dados internacionais de catalogação na publicação (cip) · dizem que a superfície é tão...

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Lyu, Lucas Novelion: a ascensão de uma estrela / Lucas Lyu. – 2ª ed - Maringá : Viseu, 2018.

ISBN 978-85-5454-168-2

1. Ficção científica 2. Literatura brasileiraI. Nome, Autor II. Título.

82-311 B869.93

Índice para catálogos sistemáticos:

1. Ficção científica: Literatura brasileira B869

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de pro-cessos xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem a permis-são expressa da Editora Viseu, na pessoa de seu editor (Lei nº 9.610, de 19.2.98).

Editor

Thiago Regina

Projeto Gráfico e Editorial

Tomas Chaves

Revisão

Jade Souza

Copidesque

Renato Silvestre

Capa

Tiago Shima

Copyright © Viseu

Todos os direitos desta edição são

reservados à Editora Viseu

Avenida Duque de Caxias, 882 - Cj 1007

Telefone: 44 - 3305-9010

e-mail: [email protected]

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Lucas Lyu

Prólogo.

O acúmulo de corpos celestes vagueando o Cinturão de Lupus não possuem coma nem cauda. Eles são feitos inteiramente de amônia, água e metano. São pequenos comparados a qualquer cometa ou asteroide, no entanto, sua quantidade é vasta e numerosa; assim como as estrelas que pontilham o espaço negro sem fim que se estende à frente dos olhos do homem prostrado à frente da sua tripulação.

A astronave gorgoleja chamas azuis quando passa por entre a fei-ra rochosa que são os pequenos corpos celestes. O escudo de repulsão está ligado, de modo que nenhum desses diminutos glóbulos rochosos sequer toca na superfície lisa da nave. Logo, eles são obrigados a dar passagem ao veículo que cria uma trilha sinuosa entre as estrelas. Gelo bate em gelo. Rocha acerta rocha. Algumas se grudam uma nas outras quando o escudo de repulsão espirra os destroços para longe. Outras co-lidem e se quebram como cubos de gelo que ao tocar no chão são despe-daçados em milhares de pedaços. E então, os destroços se multiplicam e se aglomeram como formigas agitadas dentro dum formigueiro.

— Senhor? — Uma voz vem da periferia dos controladores lá em baixo no centro da espaçonave. O homem é careca e narigudo. Seus om-bros são largos e curvados; os anos de serviço interestelar o fez adotar essa postura errática. No entanto, graças a isso, seus dedos correm com mais rapidez ao desferir algum comando no painel que se estende além dos seus olhos em tom rosado. — Nós já estamos próximos da órbita de Meralian.

De fato, não é necessário anunciar uma coisa óbvia. O planeta cha-mado Meralian está à frente, rabiscando o espaço com sua superfície branca e majestosa. O planeta é composto inteiramente por montanhas de gelo. O ar lá é rarefeito. Dizem que a superfície é tão próxima do céu que os residentes são capazes de se deitarem nas nuvens. A atmos-fera é cálida e traiçoeira. Tempestades e furacões varrem as planícies com crueldade e aspereza. O lugar é um freezer mortífero e gélido por

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Novelion

fora, mas por dentro das cavernas e no fundo do mar há vulcões ativos que mantém a temperatura menos severa. Os melhores esculpidores e produtores de armaduras e espadas vêm de lá. Por isso, o planeta atrai investidores de todos os lugares e de todos os signos. E, tendo conheci-mento da visita de um dos mais importantes investidores de Novelion, a grandiosa astronave está estacionada entre o Cinturão de Lupus às ordens do homem vestido numa gloriosa armadura de ferro cor Azul Cobalto.

Ele mantém o rosto coberto pela escuridão. Seus olhos não desviam sequer um segundo da imensidão de estrelas e corpos celestes andari-lhos. As retinas dos seus orbes ultra-humanos giram num movimento circular. A pupila se dilata. Graças a essa habilidade, um talento ances-tral que permite aos ultra-humanos enxergar vários quilômetros distan-tes, ele enxerga um ponto negro aparecer na silhueta do planeta Mera-lian como um inseto indesejado.

O cruzador é enorme. Sua estrutura é angular e achatada como um ovo. Seu corpo é do tamanho de três astronaves. O veículo espacial deve ter ao menos mais de cinquenta suítes, uma estalagem de naves de pe-queno porte, controladores, cozinhas, sala de manutenção, arsenal par-ticular, masmorras e salas de treinamento equipadas com simuladores de última geração. Vários canhões de precisão nível dez estão espalha-dos pelo casco negro do veículo. Além disso, os escudos eletromagné-ticos revestem a superfície da nave com cautela. Perto do cruzador essa astronave não passa de uma pequena pulga. Mesmo assim, aqui está ela comandada por um dos Líderes Signários de Novelion.

— O escudo de invisibilidade está ativado? — Pergunta o homem, desconfortável. Ele ajusta seu corpo numa poltrona luxuosa que começa a flutuar. Lá de cima, observa o movimento dos seus homens e do espa-ço que se abre a frente.

— Sim, senhor — responde uma figura minúscula de algum lugar das colunas de controladores; homens que coordenam e articulam os movimentos da astronave.

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Lucas Lyu

O Líder Signário assente.

— Os comunicadores de curta distância estão prontos?

— Apenas aguardando o seu comando, senhor.

— Ótimo — murmura ele. — Quero que monitorem a interferência dos lobos de dez a dez segundos. Essa conversa não pode sair daqui em hipótese alguma. Estão entendendo? Eu sei que sim — ordena. —Abor-de o cruzador oficial.

O cruzador avança com tranquilidade. Ela deixa a atmosfera do pla-neta Meralian e avança na vastidão do negrume pontilhado por estrelas e rochas. À medida que sua velocidade vai aumentando, o Cinturão de Lupus começa a emergir diante da órbita planetária. Quando o veículo entra no terreno das pedras de gelo flutuadoras, o homem curvado e narigudo do comando periférico sinaliza para o Líder Signário sentado na poltrona elevada. O sinal está estabelecido. A figura pálida de um homem aparece no telão da astronave como um fantasma. Logo, os ho-mens e mulheres dentro da astronave ajoelham-se respeitosamente.

— O que significa isso? — A figura celestial do homem pálido mur-mura com evidente descontentamento. Seus olhos brancos percorrem toda a extensão da nave.

— Perdoe nossos modos, senhor — a cabeça do homem de armadu-ra de ferro está baixada em sinal de respeito. — No entanto, precisamos resolver algumas pendencias.

O holograma pisca.

— Essa é uma nave oficial de Novelion, forjada diretamente do Pen-tágono e dos Administradores! Com qual direito você encontra permissão para nos abordar como se fôssemos marginais espaciais?

— Mais uma vez, lamento pela inconveniência. Não era essa a inten-ção. No entanto, sou chato em dizer que precisamos conversar.

O Administrador despeja uma expressão severa.

— Eu não tenho nada para conversar com você!

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— Ah, é? — A figura crocita com um pequeno sorriso no rosto. — Você se esquece de quem te colocou nessa cadeira? Você, por acaso, esqueceu-se de quem te apoiou e cobriu sua campanha para o cargo que ocupa?

— Claro que não! — Responde friamente a figura do holograma. — Mas a hora de conversar não é agora! Nossa linha será copiada e trans-mitida para todo o Pentágono — interferência. — Você ao menos se lembrou de que nossas naves são rastreadas e grampeadas? Seu idiota de quinta categoria!

O homem de armadura de ferro rebate:

— Eu não nasci ontem, Adm — seu tom abandona o respeito e a cordialidade. — Estamos exatamente dentro do Cinturão de Lupus! O único lugar da galáxia de Novi onde os sinais são cortados e os apare-lhos inativados pelos poderios misteriosos dos Lobos Estrelares. Acho que você sabe o que isso significa, não é mesmo?

O Adm exibe sua notória angustia.

— Os rastreadores e os transmissores sofrem momentaneamente uma interferência de sinal — ele se mexe desconfortavelmente na poltrona incrustrada de rubis e ouro. — Mesmo assim, estamos numa conexão arriscada.

— Eu não pretendo demorar.

— Pois bem — a figura celestial anuncia pouco à vontade. — Irei es-cutá-lo, mas não prometo nada depois disso.

— Não esperaria menos que isso — o Líder Signário debocha. — Nós tentamos usar os métodos indicados por você, mas eles não foram eficazes. Uma das Ordens Signárias descobriram nossos planos. Isso significa que não demorará até outras e mais outras descobrirem o que estamos pretendendo fazer.

— Héh! — O Administrador gargalha num estridente e sufocante rugido. — É como dizem os poetas; um dia a sorte acaba.

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Lucas Lyu

— A sorte não vai acabar porque isso está longe de terminar — a pol-trona flutua imperiosamente cada vez mais próxima do telão. O homem de armadura de ferro não está mais com a cabeça baixada. Seu queixo está erguido. O corpo totalmente ereto. A submissão não lhe toma mais de assalto. Ele usa a própria autonomia para fundir as palavras que pe-netram da sua garganta. Então, o Líder Signário assiste uma das coisas mais difíceis do mundo acontecer; o medo fora estampado nos olhos de um Administrador. Um autêntico Adm que controla os assuntos de Novelion. Uma figura espectral cultuada como deus que vive em prol da ordem e do progresso. No entanto, ali e agora ele não passa de um joguete nas mãos de um homem qualquer.

O Administrador desfere um golpe na mesa.

— O que está dizendo? — A figura se ergue da poltrona de rubis. Sua pele pálida está dominada pelas rugas da meia idade. — Você não está querendo dizer que...

O Homem de armadura de ferro interrompe.

— Ah, você sabe exatamente o que eu estou querendo dizer, Toz.

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Lucas Lyu

Parte I

SELEÇÃO NATURAL

Se os fins justificam os meios;

O que justifica o começo?

— Mellys, jornalista

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RELATÓRIO DE NÚMEROS DA ÚLTIMA SELEÇÃO.

ÁRIES: 24 SELECIONADOS. 10 MORTOS. 9 SARJETAS. 5 ULTRA-HUMANIZADOS.

TOURO: 24 SELECIONADOS. 5 MORTOS. 7 SARJETAS. 12 ULTRA-HUMANIZADOS.

GÊMEOS: 24 SELECIONADOS. 8 MORTOS. 12 SARJETAS. 4 ULTRA-HUMANIZADOS.

CÂNCER: 24 SELECIONADOS. 0 MORTOS. 16 SARJETAS. 8 ULTRA-HUMANIZADOS.

LEÃO: 24 SELECIONADOS. 10 MORTOS. 12 SARJETAS. 2 ULTRA-HUMANIZADOS.

VIRGEM: 24 SELECIONADOS. 8 MORTOS. 8 SARJETAS. 8 ULTRA-HUMANIZADOS.

LIBRA: 24 SELECIONADOS. 1 MORTOS. 3 SARJETAS. 20 ULTRA-HUMANIZADOS.

ESCORPIÃO: 24 SELECIONADOS. 6 MORTOS. 5 SARJETAS. 13 ULTRA-HUMANIZADOS.

SAGITÁRIO: 24 SELECIONADOS. 16 MORTOS. 2 SARJETAS. 6 ULTRA-HUMANIZADOS.

CAPRICÓRNIO: 24 SELECIONADOS. 15 MORTOS. 6 SARJETAS. 3 ULTRA-HUMANIZADOS.

AQUÁRIO: 24 SELECIONADOS. 9 MORTOS. 9 SARJETAS. 6 UL-TRA-HUMANIZADOS.

PEIXES: 24 SELECIONADOS. 20 MORTOS. 4 SARJETAS. 0 ULTRA-HUMANIZADOS.

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Capítulo 00

Aqui, deitado e ferido sob a luz das estrelas e da vista dos anéis lon-gínquos dos sistemas solares adjacentes, eu tenho vontade de rir.

Minha barriga parece um buraco de minhoca. O sangue jorra de lá como uma cachoeira. Uma cachoeira vermelha e fúnebre, cujas nascen-tes são meus órgãos danificados e atingidos pelos meus antagonistas. Não sei de onde são e nem de onde vieram. Estava muito escuro quando atravessei a passarela, mas quando me dei por cercado já era tarde de-mais pra fazer alguma coisa.

Três contra um. Nada muito longe da realidade em que vivemos. Mas a diferença é que eles tentaram me matar. Isso não é um treinamento ou qualquer outro exercício que nós fazemos para adentrar na vida ultra--humana. Esses otários tentaram mesmo me matar. Falharam. Eu ainda respiro e eles também. Mas a imagem de um deles caído de bunda para cima, outro com o braço torcido e o terceiro com o nariz quebrado me faz rir. Por isso, eu rio como uma criança quando observa alguém cain-do de cara no chão. Cuspo sangue. Falta-me ar. Meu corpo lateja em ondas crescentes. Eu sinto tudo isso, mas isolo dentro de mim e coloco pra fora a mais gutural das risadas ensandecidas que consigo. Minha voz ecoa perante a asa da noite e pelo olhar das luas.

Eu achei que a morte era gélida como a neve. Estou enganado. Não sinto frio. Sinto calor e solidão. Não sei dizer se o sangue que sai do meu corpo é o que me aquece, mas a sensação é estranha. Uns flashes de me-mórias não autorizadas cospem para fora do meu hipotálamo e apare-cem diante dos meus olhos. Os treinamentos no resto. As lutas ganhas. Os Duelos dos Vinte e Cinco e as incontáveis disputas em que participei em nome do meu signo. Tudo isso gira dentro da minha cabeça e des-ce até meu estômago, causando-me um desconforto com lembranças indesejadas. Cuspo o líquido vermelho mais uma vez. Sinto espasmos e dores alucinantes nas costelas. Vejo uma luz longínqua. Debato-me contra a presença ceifadora da morte que agora paira sobre mim. Ela

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porta um véu branco transparente; pálida como a neve e bruxuleante como um fantasma. Sua presença não me causa nada, mas quando ela estica as mãos para mim eu sei que é o fim.

Voltei no tempo. Não sei como, mas estou vendo a figura de uma criança de cabelos loiro-escuros e olhos verdes do lado de fora de uma propriedade de porte mediano. Eu a reconheço, aos poucos, como a mi-nha antiga casa. Embora esse tipo de lembrança seja bloqueado pelo Comitê da Seleção Noveliana, eu simplesmente sei que aquele lugar era o meu antigo lar dentro de Novelion. Estranho. Das milhões de vezes que tentei imaginar como minha casa tinha sido antes de vir pra cá, nenhuma delas se parece com essa propriedade de colunas e pilares que sustentam o teto abobado repleto de telhas lineares. As únicas janelas existentes ficam no andar de cima. Sorrio para mim mesmo. É melhor do que parece. A residência é acolhedora e simples, nada luxuoso nem extravagante.

Eu sei que tudo isso não passa de uma lembrança guardada nos con-fins do meu cérebro. Eu devia estar morto. Mas eu não faço ideia de como ela é ou porque está aqui. Novelion tira as memórias dos candida-tos quando são transferidos para os planetas coletores. Em partes, eles dizem que é para nos ajudar a se concentrar nos treinamentos, mas eu sei que tudo isso é mentira.

O garoto está encolhido com as duas mãos abraçando as pernas. Sua cabeça encosta no joelho, salientando a posição fetal. É triste! Ele ergue o pescoço de vez em quando, olhando freneticamente pros dois lados da rua em busca de alguém ou alguma coisa. O que é? Eu não faço ideia. Não consigo me lembrar de nada e não consigo me mover. A morte, ou sei lá quem tenha sido, desbloqueou uma parte da minha memória e me trouxe para cá. Estou assistindo ao meu passado pela terceira pessoa. Nada do que eu faça ou grite irá mudar aquilo que já foi escrito e grava-do nas estrelas com ferro e fogo.

O edifício mais alto fica no fim do quarteirão. Ele é feito de topázio dourado na forma do peixe Betta-dourado. É de lá que uma poderosa

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astronave surge com suas turbinas mega potentes e varre qualquer sujei-ra das ruas. O garoto observa aquele veículo descer lentamente. Consigo notar o pânico se alastrar sobre a face dele, ou melhor, sob a minha face. Ele está com os olhos vermelhos e cambaleia quando tenta se levantar, indo em direção da porta da casa que se mantém trancada. Uma batida. Duas batidas. Três batidas. Ninguém o atende. Eu sinto meus punhos cerrarem com a perspectiva de abandono. Eu quero correr até lá e abrir a porra da porta, mas não posso. Estou preso e paralisado. Meus pés não se movem e minhas pernas não me obedecem. Nada do que eu faça irá adiantar alguma coisa.

Quando a astronave atinge uma determinada altura do solo; cerca de sete metros, uma figura montada em uma plataforma de nanoboots paira até finalmente encontrar a superfície. O homem é pálido como a neve. Seus cabelos são cinza e os olhos gélidos. Quando atinge o chão ele toca a orelha e liga algum tipo de comunicador que solta um pequeno estalo. Sua voz é tediosa e desprovida de sentimento.

— O garoto da casa número dezesseis está pronto para ser transpor-tado — diz ele, sacando uma espécie de arma do cinto. Eu tento gritar para mim mesmo mais jovem que está batendo na porta. Corra! Gor-golejo. Fuja! As palavras ficam entaladas na minha garganta. Correntes invisíveis seguram meu peito. Não! — Solicito autorização para realizar o protocolo zero e transportar a carga.

A resposta vem.

— Autorização concedida.

O Homem de Branco mira a pistola e dispara três vezes. O eu criança do passado cai esparramado no chão de olhos abertos, de frente para a porta que algum dia foi a minha casa.