantido. Desta feita, a realidade

fática apontava para diversas uniões formadas ao alvedrio da lei, as quais sofriam

com a forte rejeição social.

Veja que o movimento modernista da primeira metade do século XX, pautado

nas transformações advindas da industrialização e no alcance do ‘progresso’,

contribuiu para o surgimento da família nuclear, reduzida e constituída pelo marido,

esposa e filhos. Nesse momento, o casamento era indissolúvel e a família patriarcal

objetiva a soma de bens pelo burguês capitalista, eis que pensar em separação

significaria admitir a divisão de bens, o que não se enquadrava na ótica patrimonialista

e também religiosa da época.

Todavia, o fordismo, a produção em série e a forte industrialização,

implicaram em mudanças nas concepções de espaço e tempo, que por sua vez

desencadearam na crise burguesa, consoante esclarece David Harvey “uma crise da

cultura burguesa, aprisionada em sua própria rigidez, mas enfrentando vertiginosas

mudanças na experiência do espaço e do tempo” (HARVEY, 2009, p. 250).

Somente com a Emenda Constitucional nº 09, de 28 de junho de 1977, que

conferiu nova redação ao § 1° do artigo 175 da Constituição de 1967, permitiu-se a

dissolução do casamento no Brasil. Veja que o divórcio foi aceito pela primeira vez

em nosso ordenamento pátrio nas situações de prévia separação judicial por mais de

três anos ou de separação fática pelo prazo mínimo de cinco anos.

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Após referida alteração constitucional, em dezembro do mesmo ano, foi

promulgada a Lei nº 6.515, também conhecida como Lei do Divórcio, que substituiu a

figura do desquite pelo da separação judicial e apresentou verdadeiro sistema dual

caracterizado pela dissolução da sociedade e do vínculo conjugal.

Para se alcançar o divórcio era imprescindível a prévia separação do casal,

de modo a possibilitar, segundo a concepção do legislador da época, um prazo de

reflexão. Nesse sentido, ilustra a doutrina:

A ideia de exigência do decurso de um lapso temporal entre a separação judicial – extinguindo o consórcio entre os cônjuges – e o efetivo divórcio – extinguindo, definitivamente, o casamento – tinha a suposta finalidade de permitir e instar aos separados a uma reconciliação antes que dessem o passo definitivo para o fim do vínculo para o fim do vínculo matrimonial. (GAGLIANO; PAMPLONA, 2010, p. 41).

A Lei nº 6.515/1977, além de trazer seções específicas que trataram dos

filhos, dos alimentos e do procedimento do divórcio; previu também duas modalidades

de divórcio, o direto, desde que provada a ruptura da vida em comum há mais de 05

(cinco) anos, e o indireto, que exigia a prévia separação judicial há mais de 03 (três)

anos como requisito mínimo para a convolação em divórcio.

A gradual mudança da sociedade brasileira, que deixou o passado da

ditadura militar para adotar o regime democrático, somados ao uso da pílula

anticoncepcional; a inserção da mulher no mercado de trabalho; a redução no

tamanho das famílias e a individualização das relações advindas da modernidade

propiciaram que a família passasse por transformações e as relações antes

hierarquizadas e patrimoniais se tornassem enfraquecidas frente a nova configuração

horizontal das famílias, que por sua vez passam a adotar a afetividade como eixo das

relações.

É nesse descortinar de significativas mudanças no cenário político e social

brasileiro que em 1988, veio a ser promulgada a Constituição apelidada de cidadã,

em virtude das garantias de direitos asseguradas. Trouxe o constituinte no texto

constitucional a figura do divórcio direto, ao lado do indireto:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado: § 6° O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos;

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Da redação supra, observa-se nítida redução do prazo para a obtenção do

divórcio, bem como a impossibilidade de discussão de culpa em sua seara; tudo no

sentido de facilitar a dissolução do matrimônio, cujo único requerido passa ser o

cumprimento do lapso temporal.

Nessa esteira, a Lei n° 7.841, de 04 de janeiro de 1989, revogou o artigo 38

da Lei nº 6.515/1977, que restringia o pedido de divórcio a uma possibilidade por

pessoa, em clara violação da liberdade daqueles que apesar de não divorciados

casavam-se com outrem que já o era e por isso não poderiam posteriormente

dissolver o vínculo matrimonial.

Com a virada do século, o aumento no número de divórcios, da redução da

natalidade e também das núpcias, observa-se a vida familiar oriunda de

recombinações ou até mesmo de modalidades outras, a exemplo do casal com ou

sem prole, das uniões informais ou advindas de segunda/terceira núpcias (ou até

mais) através do casamento ou da coabitação com intuito de constituir uma nova

família (recompostas) num verdadeiro retrato genérico, como bem explica Anália

Torres, Rita Mendes e Tiago Lapa:

Trata-se dos efeitos da chamada sentimentalização, privatização, secularização e individualização das famílias modernas e da modernidade tardia que, ao contrário de produzirem estilhaçamentos, produzem recomposições, tornando as modalidades de viver em família mais plurais e diversas. Diversidade que se amplia, como é evidente, quando, por meio de um olhar de perto, comparamos os países entre si. (TORRES, MENDES e LAPA, 2007, p. 182).

Tais mudanças assistidas no seio das famílias vieram a permitir que o

divórcio, até então realizado apenas na esfera judicial, passasse a ser possível pela

via administrativa após a promulgação da Lei n° 11.441, de 04 de janeiro de 2007.

Assim, tornou-se menos burocrática a dissolução do matrimônio, que poderá ser

alcançado também pela lavratura de escritura pública perante o tabelião, desde que

o casal não possua filhos menores ou incapazes. Prescinde-se, portanto, da

intervenção do Ministério Público e da homologação judicial numa clara redução da

intervenção estatal na seara na vida íntima das partes.

Nessa direção, somando as alterações legislativas atinentes ao divórcio, em

13 de julho de 2010 foi promulgada a Emenda Constitucional n° 66, conhecida como

“PEC do Amor” ou “PEC do Divórcio”, que alterou a redação do § 6° do artigo 226 da

Constituição Federal para suprimir a parte final atinente ao prazo para a concessão

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do divórcio. Ao assim fazê-lo, o legislador retirou qualquer óbice temporal ao divórcio

que desde então se tornou um direito potestativo, não condicionado, daquele que

almeja romper o vínculo matrimonial.

Em 2011, primeiro ano posterior à Emenda, ocorreu um boom na taxa geral de divórcios (2,02‰) para a qual contribuíram, em conjunto, as novas regras em vigor e o acúmulo de processos de divórcios que aguardavam os prazos estipulados na lei anterior e que foram concedidos naquele ano. Em 2012, verificou-se o maior valor da série histórica mantida pelo IBGE desde 1984 (2,49‰). Essa tendência de elevação do indicador também pode ser visualizada em 2013 (2,33‰) e em 2014 (2,41‰), porém com valores menores que os de 2012 (Gráfico 33) – (IBGE, Estatísticas do Registro Civil, 2014, p. 52).

Conforme discorrido alhures, a nova roupagem do casamento passa a ser

observada através da liberdade de escolha dos consortes, não cabendo mais a sua

manutenção à mera imposição legislativa, mas sim ao casal, independentemente de

prazo mínimo de convivência.

É sabido que o ideal de comunhão de vidas; os planos comuns traçados

quando do casamento e o afeto que uniu os consortes somente poderão ser medidos

por estes, que deverão ser livres na opção continuarem ou não casados.

A exclusão da prévia separação como requisito para o divórcio e a supressão

de prazos para assim fazê-lo apontam para a clara facilitação da dissolução do

casamento e ao respeito de direitos atinentes à personalidade.

O projeto familiar desenhado pelos cônjuges, somente poderá persistir,

mediante a vontade destes e foi essa não intervenção estatal em decisão de cunho

pessoal que trouxe a Emenda Constitucional nº 66, ao deixar na seara íntima das

partes o desejo de permanecer ou não em união formal.

2.2 Do novo Código de Processo Civil e das ações de família

O novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16.03.2015, entrou em

vigor 01 (um) ano após a sua publicação oficial e trouxe capítulo específico sobre as

‘ações de família’, referentes aos processos contenciosos de divórcio, separação,

reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação.

Inserido no Título III que trata dos Procedimentos Especiais, encontra-se o

Capítulo X, composto dos artigos 693 ao 699, que se referem às ações de família,

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cuja solução consensual dos conflitos deverá ser priorizada em especial pelo

emprego de mecanismos como a mediação e a conciliação.

Ocorre que poderá o objeto cognitivo da ação de divórcio restringir-se tão

somente à dissolução do matrimônio sem a cumulação de outras questões no pedido

inicial. Assim, caso o autor ingresse unicamente com o pleito de divórcio sem requerer

eventual partilha de bens ou guarda, visitação e alimentos para a prole comum ou até

mesmo para si, não será necessária a designação de audiência de conciliação em

virtude do restrito objeto cognitivo pleiteado.

Nessa linha de raciocínio, considerando que a contestação não amplia os

limites objetivos da lide, deverá o juiz decidir somente acerca dos pedidos formulados

pelo autor mediante julgamento antecipado do mérito com a finalidade de conceder o

divórcio almejado por aquele. Cristiano Chaves (2012, p. 14), a respeito do assunto,

esclarece que:

In fine, considerando o seu objeto cognitivo restrito, em nenhuma espécie, visualiza-se a possibilidade de reconvenção, (CPC, art. 1.523) na ação de divórcio, uma vez que o réu não terá como formular outro pedido (com a mesma causa de pedir) contra o autor. Se o réu da ação divorcista pretende formular pedidos contra o autor da demanda, como, exemplificativamente, reclamar alimentos (ou qualquer outra providência), deverá fazê-lo em sede processual adequada, através da ação cabível. É o que se infere, inclusive, da leitura do artigo 36 da Lei do Divórcio.

Em breve retrospectiva, válido recordar ter o Superior Tribunal de Justiça,

ainda em 08/10/1997, editado a Súmula nº 197 para firmar o entendimento de que ‘o

divórcio direto pode ser concedido sem que haja prévia partilha dos bens’. Embora a

compreensão da época restringisse a aplicação tão somente ao divórcio direito, já

apontava a jurisprudência pátria pelo acolhimento de direitos da personalidade em

detrimento da atenção a direitos unicamente patrimoniais.

Nessa direção, demonstrando o afastamento das questões patrimoniais

diante da autonomia dos direitos da personalidade, o Código Civil de 2002, disciplinou

no capítulo referente à dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, o seguinte:

‘Art. 1.581. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens’.

Além do legislador, também a jurisprudência consolidou referido

posicionamento, conforme se verifica do teor do REsp 1.281.236-SP, de relatoria da

Ministra Nancy Andrighi, julgado pelo STJ, em 19/03/2013:

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O art. 1581 disciplinou expressamente a desnecessidade da prévia partilha de bens como condição para a concessão do divórcio. Isso porque a visão contemporânea do fenômeno familiar reconhece a importância das ações relacionadas ao estado civil das pessoas, como direitos de personalidade, a partir da proteção integral à dignidade da pessoa humana. Portanto, o estado civil de cada pessoa deve refletir sua realidade afetiva, desprendendo-se cada vez mais de formalidades e valores essencialmente patrimoniais. Estes, por sua vez, não ficam desprotegidos ou desprezados, devendo ser tratados em sede própria, por meio de ações autônomas. (STJ, Informativo Nº: 0518, p. 6).

Diante de tal postura jurisprudencial e legislativa, o divórcio que somente

competirá aos cônjuges passa a ser concedido, inclusive, sem a condição da prévia

partilha de bens, seja pelo acordo das partes em mantê-los em condomínio para

posterior divisão, seja pelo fato de o pedido e a causa de pedir serem definidos e

determinados na petição inicial, não cabendo ao julgador, portanto, ampliar a

discussão a fim de partilhá-los.

Do fim da Audiência de Conciliação / Ratificação no Divórcio

Como já explanado, a nova redação do § 6° do artigo 226 da Constituição

Federal não permite no direito brasileiro a possibilidade de discussão de prazo ou de

culpa pelo término do casamento, de modo que a realização da audiência de

conciliação não traz proveito às partes quando o pleito de divórcio for consensual ou

se litigioso não vier cumulado com outras demandas que poderão ser resolvidas em

ações autônomas a serem propostas oportunamente pelas partes.

A imposição de audiência foi prevista nos artigos 40, § 2º, da Lei 6.515/1977

(Lei do divórcio) e 1.122, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil de 1973, ao exigirem-

na com o fito de se conceder o divórcio consensual, com o claro objetivo de reconciliar

as partes; todavia, a jurisprudência pátria já apontava pela sua desnecessidade, antes

mesmo do novo Código de Processo Civil entrar em vigor.

A novel figura passa ser voltada para o futuro. Passa a ter vez no Direito de Família a figura da intervenção mínima do Estado, como deve ser. Vale relembrar que, na ação de divórcio consensual direto, não há causa de pedir, inexiste necessidade de os autores declinarem o fundamento do pedido, cuidando-se de simples exercício de um direito potestativo. (STJ, Informativo Nº: 0558, p. 7).

Nessa qualidade, à luz da Emenda Constitucional de nº 66 e sob a vigilância

da melhor técnica de direito processual, e principalmente, do direito material, é

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louvável ponderar que a dissolução do vínculo conjugal trata-se de um direito

potestativo, sobre o qual não recai qualquer discussão, ou seja, por ser incontroverso,

resta à outra parte apenas aceitá-lo, sujeitando-se ao seu exercício.

Trata-se de completa mudança de paradigma sobre o tema, em que o Estado busca afastar-se da intimidade do casal, reconhecendo a sua autonomia para extinguir, pela sua livre vontade, o vínculo conjugal, sem a necessidade de requisitos temporais ou de motivação vinculante. É o reconhecimento do divórcio como o simples exercício de um direito potestativo (GAGLIANO; PAMPLONA, 2010, p. 43).

Descabe falar em requisitos para a concessão de divórcio, de modo que

inexistindo pressupostos a serem comprovados, e não havendo nenhuma questão

relevante de direito a se decidir, desnecessário se torna a designação de audiência

de conciliação, a qual certamente trará morosidade ao feito, indo inclusive de encontro

à garantia constitucional da duração razoável do processo prevista no artigo 5°, inciso

LXXVIII da Constituição Federal.

Considerações Finais

Na atividade dinâmica do magistrado na condução do processo, deverá o

espírito do legislador do novo Código de Processo Civil ser observado, no intuito de

que audiências desnecessárias não sejam agendadas gerando morosidade em

matéria de simples direito potestativo, que por sua natureza deverá ser julgada de

forma célere.

Assim, no capítulo específico sobre as ‘ações de família’ que tratou dos

esforços para a solução consensual da controvérsia pelo uso das técnicas da

conciliação e da mediação (artigo 694 e 695, CPC), faz-se mister observar com

cuidado os fatos narrados na exordial para nas situações de inexistirem cumulações

do pleito de divórcio com outras questões, ver dispensada a designação audiência.

A designação de audiência para todo e qualquer feito de divórcio, como

padrão para sua tramitação, não terá finalidade concreta quando se tratar de divórcio

consensual ou caso o autor ingresse tão somente com o pleito de divórcio sem

requerer eventual partilha de bens ou guarda, visitação e alimentos para a prole

comum ou até mesmo para si.

Em tais situações, não será necessária a designação de audiência de

conciliação em virtude do restrito objeto cognitivo pleiteado, devendo ocorrer o

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julgamento antecipado do mérito, que inexige a produção de provas além da mera

comprovação do matrimônio, através da juntada de certidão de casamento dos

consortes em acompanhamento à petição inicial.

Em síntese, a audiência de conciliação para eventual ratificação do interesse

em dissolver o vínculo matrimonial tornou-se desnecessária antes mesmo da

alteração constitucional do artigo 226, haja vista o ordenamento pátrio já permitir,

inclusive, que a discussão sobre eventual partilha de bens pudesse ser realizada em

momento posterior, não condicionando, portanto, o divórcio a tal divisão (CC, artigo

1.581).

Ademais, também o novo CPC, com o objetivo de permitir a razoável duração

do processo e em respeito ao Princípio da Celeridade Processual dispõe que: ‘Art. 4o

As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito,

incluída a atividade satisfativa.’

Dessa forma, pelos motivos expressamente elucidados, deverá o magistrado

julgar antecipadamente o mérito, sem a prévia designação de audiência, evitando-se

com isso que as partes efetuem gastos para comparecerem ao ato, tão somente para

confirmarem ou não seu desejo de alcançarem o divórcio, o que já não é exigível pelo

filtro constitucional da Emenda Constitucional nº 66/2010.

O prévio esforço para a solução consensual da controvérsia, através da

mediação e da conciliação, conquanto esteja respaldado na legislação processual

civil (artigos 694 e 695, CPC), deve ser interpretado pelo magistrado à luz do caso

concreto, não apenas sob o viés constitucional da alteração legislativa que suprimiu

quaisquer requisitos ao divórcio, mas também da razoável duração do processo e da

garantia dos direitos fundamentais, tudo respaldado pela mudança de paradigma que

busca afastar o Estado da vida íntima do casal.

Referências

BRASIL. Código Civil (1916). Código Civil: promulgado em 1° de janeiro de 1916. Publicada no DOU em 05.01.1916. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm> Acesso em: 18 mai. 2016.

______. Código Civil (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Publicada no DOU em 11.01.2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acessado em: 18 mai. 2016.

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______. Código de Processo Civil (1973). Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Publicada no DOU em 17.01.1973. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm> Acesso em: 18 mai. 2016.

______, Código de Processo Civil (2015). Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Publicada no DOU em 17.03.2015. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em: 18 mai. 2016.

______. Constituição Federal (1967). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 24 de janeiro de 1967. Publicada no DOU em 20.10.1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao67.htm> Acesso em: 18 mai. 2016.

______. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 18 mai. 2016.

______. Emenda constitucional n° 9, de 28 de junho de 1977. Publicada no DOU em 29.07.1977. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc09-77.htm> Acesso em: 15 mai. 2016.

______. Emenda constitucional n° 66, de 13 de julho de 2010. Publicada no DOU em 14.07.2010. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc66.htm> Acesso em: 18 mai. 2016.

______. Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos, e dá outras providências. Publicada no DOU em 27.12.1977. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6515.htm > Acesso em: 18 mai. 2016.

______. Lei n° 7.841, de 04 de janeiro de 1989. Publicada no DOU em 18.10.1989. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7841.htm> Acesso em: 18 mai. 2016.

______. Lei nº 11.441, de 04 de janeiro de 2007. Publicada no DOU em 05.01.2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11441.htm> Acesso em: 18 mai. 2016.

______, Superior Tribunal de Justiça. Informativo nº: 0518. Disponível em: < www.stj.jus.br/docs_internet/informativos/RTF/Inf0518.rtf>. Acesso em 20.05.2016.

______, Superior Tribunal de Justiça. Informativo nº: 0558. Disponível em: < www.stj.jus.br/docs_internet/informativos/RTF/Inf0558.rtf>. Acesso em 20.05.2016.

FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2ª ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

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FARIAS, Cristiano Chaves de. A nova ação de divórcio e a resolução parcial e imediata de mérito: concessão imediata do divórcio e continuidade do procedimento para os demais pedidos cumulados. In.: Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Porto Alegre, v. 14, n. 27, p. 5-16, abr. 2012.

FARIAS, Cristiano Chaves de. Escritos de direito de famílias. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007.

GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. O novo divórcio. São Paulo: Saraiva, 2010.

GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Direito processual civil esquematizado. 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2016.

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HOSPITALIZAÇÃO E CÁRCERE

Paulo de Tasso Moura de Alexandria Junior

Introdução

A palavra hospital origina-se do latim hospitalis, que significa “ser

hospitaleiro”, acolhedor, adjetivo derivado de hospes, que se refere a hóspede,

aquele que dá agasalho, que hospeda. (LISBOA,2002, p. 8).

Com base na ideia supracitada, o ambiente hospitalar deveria destinar-se a

receber pessoas fragilizadas e prestar um atendimento com características que se

ligassem ao aspecto da viabilização de cuidados em seu sentido mais amplo.

Tal indivíduo, acometido por um processo patológico, ao buscar tal cuidado,

deveria receber atendimento que promovesse bem-estar, acolhimento, paz de

espírito, segurança e possibilidade de melhoria em seus mais diversos aspectos,

tanto orgânicos quanto psíquicos.

Seguindo tal linha de raciocínio, um questionamento se faz importante, se o

hospital deveria destinar-se a tal papel, com tais características, porque os sujeitos

apresentam tanta resistência junto ao processo de internação. Bem como, a todos

os meandros que ligam o processo de adoecer e dependência da hospitalização

visando a cura das doenças?

Assim desejamos, Analisar os efeitos nocivos do processo de internação

hospitalar junto aos pacientes renais crônicos sem perspectiva de alta por falta de

vagas para tratamento dialítico na cidade de Araguaína- To.

As Mudanças no Processo de Adoecimento

É sabido, que o lidar com o processo de adoecimento, não é fácil, sobretudo

quando inseridos em uma cultura ocidental de vida, que lida mal com a morte, onde

o adoecer, em muitos aspectos, é sinônimo de fracasso, derrota.

“...E pelo simples fato de se tornar hospitalizado faz com que a pessoa

adquira os signos que irão enquadrá-lo numa nova performance existencial e até

mesmo seus vínculos interpessoais, passarão a existir a partir desse novo signo. Seu

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espaço vital não é mais algo que dependa do seu processo de escolha. Seus hábitos

anteriores terão de se transformar frente à realidade da hospitalização”.

(ANGERAMI,1995).

Tais mudanças, junto ao modus operandi do ser, desperta emoções que não

fazem parte dos projetos existenciais da grande maioria das pessoas, funcionam

como algo aversivo, a que o indivíduo tenta a todo momento livrar-se.

Nos casos de doenças crônicas e degenerativas, o caráter é ainda mais

abusivo, dor, desalento, falta de perspectiva, interferências em planos futuros,

inseguranças, incertezas etc. montam o cenário do desequilíbrio humano.

A doença renal crônica figura neste interim, trazendo uma série de

modificações Bio, psíco, sócio, emocionais e que interferem de forma significativa na

qualidade de vida do indivíduo.

A aceitação da nova condição de vida, não se dá de forma tão simples, a

ligação a um tratamento que denota dependência, acarreta processos psíquicos

extremos, com alto poder de tensão e dificuldades de aceitação.

“Dependência com relação à máquina, aos profissionais de saúde, aos

familiares...decorrentes do tratamento”. (SANTOS, 2011).

Atualmente no Brasil e no mundo, a incidência da Doença Renal Crônica é

cada vez mais alarmante, o número de pessoas com diagnóstico da doença, é

enorme e beira o status de pandemia.

As dificuldades de adequação comportamental e emocional, surgem como

fatores de grande relevância junto à evolução da piora ou melhora da condição de

saúde-doença destas pessoas. Segundo Santos (2001), a doença renal crônica, não

importando a fase que se diagnostique, fase pré-dialítica, terapias de substituição –

hemodiálise, diálise peritoneal e transplante – acabam por desencadear uma série de

consequências que vão muito além da perda da função do rim. Ou seja, o psicólogo

se torna peça chave no acompanhamento devido as diversas mudanças. Sejam,

corporais, psíquicas e/ou sociais

A doença crônica em si, exige que o tratamento seja permanente e sob esta

perspectiva, acaba por gerar situações de grande alteração de cunho emocional ao

paciente, necessitando de grandes adaptações psíquicas para lidar com tal mazela.

Fatores complicadores de vida, tais como: Afastamento das atividades

laborativas, mudanças no estilo de vida, diminuição da energia física, mudança do

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cardápio alimentar, afastamento do convívio familiar, modificação de rotinas que lhes

são peculiares etc. dão a tônica desta realidade.

Cabe lembrar que o acometimento por uma doença com tais características,

incide em incapacidades frente à vida adulta, tais questões são relacionadas a

sentimentos de deterioração, incompetência, impotência, necessidade de ajuda e

aumento da necessidade de assistência.

Quando o indivíduo se encontra internado, tais dificuldades são ainda

maiores, tomam um caráter de exacerbação das características supracitadas e as

complicações emocionais decorrentes deste processo de cisão com a realidade, vem

à tona com toda força.

O Processo de Hospitalização

O processo de internação hospitalar, evidencia medos e angústias ligadas à

finitude, ou pelo menos a um afastamento das peculiaridades da vida “normal” do

indivíduo. Este afastamento, no caso da doença crônica, pode tomar dimensões

grandiosas e relacionadas a um sentimento de inutilidade ou de “estar acabado” para

à vida.

Quando tal processo de institucionalização vem acompanhado de falhas junto

ao sistema prestador dos serviços de saúde, percebe-se, que a sensação de finitude,

de que tudo está se esvaindo por entre os dedos e perda de controle, aumentam.

São comuns relatos ligados a sentimentos de desesperança, tristeza intensa,

choros, desesperos de pacientes e familiares, sentimento de aprisionamento,

sensação de não resolutividade da situação, morte social, despersonalização,

desrealização etc.

O grande número de pacientes em situação de cronicidade, associado às

falhas do sistema público de saúde, o qual não consegue disponibilizar vagas em

número suficiente para estas pessoas, criam o cenário ideal para o caos e desespero

dos mesmos.

Não havendo vagas suficientes para tratamento dialítico fora dos ambientes

hospitalares, estes indivíduos se veem obrigados a permanecer internados para

garantir o tratamento renal substitutivo essencial à vida.

É neste momento, que a sensação de encarceramento se dá, pois, a partir

daí o paciente só consegue sair do ambiente hospitalar, quando da existência de

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vagas em clínicas conveniadas com o sistema único de saúde e essa espera, pode

durar meses, até mesmo anos.

Atualmente, o estado do Tocantins vem padecendo de uma grande

dificuldade junto à implementação de vagas para tratamento dialítico fora de ambiente

hospitalar, pacientes são obrigados a permanecerem internados por longos períodos

de tempo devido a tal deficiência no sistema público de saúde.

O estado figura diante do cenário de prestação de serviços em saúde, não

tendo central de captação e transplante de órgãos, o que dificulta ainda mais o

processo de tratamento, já que os pacientes inseridos no programa de diálise, só tem

essa alternativa diante de tal contexto, acarretando grande quantidade de pacientes

e longas filas de espera por vagas para tratamento renal substitutivo.

Uma outra opção, é o indivíduo conseguir uma vaga para tratamento fora do

estado, o que determinaria o abandono de uma vida construída naquela localidade,

destruição de sua história e de seus aspectos de identidade com aquela região, com

o que foi construído por ele durante anos de sua trajetória vital.

Seria um recomeçar, mas este recomeço, se daria com um indivíduo

fragilizado pela doença, distante de boa parte de seus familiares, temeroso diante do

novo...em prol de um tratamento que “salvaria” sua vida, mas...que vida?

Diante de tal condição e falta de investimentos no setor, a realidade eclode

de maneira perversa, trazendo ainda mais sofrimento para pacientes e familiares,

incidindo na subtração de vários direitos constitucionais.

“A constituição federal do Brasil garante, em seu artigo 196, que a saúde é

um direito do cidadão e um dever do estado. A partir desta norma, o estado brasileiro

tem que se desdobrar para oferecer a todos os cidadãos brasileiros um serviço de

saúde que apresente as seguintes características básicas: Eficiência, facilidade de

acesso e ausência de custos adicionais”. (TIMI, J. 2005).

Pacientes acometidos por nefropatia grave são protegidos pela lei 7.670/88.

Tal lei, visa tornar a vida deste indivíduo com menor potencial de sofrimento, inserindo

benefícios e melhorando qualidade de vida.

“A eficiência no tratamento do paciente é um fator de qualidade de serviço de

saúde, a facilitação do acesso, faz com que não haja piora do quadro de adoecimento

e até mesmo o óbito do paciente, devido a intermináveis prazos de espera para o

atendimento”. (TIMI, J. 2005).

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Direito à saúde de qualidade, Direito humano básico de ir e vir, Direito de

escolha, Direito à vida etc. são questões que se encontram impregnadas neste

contexto, questões que teoricamente, deveriam ser dotadas de pleno respeito e

usualidade. Contudo, não é o que se percebe.

O vilipêndio dos direitos se faz manifesto neste ponto, promover saúde diante

de tal situação, apresenta complexidade tal, que vai além de qualquer boa formação

profissional existente, mesmo entre os profissionais mais renomados e com grande

potencial técnico e humano, se veem desestruturados diante deste famigerado

quadro.

O paciente, tem seus direitos constitucionais mais basais, ligados à uma

lógica perversa em que, ao mesmo tempo que busca promover o mínimo de cuidado

com sua saúde “mantendo-o vivo”, “aprisiona-o” em uma instituição, onde o mesmo

é “impedido de sair”, com limitações em seus direitos de escolha, com espaços que

limitam seu ir e vir, como se comparado a um animal enjaulado.

Como se não bastasse o aprisionamento à própria doença, à cronicidade da

mesma e todas as suas conotações de grande mal, com o qual, o mesmo terá que

conviver para o resto de sua vida, o sujeito se vê diante de um quadro, onde não pode

voltar sequer para sua casa, mesmo que essa casa fique a poucos metros do hospital.

O sistema de saúde em sua condição nefasta, responsabiliza o indivíduo caso

este opte pela saída do ambiente institucional sem que seu problema “seja resolvido”.

Uma outra opção, é encaminhá-lo para outra unidade, fora do estado, abandonando

toda sua construção histórica de sujeito, “em nome de uma saúde”, mas que saúde é

esta, que insere no indivíduo condições de insegurança, abandono, temor, tristeza

distanciamento etc.

O problema é que as instituições e os sistemas de saúde têm usualmente a tendência a estabelecer e manter uma estrutura burocrática de organização e funcionamento baseadas nesses mesmos fundamentos. Nossa sociedade capitalista contemporânea parece disposta a seguir adiante em sua prática fetichista, diz que “está tudo bem” com sua estrutura social e com as suas instituições. (FILHO, R. 2011).

As dificuldades do sistema, segregam, roubam do indivíduo, em muitos

aspectos, o pouco de saúde que lhe resta, funcionam como aspecto iatrogênico,

fornecendo elementos para outros quadros de adoecimento.

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A psicanálise aponta os perigos do esmagamento da singularidade do sujeito,

decorrentes da “tendência totalitária à alienação” do discurso capitalista (PACHECO

FILHO, 2009).

É comum, ouvir discursos de pacientes extremamente tristes, verdadeiros

gritos de socorro, sem perspectivas de mudança, lamúrias, choros contidos e

manifestos, familiares perdidos, sem saber a quem recorrer, “é uma prisão sem tempo

para sair”, sem indultos, sem sistema semiaberto, onde a maior sentença pode ser a

própria morte.

Aqui usarei a expressão contexto social para designar o conjunto total de

fatores do ambiente humano que influem sobre o comportamento do paciente:

história, cultura, religião, economia, política, meios de comunicação...a interação

indivíduo contexto, é aspecto básico da vida em geral, tanto na saúde quanto na

doença. A todo instante, o contexto social reage sobre o paciente que reage sobre o

contexto social, num constante natural e inevitável. (RIECHELMANN, J. 2000).

É neste sentido, que busca-se compreender, o sofrimento humano diante

deste atual cenário da saúde no Brasil, mais propriamente no estado do Tocantins,

trazendo discussões importantes acerca da eficácia do tratamento e as alternativas

disponibilizadas pelo sistema de saúde frente às características humanas em

condição de adoecimento crônico. Bem como, da perda dos direitos essenciais.

Considerações Finais

A situação atual dos pacientes acometidos por Insuficiência Renal Crônica

em nosso país, mais propriamente no estado do Tocantins traz à tona, o caos no

sistema público de saúde, que não consegue ofertar números de vagas suficientes

para tratamento dialítico, obrigando pacientes e familiares a fixarem residência em

hospitais gerais do estado, por tempo indeterminado, sob pena de morte, caso não

concordem em permanecer internados, já que não podem abrir mão da terapia renal

substitutiva. Tendo assim, seus direitos mais básicos, vilipendiados pelo próprio

sistema.

Bem como, tendo instaurados em seu ser, outros processos patológicos,

decorrentes do processo de internação por tempo indefinido tornando-se reféns de

um sistema que alija e violenta pessoas. Tal questão, se mostra de grande relevância

junto à busca do entendimento deste contexto do cenário atual de saúde no estado

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do Tocantins. Bem como, fomentar um estudo crítico acerca dos direitos dos cidadãos

residentes em hospital geral devido falta de vagas para tratamento dialítico, causando

com isso, outros processos patológicos.

Referências

ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto, 1950-O doente, a psicologia e o hospital / Valdemar Augusto Angerami-Camon, Êdela Aparecida Nicoletti, Heloisa Benevides de Carvalho Chiattone; Valdemar Augusto Angerami-Camon (Organizador). – São Paulo: Pioneira, 1992. – (Coleção novos umbrais). ANGERAMI-CAMON. (org) Atualidades em psicologia da saúde. São Paulo: Pioneira Thomson Learning. 2004. LISBOA, Teresinha Covas – Breve história dos hospitais (Da antiguidade à idade contemporânea) – Teresinha Covas Lisboa – Encarte especial da revista notícias hospitalares, junho/julho, Pró Saúde, 2002. MARTINS, Paulo Henrique – Contra a desumanização da medicina: Crítica sociológica das práticas médicas modernas / Paulo Henrique Martins. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. PESSINI, Leo. Humanização e cuidados. -- 3ª edição, Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 2006. TIMI, Jorge R. Ribas. Direitos do Paciente / Editora Revinter, Rio de Janeiro, 2005. Trucharte, Fernanda Alves Rodrigues. Psicologia Hospitalar: Teoria e prática/Fernanda Alves Rodrigues Trucharte; Rosa Berger Knijnik; Ricardo Werner Sebastiani; Valdemar Augusto Angerami-Camon (Organizador). – 2. Ed.-São Paulo: Pioneira, 1995. – (Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais. Psicologia).

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GUARDA COMPARTILHADA SOB A PERSPECTIVA DA PRESERVAÇÃO DO

MELHOR INTERESSE DO MENOR DIANTE DA LEI N° 13.058/2014

Letícia Sales Brito

Patrícia Francisco Silva

Introdução

Considerada como uma instituição fundamental, a família é o núcleo central

para o desenvolvimento sadio e equilibrado da criança e do adolescente, pois é

através dela que princípios e valores substanciais são transmitidos aos filhos.

Com o decurso do tempo é manifesto que a instituição familiar bem como, as

questões referentes ao poder desta, sofreram notáveis mudanças, chegando assim

aos protótipos de hoje.

Algumas dessas transformações contribuíram significativamente, ao oferecer

recursos para o fortalecimento e o estreitamento de laços, formação moral e social

dos filhos.

Algumas legislações tratam desta questão, tal como a Constituição Federal

de 1988, que trouxe equiparação do poder familiar, colocando em igualdade ambos

os genitores quanto ao seu exercício. No mesmo sentido corrobora o Código Civil de

2002, que além de manter a paridade em relação ao poder familiar, trouxe duas

modalidades de guarda, dispostas em seu artigo 1.583, denominadas guarda

unilateral e guarda compartilhada.

A guarda compartilhada foi criada pela Lei nº 11.698/2008 e recentemente

sofreu algumas alterações trazidas pela Lei nº 13.058/2014. Nesta modalidade, tanto

a mãe quanto o pai, especialmente quando separados, são igualmente responsáveis

pela guarda dos filhos.

Diante das mudanças decorrentes da Lei nº 13.058/2014, questiona-se: há

efetividade da guarda compartilhada enquanto uma imposição legal? A imposição da

guarda compartilhada quando presente conflito entre os pais pressupõe prejuízo ao

Princípio do Melhor Interesse do Menor?

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Deste modo, a pesquisa acerca do tema é relevante, pois visa evidenciar o

valor, bem como a necessidade da concessão da guarda compartilhada, desde que

observados alguns requisitos não descritos em lei, mas que são imprescindíveis para

que esta modalidade de guarda seja satisfatória, como se verá adiante.

Outro fator relevante que impulsionou a pesquisa foi a construção de uma

análise crítica quanto à aplicabilidade da nova legislação enquanto uma imposição

legal, mesmo quando presente litígio entre os pais, bem como demonstrar a guarda

compartilhada sob a perspectiva da Lei nº 13.058/2014, destacando as vantagens e

desvantagens à luz do princípio do melhor interesse do menor.

Logo, tem-se como objetivo geral, expor a importância da guarda

compartilhada e analisar a sua efetividade enquanto uma imposição legal. Com

relação aos objetivos específicos busca-se evidenciar a importância da preservação

do melhor interesse do menor; caracterizar a guarda compartilhada; e apontar os

principais aspectos da Lei nº 13.058/2014.

Para a aferição deste artigo, utilizou-se o método Dedutivo, onde através de

legislações e pesquisas bibliográficas buscou-se alcançar conclusões gerais, tendo

em vista que o método em questão parte de premissas gerais para alçar casos

específicos.

Também como métodos de abordagens foram utilizadas análises

jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça e Tribunais de Justiça dos Estados,

que visam exemplificar a relação dos meios judiciais na garantia dos interesses do

menor.

Sendo assim, tratou-se da guarda compartilhada como objeto de pesquisa a

luz da Lei nº 13.058/2014, expondo-se as novidades e tratando de sua aplicabilidade.

Do Poder Familiar

Inicialmente, cumpre destacar que nos primórdios, a relação familiar era

distinta da qual possuímos atualmente. Sabe-se que antigamente, todo o poder era

concentrado na figura do pai, por isso era denominado “Pátrio Poder”,

consubstanciado no Código Civil de 1916.

Hoje, temos o instituto do Poder Familiar, previsto no Código Civil de 2002,

que ab-rogou a norma jurídica que trazia em seu bojo o pátrio poder, trazendo para o

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âmbito familiar menos poderes e mais deveres, deixando de ser atribuição apenas do

pai, e passando a compreender também a figura materna.

Segundo Dias (2011, p. 425), o poder familiar não pode ser objeto de

renúncia, transferência ou alienação. E tem efetividade em todas as formas de

paternidade, seja legal, natural ou ainda sócio afetiva.

Logo, acerca do poder familiar cumpre ressaltar que é dever dos pais exercê-

lo, e ainda que assim não o façam não há decadência, somente perdendo-o nos casos

previstos em lei.

Observa-se que o poder familiar é abordado principalmente em três

legislações, quais sejam: Código Civil de 2002, Constituição Federal de 1988 e

Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990).

No tocante à Constituição Federal de 1988, tem-se que a titularidade dos pais,

quanto ao exercício do poder familiar, é do homem e a mulher quando aptos, em

igualdade de direitos e deveres, em conformidade com o artigo 226, § 5º (parágrafo

quinto).

Em respaldo ao texto constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente

(Lei 8.069/1990) preceitua também sobre a igualdade quanto à titularidade, devendo

o poder familiar ser exercido conforme a legislação civil. Assegura ainda o direito de

recorrer à autoridade judiciária competente, em caso de discordância entre os

genitores, para que a divergência seja de fato solucionada.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 22, alude sobre

a responsabilidade dos pais, em relação aos deveres de sustento, guarda e educação

dos filhos enquanto menores.

Partindo-se para o que reza o Código Civil de 2002, este também versa sobre

o poder familiar, conferindo completa igualdade entre os pais, corroborando assim

com a Constituição Federal de 1988 e com o Estatuto da Criança e do Adolescente

(Lei. 8.069/1990).

O Código Civil de 2002 traz em seu bojo uma série de esclarecimentos

específicos, tais como, o poder familiar em caso de morte de um dos pais, situação

na qual tal poder passa a ser exercido exclusivamente pelo genitor sobrevivente. No

que compete ao divórcio, separação judicial e união estável, o poder familiar continua

a ser exercido por ambos os genitores, pois não deve sofrer modificações relativas

aos direitos e deveres dos pais para com os filhos, salvo disposição em contrário.

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Quanto aos filhos havidos fora do casamento, para que sejam submetidos ao

poder familiar, devem ser reconhecidos. Caso não haja o reconhecimento por parte

do pai, ficarão apenas sob o poder familiar da mãe. E não tendo esta capacidade de

exercê-lo, será designado tutor ao menor.

Para Gonçalves (2010, p. 396), o poder familiar consiste na atribuição dos

pais, de direitos e deveres concernentes aos filhos menores e seus bens.

A partir da análise do artigo 1.634 do Código Civil, consolidado no Capítulo

V, que trata do poder familiar, e mais especificamente na Seção II, que aborda o

exercício do poder familiar, é possível verificar através de uma noção preliminar os

deveres dos pais em relação aos filhos.

De acordo com a legislação, os pais tem o dever de dirigir aos filhos criação

e educação, tendo a prole em sua companhia e guarda, conceder ou negar

consentimento para casarem, nomear por meio de testamento ou documento

autêntico um tutor, se um dos pais não lhes sobreviver, ou o que sobreviver não puder

exercer o poder familiar.

É ainda um dever dos pais a representação dos filhos, até aos dezesseis

anos, nos atos da vida civil, bem como assisti-los, após esta idade, quando forem

partes, suprindo-lhes o consentimento, reclamar os filhos de quem os detenha

ilegalmente e exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de

sua idade e condição.

Deste modo, apontadas brevemente as características e peculiaridades

atinentes ao poder familiar, é pertinente aduzir sobre suas causas de suspensão,

destituição e extinção.

Suspensão, Destituição e Extinção do Poder Familiar

Em se tratando de suspensão do poder familiar, é considerada uma sanção

a ser aplicada aos pais, nos casos previstos no artigo 1.637 do Código Civil, quais

sejam, quando os pais deixam de cumprir deveres a eles inerentes em relação aos

filhos menores; ou quando provocam o arruinamento dos bens dos filhos; ou quando

o pai ou a mãe são sujeitos condenados por sentença irrecorrível, cuja pena seja

superior a dois anos de prisão.

Para Dias (2013, p. 444), o intuito da suspensão do poder familiar não é

punitivo, visando resguardar os filhos, a fim de distanciá-los de más influências.

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Assim, quando houver incidência dos pais nas hipóteses acima mencionadas,

dá-se á a suspensão do poder familiar. Contudo cabe ressaltar que esta sanção é

apenas um impedimento temporário, podendo ser revista quando os elementos que

a provocaram forem superados.

Já a destituição ou perda do poder familiar é também uma sanção imperativa

destinada aos pais, porém, ao contrário da suspensão não é temporária. Tem

previsão no artigo 1.638 do Código Civil, e incide nas situações em que os pais

castiguem imoderadamente os filhos; ou ainda quando os pais, que têm o dever de

cuidado para os filhos, os deixem ao abandono; ou na hipótese em que os pais

pratiquem atos contrários à moral e aos bons costumes; ou quando os genitores

incidirem reiteradamente nas condutas que levam à suspensão.

Quanto à extinção do poder familiar, tendo em vista a sua gravidade também

é imperativa e permanente. Todavia, os pais podem recuperá-la mediante

procedimento judicial desde que provada que a motivação não mais exista.

A extinção tem previsão legal no artigo 1.635 do Código Civil, tendo como

motivos, a morte dos pais ou do filho; a emancipação do filho; pela maioridade do

filho, que é alcançada aos dezoito anos de idade; pela adoção, pois o poder familiar

é transferido ao adotante; por decisão judicial, que deve estar fundamentada no artigo

1.638 do Código Civil.

Neste sentido, diante da elucidação acerca do poder familiar e as formas de

destituição deste, há a necessidade de exposição sobre os principais aspectos

relativos à guarda e suas modalidades.

Da Guarda

A guarda é característica do poder familiar, conferida aos genitores,

atribuindo-lhes o dever de proteção, vigilância, cuidado e ampla assistência.

(TRANJAN, 2015, p. 1).

Assim, a guarda é considerada uma prerrogativa legal, que deve ser exercida

com zelo e responsabilidade, tendo em vista que, assim como no Direito de Família,

o instituto da guarda também é regido por princípios, dentre os quais destaca-se o do

melhor interesse da criança.

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O referido princípio é considerado como base para a definição da modalidade

de guarda adequada de acordo com o caso concreto, com o propósito de garantir ao

menor que os seus interesses e bem estar sejam priorizados.

É conhecido historicamente que o pátrio poder era conferido à figura do

homem, e que cabia à mulher somente os cuidados dos filhos, tendo em vista sua

afetividade e desenvoltura nas funções concernentes à maternidade. E quando da

separação do casal, em razão de tais atribuições, os filhos ficavam com a mãe.

No âmbito legislativo estes critérios foram modificados com o advento do

Código Civil de 1916, e segundo Dias (2013, p. 450), a guarda era convencionada a

partir do reconhecimento do cônjuge culpado pela separação. Ou seja, a lei trazia a

ideia de que o merecedor da guarda dos filhos seria aquele que não tinha dado causa

ao desquite, isto é, o cônjuge considerado inocente. E se os dois fossem culpados, a

mãe teria direito à guarda do filho.

Neste sentido, é claramente perceptível que neste momento histórico, os

interesses dos filhos eram esquecidos, buscando-se somente o conservadorismo em

relação ao casal.

A partir de então novas leis entraram em vigor, tal como a Constituição

Federal de 1988, que consagrou direitos iguais a homens e mulheres, o Código Civil

de 2002 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que passam a priorizar e

proteger os filhos, ao introduzir o princípio do melhor interesse.

O artigo 33, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aduz que

a guarda acarreta prestações de natureza educacional, moral e de assistência

material.

Para Dias (2013, p.451), guarda de filho implica no pensamento imediato de

separação dos genitores. Todavia, o fim de um relacionamento não pode afetar a vida

do menor, não devendo haver ruptura dos direitos parentais. Isto é, compete aos pais

a responsabilidade do exercício do poder familiar, bem como da guarda, durante o

casamento e também quando da dissolução deste.

Neste viés, mesmo que haja separação dos pais, em decorrência do princípio

do melhor interesse da criança, esta não pode ser prejudicada, pois a convivência

saudável com ambos os genitores é de extrema importância, não devendo a ruptura

familiar comprometer a relação parental, dado que os filhos são os mais vulneráveis

em uma situação de conflito.

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Modalidades de Guarda no Código Civil

O Código Civil, em seu artigo 1.583, atenta para duas modalidades de guarda,

sendo estas, unilateral e compartilhada.

Para Monteiro e Silva (2012, p. 387), a guarda unilateral dá-se quando apenas

um dos pais exerce-a, encarregando-se de todas as decisões referente ao filho,

enquanto o outro apenas tem direito de visitas, supervisão e fiscalização.

A modalidade de guarda unilateral por muito tempo foi a mais usual, composta

pela figura do genitor guardião e do genitor não guardião, que consoante Dias (2013,

p.458) a este deve-se estabelecer o direito de visitas, visto que os interesses da

criança devem ser preservados, sendo a convivência familiar indispensável para o

seu desenvolvimento sadio.

Deve-se observar que a guarda unilateral já não é mais a ideal, pois a criança

passa a conviver efetivamente apenas com o genitor guardião, sendo que as figuras

materna e paterna são essenciais e complementares e que apenas visitas de um dos

pais não é suficiente para a precípua criação dos filhos.

A outra modalidade de guarda presente no nosso ordenamento jurídico é a

denominada guarda compartilhada, exercida conjuntamente por ambos os genitores.

Atualmente esta espécie de guarda tem ganhado cada vez mais espaço com

a entrada em vigor da Lei nº 13.058/2014, que passa a trazer este instituto como

regra, em caso de dissolução conjugal.

Diante de tais modalidades expressas no Código Civil de 2002, e suas

peculiaridades, o princípio do melhor interesse da criança deve ser observado e

evidenciado, para garantir aos filhos um desenvolvimento pleno e saudável no seio

da convivência familiar.

Princípio do Melhor Interesse do Menor

Os princípios são comuns no ordenamento jurídico brasileiro, orientando a

interpretação e a aplicação do Direito. Nas palavras de Mello (2004, p. 451):

O princípio é um mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente para definir a lógica e racionalidade

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do sistema normativo, no que lhe confere a tônica de lhe dá sentido harmônico.

O direito de família também é informado por princípios, sendo o do melhor

interesse do menor, considerado o principal quando se trata de guarda de filhos e

suas peculiaridades.

A dignidade da pessoa humana é considerada um importante princípio

constitucional, e segundo Santana (2010, p. 1), deve ser entendida como uma

qualidade inerente de cada ser humano, compreendendo uma gama de direitos e

deveres fundamentais que asseguram condições mínimas existenciais para uma vida

saudável.

O princípio do melhor interesse do menor surgiu a partir da supremacia da

dignidade humana, considerada como a maior conquista do ordenamento jurídico

brasileiro nos últimos tempos, pois esta passou a ser um importante aspecto da

Constituição Federal de 1988, não permitindo que o ser humano seja tratado apenas

como objeto, principalmente na condição de filho menor, muitas vezes visto como alvo

de uma disputa pessoal entre os pais.

Conceituar o princípio do melhor interesse do menor não é uma tarefa fácil,

tendo em vista que cada família possui parâmetros de comportamentos diversos.

Deste modo, a norma jurídica pode ser adaptada de acordo com cada caso concreto,

devendo o referido princípio ser aplicado de acordo com as particularidades de cada

caso, a fim de garantir a sua efetividade.

Neste seguimento, Pereira (2005, p. 128/129) aduz que:

O entendimento sobre seu conteúdo pode sofrer variações culturais, sociais e axiológicas. É por esta razão que a definição de mérito só pode ser feita no caso concreto, ou seja, naquela situação real, com determinados contornos predefinidos, o que é o melhor para o menor. (…) Para a aplicação do princípio que atenda verdadeiramente ao interesse dos menores, é necessário em cada caso fazer uma distinção entre moral e ética.

O princípio do melhor interesse trata da preservação dos direitos do menor e

assegura sua efetividade, para que, conforme preceitua o artigo 227 da Constituição

Federal e o artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, este possa alcançar

a vida adulta cercado de garantias morais e materiais.

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Nesta perspectiva, Strenger (2006, p. 62), aduz que o melhor interesse do

menor compreende parâmetros que garantam desenvolvimento moral, educacional e

uma vida saudável.

Versar sobre guarda de filhos quando da dissolução conjugal exige que os

pais priorizem os interesses do menor, assegurando-lhe um desenvolvimento pleno,

pois é neste momento em que este encontra-se mais fragilizado e necessitado de

atenção.

Destarte, o princípio do melhor interesse do menor deve sempre ser levado

em consideração diante de todas as situações em que o menor esteja envolvido, para

que a sua formação moral, psíquica e social não reste prejudicada, devendo nortear

o magistrado sobre o que é mais vantajoso.

Da Guarda Compartilhada

A guarda compartilhada foi definitivamente regulamentada no ordenamento

jurídico brasileiro pela Lei nº 11.698/2008, que alterou os artigos 1.583 e 1.584 do

Código Civil de 2002, pois até então a guarda unilateral prevalecia como uma

imposição legal.

Contudo, as alterações dos referidos artigos de lei não evidenciaram a nova

modalidade de guarda, pois segundo Gontijo (2008, p. 4) houve resistência do Poder

Judiciário quanto a sua adoção, sobressaindo-se como regra a guarda unilateral.

A Lei nº 13.058/2014, denominada “nova lei da guarda compartilhada”, foi

instituída com a função de regulamentar este instituto já introduzido no Código Civil

de 2002, pela Lei nº 11.698/2008.

Nova Guarda Compartilhada – Lei nº 13.058/2014

A Lei nº 13.058/2014 trouxe algumas alterações constantes no Código Civil,

especificamente nos artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634. O Projeto de Lei nº

117/2013, que deu origem às mudanças justifica-se a fim de evitar a presença de

conflito entre os genitores para impedir a guarda compartilhada e obstar a tão temida

alienação parental.

Acerca do tema abordado, Jovito (2012, p. 4) diz que é a partir da guarda

compartilhada que os pais, em termo de igualdade, tomam decisões objetivando

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garantir o melhor interesse do menor, fundando-se na divisão de direitos e

obrigações.

Neste sentido, o compartilhamento de direitos e deveres entre os pais é de

suma importância para o desenvolvimento moral, educacional e emocional dos filhos,

tendo em vista que a constante presença materna e paterna, ainda que não seja como

uma instituição familiar arraigada, contribui para o bem estar dos filhos dos mesmos.

A guarda compartilhada busca preservar a convivência entre filhos e pais

separados, contudo, apesar da nova legislação assumir um importante papel quanto

à regulamentação deste instituto, algumas das novas regras têm sido muito criticadas.

A Lei nº 13.058/2014 trouxe aspectos polêmicos, em que pese a aplicação da

guarda compartilhada mesmo que haja situações conflituosas entre os pais, conforme

passa aduzir o parágrafo segundo do artigo 1.584, in verbis:

Art. 1.584. A guarda unilateral ou compartilhada, poderá ser: (...) § 2º. Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.

Tendo em vista que a norma coloca a guarda compartilhada como uma

imposição, surge a necessidade de se considerar como tal obrigatoriedade pode

afetar a relação familiar, pois se há conflito, pressupõe-se que não haverá equilíbrio

quanto às atribuições do poder familiar, ao passo que, para que haja efetividade deste

instituto, é indispensável pelos menos uma relação harmoniosa entre os genitores,

onde prevaleça o respeito mútuo, para o alcance do melhor interesse da criança.

Destarte, a jurisprudência partilha do mesmo entendimento:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. GUARDA. GUARDA COMPARTILHADA. DESCABIMENTO. Ante o forte clima de litigiosidade entra os genitores, o que já está estampado nos diversos recursos apreciados por este Colegiado, não se recomenda o deferimento da guarda compartilhada. Quanto à incidência da nova legislação (Lei13.058 /2014), há que interpretá-la à luz dos princípios constitucionais superiores, em harmonia especialmente com o disposto no art. 227 da CF/88, que consagra o princípio do melhor interesse da criança. NEGARAM PROVIMENTO. UNANIME. (Agravo de Instrumento Nº 70064561541, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 16/07/2015).

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Entretanto, mister salientar que acertada é a deliberação de inaplicabilidade

da guarda compartilhada quando um dos genitores declarar que não deseja a guarda

do filho, pois assim haverá a preservação do menor.

É importante ressaltar que a imposição legal da guarda compartilhada não

fará com que os genitores mudem os seus hábitos, passem a se respeitar

mutuamente e fazer as concessões necessárias ao bom funcionamento desta

modalidade de guarda. O que pode ocorrer é o aumento do clima de animosidade

entre os genitores.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que a guarda compartilhada é

o ideal para garantir o melhor interesse do menor.

O entendimento da Corte é o mesmo trazido pela Lei nº 13.058/2014,

colocando a guarda compartilhada como regra, mesmo quando há ausência de

consenso entre os pais, considerando-a uma medida necessária para a implantação

desta modalidade de guarda, quebrando assim a monoparentalidade na criação dos

filhos.

Diante do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, tem-se, o Recurso

Especial 1428596/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, terceira turma, julgado em 03

de junho de 2014:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. CONSENSO. NECESSIDADE. ALTERNÂNCIA DE RESIDÊNCIA DO MENOR. POSSIBILIDADE. 1. A guarda compartilhada busca a plena proteção do melhor interesse dos filhos, pois reflete, com muito mais acuidade, a realidade da organização social atual que caminha para o fim das rígidas divisões de papéis sociais definidas pelo gênero dos pais. 2. A guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do Poder Familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial. 3. Apesar de a separação ou do divórcio usualmente coincidirem com o ápice do distanciamento do antigo casal e com a maior evidenciação das diferenças existentes, o melhor interesse do menor, ainda assim, dita a aplicação da guarda compartilhada como regra, mesmo na hipótese de ausência de consenso. 4. A inviabilidade da guarda compartilhada, por ausência de consenso, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente, porque contrária ao escopo do Poder Familiar que existe para a proteção da prole. 5. A imposição judicial das atribuições de cada um dos pais, e o período de convivência da criança sob guarda compartilhada, quando não houver consenso, é medida extrema, porém necessária à implementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal, letra morta.

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6. A guarda compartilhada deve ser tida como regra, e a custódia física conjunta - sempre que possível - como sua efetiva expressão. 7. Recurso especial provido. (REsp 1428596/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/06/2014, DJe 25/06/2014).

Outro aspecto relevante, que tem gerado dúvidas e discussões é a divisão de

tempo com os filhos entre os genitores. Diniz (2015, p. 2), esclarece que ainda que a

guarda seja compartilhada, que ambos os genitores tenham direito à divisão de

tempo, obrigações e direitos para com os filhos, eles terão uma residência principal,

que será a de qualquer dos pais, isto é, aquela que melhor atender seus interesses,

porém o que de fato deve ocorrer é o equilíbrio quanto ao período de convivência.

Todavia, caso não haja consenso quanto a este aspecto, cabe ao judiciário

convencionar o tempo de convivência com cada genitor, podendo requerer o auxílio

da equipe interdisciplinar.

Ainda de acordo com Diniz (2015, p. 2), ressalta-se que a guarda

compartilhada pode ser concedida quando os pais viverem em cidades, estados ou

até países diferentes, pois sendo um poder de gerenciar a vida dos filhos, é possível

que seja exercida mesmo quando distante, especialmente com facilidades trazidas

pelas tecnologias.

Neste caso, a convivência do filho com o genitor que mora longe pode ser

compensada durante os períodos de férias e feriados prolongados. Assim, ambos os

pais participam ativamente de todas as tomadas de decisões referente aos filhos, e a

custódia física é compartilhada sempre que possível.

Normalmente há uma confusão quanto a diferenciação de guarda alternada

e guarda compartilhada. Na guarda alternada, o menor possui dupla residência,

sendo que cada um dos pais tem a guarda individualizada do filho por períodos

determinados. Já na guarda compartilhada, o menor possui uma residência base,

sendo compartilhada a rotina, atribuições e responsabilidades atinentes ao filho.

Em relação ao pagamento de alimentos, a responsabilidade continua a

mesma, sendo esta de ambos os pais, nas proporções de suas possibilidades, e

segundo Fargetti (2015, p. 2), quando não houver consenso, o magistrado poderá

fixar pensão alimentícia, a depender do caso concreto.

Destaca-se ainda que a regra da guarda compartilhada estende-se também

a casos julgados anteriormente, onde a pedido das partes a modalidade de guarda

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pode ser alterada a qualquer momento, através de uma nova ação, na qual será

requerida a revisão de guarda, sob o fundamento da Lei nº 13.058/2014.

Outra inovação da nova legislação está na possibilidade concernente aos

genitores, de supervisionar os interesses dos filhos, por intermédio de informações

e/ou prestações de contas.

É valido ressaltar que a legislação trouxe em seu rol regras que abrangem

estabelecimentos tanto públicos como privados, estabelecendo a obrigação de

prestação de informações referentes aos filhos a qualquer um dos genitores, sem

distinção, sob pena de incorrer em multa diária, podendo variar de R$ 200,00

(duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais).

Assim, a guarda compartilhada trazida pela Lei nº 13.058/2014 deve ser

entendida como a responsabilidade dos pais, que em razão da dissolução do

casamento, não vivem sob o mesmo teto, mas compartilham o exercício de direitos e

deveres em relação aos filhos em comum.

Vantagens e Desvantagens da Guarda Compartilhada frente ao Princípio do

Melhor Interesse do Menor

Quanto às vantagens da concessão da guarda compartilhada, inúmeras

podem ser destacadas, dentre elas, conforme preleciona Fargetti (2015, p. 2), a

possibilidade de envolver e privilegiar ambos os genitores, proporcionando-lhes mais

responsabilidades e garantindo mais tempo de convivência com o menor.

Assim, percebe-se que na guarda compartilhada o menor tem residência fixa,

no entanto tem a alternativa de circular livremente pela casa da mãe e do pai, de

acordo com a viabilidade de ambos e da criança.

Outro aspecto relevante da Lei nº 13.058/2014 é o compartilhamento de todas

as decisões referentes ao filho, tornando possível a participação de ambos os pais

em sua formação pessoal, educacional e social.

Sua utilização também contribui para que a vida do menor não seja

drasticamente alterada, continuando a ter a presença constante dos pais, sem

precisar optar com qual dos dois ele vai ficar (guarda unilateral).

Conforme Filho (2009, p. 222), a guarda compartilhada também oferece

vantagens aos pais, possibilitando que estes se façam presentes na vida dos filhos

como guardadores e detentores de tomadas de decisões em conjunto, tendo a

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oportunidade de garantir mais espaço e continuar trabalhando na busca dos melhores

interesses do menor, além de minimizar os conflitos parentais que geram culpa e

frustração.

Contudo, apesar de apresentar grandes vantagens, a modalidade de guarda

compartilhada também traz em seu bojo algumas desvantagens.

Destaca-se que as desvantagens da concessão da guarda compartilhada

surgem quando há presença de litígio entre os pais, pois nestes casos o menor passa

a ser um objeto de disputa.

Quando não existe acordo entre os pais, e a guarda compartilhada é

concedida, o menor pode perder referências e chegar a um estado de confusão, pois

recebe orientações muitas vezes divergentes dos pais.

Dessa maneira, as vantagens da guarda compartilhada são inegáveis, porém,

a boa convivência entre os pais torna-se uma condicionante à sua efetividade.

Conforme aduz Amaral (2008, p. 35):

O sucesso da guarda compartilhada, no entanto, tem um preço: é imprescindível que os pais tenham um bom relacionamento, já que se encontrarão com maior frequência, além de exigir que ambos reconheçam que seu filho precisa da presença do pai e da mãe para seu sadio desenvolvimento.

Assim, antes de decidir pela modalidade de guarda, deve-se priorizar o

interesse do menor, analisando cada caso, a fim de garantir uma vida plena e

saudável ao mesmo, longe de conflitos que envolvam a entidade familiar,

assegurando assim a efetividade dos princípios que o defendem e regem.

Considerações Finais

A evolução das relações familiares é notável, tendo em vista as conquistas

relacionadas a ambos os pais em se tratando do exercício do poder familiar. Todavia,

o alcance da efetividade da guarda compartilhada ainda é uma tarefa complexa, que

só é possível quando presente compreensão e esforço dos genitores.

A guarda é um instituto de proteção do menor, em que se deve levar em conta

as suas necessidades, garantindo assim os seus interesses. Deste modo, a

efetividade do princípio do melhor interesse do menor é um elo de garantia, sendo

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este utilizado na busca de uma vida plena e saudável daqueles que enfrentam a

separação dos pais.

Diante das duas modalidades de guarda do Código Civil, sendo estas,

unilateral e compartilhada, percebe-se que a guarda compartilhada melhor ampara os

interesses do menor, pois garante a presença constante dos genitores no seu dia-a-

dia. Porém, as particularidades de cada caso devem ser respeitadas, pois existem

realidades diversas.

A Lei nº 13.058/2014 configura uma importante evolução na atribuição e

divisão de responsabilidades e direitos entre os genitores para com o menor, porém,

ao ostentar caráter impositivo mesmo quando não haja consenso entre os pais, traz

embaraços quanto à sua aplicabilidade, pois para que o compartilhamento da guarda

tenha efetividade, exige-se uma comunicação boa, ativa e respeitosa entre os

genitores.

Não há dúvidas de que a guarda compartilhada é uma grande aliada na busca

do melhor interesse do menor, mostrando-se oportunamente como uma hipótese

onde o menor encontra referencias maternas e paternas, devendo assim ser

incentivada, e não imposta.

Observa-se que diante dos posicionamentos jurisprudenciais apontados no

texto, o julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul é mais adequado pois

melhor atende os interesses do menor diante de uma situação conflituosa entre os

genitores, além de evidenciar que a aplicabilidade da Lei nº 13.058/2014 deve

observar tanto princípios constitucionais como o referido princípio do melhor interesse

do menor.

Apesar dos avanços da sociedade brasileira, é indispensável uma mudança

cultural, para chegar ao entendimento do quão importante é a presença de ambos os

pais para o desenvolvimento sadio de uma criança, devendo deixar de lado quaisquer

diferenças provenientes da ruptura conjugal, mantendo uma relação amigável ou ao

menos de respeito, a fim de garantir uma boa convivência e dar efetividade ao instituto

processual, denominado guarda compartilhada.

Assim, pode-se impelir ao final uma reflexão, que na busca pela efetividade

da guarda compartilhada, sob a perspectiva da preservação do melhor interesse do

menor, a garantia de sua plenitude é um grande desafio, devendo ser assegurada

sempre que viável, respeitando o que é benéfico para o menor.

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Referências AMARAL, Sylvia Mendonça do. Guarda de menores compartilhada, alternada e uniparental. Revista Prática Jurídica. Ano VII, nº 71, 29 de fevereiro de 2008. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p. (Série Legislação Brasileira). BRASIL. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Presidência da República. 95º da Independência e 25º da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 05 nov. 2015. BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de junho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Presidência da República. 169º da Independência e 102º da República. Disponível em: <http://www.planalto.gv.br/ccivil_03/Leis/l8069.htm>. Acesso em: 08 nov. 2015. BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Presidência da República. 181º da Independência e 114º da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 08 nov. 2015. BRASIL. Lei n. 13.058, de 22 de dezembro de 2014. Altera os arts. 1583, 1584 e 1634 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para estabelecer o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispor sobre sua aplicação. Presidência da República. 193º da Independência e 126º da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/Lei/L13058.htm>. Acesso em 05 nov. 2015. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1428596. Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, 03 de junho de 2014. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=%28%28guarda+ou+custodia%29+prox2+%28compartilh%24+ou+compartida+ou+conjunta+ou+bilateral+ou+atern%24%29%29+e+%28%28interesse%24+ou+%27bem-estar%27+ou+conforto+ou+prote%E7%E3o%29+adj5+%28filho%24+ou+filha%24+ou+menor%24+ou+crian%E7a%24+ou+incapaz%24+ou+prole+ou+adolescente%24+ou+infante%24%29%29&b=ACOR>. Acesso em 23 fev. 2016. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 8. ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2011. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 9. ed. ver., atual e ampl. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2013. DINIZ, Maria Helena. Guarda Unilateral ou Compartilhada: uma primeira impressão da Lei n. 13.058/2014. Disponível em: <http://www.folhadajabuticaba.com.br/maria-helena-diniz/maria-helena-diniz---guarda.html>. Acesso em 09 nov. 2015.

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SEGURADO ESPECIAL: UMA FORMA DE INCLUSÃO SOCIAL PREVIDENCIÁRIA

Daise Alves

Daniel Angulo Vilarinho

Introdução

O sistema de previdência equilibra o corpo social de um país, na medida em

que garante medidas protetivas à pessoa em risco social.

A Constituição Federal de 1988, ao instituir o sistema previdenciário

brasileiro, o designou como de filiação obrigatória e contributiva. Assim, o trabalhador

brasileiro deve contribuir para ter acesso aos benefícios.

Ao estabelecer tal obrigação, excepcionou os segurados especiais,

garantindo-lhes benefícios com apenas a comprovação da atividade rural.

Os segurados especiais são os trabalhadores rurais que exercem atividade

rural em regime de economia familiar.

Garantiu-se a esses trabalhadores, também, a equiparação aos direitos dos

trabalhadores urbanos e a redução de idade para se aposentar.

Fundamentam-se tais diferenças na medida em que a atividade exercida por

esses trabalhadores é sazonal, sofrida, de sol a sol, de renda incerta e para

manutenção do grupo familiar.

Nesse passo, a pesquisa justifica-se pela relevância do tema com a inclusão

destes trabalhadores no sistema legislativo de forma protetiva e pelo anseio de

mudança pelos aplicadores do direito.

Com isso, o problema que direciona o trabalho é a dificuldade e a fragilidade

da prova de atividade rural e a definição do segurado especial.

Como objetivo, portanto, se pretende apresentar o contexto em que está

inserido este trabalhador, sua caracterização, seus direitos e princípios norteadores

de suas atividades.

Quanto aos procedimentos metodológicos, se utilizará para o

desenvolvimento do estudo a pesquisa bibliográfica, a partir de livros e arquivos

eletrônicos. Em relação ao método científico, foi utilizado o dedutivo.

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Previdência Social Rural e sua Evolução

Os trabalhadores rurais não tinham amparo legislativo na época do Império e

início da República, pois eram considerados escravos e ficavam à margem dos

direitos sociais.

No Brasil, a partir de 13 de Maio de 1888, através da promulgação da Lei

Áurea, que acabou com o regime de escravidão e obrigou os escravocratas a

remunerarem a mão-de-obra, e, influenciados pelos modelos de contratos trazidos

pela importação dos assalariados estrangeiros, inicia-se uma fase do ordenamento

jurídico com regras mais humanitárias, embora tímidas.

Assim, no direito brasileiro, apenas a legislação esparsa regulamentava o

trabalho rurícola, como o Código Civil de 1916, através da locação de serviços,

empreitada e parceria rural.

O marco oficial da previdência social no Brasil surgiu com a publicação da Lei

Eloy Chaves, Decreto-Lei nº 4.682 de 24.01.1923.

Com a publicação da CLT, em 01.05.1943, alguns direitos foram reconhecidos

aos trabalhadores rurais como o salário mínimo, aviso prévio, férias, jornada máximo

de oito horas diárias.

As lutas nos campos, entre os anos de 1945 a 1964, foram travadas pelo

desejo de Reforma Agrária, iniciando um período de surgimento de ordenamento

jurídico voltado para o homem rurícola.

Em 1963, entrou em vigor o Estatuto do Trabalhador Rural, Lei 4.214 de

02.03.1963, disciplinando de forma integral o trabalho rural, embora aplicasse a CLT

no que não fosse contrário, sendo revogado pela Lei 5.889 de 1973.

Em 1971 foi promulgada a Lei Complementar n º 11 de 25.05.1971 (Lei do

Funrural) que instituiu as aposentadorias e pensões para os trabalhadores rurais,

sendo considerada o marco inicial da implantação da previdência no meio rural.

Antes da Constituição Federal de 1988 havia a distinção entre os trabalhadores

urbanos e rurais. A Lei do Funrural garantia a aposentadoria somente a um

componente da unidade familiar, ou seja, ao chefe ou o arrimo de família, já o cônjuge

e seus filhos eram considerados apenas seus dependentes.

Os trabalhadores rurais tinham direitos a menos benefícios que os

trabalhadores urbanos: direito a meio salário mínimo a título de aposentadoria por

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invalidez, por velhice e pensão por morte na importância de trinta por cento do salário

mínimo, além de direito a auxílio-funeral.

A Constituição de 1988 equiparou os direitos dos trabalhadores urbanos aos

rurais, no artigo 7º, caput, sendo regulamentados os direitos três anos mais tarde pela

Lei 8.213 de 24.07.1991.

Importante observar que até a entrada em vigor da Lei 8.213 de 1991 não era

exigida contribuição do trabalhador rural para o custeio do Programa de Assistência

ao Trabalhador Rural- PRORURAL, mantido pelo Fundo de Assistência ao

Trabalhador Rural- FUNRURAL.

Finalidade da Previdência Social e Inclusão do Segurado Especial

Antes da Revolução Industrial, na maioria das sociedades, os velhos,

aleijados e doentes mendigavam ou sobreviviam à base do grupo familiar, ou ainda,

por caridade de terceiros, como as Igrejas. Não havia sistema de previdência

institucionalizado.

No Brasil, desde o final do ano de 1960, há uma transformação social gerada

pela crise do Estado-Previdência, causando obsessão pela produção e pelo consumo

com acumulação de capital, tendo como consequência aumento das desigualdades

sociais.

A Constituição Federal de 1988 incluiu a seguridade social no título destinado

ao equilíbrio social, uma vez que regulamentou situações de infortúnio social, como

doença, morte, invalidez, velhice, para que a pessoa seja tratada com dignidade.

Desta forma, a Seguridade Social é formada pela Saúde, Previdência e

Assistência Social.

Importante, neste momento, estabelecer as diferenças entre a previdência da

assistência social. A assistência estabelece benefícios não contributivos. Partindo

deste entendimento, muitos querem agregar à assistência os benefícios concedidos

ao trabalhador rural em regime de economia familiar.

A Constituição Federal de 1988, no artigo 6º, estabelece os direitos sociais,

elencando a previdência dentre tais direitos.

Farineli (2013, p. 105/106), entende Seguridade Social como:

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...apenas uma parte da luta contra os cinco gigantes do mal: contra a miséria física, que o interessa diretamente; contra a doença, que é, muitas vezes, causadora da miséria e que produz ainda muitos males; contra a ignorância, que nenhuma democracia pode tolerar nos seus cidadãos; contra a imundície, que decorre principalmente da distribuição irracional das indústrias e da população; e contra a ociosidade, que destrói a riqueza e corrompe os homens, estejam eles bem ou mal nutridos. Mostrando que a seguridade, pode combinar-se com a liberdade, a iniciativa e a responsabilidade do indivíduo pela sua própria vida.

A visão do autor é demonstrar a importância da existência de um sistema de

seguridade integrado, como esteio da sociedade.

Continua enfatizando o autor Farineli

Tratam os direitos previdenciários de direitos básicos para a sobrevivência das pessoas, possuem natureza alimentar, devem ser de aplicação imediata quando da ocorrência do fato gerador e sua efetivação deve ser concreta respeitando o princípio da dignidade da pessoa humana.

A previdência social tem natureza securitária, coletiva e de filiação

compulsória, exigindo-se, para a fruição de seus benefícios, a prévia contribuição,

sendo considerada a maior distribuidora de renda do país.

Os benefícios previdenciários definidos na Lei 8.213/91 têm o condão de

complementar ou substituir a renda do trabalhador brasileiro, não podendo estes

últimos ter valor mensal menor que o salário mínimo, nos termos do artigo 201, §6º

da CF.

Pelo exposto, verifica-se que a previdência é contributiva, ou seja, para

usufruir os benefícios deve-se o segurado ser contribuinte. No entanto, o artigo 201,

§7º, inciso II da CF , artigo 25 da Lei 8.212/91 e artigo 26, inciso III da Lei 8.213/91

excepcionam o segurado especial, ele faz parte do regime geral de previdência social

sem necessitar depender de contribuição social específica e direta para o sistema, a

não ser voluntariamente.

Para Berwanger (2011, p. 76/77), desde o início, há uma confusão entre

ausência de contribuição e contribuição indireta sobre a produção, uma vez que

aplica-se a contribuição sobre a produção.

Se os trabalhadores rurais geravam a produção, o desconto sobre essa mesma produção era decorrência do trabalho deles, principalmente quando se trata dos pequenos proprietários, que vendiam a produção e recebiam o pagamento, com o devido desconto previdenciário. A diferença é que não era ele quem recolhia, mas a empresa adquirente.

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A constituinte de 1988 garantiu, sendo considerado um avanço, que nenhum

benefício que substituir renda do trabalhar seja pago em valor inferior ao salário

mínimo. Corrigindo a distorção dos benefícios rurais de aposentadoria e pensão por

morte, afastando a injustiça até então existente.

Outro direito foi o de garantir a contribuição do produtor, parceiro, meeiro,

arrendatário rurais, garimpeiro, pescador artesanal e seus respectivos cônjuges,

sobre o resultado da produção no artigo 195, §8º e, por fim, a redução da idade para

o trabalhador campesino, artigo 201, §7º, inciso I, todos da CF.

A aplicação desses direitos pela constituinte veio amparar a população rural,

pois dos 42 milhões de contribuintes do Regime Geral de Previdência, 7,2 milhões

são segurados especiais e 28,9 milhões não são contribuintes, em que na Pesquisa

Nacional por Amostra de Domicílios- PNDA essas pessoas se autodeclaram não

contribuintes e inclui-se na estatística os 525.393 desprotegidos com rendimento

ignorado. Sendo 1,1 milhão de beneficiários e 27,8 milhões socialmente

desprotegidos ( destes 13,2 milhões contam com valor menor que 1 Salário Mínimo

e 14,1 milhões igual ou maior que 1 Salário Mínimo )1(Panorama da proteção social

da população ocupada (de 16 a 59 anos) – 2009,( inclusive da área rural da Região

Norte), Fonte: Micro dados PNAD 2009, Elaboração: SPS/MPS.

A pesquisa aponta o quanto o país tem que avançar para amparar e incluir

pelo sistema previdenciário os 27,8 milhões de brasileiros socialmente desprotegidos.

Verifica-se que, mesmo com as conquistas sociais dos trabalhadores do

campo, ainda há uma taxa de urbanização alta: nos anos 60, o Brasil ainda era um

país agrícola, com uma taxa de urbanização de apenas 44,7%; em 1980, 67,6% do

total da população já vivia em cidades; entre 1991 e 1996, houve um acréscimo de

12,1 milhões de habitantes urbanos, o que se reflete na elevada taxa de urbanização

(78,4%). (Contagem da População, 1996. Rio de Janeiro:IBGE, 1997.v.1:Resultados

relativos a Sexo da População e Situação da Unidade Domiciliar.p.23, tabela 6)

(http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresmini

mos/notasindicadores.shtm) acesso em 11.07.2014.)

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Princípio da Igualdade

Para se analisar a igualdade, talvez seja necessário primeiro estudar o

contexto da desigualdade que pode ter várias causas, entre elas a condição humana.

Para Nicholson (2007, p. 21), a desigualdade tem raiz, apontando como

causa o sistema de colonização, exploração, escravidão, as políticas econômicas

aplicadas no século 20 e início do 21.

Esses fatores históricos levam o país a criar um ordenamento jurídico capaz

de proteger as desigualdades geradas no meio social.

Para esclarecer e justificar atualmente, segundo Nicholson (2007, p. 24)

“Pelos dados do IBGE, então, os 10% de brasileiros mais ricos embolsam 45% da

renda no país, enquanto os 40% mais pobres ficam com somente 9%. Isso quer dizer

que os ricos ganham em média 20 vezes mais que os pobres.”

Pelo contexto, a CF, no seu art. 5º, caput, garantiu a igualdade de todos,

quando trouxe como princípio expresso: “Todos são iguais perante a lei...” .

Não se trata de uma isonomia absoluta, mas uma igualdade para situações

equivalentes.

Para Aristóteles, citado por Calil (2007, 50) “a verdadeira igualdade consiste

em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”.

Tal entendimento se justifica porque tratar todos de forma absolutamente

igual geraria injustiças de tratamento que as diferenças se impõem. Assim, as

desigualdades devem ser aplicadas na sua justa medida.

A isonomia aqui referida é uma orientação ao legislador na produção do texto

legal e um princípio a ser observado pelo aplicador da lei.

Desta forma, a atual Constituição Federal trouxe tratamento diferenciado ao

segurado especial e ao trabalhador rural, reduzindo a idade para se aposentar,

regulamentando a contribuição de forma diferenciada, embora tenha dado tratamento

equivalente ao trabalhador urbano e rural.

São regras constitucionais, pois excepcionadas pelo poder constituinte

originário, como forma justa de diminuir as desigualdades, num país em que apenas

60,2% são contribuintes, ou seja, de cada 10 brasileiros, 6 estão amparados e 4 ficam

à margem do sistema de proteção. (IBGE, na pesquisa PNAD, Pesquisa Nacional

por Amostra de Domicílios 2011-2012, item 4.1 Pessoas em idade ativa e Tabela

4.1.22 - Percentual de contribuintes e não contribuintes de instituto de

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previdência em qualquer trabalho, na população de 15 anos ou mais de idade,

ocupada na semana de referência, por sexo, segundo as Unidades da

Federação - 2011-2012).

ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_

Domicilios_anual/2012/tabelas_pdf/sintese_ind_4_1_22.pdf) acesso em 11.07.2014

Princípio da Dignidade Humana

Ao ser humano é garantindo meios de sobrevivência de forma digna.

A Constituição Federal Brasileira elegeu, no seu artigo primeiro, a dignidade

da pessoa humana como fundamento de seu Estado de Direito.

A vida é o bem supremo a ser protegido, mas o direito à vida está

correlacionado a outros direitos como saúde, liberdade, integridade, educação, e não

apenas no sentido de estar vivo. A somatória destes direitos garante a vida digna.

Para Calil (..., p. 88)

o conceito de dignidade é amplo e vasto e, exatamente por isto, difícil de ser definido. É também um conceito constantemente em construção, à medida que as violações à dignidade da pessoa humana vão sendo reconhecidas e condenadas pela sociedade civil internacional. Assim, fica mais fácil defini-lo através de sua negativa, ou seja, através daquilo que não é digno.

Assim, não é digno que trabalhadores rurais possam ficar à margem do

sistema, uma vez que contribuem para a economia primária do país, trazendo a

comida para a mesa do brasileiro, enfrentando condições subumanas de moradia e

sobrevivência, com trabalho árduo de sol a sol, tendo renda exclusivamente pelo

trabalho agrícola, que é incerto e sazonal.

Compreende-se, dentro deste parâmetro de dignidade da pessoa humana,

de se garantir o mínimo existencial para a vida digna.

Assim, garante-se a este trabalhador sua inclusão no sistema de previdência

para que possa ser amparado pelos benefícios que lhe garantam a dignidade nos

momentos de necessidade.

Segurado Especial

A previdência social regulamentada pela Lei 8.213/91 denominou os

beneficiários do regime geral de segurados.

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Os segurados são pessoas físicas, divididos em duas categorias: obrigatórios

e facultativos. Por esta classificação, os segurados obrigatórios são os que exercem

atividade remunerada: empregados, trabalhadores avulsos, empregados domésticos,

contribuintes individuais e segurados especiais. Os segurados facultativos, por

exclusão, se filiam ao sistema voluntariamente.

Os trabalhadores que exercem atividade rural foram enquadrados nas

seguintes categorias: empregado, contribuinte individual (safrista, volante, eventual,

temporário ou “boia-fria), trabalhador avulso (ensacadores de café e cacau) e

segurado especial, levando-se em conta a forma do exercício de atividade rural.

É considerado segurado especial o trabalhador rural, residente em imóvel

rural ou em um aglomerado urbano ou rural próximo a ele, e exerça atividade rural

individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual

de terceiros, a título de mútua colaboração, definido pelo artigo 11, inciso VII da Lei

8.213/91.

O segurado especial é uma espécie de trabalhador rural sendo produtor

proprietário ou não. A legislação ainda enquadra o pescador artesanal e índio como

equiparados a segurado especial.

O produtor rural, proprietário ou não, pode ser o usufrutuário, possuidor,

assentado, parceiro ou meeiro outorgado, comodatário ou arrendatário rurais, e deve

explorar a atividade agropecuária em área de terra de até 4 (quatro) módulos fiscais;

ou ser seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do

inciso XII do caput do art. 2o da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas

atividades o principal meio de vida.

O índio deve estar em vias de integração ou não integrado, para isso o seu

enquadramento como segurado especial independentemente do local onde resida ou

exerça suas atividades, devendo a FUNAI atestar o reconhecimento do exercício de

atividade rural em regime de economia familiar.

O Pescador artesanal ou assemelhado é aquele que, individualmente ou em

regime de economia familiar, faz da pesca sua profissão habitual ou meio principal de

vida, desde que: a) não utilize embarcação; b) utilize embarcação de até seis

toneladas de arqueação bruta, ainda que com auxílio de parceiro; c) na condição

exclusiva de parceiro outorgado, utilize embarcação de até dez toneladas de

arqueação bruta.

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É assemelhado a pescador artesanal aquele que, sem utilizar embarcação

pesqueira, exerce atividade de captura ou extração de elementos animais ou

vegetais, que tenham na água seu meio normal ou mais frequente de vida, na beira

do mar, no rio ou na lagoa. Exemplos: mariscador; caranguejeiro; eviscerador

(limpador de pescado); observador de cardumes; pescador de tartarugas; catador de

algas.

O garimpeiro foi considerado segurado especial no período de 25 de janeiro

de 1991 a 06 de janeiro de 1992 (Lei nº 8.213/91), passando a ser considerado

contribuinte individual a partir de 07 de janeiro de 1992 (Leis nº 8.398/92 e 9.876/99).

Considera-se garimpeiro aquele segurado que exerceu atividade de extração mineral,

em caráter permanente ou temporário, diretamente ou por intermédio de prepostos,

com ou sem auxílio de empregados, utilizados a qualquer título, ainda que de forma

não contínua.

A principal característica do segurado especial é o regime de economia

familiar, entendido como o labor rural que deve ser indispensável à subsistência do

trabalhador e sua família, em que a ajuda eventual de terceiros seja exercida

ocasionalmente, em condições de mútua colaboração, não existindo subordinação.

No entanto, a alteração no conceito deste segurado pela Lei 11.718 de

20.06.2008, permitiu que o grupo familiar possa utilizar empregados contratados por

prazo determinado ou trabalhador em épocas de safra, à razão de no máximo 120

pessoas/dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo

equivalente em horas de trabalho, artigo 11, §7º da Lei 8.213/91.

As mudanças enfrentadas pela Lei 11.718/2008 expôs situações em que o

trabalhador não perde a condição de segurado especial como, por exemplo, outorgar,

por meio de parceria, meação ou comodato, de até 50% de imóvel rural cuja área

total não seja superior a 4 módulos fiscais, desde que outorgante e outorgado

continuem a exercer a respectiva atividade, individualmente ou em regime de

economia familiar; a exploração da atividade turística da propriedade rural, inclusive

com hospedagem, por não mais de 120 dias ao ano; ser beneficiário de programa

assistencial oficial de governo; entre outros conforme expresso pelo artigo 11, §8º da

Lei 8.213/91.

A proteção previdenciária abrange o segurado especial e o seu núcleo familiar

composto pelo cônjuge, companheiro, companheira e filhos maiores de 16

(dezesseis) anos de idade ou a este equiparado. Neste caso, é indispensável a mútua

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dependência entre os membros do grupo familiar, pois a renda proveniente de fontes

diversas do labor rural descaracteriza o regime de economia familiar.

Para o segurado especial a concessão de benefícios independe de carência,

nos termos do artigo 26 da Lei 8.213/91, ele deve comprovar atividade rural no

período correspondente à carência.

Porém, a contribuição do segurado especial é incidente sobre a produção

rural, ou seja, 2,3% incidente sobre o valor bruto da comercialização da produção

rural: sendo 2,0% para a Seguridade Social; 0,1% para financiamento do seguro de

acidente do trabalho; e 0,2% para o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem

Rural).

A responsabilidade pelo recolhimento da contribuição previdenciária do

segurado especial é de quem compra sua produção, podendo ser o adquirente, o

consumidor, o consignatário ou a cooperativa. No caso do segurado comercializar

sua produção no varejo, deve ele mesmo recolher a contribuição social.

A legislação previdenciária garante ao segurado especial benefícios no valor

de um salário mínimo, no entanto, poderá contribuir voluntariamente aplicando-se a

alíquota de 20% sobre o salário-de-contribuição (como segurado facultativo), para

fazer jus aos benefícios com valores superiores a um salário-mínimo.

Desta forma, a comprovação da atividade rural deve ser feita de acordo com

o rol apresentado no artigo 106 da Lei 8.213/91.

Para solicitar o benefício, a maioria dos trabalhadores rurais não possuem

uma vasta prova documental conforme exige o artigo; a eles resta a Declaração do

Sindicato homologada pelo INSS acompanhada de documentos, conforme exemplo

da relação do artigo 22 do Decreto 3.048/99, onde conste a profissão.

O INSS, para homologar a declaração do sindicato, exige a realização de uma

entrevista com o trabalhador, Instrução Normativa do INSS nº 45/2010.

A prova de atividade rural deve ser contemporânea aos fatos, mas pela

Súmula 14, do JEF não se exige que o início de prova material corresponda a todo

período equivalente à carência do benefício.

Pelas exigências documentais da lei, o STJ editou a Súmula 149 em que

expressa não ser permitida a prova exclusivamente testemunhal para a comprovação

da atividade rural, na concessão do benefício.

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Assim o trabalhador deve anexar ao pedido de benefício documentos idôneos

que evidenciem a condição de trabalhador rural, como certidão de casamento, de

nascimento de filhos, entre outros.

Ao segurado especial são garantidos os seguintes benefícios: auxílio-doença,

auxílio-reclusão, auxílio-acidente, salário-maternidade, aposentadoria por invalidez,

aposentadoria por idade, pensão por morte nos termos do artigo 39 da Lei 8.213/91.

No caso de aposentadoria por idade, a lei lhes condece o benefício de se

aposentar mais cedo que o trabalhador urbano, reduzindo-se em cinco anos a idade,

ou seja, 55 anos de idade para a mulher e 60 anos de idade para o homem. Porém,

se hover tempo híbrido, isto é, sempre que tiver que computar o tempo urbano com o

rural, a idade do requerente (para aposentadoria por idade) tem que ser 65 homem e

60 mulher, artigo 48, §3º da Lei 8.213/91.

Não é considerado segurado especial a pessoa do grupo familiar que possuir

outra fonte de renda, exceto os casos expressos em lei, por exemplo, se receber

benefício da previdência como dependente (pensão por morte, auxílio-acidente,

auxílio-reclusão cujo valor não supere o do menor benefício de prestação continuada

da Previdência Social), entre outros casos citados no artigo 11, §9º da Lei 8.213/91.

Desafios da Previdência Social Rural

A preocupação com a previdência social é com a sustentabilidade do sistema.

O Brasil já realizou reformas, através da Emenda Constitucional nº 20, de 16.12.1998,

que apresentou mudanças no Regime Geral de Previdência Social e a Emenda

Constitucional nº 41, de 19.12.2003, que tratou do Regime Próprio de Previdência

Social.

Entende NICHOLSON (...., p. 195/196) que não se faz reforma pela metade,

porque é um problema que não vai embora, e continua “a sociedade pode fazer vista

grossa aos privilégios, se quiser, mas não pode fugir do déficit.” Partindo desta

análise, de reformas por pedaços, em que sempre uma categoria abre mão de suas

conquistas permitindo que outras nada sofram e continuem com suas regalias, é

injusto.

O clamor pela reforma é grande, porque o crescimento populacional sugere

isso, famílias com menos filhos e tempo de sobrevida maior, as contas não se

equilibram e, segundo o estudo do IPEA citado por Nicholson, o INSS terá um déficit

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de talvez R$75 bilhões em 2030. Para diminuir o impacto, sugere o autor diminuir a

diferença de idade entre as aposentadorias de homens e mulheres; instituir e elevar

idade mínima para se aposentar por tempo de contribuição e por idade; eliminar

aposentadoria precoce de professores e, por fim, permitir que o piso da previdência

fique abaixo do salário mínimo. (pag.197/198).

As reformas realizadas não enfrentaram a reforma da previdência rural,

impactante pelo déficit nas contas da previdência, pelo descompasso entre a

arrecadação e a concessão de benefícios.

Para Berwanger (....,pag.169):

isso ocorre por duas razões: pelo forte impacto social, conforme dados já analisados e pela organização da categoria, que tem na manutenção da Previdência Social como uma de suas prioridades. A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) que reúne 3.630 sindicatos dos trabalhadores rurais no Brasil tem participado ativamente em torno da Previdência Rural. O 9º Congresso da entidade deliberou pela atuação em torno da manutenção da contribuição sobre a produção comercializada, ou seja, não vinculando-se o benefício à respectiva contribuição, de modo que aqueles que não têm condições de contribuir ou tem pouca contribuição continuem tendo acesso aos benefícios.

No entanto, em 2008 foi aprovada a Lei

11.718 de 20.06.2008, publicada em 23.06.2008,após 17 longos anos de espera, mas

que não ingressou no tema principal a participação do segurado especial no regime

geral de previdência social por contribuição.

Considerações Finais

O sofrido trabalhador do campo teve seu reconhecimento a partir da

Constituição de 1988, que equiparou seus direitos aos dos trabalhadores urbanos.

O segurado especial tem como proteção do sistema previdenciário brasileiro

a garantia de benefício no valor de um salário mínimo com a comprovação da

atividade rural.

A principal característica do segurado especial é o regime de economia

familiar, entendido como o labor rural indispensável à subsistência do trabalhador e

sua família, em que a ajuda eventual de terceiros seja exercida ocasionalmente, em

condições de mútua colaboração, não existindo subordinação.

No entanto, a dificuldade para este trabalhador se apresenta no momento de

comprovar a sua atividade por meio de documentos, formalidade polêmica e que gera

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controvérsia pelos aplicadores da lei, pois a ele, a legislação não exige contribuição

social direta.

Pela forma peculiar de seu trabalho, garante-se a este trabalhador sua

introdução na previdência para que possa ser amparado pelos benefícios que lhe

garantam a dignidade nos momentos de necessidade.

Ao permitir a sua inclusão na estrutura previdenciária, tenta-se impedir que o

trabalhador do campo possa migrar para centros urbanos, que mesmo assim, ainda

mantém uma taxa alta de urbanização.

As garantias previstas no texto constitucional conferem ao segurado especial

a valoração de sua atividade e a preservação de uma vida digna.

Ressalte-se que este trabalhador, ao longo de sua vida laboral, muitas vezes

não teve salário e, ao receber o benefício da previdência social, passa a ter condições

que antes lhe eram inacessíveis, como exemplo saneamento básico, banheiro, fogão

a gás, televisão, e outras objetos ou serviços que lhe permitem envelhecer com

dignidade.

Assim, os direitos previdenciários são direitos básicos que tornam possível a

sobrevivência do homem do campo, devendo ter aplicação imediata quando da

ocorrência do fato gerador por sua natureza alimentar.

Anseia a sociedade por uma legislação digna para o trabalhador do campo,

mas ainda não se alcançou um parâmetro de mudança que mantenha uma melhor

proteção a este sofrido trabalhador brasileiro que a atual.

Mesmo com críticas a tais direitos, os privilégios concedidos a esta categoria

através da proteção legislativa de sua atividade é uma forma de inclusão social,

objetivo do sistema previdenciário brasileiro.

Referências BERWANGER, Jane Lucia Wilhelm. Previdência rural: inclusão social. 2ª Ed. (ano 2008), 3ª reimpr./ Curitiba: Juruá, 2011. CALIL, Léa Elisa Silingowschi. Direito do trabalho da mulher: a questão da igualdade jurídica ante a desigualdade fática. São Paulo: LTr, 2007.

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FARINELLI, Alexsandro Menezes. Aposentadoria rural, 2ª edição – Leme/SP: Mundo Jurídico, 2013. FARINELLI, Alexsandro Menezes e MASCHIETTO, Fabia. Dano moral previdenciário, 2ª edição - Leme/SP: Mundo Jurídico, 2013. NICHOLSON, Brian. A previdência injusta: como o fim dos privilégios pode mudar o Brasil. São Paulo: Geração Editorial, 2007.

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CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUALIDADE DO ATENDIMENTO AOS

PACIENTES DE CÂNCER NUMA UNIDADE DE ONCOLOGIA EM ARAGUAINA

TOCANTINS

Joelma Moreira

Humberto Tenório Gomes

Introdução

Pretendeu-se no presente trabalho, realçar os aspectos mais relevantes,

relacionados aos pacientes com diagnóstico de neoplasia maligna que é

popularmente denominada de câncer e o início do tratamento, dentro da realidade da

Unidade Oncológica do Estado do Tocantins em especial na cidade de Araguaína,

pois, atualmente, é a única habilitada a fazer radioterapia.

OInstituto Nacional do Câncer – INCA (2015) prevêpara2016 e 2017, 600mil

novos casos no País; destes casos somente no Estado do Tocantins a ocorrência

provável segundo o instituto será de 2.350 casos, que se manifestam em sua grande

maioria no sexo masculino sendo em média 1300 casos, em maior incidência o câncer

de próstata e,390 casos no caso do sexo feminino sendo em média o câncer de colo

de útero com 180 casos e o mesmo número nos casos de câncer de mama,

totalizando 1050 novos casos aproximadamente.

Pela importância dos dados que afetam a população, chegando a ser a

segunda causa de morte no país, o presente trabalho destaca a fundamental

necessidade de ser cumprida a lei dos 60 dias, como ficou conhecida a Lei nº 12.732

de novembro de 2012 que afiança em seu artigo 2°o início do tratamento em até 60

dias depois da transcrição da doença em prontuário médico (BRASIL, 2012).

Os dados utilizados no presente artigo são oriundos de vários órgãos

principalmente os disponibilizados pelo Instituto Nacional do Câncer - INCA, que é um

órgão ligado ao Ministério da Saúde que visa conjugar diversas atuações

relacionadas ao controle e precaução do câncer no Brasil e de forma descentralizada

empreender ações que sirvam para todos os Estados, além das informações descritas

na Ação Civil Pública nº 043/2013 da 5ª Promotoria de Justiça de Araguaína, e a

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realidade vivida em lócus pelo pesquisador no acompanhamento de um familiar

doente de câncer (TOCANTINS, 2013).

O INCA presta amparo assistencial e médico-hospitalar sem custo financeiro

aos assistidos como parte dos serviços disponibilizados pelo SUS – Sistema Único

de Saúde, e tem como finalidade combater o câncer, o que inclui medidas de

prevenção através de diagnósticos precisos que dependem demão de obra

especializada para um atendimento de qualidade a estes pacientes.

Um dos pontos mais significativos destas ações é que o INCA tornou-se

referência mundial em estudos, prevenção e combate ao câncer. Estas ações hoje,

estão relacionadas a programas nacionais de controle do câncer onde são utilizados

aparelhos de alta sofisticação tecnológica como o de diagnóstico por imagem, um dos

mais equipados da América Latina no âmbito público.

A importância de um diagnóstico precoce e o início deum tratamento

especifico no menor tempo possível, são fatores primordiais para o êxito na solução

da doença.

O fator tempo é o que mais preocupa os cidadãos brasileiros acometidos

desta doença conforme dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA-

que aponta a demora no atendimento dos hospitais da rede pública.

De frente ao inevitável a gestão pública busca dar tratamento igualitário aos

pacientes, o direito a prioridade, através de tramitações de processos judiciais em

que a parte ou interessado seja pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta)

anos ou portadora de doença grave, conforme dispõe o artigo 1.2211- A do Código

de Processo Civil Brasileiro, onde o legislador ratifica a importância das ações

correrem em caráter de urgência para a vida destes pacientes (BRASIL, 1973).

A propagação desta doença considerada um problema grave de saúde

pública de acordo os relatórios de estudos da Organização Mundial da Saúde,

ressalta que este aumento está ocorrendo dentro da população jovem, e que se faz

necessário um conjunto de ações em diversas áreas como na terapia especializada,

como avanço da tecnologia, pesquisas e uso de medicamentos de alto custo com a

finalidade de cura ou prolongamento da vida e a preservação da dignidade integral

do homem.

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Do Direito Fundamental a Saúde

São vários os fatores motivadores pelos quais se procura zelar pela saúde

pública, um dos principais é o de que a mesma é praticamente a única porta de

entrada para o tratamento, na grande maioria da população brasileira, pois mais de

70% da população precisa da intervenção do SUS para sua realização, onde 60%

dos casos de câncer são descobertos tardiamente.

Segundo explica Volpe (2006, p. 3), em sua cartilha “Faça valer os seus

diretos”, a legislação brasileira assegura aos portadores de neoplasia maligna

(câncer) e outras doenças graves, alguns direitos especiais; neste livro descreve em

uma linguagem simples ao doente e seus familiares onde buscar seus direitos.

A Constituição da República Brasileira de 1988 em seu artigo 1°destaca como

princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito a cidadania e a dignidade

da pessoa humana (BRASIL, 1988).

No artigo 6° do mesmo diploma, qualifica a saúde como parte dos Direitos

Sociais protegidos (BRASIL, 1988).

No mesmo sentido encontra-se o direito à saúde, direito primordial do

indivíduo resguardado no artigo 196 da Carta Magna:

Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988).

Nossa Constituição da República estabelece que os cuidados com a saúde

sejam comuns aos entes federativos conforme o Artigo 23, inciso II, in verbis: “Art. 23

- É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”

(BRASIL, 1988).

Percebe-se claramente a responsabilidade dos entes federados no que diz

respeito ao direito fundamental à saúde.

Do Sistema Único de Saúde (SUS)

As Leis nº 8.080/1990 (Lei Orgânica da Saúde), nº 8.142/1990 (que dispõe

sobre a participação da comunidade no SUS e transferência de recursos) e o Decreto

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Presidencial nº 7.508 (que regulamenta a Lei nº 8.080/1990) é que tratam

especificamente do Sistema Único de Saúde.

A Lei Orgânica da Saúde dispõe sobre as condições para a promoção,

proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços

correspondentes a da outras providências. Assim traduz o Art. 2º da Lei nº

8.080/1990: “Art. 2° A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o

Estado promover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”(BRASIL,

1990).

O Pacto Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em

Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1998 “Protocolo de San

Salvador”, ratificado pelo Congresso Nacional brasileiro através do Decreto

Legislativo de nº 56, de 19 de abril de 1995, e promulgado pelo Decreto nº 3.321 de

30 de dezembro de 1999, vislumbra em seu artigo 10°o seguinte: “Toda pessoa tem

o direito a saúde, entendida como gozo do mais alto nível de bem- estar físico, mental

e social”.

Vislumbra-se com as legislações acima referidas o compromisso interno e

externo do Estado brasileiro com as questões aludidas.

Neoplasia Maligna

A palavra câncer generaliza e converge para si a soma de variadas doenças

que atualmente foram identificas em mais de 100 tipos e que se formam pela evolução

desenfreada de células doentias, que ocupam tecidos e órgãos. Essas células se

dividem na maioria dos casos de forma extremamente rápida, com características

muito ofensivas e incontidas, criando tumores malignos que se propalam para várias

partes do corpo, sendo este um dos principais motivos e dificuldades para um

diagnóstico preciso e consequentemente para acura.

Assim explica Varella (2011) estudioso sobre o câncer: “O que chamamos de

câncer é um conjunto de mais de cem doenças distintas, que apresentam em comum

apenas o fato de terem em sua origem a transformação de uma célula normal em

maligna”.

Percebe-se que as razões do câncer são diversas, e que podem ser

provenientes de fatores externos ou internos ao organismo, e até mesmo de uma

mútua relação.

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Considerando informações obtidas no INCA (2015), os fatores internos

podem estar relacionados à genética previamente determinada, e podem estar

associados também ao mecanismo de defesa do organismo das agressões externas.

A formação dos tumores pode surgir em tipos variados de células.

Acrescenta o INCA (2015) que a terapia adequada ao combate ao câncer é a

utilizada em grupos como, por exemplo, a cirurgia, a radioterapia e a quimioterapia.

Conforme diagnóstico médico estas terapias poderão ser utilizadas duas ou três ao

mesmo tempo.

Vale lembrar nesse contexto, o papel fundamental da Oncologia, como

disciplina que estuda como o câncer cresce no organismo do ser humano e indica

qual a melhor modalidade de tratamento para cada caso.

Modalidades de Tratamento Do Câncer

O tratamento do câncer é realizado com a observância de determinados

critérios. Como vimos anteriormente o câncer pode ser conceituado como a

convergência de várias doenças e, em consequência disso, há casos que necessitam

de uma serie conjunta de tratamentos para o combate, que pode ser realizado, entre

outros, através da cirurgia, da radioterapia, da quimioterapia e também pelo

transplante de medula óssea.

Radioterapia

A radioterapia consiste em um procedimento terapêutico que faz uso de

radiações para eliminar o tumor e estorvar o crescimento das células.

Neste procedimento são emitidas radiações, mas que são consideradas como

imperceptíveis ao paciente. Dependendo do estágio da doença a radioterapia poderá

ser utilizada de forma conjunta com a quimioterapia.

A vantagem da utilização da radioterapia é que os pacientes que se

submetem a este tipo de tratamento obtêm em regra um alto índice de cura. Aqueles

que não obtêm a cura após o tratamento, ainda assim são beneficiados, pois o tumor

desaparece e a doença permanece também em regra sob controle.

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As aplicações realizadas em cima dos tumores reduzem a sua dimensão, o

que resulta na diminuição da fadiga, do número de hemorragias, dores e outros

desconfortos pelos quais o paciente passa.

Segundo informações disponibilizadas pelo INCA (1993) a radioterapia é um

tratamento que se realiza por meio de radiações que tem como objetivo impedir a

proliferação das células. A quantidade de aplicações depende do tamanho,

localização do tumor e quadro geral do paciente.

Durante o tratamento é utilizado um aparelho destinado a realizar as

radiografias, denominado “simulador”, que auxilia o médico a demarcar a área a ser

tratada, e realiza uma espécie de “tatuagem de tinta vermelha” para identificar com

mais precisão e eficiência esta área. Essas aplicações assim identificadas atingem

exatamente a região afetada. Em alguns casos são confeccionados moldes de gesso

ou de plástico, para que o paciente mantenha-se posicionado de tal forma que não

permita que os raios atinjam outras regiões que não as identificadas.

É importante frisar que as radioterapias são realizadas por dois meios,

dependendo do tumor e sua região. O primeiro deles é denominado de Teleterapia

ou Radioterapia Externa e o segundo, denominado de Braquiterapia ou Radioterapia

de Contato.

A Braquiterapia é utilizada em tratamento de tumores de cabeça, pescoço,

mamas, útero, tireoides e próstata (INCA, 1993).

Todo o tratamento é feito em ambulatório especifico da UNACOM; no caso

do câncer ginecológico a paciente necessita de no mínimo três dias de internação.

Em cada tratamento faz-se necessário considerar o estado do paciente

descrito no prontuário médico, pois dependendo da situação se realiza primeiro a

Radioterapia Externa e só depois a Braquioterapia.

Quimioterapia

A quimioterapia emprega medicamentos para eliminar as células cancerosas

que criam o tumor; esta medicação atua de forma distinta no organismo de cada

paciente, como resultado, após o procedimento, o paciente tem que se submeter a

outras formas de medicação.

A atuação destes medicamentos no corpo do paciente faz com que os

mesmos misturem-se ao sangue e se espalhem por todo o organismo, com o intuito

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de eliminar as células infectadas pela doença que estão constituindo o tumor, inibindo

assim a evolução das células doentes.

Ressalte-se que este tratamento pode ser realizado em conjunto com outros

como, por exemplo, a radioterapia e a cirurgia, dependendo sempre do quadro clinico

apresentado de cada paciente.

Este tipo de tratamento é realizado sob a supervisão de Enfermeiros e

auxiliares técnicos especializados. A ministração destes medicamentos pode ser

efetuada: a) de forma oral –onde os pacientes tomam os comprimidos e, que pode

ser realizada na própria residência; b) de forma Intravenosa –pela veia, ou cateter, e

injeções aplicadas no soro; c) de forma Intramuscular– quando as injeções são

aplicadas no músculo; d)de forma subcutânea –quando o medicamento é aplicado

em baixo da pele; e) de forma Intracraneal–quando o medicamento é aplicado na

espinha dorsal; f)Tópico – realizado na pele ou mucosa, por meio de um liquido ou

pomada utilizada na região contaminada.

Assim, todo tratamento é elaborado em conformidade com tipo o de tumor e

a peculiaridade de cada caso.

Transplante de Medula Óssea

Nesta modalidade de tratamento realiza-se a troca de uma medula óssea

doente por células sadias de outra medula óssea, com o propósito de restauração.

Análise Documental do tratamento de Câncer no Estado do Tocantins

O Estado do Tocantins segundo dados do IBGE (2015) possui uma população

de 1.497 milhões de habitantes e conta com duas unidades de Alta Complexidade em

Oncologia (CACON); uma na capital Palmas, instalada no Hospital Geral de Palmas

(HGP), e outra Unidade na Cidade de Araguaína no Hospital Regional de Araguaína

(HRA), assistida pela (UNACON).

Estes hospitais possuem boa estrutura física e estão habilitados conforme o

Ministério da Saúde como Unidade de Assistência de Alta Complexidade (UNACON)

e Centro de Assistência de Alta Complexidade (CACON), com corpo profissional

capacitado e equipamentos adequados para atender aos pacientes em tratamento de

todas as formas de câncer.

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Considerando a complexidade do tratamento o Decreto n°7.508/2011 em seu

artigo 13, inciso I, descreve o aparato que deve conter a Rede de Atenção à Saúde

Regional da região, levando em consideração o que preconiza a Política Nacional de

Prevenção e Controle do Câncer, buscando dessa forma dar um respaldo de maior

segurança ao paciente que recebe o diagnóstico definitivo de câncer, objetivando a

realização de um tratamento mais seguro (BRASIL, 2011).

Estes Centros de referência acima relatados exercem um papel de

fundamental importância no auxílio aos gestores públicos em tomadas de decisão em

relação a saúde, conforme a portaria n° 741/2005 que criou a Política Nacional de

Atenção Oncológica. Nesta portaria, afirma-se em seu Artigo 2° que as Unidades de

Assistência de Alta Complexidade em Oncologia estão preparadas para atender os

pacientes que necessitem dos diversos serviços Oncológicos ofertados pelas

mesmas (ANVISA, 2005).

Em seu Anexo de número III a mesma portaria define parâmetros de

avaliação da Rede e determina que em cada Estado deve ser calculado no mínimo

1000 (mil) casos anuais de câncer, fora os câncer de pele (não melanoma)segundo

critérios do INCA (ANVISA, 2005).

As Unidades ou CANCON usam como parâmetros de necessidade definidos

pela portaria nº 741/2005, uma conta onde de cada 1000 (mil) casos diagnosticados

de câncer a previsão é de que 600 (seiscentos) venham realizar a radioterapia.

Desse modo vale lembrar que conforme previsão dos dados do INCA (2015)

para os anos de 2016 e 2017só no Estado do Tocantins estima-se um número de

mais2.350 (Dois mil trezentos e cinquenta) novos casos desta doença e que destes,

750 no mínimo irão necessitar de radioterapia externa profunda (mega voltagem).

Um único Aparelho Linear conforme o Departamento de Alta e Média

Complexidade do SUS é capaz de realizar radioterapia funcionando em dois turnos

em 600 pacientes por ano.

Daí a necessidade do Estado do Tocantins ter dois Aparelhos do tipo Linear

em funcionamento e, de preferência aparelhos novos. Percebe-se a evidente crise e

o estrangulamento dos serviços oferecidos no setor de radioterapia e, de maneira

especial em Araguaína.

No quadro abaixo podemos identificar os tipos de câncer mais comuns na

população Tocantinense (dados para o biênio 2016/2017).

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HOMEM Quant. MULHER Quant.

Próstata 390 Mama feminina 180

Traquéia, brônquio e pulmão 70 Colo do útero 180

Cólon e reto 60 Traquéia, brônquio e pulmão 40

Estômago 50 Colón e reto 50

Cavidade Oral 30 Estômago 30

Pele não melanoma 270 Pele não Melanoma 180

Todos os tipos de câncer 1300 1050

Total: 2350 casos novos de câncer no Estado do Tocantins

Quadro 1: Tipos de câncer mais comuns na população Tocantinense Fonte: Elaborado pela própria autora

Do Hospital Regional de Araguaína

O Hospital Regional de Araguaína – HRA, com o CNPJ – 25053117005395,

possui Cadastro no Estabelecimento de Saúde – CNES sob n ° 2600536e está

equipado com uma Unidade de Alta Complexidade em Oncologia, para atender

pacientes do Estado bem como dos Estados circunvizinhos.

Sendo referência na Região Norte em atendimento ambulatorial preparado

para pequenas, médias e grandes cirurgias e em especial em diagnóstico de câncer,

tratamento paliativo, quimioterapia, onco-hematologia, radioterapia e braquiterapia.

Atualmente o atendimento Oncológico da cidade de Araguaína funciona parte

na Rua 13 de maio, Centro. As consultas são realizadas de forma improvisada no

estacionamento do Hospital Regional, uma espécie de “puxadinho” aproveitando o

muro do estacionamento o que dificulta a chegada dos pacientes para consulta pela

inadequação local para o atendimento visto que a maioria desses pacientes chegam

em cadeiras de rodas ou macas.

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Figura 1: Imagem estacionamento do HRA Fonte: Elaborada pela própria autora

AUNACON do Hospital Regional de Araguaína é a única do Estado que

realiza os serviços de radioterapia utilizando o aparelho Acelerador Linear e

realizando a braquiterapia realizando o atendimento em mais 139 municípios

Tocantinense além de cidades dos Estados circunvizinhos. A mesma é conhecida

pela sigla TOPAMA -Tocantins, Pará e Maranhão e esporadicamente atende até

pacientes de estados mais distantes como o Mato Grosso (TOCANTINS, 2013).

No que se refere à Oncologia o Acelerador Linear faz a radioterapia onde em

média são assistidos mais de 90 (noventa) pacientes por dia. Outro aparelho

conhecidos como HBR (braquiterapia), destaca-se nos tratamentos de cânceres de

colo do útero, próstata, mama e outros, com uma limitação de atendimento de no

máximo6 (seis)pacientes por dia (TOCANTINS, 2013).

O Aparelho Linear relatado acima encontra defeituoso desde 2014. Em

consequência disso os pacientes foram remanejados para a cidade de Imperatriz no

Estado do Maranhão. Este remanejamento comprometeu em demasia o andamento

dos tratamentos, conforme informação da Secretaria Municipal de Saúde

(TOCANTINS, 2013).

Ressalta-se que o HRA oferece consultas médicas e serviços ambulatoriais

e é considerado como referência hospitalar no atendimento de inúmeros tipos de

câncer como, por exemplo, o de cabeça, abdômen, ginecológico, mastológico, de

tecidos conectivos, hematológicos, pediátricos, urológicos, quimioterápicos,

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radioterápicos, possuindo em separado17 (dezessete) leitos exclusivos para a

oncologia (TOCANTINS, 2013).

O Hospital Regional de Araguaína dispõe de um novo acelerador nuclear

adquirido em dezembro de 2014, mas, por entraves burocráticos que tem impede a

construção de um Bunker local apropriado à instalação, o mesmo encontra-se até o

momento desativado (TOCANTINS, 2013).

Além das dificuldades acima relatadas, o Ambulatório Oncológico ainda

enfrenta problemas em sua estrutura física condenada pela Defesa Civil e o Corpo de

Bombeiros. Em função disso para não interromper o atendimento foi necessária a

alocação de outros prédios (TOCANTINS, 2013).

Para resumir, nos últimos anos o HRA tem sofrido com a sobrecarga de

atendimento de pacientes de uma região de mais de 2.000 (dois milhões) de

habitantes, além dos estados vizinhos que também o utilizam (TOCANTINS, 2013).

A falta de investimentos por parte do poder público na estrutura da Unidade

Oncológica, situada à Rua 13 de maio n° 1490, por muito pouco não ocasionou seu

desabamento, fato este que transformou o atendimento dos pacientes com câncer

numa verdadeira “via cruzes” em função das mudanças e constantes improvisações

no atendimento (TOCANTINS, 2013).

Acelerador Linear

O Acelerador Linear é um aparelho que possui uma tecnologia de

fundamental importância para o tratamento do câncer. O Ministério da Saúde no ano

de 2013 adquiriu 80 (novos) aparelhos, distribuídos em vários Estados entre eles o

Estado Tocantins, obedecendo a critérios de atendimento e necessidade estimativa

de novos casos anuais.

O Acelerador realiza a radioterapia (profunda) tradicional, através de Raios-

X de alta energia e a utilização de elétrons que atingemos cânceres mais agressivos;

daí sua fundamental importância nesses tratamentos.

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Figura 2: Acelerador Linear Fonte: Elaborada pela própria autora

A Necessidade se Instalação do Segundo Aparelho

O atual Aparelho Linear em função da sobrecarga de trabalho diminuiu pela

metade sua vida útil, com a possibilidade ainda de que o conserto seja inviável

financeiramente.

Pelo quadro vislumbrado percebe-se que seria necessário para diminuição

das dificuldades em relação aos serviços fornecidos na radioterapia a aquisição e

instalação adequada demais2 (dois) novos Aparelhos Acelerador Linear na UNACON

do Hospital Regional de Araguaína.

Frisa-se que desde o ano de 2013 a Secretaria Estadual de Saúde, adquiriu

um novo aparelho Acelerador Linear que custou aos cofres públicos a importância de

R$ 5.565.960,00 (Cinco milhões quinhentos e sessenta e cinco mil novecentos e

sessenta reais), transferidos integralmente pela União ao Estado Tocantins, mas

previamente incorporado ao tesouro do Estado (TOCANTINS, 2013).

Bunker

Segundo o Instituto Nacional do Câncer – INCA (2013), Bunker é um local

específico, um reduto fortificado que deve ser construído especificamente para

instalação do aparelho Acelerador Linear uma vez que se trata de um equipamento

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de alta tecnologia e que possui produtos químicos específicos para a segurança e

proteção de pacientes e funcionários.

Casas de Apoio

No município de Araguaína existem algumas casas de apoio para atender os

pacientes em tratamento de câncer; tratamento este em regra longo, dispendioso

financeiramente, desgastante emocionalmente onde grande parte dos mesmos vêem

de outros municípios e Estados vizinhos sempre acompanhados de familiares ou

amigos em função de sua debilidade física aliado ainda ao fato das precárias

condições financeiras. Sem o apoio destas instituições tornar-se-ia praticamente

impossível para estes pacientes a realização do tratamento.

Casa de Apoio Gloria Morais

Esta instituição é uma das mais importantes no município de Araguaína para

os pacientes em tratamento de câncer, é praticamente uma extensão do Hospital

Regional de Araguaína. Mantida pelo Estado através de convênios, atende

diariamente, a média de mais de 60 pacientes de câncer, incluindo todo suporte de

alimentação e transporte para procedimentos como radioterapia, quimioterapia e

outros tratamentos necessários como a terapia ocupacional, psicologia, alimentação

especial, e outros.

Possui um corpo de mais de 40 funcionários para prestação dos atendimentos

acima citados entre eles, os qualificados nas áreas de nutrição (12), técnicos de

enfermagem, psicólogos e uma estrutura física formada por 4 enfermarias para

atender a ala feminina sendo 33 leitos, 2 enfermarias masculinas, 8 apartamentos

com dois leitos, destinados a pacientes em estados mais graves, além das salas do

Departamento administrativo.

Pró-Vida

A Associação Pró-Vida de Combate ao Câncer é uma Organização não

governamental, filiada a Associação Brasileira de Ongs–ABONG, que oferece a

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preços populares consultas e exames a população. Declarada de utilidade pública,

atende tanto homens, mulheres e crianças em todas as especialidades.

A Pró-Vida surgiu a mais de 22 anos pela iniciativa de trabalhadores da área

da saúde e seu principal objetivo é o atendimento aos doentes de câncer. Vários

destes profissionais haviam perdido parentes nesta mesma situação e resolveram

criar uma instituição que pudesse proporcionara preços populares a oferta de

consultas e exames para todos os tipos de doenças e, de maneira especial ao

diagnóstico precoce do câncer.

As ações humanitárias permanentes aos pacientes diagnosticados com

câncer dentro da unidade proporcionam além de todo o tratamento gratuito em todos

os procedimentos uma eficácia e rapidez de fundamental importância já que o acesso

ao tratamento leva em média 15 dias após o diagnóstico, diferente daqueles que são

obrigados a esperar na rede pública entre consultas e exames relacionados ao

acesso ao tratamento em média 9 meses.

CasaTra Noi

A instituição nasceu do movimento Tra Noi que quer dizer “entre nós”, criado

na Itália em 1952 vindo para a cidade de Araguaína no ano de 2001, recebendo aqui

a denominação de Tra Noi Dom Carlos Sterpi com o objetivo de acolher doentes das

mais variadas doenças para tratamento, independente de seu credo religioso.

Atualmente hospeda mais de 60 pessoas entre acompanhantes e pacientes

para tratamento, provenientes de outros municípios e Estados e de maneira especial

os pacientes de câncer, oferecendo apoio como, por exemplo, assistência religiosa,

psicólogos, serviço social e cursos manuais que exercem uma função terapêutica

neste fragilizado período.

A casa oferece comodidade e segurança tanto aos pacientes, como para seus

acompanhantes. A mesma é mantida por doações, feiras, trabalho voluntário, e já

possui um trabalho regionalmente conhecido. Vale ressaltar que outras unidades

seguindo o mesmo modelo, estão em pleno funcionamento nas cidades de Goiânia-

GO e na cidade de Presidente Prudente, interior de São Paulo.

Considerações Finais

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Procurou-se no desenvolvimento do trabalho identificar de que modo vem

sendo efetuado o atendimento por parte do Estado do Tocantins no que diz respeito

ao atendimento dos pacientes com Câncer e o cumprimento da Lei nº 12.732/2012.

Verificou-se que desde 2008 existe uma Lei de nº11.664/2008 que garante

as mulheres acima de 40 anosa realização do exame de mamografia na rede pública.

No entanto, essa “garantia” não se cumpre efetivamente, pois diuturnamente as

mulheres encontram dificuldades para realizar tais exames, o que impossibilita o início

do tratamento precoce e, consequentemente a demora torna mais difícil o processo

de cura.

Os problemas enfrentados pelo pacientes de câncer no Estado do Tocantins

são preocupantes. Questões complexas envolvem o sistema de saúde e no objeto do

estudo, especificamente o Hospital Regional de Araguaína representado por seu setor

de Oncologia.

Evidenciou-se durante a pesquisa que o governo do Estado do Tocantins não

tem proporcionado sequer uma estrutura física adequada conforme o Inquérito Civil

nº 43/2013 por parte da 5ª Promotoria de Justiça de Araguaína e não possui

condições de comportar o volume de atendimento

O estudo revelou a necessidade da adoção de medidas urgentes para

“minimizar o problema”, como a construção de novos hospitais equipados com

aparelhos de alta tecnologia e profissionais qualificados. No atual momento esta

situação parece de difícil solução.

Diante dos resultados do estudo, parece-nos que somente, por meio de ações

judiciais efetuadas pelo Ministério Público, a exemplo da Ação Civil Pública, com

pedido de tutela antecipada feita pela 5ª Promotoria de Justiça de Araguaína, na

defesa da saúde pública, do consumidor e da cidadania é que poderemos vislumbrar

“alguma luz no fim do túnel” desta trágica situação da saúde em nosso Estado numa

gritante violação a direitos previstos em nossa “constituição cidadã”, como o direito à

vida, à saúde e a dignidade da pessoa humana.

Referências

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ANVISA. Portaria nº 741 de 19 de dezembro de 2005. Brasília, DF, 19 dez. 2005. Disponível em: <http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/3092aa80474594909c3fdc3fbc4c6735/PORTARIA+N%C2%BA+741-2005.pdf?MOD=AJPERES>. Acesso em: 25 nov.2015. BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Comissão Nacional de Energia Nuclear. 2015. Disponível em: <http://www.cnen.gov.br/>. Acesso em: 25 nov. 2015. ______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 22 ago. 2015. ______. Decreto no 3.321, de 30 de dezembro de 1999. Promulga o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais "Protocolo de São Salvador", concluído em 17 de novembro de 1988, em São Salvador, El Salvador. Brasília, DF, 30 dez. 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3321.htm>. Acesso em: 24 nov. 2015. ______.Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011.Regulamenta a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Brasília, DF, 28 jun. 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/D7508.htm>. Acesso em: 24 nov.2015. ______. Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo civil. Brasília, DF, 11 jan. 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>. Acesso em: 10 nov. 2015. ______. EM Nº 62/MMA/2006. Brasília, DF, 22 ago. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/EXPMOTIV/MMA/2007/62.htm>. Acesso em: 20 fev. 2016. ______. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília, DF, 19 set. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm>. Acesso em: 22 nov.2015. ______. Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS} e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Brasília, DF, 28 dez. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8142.htm>. Acesso em: 23 nov.2015.

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BRASIL. Lei nº 11.664, de 29 deabril de 2008.Dispõe sobre a efetivação de ações de saúde que assegurem a prevenção, a detecção, o tratamento e o seguimento dos cânceres do colo uterino e de mama, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS. Brasília, DF, 29 abr. 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11664.htm>. Acesso em: 20 nov. 2015. ______. Lei nº 12.732, de 22 de novembro de 2012.Dispõe sobre o primeiro tratamento de paciente com neoplasia maligna comprovada e estabelece prazo para seu início. Brasília, DF, 22 nov. 2012. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12732.htm>. Acesso em: 22 ago. 2015. ______. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Comissão Nacional de Energia Nuclear. Resolução CNEN nº 112 de 24/08/2011. Dispõe sobre o licenciamento de instalações radiativas que utilizam fontes seladas, fontes não-seladas, equipamentos geradores de radiação ionizante e instalações radiativas para produção de radioisótopos. Brasília, DF, 24 ago. 2011. Disponível em: <https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=115282>. Acesso em: 25 nov. 2015. CIDH – Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Protocolo adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais, “Protocolo de San Salvador”. Disponível em: <http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/e.Protocolo_de_San_Salvador.htm>. Acesso em: 24 nov. 2015. G1 TO. Após interdição de máquina, pacientes com câncer são levados para o MA. G1, 19 ago. 2015. Disponível em: < http://g1.globo.com/to/tocantins/noticia/2015/08/apos-interdicao-de-maquina-pacientes-com-cancer-sao-levados-para-o-ma.html >. Acesso em: 10 nov. 2015. IBGE – Instituto Brasileiro e Geografia e Estatística. Cidades. Tocantins. Araguaína. 2015. Disponível em: <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?codmun=170210>. Acesso em: 24 nov. 2015. ______. Câncer. Disponível em: <http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/cancer/site/oquee>. Acesso em: 23 ago. 2015. ______. Radioterapia. 1993. Disponível em: < http://www.inca.gov.br/conteudo_view.asp?ID=100>. Acesso em: 23 ago. 2015. ______. Saúde conclui encomenda de oitenta aceleradores lineares. 2013. Disponível em: <http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/agencianoticias/site/home/noticias/2013/saude_conclui_encomenda_de_oitenta_aceleradores_lineares>. Acesso em: 20 nov. 2015. INCA – Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Brasil terá primeira fábrica de equipamentos para radioterapia da América Latina. 2015. Disponível em:

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REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL É A MELHOR OPÇÃO?

Juliana Ferreira dos Reis

Priscila Francisco Silva

Introdução

Estabelecem o artigo 228 da Constituição Federal e o artigo 27 do Código

Penal que são penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, ficando

sujeitos a legislação especial.

Dessa forma, os menores de 18 anos que pratique qualquer ato infracional

estão sujeitos as medidas previstas na Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do

Adolescente), que estabelece tempo máximo de internação de 3 (três) anos.

Para muitos esse tempo não é suficiente para a ressocialização de um jovem,

além de que diante da gravidade de alguns crimes que são cometidos, essa medida

seria muito leve. Seria necessário punir com mais rigor esses jovens infratores.

Diante dessa situação surgem aqueles que defendem a redução da

maioridade penal como solução para o aumento da taxa de criminalidade e aqueles

que são contra a redução da maioridade penal.

Redução da maioridade penal é sempre uma questão polêmica, quando se

fala no assunto há sempre aqueles que são a favor e aqueles que são contra.

Pesquisa realizada pelo IBOPE em setembro de 2014 mostra que 83% dos brasileiros

são favoráveis à diminuição da maioridade penal para 16 anos e apenas 15% são

contra.

Outra pesquisa realizada pelo Datafolha, em junho deste ano, á respeito do

projeto de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos mostra que 87% da

população adulta brasileira votaria à favor da redução caso fossem consultados e

contrários a mudanças na legislação apenas 11%.

Vale destacar que na pesquisa feita pelo Datafolha a rejeição à mudança de

idade da maioridade penal é mais alta entre os mais escolarizados (21%), entre os

sem religião (20%) e entre os mais jovens (19%).

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Esses dados mostram que a maioria das pessoas apoia a redução da

maioridade penal. Diante de tamanha violência parece essa ser a solução mais

adequada para o momento.

O mais recente avanço conquistado pelos favoráveis a redução da

maioridade penal, aconteceu com a aprovação da proposta de emenda à Constituição

(PEC) 171/1993, que agora segue para aprovação no Senado Federal.

Aprovada em 2º turno pela Câmara dos Deputados, no dia 19 de agosto, por

320 votos a favor, 152 contra e 1 abstenção a proposta de emenda à Constituição

(PEC) 171/1993 reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos nos casos de homicídio

doloso, lesão corporal seguida de morte, e crimes hediondos. A proposta ainda prevê

que o cumprimento das penas se dará em ambiente separado dos menores de 16

anos e dos maiores de 18 anos.

A escolha do presente tema para o artigo consiste na importância de uma

discussão acerca do tema, para mostrar a realidade existente quando se fala em

crimes cometidos por adolescentes.

O objetivo desse trabalho é mostrar os argumentos favoráveis e contra a

redução da maioridade penal e através destes demonstrar que reduzir a maioridade

penal não é a melhor solução para os problemas do aumento da criminalidade.

Para que esse objetivo fosse alcançado, foi realizada uma pesquisa

bibliográfica e documental. E diante da falta de algumas referências bibliográficas

foram utilizadas fontes não científicas, como sites.

Argumentos Favoráveis a Redução

A principal justificativa usada por aqueles que defendem a redução da

maioridade penal é que os menores são responsáveis pelo aumento da taxa de

criminalidade, dessa forma tal redução irá diminuir os crimes praticados por menores

de 18 anos.

Uma vez que, eles poderão responder como adultos pensarão mais de uma

vez antes de cometer algum crime. Seria constranger o jovem de que se ele praticar

crime dos 16 em diante ele poderá ser responsabilizado tal qual como adulto. A cadeia

seria a solução.

Se com 16 (dezesseis) anos a pessoa já pode trabalhar, casar, votar, cometer

crimes, então ela pode responder por seus crimes na cadeia. Uma pessoa com 16

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anos já tem sua personalidade formada, sendo capaz de discernir o que é certo e o

que é errado, defendem os favoráveis á redução da maioridade penal.

Esse é um dos argumentos do juiz aposentado Pedro Paulo Castelo Branco

(Globo News, 2015), que diz que há uma contradição na Constituição Federal, uma

vez que com 16 anos o jovem já possui capacidade civil e capacidade eleitoral,

deveria este também ter a capacidade penal, podendo responder por seus crimes.

Após consultar juristas e ONGs, Prazeres (UOL, 2015) chegou a alguns

argumentos utilizados pelos defensores da redução da maioridade penal. Um dos

argumentos utilizado frequentemente para a redução da maioridade penal é o de que

esses jovens estão sendo usados por adultos para praticar crimes. Então a solução

seria a prisão para os jovens. Essa redução seria uma forma de proteger os jovens

do aliciamento feito pelo crime organizado.

Outro argumento utilizado pelos defensores da redução trazido por Prazeres

(UOL, 2015) é que o fato da lei ser branda faz com que o jovem sinta que o crime vale

a pena. O adolescente sabe que a pena será leve e sentem dessa forma maior

liberdade para cometer crimes. A questão colocada é que a impunidade gera mais

violência.

E ainda tem-se como argumento para a redução da maioridade penal o fato

de que os estabelecimentos educacionais onde os jovens são internados não

conseguem ressocializá-los e inseri-los novamente na sociedade.

Argumentos Contra a Redução

Acatar tais argumentos seria ignorar as verdadeiras causas que levam o

menor a praticar crimes. Cadeia não é a solução para este grave problema social.

Conforme defende Renato Rodovalho Scussel (Globo News, 2015), juiz titular da Vara

de Infância e Junventude do Distrito Federal, não é questão de idade, prisão não inibe

comportamento de nenhum jovem. Reduzir a maioridade penal não vai reduzir a

violência. É necessário mudanças. Criar pontes, mecanismos de comunicação entre

o sistema socioeducativo e penal.

Nesse sentido Bizatto (2014, p. 93) diz que:

Se a punição pura e simples fosse a solução, a sociedade seria perfeita. Ora, a punição não funciona nem com os adultos, imagine com os adolescentes que estão em fase de compreensão dos conteúdos da vida. Ainda mais, com

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o modelo prisional vivido pelo Brasil, que mais parece escola do crime e depósitos de seres humanos, a crise educacional só se agravaria.

Colocar esses jovens na cadeia junto com adultos seria como colocá-los em

uma escola do crime. É necessário combater as verdadeiras causas do aumento da

criminalidade no Brasil. Podemos citar a desigualdade social, o desemprego, a

miséria, a degradação familiar, o sistema de educação defasado que o país possui.

É preciso atacar as causas da violência e não seus efeitos. Cavagnini (2013, p. 96)

sabiamente diz que “se atacarem os efeitos, as causas persistirão e as consequências

crescerão em proporção geométrica”.

As causas da criminalidade juvenil não exime a responsabilidade da

população e do estado. Para o sociólogo José de Souza Martins “a mudança da lei

criará para muitos o conforto de um bode expiatório”. Seria a solução mais fácil para

atender aos anseios da sociedade que está indignada com tanta violência e a melhor

maneira de eximir os governantes de suas responsabilidades.

Não são os jovens responsáveis pelo aumento da criminalidade no país.

Dados do Conselho Nacional de Justiça mostram que o número de menores infratores

no Brasil são cerca de 70 mil, sendo que destes 21 mil estão internados, destes 8%

são meninas e 92% meninos. Esses 21 mil jovens representam 0,5% da população

juvenil no Brasil, é um dado inexpressivo diante de 21 milhões de adolescentes.

O rebaixamento da maioridade penal terá pouco impacto nos índices de

criminalidade, afinal a maioria dos crimes são cometidos por adultos, os jovens e

adolescentes são as maiores vítimas da violência.

Colocar esses jovens e adolescentes juntos com adultos é coloca-los em

contato com grupos criminosos mais velhos e experientes, diminuindo assim a chance

de ressocialização para esses jovens. Além de que essa redução só serviria para

aumentar a população carcerária do país e agravar a carência de vagas no sistema

penitenciário brasileiro, que é considerado um dos piores do mundo.

Conforme dados do Ministério da Justiça (2015), o Brasil já possui a quarta

maior população carcerária do mundo, cerca de 607.700 mil presos, com um déficit

de 231.062 mil vagas. Se fosse levado em consideração a PEC 171/1993 que foi

aprovada recentemente, que diz que os jovens maiores de 16 e menores de 18 anos

cumprirão sua pena em local separado dos maiores de 18 anos, a questão seria tem

o país condições de ofertar essas vagas para esses adolescentes, uma vez que

possui tamanho déficit de vagas no sistema prisional.

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Justificar que os jovens são cada vez mais usados por adultos para a redução

da maioridade penal é tentar solucionar um problema da maneira errada. Nesse caso

pode-se dizer que reduzir a maioridade penal somente vai fazer com que reduza a

idade em que o jovem é aliciado para o crime, dessa forma cada vez mais cedo os

jovens serão usados por adultos para pratica de atos criminosos.

A solução nessa situação é uma punição mais severa para os adultos

corruptores de menores. Atualmente o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê

pena de apenas 1 a 4 anos de reclusão para quem incorre na pratica do crime de

corrupção de menor. Diminuir a maioridade penal seria mais uma forma de atacar as

consequências e não as suas causas.

Sempre que um crime grave perpetuado por um jovem gera repercussão na

mídia, a população fica revoltada, o tema redução da maioridade penal volta à tona.

Acontece que esses crimes violentos cometidos por jovens são exceções, toda a

repercussão que causa, faz parecer que esse tipo de crime faz parte do cotidiano.

O Ministério da Justiça (2015) nos traz dados relevantes sobre a participação

de adolescentes nos crimes cometidos no país. Conforme divulgado, os jovens entre

16 e 18 anos são responsáveis por 0,9% dos crimes no Brasil. O percentual é ainda

menor se considerados homicídios e tentativas de homicídio, apenas 0,5% são

cometidos por jovens.

Não se pode simplesmente colocar a culpa da criminalidade nesses jovens

que ainda sequer se desenvolveram, cada idade tem suas características. A

maioridade penal pode ser reduzida para 16 anos, mas a maioridade real só será

alcançada por volta dos 25 anos (MARTINS, 2015).

As crianças têm seu desenvolvimento moral moldado pela intervenção social,

elas agem de acordo com aquilo com que tem contato, sendo os pais e o Estado os

principais responsáveis por aquilo que as crianças serão. (MATOS, 2013) Sem

políticas públicas e uma base familiar estruturada a chance de essas crianças se

tornarem criminosos são maiores. (MATOS, 2013).

A questão é que não é somente um fator o responsável pelo aumento da

criminalidade entre os adolescentes. Conforme nos traz Cavagnini (2013, p.94):

Não há duvida de que está aumentando a criminalidade infantil e juvenil por diversos fatores, como aumento da população, da miséria, do desemprego, da má distribuição de renda, da falta de instrução, da inércia dos Poderes Públicos, da desagregação da família, da irresponsabilidade dos pais,

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salientando-se, principalmente, a carência de educação, que é vital na formação de um povo.

Portanto, é um conjunto de intervenções que molda o caráter do jovem

adolescente. Dessa forma, tanto os pais, como o Estado são responsáveis por essa

formação, sendo que uma família estruturada é a base essencial, mas é necessário

que seja fornecido pelo Estado o básico que todos precisam.

Perfil do Jovem Infrator

Em 2012 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) traçou o perfil dos

adolescentes em conflito com a Lei. A equipe da pesquisa entrevistou 1.898

adolescentes e coletou dados de 14.613 processos judiciais de execução de medidas

socioeducativas de restrição de liberdade em tramitação nos 26 estados e no Distrito

Federal.

A pesquisa Panorama Nacional – A Execução das Medidas Socioeducativas

de Internação buscou traçar o perfil de milhares de jovens infratores que cumprem

medidas socioeducativas no Brasil.

O estudo revelou o que já se esperava, adolescentes entre 15 e 17 anos, com

famílias desestruturadas, defasagem escolar e envolvidos com drogas, que

cometeram principalmente infrações contra o patrimônio público, como o furto e o

roubo.

O perfil traçado pela pesquisa mostra que 60% dos jovens entrevistados

possuem entre 15 e 17 anos, sendo que mais da metade deles não frequentavam a

escola antes da internação. A maioria dos adolescentes infratores parou de estudar

aos 14 anos, entre a quinta e a sexta série. E 8% deles não chegaram se quer a

serem alfabetizados.

Os atos infracionais mais comumente cometidos pelos adolescentes são

contra o patrimônio, correspondente a 52% da média nacional. E em segundo lugar,

destaca- se o ato infracional por tóxico, representando 26%. A maior parte dos

adolescentes cumprem medidas socioeducativas de internação definitiva, cerca de

73% dos casos (CNJ, 2012).

A reincidência dos adolescentes em conflito com a lei chega a 54% dos

processos analisados pelo CNJ. Sendo que o maior percentual de reincidência foi

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registrado nas regiões Centro-oeste e Sul, com 75%, e o menor percentual foi

verificado na região Nordeste, 35% (CNJ, 2012).

Quanto a estrutura familiar, foi constatado pelo Conselho Nacional de Justiça

(2012) que 14% dos jovens infratores possuem pelo menos um filho e apenas 38%

deles foram criados pela mãe e o pai. Na maioria dos casos, 43% especificamente,

os adolescentes são criados apenas pela mãe (CNJ, 2012).

Em relação ao uso de entorpecentes, aproximadamente 75% dos

entrevistados faziam uso de drogas ilícitas. Sendo a maconha o entorpecente mais

consumido, seguida da cocaína e do crack (CNJ, 2012).

O perfil dos adolescentes delineado pela pesquisa revelou uma série de

questões que perpassam o problema do adolescente em conflito com a lei: famílias

desestruturadas, defasagem escolar e relação estreita com substâncias psicoativas.

E assim surgem os adolescentes infratores, os adolescentes marginalizados.

Todos, resultado de um desenvolvimento desarmônico da personalidade infanto-juvenil. Dentro dessa total inversão de valores, o menor muitas vezes é vítima de famílias desestruturadas, que o geram, mas não o desejam. Vítima, ainda, do subemprego permanente, da incompreensão dos adultos, da subnutrição, do analfabetismo, de uma polícia violenta e despreparada. (CAVAGNINI, 2013, p.92).

A partir do melhor conhecimento do perfil dos jovens infratores podemos ver

que uma junção de fatores infere na formação do caráter criminoso desses jovens.

Estrutura dos Estabelecimentos de Internação

Dados do Conselho Nacional de Justiça (2012) mostram que ainda faltam

vagas nos estabelecimentos para o cumprimento das medidas socioeducativas. A

taxa de ocupação das unidades é de 102% no país. Os estados com a maior

sobrecarga estão na região Nordeste, o estado do Ceará tem taxa de ocupação de

221%, Pernambuco 178% e Bahia 160%.

Esses dados mostram que não há possibilidade do cumprimento das medidas

socioeducativas aplicadas aos adolescentes de maneira adequada. Os dados ainda

revelam que os direitos básicos a saúde e a defesa processual não estão sendo

observados.

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A pesquisa (CNJ, 2012) mostra que de 91% dos estabelecimentos

disponibilizam algum tipo de atendimento individual prestado aos jovens infratores por

profissionais especializados, mas a disponibilidade desses profissionais varia

consideravelmente de região pra região. Enquanto alguns estabelecimentos possuem

esses profissionais em quantidade suficiente para atender seus internos, outras

sofrem com a carência desses profissionais.

Os psicólogos e assistentes sociais são os profissionais mais comumente

disponíveis nesses estabelecimentos educacionais, representando 92% e 90%

respectivamente (CNJ, 2012). Porém, quanto aos advogados e médicos, estes estão

apenas em 32% e 34% das unidades, nessa ordem (CNJ, 2012). Vale destacar ainda

que, 32% dos estabelecimentos não dispõem de enfermarias e um total de 57% não

possuem gabinetes odontológicos (CNJ, 2012).

Outros problemas ainda são encontrados, 22% dos estabelecimentos não

possuem refeitório, os alimentos são consumidos em áreas não destinadas para esse

fim (CNJ, 2012). No aspecto educação, 49% das unidades não possuem bibliotecas,

69% não dispõem de salas com recurso áudios visuais e 42% não possuem sala de

informática (CNJ, 2012).

Mas os problemas não estão somente nas estruturas físicas, foi identificado

pela pesquisa graves situações de maus tratos e abusos. O Estatuto da Criança e do

Adolescente estabelece em seu artigo 5º que:

Art. 5º. Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Mas a realidade dos adolescentes em comprimento de medidas

socioeducativas não obedece ao estabelecido no Estatuto. Os dados do CNJ

mostram que 10% dos estabelecimentos registraram ocorrência de abuso sexual e

5% deles a ocorrência de mortes por homicídio.

Convém ainda destacar a violência física sofrida por esses jovens internados

pelo cumprimento de medidas socioeducativas, sendo essas agressões físicas

cometidas por funcionários e ate pela Polícia Militar. Um total de 28% dos jovens

entrevistados disseram ter sofrido agressão física por parte de funcionários e 10% por

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parte da Polícia Militar. Além disso, 19% declararam ter sofrido algum tipo de castigo

físico dentro das unidades (CNJ, 2012).

A pesquisa revela a necessidade de maiores investimentos nas estruturas

física dos estabelecimentos educacionais para que possam oferecer aos

adolescentes infratores melhores condições para o cumprimento das medidas

impostas. Precisa-se de investimentos em recursos humanos, profissionais

qualificados que saibam trabalhar com adolescentes. Além de investimento na

educação e saúde dentro das unidades.

Considerações Finais

O presente artigo procurou sucintamente mostrar que a redução da

maioridade penal não é a solução para os graves problemas de violência que afetam

o país, e que não são os jovens os principais responsáveis pelo aumento da

criminalidade.

A sociedade acredita que a solução para a redução da criminalidade seja a

prisão para esses jovens infratores e o Estado sempre buscando a solução mais fácil,

mesmo que não seja a correta, coloca a redução da maioridade penal como o meio

mais rápido de dar essa resposta que a sociedade tanto deseja.

O que podemos concluir é que a redução da maioridade não resolverá o

problema da criminalidade. É necessário investimentos em políticas públicas voltadas

para esses jovens. O que esses jovens precisam é de que o governo faça

investimentos em educação, saúde, moradia, saneamento básico, entre outros.

Proporcionar uma vida digna a esses jovens é a melhor maneira de evitar que

eles se tornem criminosos. Colocá-los na prisão é apenas uma maneira de tentar

tratar as consequências, ao invés de tentar acabar com as causas.

A melhor solução para esse grave problema da criminalidade envolvendo

menores é investir para que as medidas previstas no Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA) sejam cumpridas de maneira adequada.

O principal objetivo das medidas socioeducativas é a reinserção do jovem na

sociedade. Acontece que como podemos perceber pela pesquisa divulgada pelo

Conselho Nacional de Justiça (CNJ) os estabelecimentos destinados ao cumprimento

dessas medidas não atendem ao estabelecido, sofrem com a precariedade tanto nas

estruturas físicas, quanto na falta de recursos humanos.

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Dessa forma, podemos afirmar que a prisão não é a solução adequada para

esses jovens infratores e que não diminuirá a criminalidade como tanto defende os

favoráveis a redução da maioridade penal. O ideal é que sejam solucionadas as

causas para evitar as consequências. E que a aplicação das medidas socioeducativas

atenda a finalidade de ressocialização do jovem infrator para que possa retornar seu

convívio com a sociedade.

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O PAGAMENTO DE TRIBUTOS COMO UM DEVER FUNDAMENTAL NO BRASIL

Darlan de Carvalho Lima

Fernanda Rodrigues Lagares

Maicon Rodrigo Tauchert

Introdução

O Brasil realiza uma das maiores arrecadações financeiras do mundo com a

tributação e, ainda assim, a imagem da miserabilidade a que se está sujeito grande

número de cidadãos brasileiros que não gozam nem mesmo da menor parcela dos

direitos básicos que lhes são assegurados pela Lei Maior do país, é real e propagada

em noticiários. Assim como a repercussão internacional do que pode ser a sua mais

forte causa, os escândalos de corrupção.

Há no país um cenário de insegurança e injustiça, além de um acesso

acelerado à informação, o que faz com que aquilo que sempre existiu se torne cada

vez maior, a insatisfação por parte dos cidadãos em pagar tributos. Cresce uma

resistência concreta a esse instituto, que acontece tanto através de manifestações

populares, quanto através de artimanhas ilegais, como a famosa sonegação fiscal.

Apesar disso, a tributação, inegavelmente, mantém o seu caráter de medida

legal, e ainda, instrumento necessário para a concretização de um Estado Social

Democrático de Direito. Esse paradoxo fez surgir o anseio de se analisar a tributação

a partir de um novo olhar, que vincule esse instituto a benefícios sociais.

Assim, com a pretensão de contribuir para a identificação de caminhos que

levem ao desenvolvimento de uma compreensão mais satisfatória da arrecadação de

tributos, que provoque uma maior harmonia na relação fisco-contribuinte, um maior

comprometimento do Estado em direcionar o produto da tributação para o alcance de

benefícios sociais e um maior empenho dos cidadãos em cobrá-lo, nasce o objeto de

estudo deste trabalho: A concepção do pagamento de tributos como um dever

fundamental.

Para alcançar tais objetivos, inicialmente se examinará os deveres

fundamentais de forma geral, para em seguida tratar de forma pormenorizada do

denominado “dever fundamental de pagar tributos”, a cidadania e a solidariedade

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serão apresentadas como alicerces desse dever fundamental, e se encerrará

examinando a vinculação do pagamento de tributos com a viabilização dos direitos

fundamentais sociais.

Metodologicamente falando, pode-se afirmar que esta se trata de uma

pesquisa básica, que utiliza procedimentos de pesquisa bibliográfica e documental

para refletir um pouco mais sobre a matéria, e assim, poder colaborar na sua

compreensão e consequentemente avanço. Do ponto de vista de seus objetivos se

classifica como exploratória pois visa proporcionar maior familiaridade da sociedade,

especialmente a acadêmica, com a percepção de pagamento de tributos como um

dever fundamental, o seu enfoque é eminentemente qualitativo, e por reconhecer que

tal assunto não pode ser trabalhado fora do contexto social e político do país, se fará

uso do método dialético.

Por fim, o trabalho é justificado por se entender, a partir do atual contexto da

relação jurídica tributária, que no Brasil, a legitimação social do tributo e a pacificação

da relação entre fisco e contribuinte são pressupostos necessários para que se

concretize o Estado Social Democrático de Direito que se apresenta na Carta Magna

do país.

O Dever Fundamental de Pagar Tributos

Apesar de existirem doutrinadores contrários, como Sacha Calmon Navarro

Coêlho e Heleno Taveira Torres, tem-se que, com base no ordenamento jurídico do

Brasil, o tributo deve ser encarado como um dever fundamental no país.

Pois, embora de fato não seja expressamente previsto no texto legal um dever

fundamental de pagar tributos, conforme Araújo (2012), além dos deveres

fundamentais estampados no Texto Constitucional, como o dever de respeitar a

dignidade humana (art. 1º, inc. III da CF/88); os deveres políticos (art. 14, §1º inc. I da

CF/88) e o dever de preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações

(art. 225 da CF/88), existem deveres fundamentais implícitos que são facilmente

extraídos do conteúdo material da Carta Magna. O dever fundamental de pagar

tributos, em razão do disposto nos artigos 145 a 156 da Constituição Federal e nos

demais preceitos estabelecedores do Estado Social Democrático de Direito, é

claramente um deles.

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Nesse sentido, Torres (1999, p.471), entende que o dever fundamental de

pagar tributos é “estabelecido na Constituição no espaço aberto pela reserva da

liberdade e pela declaração dos direitos fundamentais”.

Essa posição, que segundo Giannetti (2011), vem começando a ser assentida

pela mais atual doutrina, é a adotada neste trabalho, que passa a tratar de forma mais

detalhada do dever fundamental de pagar tributos. Para que seja possível uma

abordagem clara dessa temática, faz-se, primeiramente, uma breve explanação sobre

o tratamento que é dado aos deveres fundamentais de forma geral no Estado

Democrático de Direito.

A Ideia Central dos Deveres Fundamentais no Estado Democrático de Direito

Diferentemente dos direitos, o tema dos deveres fundamentais ainda é pouco

debatido na doutrina e na jurisprudência, tanto nacional como estrangeira. Na

verdade, de maneira geral, a própria legislação dos mais diversos países, trata da

matéria de uma forma tímida, o Brasil é exemplo disso.

Na Constituição Federal brasileira, embora haja um capítulo intitulado de “Dos

Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, não existe um tratamento sistemático de

deveres, eles nem mesmo são enumerados no capítulo. O que há é uma distribuição

em outros dispositivos de deveres específicos, como o dever de financiamento da

seguridade social (art. 195 da CF/88); o dever de todos de preservar e defender o

meio ambiente (art. 225 da CF/88) e o dever dos pais e da família de educarem os

filhos (arts. 205, 227 e 229 da CF/88).

É compreensível, como explica Araújo (2012), a existência de maior

destaque e proteção na Constituição Federal brasileira de 1988 aos direitos do que

aos deveres, já que seu nascimento como o da maioria dos textos constitucionais

atuais, se deu após um período de opressão, no caso do Brasil em razão da ditadura

militar. Sendo, portanto, natural que se queira resguardar-se de eventuais ilegalidades

cometidas pelo Estado e se creia que este tem grande compromisso com o cidadão,

enquanto o oposto é desconsiderado.

No entanto, como anota Chulvi (2001 apud GIANNETTI, 2011), a evolução

dos direitos leva automaticamente à evolução dos deveres. Tanto que em diversas

cartas internacionais de direitos, como na Declaração Universal dos Direitos

Humanos e na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de fato, há

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também previsão de deveres frente à comunidade. Contudo, como ressaltado por

Giannetti (2011), essas cartas não tratam de forma concreta desses deveres, o que

fazem, na maior parte das vezes, é apenas prever uma cláusula geral de

deverosidade social. Como exemplo o autor traz o artigo 29, n.1, da Declaração

Universal dos Direitos Humanos que dispõe: “toda pessoa tem deveres em relação à

comunidade uma vez que somente nela pode desenvolver livre e plenamente a sua

personalidade”.

Porém, com a consolidação do ideal democrático tal paradigma precisa ser

reformulado para que, como exige as novas dimensões de direitos, sociais

principalmente, trazidas pelo Estado Social e especialmente pelo Estado

Democrático, se consiga alcançar uma maior equivalência entre os direitos e deveres

fundamentais. NABAIS (2004, p.50), afirma que esse novo cenário “passa a

demandar não só prestações “positivas” do Estado, mas também expressa novas

exigências contra o indivíduo face ao Estado e à comunidade”.

No mesmo sentido, Araújo (2012, p.48) diz:

[…] após um longo período de afirmação dos direitos fundamentais, sobretudo em face do poder Estatal arbitrário ou abusivo, exige-se a conscientização de que tais direitos são correlatos a deveres de responsabilidade para com a coletividade.

Essa afirmação de Araújo, de que os deveres são correlatos aos direitos,

sintetiza a concepção da maioria dos doutrinadores que tratam da matéria. Nabais

(1998), por exemplo, tido como o maior estudioso do tema, ao tratar de Portugal,

defende que os deveres fundamentais constituem uma categoria jurídico-

constitucional própria que, embora não tenham recebido o mesmo tratamento que os

direitos fundamentais na constituição, está colocada ao lado e de forma correlativa a

eles, e finaliza afirmando que, além de serem pressuposto da existência e do

funcionamento do Estado, são indispensáveis para a eficácia dos direitos

fundamentais.

Giannetti (2011), explica que essa dependência dos deveres para a eficácia

dos direitos fundamentais, se dá porque os primeiros têm relação com a solidariedade

(seja política, econômica ou social), fator indispensável para o gozo de direitos por

parte de um cidadão sem que isso resulte na violação dos direitos de outro. E

completa, dizendo que essa solidariedade se interliga ideologicamente com a cláusula

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do Estado Social e Democrático de Direito e com os direitos sociais que se consagram

nas Constituições modernas.

Assim, a composição entre os direitos e deveres fundamentais, de acordo

com Giannetti (2011), é justamente o que exige um regime democrático, onde os

deveres precisam ser vistos como forma de compreender os direitos, e não como

oposição a eles. Pois, como já dito, os deveres são essenciais para a eficácia dos

direitos.

Nesse sentido, Canotilho (2003, p.531), afirma que em um Estado

Democrático de Direito: “todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos

deveres consignados na constituição”. Mendonça (2002) também asserta que os

deveres fundamentais são derivados da Constituição - estatuto básico do Estado. E

assevera não serem os mesmos deveres do homem como homem, mas do homem

perante o Estado. O autor ainda declara que, o exercício de um dever fundamental

não gera benefícios apenas a um titular de direito subjetivo correlativo, mas também

alcança uma dimensão geral de utilidade, beneficiando o conjunto dos cidadãos e a

sua representação jurídica, o Estado. O que, diante de todo o exposto, configura a

ideia central dos deveres fundamentais em um Estado Democrático de Direito.

O Pagamento de Tributos Como um Dever Fundamental

A tributação é um elemento que sempre acompanhou o Estado. Tanto que

Giannetti (2011), afirma não existir Estado sem tributo. Porém, a presença desse

elemento nem sempre se deu da mesma forma, à medida que se transcorreu o tempo

e as formas estatais evoluíram, a maneira como o pagamento de tributos era vista se

modificou. Deixou de ser percebida apenas como necessidade para o financiamento

e, portanto subsistência do Estado, e passou a ser, conforme Nabais (2005),

encarada como um instrumento a serviço da política social e econômica do Estado

redistribuidor.

Assim, chegando ao Estado Democrático de Direito, tem-se, segundo Buffon

(2007), o pagamento de tributos como uma condição de existência desse próprio

modelo de Estado. Isso ocorre, em razão da efetivação dos direitos fundamentais de

cunho social, econômico e cultural ser requisito para o seu reconhecimento num plano

fático e o pagamento de tributos apontado como instrumento indispensável para isso,

o que explica o entendimento do pagamento de tributos como um dever fundamental.

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É importante reforçar que essa visão acerca do pagamento de tributos como

um dever fundamental não é unânime. Para parte da doutrina inclusive, como traz

Buffon (2007), a justificação social da tributação é uma falácia e impede o

desenvolvimento econômico, em razão de a tributação inibir a atuação do setor

privado. Mas, a maioria das obras tributárias nem sequer tratam do pagamento de

tributos como um dever fundamental, e mesmo aquelas que o fazem, e acolhem tal

visão, trabalham de forma limitada o tema.

Feitas as ponderações necessárias, segue-se adotando a concepção de que

o tributo é sim um dever fundamental. Pois, como dispõe Tipke e Yamashita (2002,

apud PAULSEN, 2014 p.21), o direito tributário em um Estado de Direito “não é

matéria de conteúdo técnico qualquer, mas ramo jurídico orientado por valores que

afeta não só a relação cidadão/Estado, mas também a relação dos cidadãos uns com

os outros”.

Em razão dessa influência do direito tributário nas relações dos cidadãos,

tem-se que o pagamento de tributos consiste em um ato de caráter solidário, e sendo

a construção de uma sociedade solidária um dos objetivos da República Federativa

do Brasil, como disposto no artigo 3º da CF/88, tal entendimento acaba sendo

utilizado como forte argumento para a compreensão do pagamento de tributos como

um dever fundamental.

Além do mais, é inegável que para o alcance do bem comum proposto pelo

Estado Democrático de Direito se carece de recursos financeiros, o que faz a

instituição de tributos necessária ao Estado para que este consiga obter recursos

financeiros, e assim, ser possibilitado de realizar suas diversas atividades.

Tendo isso como base, dispõe Paulsen (2014, p.20):

Contribuir para as despesas públicas constitui obrigação de tal modo necessária no âmbito de um Estado de Direito Democrático, em que as receitas tributárias são a fonte primordial de custeio das atividades públicas, que se revela na Constituição enquanto dever fundamental de todos os integrantes da sociedade. Somos, efetivamente, responsáveis diretos por viabilizar a existência e o funcionamento das instituições públicas em consonância com os desígnios constitucionais.

Afirmando claramente que o pagamento de tributos consiste em um dever

fundamental, nas explicações acima, Paulsen, defende que essa concepção surge

com base no texto constitucional, entendimento que também é partilhado por Torres

(1999, p.472):

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O dever de pagar tributos surge com a própria noção moderna de cidadania e é coextensivo à ideia de Estado de Direito. Tributo é dever fundamental estabelecido na Constituição no espaço aberto pela reserva da liberdade e pela declaração dos direitos fundamentais. Transcende o conceito de mera obrigação prevista em lei, posto que assume dimensão constitucional. O dever de pagar tributos é correspectivo à liberdade e aos direitos fundamentais: é por eles limitado e ao mesmo tempo lhes serve de garantia, sendo por isso o preço da liberdade.

As palavras acima de Torres são explicadas por Giannetti (2011), quem

esclarece que esse nascimento na Constituição Federal do dever fundamental de

pagar tributos no “espaço aberto pela liberdade individual”, quer dizer, na parte que

“excede à liberdade reservada pelos indivíduos no pacto social”.

Ou seja, o Estado Democrático de Direito não se limita a proteger os direitos

individuais, ele também intervém na sociedade a fim de proporcionar o

desenvolvimento social. Assim, não há, no texto constitucional, apenas dispositivos

que asseguram a liberdade, nos mais diversos âmbitos do cidadão, também existem

dispositivos que acabam por comprometê-lo com a transformação social. Não existem

apenas normas estabelecedoras de direitos fundamentais, também existem aquelas

que determinam deveres fundamentais, e dentre elas estão aquelas que tratam

acerca da tributação.

Assim, compreendendo que no Brasil o pagamento de tributos deve ser

encarado como um dever fundamental surge o questionamento de se todas as

espécies de tributos são abarcadas por essa concepção, ou se apenas uma parcela

deles.

Sabe-se que quando trata do tema em Portugal, Nabais (2004) grande

especialista no assunto, defende que apenas o pagamento de impostos, únicos

tributos não vinculados a uma atuação estatal específica dirigida ao contribuinte, é

tido como dever fundamental, sendo que as contribuições são consideradas espécies

de impostos para a doutrina e jurisprudência portuguesa.

Porém, a configuração dos tributos no Brasil não é a mesma de Portugal, o

que inviabiliza a adoção integral da visão de Nabais. Por exemplo, para o Supremo

Tribunal Federal e a doutrina brasileira majoritária, as contribuições sociais lato sensu

não se confundem com impostos, ou seja, são espécies tributárias autônomas. Por

isso, segundo Giannetti (2011), no Brasil o dever fundamental de pagar tributos não

pode alcançar apenas os impostos.

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Como bem dispõe Buffon (2007), as espécies tributárias brasileiras: Impostos,

taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições

especiais, não são definidas com um rigor terminológico, sobretudo as contribuições

sociais, que se apresentam ora como condicionadas a uma contrapartida, seja do

Estado ou de uma entidade não estatal de fins de interesse público, ora como

independentes dessa atuação, caso das previstas no caput do artigo 149 da

Constituição Federal, apesar de haver destinação previamente estabelecida ao

produto de sua arrecadação.

Dessa forma, o autor defende que no Brasil ao falar de dever fundamental de

pagar tributos devem ser considerados apenas aqueles não vinculados ou

desprovidos de bilateralidade, justamente porque, em razão de não possuírem

correspondência a direito ou benefício específico, o produto de suas arrecadações

pode ser utilizado pelo Estado brasileiro para a realização de tarefas que visem a

concretização de direitos fundamentais, como políticas públicas.

Assim, não se deve considerar o pagamento de taxas, contribuições de

melhoria, contribuição de custeio do serviço de iluminação pública, contribuições em

prol de categorias profissionais e contribuições previdenciárias pagas pelo

empregado ou pelo servidor público, apesar do caráter solidário dessas últimas, como

um dever fundamental. Pois, estes tributos já têm estabelecido, ainda que de forma

genérica, destino para o produto de suas arrecadações, não podendo, portanto,

assumir o papel de suporte financeiro necessário à concretização de políticas públicas

que visem atender os diversos direitos fundamentais.

No entanto, é importante que se tenha claro que esse posicionamento não

desconsidera a importância do pagamento desses tributos e muito menos legitima a

sua sonegação. Mas, que quando se fala em dever fundamental de pagar tributos,

refere-se apenas aos impostos e as contribuições sociais que não possuem qualquer

correspondência a um benefício específico e direito ao contribuinte.

Por fim, encerra-se o tópico enfatizando a importância do dever fundamental

de pagar tributos no Estado Democrático de Direito, e esclarecendo que o mesmo

muda a forma como se deve analisar o fenômeno tributário.

Ou seja, o pagamento de tributos como dever fundamental não deve ser visto

como um fim, mas como um meio para atingir fins. Como já dito, os tributos não

podem ser vistos como um mero sacrifício do cidadão, pois indiscutivelmente são

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contribuições legítima e necessária para que as tarefas do Estado sejam cumpridas,

dentre elas a de concretização dos direitos fundamentais

A cidadania e a Solidariedade Como Alicerces do Dever Fundamental de Pagar

Tributos

Tratada na maioria das vezes como, nas palavras de Buffon (2007, p.125):

“Direito a ter direitos numa sociedade”, no Estado Democrático de Direito, onde não

há espaço para cidadãos que reclamem para si o máximo de direitos sem que estejam

dispostos a cooperar para a efetivação deles, a Cidadania, conforme Paulsen (2014)

assume o papel de “uma vida de mão dupla”:

A cidadania pode ser definida como a qualidade dos indivíduos que, enquanto membros activos e passivos de um estado-nação, são titulares ou destinatários de um determinado número de direitos e deveres universais. (NABAIS, 2005, p.58)

Nessa concepção de cidadania, onde o dever é tido como um de seus

aspectos, e muitas vezes fator indispensável para a concretização de direitos, o

pagamento de tributos é reconhecido como um de seus deveres, conforme Buffon

(2007) o maior deles, haja vista que caso seja descumprido por parte dos cidadãos a

realização dos próprios direitos estará inviabilizada, principalmente daqueles de

natureza prestacional.

No mesmo sentido, Costa (2014) dispõe que atualmente as ideias de

tributação e cidadania estão indissoluvelmente associadas, de modo que a

contribuição para o financiamento do Estado é um aspecto do exercício da cidadania,

assim é necessário que se entenda que ser cidadão também é ser contribuinte.

Buffon (2007) segue a mesma linha de raciocínio, mas vai além, explica que

a cidadania faz sim do pagamento de tributos um dever fundamental, porém, apenas

se exercido nos estritos limites previstos na Constituição Federal. O autor defende

que, como já dito acima, ‘a cidadania é uma via de mão dupla’, e, portanto, quando

tida como alicerce do dever de pagar tributos, gera o direito de participação dos

cidadãos na tomada de decisões acerca do que se está pagando, e aqui, ele não se

refere à representação parlamentar, mas à debates com a participação de toda a

sociedade sobre os rumos da tributação e do próprio Estado.

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Quanto a isso dispõe Nabais (2005, p.59):

Os impostos constituem um assunto demasiado importante para poder ser deixado exclusivamente nas mãos de políticos e técnicos (economistas). Daí que todos os contribuintes devam ter opinião acerca dos impostos e da justiça ou injustiça fiscal que suportam, até porque a idéia de justiça fiscal não deixa de ser um conceito que também passa pelo bom senso.

De fato, o posicionamento de Buffon e Nabais é justo, principalmente quando

se fala específicamente de um Estado Democrático de Direito, que tem a participação

social como uma de suas principais características.

Assim, é preciso que se reconheça também, como decorrência lógica da

soma do dever de pagar tributos com o poder de participação do cidadão na definição

dos rumos da relação tributária, aquilo que é defendido por Button (2007): o direito

dos membros da sociedade de exigir dos outros, conforme a capacidade econômica,

que contribuam para com a coletividade. Pois, a tributação é um direito-dever da

coletividade, já que não afeta só a relação do contribuinte com o Estado, mas também

a relação dos cidadãos uns com os outros.

Fundamentando isso, Giannetti (2011) defende que no Estado Democrático

Social de Direito, para que se crie o espaço de inclusão do outro que é pretendido,

não mais predomina a ideia liberal, e sim um discurso jurídico que lança mão do ‘nós’

ao invés da singularidade. Tanto que, a República Federativa do Brasil, traz em sua

Lei Suprema, artigo 1º, a cidadania como um de seus princípios, o que demonstra

haver embasamento constitucional para o reconhecimento da cidadania como

alicerce da concepção de pagamento de tributos como um dever fundamental.

Também existe base na Constituição brasileira para aquilo que é defendido

por Giannetti (2011), a identificação da solidariedade como liame justificador do dever

fundamental de pagar tributos. Pois, a construção de uma sociedade solidária consta

expressamente na Constituição Federal brasileira, artigo 3º, como um objetivo da

República Federativa, assim como a erradicação da pobreza e da marginalização, a

redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, e tudo

isso só pode ser alcançado, conforme Araújo (2012), com a redistribuição de renda e

realização de prestações que são suportadas justamente pela coletividade, através

do pagamento de tributos, o que acaba por ser caracterizar como concretização da

solidariedade.

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Dessa forma, é importante que se destaque, apesar de Torres (2011) dispor

que é irrelevante a sua positivação ou não nas Constituições, pois a solidariedade é

sobretudo uma obrigação moral, o fato de que as mencionadas previsões

constitucionais possuem força normativa, e portanto causam efeitos tanto nas

políticas públicas a serem implementadas como nas legislações que serão editadas.

Coerentemente a isso, os tributos vêm sendo apontados como instrumentos a serviço

da política social e econômica no Brasil.

Em razão disso, Buffon (2007), afirma que é inegável a relação entre o dever

de contribuir para a sustentação dos gastos públicos e o princípio da solidariedade no

Brasil, até mesmo porque a ideia de solidariedade está intimamente vinculada à ideia

de comunidade, e o cumprimento ou descumprimento desse dever beneficia ou

prejudica a todos. Desse modo, Nabais (2005), afirma que uma das facetas da

cidadania é a solidária, a qual pode ser explicada como: o esforço do Estado e dos

cidadãos na constante inclusão de todos os membros na comunidade.

Repetindo a ideia de que há uma vinculação dos direitos à realização dos

deveres, e acrescentando, haver de ambos com os ideais de solidariedade, Nabais

(2005), apresenta duas concepções atuais de solidariedade, uma denominada de

vertical, vinculada aos direitos, e a outra denominada de horizonal, relacionada aos

deveres.

Sobre a solidariedade vertical, o autor afirma que a ideia passa pela

realização dos direitos, especialmente daqueles denominados de sociais, como a

saúde, e dos de solidariedade, exemplo do meio ambiente equilibrado. Sendo que,

por ser do Estado o dever de garantir os direitos que assegurem um mínimo de

dignidade aos seus cidadãos, cabe a ele de uma forma mais incisiva, as tarefas que

tangem aos direitos sociais.

Já quanto à solidariedade horizontal, tem-se que o Estado é comprometido

com os deveres estabelecidos na Constituição e, que a sociedade civil precisa cumprir

com o dever de solidariedade perante outros indivíduos.

Mas o fato é que, em ambas as concepções, o pagamento de tributos se faz

presente, seja de forma direta ou indireta, dando forças ao entendimento de que o

liame da solidariedade embasa o dever fundamental de pagar tributos, e este é

instrumento necessário para a efetivação dos princípios e alcance dos objetivos do

Estado.

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Nesse sentido, Buffon (2007), afirma que o dever de pagar tributos, alicerçado

na cidadania e na solidariedade, corresponde a uma decorrência inafastável de se

pertencer a uma sociedade. Pois, uma concepção acertada de cidadania passa pelo

reconhecimento de que o cidadão tem direitos, porém, em contrapartida deve cumprir

com seus deveres dentro da sociedade.

Quanto a essa relação entre direitos e deveres, Nabais (2004), conclui que,

integrante da esfera de cidadania da pessoa e pautado na solidariedade, o dever

fundamental de pagar tributos permite ou concede suporte mínimo necessário para a

realização de direitos fundamentais, tema que se aborda no tópico seguinte.

O Dever Fundamental de Pagar Tributos Como Viabilizador dos Direitos

Fundamentais Sociais

É interessante a complexa relação existente entre o dever fundamental de

pagar tributos e os direitos fundamentais. Pois, como sabido, esse dever atinge de

forma direta dois direitos fundamentais dos cidadãos: o direito à propriedade privada

e o direito de liberdade.

No entanto, demonstrando-se ser, como diz Paulsen (2014), a outra face do

Estado Democrático e Social de Direito (Estado que garante aos cidadãos direitos

fundamentais), o dever fundamental de pagar tributos também se mostra instrumento

indispensável para a efetivação dos direitos fundamentais de cunho prestacional.

É nesse sentido último sentido, inclusive, que Costa (2014, p.25) defende:

[…] vem se afirmando uma visão humanista da tributação, a destacar que essa atividade estatal não busca apenas gerar recursos para o custeio de serviços públicos mas, igualmente, o asseguramento do exercício de direitos públicos subjetivos.

Diante disso, e do fato de não poder um Estado Democrático de Direito - o

qual não visa apenas garantir a liberdade e a igualdade formal, mas também produzir

a igualdade fática - limitar o exercício da atividade financeira do Estado à sua própria

manutenção e a observância dos clássicos direitos de defesa; se demonstra ser um

dos objetivos da tributação a viabilização da concretização dos direitos fundamentais

sociais, pois estes são imprescindíveis para o alcance dos objetivos do país.

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Confirmando essa indissociação dos Direitos Sociais com o Estado Social

Democrático de Direito, Silva (2011, p.286) dispõe:

Podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais.

Ou seja, conforme o conceito trazido acima, os direitos sociais se revelam

como instrumentos de redução das desigualdades sociais, viabilizadores de um

concreto gozo dos direitos individuais, na medida em que criam condições propícias

à igualdade material e ao efetivo exercício da liberdade.

No Brasil, tem-se como direitos sociais expressos a educação, a saúde, a

alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência

social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados,

estabelecidos na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 6º, além de, outros

previstos de forma implícita também na Carta Magna, a exemplo da garantia do

mínimo existencial, e da proibição de retrocesso social; e ainda aqueles fixados em

pactos internacionais.

Esses direitos recebem proteção especial no país, pois a Constituição além

de prevê-los, classifica-os como direitos fundamentais, o que lhes concede, segundo

o artigo 5º, parágrafo 1º da Carta Magna, aplicabilidade imediata. Assim, é afastada

toda e qualquer corrente doutrinária que defenda a caracterização dos direitos sociais

como meros direitos morais, ou seja, isentos de qualquer respaldo para serem

cobrados, ao menos judicialmente.

É nesse sentido, que Araújo (2012), dispõe que, as normas que estabelecem

os direitos sociais são normas jurídicas vinculantes e que, portanto, impõem a sua

concretização.

Apesar de se ter como certo esse entendimento, não se nega a dificuldade

de concretização desses direitos, pois, é fato que, diferentemente dos direitos

fundamentais de cunho negativo, os direitos sociais, de forma geral, exigem uma

postura ativa do Estado no sentido de concretizá-los, e que essa postura depende de

recursos financeiros.

A partir dessa dificuldade, e de forma mais específica, da necessidade de

recursos financeiros para a realização de políticas públicas voltadas à concretização

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dos direitos sociais, é que se percebe o pagamento de tributos como instrumento de

transformação social no país, e se compreende a concepção de pagamento de

tributos como dever fundamental. Pois, a maior fonte do governo é originada na

arrecadação de tributos, o que é justo. Afinal, como dispõe Toro (2005, p.30): “a

sociedade também é responsável pela construção do público, ou seja, daquilo que

convém a todos, para a dignidade de todos”.

Dessa forma, como traz Paulsen (2014), o pagamento de tributos não é

simples dever voltado à construção e manutenção do aparato estatal, é uma

verdadeira responsabilidade social. O seu descumprimento inclusive, configura-se

muito mais que desrespeito a exigência legal, revela-se quebra de vínculo de

responsabilidade com a sociedade.

Pois, não há dúvidas de que uma tributação adequada, se voltada para esse

fim, consiste num meio eficiente de criar condições para a concretização dos direitos

sociais (educação, transporte, saúde, moradia, etc), e que eles contribuem para a

redução das desigualdades sociais e erradicação da pobreza e marginalização, além

de com o aumento das possibilidades de se construir uma sociedade livre, justa e

solidária; ou seja são indispensáveis para o alcance dos objetivos da República

Federativa do Brasil.

É necessário que se reconheça que esse papel, no entanto, faz com que a

carga tributária do Estado brasileiro tenha um valor significativo, já que ele assume

um papel socialmente transformador, o que lhe exige a realização de muitas tarefas.

Porém, isso não autoriza um poder ilimitado ao fisco, ou a existência de

cargas tributárias exorbitantes. Tanto que, mesmo os doutrinadores que defendem a

concepção do pagamento de tributos como um dever fundamental utilizando como

argumento a dependência de recursos financeiros para a concretização dos direitos

sociais, criticam a alta carga tributária existente no Brasil:

Raquel Machado aduz que esse custo não pode ser alto a ponto de suprimir a própria liberdade, premissa do Estado Fiscal. Para ela, mesmo o alto custo dos direitos sociais não justifica o processo que vem ocorrendo nos últimos tempos de grande amesquinhamento dos direitos do contribuinte, a pretexto da necessidade de aumento de receita para realização dos direitos sociais. (GIANNETTI, 2011, p. 185).

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Ou seja, é necessário que se lute por uma carga tributária mais justa no país,

assim como contra o alto índice de corrupção que acaba por tornar impossível a

efetivação dos direitos sociais, mesmo diante de uma alta carga tributária.

Pois, é preciso que se tenha claro que, como dispõe Giannetti (2011), que o

pagamento de tributos não deixará de ser um legítimo dever fundamental e nem a

sonegação lícita em razão desses fatores.

O que deve ser feito, portanto, diante da má aplicação das receitas

decorrentes de tributos, ou da ausência de aplicação, é cobrar de forma séria o devido

cumprimento dos deveres e das tarefas de competência do Estado.

Inclusive, como defende Giannetti (2012), uma maior participação na

construção da política fiscal e no orçamento, assim como uma maior transparência e

controle nos gastos públicos são direitos do cidadão e representam a “outra face” do

dever fundamental de pagar tributos, apesar de se apresentarem de forma tão

escassa no Brasil.

Diante desse cenário, se revela evidente a necessidade de um

amadurecimento acerca da relação tributária no Brasil, tanto por parte do Estado, que

precisa cumprir no mundo dos fatos com os deveres que lhe cabe e estão ligados

direta ou indiretamente ao seu legítimo direito de cobrar tributos; quanto por parte dos

cidadãos que necessitam aceitar o dever fundamental de pagar tributos, além de

conhecer e cobrar os direitos que lhes são possibilitados através dele.

Considerações Finais

Considerando a importância da tributação para o desenvolvimento da

sociedade e a resistência que esta sofre por parte dos cidadãos, tivemos como

pretensão na elaboração deste trabalho, analisá-la sob um novo olhar ao apresentar

o pagamento de tributos como um dever fundamental. Objetivávamos colaborar com

a identificação de um caminho que construa uma relação tributária mais harmônica

entre cidadãos e Estado, motivada pela percepção da tributação como instrumento

de transformação social.

Inicialmente achamos importante esclarecer que a concepção do pagamento

de tributos como um dever fundamental, apesar de acolhida na presente pesquisa,

não é unânime na doutrina, e que na verdade, como toda a temática dos deveres

fundamentais, ainda é pouco abordada no Brasil. Depois disso, a fim de colaborar

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com a construção da compreensão de um dever fundamental de pagar tributos,

apresentamos a ideia central dos deveres fundamentais no Estado Democrático de

Direito; E então, já tratando especificamente do pagamento de tributos enquanto

dever fundamental, elucidamos que no Brasil só se deve entender como dever

fundamental o pagamento de taxas e contribuições sociais, pois, por não serem

vinculados ou providos de bilateralidade, são estes os tributos que podem ter o

produto de suas arrecadações direcionado para a concretização dos direitos

fundamentais; trouxemos a cidadania e a solidariedade como alicerces desse dever

fundamental no modelo estatal atual sob, dentre outros, o argumento de que são

estabelecidos no texto constitucional como princípio e objetivo da República

Federativa do Brasil, respectivamente; e por fim, trabalhamos com a dependência de

recursos financeiros, e consequentemente, de arrecadação de tributos, para a

concretização de direitos fundamentais sociais, por conta de seus consideráveis

custos.

Após percorrermos esse caminho, chegamos à conclusão de que o

pagamento de tributos como um dever fundamental é realmente a concepção mais

compatível do instituto com o Estado Social Democrático de Direito, veiculado pela

atual Constituição Federal do Brasil. Pois, a tributação não só é necessária para a

própria organização de uma vida em comunidade num Estado Fiscal, como também

é indispensável para a efetivação dos princípios e alcance dos objetivos

constitucionais já que a previsão legal dos direitos não basta, a sua concretização no

mundo dos fatos exige meios materiais, de forma que, é preciso que se reconheça

que quando se fala em Estado Social Democrático de Direito, o auxílio da coletividade

é imprescindível. Por isso, ao lado dos direitos e garantias fundamentais

assegurados, existem deveres fundamentais correlatos, e o pagamento de tributos é

um deles.

Além do mais, quando se fala em Estado Democrático se presume que as

normas constitucionais, dentre elas as que dispõem sobre tributação, foram

estabelecidas e, portanto, aceitas pelos cidadãos, e os princípios e objetivos

consagrados na Constituição Federal, são tidos como verdadeiros programas de

ação, o que também acaba por consagrar direta ou indiretamente, a existência de um

dever fundamental de pagar tributos,

Apesar disso, defender o pagamento de tributos como um dever fundamental,

não é advogar em prol do Estado, como um olhar mais superficial pode sugerir. Não

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propomos aqui uma aceitação incondicional da tributação, tanto que, mesmo não os

tendo explorado (por razões meramente metodológicas), entendemos que os

problemas que envolvem a relação tributária, como a alta carga e a corrupção, são

inegáveis e precisam ser combatidos.

A nosso ver, o reconhecimento da tributação como um dever fundamental é

na verdade, uma ação de defesa da sociedade, já que, como dito, a tributação é o

sustentáculo do Estado prestacional brasileiro e os direitos constitucionais sociais

exigem atividades estatais que oneram os cofres públicos. Destacamos, inclusive,

que esse entendimento não traz apenas benefícios indiretos ao cidadão, como

significativa contribuição para o gozo dos direitos sociais, mas que também visa

aumentar muitos dos seus direitos diretamente relacionados à tributação, como

ampliar a sua participação na construção da política fiscal e no orçamento, e lhe

assegurar uma maior transparência e controle nos gastos públicos.

Enfim, entendemos que o acolhimento da concepção do pagamento de

tributos como um dever fundamental pode trazer grandes avanços sociais e que, em

longo prazo, é capaz de estabelecer harmônia entre fisco e contribuintes, mas apenas

se acompanhado de um amadurecimento acerca da própria relação tributária, tanto

por parte do Estado quanto por parte dos cidadãos.

Pois, é preciso que o Estado se comprometa verdadeiramente com a

concretização no mundo dos fatos, dos deveres que, ligados ao seu legítimo direito

de instituir tributos, são de sua competência. E que os cidadãos, não só aceitem o

dever fundamental de pagar tributos, mas que conheçam e cobrem os direitos que

lhes são possibilitados através dele. Para isso, porém, se reconhece que novos

estudos e discussões acerca do tema, nos mais diversos segmentos e ângulos, são

imprescindíveis.

Referências

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LIBERDADE PROVISÓRIA NO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS E A VISÃO DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Carla Priscilla Soares Galvão

Marcondes da Silva Figueiredo Júnior

Introdução

A Liberdade Provisória é um instituto conferido pela lei, que encontra respaldo

no inciso LXVI do artigo 5º da Constituição Federal da República e se caracteriza pela

liberdade concedida pelo magistrado em caráter temporário. Dessa forma, o acusado

poderá aguardar o julgamento em liberdade com ou sem fiança, sendo assim, uma

medida que visa resguardar as garantias constitucionais de liberdade individual.

Nesse caso, deve o magistrado, de forma fundamentada, valer-se de critérios

para decidir se concede ou não a liberdade provisória ao acusado. Entretanto, existe

um caso em que é vedada a concessão de liberdade provisória, qual seja a previsão

do artigo 44 da Lei nº 11.343/2006:

Os crimes previstos nos artigos 33, caput, e §1º, e 34 a 37 desta lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direito (BRASIL, 2006).

Assim, em relação ao crime de tráfico que é o crime a ser analisado neste

trabalho, tem-se que a nova lei de drogas proíbe a liberdade provisória. Com isso,

ocasionou grande divergência entre a doutrina e a jurisprudência que discordam

sobre a vedação. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal com o objetivo de

amenizar tais discussões declarou inconstitucional a vedação a liberdade provisória

elencada no artigo 44 da Lei de Drogas.

Partindo desse pressuposto, entende-se que a proibição a liberdade

provisória implica não somente a violação ao princípio da inocência, mas também na

criação de consequências graves para o acusado. Na medida em que, o acusado

pode passar um lapso de tempo muito grande encarcerado sem motivos plausíveis,

somente pelo fato de ser acusado do crime de tráfico de drogas. E não somente isso,

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visto que ao permanecer preso cria-se um estereótipo de criminoso perante a

sociedade, podendo causar problemas morais e sociais.

Portanto, para proibir a liberdade provisória no crime de tráfico, deve-se levar

em conta o enquadramento do tipo penal e também o preenchimento de requisitos

(artigo 312 CPP), que façam com que o acusado não fique em liberdade, ou seja, os

requisitos da Prisão Preventiva.

Consoante a isso, questiona-se o porquê desse tratamento desigual entre o

crime de tráfico com os outros crimes. Essa proibição fere o Princípio da inocência

até então resguardado pela Constituição Federal? E nesse caso, quais os argumentos

do Supremo Tribunal Federal no que se refere a declaração de inconstitucionalidade

da vedação de Liberdade Provisória no delito de Tráfico de Drogas?

Para analisar o tema foi utilizado a metodologia de revisão bibliográfica

através do método qualitativo, na medida em que predominou o caráter exploratório

com a intenção de descrever e compreender as diretrizes com relação a liberdade

provisória nos crimes de tráfico de drogas, bem como melhor resolver a problemática

exposta.

Nesse contexto, o tipo de pesquisa prevalecente é a teórica, a partir da qual

analisou-se pontos relevantes, utilizando-se de embasamento teórico, a fim de

fortalecer a argumentação referente ao tema. Com relação ao método de abordagem,

aplicou-se a modalidade dedutiva, em que através das particularidades das

legislações específicas, jurisprudência e doutrina buscou-se demonstrar da melhor

maneira os posicionamentos e fundamentações teóricas acerca do assunto.

É necessário salientar que tratar de temas que abordam um direito tão

importante que é a liberdade, direito este consolidado pela Constituição Federal, é

tentar de forma humilde promover a justiça e o respeito ao ser humano, que mesmo

no papel de indiciado deve ter sua dignidade resguardada e seus direitos

assegurados.

Considerações Teóricas sobre a Liberdade Provisória

Conceito

A liberdade provisória é um instituto processual que permite ao acusado de

um crime, o direito de aguardar o curso do processo em liberdade, até que venha a

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decisão definitiva com o trânsito em julgado, este benefício pode ser concedido e

revogado a qualquer tempo, dependendo da situação do réu.

Silva (2011), afirma que a liberdade provisória nada mais é que a

materialização dos postulados de dois princípios constitucionais de relevada

importância no direito brasileiro, quais sejam a preferência pelo direito à liberdade

trazido no art. 5°, LXVI, CF, e a presunção de não culpabilidade consubstanciada no

art. 5°, LVII, CF.

Acerca do conceito de Liberdade Provisória, Feitoza (2008, p. 784) expõe

que:

Liberdade provisória é o instituto processual (medida cautelar pessoal) que substitui a prisão, se presentes determinados pressupostos de concessão e sob determinadas condições de manutenção da liberdade, cujo descumprimento acarreta a revogação da liberdade e a restauração da

prisão em flagrante.

Essa provisoriedade decorre, segundo Feitoza (2008), de algumas limitações

e condições que são impostas à liberdade do acusado, indiciado ou suspeito, e caso

as mesmas não sejam cumpridas a liberdade provisória pode ser revogada,

restaurando-se a prisão.

Alguns exemplos dessas condições podem ser comparecer ao juizado

criminal em dia e hora pré-determinado no termo circunstanciado, comparecer

quando for intimado a participar de todos os atos do inquérito policial, não se ausentar

de sua residência por mais de oito dias sem comunicar à autoridade processante o

lugar onde irá ser encontrado, etc.

Classificação

A classificação da liberdade provisória, segundo a possibilidade de

concessão, classifica-se em liberdade provisória obrigatória, permitida e proibida.

A liberdade provisória obrigatória segundo Capez (2015) é aquela que trata

de direito incondicional do acusado, independente de prestação de fiança, ou seja,

não pode ser negado a sua concessão ao acusado e não está sujeito a nenhuma

condição.

Avena (2013) dispõe sobre algumas hipóteses que acredita serem as mais

comuns e de mais ocorrências da concessão obrigatória, quais sejam as infrações de

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menor potencial ofensivo (art. 69, parágrafo único da Lei nº 9.099/1995), desde que

o acusado se comprometa ao comparecimento espontâneo a sede do juizado; porte

de drogas para o consumo pessoal (art. 48, §2°, da Lei nº 11.343/2006); acidentes de

trânsito que resultem vítimas, havendo prestação de socorro (art. 301 da Lei nº

9.503/1997).

A liberdade provisória permitida para Capez (2015) é aquela que ocorre nas

hipóteses em que não couber prisão preventiva, ou seja, quando não estiverem

presentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão, o juiz deverá conceder

a liberdade provisória, e caso seja necessário, impor as medidas cautelares previstas

no art. 319 do Código de Processo Penal, observados os critérios constantes do art.

282 do mesmo diplome legal.

A última espécie é a liberdade provisória vedada, nas palavras de Capez

(2015) este tipo não mais existe. É inconstitucional qualquer diploma legal que proíba

a concessão da liberdade provisória quando ausentes os motivos que autorizam a

prisão preventiva, sendo irrelevante a gravidade ou a natureza do crime imputado ao

agente.

Neste sentido, a Lei n° 11.464/2007 revogou a proibição de liberdade

provisória para os crimes hediondos, prevista no art. 2º, II da Lei n° 8.072/1990.

Apesar do art. 44 da Lei nº 11.343/2006 proibir expressamente a liberdade provisória

para o tráfico de drogas e assemelhados, o Supremo Tribunal Federal declarou tal

dispositivo inconstitucional no julgamento do Habeas Corpus n°100872, tendo como

relator o Ministro Eros Grau, julgado pela Segunda Turma em 09 de março 2010, que

será estudado a fundo em momento oportuno.

Requisitos para a concessão da liberdade provisória

O Código de Processo Penal brasileiro não traz a aplicação da liberdade

provisória de maneira expressa, então a aplicação é realizada a luz da ausência dos

requisitos trazidos nos artigos 311 e 312 do CPP, que autorizam a prisão preventiva

dos indiciados, bem como, com a aplicação de outros dispositivos dispersos na

legislação que aludem sobre o benefício (BRASIL, 1941).

É valido frisar que a concessão deste instituto não é uma faculdade do jui.,

Nas palavras de Avena (2013) essa permissividade refere-se à possibilidade que

assiste ao magistrado de decidir de acordo com seu livre convencimento e com a

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motivação devida sobre a presença dos requisitos legais que autorizam a concessão

deste benefício. Assim, estando todos os requisitos presentes, o deferimento se

impõe, não havendo discricionariedade judicial de concedê-lo ou não nessa hipótese.

Considerando as modificações estabelecidas pela Lei n°12.403/2011, a

liberdade provisória pode ser concedida em vários casos (BRASIL, 2011).

O primeiro é quando existem indicativos de que o agente praticou a infração

penal abrigado por excludentes de ilicitude, o que autoriza ao juiz de forma

fundamentada a conceder a liberdade provisória, desde que o indiciado compareça a

todos os atos processuais, sob pena de revogação, como disposto no Código de

Processo Penal no artigo 310 (BRASIL, 1941).

Este dispositivo dispõe sobre a hipótese em que os elementos trazidos no

auto de prisão em flagrante, são um indicativo de que o agente praticou o fato

amparado de excludentes de ilicitude, que segundo o artigo 23 do Código Penal são

estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e

exercício regular do direito.

Pantano (2007) acentua que, independente do caráter afiançável ou

inafiançável do crime cometido pelo agente nesta condição, deverá o juiz conceder a

liberdade ao agente. O autor ainda continua afirmando que a concessão da liberdade

provisória, aqui, submete ao agente beneficiado à obrigação de comparecer a todos

os atos processuais, sob pena de revogação, e por essa razão é intitulada de

liberdade provisória vinculada.

Neste sentido, Marques (1997) comenta sobre essa vinculação e, segundo

sua construção dissertativa, não há dúvida de que existem restrições na liberdade

provisória, e que estas constituem providências cautelares de vinculação do indiciado

ao processo, porém esse aspecto é secundarista, pois, o que predomina é a

possibilidade de que o réu tem de estar solto, e exercer seu direito de defesa em

liberdade.

Desta forma, parece claro que a liberdade provisória que se fundamentou nas

excludentes de ilicitude deve estar condicionada unicamente ao cumprimento da

obrigação de comparecer a todos os atos, diferentemente do que se impõe o art. 321

do CPP que prevê a possibilidade de serem impostas medidas cautelares diversas

da prisão, nos quais se inclui a fiança (BRASIL, 1941).

Neste mesmo contexto, Avena (2013) traz um questionamento interessante

sobre as excludentes de culpabilidade, como por exemplo a embriaguez fortuita

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completa, a coação moral irresistível, o erro de proibição e a inexigibilidade de

conduta diversa. Sobre a possibilidade de concessão de liberdade provisória nesses

casos, que não foram previstos no art. 310, parágrafo único do CPP, mas que também

conduzem ao entendimento de que ao final do processo criminal o indiciado não será

privado da liberdade.

Para Avena (2013), não há justificativa plausível em aplicar este benefício

apenas para aqueles que as evidências apontam ter agido em legítima defesa, pois,

os que agiram abrigados pelas excludentes de ilicitude também terão sua liberdade

garantida no final do processo criminal.

O segundo caso de concessão de liberdade provisória é quando, embora o

crime seja afiançável, o agente flagrado não possui condições econômicas para pagar

a fiança, e o sujeito neste caso ficará obrigado a cumprir obrigações contastes no

artigo 327 e 328 do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941).

Considera-se pobre segundo o art. 32, § 1, do CPP a pessoa que se privaria

dos recursos indispensáveis ao seu sustento e da família, caso provesse as despesas

do processo (BRASIL, 1941).

Essa hipótese de liberdade provisória também é vinculada, pois o juiz ao

concedê-la deve condicionar o benefício as obrigações previstas nos artigos 327 e

328 do CPP, e dependendo das peculiaridades, o juiz poderá também condicionar a

concessão ao cumprimento de outras medidas cautelares e alternativas, como bem

disposto no artigo. É possível assim entender que a primeira parte é condição ao

benefício de forma obrigatória, já a segunda é facultativa e vai ser aplicada de acordo

com o caso concreto.

A terceira possibilidade de concessão e a mais abrangente, é a liberdade

provisória para os casos em que estão ausentes os fundamentos da prisão

preventiva, consubstanciada no art. 321 do Código de Processo Penal, que impõe

caso sejam necessárias as medidas cautelares previstas no artigo 319 do mesmo

diploma legal (BRASIL, 1941).

Essas medidas cautelares acima aludidas serão impostas com observância

do critério de proporcionalidade (necessidade e adequação), constantes no art. 282

do CPP, como bem mencionado, e a benesse será concedida ao indiciado

independente do crime cometido e de sua primariedade ou reincidência (BRASIL,

1941).

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Távora e Alencar (2011) exprimem de forma conclusiva que a liberdade

provisória é concedida pela autoridade policial nas infrações que sejam de sua alçada,

pela autoridade judicial, com ou sem fiança e ainda podendo acumular-se com outras

medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do CPP, bem como

entender que não se faz necessário impor qualquer condição para a concessão de

liberdade provisória.

Proibição da Concessão de Liberdade Provisória no Crime de Tráfico de Drogas

e o Posicionamento do STF

A Liberdade Provisória é uma medida de contracautela que substitui a prisão

em flagrante, desde que o acusado preencha certos requisitos, ficando o mesmo

sujeito ou não ao cumprimento de certas condições.

Nesse Sentido, entende-se que cabe ao Juiz de maneira fundamentada

explanar se concede ou não a Liberdade Provisória ao acusado. Dessa forma, deve

ser respeitada o cumprimento de algumas condições que sejam aquelas elencadas

no artigo 312 do Código de Processo Penal, seja o critério de necessidade,

idoneidade e adequação da medida, em cada caso concreto, valendo-se sempre dos

princípios da razoabilidade e proporcionalidade, que trata sobre a ponderação dos

bens em conflito.

Consoante a isso, existem alguns crimes que sofreram a vedação a

concessão da liberdade provisória, dentre eles está o crime de tráfico de drogas, que

se encontra entre os crimes hediondos. Desse modo, a Lei de Drogas nº 11.343 /2006

– fixou em seu artigo 44 a vedação a liberdade provisória “Os crimes previstos nos

artigos 33, caput, e §1º, e 34 a 37 desta lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis,

graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em

restritivas de direito” (BRASIL, 2006).

Esta vedação também foi feita pela Carta Magna de 1988, em seu art. 5º,

XLIII, que estabeleceu ser inafiançáveis, além de outros, o ilícito de drogas (BRASIL,

1988). A partir dessa vedação, começou-se a surgir divergências doutrinárias com

relação a ser certa ou errada essa proibição.

De acordo com o Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus nº 86814, São

Paulo, relator Ministro Joaquim Barbosa, publicado em 29 de novembro de 2005:

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HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. LIBERDADE PROVISÓRIA. VEDAÇÃO. LEI 8.072/1990, ART. 2º, II. DECRETO DE PRISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. PRAZO DA PRISÃO DEVIDAMENTE JUSTIFICADO PELAS CIRCUNSTÂNCIAS DO PROCESSO. A vedação à concessão do benefício da liberdade provisória prevista no art. 2º, II, da Lei 8.072/1990 é fundamento suficiente para o impedimento da concessão do benefício ao paciente. A demora na tramitação do processo é justificada pela complexidade do feito, dada a necessidade de expedição de precatórias para oitiva de testemunhas e a presença de vários réus com procuradores distintos. Ordem denegada.

É evidente que até mesmo o Supremo Tribunal Federal em primeiro momento

concordou com absoluta vedação, por isso, segundo o mesmo deveria ser mantida a

vedação a concessão da Liberdade Provisória nos crimes de Tráfico de Drogas.

Entretanto, não foi suficiente para que resolvesse os problemas com relação a esse

assunto. O que posteriormente, o Supremo Tribunal Federal percebeu que violava

sim, princípios constitucionais, ficando superado o posicionamento de que não deve

ser concedido a Liberdade Provisória no crime de Tráfico de Drogas.

Diante da posição do Supremo Tribunal Federal, tem-se Habeas Corpus, nº

100872, relator Ministro Eros Grau, Segunda Turma, julgado em 09 de março 2010:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. PRISÃO EM FLAGRANTE. GRAVIDADE DO CRIME. REFERÊNCIA HIPOTÉTICA À POSSIBILIDADE DE REITERAÇÃO DE INFRAÇÕES PENAIS. FUNDAMENTOS INIDÔNIOS PARA A CUSTÓDIA CAUTELAR. VEDAÇÃO DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA AO PRESO EM FLAGRANTE POR TRÁFICO DE ENTORPECENTES [ART. 44 DA LEI N. 11.343/06]. INCONSTITUCIONALIDADE. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ARTS. 1º, III, E 5º, LIV E LVII, DA CB/88. 1. A jurisprudência desta Corte está sedimentada no sentido de que a gravidade do crime não justifica, por si só, a necessidade da prisão preventiva. Precedentes. 2. A referência hipotética à mera possibilidade de reiteração de infrações penais, sem nenhum dado concreto que lhe dê amparo, não pode servir de supedâneo à prisão preventiva. Precedente. 3. A vedação da concessão de liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpecentes, veiculada pelo artigo 44 da lei n. 11.343/06, consubstancia afronta escancarada aos princípios da presunção da inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana [arts. 1º, III, e 5º, LIV e LVII, da CB/88]. Daí a necessidade de adequação desses princípios à norma veiculada no artigo 5º, inciso XLII, da CB/88. 4. A inafiançabilidade, por si só, não pode e não deve constituir-se em causa impeditiva da liberdade provisória. 5. Não há antinomia na Constituição do Brasil. Se a regra nela estabelecida, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade, sendo a prisão a exceção, existiria conflito de normas se o artigo 5º, inciso XLII estabelecesse expressamente, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória. Nessa hipótese, o conflito dar-se-ia, sem dúvida, com os princípios da dignidade da pessoa humana, da presunção de inocência, da ampla e do devido processo legal. 6. É inadmissível, ante tais garantias constitucionais, possa alguém ser

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compelido a cumprir pena sem decisão transitada em julgado, além do mais impossibilitado de usufruir benefícios da execução penal. A inconstitucionalidade do preceito legal é inquestionável. Ordem concedida a fim de que a paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Sendo esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal, é evidente que a

vedação a concessão da Liberdade Provisória nos crimes de Tráfico de Drogas é uma

afronta ao Princípio da Inocência e até mesmo da isonomia. Visto que, somente pelo

fato de serem acusados do crime de tráfico o réu terá que sofrer as consequências

dessa proibição preso. Com isso, podendo sair da Cadeia pior com grandes sequelas,

psíquicas e morais, pelo decurso em que ficou preso.

Esse posicionamento foi reafirmado em diversos julgados do Supremo

Tribunal Federal. Dentre as muitas decisões do aludido Tribunal, podemos citar o

Habeas Corpus, nº 99278, Relator Ministro Eros Grau, Segunda Turma, julgado em

04 de maio de 2009, onde o Pretório Excelso se manifestou pela inconstitucionalidade

do art. 44 da lei nº 11.343/2006 a teor dos princípios erigidos na Constituição Federal,

bem como reconheceu a necessidade de indicação da situação fática para embasar

a segregação cautelar.

O julgado de 10 de maio de 2010, o Habeas Corpus, nº 104339, que teve

como relator o Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, também segue esta linha:

EMENTA: HABEAS CORPUS. 2. Paciente preso em flagrante por infração ao art. 33, caput, c/c 40, III, da Lei 11.343/2006. 3. Liberdade provisória. Vedação expressa (Lei n. 11.343/2006, art. 44). 4. Constrição cautelar mantida somente com base na proibição legal. 5. Necessidade de análise dos requisitos do art. 312 do CPP. Fundamentação inidônea. 6. Ordem concedida, parcialmente, nos termos da liminar anteriormente deferida.

Outro exemplo está contido no julgamento do Habeas Corpus n° 100742,

realizado em 03 de novembro de 2009, tendo como Relator o Ministro Celso De Mello,

Segunda Turma, que alega de forma assertiva que não se decreta prisão cautelar,

sem que haja real necessidade de sua efetivação, sob pena de ofensa ao status

libertatis.

Assim, acertado é o entendimento do STF que se posicionou de maneira a

pacificar esse entendimento, com o objetivo de que Princípios Constitucionais sejam

respeitados. Ademais, a regra deve ser a liberdade, constitucionalmente assegurada

como decorrência a estes princípios citados acima, sendo que qualquer indivíduo

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somente poderá ser privado desta garantia fundamental após o trânsito em julgado

de sentença penal condenatória.

Resta claro, que esses julgamentos corroboram entre si no que se refere a

regra da liberdade, e o respeito aos direitos e garantias constitucionais. Não se pode

olvidar, que o Direito está em constante mutação, e esses julgados contribuem para

a forma assertiva de como os casos concretos devem ser tratados de forma que se

mantenham o devido processo legal, e o respeito à dignidade da pessoa humana.

Princípios Constitucionais Violados

No que se refere a negação da concessão de liberdade provisória para os

réus em processo de tráfico de drogas são vários os autores e julgados que citam

diversos princípios constitucionais violados, os mais importantes e destacados neste

estudo são os de grande notoriedade na maior parte dos estudos pesquisados. Os

princípios a serem estudados serão o princípio do devido processo legal, o princípio

da dignidade da pessoa humana e o princípio da presunção de inocência.

A garantia ao devido processo legal está consubstanciada no artigo 5°, inciso

LIV, da Constituição Federal que afirma que “Ninguém será privado da liberdade ou

de seus bens sem o devido processo legal” (BRASIL, 1988).

Lenza (2014), afirma que este princípio sob o óbice material deve ter sua

aplicação galgada em três parâmetros, quais sejam a necessidade, ou por alguns

denominada de exigibilidade, que determina se a adoção da medida que possa

restringir direitos, no caso a prisão, é indispensável para o caso concreto, e se não

há outra medida menos gravosa para substituí-la, a adequação, que significa que o

meio escolhido deve atingir o objetivo perquirido e a proporcionalidade em sentido

estrito, que sendo a medida necessária e adequada, deve-se investigar se o ato

praticado, supera a restrição a outros valores constitucionalizados.

Em outras palavras, o autor pretende afirmar que para o devido processo

legal ser respeitado, os atos praticados durante a persecução processual devem ser

necessários, adequados ao caso concreto e proporcionais a ação do agente, o que

não se aplica a negação a liberdade provisória no crime de tráfico de drogas, pois

apenas o fato de este crime ser hediondo, por si só não autoriza a prisão do indiciado,

devem ser preenchidos os requisitos, para que o indivíduo perca a liberdade.

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O princípio da presunção da inocência também está na Carta Magna no Artigo

5°, inciso LVII que diz “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado

de sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988).

Para Paulo e Alexandrino (2012), este princípio se trata de uma garantia

processual penal, para garantir que o indivíduo seja considerado inocente até o

transito em julgado, e que seja mantida a sua liberdade, cabendo ao Estado provar

sua culpabilidade. Em decorrência deste princípio, existe o princípio do in dubio pro

réu, que se caracteriza pela interpretação das leis penais ou na capitulação do fato,

quando houver dúvida, na escolha daquela que mais for favorável ao réu.

Vale frisar, segundo Dantas (2015), que este princípio impede a prisão do réu

antes do transito em julgado da sentença penal condenatória. Há assim, a

possibilidade de prisão processual, caso o indiciado preencha os requisitos do artigo

312 do Código de Processo Penal.

No tocante a este princípio, sua violação está no fato de que o mesmo garante

a liberdade do indiciado, que não preenche os requisitos, e a negativa de liberdade

provisória fere o seio dessa garantia constitucional.

A garantia a dignidade da pessoa humana está fixada no artigo 1°, inciso III,

da Constituição Federal, esse direito constitui um dos fundamentos do Estado

Democrático de Direito, e está implícito em outros dispositivos, como no que proíbe a

tortura ou a inviolabilidade de consciência ou de crença, ou seja, este é um princípio

basilar para todo o direito brasileiro (BRASIL, 1988).

Sarlet (2001, p. 60) bem define a dignidade da pessoa humana:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.

Este princípio analisado sob o óbice penal, ganha extrema importância no

escopo processual, pois a vedação a liberdade de maneira abusiva pode gerar

consequências inimagináveis. Se a prisão é a exceção no processo penal e uma

medida extremista, o Direito como uma ciência e seus intérpretes devem

incessantemente lutar para que abusos e erros não levem os indiciados a prisão.

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Assim, pode-se perceber que podem existir sim outros princípios violados

quando a liberdade é negada ao indiciado por crime de tráfico de drogas, pois a

liberdade envolve muitos direitos do cidadão e é a medida mais extrema a ser adotada

pelo julgador, mais estes princípios brevemente abordados são os que são violados

de forma brutal e gritante.

Considerações Finais

Diante do exposto, infere-se que não há melhor entendimento que aquele que

proporcione a liberdade provisória nos crimes de tráfico de drogas, ao indiciado que

não preenche os requisitos que autorizam a prisão provisória.

Este posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, vai de encontro

ao seio das garantias Constitucionais, que como bem destacadas no trabalho garante

o direito ao devido processo legal, resguarda o princípio da inocência e da dignidade

da pessoa humana.

Em linhas mais simples, é importante frisar que a regra no ordenamento

jurídico brasileiro é a liberdade, e as consequências do descumprimento deste

preceito basilar pode causar danos incalculáveis ao acusado e sua família, de

natureza social, emocional, empregatícia, como tantos outros.

O que se demonstra interessante, e que mesmo com a criação de uma

legislação que cerceasse esse Direito tenha sido sancionada, há ainda mecanismos

que permitem que esse direito volte a vigorar, que é o caso do novo entendimento do

Supremo Tribunal Federal, que é a corte Suprema e orienta as tomadas de decisões

de órgão julgadores hierarquicamente inferiores em grau de jurisdição.

Dessa forma, a interpretação que parece ser a mais correta é a de que há

possibilidade de se conceder a liberdade provisória, seja a delitos hediondos e os a

eles equiparados, como é o caso do trágico de drogas.

Este trabalho é de grande relevância ao Direito, pois demonstra as mutações

e possibilidades que existem nessa ciência, que vai mudando seus preceitos e sua

maneira de interpretar e julgar as pessoas e seus atos, para que acima de tudo o

respeito e a dignidade do ser humano sejam mantidos, e que as consequências do

cometimento de qualquer ato contrário a lei sejam na medida da culpabilidade do

agente.

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Referências

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______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 99278. São Paulo, relator Ministro Eros Grau, publicado em 04 de maio de 2009. Disponível em: < http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4317232/medida-cautelar-no-habeas-corpus-hc-99278>. Acesso em: 10 nov. 2015. ______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 104339. São Paulo, relator Ministro Gilmar Mendes, publicado em 10 de maio de 2010. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22869940/habeas-corpus-hc-104339-sp-stf>. Acesso em: 15 nov. 2015. ______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 100742. Ponta Porã, relator Ministro Celso de Mello, publicado em 03 de novembro de 2009. Disponível em: <http://tj-ms.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6181700/habeas-corpus-hc-30136-ms-2009030136-3/inteiro-teor-12318516>. Acesso em: 18 nov. 2015. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2015. FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria crítica e práxis. 5. ed. Niterói (RJ): Impetus, 2008. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas (SP): Bookseller, 1997. PANTANO, Luís Artur Ferreira. Lei dos crimes hediondos e liberdade provisória: fundamentos constitucionais e entendimentos jurisprudenciais. São Paulo: Lemos e Cruz, 2007. PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 8. ed. Rio de Janeiro: Método, 2012. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. SILVA, Bruna de Castro e. Tráfico de drogas: liberdade provisória após a lei 12.403/2011. São Paulo: Atual, 2011. TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal: de acordo com as Leis 12.403/11 (reforma do CPP), 12.432/11 e 12.433/11. 6. ed. Salvador: Editora Juspodvm, 2011.

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APORTES DA TEORIA LITERÁRIA PARA O DIREITO OU COMO SUPERAR O

ISOLAMENTO DISCIPLINAR

Nayana Guimarães Souza de Oliveira

Introdução

A teoria da complexidade, defendida pelo teórico francês Edgar Morin, é

amplamente aceita como modo de fazer ciência, no paradigma da pós-modernidade,

entendida esta como uma “superação”1 do pensamento moderno, compartimentado,

especializado, fragmentado, centrado nas ciências da natureza e desvalorizador das

ciências do homem.

Esta “superação” se deveu ao que Morin (2005, p. 16) chamou de “lado mau”

da ciência, caracterizado pelo progresso dos conhecimentos científicos, contraposto

ao também progresso da ignorância; pelo avanço dos benefícios científicos, ao qual

correspondeu o avanço de seus aspectos nocivos; e por fim, pela melhoria dos

poderes da ciência, que caminhou ao lado da impotência dos cientistas sobre os

poderes criados.

Para entender um pouco melhor como se firmou o novo paradigma, vale a

pena incursionar, brevemente, na escrita de Pablo Gonzalez Casanova (2006),

segundo o qual, a Idade Moderna caracterizou-se por, cada vez menos, esforçar-se

para vincular os conhecimentos acerca da natureza e da humanidade. O homem era

visto como algo fora e além da natureza. Se, por um lado, isto permitiu um avanço

científico nunca antes visto, também possibilitou que a ciência fosse empregada

contra o interesse da humanidade, como um todo.

Gonzalez (2006, p. 17) demonstra este argumento com muita precisão:

A nunca suficientemente exaltada “ciência econômica” – única das ciências sociais a que se concede o Prêmio Nobel – construiu matrizes não confiáveis tanto do ponto de vista matemático quanto do ponto de vista científico. Manipulou variáveis que não eram as determinantes das mudanças macroeconômicas que seus autores declaravam buscar, mas somente de efeitos buscados e ocultados, funcionais para a maximização de utilidades

1 Há autores, como Boaventura de Sousa Santos, que criticam a escolha do termo “pós-modernidade”, por ser inadequada. Segundo o autor (2006, p. 26), a inadequação se dá porque define o novo paradigma pela negativa, e também porque pressupõe uma sequência temporal, o que não ocorre. O presente artigo não se prende a esta discussão, embora reconheça a crítica, bastante pertinente, do professor português.

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dos oligopólios. A “ciência econômica”, como as “ciências exatas”, deu um lugar secundário e inconseqüente aos “efeitos colaterais” de seus descobrimentos. Não só os declarou “efeitos não buscados”, mas também ignorou e negou – elegantemente- que foram efeitos buscados. Até mesmo durante a Segunda Guerra Mundial, para legitimar seu auto-engano, esqueceu os vínculos de suas pesquisas com o complexo científico-militar-empresarial organizado para ganhar a guerra, dominar o mundo e incrementar a acumulação de capitais.

Pois bem, o que Morin e Gonzalez defendem, basicamente, é a superação

deste modelo, o primeiro considerando o problema fundamental da complexidade, e

o segundo abordando, de um ponto de vista histórico, o desenvolvimento da

interdisciplinaridade à complexidade.

Segundo Casanova (2006, p. 19) o termo “interdisciplina” surgiu, pela primeira

vez, em 1937, manejado pelo sociólogo Louis Wirtz, no contexto da década de 1930,

quando iniciou um movimento para aproximar ou extinguir as fronteiras disciplinares.

Mas o que isto significa? Em breves palavras, trata-se de formar especialistas na

solução de um problema, independentemente de quais disciplinas são utilizadas para

isto. Citam-se, como exemplos, o caso dos geógrafos e dos geólogos especialistas

no estudo de determinado espaço. O termo, na acepção do autor, invoca as “novas

divisões e cooperações das especialidades e dos especialistas” (2006, p. 21).

Ainda, esclarece que, mais ou menos desde a Segunda Guerra Mundial, em

meados do século XX, ganhou corpo um movimento múltiplo, identificado com o

surgimento das “novas ciências”, “(...) identificadas com os sistemas auto-regulados

e complexos e com as novas concepções do caos, significou muito mais que a mera

tentativa de resolver problemas de cooperação ou de interseção de distintas

disciplinas”(2006, p. 30).

Trata-se da perspectiva do “estudo da interdisciplina como complexidade, e o

de novos sistemas auto-regulados e abertos como sistemas nos quais a descrição,

explicação e construção não se definem nas formas deterministas ou probabilísticas

do passado, e sim por interação dos componentes” (2006, p. 49).

A temporização desse movimento em consonância com a Segunda Guerra

Mundial não vem do acaso: o autor cita que as organizações para a defesa e ofensiva

na Segunda Guerra Mundial eram autênticos complexos, até então desconhecidos –

“A busca das combinações ótimas, entre múltiplas variáveis que interatuam na

modelação de cenários para a tomada de decisões, conseguiu resultados bastante

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efetivos para a preparação e realização de ações complexas organizadas”(2006, p.

51).

O pensamento complexo, segundo Morin, é um desafio e uma motivação para

o pensamento, e não uma receita para fabricar teorias; ele não busca a completude,

pois aceita e se propõe a lidar com a incompletude do conhecimento. Em linhas

gerais, o pensamento complexo busca a superação do pensamento mutilante.

O desafio da complexidade não pára por aí. Impõe-se, também, a

consideração do mundo em que se vive, e isto talvez seja o mais importante do que

diz respeito ao pensamento complexo, sobretudo no âmbito do Direito. Diz Gonzalez

(2006, p. 52):

Para a reflexão sobre esse problema constrangedor é necessário seguir um caminho que saia da “escola” ou do “laboratório” e vá além dos limites de uma interdisciplina que não coloque os problemas do todo, ou de pressupostos críticos que se proponham a abordar os problemas de todos e do todo, mas sim a mediação das construções conceituais reais dos sistemas

complexos e dos conceitos correspondentes.

Postas estas informações iniciais, e é importante dizer que não se pretende,

neste artigo, esgotar ou resumir a teoria da complexidade ou os ensinamentos de

Gonzalez, é possível seguir para o objeto deste, qual seja, o isolamento do Direito

enquanto ciência.

O Acastelamento do Direito enquanto Disciplina e a Qualidade da Pesquisa

Marcos Nobre (2009) afirma que a pesquisa em Direito, no Brasil, está em

relativo “atraso” em relação à das demais disciplinas das ciências humanas,

propondo-se a responder porque o Direito, como disciplina acadêmica, não

acompanhou o crescimento qualitativo da pesquisa científica em ciências humanas

no Brasil, nos últimos trinta anos (2009,p. 4)

O autor pressupõe que a pesquisa brasileira em ciências humanas alcançou

patamares internacionais, e o Direito, por outro lado, não acompanhou tal crescimento

em qualidade, embora o tenha feito em quantidade.

Um dos fatores apontados por Nobre (2009) é o isolamento do Direito em

relação às demais disciplinas das ciências humanas, bem como a confusão existente

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entre a prática profissional e a pesquisa acadêmica. Acrescenta, ainda, o fato de o

Direito ter se identificado com o exercício do poder político no Brasil, historicamente.

Ainda conforme o autor, os cientistas sociais costumam olhar para o Direito

com alguma reserva quanto à sua produção teórica, e por outro lado os

pesquisadores desta área vêem a produção dos demais ramos das ciências humanas

como externas ao seu objeto de pesquisa.

Além disso, o ensino em Direito no país pecaria por amalgamar o ensino da

prática e da teoria jurídicas. O ponto mais interessante do artigo de Nobre (2009) é a

citação de um caso afeto à nomeação de um Juiz para a Suprema Corte americana.

O trecho vale a citação, embora um pouco longa:

Gostaria de iniciar a discussão sobre a relação entre prática profissional e teoria jurídicas pelo relato que nos deu David Luban da controvérsia em torno da indicação do juiz Robert Bork para a Suprema Corte norte-americana por Ronald Reagan, em 1987. Bork era um conservador proeminente, conhecido por suas críticas virulentas ao direito à privacidade e à legislação concernente aos direitos civis. Uma intensa campanha pública foi desencadeada contra a sua indicação, o que teve eco na sabatina e nas discussões e deliberações do Senado americano.

O aspecto que me interessa na história – e que também é o centro da argumentação de Luban – é o testemunho em favor de Bork do conhecido professor de Yale, George Priest, cuja argumentação pode ser resumida da seguinte maneira. Ele afirmou que, de fato, os trabalhos acadêmicos de Bork defendiam posições extremadas, mas que isso não tinha qualquer relação com a sua atividade como magistrado, pois um magistrado deve ser moderado e respeitador da autoridade da jurisprudência. Ao colocar-se a favor da nomeação do colega, porém, Priest coloca-se simultaneamente contra a renovação do seu contrato em Yale, exatamente porque, como juiz, Bork teria de abandonar o ponto de vista radical de seus trabalhos acadêmicos em prol da abordagem incremental da lógica jurisprudencial.

Para o autor, no Brasil, ocorre o mesmo: o advogado é contratado para

defender um cliente e, como tal, deve achar argumentos que embasem a construção

de uma tese jurídica que favoreça o seu cliente; o parecerista, por sua vez, é

contratado para emitir um parecer, ou seja, para defender uma tese, teoricamente

sem interesse ou qualquer influência de estratégia advocatícia. Isto, contudo, não

ocorre, na opinião do autor: o parecerista acaba por emitir pareceres favoráveis ao

seu cliente, não recolhe todos os argumentos possíveis, mas apenas os que são

favoráveis ao seu patrocinador. Isto resulta, é claro, de uma confusão acerca da

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prática profissional e da pesquisa, bem como das diversas vertentes de cada uma

delas.

Ele propõe um entendimento científico do direito a partir de outras

perspectivas, como da sociologia, da história e da filosofia, a fim de enriquecer a

perspectiva disciplinar, ampliando o conceito da dogmática jurídica, “de modo que os

pontos de vista da sociologia, da história, da antropologia, da filosofia ou da ciência

política não sejam exteriores, tampouco ‘auxiliares’, mas se incorporem à

investigação dogmática como momentos constitutivos” (2009, p. 19).

Conclusão: Algumas Mudanças Necessárias

O ensino jurídico no Brasil, de fato, carece de amadurecimentos. Em primeiro

lugar, porque é inevitável o entrosamento entre conceitos, institutos e elementos das

ciências, sobretudo na realidade contemporânea.

Um exemplo claríssimo disso é a edição recentíssima da Lei nomeada de

“Marco Civil da Internet”, Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, que impõe ao jurista

– técnico ou acadêmico - a árdua tarefa de entender e aplicar conceitos como

endereço IP, administrador de sistema autônomo, registro de conexão, entre outros,

próprios da área técnica da informática.

Entender do assunto é e será uma necessidade para o campo do Direito: isto

é inegável, e o tema já foi bem exemplificado na prática forense, com duas

recentíssimas decisões judiciais determinando o bloqueio do aplicativo Whatsapp, por

não colaborar com investigações criminais. Segundo consta nas reportagens

jornalísticas, a defesa do Whatsapp é no sentido de que a mesma não possui as

informações requestadas, o que suscitou questionamentos acerca da aplicação da lei

nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Não é demais supor, também, que as decisões

suscitariam diversos outros questionamentos, pois que a decisão também afetou

direitos de terceiros2.

O que mais chama atenção, contudo, é o despreparo em pesquisa com que

muitos bacharéis em Direito deixam a faculdade. E neste ponto, concorda-se com

2 Diversas fontes manifestaram-se sobre as decisões: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/05/1766869-justica-determina-bloqueio-do-whatsapp-em-todo-o-brasil-por-72-horas.shtml>; <http://www.bbc.com/portuguese/brasil/2016/05/160503_whatsapp_fim_bloqueio_fs_rm>; entre outros

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Nobre (2009): os estudantes formados em instituições com ensino de qualidade saem

prontos para exercer a técnica jurídica, mas sem preparo – e até mesmo sem

conhecimento teórico suficiente – para a pesquisa. Isto talvez se deva, grande parte,

à falta de contato com outras áreas do conhecimento, que podem ser úteis e

enriquecedoras.

É cediço que os fenômenos culturais não se restringem a uma determinada

área. Por exemplo, o que se convencionou chamar “modernismo” resvalou nas artes,

na literatura, na pintura – e, porque não? – no Direito. A mudança paradigmática para

o pós-modernismo, igualmente. Parece, entretanto, que o conhecimento acerca de

quais desses panos de fundo estão por detrás de certa teoria jurídica não chegam à

consciência do estudante de Direito, talvez apenas tardiamente o façam, e muitas

vezes nunca.

Exemplifica-se. Ao fazer parte de uma disciplina como aluna especial no

Mestrado em Letras, da Universidade Federal do Tocantins, nominada “Teoria da

Literatura Contemporânea”, ministrada pela Professora Doutora Valéria da Silva

Medeiros, na aula do dia 4 de maio de 2016, foi feita a seguinte provocação: “quando

se pensa no Renascimento, o que vem à cabeça?”. Imediatamente, pensou-se na

imagem do quadro “O nascimento de Vênus”, de Sandro Botticelli. Em seguida, a

mesma provocação foi feita com relação ao Iluminismo, e foram invocados os teóricos

deste movimento.

As ligações entre a arte, e a literatura da época, bem como o caminho até a

literatura contemporânea, marcada, assim como todos os campos do conhecimento,

pela incerteza, e a existência de verdades plurais e efêmeras, foi traçado. Mas este

não foi o ensinamento mais importante: foi bastante relevante o modo como se

ensinou, já que, muitas vezes, a conexão com outras áreas é importante para

compreender a própria área que determinada se propôs a pesquisar. Com certeza, a

imagem de Vênus é mais caricaturesca que qualquer texto do Direito, em relação ao

período do Renascimento, assim como, ao se pensar na modernidade, é possível

pensar em estradas de ferro, chaminés faiscantes, para em seguida relembrar o que

tudo isto significa em termos de dogmática jurídica.

Também é sobremodo importante dizer como, ao estudar a Literatura

contemporânea – ou, se preferir o leitor, pós-moderna- é possível visualizar

claramente a mudança de paradigma, caracterizada pelas narrativas com diversos

enredos, sem necessários começos-meios-e-fins deste modo colocados. No romance

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policial, que é o mais estudado na disciplina, observa-se como o investigador

moderno – ao estilo Sherlock Holmes ou mesmo Dupont – transmudam-se no

Lonnrot, de Jorge Luís Borges, ou no Guilherme de Baskerville, de Umberto Eco, a

retratarem o pós-moderno.

O personagem de Borges, em “A morte e a bússola”, o detetive Lonnrot, é

chamado a desvendar uma série de assassinatos, organizados logicamente; no

entanto, quando está prestes a prender o responsável pelos assassinatos, acaba por

descobrir que a trama o atraiu para uma armadilha.

A armadilha engendrada para atraí-lo “nasceu” do acaso, o que, para o herói

modernista, significa a quebra de um paradigma, pois o dualismo “certo-ou-errado”

mostrou-se insuficiente para a solução de um problema.

Semelhantemente, Guilherme de Baskerville, em “O nome da Rosa”, propõe-

se a desvendar um mistério que, ao final, não guardava relação com todos os

elementos da investigação que ele havia colhido: em grande parte, influiu o acaso.

Já no conto “A carta roubada”, de Poe, não há qualquer influência do acaso:

Dupin encontra uma carta roubada, procurada há meses a fio pela Polícia, valendo-

se da metodologia da observação, cumprindo o papel do herói moderno.

Diferentemente de Lonnrot, o detetive de Poe acredita no poder da ciência, e não é

frustrado em suas expectativas. Tampouco o é o detetive Sherlock Holmes, que com

sua perspicácia baseada em método científico, consegue desvendar todo e qualquer

mistério que chegue às suas mãos.

Observa-se como, assim no Direito, assim na Teoria Literária, a pós-

modernidade é retratada como o lugar e o tempo da incerteza, sendo refletida em um

e na outra sem qualquer obrigação de encontrar respostas. Deveras, outras

correspondências, consensos ou dissensos, podem ser formulados a partir da análise

de diversos campos do conhecimento, enriquecendo o trabalho teórico e o campo do

conhecimento do pesquisador. Ler é necessário, e não apenas leitura técnica, pura

dogmática ou interpretação de artigos de lei: urge entender o pano de fundo que

sustentam certas visões e informações no mundo de hoje.

A discussão do moderno e do pós-moderno poderia, ainda, ser pensada a

partir de uma visita ao recém-lançado Museu do Amanhã, na cidade do Rio de

Janeiro- RJ, onde a exposição principal trata sobre aspectos do Cosmos, da Terra,

do Antropoceno, dos Amanhãs e do Nós (homens), a partir de saberes e histórias. No

local, mostra-se bem presente a discussão entre o passado recente das grandes

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descobertas científicas da modernidade, o presente, e o amanhã, ou seja, o que

desejamos para o futuro.

Estas inter-relações estão em conformidade com um paradigma de

“supercomplexidade” (SANTOS, et. Al, 2013), tratando sobre os desafios da formação

docente e da universidade. Neste contexto, a nova educação deve facilitar a reflexão,

em vez de se colocar como um treinamento de pessoas em determinada área. Para

isto, sugerem as autoras que a Universidade do presente século deve assumir a

responsabilidade pela formação de docentes reflexivos e engajados na troca de

experiências entre a Universidade e a comunidade, ressaltando a urgência de um

ensino de qualidade e consciente de seu papel social. Embora com outro enfoque, a

conclusão das autoras é a mesma a que se chega no presente artigo: é necessário

reformular o ensino e a aprendizagem, no atual contexto de supercomplexidade.

Com efeito, os exemplos colocados acima são apenas alguns dos vários que

podem ser pensados, demonstrativos de como a comunicação entre as áreas do

conhecimento pode ser rica e efetiva, podendo refletir nos trabalhos científicos em

Direito de modo a ensejar um salto qualitativo à semelhança dos demais campos da

ciência, bem como contribuir efetivamente para a superação de um pensamento

compartimentado, focado apenas em si mesmo e em seu campo teórico, rumo a uma

pesquisa capaz de se conduzir considerando a complexidade do mundo

contemporâneo.

Certamente, tais experiências contribuem para uma reflexão no âmbito do

Direito, pois a pesquisa jurídica deve servir aos homens, aos ideais de justiça, ao

mundo prático, deixando o castelo onde está erigido como uma ciência pura e “não

contaminada” para um campo aberto a contribuições de outros saberes.

Referências

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CRAIDE, Sabrina. Bloqueio de Whatsapp viola Marco Civil da Internet, diz especialista. EBC Brasil. Disponível no sítio eletrônico < http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-05/bloqueio-de-whatsapp-viola-marco-civil-da-internet-diz-especialista>, última consulta no dia 9 de maio de 2016, às 00:15 horas. DOYLE, Arthur Conan. Tradução de Áurea de Brito Weissenberg, Flávio Mello e Silva e Arnaldo Viriato de Medeiros. Memórias de Sherlock Holmes: o retorno de Sherlock Holmes; O cão dos Baskervilles. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. ECO, Umberto. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade – Rio de Janeiro: Record, 2011, formato ePub SANTOS, Janete Silva dos; PINHO, Maria José; GRANADA, Rosemeire; MEDEIROS, Valéria da Silva. A universidade e os desafios da formação docente em uma era de supercomplexidade. Disponível no sítio eletrônico <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/entretextos/article/download/14616/13891>; última consulta no dia 9 de maio de 2016, às 09:36 horas MORIN, Edgar. Tradução de Alexandre e Maria Alice Sampaio - Ed. revista e modificada pelo autor – 8ª ed. - Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. NOBRE, Marcos. Apontamentos sobre a pesquisa em Direito no Brasil. Disponível no sítio eletrônico < https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/2779>, última consulta no dia 8 de maio de 2015, às 22:34 horas. POE, Edgar Allan. Tradução de William Lagos. Assassinatos na rua Morgue e outras histórias. Porto Alegre: L&PM, 2011. SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006. WIZIACK, Júlio. Justiça determina bloqueio do Whatsapp no Brasil por 72 horas. Folha de S. Paulo. Disponível no sítio eletrônico <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/05/1766869-justica-determina-bloqueio-do-whatsapp-em-todo-o-brasil-por-72-horas.shtml>, última consulta no dia 8 de maio de 2015, às 00:04 horas. WIZIACK, Júlio. Marco Civil da Internet dá brecha a bloqueio do Whatsapp. Folha de S. Paulo. Disponível no sítio eletrônico < http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/05/1766923-marco-civil-da-internet-da-brecha-a-bloqueio-do-whatsapp.shtml>, última consulta no dia 8 de maio de 2015, às 00:08 horas Desembargador de Sergipe revoga decisão sobre bloqueio de Whatsapp. BBC Brasil. Disponível no sítio eletrônico.

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CRIAÇÃO DA AMAZÔNIA OCIDENTAL – A ZONA

FRANCA DE MANAUS

Juliana de Sá A. C. Guedes

Mario Quintas Neto

Priscila Francisco da Silva

Introdução

O presente artigo trata de um resgate jurídico, histórico e ambiental acerca

da criação da Amazônia Ocidental, na década de 1960, fruto da marcha para o Oeste

iniciada no governo Vargas. Embora não tenha sido o primeiro movimento de

ocupação e exploração comercial da região, possui significativa importância para o

ordenamento jurídico, ao transformar uma região isolada do contexto econômico

existente no sudeste, em alvo de determinadas características e incentivos próprios,

coadunados com a expectativa de colonização de um espaço entendido como um

vazio geográfico pelos governantes da época. Na elaboração deste artigo utilizamos

do estudo bibliográfico e documental. A realização da pesquisa que resultou no texto

deste artigo é relevante porque nos provoca a refletir sobre o tema e o que pensamos

em matéria de desenvolvimento para aquela região, para tanto, trazemos um breve

relato histórico da implantação e de sua legitimação perante a Constituição Federal

de 1988. Quanto ao impacto ambiental, os dados oficiais o corroboram e, em

contraponto, trazemos dados e entendimento de autores que contradizem o discurso

oficial.

Um breve contexto histórico (e oficial) de ocupação e exploração amazônica

pelos europeus e brasileiros

Quando se toma a iniciativa de efetuar um estudo acerca da elaboração,

criação ou desenvolvimento de iniciativas oficiais, torna-se sempre interessante

revisitar os processos que levaram àquela iniciativa. Existe uma discrepância entre o

discurso oficial, empregado largamente nos meios oficias, e a história contada à

margem desses meios. Neste resgate, optou-se por recontar a história oficial, uma

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vez que ela ajuda a justificar os investimentos e a criação da própria Zona Franca de

Manaus.

Primeiramente, coube um breve apanhado histórico das tentativas de

colonização e exploração comercial econômica da região, sejam pelos europeus,

sejam pelos brasileiros.

A despeito da existência de povos originários na região, esta sempre esteve

no desejo e imaginário europeu a conquista das Índias e do Novo Mundo. Registros

historiográficos dão conta que antes mesmo de Pedro Álvares Cabral “descobrir” o

Brasil em 1500, outros navegadores europeus já haviam encontrado, via litoral norte

da América Latina, caminho para o grande rio Amazonas.

Há relatos de que Diogo Cão, Alonso Ojeda e Vicente Pinzón haviam por aqui

navegado, imaginando tratar-se o Amazonas o próprio Ganges. Como nos expõe

Freitas de Rezende (2006), a exploração da região se dará através dos Andes

peruanos somente 50 anos após a chegada dos europeus ao novo continente. A

motivação para a exploração do Rio Amazonas e da região foi mais em razão da

fantasiosa jornada rumo ao El Dorado do que, de fato, pela necessidade de ocupar e

explorar a área.

Tais expedições, de cunho exploratório, comprovariam a possibilidade de

acesso às minas de prata do Alto Peru através do sistema fluvial do Amazonas. Essa

possibilidade de acesso trouxe grande preocupação a Coroa Espanhola, à época

unida a Portugal, no período conhecido como União Ibérica. Tal preocupação

aumentava diante da realidade da ocupação do litoral norte latino americano por

franceses e holandeses que permaneciam em forte comércio de pau Brasil com os

indígenas daquela região. A existência de São Luís, um povoado francês, punha em

risco processo de ocupação portuguesa no Norte e Nordeste do Brasil. Portanto, era

vital assegurar a tomada e o controle tanto da região do Maranhão quanto do Grão

Pará, a fim de colonizar, povoar e, mais importante, bloquear o acesso de

estrangeiros ao vale do Amazonas e ao sistema fluvial, porta direta para as minas de

prata.

Conforme o andar da carruagem histórica mundial e a consequente

transformação dos meios econômicos e produção, surge a figura do Marquês de

Pombal que, reconhecendo a importância do Grão Pará e do Maranhão para o império

Português, toma uma série de medidas com intuito de melhorar a relação e proteger

importantes territórios ultramarinos. Novamente determina programas de ocupação e

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desenvolvimento da região, expulsão dos jesuítas, liberdade para os indígenas da

região e aporte de escravos africanos naquela área. Deste período, data a liberação

da navegação do Rio Madeira, denominada de moção norte, ligava o Mato Grosso ao

Belém do Pará, importante elemento para manutenção e desenvolvimento da

possessão lusitana na região.

Os cronistas da época dão conta das dificuldades encontradas para a efetiva

ocupação pelos europeus, seja pela presença de povos originários hostis às

tentativas de colonização, pelo enfrentamento de doenças e moléstias tropicais ou

devido ao isolamento geográfico, é certo que esses fatores sempre estiveram contra

o desejo lusitano de uma presença maciça da região.

Ao retratarmos Manaus, verificamos sua história muito próxima daquelas

outras cidades contemporâneas a si, constituída inicialmente para ser um fortim,

servindo de resguardo a um ponto estratégico, no caso, a barra de encontro entre o

Rio Negro e o Rio Solimões. Devido à grande presença de indígenas de diversas

etnias, entre elas os manaós, do qual derivou o nome Manaus, houve também a

presença de catequizadores de diversas ordens religiosas, todas com o “nobre” e

“único” propósito de salvaguardar a alma dos povos originários. Essa confluência de

pessoas deu origem ao povoado, elevado em vila e, posteriormente, em cidade.

Com a segunda revolução industrial, o alto valor internacional da borracha

produzida em abundância em Manaus proporcionou uma alavancada da economia

regional, conhecida como o Ciclo da Borracha. Outro fenômeno decorrido da

produção da borracha, aliada à Grande Seca do final da década de 1870, foi um

grande fluxo migratório da região nordeste em direção aos seringais.

No final do Império, com a elevação da província a condição de Estado,

membro do pacto federativo, Manaus tornou-se a capital desta unidade federativa a

qual, dada a importância da borracha no mercado internacional, garantiu a riqueza e

opulência notável relacionada ao período. Este crescimento econômico permaneceria

até meados da década de 1910 quando, diante da forte concorrência da borracha

produzida na Ásia, veria o declínio de sua economia até a quase total estagnação.

Este primeiro apanhado, embora extremamente superficial, dá conta de

apresentar um breve panorama das tentativas de colonização e exploração europeu-

brasileira da região amazônica. Movido, primeiramente, por um desejo de garantia de

posse do território, até a descoberta de um produto que possuía valor mercadológico

similar ao café diante do Mercado Internacional, e, posteriormente, tal qual o café, a

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crise advinda de uma rejeição do produto brasileiro frente a este mesmo mercado

externo tão almejado.

Como podemos observar, o extrativismo, o anseio exploratório, característico

do modelo colonizador lusitano, determinou a forma de ocupação e exploração da

região amazônica até o período conhecido como República Velha. Não houve até

aquele momento nenhuma preocupação em determinar quem eram os povos

originários da Amazônia, quais impactos a presença dos europeus trouxeram para a

região e qual sua importância, não apenas para aqueles povos, mas para um

ecossistema inteiro. Mesmo as fronteiras brasileiras ao norte, noroeste ainda eram

muito promíscuas e incertas.

Não houve um grande despertar de interesse ou de consciência acerca da

importância ambiental, da biodiversidade ou da cultura dos povos originários da

Amazônia. No Brasil do Estado Novo houve a campanha da Marcha para o Oeste,

com expedições famosas como a Roncador-Xingú, resguardadas as devidas

proporções, um novo movimento de estradas e bandeiras em pleno século XX, na

tentativa de adentrar ainda mais ao Oeste e garantir a posse da fronteira.

“Heróis” como os irmãos Villas-Boas, Cândido Rondon e outros, fizeram as

vezes de homens como Borba Gato e Raposo Tavares. Contudo, desta vez, agiam

com a justificativa positivista de seu lado, tais quais aqueles homens e suas missões

civilizatórias. Denominado como Movimento da Grande Marcha para o Oeste,

adentramos um novo período de ocupação das fronteiras sertanejas do Brasil rumo a

Amazônia, ora mediada pelo enfrentamento com os povos originários, ora através da

interação amistosa, sob os auspícios positivistas e antropológicos de uma ciência

europeia.

Manaus novamente ganha destaque econômico uma vez que seu principal

produto, a borracha, é elemento fundamental para a indústria norte-americana. Com

o desenrolar da segunda grande guerra, o acesso ao mercado asiático fica bastante

comprometido, tornando o produto brasileiro mais uma vez bastante desejado no

exterior.

Sobre a importância da borracha durante o conflito mundial, coloca Salazar

(2006) em sua obra Amazônia Globalização e Sustentabilidade que:

A evolução do conflito mundial, iniciado em 1939, deu a Vargas a oportunidade de celebrar em 1943 os Acordos de Washington, onde novamente a Amazônia estava em causa, a serviço do Brasil e do esforço de

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guerra dos aliados. Através desses acordos, Vargas trocava a borracha da Amazônia pela tecnologia do aço. Com uma só tacada criava o Banco de Crédito da Borracha, em parceria com os americanos, estabelecendo o monopólio da compra do produto e sua entrega para os Estados Unidos através da Rubber Development Corporation e obtinha compromissos e empréstimos; retornava assim o processo de ocupação econômica da Amazônia por meio de um projeto de recuperação dos seringais nativos [...]

Novamente a demanda pela borracha alçou a região da Amazônia aos

holofotes da economia nacional. Não podemos questionar tal importância, bem como

a contribuição deste “novo” ciclo da borracha no processo de industrialização do

Brasil, moeda de troca do apoio tupiniquim aos países aliados.

Entretanto, tal qual a economia mundial, com o fim do conflito e a restituição

dos mercados, novamente houve o declínio e a crise do setor borracheiro e mais um

longo período de estagnação financeira. Como alternativa, surge a proposta de Lei

no Segundo Governo Vargas, Lei de nº 3.173 de 06 de junho de 1957, criando em

Manaus uma Zona Franca portuária, a fim de compensar as dificuldades logísticas de

acesso a região numa tentativa de fomentar o desenvolvimento econômico, desta vez,

não dependente da extração da borracha.

A proposta da criação de uma zona com incentivos fiscais, de livre entrada

de produtos foi a bandeira levantada para a retomada da efetiva ocupação, pelo

Estado Brasileiro, do território amazônico. Diversas camadas da sociedade,

sobretudo as elites, incomodavam-se com a existência dos então denominados

“vazios geográficos”. Embora o território não estivesse de fato vazio, a não ocupação

pelo modelo de produção econômico vigente no Estado brasileiro muito incomodava

aquela parcela da população.

Durante o governo JK, com seu plano de metas e modernização do Brasil,

bem como de ocupação das áreas mais afastadas do litoral, houve a efetiva

regularização do projeto da Zona Franca de Manaus, e foram definidos os incentivos

fiscais e as regras de funcionamento para alavancar a ocupação econômica da

região.

Os militares, ocupantes do poder de 1964, intensificaram ainda mais a

proposta de dominação das regiões mais distantes do litoral, com a ordem de Integrar

para não Entregar. Um discurso ufanista, nacionalista, de defesa dos interesses da

soberania nacional contra o estrangeiro, que buscava, basicamente, a delimitação de

fronteiras e assegurar a posse de território, pouco importando a forma ou com que

finalidade.

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O plano de desenvolvimento para a Amazônia mudou. Já não era mais em

função de pressões e interesses políticos regionais, mas do projeto de integração

nacional das Forças Armadas. O Estado, por meio da SUDAM, atuava de outro modo,

montava a infraestrutura indispensável para a ocorrência do desenvolvimento por

intermédio da iniciativa privada, nacional, ou mesmo estrangeira, com o estímulo dos

incentivos fiscais. (Bercovici, 2003)

Desta forma, caminhou-se para a consolidação de um modelo de ocupação

econômica subsidiado pelos incentivos fiscais, justificados pela necessidade de

manutenção da soberania nacional brasileira, independente da existência de povos

ou culturas locais, ou mesmo da existência de outros marcos delineatórios naturais

ou culturais por exemplo.

Aspectos jurídicos da criação da ZFM

A Lei 3.173 de 06 de junho de 1957 criou em Manaus uma Zona Franca,

sendo consolidada apenas 10 anos depois pelo Decreto 288, de 28 de fevereiro de

1967, que reformulou o modelo, estabelecendo incentivos fiscais por 30 anos para

implantação de um polo industrial, comercial e agropecuário na Amazônia.

Visando também reduzir as desigualdades regionais e sociais, bem como

povoar a região, a Zona Franca de Manaus surgiu da constatação de que sem

incentivos fiscais não seria possível o desenvolvimento da região Norte do país, em

razão da distância entre os centros de produção e dos mercados.

Assim, com a criação da Zona Franca de Manaus, pela Lei nº 3.173/1957 e

sua regulamentação pelo Decreto Lei nº 288 de 1967, ficaram estabelecidos

incentivos fiscais por 30 anos para a implantação de um polo industrial, comercial e

agropecuário na Amazônia. Constituindo uma área física que abrange 10 mil km²m

tendo como epicentro a cidade de Manaus, recebendo os incentivos fiscais e

extrafiscais estabelecidos com o objetivo de reduzir as dificuldades logísticas e,

assim, propiciar condições de alavancar desenvolvimento econômico da área

incentiva nos moldes de produção adotados pelo Brasil.

No mesmo ano, o Decreto-Lei nº 291, do Governo Federal, definiu a

Amazônia Ocidental tal como ela é conhecida, abrangendo os Estados do Amazonas,

Acre, Rondônia e Roraima. Ao estabelecer as áreas correspondentes a Amazônia

Legal, o Estado pretendia promover a ocupação da região e elevar o nível de

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segurança para manutenção da integridade das fronteiras. Um ano depois, em novo

Decreto-Lei nº 356/68, o Governo estendeu os benefícios da ZFM para toda a

Amazônia Ocidental.

Em 1989, com a nova constituinte, sete novas áreas de fronteira também

passam a receber os incentivos de ZFM, na intenção de integrar estas regiões com o

restante do país. A primeira a ser criada foi a de Tabatinga, no Amazonas, por meio

da Lei nº 7.965/89. Nos anos seguintes, foram criadas as de Macapá-Santana (Lei nº

8.387/91, artigo II), no Amapá; Guajará-Mirim (Lei nº8.210/91), em Rondônia;

Cruzeiro do Sul e Brasiléia-Epitaciolândia (Lei nº 8.857/94), no Acre; e Bonfim e Boa

Vista (Medida Provisória 418/08), em Roraima.

A Zona Franca de Manaus possui cinco modelos ou fases distintas, as quais

observaremos a seguir:

1ª Fase (1967 – 1975) – Transformação da indústria de importação de bens

de consumo e formação de mercado interno.

2ª Fase (1975 – 1990) – Incentivo à indústria nacional de insumos.

3ª Fase (1991 – 1996) – Nova política Industrial e de Comércio exterior –

abertura da economia brasileira para o Mercado Externo.

4ª Fase (1996 – 2002) – adaptação da economia brasileira ao cenário

econômico globalizado – adequações ao plano Real e o movimento de

privatizações.

Atual – entra em vigor a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP)

prevendo maior eficiência produtiva e capacidade de inovação das

empresas e expansão das exportações.

A visão de seus articuladores revelou-se, no tempo, consistente, sendo hoje

a Zona Franca de Manaus e a Amazônia um polo de crescimento graças a tais

incentivos.3

Os resultados obtidos com a implantação da ZFM foram tão expressivos que

esses estímulos de natureza tributária foram mantidos pelos constituintes por 25

3 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Teleologia dos incentivos fiscais e a criação da Zona Franca de Manaus, 2012. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI162725,21048-Teleologia+dos+incentivos+fiscais+aprovados+pela+Suframa. Acesso em 05.04.2015.

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anos4, ou seja, até o ano de 2013, conforme disposto no artigo 40 do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, in verbis:

Art. 40. É mantida a Zona Franca de Manaus, com suas características de área livre de comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais, pelo prazo de vinte e cinco anos, a partir da promulgação da Constituição. Parágrafo único. Somente por lei federal podem ser modificados os critérios que disciplinaram ou venham a disciplinar a aprovação dos projetos na Zona Franca de Manaus.

A recepção desta norma infraconstitucional, anterior à promulgação da

Constituição Federal de 1988, foi possível por não conflitar com a nova ordem

constitucional, entendimento esse pacífico na doutrina e no Supremo Tribunal

Federal, a quem incumbe a guarda da Constituição, e que, em diversas ocasiões,

se posicionou neste sentido:

18/03/98 – Tribunal Pleno AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 1799-2-DISTRITO FEDERAL. Relator: Min. Marco Aurélio Requerente: Gov. do Estado do Amazonas Advs.:Oldeney Sá Valente e outra. Adv.: Ives Gandra da Silva Martins Requerido: Presidente da República Requerido: Congresso Nacional. ZONA FRANCA DE MANAUS – MANUTENÇÃO – INCENTIVOS FISCAIS. Ao primeiro exame, concorrem o sinal do bom direito e o risco de manter-se com plena eficácia medida provisória que, alterando a redação de dispositivo de lei aprovada pelo Congresso Nacional – do art. 77 da Lei 9532, de 10 de dezembro de 1997 – projeta no tempo a mitigação do quadro de incentivos fiscais assegurado relativamente à Zona Franca de Manaus, por 25 anos, mediante preceito constitucional. (grifo nosso) ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em deferir o pedido de medida cautelar, para suspender, até a decisão final da ação direta, a eficácia do § 1º do artigo 77, da Lei 9532, de 10/12/97, na redação dada pelo art. 11 da Medida Provisória n. 1614-16, de 5/3/98; em indeferir a cautelar relativamente ao seu § 2º; e julgar prejudicado o pedido de cautelar quanto ao § 3º. Brasília, 18/3/1998. Carlos Velloso – Presidente Marco Aurélio – Relator.

Vários dispositivos constitucionais estão em harmonia com esse

entendimento, corroborando-o. O art. 3º, III da Constituição Federal enumera, como

um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, “erradicar a

pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades regionais”.

4A EC 42/03 prorrogou por mais 10 anos os incentivos. Em 2014, a EC 83 acrescentou 50 anos a vigência dos benefícios que se enceraria em 2023.

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Em consonância com este dispositivo, o art. 175, §7º assim dispõe:

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: (...) § 5º - A lei orçamentária anual compreenderá: I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos,

órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;

II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;

(...) § 7º - Os orçamentos previstos no § 5º, I e II, deste artigo,

compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional. (grifo nosso)

Sobre o tema, Martins (2000) pondera que:

Uma das formas de promover a industrialização de regiões menos desenvolvidas do território de um país é, sem dúvida, a redução ou eliminação de encargos de ordem aduaneira ou fiscal em determinada porção de seu território, o que, no Brasil, foi feito, em relação à Amazônia Ocidental, mediante a criação da Zona Franca de Manaus pela Lei 3.173/57, alterada pelo DL 288/67.

O entendimento apresentado por Martins harmoniza com o art. 43, § 2º, III5

da CF que enumera os incentivos fiscais como um dos instrumentos do Estado para

promover o desenvolvimento e reduzir as desigualdades regionais.

Apesar do texto constitucional vedar a distinção entre os Estados ao instituir

tributos, o art. 151, I, in fine6, admite a concessão de incentivos destinados a promover

o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do país.

Assim, do art. 40 do ADTC, resulta que nenhuma mudança negativa nos

incentivos poderão ser realizadas no período de vigência, hoje até o ano de 2073.

Sabiamente o constituinte achou por bem garantir que o legislador ordinário

não suprimiria os incentivos necessários para assegurar o desenvolvimento daquela

região.

5“Art. 43. Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais. (...) § 2º Os incentivos regionais compreenderão, além de outros, na forma da lei: (...) III. isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas”. 6 “Art. 151. É vedado à União: I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País; (...)” Grifo

nosso

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A ZFM e os impactos ambientais

Embora a Zona Franca de Manaus tenha se constituído enquanto uma

resposta para os anseios ocupacionais do Governo Militar, houve uma significativa

preocupação com a manutenção do espaço natural, em especial com a implantação

da SUFRAMA –Superintendência da Zona Franca de Manaus.

Dados obtidos junto à SUFRAMA indicam que o Polo Industrial de Manaus

(PIM) tem sido extremamente eficiente na contenção do desmatamento; o Amazonas,

mantendo intacta 98% de sua cobertura vegetal original, tem tido a menor taxa de

desmatamento da Amazônia. Desmatamento significa emissões de carbono para a

atmosfera e perda dos princípios ativos do banco genético, fonte de oportunidades

sustentáveis de produção de fármacos, cosméticos e alimento. As fontes de emissões

do Polo Industrial de Manaus são os combustíveis fósseis, que são bem menores do

que as emissões pelo desmatamento e que estão sendo substituídas por gás natural

e energia hidrelétrica de Tucuruí. Verifica-se que, quanto mais cresce o Produto

Interno Bruto do Amazonas, mais reduz o desmatamento, que diminuiu 73,94% no

período de 2003/2009.

Diversas são as ações e investimentos para que a Zona Franca de Manaus

não se torne unicamente um polo de incentivos fiscais, mas de efetivo

desenvolvimento habitacional e econômico para toda a região amazônica. Contudo,

apesar do discurso de preservação ambiental, é certo que a injeção de capital, o

crescimento do PIB de Manaus, pela meteórica ascensão da indústria na cidade, bem

como a ampliação gradativa do parque industrial, que gerou dezenas de milhares de

postos de trabalho, desencadeou uma grande alteração na ocupação das áreas

urbanas devido ao contingente humano vindo do interior do Estado e de outras

unidades da federação.

No entanto, a ZFM não trouxe apenas benesses para a região. Desconsiderar

o discurso existente além do oficial é soterrar toda uma sorte de críticas urbana,

ecológica e ambiental existentes. Muitos dos aspectos negativos dizem respeito à

questão humana: a proliferação de subempregos, crescimento urbano desordenado,

ocupação indevida dos igarapés. Scherer aponta para o início deste processo de

ocupação caótica de Manaus, coincidindo com as décadas de 1960 e 1970, ou seja,

em pleno processo de implantação da Zona Franca e do Polo Industrial de Manaus

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(PIM). Segundo o autor: “A cidade cresceu, singrou a floresta, as personagens e

atores sociais mudaram. A organização do trabalho e a estrutura da sociabilidade são

outras. O legado social deixado nos anos do apogeu da borracha e do período

chamado de estagnação soma-se com as novas desigualdades socialmente

produzidas na atualidade.” (Scherer, 2009).

Assim, em termos sociais, a grande transformação observada foi o

crescimento populacional. As ocupações irregulares ocasionam não apenas

problemas ambientais, mas também de saúde (por se tratar de um espaço com altos

índices de malária), falta de saneamento básico, energia elétrica, escolas, transporte

etc. O processo de ocupação para construção de moradias tem como principal

característica a retirada das árvores e a “limpeza” do terreno. A intensificação desse

processo acarreta sérios problemas de alagamento, desabamento, vulnerabilidade a

ventos fortes etc.

Em atenção aos estudos de Carvalho, estes ressaltam que a Zona Franca

concentrou a economia do estado em Manaus, onde se arrecada cerca de 98% dos

impostos estaduais, além de concentrar mais de 50% da população do Amazonas.

As atividades do setor primário sofreram forte diminuição durante as décadas de

1970, 1980 e 1990. O Amazonas tornou-se grande importador de alimentos. Perto de

94% daquilo que se consome vem de outros estados da federação, encarecendo

sobremaneira os produtos de origem agropecuária em função do frete. Importa-se

leite, frango, farinha, feijão, arroz e principalmente hortigranjeiros. O êxodo rural

acelerou-se, a capital inchou, pulou de 300 mil (em 1970) para aproximadamente 2

milhões de habitantes nos primeiros anos do século XXI. Cresceram a população e

os problemas da capital. (Carvalho, 2010).

As pressões ambientais decorrentes desse crescimento da população foram

significativas. O intenso processo de ocupação ocasionou perdas de cobertura

vegetal, assoreamento e poluição dos igarapés, estes, presença marcante na capital

amazonense e responsáveis por parte da manutenção da biodiversidade amazônica.

Outra consequência ambiental gravíssima e decorrência direta desse projeto

implementado pela ditadura militar foi a integração regional através de rodovias. Ao

contrário da ZFM, que foi recepcionada pela Constituição Federal, garantindo,

inclusive, a realização dos direitos fundamentais, em especial o direito fundamental

ao trabalho; a Rodovia Transamazônica – BR230, que compunha o Programa de

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Integração Nacional (PIN) na região Amazônica, feriu vários dos direitos fundamentais

do homem.

Amparado pelo Decreto-lei 1.106 de 16 de junho de 1970 e prometendo

construir 15 mil quilômetros de rodovias na região amazônica, dos quais 3.300 km

pertenceriam a BR-230, a construção da estrada causou danos ambientais e

socioculturais, gerando prejuízo permanente aos povos indígenas que habitam

aquela região. Tais fatos são objetos de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério

Público Federal contra a União e a FUNAI.

Na execução não houve preocupação quanto à sustentabilidade e aos

impactos que a obra poderia ocasionar, gerando prejuízos ambientais incalculáveis,

dentre outros, empobrecimento do solo, poluição atmosférica, redução da fauna,

alteração dos cursos dos rios e desmatamento, ferindo o princípio constitucional do

direito ao meio ambiente protegido.

Os prejuízos aos povos indígenas foram ainda maiores, no âmbito

sociocultural, houve desrespeito ao princípio da organização social, costumes e

tradições do povo, além dos princípios da dignidade da pessoa humana. O contato

interétnico, levou doenças antes inexistentes naquela localidade, ocasionando a

morte de muitos indígenas. Além disso, o recrutamento forçado para o trabalho na

construção da rodovia causou forte desestruturação nas aldeias, os índios, acuados

por conta das atividades de tratores, aviões e explosões por dinamite no local,

deixaram de promover maiores deslocamentos para não abandonar os seus territórios

sagrados. Os locais desmatados para a construção da estrada correspondem aos

locais sagrados e de rituais, como cemitérios e casas das aldeias dos povos tenharim

e jiahui.

Os danos ambientais e grande parte dos danos socioculturais ocasionados

possuem efeitos permanentes e prejudicam cotidianamente a reprodução da cultura

e do modo de vida, segundo seus usos, costumes e tradições. Houve, portanto,

violação aos direitos fundamentais desses povos, tornando permanente a limitação

do usufruto constitucional a eles garantido, pois impede o livre acesso dos indígenas

aos recursos naturais de que dispõem, bem como obstaculiza a preservação dos

recursos ambientais necessários a seu bem-estar e a sua reprodução física e cultural,

segundo seus usos, costumes e tradições (art. 231 da Constituição Federal).

Considerações Finais

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Fica evidenciado que existe uma grande lacuna entre o discurso oficial e os

elementos que validam a existência de um Polo Industrial e uma Zona Franca em

Manaus.

Se por um lado observa-se claramente um desenvolvimento econômico

artificialmente incentivado, ou melhor dizendo, artificialmente criado, de outro

observa-se que este mesmo crescimento é pontual, existente em apenas uma única

ilha dentro de um grande sistema ecológico que é a Amazônia.

A existência de uma Zona Franca de Manaus, seus incentivos e seu discurso,

oficializado via judicial serviu muito bem para atender uma demanda histórica de

preencher um “vazio” geográfico. Mas que vazio é esse?

Em nenhum momento os governantes, sejam eles portugueses, espanhóis ou

brasileiros preocuparam-se com a existência, sobrevivência e manutenção das

comunidades locais e tradicionais. A região amazônica sempre foi e por muitos anos

ainda será considerada um vazio demográfico, um vazio econômico, um vazio de

propósitos que deverá, a todo custo, ser desbravada e conquistada.

Observa-se o Brasil justificar o pré-sal como a fronteira final de exploração e

avanço territorial, em águas ultramarinas, mas por outro lado percebe-se a Amazônia

como um local ainda intocado, esperando um melhor momento para sua devida

exploração.

A existência de políticas desenvolvimentistas sequer dá conta das dimensões

sociais envolvidas, ou pelo menos, daquelas que não configuram um valioso recurso

econômico. Para o desenvolvimento econômico da região, não há o que opor a

conservação e preservação de um igarapé ou mesmo projeção de ocupação do

espaço urbano quando tantas peças, tantos produtos devem ser produzidos e

vendidos, sejam para o mercado interno, seja para o mercado global.

Assim, frente a dicotomia entre o discurso e resultados oficiais apresentados

por uma autarquia e os estudos acadêmicos acerca dos impactos no meio ambiente,

permanece um constrangedor e incomodo silêncio, tônica de um discurso anacrônico

do século XIX e XX, onde ainda bandeirantes são necessários para explorar o país

e utilizar suas riquezas.

Referências

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A REALIDADE NA APLICAÇÃO DAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA NA

COMARCA DE PALMAS/TO

Rafaela Brito Sayão Lobato

Danilo Frasseto Michelini

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo demonstrará categoricamente uma reflexão acerca do

implemento da chamada “audiência de custódia” no sistema processual penal pátrio

diante a realidade vigente na comarca de Palmas/TO.

A audiência de custódia surgiu como um Projeto de Lei n° 554/2011, ainda

em tramitação no Senado Federal, proposto pelo Senador Antônio Carlos Veladares

do PDB-SE, que, em 2013 foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos do

Senado Federal e lançado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com

o Ministério da Justiça e o Tribunal de Justiça de São Paulo.

Sua previsão legal encontra-se inicialmente na Convenção Americana de

Direitos Humanos (CADH), conhecida como “Pacto de San Jose da Costa Rica”,

promulgada pelo Brasil através do Decreto n° 678/92.

Compreende-se audiência de custódia como uma garantia real do preso de

ser apresentado ao Juiz no prazo máximo de 24 horas para uma entrevista,

objetivando garantir rapidamente uma assistência aos presos em flagrante. Busca-se

analisar tão somente os aspectos da prisão, avaliando perante o conduzido a

legalidade e a necessidade da prisão.

A escolha do tema embasa-se na realidade carcerária brasileira,

demonstrando-se que atualmente ocorre com frequência a declaração de inocência

do conduzido à luz da justiça posterior à manutenção em cárcere de forma

desnecessária, que são levados aos estabelecimentos policiais para averiguações ou

interrogatórios, onde muitas vezes são empregados meios físicos ou psíquicos

clandestinos a fim de obter confissões, violando a dignidade, direito ao contraditório,

violação ao silêncio, dentre outros princípios previstos na Constituição Federal.

Além disto, busca-se, através do tema, acometer e avaliar atos quanto à

segurança social, principalmente com foco na dignidade da pessoa humana contra as

atrocidades cometidas nos estabelecimentos policiais.

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E por fim, demonstram-se casos atuais e os efeitos da aplicação da

“audiência de custódia” na Capital do Estado do Tocantins, tendo em vista que esta

já está implantada há poucos meses no Estado.

2 ORIGEM E BASE LEGAL

A proposta da Audiência de Custódia iniciou-se com o Projeto de Lei n°

554/2011, motivado pela busca na implementação de diversos Tratados que o Brasil

é signatário, dentre eles, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e Liberdades

Fundamentais, no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (signatário desde

1992), e na Convenção Americana de Direito Humanos (ratificado em 1992).

A previsão expressa sobre o instituto está contida na Convenção Americana

de Direitos Humanos (assinada no dia 22 de Novembro de 1969 e somente vigente a

partir de 18 de Julho de 1978), conforme prevê o artigo 7.5:

Art. 7. 5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

Consta ainda o instituto da audiência de custódia encontra previsão no artigo

9°, item 3, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, nos seguintes termos:

Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença.

Como já citado, o Brasil aderiu à Convenção Americana em 1992,

promulgando-a através do Decreto n. 678, em 6 de novembro daquele mesmo ano.

A aderência do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) realizou-se

no mesmo ano, sendo promulgado por meio do Decreto n. 592.

Os tratados internacionais de Direitos Humanos que o Brasil seja signatário

integram no ordenamento jurídico nacional com status de norma jurídica supralegal,

conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF - RE 349.703/RS, DJe de

5/6/2009).

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No Brasil, o Projeto de Lei n° 554/11, que trata sobre a aderência da audiência

de custódia foi apresentado em 2011, de iniciativa do Excelentíssimo Senador Antônio

Carlos Valadares, do PDB-SE, que, em 2013 já foi aprovado pela Comissão de

Direitos Humanos do Senado Federal. Atualmente o Projeto encontra-se pronto para

deliberação do Plenário, desde o dia 16 de Março de 2016.

O Projeto objetiva a alteração do art. 306 do Código de Processo Penal,

fundamentando-se legalmente que os Tratados Internacionais já citados não estavam

sendo cumpridos pelo país. Destaca-se a ementa do Projeto em questão:

Altera o § 1º do art. 306 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para determinar o prazo de vinte e quatro horas para a apresentação do preso à autoridade judicial, após efetivada sua prisão em flagrante.

Em fevereiro de 2015 o Conselho Nacional de Justiça, em parceria com o

Ministério da Justiça e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, lançou o projeto

“Audiência de Custódia”.

Por fim, cumpre destacar que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 15

de dezembro de 2015, durante a 223ª Sessão Ordinária, aprovou por unanimidade o

procedimento das audiências de custódia a ser adotado no país. A resolução de n°

213 entrou em vigor no dia 1° de fevereiro de 2016, tendo os Tribunais dos Estados

90 dias para implantar suas disposições.

Resumidamente, o projeto objetiva assegurar a apresentação do acusado

frente ao magistrado, em uma audiência em que serão ouvidas também as

manifestações do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado do preso.

A primeira experiência em âmbito Federal realizou-se na Subseção Judiciária

de Foz do Iguaçu/PR no dia 30/10/2015.

Já no âmbito estadual, o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins,

concentrou seus esforços no Projeto, aderindo-o plenamente através da formação do

Grupo de Trabalho específico para estudar e preparar a execução da proposta,

traçando os meios mais adequados para sua implementação mais especificamente

na justiça comum de primeiro grau.

O Estado do Tocantins foi o quarto a iniciar o projeto da audiência de custódia.

Atualmente todos os Estados da federação já aderiram à audiência de custódia.

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Sua execução tornou-se possível no Tocantins através da Resolução n°17 do

Pleno Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, iniciando-se sua vigência na

comarca de Palmas, veja-se na íntegra:

Art. 1º Fica implantada a audiência de custódia, com a finalidade de apresentar a pessoa presa em flagrante delito, 24 (vinte e quatro) horas após a comunicação de sua prisão, em observância ao disposto no artigo 7º, item 5, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). § 1º A audiência de custódia será inicialmente implantada na Comarca de Palmas e nas demais Comarcas ocorrerá de forma gradativa, também por ato do Tribunal Pleno.§ 2° O Estado providenciará a apresentação da pessoa presa, até 24 horas após a comunicação da prisão ao juiz para realização da audiência de custódia.

Art. 2º As audiências de custódia serão realizadas todos os dias entre 14 e 18 horas, e a apresentação do preso deverá ocorrer até as 17 horas, independente de intimação do Ministério Público e da defesa. § 1º As audiências de custódia referentes às prisões comunicadas até as 14 horas deverão ser realizadas a partir das 14 horas do mesmo dia, observando-se a ordem cronológica das comunicações. § 2º O magistrado, quando entender necessário, poderá determinar a realização de audiência de custódia em horários diversos dos estipulados no caput deste artigo, comunicando-a ao Ministério Público e à Defensoria Pública ou advogado constituído. § 3º O Estado providenciará a escolta do preso e a segurança necessária para realização das audiências de custódia.

Art. 3º O auto de prisão em flagrante será encaminhado na forma do art. 306, § 1º, do Código de Processo Penal, juntamente com a pessoa presa, instruído com a folha de antecedentes criminais do preso e laudo do instituto médico legal acerca da integridade física do conduzido.

Art. 4º As audiências de custódia serão realizadas pelos juízes e servidores plantonistas, sendo resguardado o direito à compensação do plantão por dia de folga, que também será adquirido, na hipótese desta Resolução, pelos dias em que houver expediente forense normal, sem prejuízo de suas funções.

Art. 5º O autuado, antes da audiência de custódia, terá contato prévio e por tempo razoável com seu advogado ou com defensor público, caso se encontrem presentes.

Art. 6º Na audiência de custódia, o juiz competente informará o autuado do seu direito de permanecer calado e o entrevistará sobre sua qualificação e condições pessoais, como estado civil, grau de alfabetização, meios de vida ou profissão, local da residência, lugar onde exerce sua atividade e, ainda, sobre as circunstâncias objetivas da sua prisão. § 1º Após, o juiz indagará ao Ministério Público e à defesa se restou algum fato a ser esclarecido. § 2º Não serão feitas ou admitidas perguntas que antecipem instrução própria de eventual ação penal. § 3º Após a entrevista do autuado, o juiz ouvirá o Ministério Público, se presente, que poderá se manifestar pelo relaxamento da prisão em flagrante, sua conversão em prisão preventiva ou pela concessão de liberdade provisória com imposição, se for o caso, das medidas cautelares previstas no art. do Código de Processo Penal. § 4º A seguir, o juiz dará a palavra ao advogado ou ao defensor público, se presente, para manifestação, e decidirá, na própria audiência, fundamentadamente, nos termos do art. 310 do Código de Processo Penal,

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podendo, quando comprovada uma das hipóteses do art. 318 do mesmo diploma legal, substituir a prisão preventiva pela domiciliar. § 5º A audiência será gravada em mídia adequada, lavrando-se termo sucinto com o inteiro teor da decisão proferida pelo juiz. § 6º A gravação original será depositada no juízo competente e uma cópia instruirá o auto de prisão em flagrante. § 7º Após a realização da audiência de custódia, os autos serão encaminhados ao juízo competente.

Art. 7º A Coordenadoria de Gestão Estratégica Estatística e Projetos - COGES providenciará o relatório mensal, extraído do sistema de processos eletrônicos, que deverá conter: I – o número de audiências de custódia realizadas; II – o tipo penal imputado à pessoa presa nos autos de prisão em flagrante; III – a quantidade e a natureza das decisões proferidas.

Art. 8º Esta Resolução entra em vigor 20 (vinte) dias após a sua publicação.

Diante a resolução, iniciou-se a execução do Projeto das Audiências de Custódia em

Palmas/TO.

Conceito e Finalidades

A audiência de custódia surgiu para solucionar o problema do preso quanto a

(i)legalidade de sua prisão, na medida em que criou-se a possibilidade de ser ouvido

pelo juiz no prazo de até 24 horas, momento em que se verificará a adequabilidade

de medida no caso concreto.

Diante disto, a audiência de custódia objetiva principalmente proteger o direito

do autuado em flagrante, haja vista que resguarda a garantia de sua locomoção

imediata, em até 24 horas, ao juiz competente (conforme artigo 310 do Código de

Processo Penal), a fim de que este determine sobre a necessidade de manutenção

da prisão em flagrante, sua conversão em prisão preventiva, à soltura condicionada

ou incondicionada do indivíduo, a presença ou ausência do estado de flagrância,

assim como a integridade física e moral daquele que teve sua liberdade de ir e vir

restringida.

Ressalta-se que a audiência de custódia não se refere a uma fase da

instrução processual penal, tão pouco a um interrogatório do preso sobre o mérito da

acusação, trata-se tão somente em observar a legalidade da prisão no que se refere

a manter o indiciado no cárcere ou não, além de verificar se o mesmo foi vítima de

maus tratos físicos ou psíquicos.

Anteriormente à criação do instituto, na maioria das vezes, o indiciado só tinha

contato com o magistrado no momento da audiência de instrução, debates e

julgamento, o que levava a prisões desnecessárias.

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Registra-se aqui que, o Código Eleitoral Brasileiro prevê uma espécie de

audiência de custódia desde 1965 para aqueles que forem presos entre cinco dias

antes e até quarenta e oito horas após o encerramento da eleição, vejamos:

Ocorrendo qualquer prisão o preso será imediatamente conduzido à presença do juiz

que, se verificar a ilegalidade da detenção, a relaxará e promoverá a responsabilidade

do coator” (art. 236, § 2º).

Vislumbra-se no presente artigo a semelhança com o projeto da audiência de

custódia.

Há outra hipótese semelhante à audiência de custódia prevista no artigo 175

do Estatuto da Criança e do Adolescente: Em caso de não liberação, a autoridade

policial encaminhará, desde logo, o adolescente ao representante do Ministério

Público, juntamente com cópia do auto de apreensão ou boletim de ocorrência.

Portanto, visualiza-se que a preocupação quanto ao tema permeia o cenário

brasileiro há décadas.

Pelo exposto, conclui-se que uma das principais finalidades de sua

implementação no Brasil é “ajustar o processo penal brasileiro aos Tratados

Internacionais de Direitos Humanos” (PAIVA, 2015, p. 34), conforme defende o

doutrinador Paiva, haja vista que a previsão internacional não estava sendo aplicada

devidamente.

Essa finalidade também foi ressaltada pelo ministro Lewandowski, presidente

do Conselho Nacional de Justiça, após a assinatura do termo de compromisso no

Tribunal de Justiça do Maranhão, afirmando que “A audiência de custódia é uma

obrigação legal imposta pelo Pacto de San Jose da Costa Rica, mas que não vinha

sendo cumprida desde 1992”.

Ademais, a audiência de custódia mostra-se como um mecanismo processual

capaz de conferir maior eficácia ao princípio da presunção de inocência ou da não-

culpabilidade, previsto no artigo 5°, inciso LVII, da Constituição Federal.

O não cumprimento ou o cumprimento precário do princípio em questão gera

como principal consequência à superlotação das prisões no Brasil veja:

O relatório do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen), disponibilizado pelo Ministério da Justiça no dia 23 de junho de 2015, aponta que a população carcerária cresceu 161% (cento e sessenta e um por cento) nos últimos 15 anos, alcançando o número de 607.731 presos no Brasil.

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Sendo o principal foco da realização do projeto a superlotação do sistema carcerário

brasileiro, a audiência de custódia foi especialmente designada com o objetivo de

diminuir o problema em âmbito nacional.

Vejamos: quatro em cada dez acautelados são presos provisórios, ou seja,

encontram-se encarcerados sem terem sido condenados por sentença definitiva,

conforme gráfico:

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de novembro de

2014, evidenciam ainda mais a urgência reclamada pelo sistema carcerário brasileiro,

no que tange à desproporcionalidade do uso da prisão provisória. Seu levantamento

informa:

[...] no caso dos réus que cumpriam prisão provisória, 62,8% foram condenados a penas privativas de liberdade, enquanto 17,3% foram absolvidos. Um número considerável de presos provisórios foi condenado a penas alternativas (9,4%) ou tiveram que cumprir medidas alternativas (3,0%). Somando-se ainda os casos de arquivamento (3,6%), prescrição (3,6%) e medida de segurança (0,2%), constata-se que 37% dos réus que responderam ao processo presos sequer foram condenados a pena privativa de liberdade. (sic)

O Conselho Nacional de Justiça, alarmado com os reais dados sobre o

encarceramento brasileiro, lançou o projeto da Audiência de Custódia para todos os

Estados federativos, ambicionando a utilização mais adequada das medidas

cautelares opcionais vigentes na legislação criminal.

Na opinião do Defensor Público do Estado do Tocantins atualmente investido

no cargo para a realização das audiências de custódia, Daniel da Silva Gezoni, a

audiência de custódia é:

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Uma tentativa direta de se dissolver a ideia de que a prisão é a melhor opção. Sabemos que a prisão não corrige, ao contrário, ela perverte, degrada, corrompe e destrói, só devendo ser utilizada em último caso. Vejo com otimismo a audiência de custódia, sei que ainda temos um longo caminho pela frente, mas um importante passo foi dado em nome da liberdade.

O Defensor Público ainda acrescenta que:

A ideia de alguns magistrados é que o Brasil é o país da impunidade e diante disso o delito deve ser combatido de forma drástica e severa. Como dizer que o Brasil é o país da impunidade se somos o quarto país que mais prende no mundo?

Desse modo, a audiência de custódia tornou-se um meio adequado à

aplicação do princípio da presunção da inocência, tendo em vista que se apresenta

como um mecanismo processual antecipatório do exame sobre a necessidade ou não

da prisão do preso em flagrante pela autoridade judiciária, o que poderá gerar uma

diminuição do número de pessoas encarceradas.

Conforme Resolução n° 17 do TJTO, a audiência de custódia “também busca

a concretização de um mecanismo de controle da legalidade e necessidade da prisão

em flagrante, permitindo aferir eventual afronta aos direitos da pessoa presa, inclusive

prevenção e combate à tortura;”.

Nas lições do douto Promotor de Justiça competente para a realização das

audiências de custódia na Comarca de Palmas/TO, Rodrigo Alves Barcellos:

A implantação das audiências de custódia em Palmas apresenta-se como mais um caminho do sistema de justiça penal visando efetivar direitos humanos, tanto da pessoa presa em flagrante como da própria sociedade.

Visualiza-se diversos aspectos finalísticos do projeto, resta, portanto, averiguar sua

execução.

A Audiência de Custódia na Comarca de Palmas/TO

Fase da Implementação do Projeto da Audiência de Custódia

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Após o lançamento do projeto Audiência de Custódia em Fevereiro de 2015

pelo Conselho Nacional de Justiça, em Abril do mesmo ano editou-se o Termo de

Cooperação Técnica n° 7/2015 juntamente com o Ministério da Justiça em conjunto

com o Instituto de Defesa do Direito de Defesa, in verbis:

Dispõe sobre implantação do Projeto Audiência de Custódia, de modo a fomentar e viabilizar a operacionalização da apresentação pessoal de autuados(as) presos(as) em flagrante delito à autoridade judiciária, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas após sua prisão, contando com o apoio do efetivo funcionamento de Centrais Integradas de Alternativas Penais, Centrais de Monitoração Eletrônica e serviços correlatos com enfoque restaurativo e social, aptos, em suma, a oferecer opções concretas e factíveis ao encarceramento provisório de pessoas.

Em 2 de Julho de 2015 foi editada a portaria n° 17 pelo Tribunal de Justiça do

Tocantins, já citado integralmente, implementando a audiência de custódia no âmbito

da justiça comum de primeiro grau.

Posteriormente editou-se a Portaria n° 1231/2015 pelo Poder Judiciário do

Tocantins no dia 30 de março de 2015, publicada no Diário de Justiça – TJTO n°

3.552 de 6 de abril de 2015 para constituição do Grupo de Trabalho responsável pelos

estudos quanto à viabilidade da implementação do projeto.

O grupo de trabalho formado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins

visou à adequação da resolução do Conselho Nacional de Justiça através de estudos

quanto à viabilidade de implantação, no âmbito da justiça comum de primeiro grau do

Estado do Tocantins, e as apresentações de relatórios conclusivos e eventual

proposta de regulamentação do projeto, conforme artigo 1° da Portaria n° 1231/15 do

TJTO.

Resumidamente, o Grupo de Trabalho decidiu na primeira reunião que as

audiências de custódia seriam realizadas integralmente no Fórum, em sala

especialmente designada para tal finalidade, por magistrado plantonista em sistema

de revezamento. Ademais, entenderam viável que o projeto fosse inicialmente

implementado somente na Comarca de Palmas, para assim, posteriormente e

progressivamente serem realizados nas demais comarcas.

No segundo encontro ressaltaram principalmente a importância da verificação

pelo magistrado se o conduzido sofreu algum tipo de violência por parte dos

representantes do Poder Público. Entenderam viável a possibilidade do requerimento

do exame de corpo de delito pelo juiz.

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A proposta realizada pelo Grupo de Trabalho foi submetida ao Pleno do

Tribunal de Justiça e aprovada no dia 02 de Julho de 2015, por unanimidade, de

votos. A aprovação resultou na Resolução n° 17 do TJTO, publicada no diário de

justiça n° 3610.

No dia 10 de Agosto de 2015 o presidente do Supremo Tribunal Federal e do

Conselho Nacional de Justiça, ministro Ricardo Lewandowski, lançou em Palmas o

projeto “Audiência de Custódia”.

O ministro ressaltou em seu discurso que a medida faz parte de uma política

que enfrentará a cultura do encarceramento no país.

No mesmo dia foi realizada a primeira audiência de custódia na comarca de

Palmas.

Ressalta-se que o Estado do Tocantins foi pioneiro na Federação ao possuir

100% dos processos digitalizados através do sistema e-proc, o que demonstra a

facilidade no acesso ao processo, extremamente importante diante a agilidade que

se impõe no procedimento da audiência de custódia.

Fase da Execução do Projeto da Audiência de Custódia

O projeto da audiência de custódia foi criado de fato no Tocantins no dia 2 de

Julho de 2015 com a aprovação da Resolução n° 17 do TJTO.

A primeira Audiência de Custódia do Estado do Tocantins se realizou no

Tribunal de Justiça no dia 10 de agosto de 2015 e foi conduzida pelo juiz Esmar

Custódio. Na presente audiência foi concedia a liberdade ao réu Wilson Moreira

Lopes, de 37 anos, acusado de ter furtado um par de tênis.

Foi realizada pesquisa de campo durante o período dos dias 10 de Fevereiro

a 20 de Abril de 2016 no Fórum Marques São João da Palma em Palmas/TO, na sala

de audiência de custódia.

Durante o período observatório dedicado à presença em diversas audiências

de custódia, assim como com entrevistas a juristas dedicados à área, vislumbraram-

se diversas conclusões.

Após sua instalação, o projeto vem sendo executado corriqueiramente no

cenário regional conforme estabelecido pelo Grupo de Trabalho, em concordância

com a Resolução n° 17, que entrou em vigor 20 dias após sua publicação, ou seja,

no dia 22 de Julho de 2015.

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Portanto, as audiências veem sendo realizadas diariamente em sala

específica no Fórum de Palmas por juiz plantonista designado.

Primeiramente, os presos em flagrante estão sendo encaminhados à

presença do juiz no prazo de 24 horas, através do auxílio da Secretaria de Segurança

Pública.

Ocorre que, apesar do artigo 2° da Resolução estabelecer o período das 14

às 18 horas para a realização das audiências, em diversas situações os magistrados,

que possuem discricionariedade parcial na fixação do horário, optaram em realizar o

feito no período da manhã, estabelecendo-a muitas vezes no horário das 9 ou 10

horas, ajustado previamente com o Promotor e Defensor constituídos.

Ressalta-se que o descumprimento do horário estabelecido na Resolução nº

17 do TJ/TO não causa prejuízo ao conduzido, na medida em que o prazo de 24 horas

vem sendo cumprido rotineiramente.

O que se pode perceber principalmente é a subjetividade alargada dos juízes

durante a audiência para decidirem discricionariamente sobre a liberdade do preso.

Ou seja, nota-se que o juiz possui uma grande margem de escolha ao definir quanto

à soltura ou a manutenção da prisão, haja vista que poderá conceder liberdade

provisória, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares ou mantê-lo

encarcerado.

Sobre a discricionariedade concedida aos magistrados, demonstra-se através

da tabela como veem sendo decidido numericamente o futuro dos presos em flagrante

nas audiências de custódia no Tocantins.

Durante a pesquisa de campo realizada entre os dias 10 de Fevereiro a 20

de Abril de 2016, concluiu-se:

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Comparando-se os períodos de pesquisa, percebe-se a continuidade das

percentagens mais elevadas das decisões que garantem a liberdade dos presos.

Diante o exposto, ainda que haja predominância da concessão de liberdade

provisória sobre a manutenção da prisão, a diferença é ínfima.

Não podemos dizer o mesmo quando se compara com os dados anteriores à

viabilização da audiência de custódia, onde predominava a permanência do preso em

flagrante no cárcere em relação à concessão da liberdade provisória, demonstrando-

se o amedrontamento dos juízes em liberar sem qualquer contato com o preso ou

requerimentos devidamente formulados pelo Ministério Público e/ou defesa.

Atualmente, percebe-se que o contato do preso com o juiz no prazo inferior a

24 horas veem viabilizando uma segurança maior ao magistrado, o que gera um

aumento na concessão de liberdade provisória, principalmente com a atual

possibilidade de impor a tornozeleira eletrônica, permitindo o controle do indiciado.

Importante ainda ressaltar quais as medidas cautelares diversas da prisão

estão sendo utilizadas com mais frequência pelos magistrados:

57%

1%

40%

2%

Concessão de liberdade provisória commedidas cautelares

Concessão de liberdade provisória semmedidas cuatelares

Conversão da prisão em flagrante paraprisão preventiva

Alegação de violência no ato

0

20

40

60

80

100Monitoração eletrônica

Fiança

Internação provisória do acusado

Suspensão do exercício de função pública ou deatividade econoômica/ empresarial

Recolhimento domiciliar no período noturno e diasde folga

Proibição de ausentar-se da Comarca

Proibição de manter contato com pessoadeterminada

Probibição de acesso ou frequência a determinadoslugares

Comparecimento periódico em juízo

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Pelo exposto, percebe-se que as decisões majoritárias permeiam-se na

fiscalização do preso através do monitoramento eletrônico, do comparecimento em

juízo e da proibição de ausentar-se da Comarca.

Quanto ao Mérito da Infração Penal

Outra questão que necessariamente deve ser abordada trata-se do limite

imposto ao juiz natural no que se refere ao mérito do cometimento da infração penal.

A imprescindibilidade da audiência de custódia permeia-se restritamente na

possibilidade de se levar o preso cautelar no prazo de até 24 horas à presença de

autoridade judicial para que possa ser verificado a necessidade de manutenção da

prisão em flagrante, sua conversão em prisão preventiva, a soltura condicionada ou

incondicionada do preso, assim como constatação de que foi respeitada a integridade

física e moral do detido.

Perante os objetivos devidamente traçados do projeto, percebe-se que as

restrições foram impostas implicitamente aos magistrados na medida em que traça

delimitadamente quais os assuntos deverão ser abordados durante a realização da

audiência.

Portanto, ao realizar a audiência de custódia, é imposto ao juiz competente o

limite do não adentramento no mérito do fato imputado haja vista que o objetivo da

realização da audiência se restringe na verificação da legalidade da prisão e da

necessidade de sua manutenção no cárcere.

Diante disto, é cediço que o juiz natural responsável pela realização da

audiência de verificação da legalidade da prisão não possui discricionariedade para

adentrar nas questões referentes ao mérito.

Dessa forma, não poderá o juiz questionar ao preso se realmente cometeu a

infração penal, se possui provas condizentes de suas alegações, se há testemunhas,

ou seja, perguntas que se referem ao mérito processual, que apenas serão avaliadas

posteriormente.

(I)constitucionalidade do Juiz Natural

A Resolução n° 17 do Tribunal de Justiça do Tocantins, já citado na íntegra,

trata-se de um ato normativo que regulamenta a realização da audiência de custódia

no âmbito do Estado, já previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos e

Pacto Internacional de Direitos Civis, ratificados pelo Brasil.

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O artigo 4° da Resolução do TJTO prevê que as audiências de custódia serão

realizadas por juízes e servidores plantonistas, ou seja, aqueles especificamente

designados.

Portanto, o juiz atualmente competente para a composição do ato altera-se

corriqueiramente através de todos os juízes da Comarca através da rotatividade entre

os juízes togados no Tribunal de Justiça do Tocantins. Ressalta-se ainda que a

competência vem sendo exercida não apenas por juízes com jurisdição criminal, mas

também pelos demais juízes.

Diante o surgimento do problema, vários debates regionais surgiram sobre o

tema, como a reavaliação de qual seria realmente o juiz competente para a realização

da audiência, questionando-se os juristas se o mais cabível seria o mesmo juiz que

realizará a audiência de instrução e julgamento ou se um juiz diverso.

Parte da doutrina local defende que a realização da audiência de custódia

pelo juiz competente para julgar o mérito poderia trazer certa imparcialidade no

julgamento, já que o juiz manteve um contato prévio com o preso, anterior à sua oitiva

na instrução processual.

Em contrapartida, entendo juntamente com parte diversa da doutrina regional

que a efetuação da audiência pelo juiz competente sobre o mérito geraria uma maior

absorção do magistrado em relação ao caso, adentrando mais profundamente no

íntimo dos acontecimentos e formando uma opinião mais sólida, consistente e

convicta sobre os fatos.

Ademais, o Auto de Prisão em Flagrante, em regra, é automaticamente

encaminhado ao juiz competente para o julgamento do mérito, não se visualizando

justificativa para que a decisão sobre a conversão da prisão em preventiva ou a

concessão de liberdade seja proferida por juiz diverso.

Pode-se afirmar que a consagração da competência para a realização da

audiência de custódia por magistrado diverso do responsável pelo recebimento do

Inquérito Policial e para o julgamento do mérito gera um juízo de Exceção, violação

direta à Constituição Federal, que veda o instituto.

O que ocorre atualmente com a execução do projeto da audiência de custódia

no Estado do Tocantins é presente inconstitucionalidade, na medida em que os

magistrados designados, como regra, não possuem competência criminal.

O princípio constitucional do juiz natural (artigo 5°, inciso LIII, da Constituição

Federal da República) propicia o julgamento dos processos por magistrado

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devidamente investido no cargo com competência atribuída anteriormente à

existência do fato que necessita ser apreciado pelo Poder Judiciário.

Pelo exposto, constata-se evidente inconstitucionalidade no artigo 4° da

Resolução n° 17 do TJTO haja vista que viola o princípio do juiz natural na execução

do projeto da audiência de custódia.

Sabe-se que, até o presente momento, apesar das discussões recentes, o

Tribunal de Justiça do Tocantins vem decidindo que a realização das audiências de

custódia deverão ser feitas por juízes togados indistintamente e regularmente de

maneira rotativa, para que não haja risco de adentrar no mérito processual.

O Monitoramento Eletrônico

A imposição do monitoramento eletrônico por meio da tornozeleira está sendo

uma das principais medidas cautelares diversas da prisão utilizadas nas decisões

proferidas pelos magistrados.

O sistema de monitoramento foi introduzido na Capital em Agosto de 2015

com o objetivo de desafogar as prisões da região, ao mesmo tempo em que mantém

o controle integral do preso ao indicar sua localização.

O que se vislumbra diante o excesso da utilização da novidade do

monitoramento é uma maior transmissão de segurança aos magistrados para a

concessão da liberdade provisória.

A finalidade do monitoramento eletrônico permeia-se na possibilidade do

controle do conduzido durante o período determinado sem sua retirada do convívio

social e consequentemente sem causar traumas desnecessários com sua privação

de liberdade.

Ocorre que, em Palmas, os juízes estão se utilizando excessivamente das

tornozeleiras eletrônicas como forma de garantir o monitoramento do preso em

liberdade, o que vem gerando preocupação dos aplicadores do Direito, haja vista que

o grande índice de utilização poderá causar sua escassez em um futuro próximo, já

que foram disponibilizadas apenas cerca de 250 para a Capital do Tocantins.

Deve-se ter em mente que o emprego desenfreado das tornozeleiras poderá

gerar uma cultura processual desastrosa e quiçá inconstitucional.

Considerações Finais

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As vantagens da implementação da audiência de custódia no Brasil são

inúmeras, sendo principalmente ajustar o processo penal brasileiro aos Tratados

Internacionais de Direitos Humanos, além de buscar reduzir o encarceramento em

massa no país, através do encontro do preso com o juiz, superando a tese da

“fronteira do papel”, presente no artigo 306, §1°, do CPP, onde o mero envio do auto

de prisão em flagrante para o magistrado fazia-se suficiente.

No Estado do Tocantins visualiza-se que a execução está sucedida quanto

sua finalidade de diminuir a utilização da prisão, que é ultima ratio, possibilitando o

contato prévio do juiz com o conduzido no prazo de até 24 horas.

Diante disto, percebe-se que os direitos fundamentais do preso veem sendo

resguardados com mais precisão e eficiência por parte do Poder Público.

Referências

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BRASIL. Decreto n° 592, de 6 de julho de 1992. Promulga o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm>. Acesso em: 01/04/2016.

CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo Penal e Constituição: princípios constitucionais do processo penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução nº 213, 15 dez. 2015, 9. abr. 2015. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2015/12/ 48d1666d3cfc32e3449857c6f0a0b312.pdf>. Acesso em: 16/04/2016.

GOFFI, Manuzy Amorim. Audiência de custódia: necessário controle de convencionalidade. Portal de internet Cleber Toledo. Disponível em <http://www.clebertoledo.com.br/estado/2015/04/14/68254-audiencia-de-c>. Acesso em: 26/03/2016.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Relatório de Pesquisa, nov. 2014. Disponível em <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/ PDFs/pmas_sum%20executivo%20final%20ipea_depen%2024nov2014.pdf>. Acesso em: 26/03/2016.

LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva,2014.

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OLIVEIRA, Eduardo Alvares de. Audiência de Custódia, desafios e possibilidades, 21 ago. 2014. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2014-ago-21/aury-lopes-jr-caio-paiva-evolucao-processo-penal>. Acesso em: 22/03/2016.

PAIVA, Caio. Audiência de custódia e o processo penal brasileiro. Florianópolis: Empório do Direito, 2015. Pagina 34.

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Tribunal de Justiça. Resolução nº 17/2015, 2 jul. 2015. Diário da Justiça nº 3610, Suplemento I, Ano XXVII, 3 jul. 2015.

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177

FALÊNCIA DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

Danillo Sandes Pereira

Rainer Andrade Marques

Introdução

É fato que a questão da segurança no Brasil é algo preocupante e quanto maior

a escalada da violência mais aumenta o debate sobre o papel social e político do

sistema penitenciário na recuperação dos indivíduos no seu interior. Assim, o

presente artigo busca identificar e promover a discursão sobre o Sistema

Penitenciário brasileiro, questionando como o mesmo está cumprindo seu principal

objetivo que é a ressocialização do detento ressaltando a importância do principio da

dignidade da pessoa humana.

Entende-se que o tema é relevante, uma vez que é evidente que o país se

encontra em crise quando o assunto é o sistema prisional, dessa forma, fica evidente

a necessidade de o Estado oferecer uma estrutura adequada para garantir o

cumprimento da Lei e consequentemente promover a ressocialização.

Para o desenvolvimento da pesquisa foi utilizada pesquisa bibliográfica em

livros e trabalhos científicos com assuntos pertinentes à problemática em questão.

Parte-se inicialmente da análise do sistema penitenciário brasileiro e as possíveis

causas de sua ineficácia; durante o desenvolvimento da pesquisa busca-se analisar

quais os motivos das revoltas dos presidiários buscando identificar as causas da

falência do sistema prisional brasileiro nesse contexto.

Posteriormente, serão analisados os reflexos dessa problemática na

sociedade, e, a aplicação do Princípio da Dignidade da pessoa humana e a

ressocialização do detento como forma de reintegra-lo e com isso diminuir os casos

de reincidência no Brasil. Finalizando assim, com a abordagem da ressocialização

como função principal da pena, ressaltando a importância da mesma para os

condenados e principalmente para a sociedade.

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Sistema Prisional Brasileiro

Infraestrutura do Sistema Carcerário Brasileiro

No ordenamento jurídico brasileiro, na sentença penal condenatória, nos

casos em que há pena de reclusão, é considerado o art. 59 do Código Penal:

Art. 59: O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta

social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

Segundo o código penal, dependendo da gravidade do ilícito cometido, há

três tipos de regimes para serem cumpridos: regime fechado, regime semiaberto e

regime aberto. A Lei de Execução Penal (LEP) determina para cada regime um

estabelecimento diverso (GRECO, 2011, p.482).

O legislador ao criar regimes diferentes de pena pretende considerar os fatos

subjetivos que ocorrem em cada prática criminosa, dando meios para o condenado

alcançar de forma progressiva a liberdade, de acordo com o tempo da pena e os fatos

que possivelmente ocorram durante o cumprimento da mesma. (GRECO, 2011,

p.494)

Segundo o art. 87 da LEP e art. 33, § 1º, as penitenciárias são os locais de

reclusão dos condenados em regime fechado, sabe-se que estes locais possuem

muitos problemas que impossibilitam a reinserção social dos mesmos: falta de

higiene, rebeliões, superlotação, descaso.

A Lei de Execução Penal em seu artigo 1º prevê que, além de exercer as

disposições da execução penal, as penitenciárias devem proporcionar condições

suficientes para o condenado conseguir reintegrar-se a vida social reabilitado. No

entanto, tendo em vista a falta de estrutura carcerária, que muitas vezes não oferece

suporte para atender a grande demanda de presidiários, o sistema prisional não

obtém êxito no emprego de suas sanções. (BENEVIDES, 2012)

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Assim, os presídios acabam sendo depósitos humanos onde, muitas vezes,

devido à desorganização e a morosidade dos processos judiciários, detentos

permanecem encarcerados por tempo maior que suas penas; e assim, devido à

vulnerabilidade do sistema de segurança pública existem condenado os quais não se

sabe nem sequer onde estão detidos. Segundo ainda Benevides (2012, p. 124), deste

modo percebe-se que por descaso de um sistema falho, não existe possibilidade de

recuperação desses seres para o convívio social. (DROPA, 2004)

Rebeliões

As rebeliões são consequência das condições de humilhação as quais os

detentos são submetidos e também da dificuldade do Estado em controlar de

maneira mas efetiva as penitenciárias , o que acaba facilitando o exercício de poder

de organizações criminosas exerçam seu poder e influência sobre os

encarcerados.(RABELO, 2011)

Essas mesmas organizações criminosas que organizam rebeliões, controlam

ações fora das prisões como o narcotráfico, por exemplo. Tais organizações

submetem aos demais presos a essas atividades criminosas; assim, surge o Regime

Disciplinar Diferenciado, que segundo Stefam e Gonçalves:

O incontável número de rebeliões sangrentas, o surgimento de perigosíssimas facções criminosas dentro dos presídios, a existência de líderes de quadrilha comandando outros criminosos de dentro das penitenciárias, o tráfico de drogas de dentro das cadeias, dentre outros motivos, levaram o legislador a aprovar diversas leis que dizem respeito especificadamente ao cumprimento da pena, modificando, deste modo, alguns dispositivos da Lei de Execução Penal. Uma dessas providências surgiu com a Lei n. 10.792/2003, que alterou o art. 52 daquela Lei e criou o regime disciplinar diferenciado, aplicável aos criminosos tidos como especialmente perigosos em razão de seu comportamento carcerário inadequado. Consiste na adoção temporária de tratamento mais gravoso ao preso que tiver infringido uma das regras legais (STEFAM e GONÇALVES, 2012, p.475).

.

Segundo o Regime descrito acima, os presos que incitarem rebelião, podem

ficar até 360 dias em alas especiais dos presídios, em celas individuais, com

restrições severas de visitas e atividades. No entanto, há muitos posicionamentos

contrários ao Regime Disciplinar Diferenciado, já que tais sanções são consideradas

processo que atinge a integridade física e mental do encarcerado, causando revolta

e ferindo o principio da dignidade humana, tornando-os mais hostis e agressivos.

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Sobre esse aspecto, fica evidente que o Regime Disciplinar Diferenciado

pretende trazer soluções paliativas para os problemas da massa carcerária; no

entanto, o mesmo traz algumas sanções que contradizem a essência do Direito Penal,

ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana, o qual ficou proibido pela

Constituição Federal que, traduz que, teoricamente, as penas devem ser efetivas para

reeducação do preso, e não para seu prejudicar sua saúde física e mental,

entendendo ser este Regime inconstitucional na visão humanitária.

Preso X Trabalho

A Constituição 1988 identifica o trabalho como um direito social, tendo em vista

que garante dignidade ao individuo dentro do meio social no qual está inserido. Para

Marinho (2009, p.309) não diferente, o preso também esta inserido nesse contexto,

de acordo com o art. 28 da LEP:

Art. 28 - O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva. § 1º - Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções relativas à segurança e à higiene. § 2º - O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

Ainda segundo Greco (2011, p.505), o trabalho funciona como resgate do

preso da prática criminosa, percebe-se que nas penitenciarias onde os presos não

exercem nenhuma atividade a quantidade de tentativas de fuga é maior do que

aquelas onde os detentos se ocupam em algum ofício. Afirma ainda que o trabalho

diminui a violência, a reincidência, aumenta a autoestima e assim, age resgatando a

dignidade humana. Dessa forma, fica claro o quanto a falta de ocupação é prejudicial

para a recuperação dessas pessoas, pois a ociosidade dá tempo aos condenados

para planejarem perversidades, fugas e até outros crimes. (MIRABETE, 2008, p.264)

Assim, fica claro o caráter ressocializador do trabalho atuando como

ferramenta fundamental para o desenvolvimento do indivíduo como cidadão, e diante

disso, transformar a cadeia em um lugar que motive e não apenas um local para

cumprimento de pena.

Penitenciárias e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

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O princípio da dignidade da pessoa humana surge da necessidade de poupar

os seres humanos de diversas violações que ocorreram durante a história. Entende-

se que o infrator, independentemente do delito cometido, ainda possui o atributo

essencial do ser humano – a dignidade - atributo esse que constitui o valor supremo

do Direito; dessa forma, o apenado, embora encarcerado, não deixa ser cidadão,

devendo ser assim respeitado. (BITENCOURT, 2011, p.210)

Dessa forma, Stefam e Gonçalvez (2012, p.110) ressaltam a atenção

necessária ao princípio da dignidade da pessoa humana, por ser um princípio

constitucional indispensável:

A dignidade da pessoa humana é, sem dúvida, o mais importante dos princípios constitucionais. Muito embora não constitua princípio exclusivamente penal, sua elevada hierarquia e privilegiada posição no ordenamento jurídico reclamam lhe seja dada a máxima atenção.

Ser privado de liberdade é uma forma de punir, no entanto, pelo Estado de

Direito vigente, punir não significa rebaixar, humilhar, desmoralizar, ressalta Mirabete

(2008, p.250). Assim, observando a falta de respeito por parte do Estado à dignidade

do preso, ou seja, aos direitos essenciais a vida, dificulta a ressocialização,

ressaltando a falha no sistema penitenciário que não responde aos anseios

pretendidos, tampouco consegue combater a criminalidade no país. (MARINHO,

2004, p.99)

O que se observa no Brasil é que os condenados além de perderem a

liberdade, perdem os direitos que a Constituição lhes garante; são tratados de

maneira desumana e abusiva, dessa forma, não reaprendem a reviver em sociedade.

Ainda sobre o assunto, Marinho e Freitas (2009, p.42):

Por outro lado, especificamente no que tange ao Direito Penal, a Lei maior estabelece regras fundamentais, entre os direitos e garantias individuais, de que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (art. 5º, III) e de que “não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.” Trata-se, pois, de destacadas limitações ao exercício do direito de punir do Estado, ligadas diretamente ao respeito à dignidade humana.

Assim, entende-se que a dignidade da pessoa humana é adquirida pelo ser

humano no nascimento e permanece com ele durante a sua existência, e é papel do

Estado a garantia da mesma. ( STEFAM e GONÇALVES, 2011, p.101)

Mas, devido à precariedade em que se encontram os presos brasileiros, com

a falta de higiene, a superlotação das cadeias, a predisposição à doenças e pouca

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assistência médica, a falta de estrutura , sem as mínimas condições necessárias,

percebe-se a falta de respeito do Estado quanto a concretização deste princípio

fundamental.

Ressocializar X Reincidir

Como já enfatizado, uma das funções primordiais da pena é a ressocialização

do detento, buscando diminuir a reincidência e ensinando-o a reaprender a viver em

sociedade não mais como infrator, mas conforme os padrões estabelecidos.

(BITENCOURT, 2011, p.47)

A ressocialização busca promover a dignidade, restabelecer a autoestima e

autoconfiança dos presos, além de planejar e efetivar projetos que estabeleçam

inserção profissional e resgate os direitos básicos dos mesmos. É notório que os

presídios brasileiros não proporcionam aos presos os efeitos da ressocialização,

dessa forma, a falta desse amparo ao detento, ao internado e ao egresso faz com

que estes voltem diversas vezes à penitenciária. (MARINHO e FREITAS, 2009, p.376)

Apesar de grande parte da sociedade, assim como a Criminologia Crítica,

acreditarem que não há possibilidade de ressocialização do delinquente, o devido

amparo do Estado pode resolver esta questão com a implantação de presídios onde

os presos possam conviver em harmonia em locais limpos e organizados, com

assistência médica trabalhar, com alimentação, vestuário e necessidades básicas

visando que o mesmo cumpra o mau cometido sem o desrespeito em que são

submetidos .

Bitencourt (2011, p.176) esclarece sobre a criminologia crítica:

Para a Criminologia Crítica, qualquer reforma que se possa fazer no campo penitenciário não terá maiores vantagens, visto que, mantendo-se a mesma estrutura do sistema capitalista, a prisão manterá sua função repressiva e estigmatizadora. Em realidade, a Criminologia Crítica não propõe o desaparecimento do aparato de controle, pretende apenas democratizá-lo, fazendo desaparecer a estigmatização quase irreversível que sofre o delinquente na sociedade capitalista.

No entanto, hoje existem muitas organizações, grupos, e instituições que

acreditam um delinquente marginalizado pode reaprender a conviver na sociedade

sem reincidir, isso pode se dá através da cultura, da arte e do trabalho, procuram

realizar a transformação social, despertando nas pessoas o que ainda de bom possa

existir, promovendo a ressocialização e a inserção dos ex-presidiários na

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comunidade, auxiliando para a redução da violência e da reincidência dos mesmos,

dando a estes oportunidades de emprego, benefícios e resgatando a cidadania dos

sentenciados.

Pinheiro, 2011 ressalta:

Nós, tentamos modificar o que é rotina em matéria de discriminação ao egresso do sistema prisional, para isso, utilizamos o prestigio alcançado pelo trabalho social que realizamos a mais de 20 anos. Temos tido um retorno maravilhoso e muitas pessoas estão sendo beneficiadas pelo projeto Empregabilidade. No meu ponto de vista, muita coisa tem mudado, temos desmoronado muitas opiniões a respeito do egresso, isso na pratica, quando mostramos que realmente é possível a transformação destas pessoas mediante a oportunidade dada.

Nessa perspectiva, os fatos demonstram que ainda estamos muito longe do

real cumprimento da função da pena e que as penitenciárias brasileiras deixem de

ser conhecidas como “universidades do crime local onde não há transformação onde

os que ali ingressam não podem ser reinseridos ao convívio social e reeducados e

acabem ficando aperfeiçoados na prática de diversos delitos.

Considerações Finais

O presente artigo procurou investigar a péssima realidade vivida pelos

condenados dentro das penitenciárias brasileiras e, destacar a situação encontrada

no País a qual se justifica principalmente pela omissão em relação às principais

funções da pena, quais sejam: reprimir e prevenir.

O tema investigado foi escolhido tendo em vista as discussões existentes

sobre os motivos que levam os presos a reincidir quando voltam à liberdade, e

também qual o motivo da revolta e rebeldia de maioria deles.

Inicialmente, procurou-se investigar e assim compreender as maiores

dificuldades vividas nos estabelecimentos carcerários. Em seguida, tentou-se

demonstrar o quanto o Princípio da Dignidade Humana é fundamental, tendo em vista

que a população carcerária é desprovida de consideração e atenção, mas em um

Estado Democrático é imprescindível a efetivação de tal princípios sem exclusões,

considerando que a Lei de Execução Penal garante um tratamento digno para os

apenados.

No último momento da pesquisa, abordou-se a reintegração social do detento

diante do ambiente hostil em que vive, e também a preocupação quanto à reinserção.

Podendo constatar-se assim que a adequada aplicação de tais conceitos é

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direcionada também para a resolução de graves problemas sociais enfrentados pelo

país

Diante dos fatos, mesmo não tendo soluções para todos os problemas, não

se pode deixar de questionar, debater e assim tentar promover ao menos a melhoria

da situação. Mesmo diante de situações frustrantes, entende-se que não se pode

perder as esperanças de inserir no país penitenciárias que ofereçam um ambiente

disciplinar adequado que ofereça, dentre outras coisas, o resgate da cidadania

perdida e possibilidade de construção da identidade desse marginal.

Dessa forma, em hipótese formulada diante da problemática proposta fica

comprovada sim, a deficiência do sistema penitenciário brasileiro, e que tal

deficiência é consequência das péssimas condições em que os detentos se

encontram; péssima alimentação, falta de estrutura, rebeliões, ociosidade, falta de

perspectiva; acredita-se que tais fatos sejam atribuídos ao descaso do Estado em

proporcionar um local para reeducá-los, uma vez que esquece-se que possuem

direitos, apesar de estarem em cárcere pelos delitos cometidos.

Assim, fica claro que é fundamental a necessidade da garantia da dignidade,

direito fundamental que é assegurado à todas as pessoas em qualquer situação de

sua existência.

Referências

BENEVIDES, Paulo Ricardo, Advogado na área criminal e conciliador do Juizado Criminal, em Salvador/BA.Disponível em: <http://revistavisaojuridica.uol.com.br/advogados-leis-jurisprudencia/59/superlotacao-x-penasalternativas-213023-1.asp. >Acesso em: 28 out. 2014 BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de direito penal: parte geral. 16. ed. SãoPaulo: Saraiva, 2011. BRASIL.LEI Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984. DROPA, Romualdo Flávio. Direitos humanos no Brasil: a exclusão dos detentos. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 333, 5jun. 2004 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5228>. Acesso em: 29 out. 2012. ESTEFAM, André; GONÇALVEZ, Victor Eduardo Rios. Direito Penal esquematizado: parte geral. São Paulo:Saraiva, 2012. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.

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SILVA, Darlúcia Palafoz. O art. 5º, III, da CF/88 em confronto com o sistema carcerário brasileiro. JusNavigandi, Teresina, ano 17, n. 3145, 10 fev.2012 . Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/21053>. Acesso em: 09 set. 2013.

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RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DO ROMPIMENTO DE NOIVADO

Kíscilla Sampaio de Amorim Abreu

Rainer Andrade Marques

Introdução

O noivado é um instituto milenar, que está enraizado em diversas culturas

pelo mundo inteiro como acordo mútuo, recíproco e na maioria das vezes verbal que

precede a cerimônia do matrimônio, e que geralmente não produz efeitos já que se

trata de uma simples promessa que não tem natureza jurídica de contrato. Todavia,

há que se esclarecer aprioristicamente que ninguém será compelido a se casar, não

existe nenhuma obrigação quanto a isso, visto que a liberdade é um direito

constitucionalmente reconhecido, devendo ser respeitado em toda e qualquer

circunstância.

Os motivos ou sentimentos que levaram uma pessoa a pretender casar,

podem simplesmente deixar de existir, ou reduzir com o passar do tempo, e o(a)

noivo(a) é totalmente livre para se manifestar, se arrepender, e desistir até o

momento da celebração, desde que faça isso justificadamente. Essa liberdade

perdura até mesmo após o matrimônio, já que ninguém é obrigado a casar-se, nem a

manter-se casado. Entretanto, em algumas situações, poderá o noivo desistente ser

responsabilizado e ter o dever de reparar o dano sofrido pelo outro nubente, a título

material ou moral.

Diante disso indaga-se: quando haverá a responsabilização civil do(a)

noivo(a) pelo rompimento de noivado? E ainda, é possível a reparação por dano moral

decorrente da ruptura desse compromisso? No desenvolvimento do trabalho essas

indagações serão devidamente respondidas. Contudo, desde já, vale adiantar que

não é a mera desistência que enseja a reparação, e sim a maneira com a qual se

desfaz tal promessa. O tema é de interesse imensurável, já que versa sobre uma

espécie de responsabilidade civil, até então pouco conhecida e pouco estudada pelos

operadores do Direito e pelas pessoas de uma maneira geral, prova disso é a escassa

doutrina que trata do assunto.

Veremos no desenrolar deste artigo que é perfeitamente possível que a

ruptura da promessa de noivado acarrete ao noivo desistente o dever de prestar

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indenização ao outro nubente, desde que sejam atendidos alguns pressupostos

gerais e específicos da responsabilidade civil. No que tange ao dano moral, este

poderá caracterizar-se desde que um nubente ofenda o outro, ou mesmo submeta-o

a uma humilhação pública.

A pesquisa tem como objetivo principal analisar as hipóteses

caracterizadoras da responsabilidade civil proveniente do desfazimento do noivado,

verificando se a reparação é de cunho material ou moral. Ademais objetiva-se

especificamente verificar quais são os requisitos gerais e específicos exigidos para a

configuração da responsabilidade civil pelo rompimento de noivado e explicar sobre

a possibilidade de reparação por dano moral causado pelo(a) nubente arrependido(a),

demonstrando a cizânia doutrinária e jurisprudencial acerca do tema.

O presente trabalho será desenvolvido através de pesquisa bibliográfica,

buscando-se fontes jurídicas pertinentes ao assunto, visto que o tema está inserido

em um arcabouço literário, e é através deste que será debatido a conceituação,

histórico e espécies de reparação civil segundo a doutrina, além dos posicionamentos

conflitantes e jurisprudência concernente ao tema. A mencionada pesquisa é

qualitativa, já que considera a existência de uma relação dinâmica entre mundo real

e sujeito, e não tem como finalidade gerar gráficos. Destarte, o procedimento a ser

utilizado é o bibliográfico, visto que o tema evidentemente exige uma análise

aprofundada nos livros, artigos e julgados que versam sobre a matéria. Vale

mencionar que a pesquisa é descritiva, e o método de abordagem a ser feito será o

dedutivo.

Por fim, o desenvolvimento do artigo será dividido em quatro seções que

discorrerão a priori sobre uma análise histórica e o surgimento do noivado, a posteriori

exporá o conceito conforme a doutrina majoritária, regulamentação do noivado,

responsabilidade civil decorrente do rompimento de noivado, possibilidade de

configuração do dano moral, requisitos gerais e específicos exigidos para essa

espécie de responsabilidade, extensão do dano indenizável e finalmente a

jurisprudência pertinente a matéria.

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Breve Histórico Sobre o Noivado

O noivado, que também pode ser chamado de “esponsais” não surgiu

repentinamente, muito pelo contrário, ele se construiu como um acordo que tinha a

mesma finalidade que possui atualmente, mas que se transformou significativamente

com o passar dos anos, tornando-se uma verdadeira tradição calcada na confiança,

amor e respeito mútuos e dotado de legitimidade, publicidade, veracidade e grande

valor social.

É relevante registrar que há aproximadamente 3.000 a.C., os egípcios e

hindus já usavam anéis para simbolizar a aliança entre homem e mulher. Segundo

eles o anel em formato de círculo representava o amor que não tem um fim,

simbolizando fidelidade e cumplicidade. Depois de algum tempo, no ano 3 a.C.,

Alexandre o Grande imperou no território egípcio e o costume foi disseminado na

Grécia.7

Nestes termos, Ruggiero (1999 apud GONÇALVES, 2015, p.) assevera que:

O matrimônio é sempre precedido de uma promessa de casamento, de um compromisso que duas pessoas de sexo diferentes assumem reciprocamente. Essa promessa era conhecida dos romanos pelo nome de sponsalia (esponsais) e, além de solene, gerava efeitos. Havia uma espécie de sinal ou arras esponsalícias que o noivo perdia, ou até as pagava em triplo ou em quádruplo, se desmanchasse o noivado injustificadamente.

Como se pode notar, em tempos passados o noivado era considerado um

compromisso composto de formalidades e se aperfeiçoava através da entrega do anel

esponsalício á noiva, simbolizando comprometimento e efetividade ao acordo. Deste

modo, caso o noivo rompesse a promessa desarrazoadamente, seria obrigado a

pagar as arras esponsalícias, que nos dias atuais se resumiria em uma ação de

perdas e danos. Vale dizer, a quebra do noivado produzia efeitos concretos na

sociedade e no mundo jurídico, e em contrapartida atualmente essa ruptura

geralmente não produz consequências relevantes para o Judiciário, além disso

percebe-se que não é mais conferido solenidade aos esponsais, tal como era

conferido antes, já que quase sempre ele é realizado de maneira verbal, sem

nenhuma formalidade, o que leva a concluir que esse instituto sofreu e sofre muitas

mudanças pelo decurso do tempo.

Conceito e Regulamentação do Noivado

7 Disponível em: <http://www.epochtimes.com.br>. Acesso em: 15 jan. 2016.

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Nas palavras Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2008, p. 104),

o noivado, “é o ato pelo qual as partes interessadas prometem, recíproca e livremente,

casar e, para tanto, assumem obrigações recíprocas, como o pagamento das

despesas com a habilitação para o casamento, o enxoval (…)”.

Diniz (2012, p.213) esclarece que: “o matrimônio, em regra, é precedido de

noivado, esponsais ou promessa recíproca que fazem um homem e uma mulher de

futuramente se casarem”.

Sintetizando o exposto, podemos conceituar o noivado como acordo prévio

e verbal que duas pessoas assumem reciprocamente com a finalidade precípua de

se casarem futuramente.

Ademais, com relação a natureza jurídica do noivado, uma parcela doutrinária

considera-o como um verdadeiro contrato preliminar, visto que antecede um outro

contrato que é o casamento, este dotado de direitos e obrigações recíprocas,

solenidades e efeitos jurídicos, e além disso os autores sustentam que o noivado

preenche todos os elementos fundamentais do negócio jurídico, que são agentes

capazes, manifestação de vontade, objeto e forma prescrita e não defesa em lei,

conforme inteligência do artigo 104 do Código Civil. Todavia discordamos deste

entendimento, posto que diante de um inadimplemento, não se poderia exigir a

execução coercitiva do objeto contratual, por uma razão bastante óbvia: ninguém será

condenado a se casar sem sua livre e espontânea vontade, visto que do contrário se

estaria viciando a manifestação de vontade dos noivos e invalidando o negócio

jurídico principal que é o casamento.

No tocante a regulamentação, o instituto em comento é previsto por inúmeras

legislações internacionais, sendo que algumas o consideram como verdadeiro

contrato, dessa forma no caso de inadimplência, aquele que desistiu terá o dever de

reparar (Códigos Civis alemão e suíço, leis escandinavas e direito anglo americano),

diferentemente dos Códigos Civis austríaco, espanhol, italiano, grego, holandês,

peruano, português e venezuelano, que não reconhecem o noivado como contrato,

contudo designam ao nubente abandonado(a) uma indenização. Vale notar que

algumas leis foram totalmente silentes a respeito do assunto (Código Civil brasileiro,

romeno e francês), sendo que a legislação argentina, colombiana, uruguaia e chilena

explicitamente não atribuiu nenhum efeito ao instituto. (ESPÍNOLA apud CHAVES,

1974).

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O citado instituto no Brasil foi disciplinado primeiramente pelas Ordenações

do Reino, no período de pré- codificação e posteriormente foi regulamentado pela lei

portuguesa de 6 de outubro de 1784, que versava sobre os esponsais e seus efeitos

jurídicos, já que se fosse rompida a promessa esponsalícia, ensejaria o pagamento

de uma multa a título de reparação de danos, e por fim foi regulado pelos artigos 76

a 94 da Consolidação das Leis Civis de 1858.

Não obstante ter sido previsto pelas mencionadas leis, os esponsais ou

noivado não se encontra mais disposto na legislação pátria atual, visto que não foi

inserido no Código Civil de 1916, tampouco no Códex de 2002. Vale dizer, o noivado

não foi disciplinado de forma específica em nenhuma lei brasileira, nem a

responsabilidade que poderá advir do seu desfazimento, portanto se restar

configurada, tal responsabilidade deverá se basear na regra geral do ato ilícito.

Responsabilidade Civil Decorrente do Rompimento de Noivado

Aprioristicamente, é mister esclarecer que o noivado, advém, via de regra, de

um relacionamento amoroso, e este é eivado de riscos e instabilidade, estando

alicerçado em sentimentos que em razão de sua própria natureza poderão surgir e

desaparecer a qualquer momento, visto que as relações são baseadas em fatores

subjetivos e são repletas de fragilidade que emanam da própria essência do ser

humano.

Neste sentido, como a liberdade é princípio de ordem pública que deve reger

todas as relações públicas e privadas, o(a) noivo(a) é livre para decidir se quer ou

não se casar, não podendo portanto, ser condenado a executar o cumprimento da

promessa esponsalícia, já que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer

alguma coisa senão em virtude de lei. Na mesma linha de raciocínio, Diniz (2012,

p.213) ensina que: “não há obrigação legal de cumprir os esponsais e muito menos

autorização normativa para propor qualquer ação para cobrança de multa em caso

de sua inexecução”.

Sendo assim, o(a) nubente poderá espontaneamente desfazer o acordo que

precede o matrimônio, desde que esteja ausente qualquer ofensa à honra, imagem;

difamação; injúria; ameaça; coação, ou quaisquer outras condutas que configurem

ato ilícito. Portanto, em suma a mera ruptura do noivado, livre de quaisquer vícios ou

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atitudes ofensivas não tem o condão de compelir o promitente arrependido a ressarcir

o dano, através de indenização, já que neste caso, em tese, inexiste dano.

Como se observa, não é o rompimento em si que enseja a obrigação de

indenizar, e sim a maneira com a qual se desfaz tal promessa, o que deve ser

analisado é o comportamento daquele que quebra o acordo, haja vista que se tiver

agido de maneira ilícita, terá que responder pelos danos que efetivamente causou.

Aprofundaremos mais neste assunto, no tópico seguinte que versará sobre a

responsabilidade no caso de danos morais causados pelo noivo.

No que tange a responsabilidade civil decorrente do rompimento de noivado,

vale notar que esta é extracontratual ou aquiliana , já que não provém propriamente

de um contrato, e não se pode obrigar o noivo a cumprir a prestação de se casar,

assim por não existir um liame jurídico entre a vítima e o agente causador do dano é

que se trata de responsabilidade extracontratual.

Mister lembrar que nesse período que antecede o matrimônio, os noivos

realizam inúmeras despesas referentes á cerimônia, muitas vezes até desistem de

trabalhar e estudar, somente para se dedicarem exclusivamente aos preparativos do

casamento, efetuando gastos com convites, móveis e imóveis, vestidos para o

casamento, viagens, decoração, fotógrafos, buffets, dentre outros. Imagine-se que

depois de pagas as citadas despesas, o(a) noivo injustificadamente não queira mais

construir um vínculo conjugal com o(a) outro(a) parceiro(a), neste caso hipotético

existiria um dano material a ser reparado? A resposta parece óbvia, já que se houve

efetivos gastos com a cerimônia que não se realizou por conta da desistência do(a)

nubente, e se aqueles podem ser provados, resta configurado um dano material, que

deverá ser ressarcido.

Gonçalves (2015, p.72) coaduna com esse posicionamento, afirmando que:

Tendo em vista as futuras e próximas núpcias, os noivos realizam despesas de diversas ordens: adquirem peças de enxoval, alugam ou compram imóveis, adiantam pagamento de bufês, de enfeites da igreja [...] etc. O arrependimento do outro, acarretará, então, prejuízos ao que tomou tais providências. Se não houve justo motivo para a mudança de atitude, o prejudicado terá o direito de obter judicialmente a reparação do dano.

Acertado a concepção do autor, tendo em vista o dano patrimonial provocado

pelo que desistiu do noivado, valendo lembrar que o agente não será punido pelo

desamor, ou simplesmente por desistir da promessa, mas sim pela lesão que causou

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ao patrimônio da vítima, ao induzi-la a custear parcial ou totalmente as despesas

atinentes ao matrimônio.

Entretanto, existem aqueles que discordam do citado ponto de vista,

defendendo que não se pode aceitar pretensões indenizatórias desta natureza, já que

se deferida a indenização estaria forçando o noivo desistente a se retratar como

maneira de se livrar de tal prestação.

Essa compreensão não deve prosperar, porque conforme já discutido a

indenização não tem o fim de constranger o noivo a cumprir a promessa esponsalícia,

visto que de fato as relações amorosas são permeadas de suscetibilidades e

incertezas e por isso mesmo a qualquer momento podem ser desfeitas, o que se

considera é apenas o estrago produzido pela quebra do acordo no momento em que

já haviam sido realizados gastos com a celebração, que somente não ocorreu pela

desistência voluntária, imotivada e definitiva do(a) nubente.

No tocante ao posicionamento da jurisprudência, apesar de algumas

divergências, o entendimento predominante é no sentido de condenar aquele que

desfez o noivado, ressarcindo os custos relacionados à futura união, já que os

tribunais não admitem o enriquecimento sem causa.

Possibilidade de responsabilização por dano moral

Questão mais controvertida diz respeito a possibilidade de indenização por

dano extrapatrimonial causado pelo ruptura do noivado, isso porque é tarefa do

intérprete definir as hipóteses de configuração de danos morais através de uma

análise casuística baseada em princípios basilares do ordenamento jurídico, leis

esparsas e conceitos jurídicos indeterminados. É sabido que para caracterização da

responsabilidade civil exista uma ação ou omissão voluntária contrária ao direito que

gere dano a outrem, ainda que exclusivamente moral.

É interessante notar que, a responsabilidade civil decorrente do rompimento

de noivado é aquiliana e se faz necessário uma ação ou omissão dolosa ou culposa

que ocasione um dano e que exista nexo de causalidade entre os dois primeiros,

desta forma podemos entender que se trata de responsabilidade subjetiva, que é a

regra em nosso ordenamento jurídico, tendo em vista que as hipóteses de

responsabilidade objetiva devem estar expressamente previstas em lei. Portanto

aquele que alega ter sofrido uma lesão moral, deve provar cabalmente o dano sofrido.

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Confirmando esta percepção, Gonçalves (2015, p.329) preleciona que:

A culpa será contratual ou extracontratual conforme a natureza do dever violado.[...] Se o dever violado for o genérico, imposto no art. 186 do Código Civil (neminem laedere), a culpa será extracontratual. Neste caso, a sua prova, a ser produzida pela vítima, tornar-se-á imperiosa, ressalvadas as hipóteses de responsabilidade independentemente de culpa, como as previstas, verbi gratia, nos arts.927, parágrafo único, 933 e 938 do referido diploma.

Como visto, a responsabilidade civil advinda do desfazimento do noivado se

sujeita a regra geral do ato ilícito, diante da ausência de lei que regulamente esta

espécie de responsabilidade. Exatamente pela ausência de regulamentação, que

alguns juristas argumentam que seria inadmissível a reparação por rompimento

injustificado dos esponsais em razão de inexistência de lei estrita que verse sobre

este assunto. Ora, o intérprete não pode se valer somente de leis específicas para

aplicação do direito, senão estaria vinculado a uma convicção extremamente

legalista, ao contrário disso ele poderá se basear por princípios fundamentais,

tratados internacionais e normas jurídicas orientadoras que irão conferir maior

respaldo e legitimidade em suas decisões.

É notório que todo fim de relacionamento traz dor, tristeza e frustação para

aquele que produziu expectativas em vão e se sentiu enganado e iludido com a

relação. Vale frisar que não são os meros dissabores e aflições que acarretarão a

obrigação de indenizar, visto que estes são sentimentos comuns a qualquer pessoa

devido a fragilidade humana. Sendo assim, o que deve ser analisado é o

comportamento daquele que rejeitou o casamento, se suas atitudes ofenderam de

alguma maneira à honra, nome, imagem da vítima, expondo a uma humilhação

pública, ou ainda se o rompimento foi realizado de forma vexatória, humilhante,

difamante, injuriosa, violando direitos de personalidade, incorrerá em ato ilícito e

deverá responder pelos danos gerados.

Vale dizer, não é a simples ruptura que origina o dever de indenizar, mas o

modo com a qual é realizada aquela, já que do contrário se puniria todo e qualquer

desfazimento de esponsais. Alguns parâmetros devem ser apreciados no julgamento

e decisão de pretensões indenizatórias de cunho moral desta espécie de

responsabilidade, tais como: publicidade do acordo esponsalício, proximidade entre

o rompimento e a celebração do matrimônio, e cometimento do ato ilícito, ora

mencionado. Entende-se que quanto maior a publicidade conferida ao noivado, maior

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também o dano moral causado à vítima, visto que neste caso aumenta-se o grau de

exposição daquela.

A proximidade do enlace matrimonial também deve ser considerada, visto

que quanto mais próximo este rompimento estiver da cerimônia, maior será a dor,

vexame e humilhação experimentados pela noiva abandonada. Ou seja, apesar de

deter autonomia de vontade e liberdade suficiente para escolher entre casar ou não,

o parceiro que decidir romper o compromisso de noivado, deverá fazê-lo com uma

boa dose de cautela, tendo em vista que existem entendimentos doutrinários

assegurando que arrepender-se ás vésperas do matrimônio, quando já tiver sido

distribuído os convites e realizados gastos, como por exemplo decoração, buffet,

vestidos para a cerimônia, dentre outros, acarretará a obrigação de reparar para

aquele que desistiu.

Nestes termos, o princípio fundamental e alicerce de toda a Constituição

Federal, que é a dignidade da pessoa humana deve estar presente em todas as

relações privadas e públicas, e prevalece sobre a autonomia da vontade e liberdade

de contratar, sendo que qualquer ato que atente contra esse fundamento

constitucional, deverá ser reprimido.

Rui Stoco (2007, p.899) explica que:

Somente em hipóteses excepcionais em que o rompimento ocorra de forma anormal, através da mentira, do engodo e da indução em erro e, principalmente, da ofensa, do vilipêndio, humilhação infamante e ignóbil é que se justifica a reparação civil, através da composição do dano material ou da compensação por dano moral, como na hipótese do indivíduo casado, que se diz solteiro e livre, mas que mantém sua noiva em erro até às vésperas do suposto casamento, obrigando-a a despesas vultosas, providências urgentes com aquisição de bens, confecção de roupas, e submetendo-a ao ridículo junto à comunidade.

Em suma, se a atitude do(a) noivo(a) for completamente injustificada,

malvada e de alguma maneira atingir a direitos de personalidade que são

expressamente resguardados e considerados invioláveis pela Carta Magna, e além

disso são direitos inerentes a dignidade da pessoa humana, deverá responder

civilmente pela lesão efetivamente provocada. Relevante esclarecer que existem

inúmeras situações que poderão suscitar a obrigação de reparar, não sendo possível

prever taxativamente todas as possíveis hipóteses de ressarcimento devido as

nuances e peculiaridades de cada caso. Dessa forma, compete ao julgador analisar

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os excessos e violações de maneira livre e motivada, e assim decidir se deve ou não

ser deferida uma justa indenização.

Pressupostos Gerais e Específicos da Responsabilidade Civil

É sabido que para configuração de responsabilidade civil, necessário atender

á alguns pressupostos, são eles: conduta comissiva ou omissiva contrária ao direito;

culpa ou dolo do agente, nexo de causalidade entre a ação e o resultado, e por fim o

dano. Estes são os pressupostos gerais, considerados elementos essenciais de toda

responsabilidade civil, exceto as hipóteses de responsabilidade objetiva que

prescindem de culpa e são amparadas pela teoria do risco, especificamente previstas

em lei.

O dolo é a vontade e intenção de causar o dano, mesmo que o resultado seja

previsível e a culpa supramencionada é a stricto sensu, revelada através da

imprudência, negligência ou imperícia do agente. Esta espécie de culpa pode ser

classificada como grave, leve ou levíssima, e o grau de culpabilidade do agente não

influenciará necessariamente na definição da indenização, já que a lei pátria adotou

a teoria in lege Aquilia et levíssima culpa venit, ou seja ainda que a culpa seja

levíssima poderá produzir o dever de reparar.

Embora já discutido, é importante frisar que a natureza da culpa está

diretamente relacionada com o dever violado, se este for oriundo de uma relação

contratual aquela será também contratual, todavia caso a violação transgrida o dever

genérico de não causar dano a outrem previsto no artigo 186 do Código Civil,

estaremos diante da culpa extracontratual ou aquiliana.

No que toca a responsabilidade civil advinda do rompimento de noivado, uma

porção de autores trazem alguns pressupostos específicos exigidos para o

reconhecimento daquela. Nesta esteira, Barros Monteiro ( , p.34-35) estabelece três

requisitos, in verbis:

a)que a promessa de casamento tenha emanado do próprio arrependido, e não de seus genitores; b)que o mesmo não ofereça motivo justo para retratar-se, considerando-se como tal exemplificativamente, a infidelidade, a mudança de religião ou de nacionalidade, a ruína econômica, a moléstia grave, a condenação criminal [...] c)o dano.

Diniz (2012, p.213) determina quatro pressupostos para que se configure a

reponsabilidade, são eles:

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a)que a promessa de casamento tenha sido feita, livremente, pelos noivos e não por seus pais. [...] b)que tenha havido recusa de cumprir a promessa esponsalícia por parte do noivo arrependido e não de seus genitores, desde que esta tenha chegado ao conhecimento da outra parte.[...] c)que haja ausência de motivo justo, dando ensejo á indenização do dano, uma vez que neste caso não há responsabilidade alguma se não houver culpa grave (erro essencial, sevícia, injúria grave, infidelidade); leve (prodigalidade, condenação por crime desonroso [...];levíssima (mudança de religião, grave enfermidade, constatação de impedimentos ignorados pelos noivos etc.). d)que exista dano [...].

Sinteticamente, os doutrinadores assentaram o entendimento de que a

promessa de casamento e a desistência do noivado devem emanar dos noivos e não

de seus genitores, além disso é forçoso que inexista motivo justo para a ruptura do

acordo, advindo daí a culpa que pode ser grave, leve ou levíssima a depender do

caso, e finalmente o dano causado pelo liame entre a conduta e o resultado. Vale

lembrar que o intérprete poderá exigir outros pressupostos que julgar necessários na

condução e instrução do processo , tendo liberdade para indagar e contrapor as

provas apresentadas e decidir conforme sua livre convicção motivada, sendo

assegurada às partes o contraditório e ampla defesa.

Extensão do dano indenizável

Assunto que merece ser ventilado é quanto a extensão do dano indenizável

quando houver responsabilidade civil do(a) nubente pela dissolução dos esponsais.

Se o dano causado for material, entende-se que o agente deverá ressarcir todas as

despesas realizadas em virtude do futuro matrimônio, como os gastos com viagem,

aluguel de peças que só seriam usadas na cerimônia de casamento, reserva de local

de festas, vestidos, maquiagem e acessórios utilizados, dentre outros. Muitos autores

entretanto, entendem que a indenização deve ser mais ampla e abranger todo e

qualquer tipo de dano patrimonial relacionado às futuras núpcias, inclusive quando “a

noiva é obrigada pelo noivo a renunciar a uma herança ou doação; a demitir-se do

emprego tendo em vista o próximo matrimônio; a não ter ocupação remunerada”.

(DINIZ, 2012, p.215).

Uma significativa parcela doutrinária concorda com o citado posicionamento,

entendendo ser totalmente viável e possível que a pretensão indenizatória

compreenda todas as despesas relacionadas ao casamento, inclusive as renúncias

ou decisões tomadas em virtude matrimônio, como por exemplo a desistência de

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emprego ou abandono de estudos, enfim quaisquer prejuízos decorrentes da quebra

do noivado. No tocante ao dano moral, a questão é ainda mais controvertida, isso

porque alguns defendem que não seria possível existir dano já que a ruptura dos

esponsais constituem fatos comuns da vida e que não tem relevância jurídica em si;

outros obtemperam afirmando que é possível a configuração daquele desde que a

atitude do(a) noivo(a) seja malvada, injustificada ou arbitrariamente contrária ao

direito e aos bons costumes, logo provada a lesão sofrida a indenização seria devida.

Neste sentido, Gonçalves (2015, p.73-74) preconiza que:

Se o arrependimento for imotivado, além de manifestado em circunstâncias constrangedoras e ofensivas à sua dignidade e respeito (abandono no altar ou negativa de consentimento no instante da celebração), o direito à reparação nos parece irrecusável.

Concordamos com esse ponto de vista, posto que a noiva que é abandonada

no altar além da dor e humilhação pública, sofre o estigma de que “foi enganada ou

enrolada”, ou que “ficou pra titia”, logo a ruptura injustificada e ofensiva pode trazer

danos psicológicos quase irreparáveis para a noiva. Saliente-se que a fundamentação

legal da pretensão indenizatória está baseada na dignidade humana e nos princípios

constitucionais que resguardam a honra, a imagem, a intimidade e a personalidade

individual.

No que tange a jurisprudência, esta não é uníssona com relação a

responsabilidade civil, existindo julgados que tendem a defender com veemência tal

responsabilidade, entendendo pela configuração de obrigação de reparar o dano

sofrido pelo noivo abandonado, e outros afastando qualquer espécie de

responsabilidade civil quanto a ruptura do noivado, alegando tratarem-se de fatos

cotidianos da vida que não têm nenhuma relevância para o mundo jurídico. Neste

sentido, os julgados do Tribunal de Justiça do Paraná entendem que:

1. Não se conhece de agravo retido se não reiterado o pedido de seu julgamento nas razões ou contra-razões de apelação (art. 523, § 1º, CPC). 2. Evidenciadas circunstâncias gravemente injuriosas para a nubente em razão do rompimento da promessa de casamento, não há como afastar-lhe do direito à indenização almejada, sendo certo que o art. 5º, inc. X, da Constituição Federal, garante o direito à reparação de danos materiais e morais nas hipóteses de ofensa aos direitos de personalidade.3. Tendo em conta que os danos materiais, representados pelos gastos realizados em prol do casamento, não foram desconstituídos por prova em sentido contrário, devem ser ressarcidos à nubente abandonada.4. Os danos morais não reclamam prova robusta e são inferidos das circunstâncias do caso concreto, estando eles representados na dor, na vergonha ou qualquer outra sensação que cause sofrimento à pessoa. Sem dúvida que o comportamento daquele

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que rompe injustificadamente o noivado, poucos dias antes da data marcada para o enlace e após serem realizados todos os preparativos para o evento, provoca dor, tristeza e sofrimento para a noiva, acarretando a perda de sua auto-estima e, principalmente, fazendo-a passar por constrangimentos e humilhações perante seus convidados, amigos e familiares, além do trauma emocional em virtude da ruptura da convivência, motivo pelo qual subsiste o dever de indenizar.5. Na fixação do dano moral, deve o magistrado levar em conta critérios de proporcionalidade e razoabilidade, atendidas as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado, não podendo constituir fonte de enriquecimento ilícito e tampouco representar valor ínfimo que não sirva como forma de desestímulo ao agente.(TJ-PR – AC 3309815 PR 0330981-5, Relator: Macedo Pacheco, Data de Julgamento: 06/07/2006, 8º Câmara Cível). RESPONSABILIDADE CIVIL - ROMPIMENTO DE NOIVADO - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - IMPROCEDÊNCIA. Não ostenta procedência o pleito de indenização por dano moral em decorrência de rompimento de noivado, visto esse fato por si só não constitui ato ilícito. Poderá concretizar-se um ato ilícito por força de circunstâncias outras e disso decorrentes, como é o caso de, com o rompimento, uma pessoa submeter a outra a constrangimento ou a humilhação.Mas a indenização decorrerá não do rompimento em si, mas tão somente desse constrangimento ou humilhação, em virtude do qual é atingida a honra pessoal de outrem.(TJ-PR - AC: 933744 PR Apelação Cível - 0093374-4, Relator: Pacheco Rocha, Data de Julgamento: 29/05/2001, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 25/02/2002 DJ: 6068).

Conforme visto, o julgamento vai considerar a caracterização dos elementos

da responsabilidade civil e a prática de ato ilícito que transgrida princípios de natureza

contratual, notadamente a boa fé objetiva, confiança, transparência e solidariedade,

e se for o caso a violação de direitos da personalidade, o que leva a repisar que não

é qualquer rompimento de esponsais que ensejará a obrigação de reparar, visto que

em regra o mero desfazimento não tem o condão de responsabilizar o noivo, salvo

nos casos em que o comportamento daquele proporcione danos materiais e/ou

morais ao nubente.

Considerações Finais

Primeiramente, calha ressaltar que em regra o simples rompimento de

noivado não enseja a responsabilidade automática daquele que desfez a promessa,

posto que a liberdade é corolário da dignidade da pessoa humana, princípio base

fundamentador de toda a ordem constitucional, negar ou mesmo retirar tal liberdade

do nubente implicaria em um verdadeiro retrocesso perante o arcabouço normativo.

Sendo assim, apenas excepcionalmente o noivo poderá ser responsabilizado, quando

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o comportamento deste ultrapassar os limites da razoabilidade, boa fé e os padrões

de ética que devem pairar sobre toda e qualquer relação.

Verifica-se que uma significativa parcela doutrinária entende que quando o

rompimento for realizado de maneira injustificada, injuriosa, difamante, caluniosa e

atentar contra os direitos e garantias considerados invioláveis pela Magna Carta, a

obrigação de reparação se faz imperiosa. Neste diapasão, não somente o rompimento

de noivado, mas há que se enfatizar que qualquer ação ou omissão voluntária que

cause dano a outrem, ainda que exclusivamente moral ou que transgrida os direitos

fundamentais, são consideradas ato ilícito e portanto passíveis de indenização,

conforme preconiza o artigo 5º,X da Constituição Federal e os artigos 186 e 927 do

Código Civil.

Com efeito, no que tange a possibilidade de reparação por dano moral, a

questão é deveras controvertida, visto que não existem condutas taxativamente

qualificadas e definidas como geradoras de danos morais, por esta razão cabe ao

intérprete analisar casuisticamente e minuciosamente cada situação e definir se

houve ou não o cometimento de ato ilícito e consequente obrigação de indenizar. Por

fim, vale lembrar que a promessa de casamento imprime muitas vezes a realização

de um sonho e existe um depósito mútuo de confiança e respeito sacramentado pela

boa fé que deve estar presente em todas as relações afetivas, portanto o(a) noivo(a)

que pretende desfazer o compromisso, deve se munir de cautela e razoabilidade em

seu comportamento, para não exceder aos parâmetros comportamentais de ética e

dignidade, e não expor o(a) nubente a um desgaste excessivo de sua imagem e

honra.

Referências

BRASIL. Código Civil Brasileiro: lei nº 10.406, de janeiro de 2002. 21. ed. São Paulo: Rideel, 2015. BARROS MONTEIRO, Washington de. Curso de Direito Civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva. BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação Cível nº 3309815 PR 0330981-5, da 8º Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, Relator: Macedo Pacheco, julgado em 06 de jul. de 2006. BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação Cível nº 933744 PR, da 1º Câmara de Direito Civil, Relator: Pacheco Rocha, julgado em 29 de mai. De 2001.

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CHAVES, Antônio. Lições de Direito Civil: direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: 7. Responsabilidade Civil. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. ESPÍNOLA, Eduardo. Breves anotações ao Código Civil Brasileiro. Rio de Janeiro. v. 1. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVELD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. RUGGIERO, Roberto. Instituições de Direito Civil. Trad. Ary dos Santos. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

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ALIENAÇÃO PARENTAL NO ÂMBITO JURÍDICO

Rejanne Fonseca Cabral

Daniel Cervantes Angulo Vilarinho

Introdução

Deve ser objetivo da família possibilitar uma vivência positiva e uma condição

de vida onde as expectativas possam ser concretizadas desde as primeiras fases da

vida.

O divórcio e a separação dos pais, pode ser conforme as circunstâncias de

como ocorre, um momento traumático, especialmente aos filhos, que vêem nos

genitores os protetores, o âmbito familiar de sua garantia de segurança, afeto e

acolhimento.

O art. 70 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) da lei 8069/90,

dispõe que: "é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos

direitos da criança e do adolescente".

Os arts. 1.634 do Código Civil e 229 da Constituição Federal/88. dispõe que

os pais têm a função de dirigir e orientar a criação e a educação dos filhos, sendo

necessário contribuir não só com o auxílio material, mas ainda com o moral, o

intelectual e o afetivo, mesmo que os mesmos não vivam juntos (CARDIN, 2012).

O divórcio em nada alteram os direitos e deveres dos pais em relação aos

filhos, conforme CC. Art. 1.579. Esses deveres são impostos a ambos, na proporção

de seus recursos e de suas possibilidades (art. 1.703) (GONÇALVES, 2012).

Quando os pais se separam, é quase inevitável que hajam conflitos e

que surjam problemas e preocupações com as primeiras visitas ao outro genitor, pois

fantasias, medos e angústias de retaliação ocupam o imaginário dos pais e dos

próprios filhos, ainda não acostumados com as diferenças impostas pela nova

organização da família (DUARTE, 2009).

Como consequência dessa ruptura, Monteiro (2014) destacou que pode

ocorrer um fenômeno chamado alienação parental, onde existe uma incorporação

negativa de fatos e opiniões de forma voluntária por um dos cônjuges (guardião)

contra o outro cônjuge no sentido de afastá-lo do filho. Sendo a síndrome da alienação

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parental já o processo patológico respeitante as consequências emocionais geradas

no comportamento do menor, vítima deste alijamento8.

Para os filhos o rompimento dos laços de afetividade com um dos genitores,

estabelece uma relação singular com um e afastando-se do outro. Construindo dentro

de si oposições de sentimentos e a destruição da afetividade entre ambos, além de

deixar sequelas emocionais que poderão comprometer o desenvolvimento saudável

dos mesmos (GONÇALVES, 2012).

Com o tempo a criança passa a rejeitar um genitor e expressa sentimentos

de desamor para este não desejando ter contato e aproximação, não tem a noção de

que pode ocorrer do outro ser capaz de lhe dar amor e poder cuidar, ao outro expressa

sentimentos de amor positivos, geralmente o que mantém a guarda, de forma que a

dependência do alienador torna-se plena, a ponto de qualquer ameaça a este vinculo

afetivo que seja entendida como um ataque a sobrevivência do menor traga prejuízos

e doenças emocionais para o mesmo (MATIAS e LUSTOSA, 2010).

A alienação parental é um tema bem tratado nas doutrinas de jurisprudência,

tem como dispositivo legal especifico que visa trazer aos operadores do direito no

instante quando forem atuar no ramo do direito da família, tal dispositivo é a lei 12.318,

de 26 de agosto de 2010, que dispõe sobre alienação parental e altera o artigo 236

do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).Trazendo um amparo legal e

esclarecendo o real significado dessa pratica que é bastante discutida e mostra de

forma clara e objetiva que é reprovável e que deve ser preservado a afetividade entre

ambos genitores preservando o respeito mutuo entre ambos (SILVA, 2012).

O tema abordado neste artigo, é intitulado “Alienação Parental no Âmbito

Jurídico” e justifica-se por ser relevante no contexto social e com repercussões na

mídia, além dos aspectos psicológicos inerentes ao alienado e que necessitam da

intervenção jurídica para mediar ou punir o alienador frente a esta problemática.

A metodologia de estudo será através de pesquisa bibliográfica, no propósito

de obter conhecimento e fundamentação ao discorrer sobre um assunto tão peculiar

em no direito civil e direito de família.

A pesquisa será bibliográfica, realizar-se-á a partir de trabalhos científicos,

doutrinas, jurisprudências e revistas virtuais. Primeiro realizando leituras, para que

8 Alijamento: meio de vingança

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partindo disto possa ser absorvido todo conhecimento necessário para interpretar e

discorrer sobre o assunto.

Gil (2008), diz que a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em

material já elaborado construído principalmente de livros e artigos científicos e o

estudo de caso, visa proporcionar certa vivência da realidade, tendo por base a

discussão, a análise e a busca de solução de um determinado problema extraído da

vida real.

Alienação Parental

Poder familiar e a ação do Estado

É importante ao ser falar de alienação parental, fazer uma breve descrição do

poder familiar e de quando o Estado deve intervir nesta inter-relação natural e social,

que atravessa por mudanças tão profundas e que necessita por parte da

jusrisprudência incorporar a compreensão psicosocial de como a alienação parental

ocorre, e como o Estado deve intervir de forma a conciliar ou punir o alienador, para

garantir os direitos fundamentais do filho que é alienado por um dos genitores, e que

muitas vezes é utilizado como instrumento de vingança como forma de atingir o

cônjuge, à qual está separado.

Para Cardin (2012) quando os pais da criança se separam, a tendência dos

laços é se enfraquecerem vez que o contato diário do filho com seus genitores diminui.

Deste modo, faz-se necessário um maior cuidado na hora de definir o modelo de

guarda e as formas de visita. Prefere-se que a criança possua relação próxima com

os dois cônjuges e não só o guardião, pois aquele que detém a guarda do filho, pode

realizar sobre o filho uma influência maior do que aquele que fica com o menor a

maior parte do tempo, que vai sendo maliciosamente excluído, pode-se ocorrer uma

tentativa de manipulação dos filhos, para se afastarem daquele que está sem a

guarda (CARDIN, 2012)

No sentido que o pátrio poder é definido como um conjunto de direitos e

obrigações, quanto à pessoa e os bens do filho menor, não emancipado, exercido em

igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os

encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do

filho (DINIZ, 2009).

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Este pátrio poder não se extingue, portanto com a separação, ambos os pais

permanecem com os mesmos direitos e deveres para com os filhos perante a

legislação, à qual os mesmos devem antes de tudo buscar preservar os filhos diante

desta situação, não usando-os como instrumento de vingança.

Gonçalves (2012) frisou que existindo a obrigação de ambos os genitores de

prover o sustento dos filhos, embora estejam separados, deve ser assegurado o

convívio, por meio da regulamentação das visitas, não cabendo se falar em

desatendimento dos interesses do filho o impedimento dos pais concretizarem o

desejo de se separarem. Não havendo mais o afeto entre cônjuges, o legislador não

pode impedir uma possível separação.

Não há dúvidas de que quando ocorre uma separação conjugal existe uma

quebra da normalidade. Tal fato vem a modificar e muito o estado quo ante na vida

de todos os membros da mesma, vez que são criadas duas famílias distintas: a do

pai e da mãe. Em grande parte dos casos se inicia o problema de atribuição da

guarda, ou seja, quem será o principal cuidador da criança (MONTEIRO, 2014).

Conforme Dias, (2013) o Estado é legítimo para adentrar o recesso familiar,

com a perspectiva de defender os menores que o habitam. Assim, fiscaliza o

adimplemento de tal encargo, podendo suspender ou até excluir o poder familiar.

É evidente que o homem não deve ser tratado como um meio para que o

Estado atinja seus interesses, mas sim como uma finalidade do Estado. Dessa forma,

o Estado este deve garantir ao indivíduo todas as condições necessárias para que

este possa viver com as condições necessárias para sua existência.

Sendo responsabilidade solidária da família, da sociedade e do Estado prover

o essencial para que o menor leve uma vida digna, não há o que se falar em limites

quando, por exemplo, a família falha na sua função.

Ultimamente, a sociedade brasileira passa por diversas mudanças, com

relação a finalidade e função da família. Quando da perda dessa função, compete ao

Estado chamar para si a responsabilidade sobre o poder familiar com a finalidade de

proteger o menor de quaisquer formas de negligência, abandono ou alienação

parental.

A promoção dos direitos intrínsecos às criança e adolescentes tipificados pela

CF/88 bem como pelo ECA os quais asseguram ser o papel da família, da sociedade

e do estado fundamentais para o desenvolvimento físico, social e moral dessa

população, inclusive quando estes já não vivem no meio seio familiar.

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O artigo 227 da CF/88 dispõe que:

Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, alienação, crueldade e opressão.

Pelo exposto percebe-se que a responsabilidade para com a criança e o

adolescente é dever tanto da família, quanto da sociedade e do Estado, portanto trata-

se de um dever solidário dos três. O ECA detalhou a doutrina da proteção integral à

criança e ao adolescente, que já havia sido abraçada pela CF/88, em seu referido

dispositivo.

Então, se ocorre por parte da família alguma violação na garantia desses

direitos, como no caso da alienação parental, o Estado tem autorização para intervir

em prol da criança e do adolescente.

Nesse pressuposto, Dias (2009, p.392) relata que:

Quando um ou ambos os genitores deixam de cumprir com os deveres decorrentes do poder familiar, mantendo comportamento que possa vir em prejuízo do filho, o Estado deve intervir; é prioritário preservar a integridade física e psíquica de crianças e adolescentes. O intuito da suspensão não é punitivo, pois, visa muito mais preservar o interesse dos filhos, afastando-os de influência nociva.

Sempre que ocorrer algum fato incompatível ao exercício do poder por seus

titulares existe a possibilidade de suspensão ou de sua destituição. Tanto a

suspensão como a destituição são formas de o Estado proteger a criança ou o

adolescente daqueles pais que estão faltando com seus deveres em relação a seus

filhos, sempre em prol do interesse do menor. Todavia, a principal diferença entre os

institutos de suspensão ou de perda desse poder é a gravidade das faltas cometidas

pelos pais (COMEL, 2003).

Como pondera Zambelli (2010, p. 52):

Observa-se que o artigo 201 do ECA c/c com o artigo 148 do mesmo Estatuto prevêem a responsabilidade do Poder Público perante esses indivíduos. Esse dever conferido aos Promotores de Justiça da Infância e Juventude, responsáveis pela defesa dessas crianças e adolescentes, é elementar e indisponível. Eles não detêm a alternativa de agir ou não, quando existe a ameaça ou a violação ao direito, porém têm a discricionariedade de escolher.

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Assim, compete ao Estado vigiar, reparar e suprir quando necessário a atuação

dos pais no efetivo cumprimento dos direitos fundamentais do menor. Ao Estado cabe

intervir quando os pais abusem de seus direitos e não cumpram com seus deveres,

possibilitando a concretização do princípio do melhor interesse da criança e do

adolescente, que enfrenta com a separação dos pais o que a doutrina jurídica

conceitua como Alienação Parental e Síndrome de Alienação Parental.

No dia 26 de novembro de 2014, foi aprovada pelo Senado Federal a nova lei

da guarda compartilhada, Lei nº 117/13, que se torne regra, e não mais exceção a

ser buscada na Justiça, possuindo inumeráveis vantagens, principalmente no que se

refere ao desenvolvimento psicológico do filho. Nela não existe a exclusividade em

seu exercício. O genitor e a genitora detém a aguarda e são corresponsáveis pela

condução da vida dos filhos.

Alienação Parental

A Alienação Parental sempre existiu no âmbito de muitos lares, muitas crianças já

foram vítimas deste ato imoral, que impede o genitor alienado de ter um relacionamento

saudável com seu filho mesmo depois da separação com o outro cônjuge.

Duarte (2009) afirmaram que o filho alienado, tende a aceitar às determinações

do alienador, o filho teme contrariá-lo, o que com o tempo traz dificuldades para a

criança conviver com a verdade, pois sendo constantemente levada a um jogo de

manipulações, acaba por aprender a conviver com a mentira e a expressar faltas

emoções, criando critérios do que pode ser vivenciado perante um e outro, num

mundo de duplos vínculos e duplas mensagens e de verdades censuradas,

comprometendo o futuro emocional da criança, favorecendo prejuízos na formação

do caráter.

Barbosa e Juras (2010) atenta porém que o termo alienação parental vem

sendo incorporado no sistema jurídico brasileiro sem a devida reflexão crítica acerca

de sua cientificidade e aplicabilidade. Nas Varas de Família, em processos de

divórcio, disputa de guarda ou regulamentação de visitas, muitos advogados, juízes,

desembargadores e até profissionais das áreas técnicas (psicólogos e assistentes

sociais) baseiam suas argumentações de parte dos autos ou em peças decisórias,

utilizando-se do conceito de Síndrome de Alienação Parental.

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Os autores acima, fundamentam a importância de um maior aprofundamento

científico para que a lei seja aplicada, buscando-se uma maior compreensão, já que

é um fenômeno natural e social que muitas vezes ocorre sem o juízo consciente do

próprio alienador da atitude inadequada contra o ex-cônjuge, utilizando-se o filho

como instrumento desta ação, sem medir o prejuízo emocional que pode acarretar ao

filho alienado.

Como bem enfatizaram Barbosa e Juras (2010, p.322):

No Direito de Família não existem vencedores e perdedores. Existem pessoas em relação cujos direitos não devem ser vistos como individuais, mas sim familiares, existe a necessidade de envolver a família como um todo, e não apenas algumas de suas partes.

Barbosa e Juras (2010) relataram que é preciso compreender as relações

humanas antes de tudo, buscando-se identificar o cotidiano do genitor para com o

filho, e quais influências que o filho sofre em relação a este genitor, que muitas vezes

é carinhoso, cuidadoso e exerce a confiança do filho. Fatores que tornam qualquer

ameaça de afeto do filho, uma ameaça também para si, sendo necessário uma visão

sistêmica da situação, buscando acessar as emoções do genitor, e sensibilizá-lo

quanto ao sofrimento do filho ao ser misturado nas questões e ressentimentos

conjugais. Necessitando sempre de um olhar mais cuidadoso e abrangente sobre a

questão. Defendendo-se a necessidade de se nortear a análise de um determinado

caso, pelos pressupostos de complexidade, instabilidade e intersubjetividade9 dos

fenômenos humanos.

Barbosa e Juras (2010) destacaram que os indivíduos não existem foram de

seus sistemas: eles são parte de um todo que os influencia e sobre o qual eles

também atuam. Famílias tampouco podem ser compreendidas focando-se apenas

membros singulares. A família é plural, os filhos são, ao mesmo tempo, produto e

parte ativa na construção e manutenção de suas dinâmicas. Da mesma forma, cada

um dos genitores o é. Um genitor que aparentemente só sofre alienação deve ser

pensado como ser ativo na dinâmica na qual está inserido. Buscando-se observar

porque a situação de alienação está sendo possível, qual a sua atuação nesse

sentido, qual a sua co-responsabilidade nesse processo.

9 Intersubjetividade: Reunião de ideias subjetivas (individuais) em relação ao objeto de estudo, onde

tenta-se captar uma ideia geral, do ponto de vista global de um grupo discursor opnativo.

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É preciso portanto compreender a dinâmica psicossocial deste processo,

estabelecer os vínculos, traçar a amplitude dos fatores que levaram ao genitor traçar

este caminho que insere nos filhos, os seus próprios anseios, suas íntimas reflexões

e conceitos em relação ao cônjuge, onde os filhos são usados como instrumentos

para atingir aquele que é visto como o culpado dos distúrbios ocasionados na família.

Dias (2013) destacou que alienação parental ocorre quando na ruptura da vida

conjugal, um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da

separação, ficando o sentimento de rejeição, ou raiva pela traição, surgindo então

um desejo de vingança que desencadeia um processo de destruição, de

desmoralização, de descrédito do ex-parceiro. O genitor que detém a guarda, faz com

que o filho tenha uma imagem negativa do ex-parceiro, persuadindo o filho a acreditar

em suas crenças e opiniões. Ao conseguir impressioná-los, leva-os a se sentirem

amedrontados na presença do não guardião. Por outro lado, ao não verem mais o

outro genitor, sem compreenderem a razão do seu afastamento, os filhos sentem-se

traídos e rejeitados, não querendo mais vê-los. Como conseqüências sentem-se

também desamparados.

Para Dias (2013) pessoas submetidas ao SAP mostram-se propensas a

atitudes antissociais, violentas ou criminosas, depressão, suicídio e na, maturidade

quando atingida, revela-se o remorso de ter alienado e desprezado um genitor ou

parente, assim padecendo de forma crônica de desvio comportamental ou moléstia

mental, por ambivalência10 de afetos.

Alienação parental é definida pela Lei 12.318 de 2010, como sendo:

A interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avôs ou pelos que tenham a criança ou adolescente sobre a sua autoridade, guarda ou vigilância, para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

Segundo Tosta (2013) a lei 12.318/2010, estabelece mecanismos para punir

quem dificulta o acesso físico ou emocional ao filho, prevendo sanções que vão desde

a advertência até a revisão da guarda, não se restringindo a autoria não apenas aos

genitores, mas qualquer pessoa que tenha a criança ou adolescente sob sua

autoridade, guarda ou vigilância.

10 Ambivalência: duplos aspectos radicalmente diferentes.

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Segundo Monteiro (2008) todos os conflitos, brigas, disputas, ofensas, inveja,

ciúme, intriga, calúnia, infelizmente, penetra nas relações de muitos casais separados

e no meio de todas essas confusões, emoções, os filhos, inseguros, dependentes e

indefesos que, na maioria das vezes, gostariam de ver os pais juntos, justamente

porque há um medo enorme de abandono, até porque sofrem, sentindo-se,

absurdamente, como sendo os causadores da separação.

Conforme relatou Dias (2013) havendo indícios da SAP, a lei prevê a

instauração de procedimentos autônomo ou incidental, com tramitação prioritária,

adotando-se o juiz as medidas necessárias à preservação da integridade psicológica

do filho. Não só o pai ou parente que se sinta vítima da alienação parental pode

intentar a ação. O Ministério Público dispõe de legitimidade para a demanda.

Madaleno (2013) relatou que o progenitor que estabelece um caminho de

obstrução de contato de seu filho com o outro genitor, aproveita-se de um sentimento

de impunidade e procede com uma espécie de lavagem cerebral dos filhos, os quais,

com suas mentes em estado de desenvolvimento possuem uma alta capacidade de

absorção. Esses pais contam a favor de sua nocividade, com um tempo por demais

longo e sem nenhum controle para depositar as sementes do ódio e rancor,

emergentes de seus próprios problemas muito mal resolvidos e de sua incapacidade

de aceitar os filhos como sendo de geração comum.

Os filhos como o próprio autor destacou acima, são movidos pelas concepções

daquele que parece ser o mais frágil da relação, estes genitores, tentam demonstrar

todo o mal ocasionado pelo cônjuge para que o fim do casamento se consumasse,

conduzindo o filho que ainda está em formação psicológica, a direcionar seus

conceitos, ao que parece mais óbvio, diante da situação, sem maturidade suficiente

para medir as reais condições que levaram ao fato da separação.

Síndrome da Alienação Parental

Matias e Lustosa (2010) destacaram que a Síndrome de Alienação Parental é

um termo adotado por Richard A. Gardner no início de 1980 para se atribuir ao que

ele relata como um distúrbio no qual uma criança, num suporte contínuo, estabelece

um sentimento de renunciar a um dos pais sem qualquer razão, devido a uma

disposição de fatores, inserindo a doutrinação pelo outro progenitor (apenas como

parte de uma disputa da guarda da criança) e as tentativas da própria criança em

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manchar a imagem um dos pais ou seja, Síndrome de Alienação Parental é uma forma

de abuso emocional, proveniente de uma combinação, da influência parental e das

contribuições ativas do filho no processo de destruição e desmoralização do genitor.

Gardner inseriu o termo em um documento de 1985, relatando um conjunto de

sintomas que tinha observado durante o início de 1980.

Síndrome de Alienação Parental diz respeito aos efeitos emocionais e as

condutas comportamentais desencadeados na criança que e ou foi vitima desse

processo. São as sequelas deixadas pela Alienação Parental. Com toda essa relação

vingativa, o filho é utilizado como instrumento da agressividade direcionada ao

parceiro.

Fonseca (2010, p.269) citou que:

A síndrome da alienação parental não se confunde, com a mera alienação parental. Aquela geralmente é decorrente desta, ou seja, a alienação parental é o afastamento do filho de um dos genitores, provocado pelo outro, mais comumente o titular da custódia. A síndrome, por seu turno, diz respeito às sequelas emocionais e comportamentais de que vem a padecer a criança vítima daquele alijamento. Assim, enquanto a síndrome refere à conduta do filho que se recusa terminante e obstinadamente a ter contato com um dos progenitores e que já sofre as mazelas oriundas daquele rompimento, a alienação parental relaciona-se com o processo desencadeado pelo progenitor que intenta arredar o outro genitor da vida do filho.

A Síndrome de Alienação Parental não é apresentada como uma desordem

pelas comunidades médica e jurídica e a teoria de Gardner, assim como estudos

relacionados a ela, têm sido extensivamente analisadas por estudiosos de saúde

mental e de direito, que exibe falta de validade científica e confiabilidade. No entanto,

o conceito notável, porém relacionado, de alienação parental - isto é, o estranhamento

de uma criança por um dos pais - é reconhecido como uma dinâmica em algumas

famílias no processo de o divórcio (SILVA, 2012).

Em caso de separação litigiosa e disputa de guarda, Gardner (1985) se

deparou com um vasto número de pais e especialmente mães que procuravam excluir

o outro progenitor da vida dos filhos, inserindo ódio e intensificando as mágoas

existentes no filho e referência ao progenitor não guardião.( progenitor alienador).

Para Gardner (1985) a Síndrome de Alienação Parental é um distúrbio

psiquiátrico que surge principalmente em circunstância de rivalidade de disputa de

guarda, é instaurada na criança pelo progenitor, o qual em geral, ou seja, na maioria

das vezes, ate então, não efetuou emocionalmente o fim do relacionamento, lança

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suas magoas e raivas originadas dos contratempos relacionados com o ex-

companheiro e na composição da separação com seus filhos, favorecendo a exclusão

emocional e até fisica do progenitor não guardião( progenitor alienado), da vida dos

filhos em comum (MATIAS e LUSTOSA, 2010).

Gardner (1985) assegura que o progenitor alienador realiza uma lavagem

cerebral, manobrando no sentido de detestarem o progenitor alienado, sem

subsistência de causas reais. Além disso o alienador busca diversos meios para

esquivar o acesso aos filhos pelo outro progenitor, buscando também a justiça ou a

outros recursos da rede social, através do registro de ocorrências em delegacias e

denunciassem organizações sociais apropriadas ( exemplo : Conselho Tutelar )

Segundo Gardner (1999) apud (Matias e Lustosa, 2010), a Síndrome da

Alienação Parental é qualificada por um conjunto de oito sintomas que surgem na

criança:

1) Campanha de descrédito e aversão contra o pai-alvo;

2) Racionalizações fracas, contraditórias ou fútil para fundamentar o desamor

e a repulsa ;

3) Falta da Simultaneidade de dois sentimentos opostos usual sobre o pai-

alvo;

4) Afirmativa fortes de que a deliberação de repudiar o pai é só dela (fenômeno

"pensador independente");

5) Amparo ao pai beneficiado no conflito;

5) Ausência de culpa quanto ao trato oferecido ao genitor alienado;

6) Praticar comportamentos e frases emprestadas do pai alienante; e

7) Desonra não somente do pai, mas conduzida também para à família e aos

amigos do mesmo.

A quantidade e a rispidez dos oito sintomas acresce segundo o nível de

gravidade da doença, e o controle da síndrome varia de conformidade com ela. Posto

que o diagnóstico de SAP seja realizado com base na sintomatologia das crianças,

Gardner (1999) apud (Matias e Lustosa, 2010), confirma que qualquer alteração na

custódia deve se basear primordialmente no nível dos sintomas do pai alienante.

Como segue:

Em casos leves, subsiste alguma orientação parental contra o progenitor-alvo,

mas pouca ou nenhuma desordem nas visitas, não aconselha-lhe a visitação judicial.

Em casos moderados, há mais programa parental e uma maior relutância às visitas

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com o progenitor-alvo. Aconselha-se que a guarda primária fique com o pai alienante,

caso haja probabilidade deparalisação da lavagem cerebral. Caso contrário, a

custódia deve ser transladada para o pai alienado. Além disso, foi aconselhado

terapia com a criança, com o propósito de parar a alienação e consertar o

relacionamento deteriorado com o pai-alvo. Em casos graves, as crianças expõem a

maioria ou todos os 8 sintomas, e rejeitam convictamente a visitar o pai-alvo, até

ameaça fugir outirar sua própria vida caso a visitação sejaobrigada . Aconselha-se

que a criança seja retirada da casa do pai alienante e fique em uma casa depassagem

antes de se mudar para a casa do pai alienado. Além disso,aconselha -se terapia

(GARDNER; 1999 apud MATIAS e LUSTOSA, 2010).

A interferência para os casos moderados e severos, que insere transição de

custódia, multas e prisão domiciliaria para o pai alienante, tem sido repreendida por

sua natureza que tem por fim punir e para o risco de agravo de poder e transgressão

dos seus direitos civis do pai alienante (GARDNER; 1999 apud MATIAS e LUSTOSA,

2010).

Perspectivas positivas produzidas pela Síndrome de Alienação Parental

Uma perspectiva relevante produzida pelas discussões, crescente em volta da

de Alienação Parental, comparada a proposta de que os advogados examinem com

maior grandeza, a proteção e defesa das crianças, procurando uma visão que não é

simples do conflito entre pais na pendência de guarda de filhos. Muitas vezes a

imagem do advogado tempestiva ainda mais os conflitos familiares, o que leva o

desamparo das crianças e adolescentes compreendidos.No direito de família não

haverá vencedores e perdedores. Houveram pessoas em relação , cujos direitos não

precisam ser declarados como individuais e sim familiares (FONSECA, 2006).

É relevante ressaltar também que as especulações feitas sobre a síndrome de

Alienação Parental, como um tratamento essencial para realização de terapia

essencial para realização de terapia individual e mais relevante ainda, de terapia

familiar. Mesmo que estudos tenham suposições positivas e não se arraigar sobre

como o tratamento poderia acontecer (FONSECA, 2006).

Enfim, o interesse crescente sobre síndrome de Alienação Parental, favoreceu

a maior abertura na conversação entre as várias áreas do saber: direito, psicologia,

serviço social, pedagogia etc. Esse campo abre a viabilidade concreta de uma

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interdisciplinaridade, consentindo a análise sobre os indivíduos e as famílias, que

antes eram percebidos isoladamente ‘’especializados ‘’ neles (FONSECA, 2006).

Barbosa e Juras (2010) destacaram que é necessário levar em conta que

apesar dos julgamentos salientados sobre a síndrome, existe algumas perspectivas

positivas que desenvolveram no contexto poder judiciário desde os estudos da

Síndrome de Alienação Parental. Uma das contribuições relevantes que é ressaltada

nos debates sobre esta concepção reporta-se a busca da legitima de pais e mães em

compartilharem da vida dos filhos, mesmo após separação ou divorcio. Certifica-se

que novos padrões familiares estão aparecendo com o sucessivo número de divórcios

(IBGE, 2008) e quais as famílias binoculares e recomposta estão sendo reconhecidas.

Essa diligência é honrosa, uma vez que tende a inferir o bem estar das crianças e

adolescentes que têm direito a conservar o contato a ambos os pais, após separação

ou divorcio , caso não haja alguma circunstância que ameace o amparo destes.

Estágio e o tratamento da Síndrome de Alienação Parental

É essencial iniciar um diagnóstico preciso antes de optar ou definir o trato a ser

ininterrupto. Um erro de diagnóstico pode trazer a erros dolorosos ocasionando

traumas psicológicos relevantes em todas as partes compreendidas. Os estágios da

doença não podem sujeitar-se aos estímulos realizados pelo progenitor alienador, e

sim do grau de êxito com o filho. A intervenção psicoterapeuta precisa ser

incessantemente amparada em uma conduta legal e deve contar com o apoio judicial.

Gardner (1999) apud Barbosa e Juras (2010) relataram os seguintes estágios

de tratamento da Síndrome de Alienação Parental: 1) Estágio Leve: de forma geral

a simples comprovação da patologia pelo tribunal que disponibilizou a guarda faz

interromper a campanha de depreciação do progenitor alienador; 2) Estágio Médio:

frequentemente o filho gera uma conexão mais forte com o progenitor que conseguiu

a guarda. Portanto é pertinente não lhe tirar a custódia do filho. Contudo, o

constrangimento de ter que recompensar uma multa, ou de ir para a cadeia, pode

chegar para o progenitor alienador voltar ao acesso preciso , e ao mesmo tempo

proporcionalizar uma desculpa aos filhos, de consentir a justificação de nãodelatar o

progenitor alienador e; 3) Estágio Grave: apenas o recurso para o filho é a permuta

da custódia . A característica decisiva desta medida sujeita-se ao comportamento do

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progenitor alienador. Esta mensuração precisa ser auxiliada de um tratamento

psicológico de obscuridade correspondente ao nível da falta de ajuda do filho.

Se a transferência direta dos filhos para o progenitor alienado se propaga

improvável, pode-se escolher pela passagem por um lugar de substituição . O

programa de transição precisa ser auxiliado por um terapeuta escolhido pela justiça,

o qual deve ter passagem direta à uma ajuda judicial, e para a transmissão de

mandados imprescindíveis para o desfecho do plano (BARBOSA e JURAS, 2010).

A Síndrome de Alienação Parental em nossos Tribunais

Na jurisprudência o tema da alienação parental vem sendo cada vez mais

trabalhado por parte dos doutrinadores, onde a conduta de afastar a Alienação

Parental do âmbito familiar vem sendo objetivada pelos Tribunais que visa antes de

tudo o interesse e proteção do filho em casos de divórcio, vejamos um exemplo onde

não houve provimento pelo jurista:

Os requisitos atinentes à antecipação da tutela adquirem colorido particular

quando o interesse tutelado envolve a difícil equação relativa à promoção do melhor

interesse da criança. desse modo, para fins de ser preservada e tutelada a sua

integridade física e psíquica, é possível reputar verossímeis alegações ainda que não

haja, até o momento processual da ação principal, provas inequívocas dos indícios

de alienação parental. Diante do desenho moderno de famílias mosaico, formadas

por núcleo familiar integrado por genitores que já constituíram outros laços familiares,

devem os genitores evitar posturas que robusteçam o tom conflituoso, sob pena de

tornar ainda mais tensa a criança, a qual se vê cada vez mais vulnerável em razão do

tom e da falta de diálogo entre os pais, os contornos da guarda de um filho não podem

refletir desajustes de relacionamentos anteriores desfeitos, devendo ilustrar, ao revés,

o empenho e a maturidades do par parental em vista de viabilizar uma realidade

saudável para o crescimento do filho. A preservação do melhor interesse da criança

dá ensejo à restrição do direito de visitas do genitor, até que, com esteio em

elementos de prova a serem produzidos na ação principal (estudo psicossocial),

sejam definidas diretrizes para uma melhor convivência da criança, o que

recomendará a redução do conflito entre os genitores, bem como a criação de novos

canais que viabilizem o crescimento sadio da criança. Agravo de instrumento

conhecido a que se nega provimento (LUCINDO, 2013).

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O jurista enfatiza a importância da mudança de conduta dos genitores,

destacando-se que espera os pais possam preparar o filho para que ele não fique

abalado em razão da separação dos seus genitores, de forma em que o laço familiar

entre eles não fique prejudicado. Enfatizando que pais são grandiosas figuras na vida

dos filhos, e o que se espera deles é a proteção e que os mesmos devem prezar pelo

ajuste físico e psicológico dos filhos, não aceitando as razões do apelante.

Os magistrados têm trabalhado com afinco em relação ao combate da Alienação

Parental, inclusive tentando de forma pacifica e consensual dirimir os problemas

existentes entre os ex-cônjuges, afim de trazer tranquilidade e paz aos filhos menores,

que estão sob a guarda de qualquer um deles.

Nos litígios em que estejam envolvidos interesses relativos a crianças,

notadamente naqueles que envolvam regulamentação do direito de visita, o julgador

deve ter em vista, sempre e primordialmente, o interesse do menor. - ausente prova

nos autos de conduta grave da mãe a ocasionar peremptória repugnância da filha,

até porque a genitora nunca desistira de prestar assistência à infante, insistindo em

acordos com o pai da menor e mesmo com a adoção de medidas judiciais, o que

corrobora a tese de alienação parental praticada pelo pai, impõe-se autorizar as

visitas da mãe à menor, o que preserva o seu melhor desenvolvimento e interesse. -

revela-se prudente, por outro lado, que as visitas sejam supervisionadas por

profissional forense, diante do que resultou dos estudos psicossociais. agravo de

instrumento - guarda - direito de visitas - acordo homologado em juízo - resistência

da adolescente - revisão dos termos da visitação - possibilidade - melhor interesse do

menor. - em se tratando de interesse de crianças e adolescentes, o magistrado não

deve se ater ao formalismo processual e determinar o simples cumprimento do acordo

homologado em tempo pretérito em juízo, inclusive com imposição de astreintes,

desconsiderando a instabilidade emocional e o desejo da menina, que apresenta

notória resistência às visitas da mãe. - estudo social que concluiu que "existem

dificuldades sérias e ainda obscuras que inviabilizam, no atual estágio de sofrimento

da adolescente, o retorno à visitação a sua genitora". Visando a estreitar os laços

materno-filiais, porém, atenta à angústia da adolescente, recomendável, por ora, a

visitação supervisionada em sábados alternados, na cidade em que reside a menor.

Recurso parcialmente provido (PENNA, 2013).

O recurso neste caso foi parcialmente provido, pois o juiz entendeu que a menor

sofria pressões e instabilidade emocional por parte do pai, onde a menor tinha como

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um comportamento de repúdio a mãe, configurando-se assim a alienação parental, o

pai ao manipular os sentimentos da filha, implementou fatos para colocar a filha contra

a mãe, causando distúrbios emocionais e repúdio a mesma, o jurista considerou

importante e necessário a reaproximação dos laços afetivos da filha, mas de uma

forma gradual, que não forçasse esse vínculo de forma agressiva, possibilitando

assim, que mãe e filha, pudessem encontrar novamente os enlaces familiares, tão

desgastados pela alienação parental.

Considerações Finais

O estudo através do presente artigo, revelou que alienação parental se

constitui através das desavenças do pai ou da mãe que desejam afastar

injustificadamente os filhos do outro genitor, estruturando a sua relação familiar. Que

a alienação parental é ainda interferência negativa na formação psicológica da criança

ou do adolescente, onde é promovida ou induzida por um dos genitores, avós ou pelos

que tenham sob sua autoridade, guarda ou vigilância a criança ou do adolescente.

A síndrome de alienação parental é um distúrbio, que deixa sequelas

emocionais que a criança sofre e são classificadas em três níveis : leve, moderado e

grave e podem trazer conseqüências gravíssimas a essa criança ou adolescente

que podem perdurar a vida toda.

Todos os conflitos, brigas, disputas, ofensas, inveja, ciúme, intriga, calúnia,

infelizmente, penetra nas relações de muitos casais separados, interferindo no

relacionamento de pais e filhos.

O trabalho mostrou que as relações interpessoais são sempre relações

delicadas. O ser humano necessita do outro para crescer, progredir, evoluir, o seu

comportamento é modelado pelas trocas afetiva e intelectual, que ele aprende a fazer

ao longo da vida. O nosso cérebro é uma máquina de ler mentes. Quanto mais

próximas são as relações entre as pessoas, mais delicadas são. É na família que se

tem o aprendizado das relações amorosas, e de relações hostis. Tendo a mãe e o pai

uma ótima relação, favorece muito o desenvolvimento psicológico e afetivo dos filhos.

O estudo abordou sobre a importância da Lei nº 12.318/10, com intuito de inibir

maus comportamentos entre os ex-maridos e mulheres, ferindo de tal sorte o direito

dos filhos menores. Com a referida Lei, os casais separados devem comportar-se de

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forma adequada evitando influenciar de forma negativa sobre os filhos, afim de trazer

a paz e harmonia familiar.

A Lei sobre Alienação Parental é importante porque a mesma vem coibir

desavenças entre casais separados, que por esse motivo influenciam de forma

negativa na educação dos filhos.

A Alienação Parental tem sido um grande problema entre pais e filhos

causando grandes conflitos para os mesmos, deixando-os em dificuldades,

especialmente contra aquele que não é o guardião.

Os pais em desarmonia procuram fazer reciprocamente comentários desleais,

colocando os seus filhos uns contra o outro, de forma desequilibrada, causando

intemperanças na família, desconstituindo a afetividade familiar.

Com o advento da Lei nº 12.318/10 de alienação parental e da PLC nº 117/13

nova lei de guarda compartilhada, pode-se observar que muito tem se mudado, com

uma evolução doutrinária e na dinâmica e decisões dos juristas e que o pensamento

dos pais separados também irá ter que mudar, trazendo melhorias significativas em

seus comportamentos, proporcionando um melhor relacionamento entre os mesmos

e os filhos.

Referências

BARBOSA, L.P.G.; JURAS, M.M. (2010) Reflexões sistêmicas sobre a Síndrome de Alienação Parental. In: Ghesti-Galvão, I; Roque E.C.B. (Comp.) Aplicação da Lei em uma Perspectiva Interprofissional: Direito, Psicologia, Psquiatria, Serviço Social e Ciências Sociais na Prática Jurisdicional. Brasília DF: Lumen Juris. BRASIL - Constituição Federal (1988).Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 02 dez. 2014. BRASIL - Lei nº 117/13. Nova Lei da Guarda Compartilhada. Disponível em: < aelucidarsbt.blogspot.com/2014_11_28_archive.html>; Acesso em: 03 Nov. 2014. BRASIL, Lei nº Lei 8069/90. Art. 70. Disponível em: <

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BRASIL - Lei 12.318 de 26 de agosto de 2010. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/.../Lei/L12318.htm>; Acesso em: 03 Nov. 2014.

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A INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO LEGISLATIVO N. 273 DE 2014, QUE SUSTOU A RESOLUÇÃO – RDC N. 52, DE 6 DE OUTUBRO DE 2011, DA

AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – ANVISA, QUE DISPUNHA SOBRE A PROIBIÇÃO DO USO DAS SUBSTÂNCIAS ANFEPRAMONA,

FEMPROPOREX E MAZINDOL, ENTRE OUTRAS IMPOSIÇÕES

Sóya Lélia Lins de Vasconcelos

Introdução

Em 4 de setembro de 2014, o Congresso Nacional editou o Decreto

Legislativo n. 273 de 2014, publicado no Diário Oficial da União n. 171 do dia 5

seguinte, sustando a Resolução da Diretoria Colegiada – RDC n. 52, de 6 de outubro

de 2011, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, que dispunha sobre

a proibição do uso das substâncias anfepramona, femproporex e mazindol, seus sais

e isômeros e intermediários, bem como medidas de controle da prescrição e

dispensação de medicamentos que contenham a substância sibutramina, seus sais e

isômeros e intermediários, fundamentando sua competência para tanto no art. 49,

incisos V e XI da Constituição Federal. Referidas substâncias consistem em

anorexígenos que atuam diretamente no sistema nervoso central, controlando a fome

e dando saciedade.

Sustentou o Parlamento, quanto ao aspecto jurídico, que, ao editar a

mencionada resolução, a Anvisa havia extrapolado sua competência legal e invadido

as prerrogativas do Poder Legislativo. Já quanto ao aspecto social, os argumentos

foram mais amplos, conforme se pode extrair da leitura do parecer da Comissão de

Constituição, Justiça e Cidadania do Congresso Nacional11.

Primeiro, a resolução teria sido editada contrariando a opinião dos

especialistas em obesidade, que passaram a contar com restritas opções para o seu

tratamento, situadas em pontos extremos: dieta hipocalórica e atividades físicas ou

cirurgia bariátrica. Esses especialistas defenderam o uso controlado da medicação

em audiências públicas realizadas na Câmara dos Deputados.

11 BRASIL. Parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado sobre o Projeto de Decreto Legislativo nº 52, de 2014. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getTexto.asp?t=150870>. Acesso em: 5 set. 2015.

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Segundo, foi apontado que a população mais carente seria a mais afetada

pela obesidade por não terem acesso a academias desportivas ou a tratamento

nutricional mais eficiente.

Terceiro, o tratamento medicamentoso se restringiu ao uso da substância

orlistate (Xenical), que atua diretamente no intestino, reduzindo a absorção de

gordura em até 30%, e ao de sibutramina. Aquele com elevado valor no mercado,

impossibilitando sua aquisição pela parcela pobre da sociedade. E, quanto à

sibutramina, a Anvisa estava a exigir do médico o preenchimento de um “termo de

responsabilidade” no ato de prescrição.

Destacou-se, ainda, o aumento da obesidade no país após a edição da

resolução da Anvisa, constatado por meio da pesquisa VIGITEL (Vigilância de Fatores

de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), realizada pelo

Ministério da Saúde. Nessa pesquisa, identificou-se que, em 2011, 48% da população

estava com excesso de peso12, e esse percentual aumentou para 51% dos brasileiros

no ano seguinte13.

Já quanto aos efeitos colaterais dos medicamentos dos que a Anvisa impediu

a comercialização, essa argumentação foi afastada sob a alegação de qualquer

medicamento pode gerar reações indesejadas14, e que caberia ao médico a

prescrição de forma ética e responsável. Isso significa indicar os medicamentos

segundo as características de cada paciente, de forma que os benefícios clínicos

superem os riscos de efeitos adversos. Por isso, não cabe a uma autarquia definir o

conteúdo de uma prescrição médica15.

De outro lado, os estudos sobre o tema no Brasil, por meio da Agência

Nacional de Vigilância Sanitária, agência reguladora vinculada ao Ministério da

Saúde, foram intensificados após o ano de 2010, quando a União Europeia retirou a

12 Informação estatística constante da p. 48 da pesquisa VIGITEL BRASIL 2011 - Saúde Suplementar Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico. Ministério da Saúde, Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: <http://www.abeso.org.br/uploads /downloads/75/553a276c33350.pdf>. Acesso em: 5 set. 2015. 13 Informação estatística constante da p. 47 da pesquisa VIGITEL BRASIL 2012 - Saúde Suplementar Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico. Ministério da Saúde, Brasília, 2013 . Disponível em: http://www.abeso.org.br/ uploads/downloads/74/553a2473e1673.pdf>. Acesso em: 5 set. 2015. 14 Termo utilizado no parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, sobre o Projeto de Decreto Legislativo n. 52, de 2014, p. 4. 15 Idem.

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sibutramina do mercado16, sendo nisto seguida pelos Estados Unidos, Canadá e

Austrália17.

Em relação à comercialização das anfetaminas, como são classificadas a

anfepramona, o femproporex e o mazindol, tem-se que há vários anos já não vem

sendo efetuada nos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, não possuem

registro e, por conseguinte, é vedada sua fabricação ou alienação. A Europa, de seu

turno, impediu a venda ainda no ano de 1999, por meio do seu Comitê de

Medicamentos. Referida rejeição foi impulsionada no final da década de 60 após uma

epidemia de hipertensão arterial pulmonar primária – happ ligada à utilização desse

tipo de medicação.

Em 2011, a Anvisa editou a Nota Técnica Sobre Eficácia e Segurança dos

Medicamentos Inibidores de Apetite18, baseada em estudos científicos e no parecer

da Câmara Técnica de Medicamentos (Cateme)19 do ano anterior.

Os estudos consolidados por meio da Nota Técnica anteriormente referida

concluíram que a sibutramina apresenta nível pequeno de efetividade quanto à

redução de peso, atrelado a pouca manutenção dos índices de peso reduzido em um

maior prazo. Além disso, indicaram possível aumento de risco cardiovascular entre

os usuários em razão do aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca, bem

16 A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) suspendeu em 2010 a venda da sibutramina após a publicação do estudo Scout (Sibutramine Cardiovascular Outcomes Trial) no New England Journal of Medicine. A pesquisa, realizada em 16 países, durante seis anos, com 10.744 pessoas com sobrepeso ou obesidade, relacionou o uso do medicamento ao aumento do risco de evento cardiovascular (infarto do miocárdio não fatal e AVC não fatal) entre pessoas propensas (aqueles com doenças preexistentes cardiovasculares). O estudo mostrou, ainda, que apenas 30,4% dos pacientes fizeram uso da sibutramina eliminaram menos de 5% do seu peso corporal em três meses; ao mesmo tempo em que foi verificado um aumento de 16% do risco cardiovascular, como infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral. Disponível em: <http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/ NEJMoa1003114#t=article>. Acesso em: 5 set. 2015. 17 Em 1997, o FDA (Food and Drug Administration), agência reguladora da dispensação de medicamento americana, liberou a comercialização da medicação contendo sibutramina. Em 2010, o Laboratório Abbot, fabricante do Meridia (sigla de marca registrada), sibutramina, concordou com a retirada voluntária do mercado da medicação em questão anuindo com a posição do FDA em virtude dos ensaios clínicos que evidenciaram o aumento do risco cardiovascular em razão de sua utilização, constatado por meio do estudo SCOUT. O laboratório também decidiu suspender a comercialização da medicação para a Austrália e Canadá. 18 A íntegra da Nota Técnica Sobre Eficácia e Segurança dos Medicamentos Inibidores de Apetite. Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/hotsite/anorexigenos/pdf/Nota_Tecnica_Anorexigenos.pdf>. Acesso em: 5 set. 2015. 19 A Câmara Técnica de Medicamentos (CATEME) é um órgão colegiado consultivo vinculado à Gerência-Geral de Medicamentos (GGMED) / Gerência de Medicamentos Novos, Pesquisa e Ensaios Clínicos (GEPEC) e apoiada pela Assessoria de Relações Institucionais (ASREL) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que tem por finalidade assessorar a GGMED/GEPEC nos procedimentos relativos ao registro de medicamentos, especialmente quanto a sua eficácia e segurança.

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como pelo maior estímulo provocado sobre o sistema nervoso simpático, o que pode

elevar o consumo de oxigênio do coração, majorando os riscos de arritmias cardíacas.

Já os medicamentos anorexígenos anfepramona, femproporex e mazindol, por sua

vez, apresentam graves riscos cardiopulmonares e ao sistema nervoso central.

Assim, ancorada em seus estudos, a Anvisa justificou a edição Resolução n.

52/2011 ao argumento de que os benefícios não superam os riscos da medicação

aos sistemas nervoso, respiratório e circulatório. Para a Agência, os riscos

inviabilizam a permanência desses produtos no mercado na medida em que não há

indícios suficientes de que os benefícios proporcionados pela perda de peso

suplantam os possíveis malefícios à saúde, ainda que se leve em consideração os

avanços implementados no processo de controle da venda desses medicamentos no

Brasil20.

Quanto à alegação de aumento de peso da população no período em que a

restrição à comercialização dos medicamentos pela Anvisa vigorou, delegando à

indisponibilidade dos medicamentos responsabilidade pelo aumento, impossível não

pontuar que, analisadas as pesquisas realizadas pela VIGITEL de 2006 a 2014,

corretamente expressadas no gráfico a seguir21, tem-se que o ganho de peso da

população brasileira elevou consideravelmente, mesmo no quinquênio que antecedeu

o ano de 2011, quando foi editada a Resolução n. 52 pela Anvisa. Ou seja, não há

relação estatística direta entre aumento de peso da população e a retirada das

anfetaminas do mercado e o maior controle sobre a dispensação e prescrição da

sibutramina.

20 Como exemplo das melhorias adotadas, pode-se citar o Sistema Nacional para Gerenciamento de Produtos

Controlados, – SNGPC, desenvolvido e implementado após a edição da RDC n. 27/2007, por meio do qual é

possível o controle da movimentação do fornecimento (entradas e saídas) dos medicamentos sujeitos ao controle

especial, viabilizando a adoção de políticas intervencionistas quanto ao consumo excessivo de medicamentos

controlados e entorpecentes, prevenindo dependência física e psíquica, além de subsidiar as ações fiscalizatória e

o controle desenvolvidos pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária – SNVS. 21 Fonte do Gráfico: <http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2015/04/excesso-de-peso-atinge-525-dos-brasileiros-

segundo-pesquisa-vigitel.html>. Acesso em: 5 set. 2015.

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Diante da possibilidade de risco à saúde pública, a Anvisa adotou o princípio

da precaução22 ao impedir, quanto aos anorexígenos, a sua “fabricação, importação,

exportação, distribuição, manipulação, prescrição, dispensação, aviamento, comércio

e uso de medicamentos ou fórmulas medicamentos”, nos termos do art. 1º da RDC n.

52/2011, após a análise do risco/benefício. Assim como quanto à sibutramina, ao

diminuir a dose máxima recomenda ao consumo diário, ao prever a necessidade do

cumprimento de uma série de medidas que visavam ao maior controle do uso feito

pela população e, especialmente, ao determinar que as empresas detentoras do

registro do medicamento apresentassem “à área de farmacovigilância da ANVISA um

Plano de Minimização de Risco relacionado ao uso desses medicamentos, prevendo

as condições para o monitoramento efetivo da segurança do produto por um período

de 12 (doze) meses”, nos termos do §1.º do art. 6º da referida resolução, bem como

procedessem à entrega de relatórios dos resultados de desenvolvimento do plano,

sendo esta condição para manutenção do desempenho da sua atividade produtiva.

Tudo isso intentando um reexame periódico da situação, diante dos novos dados

científicos a serem colhidos.

22 Cristine Noiville em seu artigo “ Ciência, decisão, ação : três observações em torno do princípio da precaução”, publicado na Rede Latino - Americana - Europeia sobre Governo de Riscos, Brasília – 2005, Cap. 3, p. 33 – 44, sobre o princípio da precaução assevera na p. 33 que: “esse princípio afirma que a ausência de certeza científica quanto aos riscos de um produto ou de uma atividade não constitui motivo para retardar a adoção de medidas que possam permitir a prevenção de eventual prejuízo”. Nesta linha, a atuação da agência reguladora sob análise preencheu os requisitos necessários à adoção do princípio nos moldes destacados pela autora ao discorrer sobre a posição dos tribunais sobre a matéria, consoante se depreende do enxerto extraído da p.36: “uma medida de precaução somente pode ser adotada sob uma condição: que o risco seja “suficientemente documentado", levando-se em consideração “indicações científicas aparentemente confiáveis e sólidas” em face das análises científicas disponíveis realizadas segundo o princípio da excelência, da independência e da transparência”.

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Por outro lado, o Congresso Nacional, há exatamente um mês da data da

eleição para presidente, governadores e deputados daquele ano, ignorando tudo o

que se espera da sociedade moderna quanto ao aproveitamento do conhecimento

científico e das experiências dos demais países como forma de prevenção e

desenvolvimento, sob a pressão exercida pela indústria farmacêutica e pela

comunidade médica, que utilizaram como estandartes na defesa de seus interesses

os princípios constitucionais da livre iniciativa econômica e da liberdade do exercício

profissional, respectivamente, entendeu que os riscos eram aceitáveis e transferiu

para o particular e para o seu médico o ônus quanto à escolha em fazer uso ou não

da medicação.

Esses riscos, conforme levantado pela Anvisa, extrapolam a barreira do

razoável, sendo impossível de se precisar as consequências advindas da liberação

da medicação, seja ao indivíduo que fizer o seu uso, seja à sociedade. Uma epidemia

de hipertensão arterial pulmonar, um desenfreado número de acidentes vasculares

cerebrais e síndromes coronarianas agudas são exemplos das consequências já

visualizadas em outras partes do mundo que podem, entre outras ainda não

imagináveis, vir a comprometer todo o sistema de saúde brasileiro. Mas a este

incumbirá, apesar dos seus já insuficientes recursos, fazer frente ao tratamento dos

vitimados, deslocando aporte financeiro de outras áreas socialmente também

relevantes. Esse tratamento terá por vezes um custo muito maior à sociedade do que

a realização de investimento na pesquisa científica pela produção de medicamentos

que combatam ou auxiliem no tratamento da obesidade de maneira realmente eficaz.

Mas essa possibilidade foi desconsiderada pelo legislador.

Diante desse panorama, este trabalho se dedica, por meio de pesquisa

bibliográfica da legislação e publicações doutrinárias que abordam o tema, a realizar

uma análise crítica à fundamentação jurídico-constitucional utilizada para justificar a

edição do Decreto Legislativo n. 273 de 2014 pelo Congresso Nacional,

demonstrando que sua promulgação constitui ofensa à Constituição Federal.

Repise-se que o Congresso fundamentou a promulgação do decreto

legislativo que sustou a Resolução n. 52/2011 da Anvisa no art. 49, inc. V e XI da

Constituição Federal. Ou seja, no suposto abuso do poder regulamentar por parte do

Poder Executivo, que teria extrapolado os limites da reserva legal, atingindo função

tipicamente legislativa.

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Inicialmente se mostra conveniente analisar o meio empregado pelo

Legislativo para fazer o controle de ato da Administração Pública, qual seja: o decreto

legislativo. Trata-se de uma das modalidades de processo legislativo elencadas do

art. 59 da Constituição, mas cujas normas materiais de elaboração e edição estão

disciplinadas no Regimento Interno do Congresso Nacional.

A função do Decreto Legislativo é eminentemente tratar de matérias de

competência exclusiva do Congresso Nacional23. Essa definição se extrai claramente

do glossário legislativo disponível do site do Senado Federal24, assim como resta

evidenciada do disposto no art. 213, inc. II do Regimento Interno daquela Casa,

inserido no Título VIII25, que trata das proposições, enquanto espécie de projeto,

prevendo também a sua utilização como instrumento formal para atender ao disposto

no art. § 1º do art. 223 da Constituição Federal26.

As competências do Congresso Nacional estão dispostas nos artigos 48 a 50

do texto constitucional, e suas competências exclusivas estão previstas no art. 49.

O constituinte originário, ao elencar as competências exclusivas do

Congresso, intentou salvaguardar sua liberdade e autonomia, afastando a

necessidade de sanção, bem como a possibilidade de veto presidencial, propiciando-

lhe uma forma de exercer o seu poder-dever de fiscalização dos atos do Poder

Executivo (FILHO, 2007).

23 Nesse sentido, destaca-se o posicionamento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em sua obra Comentários à Constituição Brasileira. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 85. 24 “Decreto Legislativo - Regula matérias de competência exclusiva do Congresso, tais como: ratificar atos internacionais, sustar atos normativos do presidente da República, julgar anualmente as contas prestadas pelo chefe do governo, autorizar o presidente da República e o vice-presidente a se ausentarem do país por mais de 15 dias, apreciar a concessão de emissoras de rádio e televisão, autorizar em terras indígenas a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de recursos minerais”. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/noticias/glossario-legislativo/decreto-legislativo>. Acesso em: 2 ago. 2015. 25 “Art. 213. Os projetos compreendem: I - projeto de lei, referente a matéria da competência do Congresso Nacional, com sanção do Presidente da República (Const., art. 48); II - projeto de decreto legislativo, referente à matéria da competência exclusiva do Congresso Nacional (Const., art. 49); III - projeto de resolução sobre matéria da competência privativa do Senado (Const., art. 52).” *Grifo não constante do texto original. Regimento Interno do Senado Federal. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/legislacao/regsf/ RISF2015.pdf>. Acesso em: 2 ago. 2015. 26 Constituição Federal de 1988: Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. § 1º - O Congresso Nacional apreciará o ato no prazo do art. 64, §§ 2º e 4º, a contar do recebimento da mensagem. § 2º - A não-renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal. § 3º - O ato de outorga ou renovação somente produzirá efeitos legais após deliberação do Congresso Nacional, na forma dos parágrafos anteriores.

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Especialmente quanto às disposições constantes dos incisos V e XI do art.

49, é possível extrair que o decreto legislativo que neles se funda terá como objeto

os atos normativos abusivos do Poder Executivo realizados no exercício do poder

regulamentar e os decorrentes da ultrapassagem dos limites da delegação legislativa,

invadindo a esfera de competências típicas do Legislativo27. Trata-se, pois,

evidentemente, de um controle político de constitucionalidade concentrada28, pois

exercido pelo Congresso, titular do poder político por excelência, necessariamente

por meio de suas duas Casas, quanto à ofensa direita ou indireta ao texto

constitucional, definindo quais fronteiras foram ultrapassadas pelo ato normativo do

Poder Executivo, decorrente da adoção pelo nosso sistema político administrativo do

mecanismo de freios e contrapesos.

No exercício do poder regulamentar, o Executivo poderá escolher os meios

para garantir a execução da norma, na busca da concretização dos seus efeitos.

Porém, nesse exercício, há de observar seus limites de atuação: de um lado, não

poderá modificar ou ab-rogar a lei, em respeito à divisão funcional e o âmbito de

atuação dos Poderes e, por conseguinte, à separação dos poderes; já de outro ângulo

tão pouco poderá, em respeito ao conteúdo material da norma, estender o que nela

está preconizado, ou instituir normas fora do que dispõe. No primeiro caso, se está a

falar de vício de constitucionalidade e, no segundo, de vício à legalidade por

desrespeito aos limites do poder regulamentar29.

Contudo, a ausência de parâmetros no texto constitucional para que se possa

aferir como, quando e em que medida os atos regulamentares emanados do Poder

Executivo, quanto ao exercício de funções que lhe são típicas, especializadas e

privativas, estariam exorbitando os limites de exercício do poder regulamentar, abre

27 As medidas provisórias não são passíveis de controle por meio de decreto legislativo por não decorrerem do exercício do poder regulamentar, tão pouco se equipararem à delegação legislativa, nos termos do art. 68 da Constituição Federal. 28 Anna Cândida da Cunha Ferraz, na sua obra Conflito entre Poderes: o poder congressual de sustar atos normativos do poder executivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 210: “Diversamente do controle político, construí- do sob a inspiração francesa, o controle de que trata o preceito do artigo 49, inciso V, configura controle político de constitucionalidade interórgãos. É criticável no tocante ao poder regulamentar, em razão da ofensa que faz à separação de poderes, uma vez que permite a superposição do Legislativo ao Executivo. É também criticável, relativamente à lei delegada, principalmente em face aos princípios da supremacia constitucional e defesa da Constituição e da segurança e certeza das relações jurídicas”. 29 Nesse sentido, Anna Cândida da Cunha Ferraz, na sua obra Conflito entre Poderes: o poder congressual de sustar atos normativos do poder executivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 68-76.

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margem à possibilidade de abuso pelo Congresso na utilização dessa modalidade de

controle, atentando contra a separação dos poderes (FERRAZ, 1994)30.

Importante se ter em mente de que, quando se está a tratar de abuso de

poder, afere-se uma conduta ilegal do administrador público, dissociável em duas

vertentes. Uma, quando o agente público, a autoridade administrativa, edita o ato sem

competência legislativa para tanto ou, ao fazê-lo, ultrapassa os limites da

competência que lhe foram fixadas em lei, indo além do que lhe era permitido fazer.

É o caso, pois, de vício do ato administrativo por excesso de poder. E, duas, quando

o agente público é competente para a edição do ato, sua edição encontra-se dentro

dos limites estritos da norma, mas atenta contra o interesse público porque há um

vício subjetivo, ideológico, um mau uso do poder pelo administrador para atender a

seus interesses, um desvio na vontade do legislador. Trata-se esta hipótese também

de abuso de poder, mas na sua espécie desvio de poder, também chamada de

desvio de finalidade.

O abuso de poder a que se refere o art. 45, incs. V e XI da Constituição há de

ser entendido como da espécie excesso de poder, tendo, portanto, como parâmetro

a lei.

A lei, aqui entendida em seu sentido amplo, compreende todos os diplomas

normativos inseridos no sistema jurídico nacional, constituindo o padrão comparativo

de que se valerá o congressista para realizar, por meio de decreto legislativo, o

30 A autora Anna Cândida da Cunha Ferraz (ob. cit. p. 213 a 215) faz severas críticas ao inciso V, art. 49 da Constituição Federal, propondo a sua exclusão do texto constitucional, donde se traem os enxertos: “Frente à separação dos poderes, inscrita como princípio fundamental e intocável e concretizada no sistema presidencialista de governo na Constituição de 1988, a sustação congressual de atos normativos regulamentares constitui figura aberrante, que não se ajusta aos lindes do controle político para o qual o Poder Legislativo é naturalmente vocacionado. (...) Diante tudo quanto foi exposto, ficaria inconcluso este trabalho se não se sugerisse a supressão do inciso V, do artigo 49, da Constituição Brasileira em vigor”. Posição em que é seguida por Dirceu Torrecillas Ramos, no seu artigo “Controle do Poder Executivo pelo Poder Legislativo”, publicado na Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, 1995, em que sustenta que: “1. Historicamente, examinando o pensamento de John Locke, Montesquieu e Karl Loewenstein, em sua nova tripartição, não encontramos uma justificativa para apoiar um dispositivo constitucional que permita ao poder legislativo sustar atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar. 2. A função regulamentar é própria do Poder Executivo e só este poderá sustar seu ato. Resta ao Poder Legislativo combater o regulamento e a lei delegada, se entender exorbitantes, através de legislação, revogando-os, ou recorrendo à ação de inconstitucionalidade, junto ao Supremo Tribunal Federal. 3. A atuação do Congresso, sustando ato do Executivo, significa que indevidamente estará julgando (porque ele julga que está exorbitando e susta) e regulamentando (porque justificará ou dará as diretrizes para a regulamentação). Verifica-se que atua em funções que não são suas, provocando um conflito com o poder executivo e com o poder judiciário”. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/46529/46571>. Acesso em: 29 ago. 2015.

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controle dos atos administrativos vinculados praticados pelo Executivo em caso de

descumprimento da norma e, consequentemente, da Constituição.31

Registre-se aqui que há aqueles para quem o controle via decreto legislativo

deve se restringir ao disposto no texto constitucional32. Nessa linha, defendem que

não estariam sujeitos a esse controle os atos normativos editados pelos órgãos da

Administração, vez que restrito aos atos editados pelo Presidente da República33.

Por outro lado, admitir o controle pelo Congresso, por via de decreto

legislativo, de atos administrativos discricionários, calcados na conveniência e

oportunidade, é fragilizar essa forma de controle ao ponto de possibilitar o abuso de

poder inverso. Ou seja, ao pretexto de fiscalizar a legalidade, estará o Congresso a

31Aqui convém ressaltar a valorosa análise feita por Gilmar Ferreira Mendes, em seu artigo “O Poder Executivo e o Poder Legislativo no controle de constitucionalidade”, cujo enxerto é a seguir encartado: “Kelsen já havia assinalado que qualquer ofensa contra o direito ordinário configuraria uma ofensa indireta contra a própria Constituição, desde que esta contivesse o princípio da legalidade da Administração9. Não obstante, enquanto a inconstitucionalidade direta poderia ser aferida pela via abstrata, a inconstitucionalidade indireta somente poderia ser examinada dentro de um sistema de controle da legalidade. Com a diferenciação entre a inconstitucionalidade direta e indireta, esforçava-se Kelsen para superar as dificuldades práticas decorrentes da ampliação desse conceito de inconstitucionalidade10. Reconhecia-se, porém, a dificuldade de se traçar uma linha precisa entre a inconstitucionalidade direta e indireta11 . Sem fazer qualquer distinção entre inconstitucionalidade direta e indireta, a doutrina brasileira enfatiza que qualquer regulamento que deixe de observar os limites estabelecidos em lei é inconstitucional”. Referido artigo foi publicado na Revista de Informação Legislativa, v. 34, n. 134, p. 11-39, abr./jun. 1997. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/220/r134-02.PDF?sequence=4>. Acesso em: 2 ago. 2015. Nesse mesmo sentido se posiciona Marcos Aurélio Pereira Valadão, em seu artigo “Sustação de atos do Poder Executivo pelo Congresso Nacional com base no artigo 49, inciso V, da Constituição de 1988”, ao exemplificar: “Se um decreto presidencial vai além do que está previsto na lei, ou seja, exorbita do poder regulamentar, trata-se de inconstitucionalidade do decreto pela via indireta. Também, se a uma lei delegada editada pelo Poder Executivo extrapolar os limites da competência legislativa delegada pelo Congresso Nacional, configura-se inconstitucionalidade da mesma lei. Assim, promovendo a sustação desses atos, o Congresso Nacional promove o controle de constitucionalidade dos mesmos”. Referido artigo foi publicado Revista de informação legislativa, v. 38, n. 153, p. 287-301, jan./mar. 2002. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/ item/id/7 65>. Acesso em: 2 ago. 2015. 32 Conforme Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, obra atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emanuel Burle Filho, 17. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 598: “Esse controle deve limitar-se ao que prevê a Constituição Federal, para evitar a interferência interconstituicional de um Poder sobre o outro”. 33 Nesse sentido: Anna Cândida da Cunha Ferraz (1994, p. 95): “Exatamente porque adstrito aos expressos termos da Constituição, o poder congressual alcança, tão somente, os atos executivos enquanto expressão do poder regulamentar do Chefe do Executivo. Sendo o poder regulamentar inerente ao Presidente da República, como se viu, não cabe a sustação, pelo Congresso Nacional, de atos executivos secundários, tais como portaria e instruções, mesmo que, por via reflexa, estes se revistam de caráter abusivo à lei. Somente o regulamento aprovado por Decreto Presidencial pode ser objeto dessa excepcional competência. Para os demais atos abusivos permanece o controle jurisdicional”.

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invadir a esfera de competências do Executivo quanto ao exercício do poder

regulamentar necessário ao fiel desempenho das funções que lhe são típicas34.

Vale ressaltar que a sustação realizada pelo Congresso não goza da

prerrogativa da definitividade na medida em que, por se tratar de ato jurídico, tendo

força de lei, está passível do controle constitucional exercido pelo Poder Judiciário,

na perfeita aplicação do princípio da inafastabilidade da jurisdição apregoado no art.

5, inc. XXXV da Constituição35.

O direito à jurisdição corresponde a uma garantia fundamental elevada ao

status cláusula pétrea36 e, por conseguinte, não pode ser excepcionado ou restrito

além dos limites trazidos pelo próprio texto constitucional, tão pouco alterado pela

vontade do legislador.37

Assim, em outras palavras, os legitimados38 podem buscar a tutela

jurisdicional do Estado por meio de ação direta de inconstitucionalidade interposta

junto ao Supremo Tribunal Federal para afastar as inconstitucionalidades que

permearem a atuação do parlamento na promulgação do decreto legislativo.

Esclareça-se, ainda, que no exercício do controle político pelo Congresso,

verificada a ilegalidade do ato administrativo regulamentador e editado o decreto

legislativo para combatê-lo, este, por sua vez, não tem o condão de promover sua

34 Nesse mesmo sentido se posiciona Marcos Aurélio Pereira Valadão, em seu artigo “Sustação de atos do Poder Executivo pelo Congresso Nacional com base no artigo 49, inciso V, da Constituição de 1988: “Aqui os problemas parecem ser maiores, visto que nem ao Poder Judiciário é admitido o controle da discricionariedade administrativa (em relação aos seus aspectos de oportunidade e conveniência). A sustação de atos do Poder Executivo com base em aspectos dessa natureza refugiria completamente ao sistema de pesos e contrapesos entre os três Poderes, podendo derivar para uma confusão de competências. Assim, deve ser afastada essa possibilidade, pelo menos no plano teórico”. Referido artigo foi publicado Revista de informação legislativa, v. 38, n. 153, p. 287-301, jan./mar. 2002. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/765>. Acesso em: 2 ago. 2015. 35 Constituição Federal: “Art. 5º (...) XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. 36 Constituição Federal: “Art. 60 A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:(...) IV - os direitos e garantias individuais”. 37 Neste sentido vale aqui o ensinamento de Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Matins na sua obra Comentários à Constituição Do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989, v. 2, p. 171: “lei alguma poderá autoexcluir-se da apreciação do Poder Judiciário quanto à sua constitucionalidade, nem poderá dizer que ele seja ininvocável pelos interessados perante o Poder Judiciário para resolução das controvérsias que surjam da sua aplicação”. 38 Lei 9868-99 – Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal: “Art. 2º Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembleia Legislativa ou a Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou o Governador do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional”.

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anulação ou revogação, mas sim de promover a suspensão de sua vigência dali em

diante, atingindo os seus efeitos no plano da eficácia. Assim, dessa sustação

decorrem, na sequência, duas possibilidades práticas: o Poder Executivo reformulará

o ato ou o Congresso providenciará a edição de lei destinada a tratar da matéria

controvertida. Trata-se, pois, de uma forma de controle ímpar, da qual não dispõem

os outros Poderes, já que uma vez sustado o regulamento, a normatização do que

dele consta só será possível por meio da edição de uma lei, o que fortalece o poder

do legislador. E mais ainda, em se tratando de norma negativa, obstaculizadora de

conduta, sua sustação terá conotação positiva, liberando a prática da conduta

anteriormente vedada.

Com efeito, definindo-se que o parâmetro de controle pelo Congresso para

identificar a exorbitância do poder regulamentar por parte do Executivo é a lei no seu

sentido amplo, inclusive porque esse poder só pode ser exercido para garantir a fiel

execução da lei, nos termos do inc. VI, art. 84 da Constituição39, ao confronto da RDC

n. 52 da Anvisa com o texto constitucional e a legislação infraconstitucional, não resta

demonstrada a alegada abusividade ou exorbitância, o que macula a legitimidade do

Decreto Legislativo n. 273/2014.

Ocorre que, não obstante o princípio da reserva legal, preceituado no inciso II,

do art. 5.º da Carta Magna40, esta também possibilitou a limitação da liberdade de

iniciativa econômica por meio da atuação interventiva do Estado no domínio

econômico, enquanto no exercício, conforme disposto em seu art. 174, caput41, da

função de agente normativo e regulador da atividade econômica.

Especificamente quanto à saúde, a Constituição Federal conferiu ao Poder

Público, por meio da execução de políticas, o dever de desenvolver ações e serviços

voltados a reduzir-lhe os riscos de doenças e outros agravamentos (CF art.

39 Constituição Federal: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”. 40 Constituição Federal: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. 41 Constituição Federal: “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.

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19642), dispondo, nos termos da lei, quanto a sua regulamentação, formas de

controle e de fiscalização (CF art. 19743).

Essas ações e serviços integram uma rede regionalizada, disposta de forma

hierárquica, que constituem o sistema único de saúde – SUS.

O art. 200 da Constituição Federal estabelece a competência do SUS para

realizar a vigilância sanitária, em que se inclui o controle sanitário dos

medicamentos44.

Nessa linha, cabe destacar que a Lei 9.782/1999 definiu o Sistema Nacional

de Vigilância e criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Dela

convém realçar o disposto nos artigos a seguir transcritos:

Art. 2º - Compete à União no âmbito do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária: I- definir a política nacional de vigilância sanitária; II - definir o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária; III - normatizar, controlar e fiscalizar produtos, substâncias e serviços de interesse para a saúde; [...] § 1º - A competência da União será exercida: [...] II- pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária ~ ANVS, em conformidade com atribuições que lhe são conferidas por esta Lei; [...] Art. 6º - A Agência terá por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras. [...] Art. 8º - Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública. § 1º - Consideram-se bens e produtos submetidos ao controle e fiscalização sanitária pela Agência: I- medicamentos de uso humano, suas substâncias ativa e demais insumos, processos e tecnologias; * Grifos não constantes do texto

legislativo original.

42 Constituição Federal: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. * Grifo não constante do original. 43 Constituição Federal: “Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.” * Grifo não constante do original. 44 Constituição Federal: “Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador”.

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Diante da análise dos dispositivos normativos anteriormente referidos, não

resta dúvida de que o poder de regulamentar, já conferido ao Executivo pelo texto

constitucional no seu art. 84, inc. IV, será exercido quanto ao comércio de

medicamentos por meio da ANVISA.

A agência reguladora exerce o controle sanitário de produtos nacionais ou

importados submetidos à vigilância sanitária, entre os quais se destaca o de produção

e comercialização de medicamentos. Esse controle comercial de medicamentos é

disciplinado pelas Leis Federais n. 5.991/1973 e 6.360/1976, que são

regulamentadas, respectivamente, pelos Decretos n. 74.170/1974 e Decreto n.

8.077/2013, este último publicado em substituição aos Decretos n. 79.094/1977 e

3961/2001.

Depreende-se do disposto do art. 12 caput e §1º da Lei n. 6.360/1976 que a

referida produção e comercialização de medicamentos está condicionada a prévio

registro sanitário realizado pela Anvisa. Esse registro tem por fim avaliar a eficácia e

a segurança dos medicamentos para a população, primando pela garantia do direito

social à saúde (arts. 6º45 e 196 da Constituição Federal). Nesse sentido, a fixação de

prazo de validade do registro leva em consideração a natureza do produto e os riscos

de sua utilização.46 Vale ressaltar que o condicionamento ao prévio registro encontra

perfeita consonância com o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição

Federal47.

Quanto à garantia constitucional à liberdade do exercício profissional,

defendida pelos médicos que se opunham à RDC n. 52, há de ser consignado que,

apesar dessa liberdade e da valorização do trabalho humano serem os baluartes da

45 Constituição Federal: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. 46 Lei n. 6.360/76: “Art. 1º - Ficam sujeitos às normas de vigilância sanitária instituídas por esta Lei os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, definidos na Lei n. 5.991, de 17 de dezembro de 1973, bem como os produtos de higiene, os cosméticos, perfumes, saneantes domissanitários, produtos destinados à correção estética e outros adiante definidos. Art. 12 – “Nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde: § 1o A Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA - definirá por ato próprio o prazo para renovação do registro dos produtos de que trata esta Lei, não superior a 10 (dez) anos, considerando a natureza do produto e o risco sanitário envolvido na sua utilização”. 47 Constituição Federal: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.

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ordem econômica, referidos princípios são indissociáveis e condicionados à

observação do primado da defesa do consumidor e da função social da propriedade.

Isso porque a Constituição afastou o liberalismo econômico absoluto, nos termos dos

arts. 170 e parágrafo 4º do art. 173 a bem do interesse social. Nesse sentido, elevado

significado assumem as atividades de vigilância sanitária, que têm como fim precípuo

prevenir, eliminar e, na pior das hipóteses, minimizar os riscos à saúde, intervindo na

produção e comercialização de medicamentos por meio da sua avaliação, com

rigorosos processos clínicos de aferição de sua eficácia e segurança antes que sejam

disponibilizados para utilização pela sociedade.

Ao que se vê, portanto, foi estribada em fundamento legal e dentro da sua

esfera de competências que a Anvisa editou a RDC n. 52, vedando o uso de

anfepramona, femproporex e mazindol, seus sais e isômeros e intermediários,

negando-lhes registro, bem como estabeleceu medidas de controle para quando da

prescrição e dispensação de medicamentos que contenham a substância

sibutramina, seus sais e isômeros. Não havendo, pois, como se falar em exorbitância

do poder regulamentar, vez que editada dentro dos estritos limites da sua esfera de

competências administrativas, como expressão do poder de polícia da

Administração48 em execução das normas de vigilância sanitária, ao limitar o exercício

de direitos em favor do interesse geral, na busca da proteção da saúde e, por

consequência, do interesse público.

A RDC n. 52 está em perfeita consonância com as atribuições inerentes ao

Ministério da Saúde por meio da Anvisa, tendo sido editada na busca da proteção e

como forma de zelo pela saúde pública com a ponderação entre os benefícios e os

riscos envolvidos no uso da medicação. As regras restritivas de comercialização se

inserem no poder de regulamentação e de polícia da Administração no âmbito da

política sanitária (Lei 9.782/1999), não sendo ofensivas aos princípios da legalidade,

tão pouco ao da liberdade do exercício profissional.

Verificada, portanto, a obediência ao princípio da reserva legal, resta latente

que a atuação do Congresso ao promulgar o Decreto Legislativo configurou ataque

48 Nesse ponto, convém relacionar o conceito de poder de polícia extraído do Código Tributário Nacional em seu art.78: “Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.

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ao princípio da separação dos poderes na medida em que a atuação Legislativa

preponderou sobre as atribuições constitucionais típicas do Poder Executivo. O ato

ora vergastado desnaturou a estrutura político-administrativa, paralisando e

desmoralizando a atuação executiva regulatória.

O decreto legislativo, enquanto instrumento constitucional de controle, tem

em si a natureza intrínseca de derrogar a separação dos poderes. Mas sua conduta

se mostrou atentatória a esse princípio quando evidenciada a utilização abusiva

desse instrumento de controle constitucional diante da inexistência de excesso

perpetrado pelo Executivo ao regulamentar. Inexiste, como demonstrado

anteriormente, correlação entre as atribuições do Legislativo e a norma que sustou,

esta de viés originário eminentemente técnico, elaborada com base em pesquisas

científicas e ensaios clínicos, uma vez que editada à luz das competências

constitucionalmente delineadas ao Poder Executivo.

Mas, de outro aspecto, é impossível não destacar que, evitando um conflito

entre os Poderes, com a perpetuação da controvérsia, o Executivo permaneceu

inerte, não se socorrendo do controle jurisdicional de constitucionalidade do Decreto

Legislativo. Corroborou, assim, com os riscos a que passou a estar sujeito o sistema

estatal como um todo e, em especial, os seus integrantes.

Deste modo, que pese a indubitável competência constitucional do

Congresso Nacional em fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo, inclusive

aqueles editados pelas Agências Reguladoras, que integram a Administração

Indireta49, a sua atuação por ocasião da promulgação do Decreto n. 273/2014 se

mostrou inconstitucional e ilegal. A Casa de Leis abusou do controle constitucional

que lhe é permitido pela via do Decreto Legislativo, atentando contra o princípio

constitucional da separação e harmonia entre os poderes, invadindo a esfera

tipicamente administrativa do Poder Executivo, em evidente afronta ao disposto no

art. 2.º e 200 da Constituição Federal, além de fazer de letra morta as disposições

constantes nas Leis Federais n. 5.991/1973 e n. 6.360/1976.

49 Constituição Federal: “Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (...) X - fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta”.

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Referências

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PRINCÍPIOS BÁSICOS DE LINGUÍSTICA TEXTUAL: ALGUNS APONTAMENTOS

SOBRE A ESCRITA A PARTIR DO USO DOS OPERADORES ARGUMENTATIVOS

Bruno Gomes Pereira

Vanessa Soares da Silva

Introdução

Ao iniciar uma comunicação, seja escrita ou oral, o primeiro propósito é que

essa mensagem seja compreendida pelo leitor. Nesse sentido, as escolas brasileiras

devem pautar seus objetivos para que o educando possa ler e produzir textos de

forma compreensiva usufruindo dos recursos gramaticais que determinam o

adequado funcionamento das produções orais e escritas da língua.

Nesse sentido, devemos procurar entender o texto enquanto uma

manifestação, oral ou escrita, construída por elementos menores que, juntos,

contribuem para construção de sentido. Dessa maneira, somos levados a considerar

que o texto, conforme teoria linguístico-textual, é elemento propulsor de análise.

Diante desse pressuposto, devemos entendê-lo enquanto célula central analítica,

posto que é resultado de múltiplas relações, as quais são interconectadas por

elementos linguísticos específicos que propõem uma rede complexa de sentido, são

os chamados conectivos. Estes, quando são utilizados de forma não cabível, acabam

por prejudicar a produção em seus níveis macro e micro.

Nesse sentido, é pertinente pensar que:

os operadores argumentativos, não valorizados em nossa sala de aula, mas de fundamental importância para o entendimento de todo texto. O que se vê na escola é que o aluno desconhece a função das palavras, pois o ensino de Língua Portuguesa pouco tem se empenhado a mostrar a importância desses elementos como fator de coesão, como recurso para a construção de um todo organizado significativo, coerente (MARINHO et al, 2005, p.179).

Diante disso, a necessidade das aulas de Língua Portuguesa em focar a

importância dos conectivos linguísticos é fator preponderante na instrução de uma

escrita mais consciente e sistematizada.

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O uso não consciente dos conectivos da Língua Portuguesa acarreta em uma

produção confusa, ambígua e incoerente no momento do manejo linguístico, visto que

as relações de sentido promovidas em casos de usos equivocados desses elementos

não são condizentes ao contexto elaborado. Logo, a perspectiva semântica do texto

se torna comprometida em todos os seus níveis organizacionais (cf. KOCH &

FÁVERO, 2008).

A maneira mecanizada com que a escola concebe a escrita e o uso dos

conectivos acarreta em um aumento problemático dessa modalidade, posto que os

alunos mostram-se cada vez mais distantes de uma concepção consciente da língua.

Coerência X Coesão: Uma Breve Consideração Teórica

No entendimento de que a dinâmica textual segue padrões de construção que

lhe permitirão cumprir sua missão comunicativa, é preciso conhecer dois princípios

da Linguística Textual: a coesão e a coerência.

No que se refere à coerência textual Sayeg-Sirqueira (1996) afirma que a

organização homogênea das ideias no texto caracterizam a coerência que, por sua

vez, está ligada a organização macroestrutural do texto50, conhecida assim por se

tratar de uma estrutura unitária global do texto. Para o referido autor, o texto se

organiza a partir de uma dupla lateralidade: a macro e a microestrutura, onde

microestrutura refere-se a coesão textual.

Somada a isso, Koch e Fávero consideram o estudo do texto um mecanismo

veiculador de sentidos, no que se refere à relação entre enunciadores, isto é, analisar

o texto é um ponto relevante ao processo de letramento51, visto que a construção de

sentidos é de fato desenvolvida em uma percepção dialógica: Dessa maneira, tais

autoras afirmam que o texto “vem a constituir, na mente dos interlocutores, uma

configuração veiculadora de sentidos” (2005, p.52).

Seguindo esse mesmo viés de pesquisa, Bastos considera que os problemas

de textualidade são detectados em grande escala também por razões locucionais.

Nesse caso, a autora considera que:

50 Sayeg-Sirqueira (1996) define organização macrotextual do texto como conjunto formado por saber

partilhado, informação nova, justificativa e conclusão. 51 Não nos interesse aqui fazer uma abordagem exaustiva a respeito da concepção de letramento. Para obter mais informações a respeito, consultar Soares, 2005 e Kleiman, 2007; Kleiman, 2008.

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uma abordagem feita através do que chamamos de envolvimento do aluno com o texto que produz, dado que esse envolvimento, da maneira como entendemos, é determinado, principalmente, pela situação de comunicação em que o texto foi produzido (BASTOS, 2001, p.81)

Nesse caso, deve-se considerar, a priori, a questão multicultural52 em que a

escola opera e entender como esse fato prejudica o mecanismo de retroação e

progressão do texto em uma perspectiva locucional.

Além disso, Charlot afirma que “os alunos atribuem significação à escola e

reagem à escola em função dessa significação. Pode-se, portanto, integrá-los dentro

da corrente etnográfica” (1992, p. 78). Sendo assim, escola-cultura-escrita são

elementos indissociáveis.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais propõem uma mudança de paradigma,

onde o contexto social dos alunos seja considerado enquanto ferramenta elementar

para um satisfatório processo de ensino da Língua Portuguesa.

Confere-se então que a:

primeira mudança de paradigma preconiza a importância de compreender as dificuldades vivenciadas pelos alunos no processo de aprendizagem à luz dos fatores envolvidos na variação linguística. Defendia-se, portanto, o planejamento, a execução e a avaliação dos resultados das práticas de ensino e de aprendizagem levassem em conta fatores com classe social, faixa etária, gênero sexual (BRASIL, PCNS 2006, p. 19).

Portanto, a metodologia que o professor da escola básica aplica em suas

aulas de Língua Portuguesa deve convergir, nessa perspectiva, com os pensamentos

da Linguística Textual, visto que esta área de estudos linguísticos pode contribuir

significantemente ao processo de ensino-aprendizagem da língua materna.

Discutindo Os Operadores Argumentativos

Destacada a importância dos princípios textuais de coerência e coesão, é

necessário discutir sobre a importância dos operadores argumentativos para a

efetivação de textos que obedeçam tais princípios textuais.

52 Adotamos aqui a noção de multiculturalismo em Knechtel, 2003.

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Entender o texto enquanto manifestação cultural e ideológica é crucial para

um estudo do ensino da língua materna nas escolas, uma vez que propõe uma visão

mais reflexiva acerca do uso linguístico. Nesse sentido, entende-se que:

devido à interação entre estrutura gramatical e função textual, a forma de um texto pode fornecer vários indícios para a identidade de seu gênero e para uma interpretação apropriada, porém, a interpretação emerge somente na união entre forma e contexto (HANKS, 2008, p. 123).

Percebemos, nas palavras supracitadas, que a ideia de texto deve perpassar

a superfície do enunciado, ou seja, o caráter puramente gramatical. Nesse sentido,

estamos nos referindo a texto enquanto algo em contínua construção, por meio da

relação com outros fatores extratextuais, como o contexto de produção e os

interlocutores envolvidos.

De volta aos os operadores argumentativos e suas contribuições a uma

produção textual consciente, apresentamos a seguinte definição:

operadores argumentativos [são] especialmente pertinentes para os estudos sobre argumentação na língua e proposto pela Semântica Argumentativa. Esta classe inclui elementos de várias classes, como a das conjunções da gramática tradicional, outros tipos de conectores, como os estudados pela Linguística Textual ao tratar de coesão e coerência (TRAVAGLIA, 2007, p.95)

Conforme as palavras de Travaglia transpostas acima, os operadores

argumentativos são marcas linguísticas que ultrapassam a dimensão apenas

gramatical. Dessa forma, são também fatores relevantes para construção de sentido

do texto, partindo do pressuposto de seu caráter semântico imanente. Assim sendo,

os operadores argumentativos estabelecem uma relação de sentido entre

argumentos que conectam no momento da progressão textual.

Nesse mesmo raciocínio, caminhamos para a discussão de que o operador

argumentativo exerce caráter não apenas de mero elemento de coesão, mas,

sobretudo, seu papel é de natureza sequencial, tendo em vista a progressão que

motiva a partir de sua utilização (PEREIRA, 2011; PEREIRA, 2013).

Dessa forma, cabe a esses elementos linguísticos a função de levar o

produtor de um texto a sua busca por argumentos para sustentar sua ideia principal

dentro de sua produção.

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Mesmo com tamanha importância no ato da produção textual, ainda existem

muitos indícios de dificuldade nos trabalhos escolares onde os alunos parecem

alheios ao uso dos operadores argumentativos mesmo em sua forma mais simples.

As produções textuais são de difícil entendimento, pois ainda há uma barreira para o

desempenho desse processo.

Mais uma vez, parece ser interessante discutirmos a respeito desses

conectivos da língua em sua dimensão discursiva, tendo em vista seu papel

importante nas produções textuais. É necessário um estudo sistematizado acerca

dessa evasão, pois equívocos devido ao uso impróprio e inadequado dos conectivos

da língua estão se tornando cada vez mais perceptíveis, o que caracteriza uma

intensificação considerável dessa problemática.

Considerações Finais

A escola tem papel social de ensinar seu educando a conhecer os

fundamentos da língua materna com todo o domínio necessário para se expressar. É

assim como prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº 9394/96)

para o setor educacional, referenciada aqui nos Parâmetros Curriculares Nacionais.

A Língua Portuguesa deve promover o avanço em níveis mais complexos de estudo,

assim como integrar-se o aluno ao mundo real, em que o uso linguístico possa ser

mais crítico e consciente.

Está atribuída à escola (especificamente a disciplina de Língua Portuguesa)

o compromisso de contribuir para o aprimoramento de quatro habilidades de leitura,

escrita, fala e escuta que são extremamente necessárias ao aluno. Na efetivação de

medidas que desenvolvam essas habilidades, devem haver condições necessárias

para ensinar o aluno a produzir textos com o uso adequado de operadores

argumentativos.

Em síntese, as aulas de Língua Portuguesa não tem ressaltado a

essencialidade desses elementos conectivos na concatenação semântica do texto em

que são utilizados. Isso propõe uma visão simplificada e periférica acerca de tais

elementos linguísticos, o que induz o aluno a um uso não crítico-reflexivo na

modalidade escrita.

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SOARES, M. Letramento: Um tema em três gêneros. 2ª ed. Belo Horizonte/MG: Autêntica, 2005. TRAVAGLIA, L. C. Gramática: Estudo e Ensino. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2007.

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A INFLUÊNCIA DA MÍDIA SOBRE AS DECISÕES TOMADAS NO TRIBUNAL DO JÚRI

João Victor Moraes Felix Batista

Nilsandra Martins de Castro

Introdução

Os meios de comunicações, sobretudo a mídia televisiva e a internet, ganham

cada dia mais força na vida em sociedade, eles encabeçam informações,

entretenimento, curiosidades, atualidades, estabelecem redes de amizades, entre

tantas possibilidades advindas dos meios tecnológicos de informação e assim vão

construindo a “opinião pública”, que sabemos, não é nem de longe neutra. Nesse

contexto, vem à tona muitos casos famosos que envolvem a prática de crimes a serem

julgados pelo tribunal do júri, no qual se percebe o impacto que a atuação da mídia

favorece.

Em outras palavras, é preocupante a influência, por vezes negativa, no

trabalho exercido pelo jornalismo a despeito das matérias relacionadas aos crimes

dolosos contra a vida, persuadindo e insinuando as decisões proferidas por populares

por meio do Conselho de Sentença e postergando, deste modo, os princípios e

normas penais, como também os direitos fundamentais do cidadão de formar sua

própria opinião sem ser influenciado. Diante de tais questões, resta entendermos, e

o judiciário, pode ser influenciado pelas inúmeras informações veiculadas pela

mídia?

O presente artigo busca avaliar a forma que a mídia influi no Tribunal Popular

ao passar informações de modo ideológico e não contundente no que tange aos

crimes dolosos contra a vida, principalmente os de maior repercussão.

Para tanto, empregamos o método bibliográfico e documental de abordagem,

uma vez que se busca refletir a relação entre a eloquente atuação midiática e a

influência sobre a soberania dos veredictos, considerando os casos de Suzana

Rithchofen e da Chacina da Candelária.

Desta forma, estrutura-se o presente artigo evidenciando a origem histórica

do tribunal do júri e a sua competência, em seguida será apontado os direitos à

liberdade de imprensa, bem como até onde este direito vai. Analisaremos em seguida

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o pré-julgamento que a sociedade faz através de matérias exibidas pela mídia, sob a

análise de casos concretos e as suas principais consequências.

A Origem do Tribunal do Júri

O tribunal do júri é encarregado de julgar crimes dolosos contra a vida na

forma tentada ou consumada. Neste, cabe a um grupo de pessoas sorteadas para

constituir o conselho de sentença, ou seja, alegar se o crime em tese é passível de

punibilidade, se o réu é culpado ou inocente. Deste modo, o juiz decide de acordo

com a vontade popular, lê a sentença e estipula a pena, no caso de condenação.

(NUCCI,1999, p.34)

O procedimento do júri é dividido em duas fases, a primeira identificada de

sumário de culpa que compreende do recebimento da denúncia até a sentença de

pronuncia. Nesta fase, verifica-se a admissibilidade da acusação, se o réu deve ou

não ir à julgamento. Já a segunda fase, se inicia com o libelo e vai até o julgamento

em plenário, onde nesta fase os jurados irão analisar o mérito.

Em cada processo, são sorteados 25 cidadãos que devem estar no

julgamento. Destes, somente sete são sorteados para constituir o conselho de

sentença que irá decidir a responsabilidade do réu pelo delito. No final do julgamento,

o conselho de sentença deve responder aos chamados quesitos, que são os

questionamentos feitos pelo presidente do Júri, a respeito do fato criminoso em si e

as circunstâncias que o abrangem. (CAPEZ,2003)

De acordo com Avena (2005), existe uma grande controvérsia a respeito de

como surgiu o tribunal do Júri, mas o que se pode reiterar é que a instauração, nos

primórdios, encontrou-se baseada à superstições e crenças populares e religiosas,

evocando-se Deus para o julgamento. A propósito, o surgimento da palavra júri vem

de juramento, que significa invocar Deus como testemunha.

Há entendimentos que o instituto teve sua primeira manifestação na

Palestina, outras correntes afirmam que foi na Grécia e Roma antiga, e outras para a

Inglaterra. O desentendimento entre as correntes dos doutrinadores se dá, segundo

Rezende (2005), por uma sequência de vários motivos como a ausência de acervos

históricos específicos, a questão da instituição corresponder a uma população muito

antiga e que naquela época não tinham estudos, e a ausência de características

decisivas e unânimes para detectar sua existência.

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Em 7 de setembro de 1822 foi proclamada a independência do Brasil, e após

esta, o júri, na Constituição do Império do Brasil de 25 de março de 1824, passou a

ser um dos ramos do Poder Judiciário, advindo a decidir também em matérias

criminais e civis. (CAPEZ, 2003)

O júri era regido pelos artigos 151 e 152 da citada Constituição, definindo,

respectivamente a soberania do poder judicial, formado por juízes e jurados, em

assuntos civis e penais conforme o que os códigos definissem que os jurados se

manifestariam apenas de fato, deixando para os juízes a aplicação da lei.

A Dualidade: Liberdade de Imprensa e Legalidade Jurídica

A Lei de Imprensa nº 5.250 de 9 de fevereiro de 1967, alterou o conceito de

imprensa e neste inseriu as agências de notícias e os serviços de rádio fusão, que

antes da referida legislação era regido pela lei nº 2.083 de 12 de novembro de 1.953,

este conceito se restringia aos jornais e periódicos e os demais impressos ficavam na

esfera do direito comum.

Ultimamente, pode-se sustentar que a palavra imprensa não tem o seu

significado restringido de meio de transmissão de informação impressa, deve-se

ponderar sua acepção ampla de designar todos os meios de publicação de

informações ao público, principalmente quando o meio de transmissão forem os mais

modernos, como a internet, rádio ou televisão, cujo número de receptores das

informações é ilimitado. (SOUZA,1984).

A nossa Carta Magna de 1988 abrange a questão da liberdade de imprensa

no seu artigo 220 e 221, como pouquíssimos países do mundo. Vejamos o artigo 220,

“a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer

forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto

nesta Constituição”. É essencial que a pessoa tenha ampla liberdade para proceder

sua vida particular sem a perturbação de terceiros.

Verifica-se que a constituição assegura a liberdade de expressão, mas esta

deve ser restringida até o ponto em que o direito de um termina onde o do outro

começa. Deve ser resguardado alguns direitos à imagem, a honra, ao nome do

indivíduo cujo nome será objeto de matérias nos meios de comunicação, sendo

imprescindível a autorização deste para tais atos. (ROCHA,2003).

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O parágrafo primeiro aduz que não poderá haver lei que possua dispositivo

que venha a criar embaraços à liberdade de informação jornalística em qualquer que

seja o veículo de comunicação social, devendo-se observar os dispostos nos incisos

IV, V, X, XIII e XIV do artigo 5º da Constituição Federal que assegura alguns direitos

à liberdade de manifestação de pensamento.

Nestes, contém algumas restrições quanto à censura de natureza política,

artística e ideológica, conforme se verifica no artigo 220 da Constituição Federal. Os

referidos meios de difusão deverão seguir o princípio do respeito aos valores éticos e

sociais da pessoa e da família, como aduz o artigo 221 em seu inciso IV da Carta

Magna de 1988.

Ao final do século XIX, o professor da Faculdade de Direito de Recife, Braz

Florentino Henriques de Souza, defendia a ideia de censura judicial, indagando se o

juiz poderia ordenar sobre a vida das pessoas, pois nesta época a pena de morte era

permitida, mandar prendê-los por longos anos.

Este tipo de censura é denominado de censura judicial, ou também chamada

de “censura posterior”, com o objetivo de impedir, via poder judiciário, a publicação

de informações que ameaçam os direitos e garantias individuais assegurados na

nossa Constituição de 1988, como a honra e a imagem. (JABUR,2000).

Também é importante destacar que os fatos que geram repercussão na

esfera penal vem sendo objeto da mídia sensacionalista, por meio do qual estes

transmitem a notícia de modo exagerado e com encenações emotivas, apelos e

expressões que transmitem sua própria opinião sobre o caso que muitas vezes não

condiz com a veracidade dos fatos.

Segundo afirma Marília Denardin Budó (2013, p.8)

Ao escolher entre os valores-notícia interesse (do público) e relevância, aquele se sobrevém, abrindo espaço na publicação da informação para benefícios individuais, e, em consequência, para o sensacionalismo. Opta-se, então, pela confusão entre informe e entretenimento, analisando-se os aspectos engraçados, dramáticos e de conflito, para então divertir.

Deste modo, a mídia sensacionalista tem primazia pelas notícias na área

penal, que envolve crimes, e neste se evidencia os crimes dolosos contra a vida. De

especial modo, os homicídios consumados, cujo estes serão julgados pelo Conselho

de Sentença do Tribunal do Júri. Nestes casos, a influência da mídia é

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constrangedora para o réu, violando seus direitos fundamentais garantidos pela

Constituição Federal de 1988.

Arbex (2001) discute algumas possibilidades para se tentar solucionar esse

conflito, como o regime de exclusão. Em que neste, a liberdade de imprensa termina

onde começa o direito à honra, que contempla a reputação e a dignidade. Neste

entendimento, o direito à honra reduz a liberdade de manifestação, uma vez que

idealiza a superioridade dos direitos da personalidade.

Em síntese, a divergência entre a honra que é um direito constitucionalmente

protegido e a liberdade de manifestação pode ser solucionado com base no princípio

da ponderação dos bens, diante de definição valorativa dos interesses em suma, a

partir do próprio complexo de valores da Constituição Federal de 1988.

Isso quer dizer que o juiz necessita ter a serenidade e a cautela de apenas

coibir a divulgação de casos ofensivos a direitos alheios que não tem importância

para a sociedade, pois, se a publicação reproduzir verdadeiros fatos de utilidade

pública e que não atentem contra a segurança pública, não deve-se renunciar o direito

à informação, pois, em tese, não há conflito de interesses.

A Publicidade dos Atos Processuais

A garantia da publicidade processual está relacionada à ordem de controle

democrático dos atos judiciais. É de suma importância a compreensão em que

consiste o controle democrático dos atos judiciais. Scarance (1999), nos mostra um

“novo movimento entre os processualistas de retratarem a importância da atuação

popular na distribuição da justiça”.

De acordo com esse entendimento, sustenta-se que a motivação da sentença

judicial não deve ser dirigida apenas aos advogados das partes, ou para estas

mesmas, ou ao seus juízes, mas sim a todos, proporcionando a compreensão e o

controle dos atos dos magistrados pela sociedade.

O atual processo penal, elencado sob o pensamento político liberal, evidencia

a publicidade como garantia do indiciado defrontando-se ao modelo inquisitorial, em

que o sigilo na condução do processo proporciona o cometimento de toda sorte de

injustiças contra aqueles que caiam nas garras dos tribunais de inquisição

(LOPES,2004).

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Pedro Marcelo Pasche de Campos retrata sobre a importância do sigilo na

fase do processo inquisitorial:

Durante a instrução processual, o réu era coberto por um mar de mistérios, pois a este era vedado o acesso aos autos que permaneciam secretos e nos interrogatórios, eram omitidos situações e informações que viessem a confessar possíveis denunciantes. A quebra desta regra – o que era muito difícil acontecer, se o Santo Ofício tivesse ciência disto, a punição era a obstaculização à ação do tribunal, o réu poderia voltar a prisão por causa disto. (CAMPOS, 1997, p. 167 a 172.)

A publicidade na condução do processo penal, designa-se a garantir o

julgamento justo, e não somente a publicidade advinda de forma restrita, e que acaba

dando-se acesso aos autos e garantindo-se a presença nas audiências os advogados

e as respectivas partes. A ampla publicidade – a possibilidade para que a sociedade

em geral tenha igualmente acesso aos atos processuais, inicialmente também foi

instaurada como garantia do réu na ação penal.

Este ponto é de suma importância, pois dá ênfase à tese de que o réu que é

o titular do direito à publicidade, pode renunciar a esta unilateralmente, pleiteando ao

magistrado a decretação do sigilo, para que se preserve um possível constrangimento

motivado pela exposição de sua imagem, de suposto autor do crime, perante a

sociedade; ou mesmo para esquivar-se da influência da mídia sob o resultado do

processo, nos casos em que despertem maior repercussão nos meios de

comunicação (RIVERS,2002).

Diversas questões abrangem a possibilidade de transmissão televisiva de

julgamentos criminais, especialmente os que tratam de crimes dolosos contra a vida,

como os de competência do tribunal do júri. Contudo, mesmo que seja válida a

alegação do direito de transmissão dos meios de comunicação, dá uma nova

importância ao conceito de publicidade – não apenas pela amplitude do espectro dos

indivíduos afetados, mas também pela constância que a informação chega ao público,

ofertando melhor compreensão do funcionamento do poder judiciário, é inegável a

influência da cobertura feita pela mídia sobre a condução do julgamento.

Presunção de Inocência

Conforme preceitua o artigo 5º, LVII da Constituição Federal, ninguém poderá

ser declarado culpado até o trânsito em julgado da sentença que o condenar. Uma

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garantia constitucional primordial é a presunção de inocência. Desta forma, Tolentino

(2002, p.24) nos mostra o seu entendimento:

(...) Por meio dela, o indiciado não é mais um mero objeto processual, Ele passa a ser sujeito de direitos dentro da relação processual.” Refere-se a um privilégio conferido constitucionalmente ao agente De não ser considerado culpado até que a sentença condenatória Transite em julgado, resguardando-se possíveis consequências que A lei considera como penalidade antes da decisão final.

Conforme este autor, a presunção de inocência dá cabimento a outros

princípios relevantes ao processo, como o duplo grau de jurisdição, a ampla defesa,

o direito do réu recorrer em liberdade, entre outros princípios que estão dispostos no

artigo 5º da Constituição Federal.

O duplo grau de jurisdição dá oportunidade para as partes recorrerem da

sentença em instância superior, viabilizando a fiscalização judicial e a padronização

das decisões de primeiro grau, proferida pelos magistrados.

O direito à prova é uma vantagem advinda da presunção de inocência. A

acusação deve provar o que se é imputado ao acusado, já que seu status quo é a

inexistência de culpabilidade.

Segundo Tourinho (2003) nos afirma que o nosso ordenamento jurídico não

admite provas ilícitas, a não ser que sejam em casos excepcionais, para beneficiar o

réu com o princípio do in dubio pro reo, afim de evitar que alguém seja acusado

injustamente, caso surja dúvida por parte do magistrado, este deve optar no que seja

melhor para o réu.

O princípio da presunção da inocência não exclui a probabilidade de ser

realizada a prisão antes da sentença transitada em julgado. O juiz, contudo, ao

determinar a pena do acusado, deve realiza-la mediante decisão fundamentada que

evidencie a presença dos pressupostos dos artigos 312 e 313 do Código de Processo

Penal, que trata dos requisitos da prisão preventiva.

Análise: Casos Concretos

Esta seção tem o objetivo de analisar os casos Suzane Von Richthofen e

Chacina da Candelária e sua repercussão na mídia.

Analisando os casos citados, de imediato podemos dizer que, em sua maioria,

os meios de comunicação, em especial a TV, são hábeis ao realizarem um julgamento

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antecipado dos denunciados sem prévia decisão judicial, em que a verdade seria

irrefutável, utilizando-se de meios de persuasão como a psicologia para manipular a

interpretação dos telespectadores, levando-os a formação de uma opinião subjetiva

e elitista.

Caso 1: Suzane Von Richthofen:

A morte dos pais de Suzane ocorreu em 31 de outubro de 2002, esta não

tinha o consentimento dos pais para namorar Daniel Cravinhos, que então proibiram

o relacionamento, a proibição gerou revolta em Suzane e Daniel. Assim, Suzane e os

irmãos cravinhos planejaram a simulação de um latrocínio, que desencadearia na

morte dos Richthofen. Segundo relatos do caso, eles planejavam após a morte do

casal, dividir a herança. (BERNASCONI,2003).

A emissora rede globo (2002) narrou que, na época, o caso repercutiu tanto,

que a população da região ficou interessada em assistir o júri popular de Suzane, que

ocorreu na cidade de Barra Funda em São Paulo, eram tantas pessoas que dos 80

lugares disponíveis, havia aproximadamente 5 mil pessoas inscritas para assistir.

A reportagem feita pelo programa Fantástico em abril de 2006, da emissora

de televisão Rede globo ganhou grande repercussão, que durante nove meses a

emissora persistiu com o advogado do caso, então tutor da acusada Suzane para

conseguir uma reportagem exclusiva, sendo então concedida.

Segundo Mansur (2007), quando tudo estava preparado para a entrevista por

meio de um microfone aberto – sem que Suzane percebesse, a conversa entre ela e

seu advogado – tutor - foram gravadas, no momento em que o mesmo a instruía para

chorar enquanto contasse sua real versão dos fatos, e acusasse seu namorado e os

irmãos por terem matado seus pais, para assim comover a opinião pública, já que

estes seriam levados a júri popular.

O direito a imagem encontra previsão legal na nossa Constituição Federal no

seu artigo 5º, inciso XXVIII e no Código Civil de 2002, nos seus artigos 11 e seguintes.

Como visto, a emissora transgrediu este direito de Suzane, sem que esta soubesse

que sua imagem estaria sendo gravada e posteriormente veiculada em rede nacional.

A emissora publicou toda a conversa realizada entre advogado e cliente,

causando uma conturbação, sendo que após dois dias de a reportagem ir ao ar,

Suzane teve a sua prisão decretada.

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Em comunicado anunciado no programa Fantástico em 25 de maio de 2014,

os apresentadores do programa afirmaram que a Emissora rede globo estava proibida

pela justiça de apresentar matéria sobre o abrandamento da pena de Suzane, devido

o processo correr em segredo de justiça. Conforme uma liminar alegada pela defesa

da acusada, foi pedido também a proibição da veiculação da imagem da jovem sem

autorização. (RODRIGUES, 2014).

Neste caso, percebe-se que a mídia teve uma índole apelativa, evidenciando

que a acusada matou seus próprios pais. O sensacionalismo causado pela mídia feito

para chamar a atenção da sociedade, especialmente para ganhar mais audiência,

fazendo até mesmo o papel de polícia, tentando investigar sempre novos fatos para

serem publicados pesou no processo de Suzane.

A censura prévia é vedada pelo nosso ordenamento jurídico, conforme

elencado no artigo 1º da Lei nº 5.250/67, a lei de imprensa. Quando é veiculado este

tipo de transgressão à imagem, relatando fatos que maculem os direitos fundamentais

do ser humano, é cabível para tal a responsabilização, ou seja, veda-se a censura

prévia, e é garantido por via judicial o direito ao ressarcimento de ordem patrimonial

pela lesão sofrida.

Mesmo após 14 anos do ocorrido, a imprensa ainda relembra o caso de

Suzana investigando sua vida e sua situação perante a justiça, agindo com poder de

polícia. A agente tem o direito de arrependimento, de poder reconstruir sua vida e sua

imagem social, mas infelizmente com a interferência da mídia, faz com que a

sociedade não mais a aceite e esta venha a ter dificuldades para se ressocializar,

tornando assim com que seja vista como uma má pessoa perante os seus

relacionamentos sociais.

Caso 2: Chacina da Candelária

Azevedo (2015) afirma que na madrugada do dia 23 de julho de 1993,

dormiam aproximadamente mais de 50 crianças e adolescentes moradores de rua na

porta da Igreja Candelária, na cidade do Rio de Janeiro, quando estas foram

surpreendidas por dois carros lotados por quatro ocupantes, que param em frente à

Catedral e começam a atirar contra as vítimas. Seis menores de idade e dois maiores

foram mortos durante essa chacina. Segundo as investigações, o motivo era vingança

dos policiais militares que tiveram os vidros da viatura da polícia quebrado por estes

meninos de rua durante a tarde.

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Este ato permite-nos inferir a falta de segurança pública, ocasionada até

mesmo pela revolta dos próprios policiais, que ao invés de protegerem a sociedade,

como as pessoas carentes e desamparadas pelo poder do estado, os servidores do

próprio poder público se voltam contra estes. (AZEVEDO,2015).

Canario (2013), relata que quando iniciou-se as investigações, um dos

sobreviventes do atentado, Wagner dos Santos, foi considerado a principal

testemunha do ocorrido. Em seu depoimento, ele descreve os autores dos disparos

através de retrato falado, sendo a partir disto, indiciadas setes pessoas, na qual à

época dos fatos, foram condenadas a mais de 200 anos de prisão, mais com a

sentença reformada, estes tiveram suas penas diminuídas, ficando apenas um pouco

de tempo presos, e rapidamente voltaram a sociedade. (R7,2015).

A simples condição de ser injustamente indiciado e acusado por um mero

retrato falado, onde possa existir mais pessoas com as mesmas características

fisionômicas, gera sofrimento e grande transtorno psíquico. J.G.F foi indiciado como

se tivesse sido um dos autores da tragédia, o Juiz responsável pelo caso decretou a

sua prisão preventiva, pois sentiu-se pressionado pela mídia e ao apelo popular que

pedia a condenação deste acusado. (CANÁRIO, 2013).

A instrução processual é estendida, e enquanto isso, o indiciado é

enclausurado injustamente. Ao verificar o conjunto probatório dos autos, o juiz decide

pronuncia-lo ao Tribunal do Júri, onde este terá o seu destino nas mãos de sete

jurados. No plenário, o Promotor de Justiça verifica a ausência de autoria e

materialidade delitiva, requisitos indispensáveis para condenação do réu

preceituados no código de processo penal, e pede a impronúncia do injustiçado, e os

jurados acabam o absolvendo por unanimidade (negativa de autoria).

(WEICHERT,2009).

Treze anos após o julgamento, tendo o injustiçado já superado o tamanho

constrangimento e perturbação de ter sido preso por um tempo sem ter cometido

crime, em junho de 2006 ele recebe uma ligação do programa Linha Direta da

Emissora Rede Globo, pedindo para entrevistá-lo para que comente um pouco sobre

a Chacina da Candelária, este, recusa o convite, dando por enterrada e esquecida a

história. Dias depois, o programa vai ao ar, e mesmo com a recusa de dar uma

entrevista sobre o caso, o nome de J.G.F e sua imagem foram ao ar sem que este

sequer soubesse. (CANÁRIO,2013)

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Haja vista que fora transgredido o direito à honra e a imagem garantidos pela

nossa Constituição Federal, no seu artigo 5º, inciso XXVIII, e no código civil de 2002

nos seus artigos 11 e seguintes.

Com a matéria sendo veiculada no Programa Linha Direta, esta gerou uma

grande repercussão na vida do então inocentado J.G.F, fazendo com que a

comunidade que este habitava passasse o tratar de forma diferente, como se ele

tivesse sido condenado. Com tamanho constrangimento, era inevitável que este ainda

conseguisse habitar no local em que residia, deixando o seu lar e se desfazendo dos

seus bens (RODRIGUES JUNIOR, 2013).

Com tal prejuízo moral sofrido, a vítima pleiteou ação de indenização por

danos morais, No valor de 300 salários mínimos devido ao transtorno pela divulgação

da sua imagem. Na primeira instancia o pedido foi julgado improcedente, sendo a

sentença reformada e no segundo grau de recorribilidade, o valor da indenização de

R$ 50.000,00. O processo chegou até o Superior Tribunal de Justiça, na esfera do

referido RESP interposto pela emissora rede globo de televisão (RODRIGUES

JUNIOR, 2013).

Na análise do caso, o ministro relator Luís Felipe Salomão entendeu que

devido à grande repercussão do caso, e o interesse da coletividade em reportagens

e matérias criminais, e sob a influência da mídia, concluiu pelo reconhecimento ao

direito ao esquecimento, mantendo o acórdão e o mesmo valor da indenização

pleiteado. O Ministro Luís Felipe Salomão (2013, p. 48) relatou no seu voto:

Nesse âmbito, o direito ao esquecimento poderia significar um corretivo, ainda que tardio, das vicissitudes do passado, sobretudo naqueles processos injustos e nos casos de explorações midiáticas populistas.

Ou seja, o programa da rede globo, o Linha Direta, poderia ter noticiado o

fato histórico da Chacina da Candelária da maneira em que os fatos realmente

aconteceram, sem que também levassem o nome e a imagem do acusado ao ar,

ainda mais em um programa em rede nacional, onde a repercussão é mais

abrangente. Nem sequer a liberdade de imprensa seria reprimida, nem a honra ao

nome e a imagem da vítima seriam feridas, a melhor solução para este conflito no

caso, seria a ponderação de valores.

Foi desnecessário a matéria exibida pela mídia, divulgando os dados de

J.G.F para relembrar o episódio da Chacina, isso permitiu que se reacendesse as

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suspeitas sobre sua índole. Esta matéria exibida não fortaleceu sua reputação como

inocentado no tribunal do Júri. O telespectador antes de ver um inocente acusado

injustamente, enxerga um culpado absolvido por acaso.

Considerações Finais

Notadamente é perceptível que a sociedade tenha mais interesse por

notícias relacionadas à violência e crimes. Nesse sentido, os veículos midiáticos

procuram explorar ao máximo destas situações quando ocorrem, para ganhar mais

audiência, com notícias manipuladoras e sensacionalistas ad nauseam, deturpando

os fatos, desrespeitando o princípio da dignidade da pessoa humana e articulando

a condenação antecipada do acusado.

Constatou-se durante o desenvolvimento do trabalho que há com frequência

a influência da presença da mídia nos casos que repercutem nacionalmente,

interferindo assim nas decisões dos jurados, e, consequentemente, no julgamento.

Portanto, em decorrência desta grande influência que a mídia exerce sobre a

sociedade, a liberdade de imprensa deve ser mais branda para não ferir os direitos

fundamentais do acusado.

Deve-se observar a ponderação de valores, onde há a existência de dois

direitos fundamentais: a liberdade de imprensa e a presunção de inocência, em que

um direito não se sobrepõe o do outro.

Neste ponto de vista, quando um fato que envolva crime chega ao

conhecimento da sociedade, o acusado tem a sua dignidade desrespeitada, sua

privacidade usurpada, e sua condenação decretada, tais atos cabem ao poder

judiciário, e não a estes.

É necessário que não sejam os jurados influenciados, pois o erro pode ser

irreparável quando os jurados adentram o tribunal cobertos de juízo de valor,

fazendo com que o réu venha a receber seu julgamento antes sequer de iniciar os

trabalhos no tribunal do júri.

Não se objetiva indagar, nem tampouco ir contra a liberdade de imprensa,

discordando do importante trabalho que a mídia nos oferece. O que não se visa é

compactuar com reportagens maldosas, que lesam os princípios constitucionais em

troca de altos índices de audiência.

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As sentenças proferidas pelo tribunal do júri devem ser conclusivas em

relação às provas da defesa e da acusação, onde estes sim devem convencer os

jurados sobre suas alegações.

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