cervantes de goiás

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  • 7/21/2019 Cervantes de Gois

    1/7

    r/ /

    4

    lotl

    '^ l

    jenai f ,a

    rneco

    O

    Cervantes

    e

    Gois

    L'ri r:Lelcl;^r=ntij

    1

    aLl cra, eil i'e,;isiadro

    i i i tstu:",-,,-i

    P.,tvcila

    c Fcrnroso

    oin

    aS

    ve^r:,,ias

    e Doi-n

    Qr-ii:

  • 7/21/2019 Cervantes de Gois

    2/7

    tido

    Jos

    Portrio, que

    se destacava os

    primeiros

    embates

    da regio entre grileiros

    e

    posseiros]

    e do

    Partido

    da

    Igreja Crist Renovada

    morrendo

    de

    rir],

    eleviu que Deus

    concordal'a om

    aquilo,

    siml"

    Esse rito de

    iniciao

    -

    no confirmado por

    qualquer outro depoimento - antecipava, a viso

    de Fernandes,o

    papei

    a ser

    desempenhado

    por

    Porfrio,

    cujos

    nobres

    deais,

    mal adaptados reali-

    dade, contrastavam

    com

    o formidvel senso co-

    mum e o chamamento

    aos sentidosdo mascate

    Tos

    Ribeiro,

    membro do Partido

    Comunista com atua-

    o

    importante na organizao

    dos

    posseiros,

    mas

    que

    nunca fora, segundo

    outros

    depoimentos,

    o

    companheiro nseparvei

    o Porfrio",ao contrrio

    do

    que relatou

    Fernandes:

    "O

    fubeiro,

    que

    era um

    homem

    pacato,desses

    e

    faia mansa,que

    falavabairo [...] que gostade resolver

    tudo na

    calma, mas

    resolve, sabe resolver

    [...],

    o

    Ribeiro foi

    o melhor

    companheiro

    que

    o

    Porfirio

    teve,o companheiro

    nsepa-

    rvel do

    Porfirio

    [...].

    O Porfuio ficava

    l com as dias

    bonita dele, aquela i-

    derana

    toda

    junto

    da

    mulherada e

    coisae

    tal, o Ribeiro trabalhava,

    raba-

    lhava, azia ata,

    eunio,

    coisade hor-

    rio,

    compra

    de arma,

    e tal.

    Porffrio,

    sem o Ribeiro, era enxada

    sem

    cabo."

    Essase

    outras

    incoerncias

    me fi.-

    zeram

    suspeitar do

    dpoimento.

    Consultando documentos

    escritos e

    i

    :q

    ,.1il

    c

    c

    l

    a

    3

    c

  • 7/21/2019 Cervantes de Gois

    3/7

    - r ; , : i , t l l

    ) :0o

    30

    Literatura

    opular:

    as

    aventuras e

    D.

    Quixore

    e seu iel

    escudeiro,Sancho

    Pana,nspiraram

    imaginao

    e aduicos

    e cnanas, ue

    vrrma

    realidadearravsda

    fco.Aqrri,

    uma

    edio

    porruguesa

    dedicada

    exclusivamenteos

    pequenos

    eitores

    ria, seme-

    reas

    prximas.

    Entretanto,

    o

    coniunto

    das mem-

    fias

    de Fernande_q

    se_us

    tepentos,

    relaes

    e

    si-

    rrificados

    -

    foi

    diferente das demais,

    assim

    como o

    fia; criara trechos

    ongos,

    aparentemente

    em reia-

    co com o movimenio socia,

    ou

    com

    quaquer

    eventohistrico.

    No

    havia

    ouia

    conclusopossivel:

    Fernandes

    inventara

    seu depoimentol A Revolta

    do Formoso

    foi uma coisa;

    outra,

    as

    memrias

    que

    Fernandes

    construiu a respeito da revolta. vlas histria e me-

    mria mantm

    tantas relaes ntre

    si,

    que

    at

    dificil

    pens-las

    separa-

    damente:

    recordar

    viver", como

    en-

    sina o antigo

    samba.

    vlemrias

    reela-

    hpram

    .a

    histria, relacionando-a

    a

    outros

    elementos

    e emprestando-he

    significados to

    novos

    que,

    das lem-,

    branas,brota

    uma

    outra

    histria.

    O

    coniunto

    de memrias

    de

    fernandes,

    a

    includas

    as recorda-

    esdo Formoso,-oi plqlfundamen-

    te nfluenciado

    pela

    sociedade po-

    ca em

    que

    Ylveu:

    sao memonas

    so-

    prprio

    Fernandes:

    nenhum informante

    possua

    exatamente mesmo fsico,humor e imaginaao.

    A

    narratrva de

    fernandes constltuu uma

    verso.

    ;entre

    muitas, da Revoita

    do

    Formoso;

    ate hoje

    ela

    disputa,

    com outras,

    espaos, udincias

    e adeses,

    em buscade tegi

    ,averso,no o fato": o antigo ditado popular j cha-

    mava a ateno

    para

    a

    lmpe4ng3

    3

    autonomia das nterpretaes.

    &

    me-

    fo

    -ria m espeqial

    quando

    organiza-

    da

    em narrativa,

    possui

    uma

    dimen-

    qtu

    simblica

    que

    a leva rapidamente

    g

    desprender:s'

    descolar-sedo

    Foncreto,

    para

    alar

    vos

    prprios.

    Todos

    os seres vivos conhecem

    essadimenso

    simblica da mem-

    ria,

    que

    a literatura

    sabe to

    bem

    apreender:um simples sabor - co-

    mo

    o da

    madeleine,

    o doce

    cujo sa-

    bor remeteu

    o escritor

    Marcel

    Proust

    prpria

    infncia,

    e

    tambm

    escrita dos

    sete

    volumes do

    seu magistral

    Em busca do tempo

    perddo

    -

    capazde despertar

    as mais longnquas

    lembranas.

    O

    calter

    simblico marca

    profunda-

    mente a

    narrativa

    de Fernandes.

    Marca

    os vrios

    Mas

    no era

    s:

    eu

    tinha a impresso,

    que

    se trans-

    forma'aem.erteza@

    do

    depoimento, datado

    qquela

    histria. Finalmente,

    percebi

    ser a ngqaliva

    de Fernandesuma recriao

    do Dom

    Quixote

    de Ia

    Mancha, de Mieuel de

    Cervantes

    Seu

    empo,

    portanto,

    tambm era o da criao

    do

    Dom

    Quxote,

    o

    da

    Espanhamedieval, o de antigas

    tradies,

    yelhas

    de

    muitos sculos....A

    dimenso

    simblica unificqu, na

    narrativa de Fernandes,

    his-

    t ria, me+ ria e

    lggglatg4o

    _hist

    .ri-g.

    d

    g

    al99

    -

    1

    de um eixo cgndutor

    e de uma lgica.

    No

    a lsica

    histrica tradicional, coadaaoseventos,masa lggi-

    Sa

    qiinblilq. s semelhanas

    encontradas

    entre os

    dois relatos,

    desdea

    loucura

    e o idealismo

    dos

    pro-

    tagonistas,

    no deixavam dvida:

    Fernandes real-

    mente

    inspirara-se

    no Dom

    Qukote

    de

    Ia Mancha

    para compor

    seu depoimento.

    Ora.

    se ele no_inven .arg

    seg. rgljrlo,-se n-g*9

    compusera

    a

    partfu

    unicamente

    dg_prqpr1qilnjrgi-__

    nao,

    se no era apenas

    um grande

    mentiroso, um

    farsante,como, a

    princpio,

    eu

    pensara,

    como en-

    tender

    a entrevista?

    Coqto

    co-pt.-e"d"r

    "s

    r.l19s-

    ntre uma revolta de poss-eirosc_o.rridqlo interior

    tempos oue ela contm, assimcomo as relaces n-

    .

    ,..

    .

    ,

    .--

    "

    "'i

    tre eles: s emposdu hist.i"

    d

    venttff i ,as

    o

    o

    5

    o

    o

    o

    ,.

  • 7/21/2019 Cervantes de Gois

    4/7

    o

    :

    o

    5

    )

    o

    I

    :

    iH

    31

    Dois

    cavaleiros

    asso passo

    A

    comparao

    istemtica

    ntreasaventuras

    e

    Ze

    Porfrio as

    de Dom

    Quixore,

    rotagonisras

    o

    depoimenro

    rat

    de

    Fernandes

    do livro A Engenhoso

    idalgo

    om

    Quixote

    e

    a Mancha,

    e Miguel

    de

    Cervanresaavedra,

    espectiva-

    mente, pontaparanumerosasemelhanas.lmdo recurso um"felescudeiro"aum cavalo omo mesmo o-

    me

    -

    Rocinante

    embora

    Porfirio,

    o

    que

    consta,

    amais

    ossura

    avalo)

    ,

    ambas

    snarrarivas

    rilizam-se

    om

    freqncia

    o

    humor

    e dos

    ecursos

    a

    arsa,

    ssim omode subttulosongos,

    an

    inroduzir

    assubdivises

    a

    ao.

    o caso o

    Captulo

    XV,do livro

    de Cervantes,

    Em

    que

    se

    elata

    desgraada

    vencura

    ue

    enfrenrou

    lom

    Quixoce

    o opar

    com uns

    desalmados

    angeses

    narurais

    e Yanguas,a regio

    e

    Castilha]",

    o necho

    do

    relato

    de

    Fernandes,

    Vou

    contar

    prbcs

    asmuitas venruras o7 Porfirio

    seucompanheiro

    Ribeiro, as

    maas

    do So

    Patrcio,

    uando

    eles eu

    src)

    e

    cara

    om um nimigodesconhecido

    malvado".

    No relatooralh

    passagens

    iretamente

    etiradas

    o

    livro

    de

    Cervantes,

    daptadas

    Cois

    Revolta

    o

    Formoso,omo

    o

    "Epirafio"

    e

    Dulcinia. sversos

    o

    livro

    "Descansa

    qui Dulcineia,/Que,

    endo

    orda

    e

    rosada,/

    Emcinzae

    p

    foi mudada/

    Pela

    morte,honenda feia') eapareciam

    o

    relato

    de

    Fernandes

    omode

    autoria

    dos

    membros

    a Associao

    os Lawadores

    o

    Formoso

    Trombas,

    undadaem 1954:

    Descansa

    qui

    a

    polcia/

    Que

    sendo

    orda

    e

    rosada,/

    m

    cinzae

    p

    foi

    mudada/

    Pelamorte,horrenda

    feia."

    Ouro exemplo nvolve ancho ana o "escudeiro"e Porfirio, e Ribeiro. o iwo, sancho acou eseu ardel

    um naco

    de

    po

    e um

    pedao

    e

    queijo,

    dando-os

    o moo lhedisse

    -

    oma, rmo

    Andre

    a ruadesgraa

    oca-

    nos

    a odosj'No relaro

    e Fernandes,

    Ze

    Ribeiro acou

    e seurnel um naco

    de

    po

    e um

    pedao

    e

    queijo,

    dan-

    do-osao

    moo

    o

    ovem

    Cosmelino,

    osseiro

    ecm-chegado

    o Formoso],

    he

    disse Toma,rmo

    Cosme, rua

    desgraa

    oca-nos

    rodosl'E

    ervances

    Femandesor

    a

    vo,

    p;rsso passo

    om

    Rocinante.

    O

    Cavr.jeircja r::re

    FiErr: ,nnr:ncic

    Rccinan:. : :

    tsmo

    iion

    e

    .iacO

    O cavalO

    dc lcier a Revolra o

    Formoso,

    mboraeste

    nunca

    enha

    possudo

    um cavalo

    Estado

    de Gois,

    m meados

    do sculo

    XX. e

    uma novela

    erudita,

    publicada

    na

    trezentos e cinqenta

    anos

    antes?

    O- *

    O"i*t"

    a"

    U Uo"clrq,

    .wo de cabeceirade Fernandes.Elepossuao volume

    desde 1942,

    ano em que

    o herdara

    do av

    que, por

    sua vez,

    o encomendara

    a

    um

    mascatede

    viagem

    ao

    Rio de

    Janeiro,

    onde

    o

    comprara. No apenas

    Fernandes,mas

    boa

    parte

    da

    populao

    do munic-

    pio

    de Uruau nascida

    antes

    de 1950 conhecii

    o

    .Qri*ot";

    uiioi

    ttia.gggrte

    dta,

    gqlq4t

    rt

    4lguiqlnaqvlto.

    Se alfabetizado,

    "contador

    de histrias",

    enta-

    4o

    sobreum banco,

    na calada

    ou na

    praa,

    ia o li-

    wo

    para

    uma

    roda de atentos

    ouvintes,

    gente

    varia-

    da: crianas e adultos, homens e mulheres, awado-

    res,comerciantes,

    vaqueiros...

    Se

    analfabeto,

    o

    "con-

    tlrdor" narrava

    o

    qpe

    sua mem_ria_guar4ara

    sele-

    cionara do

    que

    ouvira

    da histria

    original. Nos dois

    casos,a

    platia

    participava

    atiyamente,

    tecendo

    co-

    mentris, divertindo-se,

    indignando-se,

    emocio-

    nando-i e, o

    que

    era freqente

    -

    e,

    pra

    nosso

    es-

    :.|ll:3i

  • 7/21/2019 Cervantes de Gois

    5/7

    |

    , : ;

    '

    f { . ) iooJ

    32

    r: -^ l --

    --*^

    ^

    -

    - ' r ,e ,

    LJHd

    q4

    :dicio

    barcelonesa

    :e i879

    do

    clssicc

    :e Mguel

    de

    .lervantes,

    rcf

    nrte

    crnamentaca

    0r

    RicardoBalace

    A esquerda,

    fronrispcio

    a edio

    madrrlense

    e

    1798.

    H referncias

    e

    que

    a

    vida do engenhoso

    fidalgo

    en apreciaCa

    em Cos

    no

    sculo

    ,{Vlll,

    quando

    oi

    encenada

    ma pera

    sobre

    o tema

    ){rN

    'r r - t \ i in ' :

    l )Jr

    1, . \ \ t iN j t . \

    f'1{

    ir r

    j,l

    .l ::{ \'_\:i l r

    Littr { i_

    a

    :

    l

    o

    o

    o

    I

    o

    o

    :

    tudo,

    particularmente signifi

    cativo

    -,

    relacionando

    as

    passagens

    s

    prprias histrias

    de

    vida'

    No

    apenas Fernandes

    e os

    uruauenses

    de

    sua

    gerao

    conhciam

    a

    histria do

    Quixote.

    O

    liwo

    e a

    histria circulavam pelos povoados mais antigos de

    Goirs

    havia mais de

    duzentos anos,

    desde

    o sculo

    XVIII,

    quando

    a regio

    receberaos

    primeiros

    con-

    tingentesbrancos,

    em decorrncia

    da

    descobertade ouro. Correspondncia

    do

    governador

    da Capitania,

    datada

    de

    1774, referiu-se

    encenao

    de

    uma pera no

    povoado

    de Pilar,

    ba-

    seada na histria do...

    Dom

    Quixote

    de

    la

    Mancha Referncias

    histricas

    esParsas'

    orm

    confi.veis,

    testaram

    apermannciaem Goisda narrativa

    do

    Quixote

    e,

    provavelmente, tam-

    bm do

    liwo,

    ao longo

    do

    sculo

    XIX.

    A

    tradio

    medieval

    ibrica

    (que

    Cervantes ncorporara e

    retrabalhara

    em seu texto), introduzida

    durante o

    perodo colo-

    nial em territrio

    goiano,

    deve

    ter-se

    fortalecido

    com o isolamento da regio,

    a

    partir

    do

    terceiro

    quartel

    do

    sculo

    XVIII, em conseqncia

    da

    derro-

    cadada

    minerao.

    Ainda

    hoje, elemntos

    dessa

    ra-

    dio,

    reinventados

    e atualizados

    pela

    populao'

    esto presentesem Gois; o caso dasfestasanuais

    do Divino

    Esprito Santo,

    que

    incluem

    as

    Cava-

    lhadas, uma

    luta ritual entre

    cristos

    e mouros'

    cu-

    ja

    origem

    provvel remonta

    s nvestidas

    de

    Carlos

    Magno

    contra os rabes,

    ao

    norte

    da Pennsula

    Ibrica, no ano

    800.

    gltglg-gl"dita (D om Quixote) -culuraiglglel

    (tradies

    goianas) associaram-se'

    assim,

    influen-.

    ciando-se

    mutuamente

    e

    promoy :ndo uma

    circula-

    ridade

    de culturas,

    al como

    definida

    por

    Mikhail

    Bakhn

    em seus

    studos

    sobre

    a

    narrativamedieval

    e renas-

    centista.

    Algqcllqerq:se,

    ambm,

    9I

    crita

    e oralidade

    um

    texto

    escrito

    alimentou,

    durante

    sculos,

    uma

    ra-

    dio

    mista, escrita

    e

    oral,

    em Gois.

    Parte desta

    radio

    me

    foi

    transmi-

    da, oralmente, por Femandes, rea-

    parecendoagora

    neste

    exto

    escrito.

    A dimenso

    simblica

    das entre-

    bre

    os

    fatos,

    mas

    penmte

    compreen-

    der

    os diversos

    signifiJados

    que

    iqdivdugs

    el{lgpos

    sociais

    conferem

    s

    exPerincias

    que tm. Entrevistas

    reaizadas

    osteriormente

    Por

    mim'

    em

    reasprxi-

    mas

    -

    nos

    atuais

    municpios

    de

    Porangatu,

    Minau

    e

    Santa

    bresinha,

    cujos

    habitantes

    no haviam

    viven-

    ciado

    a

    Revolta

    do

    Formoso'

    mas nela se nspiraram

    para deflagrar

    movimentos

    de

    posseiros

    ,

    registram

    verses

    muito

    semelhantes

    apresentada

    por

    trliitr

    crrrrrgirla Ja s(sundr pli' Jr

    4r,,1"/c-

    a crr{o .le ii.

    -lrrn

    r\otorro teiliccr,

    th lcrl

    .\carlumia Jc l{isrir, \arn.

    QL&t?

    | t-r)9.

    -]

  • 7/21/2019 Cervantes de Gois

    6/7

    JJ

    :

    =

    o

    o

    I

    ;

    o

    Fernandes:

    estavam s

    quadrinhas

    adaptadas

    o

    li -

    vro de

    Cervantes,

    os diilogos iterais,

    as referncias

    a

    personagens

    episdios

    da obra.

    Na

    regio

    de

    Uruau

    j

    existia,

    portanto, uma

    forte tradio

    de origem ibrica,

    da

    qual

    o

    ivro

    Dom

    Qukote

    de Ia Nancha

    fazia

    pare,

    expressan-

    do-a e reforando-a; esta tradio era constante-

    mente reelaborada

    peia populao

    ocal,

    por

    meio

    de rituais

    e da memria coletiva.

    Foi a ela

    que

    Fernandes

    ecorreu,

    para

    construir seu

    depoimento

    sobre

    a

    Revolta

    do Formoso.

    Lq3gg-p"rt""t",d*_

    um

    grande

    mentiroso, Fernandes

    verbalizara,

    em

    seu depoi

    cnios e sentimentos

    profundamente

    enraizados

    na

    memria coletiva

    de sua regio e

    grupo

    social de

    origem.

    revolta, ele construiu

    uma

    narrativa

    original,

    mes-

    de

    antieas

    radices, ssimiladas

    ocalmente.

    No relato de Fernandes, a

    "memria

    herdada"

    a"i

    -

    te o

    "homem de onte

    das

    tradies ibricas

    para

    as

    tradies

    goianas

    -

    e

    g_o*tatfofaeniq49?4

    ]l1

    g:-

    esquemas

    nconscientes de

    percepo, representa-

    ilEcritos

    no@

    nos

    gestos,

    no

    riso de Fernandes.Por essa

    inha de

    interpretao, Fernandes no

    apenas no mentiu,

    em seu relato,

    como se mostrou profundamente

    verdadeiro,

    ao recorrer a cdigos mentais,

    psicol-

    gicos

    e corporais

    inscritos no sel ntimo.

    Relegar a

    plano secundrio

    as

    relaes entre me-

    mria

    e vivncia, entre

    indivduos e

    grupos

    sociais,

    entre

    tempos e

    entre culturas

    imobilizar

    o

    passado

    nas

    cadeias cronolgicas de um

    "real"

    onde

    residiria

    sua

    "verdadeira naturezao,a ser

    "resgatada"

    pelos

    his-

    toriadores.

    De acordo com essa oncq:o,a entrevis-.

    ta de Fernandes

    no serve

    para

    nada; seu destino

    a

    A

    histria

    alada... gravada

    Nos

    anos

    50

    do secuio X

    aps

    nveno

    o

    gravador

    fita, niciou-se

    osEsadosUnidos, uropa

    e Mxico

    umametodologia e

    pesquisa

    ue

    se

    baseia

    na

    gravao

    e esemunhosobre

    contecimentos,

    conjunruras,

    nstituies, odos

    e

    vida

    e ouros

    aspectos

    a

    histria ontempornea:

    hiscria nl.

    Bastante

    ifundida asduasdkadasseguintes,

    oanir de

    1980

    la

    consolidou m

    Dermanente

    intercmbio

    ntre

    os

    que

    a

    praricam:

    oso

    historiadoresanroplogos,

    omo

    cientistas

    pol

    ticos,

    edagogos,

    ericos

    a teratura,

    siclogos.

    No Brasil, metodologia

    oi

    nsroduzida

    osanos

    7Ocoma criao o

    Programa

    e

    HistriaOnl do

    CPDOC,

    a

    Fundao

    elio

    Vargas, ifundindo-se

    especialmente

    panir

    dosanos

    0,

    quando

    oi

    criada

    a Associao

    rasileirae HistriaOral,em

    1994,

    om

    membros e odo o pas uese enem

    periodicamente

    m

    encontrosegionaisnacionais,

    editamuma

    evista

    contam

    om um

    porl:

    www.cpdocfuv/abho.

    lata

    de ixo, ou o fundo de

    gaveta, nde, desde1979,a

    deixei.

    ulassegundoa concepoaqui

    adotada

    que

    relaciona a

    vivncia e as memrias de

    un

    ser

    hugta-

    no com seu empo, com o

    a4lerior e

    gJS

    _futulg-

    sociando,

    em vrios nveis e de

    vrios modos, real

    e

    simblico, histria e memria, memria e imagina-

    o,

    radio e inveno,

    i.co histria

    -,

    possvel

    oferecer

    uma resposta

    para

    o enigma

    de como

    g

    @ontado

    em

    seu cavalo

    Rocinante,

    atravessouocenos

    para

    lutar contra moi-

    nhos de

    vento nos ongnquos sertesde Goirs.

    n

    J,c..reN,f

    u.roo

    prof*mra tinlar aposetttada

    do Departamento

    le Histria ila Universidade

    de Braslia-

    No

    momento,

    alm

    dahistria, dedica-se

    fiqo.

    Parasabermais

    ABREU,

    ebastio.

    A guenilha

    do

    Z Pcrfrio.

    3rasilia: oeihe,1985.

    AMDO,

    Janana.

    "

    Eu

    quero

    ser uma

    pessoa:evolra

    ampo-

    nesa

    poltca

    o

    e. t1

  • 7/21/2019 Cervantes de Gois

    7/7

    Janena

    madc

    Grande

    Menti i 'os+

    "Neste

    caso, ne

    ef i ro

    a um

    importantemovimento

    ocial

    rovocado

    ela

    ocupao e

    terras

    por

    parte

    de campesinos,

    ue

    eve

    lr . rgarrn urna

    provncia

    o

    inter lordo Bras l

    -

    Goias entre os anos 50

    e 50, e

    que

    conhecido

    omo

    Revoita io Formoso.

    Mais

    qu*

    movimentoem s

    mesmo, no momento

    nos interessa

    relato

    de

    um dos

    nlegrantes

    cjo

    grupo

    que

    foi largamenteentrevistado

    pela

    histor iadora

    anana

    Amadol l* j . nic ialmente, ontaa histor iaciora, relatocjeFernandes a informante

    no

    pocie

    ser aprovetacio

    para

    a reccnstruo

    histrica

    porque

    parecia

    rnuito

    fantasioso,

    f f i a lguns

    aspectos, e desviava

    denraisdos

    relatosdos demais.

    Mas

    passeccs

    uns

    qLjantos

    nos, a histcr iadcra e cidiu

    evisaras

    entrel , istas se deu

    c*=l*

    de

    que

    a versode

    Fernandes

    ombinava

    atos histr icos o m

    reminiscncas

    t ;+

    -

    -i

    -:

    --

    i i -?: l i5,

    fo

    seu

    infcrme,

    *

    movimentode

    um

    mcdo

    gerai

    apresentava

    ma trama bem

    artlculade ntre +

    eipico

    a

    farsa.

    O

    der

    a

    revolta Jos

    Forfr icde Souza

    aparecia

    comoa

    encrnao e

    Dan

    Quixote

    a

    oucura

    io avaleiro e

    manifestava a

    revol ta

    cjo campcns

    perante

    as tremendas njust ias

    a rea

    rural brasi lei ra"O

    ri tual de

    inci=c e ios Porf i r ia a mi i tana e assernelhava uma parodiado bat ismode

    D*;" ;

    ' ; ixote

    como cavaieiro. ontava, lm

    cisso, om

    a

    presena

    onstante

    e um

    coi"npanheiro

    m todas suas

    aes

    pol t icas

    o est i lo

    de um Sancho

    Panzae t inha

    tambm

    um

    cavaio

    chamad*

    Rocinante,

    uando

    n verdade,segundo

    dizem os

    demas nformantes, csPorf r ioRern

    equer

    eve um cavaio.

    As coincicincias

    ntre

    o

    i-elato

    e

    Fernandes

    obra de Cervanies

    o

    vriasej cc mc disse

    a histaradore,

    no

    cabiam

    dvidasde

    que

    o

    infermante aviase

    inspiraejoo

    Quixoie

    para

    compor

    n*

    slr=

    maginao

    ma verso

    quixoiesca

    a

    Revolta,

    Mas

    como

    expl icar

    presena

    de u:r ia

    obra de trad ioerudi ta em urn

    povo

    que,

    alm de

    viver ern

    condies

    b;tsarit*

    precras,

    ontacorr

    um

    rande

    nmerode analfabetos?

    O

    cr-:r *s*

    que

    deposde um

    ieno

    empc,

    passando or

    fontesorais e

    escr i tas,

    ni-*r+r iaciorahegoua aigumas onc i ;sesastante ugest ivas. m primero ugarse

    l-;c*r;

    =abenio

    cue

    Fernandes

    ia regularmentea

    Quxate

    e

    desde

    194?

    tinha

    uma

    e*i*

    presenteaia cr

    seu av.

    Logo

    soube

    amb,r l

    de

    que

    no s Fe rnandes

    omo

    grande

    parte

    das

    pessoas

    o

    povoado

    Uruau),

    ascida ntes

    dos anos 50,

    conhecia

    a

    *bre.

    Muitos

    deiesse lembrava rn e haver ouvido

    as

    histor ias o cavaleiro

    e

    la

    i{ancha contadas

    pCIrpessoas

    e mais

    idade

    que

    tradicionalmente

    e

    reuniam

    na

    pra

    naior

    ao entardecer

    relatavam

    u

    l am as

    incrveis istr ias

    e Don

    Quixote

    Dra

    Jr '

    Erupo

    heterogneo e homens,mulheres,

    r ianas,

    amponeses,

    equenos

    ccmerc ani-s, a

    si :a

    grande

    maior ia

    analfabetos.

    stes,

    por

    sua

    vez,

    part ic ipavam

    *t i, 'ai-::ente as aventuras carraiheires cas

    azendo comentrios

    e

    especial; 'nente

    relae*rrando

    historiacornc rcunstnciasa

    vida, A entrada

    do

    uixofe

    nesta regic

    dc i :r ter ior ras ieircorie na seg undametadedo sculoXVi I , quandocheEam s

    pri

    n"leiros ornensbr6p5i1'

    ':

    N*

    easc da Revoita

    da

    Formosc,ocorre

    um

    perfeito

    processo

    de'apropriao

    da obra

    de

    Cervantes, f igurado cavalheiro

    e

    coniunde

    sm a do

    l dei- ampons

    se um

    iura

    *eio

    restabelecimento

    a orcjemda cavalar ia

    ndante,

    outro

    mil i ta a

    favor da

    just ie

    sccia .Os rasgos

    de

    loucura

    e confundem

    om o

    herosnnoavalheiresco

    vis*

    cjc

    nai 'recior

    arante

    urn

    ponto

    de vista

    instvel

    que

    se

    move entre o

    srio

    e

    c

    cmico. tvas

    sem dvida, o

    mais

    surpreendente

    o informe

    de Fernandes

    a

    dea izeo

    ue

    cr ia so bre um

    mcvimento social ,

    estabeiecendo

    m

    jogo

    entre

    :m*inao

    e

    vercjade histr ica

    que

    'ecupera,

    quixotescamente,

    ja

    ant iga

    ccr-rt: 'cv*rsia

    as

    fronte

    ras

    e as

    cnxes ntre

    iteraturae

    vieia."

    "c,

    r:./es

    e

    prornover

    resgate istrico

    a

    ;'evolta,onstruiu,

    m tcrncdela,umanarrativa

    ori*ai, rnesclando

    acontecirnenios erdicos, existentes

    i lo n' lovimento,

    com

    ti 'amas,

    ; iomenclaturas

    simbologias e ant iEas radies,

    ssimi lacias

    ocalmente"

    MADO,

    995,

    p,

    1?1\

    aJr l .