da teoria kelseniana À hermenÊutica do sÉculo xxi - a enigmÁtica categoria do ordenamento...

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FACULDADE MORAES JÚNIOR – MACKENZIE-RIO CURSO DE DIREITO MONOGRAFIA DE CONCLUSÃO DE CURSO DA TEORIA KELSENIANA À HERMENÊUTICA DO SÉCULO XXI - A ENIGMÁTICA CATEGORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Wagner Winter Moreira – Matr. 3070450-2 Rio de Janeiro, 2011

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• This study has the purpose of analyzing qualitative researches in the core theories of Law. It shows a view on substantive issues, which requires a profound approach, which is not always used by the traditional literature. It also shows the application of methods from the Common Law system by the courts of Justice, mainly by the Supreme Court, a system of principles often disoriented, that follows a positivist doctrine, that venerates the Republic Constitution and turn other laws in textual norms. Another finding was the profound link with the economy. Nowadays, there are no social disputes that are out of the economic fulcrum. The research seeks to raise the relevant issues, offering options for a new course of action.

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Page 1: DA TEORIA KELSENIANA À HERMENÊUTICA DO SÉCULO XXI - A ENIGMÁTICA CATEGORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

FACULDADE MORAES JÚNIOR – MACKENZIE-RIO

CURSO DE DIREITO

MONOGRAFIA DE CONCLUSÃO DE CURSO

DA TEORIA KELSENIANA À HERMENÊUTICA DO SÉCULO XXI -

A ENIGMÁTICA CATEGORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO

Wagner Winter Moreira – Matr. 3070450-2

Rio de Janeiro, 2011

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II

Autor: Wagner Winter Moreira – Matr. 3070450-2

DA TEORIA KELSENIANA À HERMENÊUTICA DO SÉCULO

XX - A ENIGMÁTICA CATEGORIA DO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO

Trabalho apresentado como requisito parcial para

aprovação do curso de Direito da Faculdade Moraes Júnior

– Mackenzie Rio.

Orientador: Prof. Dr. Fernando Roberto de Freitas

Almeida

Rio de Janeiro

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III

2011

TERMO DE APROVAÇÃO

DA TEORIA KELSENIANA À HERMENÊUTICA DO SÉCULO XX -

A ENIGMÁTICA CATEGORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO

Trabalho Final de Curso defendido por Wagner Winter Moreira, apresentado ao curso de

Direito da Faculdade Moraes Júnior – Mackenzie Rio e ________________ em ____ de

dezembro de 2011 pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:

Prof. Dr. Fernando Roberto de Freitas Almeida

_______________________________________

Professor: ______________________________

________________________________________

Professor: ______________________________

________________________________________

Rio de Janeiro

2011

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IV

DEDICATÓRIA

VERINHA

O poeta Milton NascimentoFalou do amor que arde no peito.A folha da juventude é o seu nome,Cujos momentos foram podados,Desviaram seu destino.Mas em tudo e apesar de tudo,Prevaleceu em um sorriso de menino.O amor é a união de corpos e de almas;Há de resistir, de florescer;Vivenciar que não há impossíveis.E o tempo, é um relógio mágico,Que anda em sentido anti-horário;Tudo o que é tem um novo sentido, a cada momento.É a primavera, natureza que se renova,Noviças folhas que brotamSão os amores, tão sonhados, que renascemVão provocar a união de ardentes corpos rejuvenescidos.Sorrisos de crianças, tudo se refaz!Os perfumes inebriantes dos corpos apaixonadosArdentes de desejos, que o outono desfez,O inverno feriu, mas a primavera recompôs.São os odores de uma memória de eternaidadeCorpos que exalam odores únicos no universo.Cada corpo tem o seu cheiro, nada é igual!Atraem os mais luxuriosos desejos de amor,São sempre luxuriosos os verdadeiros amoresÉ desejo juvenil, que faz descompassar o coração.Calafrios pelo corpo, respiração ofegante.Força da natureza renovada, quem pode calar?É preciso falarEstá ardendo no peitoCaminhou horas pelo arMas é o meu grande amor, a fonte da minha juventude.

Wagner Winter – Rio de Janeiro, 25/07/2011

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V

AGRADECIMENTOS

Os agradecimentos são atos formais da razão, quando a mesma reconhece ter recebido

algo. É gesto de retribuição! Se conheço um pouco do racionalismo humano, é reconhecendo

com gratidão, que nossa razão faz o ritual de expiação pelo não saber, pelo que lhe foi

ensinado, e tal gesto compensa o esforço de quem nos deu oportunidades e saberes, que

amadurecerão e florescerão, até que, na época certa, frutificarão diferentemente das sementes

recebidas.

Por isso, existem fatos que não podem ser agradecidos, são de tamanha grandeza que a

nossa razão não merece o benefício da expiação. Há de levar para toda a eternidade a

consciência do que recebeu, dos valores que se lhe ofereceram, sem os quais, estaria vagando

pelos corredores das ideias, dos conhecimentos a priori.

Desta forma, faço o registro neste que será, ao meu sentir, um memorial sagrado do

tempo de novos conhecimentos e de novos caminhos.

Registro que o Prof. Dr. Fernando Roberto de Freitas Almeida me ensinou muitíssimo

mais do que elaborar uma pesquisa e a construir um texto monográfico. Além de ter percebido

o quanto de dedicação é necessária à leitura e reflexão, vivenciei, no dizer de Rubem Alves

(1981) a ação de um Jequitibá, de um verdadeiro Mestre Educador; professor por uma ficção

legal, Doutor por diletantismo, mas educador por essência. Ainda no dizer de Rubem Alves

(Conversas com quem gosta de ensinar, Cortês, p. 13) [...] “os educadores são como velhas

árvores. Possuem uma face, um nome, uma “estória” a ser constatada. Habitam um mundo em

que o que vale é a relação que os liga aos alunos, sendo que cada aluno é uma “entidade” suis

generis, portador de nome, também de uma “estória” [...]”. E foi a partir das minhas “estórias”

que se iniciou o processo educativo, denso, estimulador da pesquisa, do confronto das ideias,

da clareza textual. Não posso saber se a banca aprovará o trabalho monográfico, como,

também não sei se o reescreveria da mesma forma, muito provavelmente não, já levantei voo

da época que o comecei. É essa a razão de ser dos educadores.

Não posso deixar de registrar neste meu Memorial a amizade e o empenho do Dr.

Guilherme Simon e do Rev. Cid Pereira Caldas para que o Instituto Presbiteriano Mackenzie

me concedesse bolsa integral para todo o curso, sem que os valores fossem lançados na cota

filantrópica, fato fundamental para que eu pudesse chegar até aqui.

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VI

Se não devo realizar a expiação do meu não saber, mas levar na minha consciência

tudo o que recebi, ao menos, posso oferecer a todos as mais sinceras homenagens pela

extraordinária lição que compõem suas vidas. Muito Obrigado.

SUMÁRIO

RESUMO 7

ABSTRACT 7

1. INTRODUÇÃO 8

1. VISÃO CONCEITUAL DO TEMA 11

2. APRESENTANDO OS PARADIGMAS 16

3. A ERA DOS NOVOS VALORES 23

4. PROLEGÔMENOS DA METAFÍSICA 37

5. A ENIGMÁTICA CATEGORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 44

5.1. A Desconstrução da Principiologia no Direito Brasileiro 44

5.2. A Hermenêutica do Absolutismo Positivista 45

5.3. A Desconstrução do Racionalismo Kantiano 47

5.4. A Matriz Econômica do Direito Brasileiro 54

5.5. A Principiologia dos Valores 57

CONCLUSÃO 62

BIBLIOGRAFIA 64

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7

RESUMO INDICATIVO

Este trabalho tem por fulcro a pesquisa qualitativa nas teorias do Direito, uma visão sobre

problemas de fundo, que necessitam de abordagem aprofundada, nem sempre abordada pela

bibliografia tradicional. Constatou-se a aplicação de métodos oriundos do sistema common

Law pelos Tribunais de Justiça, em especial pelo Supremo Tribunal de Justiça – STF, um

sistema de princípios por vezes desorientado, com uma doutrina positivista que venera a

Constituição da República e transforma as demais Leis em normas textuais. Outra constatação

foi a profunda ligação do com a economia. Hodiernamente, não existem disputas sociais sem

fulcro econômico. A pesquisa procura levantar as questões mais relevantes, oferecendo opções

de correção de curso a partir do seu desenvolvimento.

ABSTRACT

• This study has the purpose of analyzing qualitative researches in the

core theories of Law. It shows a view on substantive issues, which requires a

profound approach, which is not always used by the traditional literature. It also

shows the application of methods from the Common Law system by the courts of

Justice, mainly by the Supreme Court, a system of principles often disoriented, that

follows a positivist doctrine, that venerates the Republic Constitution and

turn other laws in textual norms. Another finding was the profound link with the

economy. Nowadays, there are no social disputes that are out of the economic

fulcrum. The research seeks to raise the relevant issues, offering options for a new

course of action.

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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por fulcro propiciar à comunidade acadêmica, bem como a

potenciais leitores interessados em pesquisa qualitativa nas teorias do Direito, uma visão

sobre problemas de fundo, que necessitam de abordagem aprofundada, nem sempre abrangida

pela bibliografia tradicional. Visa também a ensejar o autor a prosseguir no desenvolvimento

de pesquisa na área da Filosofia do Direito, partindo destes rudimentos do pensar, próprios de

uma monografia de bacharelado, à possível formulação de uma tese doutoral.

Trata-se de pesquisa baseada em métodos qualitativos. Como bem apontou Jodelet

(2010, pág. 31) “é no campo da aplicação das ciências humanas e sociais à resolução de

problemas práticos que a demanda em matéria de pesquisa qualitativa fez-se mais premente,

levando ao refinamento dos procedimentos.” Tal demanda, mostrou esta autora, é facilmente

observável em suas manifestações sob a pressão dos problemas formulados em diferentes

setores da atividade humana e dos movimentos sociais. Primeiramente, demandas do mundo

do trabalho, ou do estudo das organizações. Depois, preocupações com as pessoas em si, em

um mundo de transformações aceleradas, onde pode estar faltando um certo “campo

unificado”, como já foi o caso da Filosofia Moral, até o século XVIII, e, a seguir, o âmbito

dos movimentos sociais, com impulsos trazidos por diversos novos estudos, derivados de

novas necessidades, que se chocam com paradigmas por vezes de há muito tempo

estabelecidos.

Em face dos objetivos maiores, procurou-se estabelecer um desenvolvimento lógico

diverso da lógica costumeira tão bem ensinada aos discentes durante anos. Tornou-se, desta

forma, imprescindível desvendar o pensar lógico do autor para melhor compreensão da

disposição dos textos e dos motivos que o levou ao desenvolvimento de tal formulação.

De plano, optou-se a apresentar a teoria e a realidade do Direito brasileiro e o

conflito entre a doutrina e a práxis, bem como os autores que influenciam o Direito

hodierno. Lançaram-se questionamentos que ainda não se tenciona responder no presente

momento, mas que se pretende um dia fazê-lo. O conceito, que se buscou apresentar no

primeiro capítulo, é exatamente um conflito, que não se limita a questões doutrinárias, mas

à mudança do eixo do poder republicano com o alijamento do Poder Legislativo e a adoção

de práticas do sistema denominado common law. Tal pensamento foi claramente exposto no

falar do dr. Eros Grau (2004) a cerca do que seria modernamente a norma jurídica.

O segundo capítulo vem trazer, complementarmente, a lembrança das tradições

positivistas do Direito brasileiro, bem como a sua importância histórica, em especial pela

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ausência de significativos períodos de regime democrático. Não obstante o destaque ao

Positivismo jurídico houve-se por bem, detalhar mais amiúde as novas hermenêuticas, os

novos paradigmas e a contradição conflituosa com as tradições positivistas do Direito

brasileiro, em particular, objetivando-se destacar a mutação conceitual da norma jurídica.

Após tratarem-se isoladamente as questões puramente de Direito, procurou-se

dialogar com outras ciências afins. Desta forma, a Economia, a Sociologia e a Filosofia,

através de consagrados autores, entraram em cena para revelar um Direito coadjuvante,

em especial, das Ciências Econômicas. De forma muito contida, procurou-se demonstrar

que o Direito vem validando práticas liberais por séculos e, ao que parece, a economia

mundial chega a sua pior crise, destarte, elevando Karl Marx da posição de um filósofo

teórico a um profeta da economia liberal. Procurou-se desmistificar as ciências jurídicas

ao afirmar-se não existirem conflitos sociais sem causa econômica.

Para melhor compreensão dos temas tratados, buscou-se o máximo de textos

autorais, destacando-se: Kant, Nietzsche, Rubem Alves, Zygmunt Bauman, Habermas,

Häberle, Liszt Vieira, Leonardo Vizeu Figueiredo, Hans Kelsen, Luís Roberto Barroso, Tércio

Sampaio Ferraz Jr., Orlando Gomes, José Afonso da Silva, Paulo Nader, Carlos Maximiliano,

Ives Gandra Martins, Olavo de Carvalho e outros. Confessa-se que de todos os autores Kant

foi o que se trabalhou com maior intensidade, em especial, por ser o mentor do Positivismo e

ter posto a metafísica no centro de sua produção literária. Percebeu-se que a metafísica é

figura central do pensamento humano, desde os pré-socráticos até os pensadores dos dias

atuais. Apenas Karl Marx descartou a metafísica da centralidade de sua obra, razão pela qual

optou-se em incluir, a inspiração de Kant, Os Prolegômenos da Metafísica, desconstruindo o

racionalismo agnóstico em Marx, aproveitando-se o magnífico texto de Rubem Alves.

A conceituação de religião e Teologia são novas propostas de compreensão de tais

fenômenos, as quais se pretende aprofundar por serem componentes intrínsecos ao ente

humano e, consequentemente, a toda a sua cultura.

A proposta seguinte encerra a presente pesquisa e funda a área de pesquisa a ser

empreendida. Para isso, buscou-se desnudar o que os teóricos chamam de Princípios do

Direito, o que não podem ser considerados sequer como silogismos erísticos, pois

frequentemente são frases impensadas e impróprias com o fulcro de justificar a aplicação da

norma jurídica, tão irrefletida quanto os chamados princípios. A pseudo-hermenêutica é outra

farsa que visa a ocultar truculento Positivismo autoritário, dando ao Judiciário, em especial,

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ao Supremo Tribunal Federal – STF, o status de concílio, sendo o STF, o supremo concílio da

corruptela dos sacerdotes em relação à verdadeira hermenêutica jurídica, inquestionável!

A desconstrução do racionalismo kantiano não se pode considerar conclusa, porém

Olavo de Carvalho (1996) consegue colocá-lo em dúvida de validade. Neste caso, a dúvida é

vital para uma nova proposta de Princípios Legítimos do Direito, o que não pode acontecer no

Direito brasileiro sem resolver o modelo macroeconômico, visto que o Estado, ao ver de

Gandra, compõe uma classe ociosa vebleriana, de facto.

Inscreveram-se, no corpo do texto, notícias publicadas em mídias estrangeiras, na

medida em que se concluíam os capítulos, para proporcionar uma visão global não apenas

teórica, mas tendo-se a visão real dos acontecimentos de agora. Afinal, os autores que

defendem a abordagem qualitativa concordam que ela é “a única a permitir um tratamento

holístico, natural e dinâmico dos fenômenos estudados” (JODELET, 2010, pág. 31)

Optou-se por manter um texto denso de conteúdos transcendentes que necessitam

de reflexão, sendo assim, conseguiu-se, a priori, não estendê-lo mais do que o necessário.

Evidentemente, seria possível dialogar-se com o texto constitucional e demonstrar que, o

mesmo, não nasceu de uma ação de vontade criadora, mas de circunstâncias populistas,

dado o momento vivido pelo país, com políticas extremas em resposta ao pós-regime de

exceção em que se encontrava a sociedade brasileira. Quando se cria a norma jurídica,

para depois achar um princípio onde ela possa se encaixar, ou, ainda, quando a premissa

principiológica é falsa, a norma não gera os efeitos supostamente esperados. Assim, foi a

evolução epistemológica, ou as revoluções nos paradigmas da pesquisa, que conduziu ao

descarte de uma criteriologia positivista e ao surgimento de uma preocupação qualitativa

apta a responder às exigências dos novos fenômenos humanos e sociais.

Espera-se ter-se produzido não só um modesto ordenamento textual de reflexão do

Direito brasileiro, mas uma proposta de pesquisa que possa em breve futuro, contribuir para

melhores condições das sociedades, em especial a sociedade brasileira.

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CAPÍTULO I

VISÃO CONCEITUAL DO TEMA

Toda pesquisa tem um ponto de partida necessariamente bem definido e, como

apontou Teixeira (1999 p. 153), “em ciência, a pergunta é tudo. Não pode haver boa resposta

para uma má pergunta”. Convém, portanto, que se comece o presente trabalho com a

apresentação de conceitos fundamentais para uma boa resposta ao problema apresentado.

No registro oportuno de Friede (2010, p. 10):

Não obstante a tese segundo a qual o Direito se constitui em efetivo ramo cientifico ter sido negligenciada no passado por expressiva parcela de estudiosos, na atualidade contemporânea é, no mínimo, majoritária a posição doutrinária que entende o Direito como autêntica e genuína Ciência Autônoma.

Ainda que se possa discutir se o Direito constitui-se na própria ciência, em sua descrição conceitual, ou, ao contrário, restringe-se apenas ao objeto de uma ciência (a chamada Ciência do Direito), a verdade é que, no presente momento evolutivo, poucos são os autores que ousam desafiar a visão dominante do Direito como ciência e suas principais consequências, especialmente após o advento – e, sobretudo, a leitura técnica – da notável obra de HANS KELSEN, Teoria Pura do Direito, em que o autor logrou demonstrar, na qualidade de mentor do racionalismo dogmático (normativismo jurídico), a pureza jurídica do Direito em seu aspecto tipicamente científico.

Mesmo assim, entre nós, ainda existem aqueles que simplesmente defendem o ponto de vista do Direito como uma forma não-científica, desafiando não só o caminho lógico-evolutivo do estudo do Direito, mas, particularmente, a acepção mais precisa (e correta) do vocábulo ciência.

Friede (2010) transcreve a opinião oposta, de Paulo Jacques (Curso de Introdução ao

Estudo do Direito, data, p. 10-11):

“(...) não é rigorosamente científico denominar o Direito de ciência (...) As pretensas ciências sociais, com ranço comtiano, onde se costuma incluir o Direito (...) não oferecem princípios de validez universal que lhes justifiquem a terminologia (...)”.

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Cita igualmente Geny (1927, p. 69/71) que afirmou “O Direito não é ciência, mas arte,

como também ramo da moral”, ao que se complementa a visão de Pedro Lessa (1912, p. 46):

“As regras do Direito são preceitos artísticos, normas para fins práticos, determinações,

ordens, que se impõem à vontade. Não se confundem com as afirmações científicas, que se

dirigem à inteligência”.

A presente pesquisa teve início no ano de 2007 tendo sida resumida, inicialmente, em

texto de 74 páginas. À época, as literaturas consultadas por orientação acadêmica, como

também os artigos publicados em sítios renomados, de modo geral, abordavam a pseudo

desconstrução do Positivismo e a tentativa de inserção da principiologia hermenêutica como a

nova visão de aplicação das normas jurídicas. Contudo, não parecia existir uma definição

clara sobre a nova onda do Direito inaugurada no pós II Guerra Mundial. Em outras palavras,

a Ciência do Direito, de acordo com a proposta pedagógica em vigor consiste nas doutrinas

neopositivistas. A literatura disponível, tanto nas notas bibliográficas das ementas do curso,

quanto na literatura encontrada na biblioteca da faculdade, correspondia aos autores clássicos,

tais como: Luís Roberto Barroso, Tércio Sampaio Ferraz Jr., Orlando Gomes, José Afonso da

Silva, Paulo Nader, Carlos Maximiliano, Hans Kelsen entre outros da mesma linha

doutrinária.

Pode-se aferir tal dimensão na exposição de Luís Roberto Barroso em seu livro O

Direito Constitucional e a Efetividade da Norma (Renovar, 2002, p. 279-281) “A experiência

constitucional brasileira revela a ausência de um constitucionalismo normativo sintonizado

com a realidade social e apto a conformá-la juridicamente”. Tal crítica se funda, ainda

segundo Barroso, nas muitas Constituições havidas no Brasil, o que ocasionou a proliferação

de portarias1 e jurisprudências, gerando uma graduação entre as normas e o posicionamento

jurisprudencial. Percebe-se de plano que o normativismo é o fulcro de suas atenções.

Destarte, cumpre observar, preliminarmente, que a Ciência do Direito, conquanto não

ser mais perscrutável como ciência de fato no conceito majoritário da doutrina, não se pode

olvidar que sua metodologia pode ser considerada perfunctória2.

Até o presente momento, o curso de Direito optou por autores que trazem às pautas

das discussões o neopositivismo valorado de princípios, porém, o mundo vivencia há quase

1 BARROSO, Luís Roberto. “A Efetividade das Normas Constitucionais”, in: O Direito Constitucional e a Efetividade da Norma, Rio de Janeiro: Renovar, 2002. (p. 76)2 Opinião do autor

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sessenta anos as tensões geradas pelo exorcismo do positivismo Kelsiano e a entronização da

escola da filosofia hermenêutica e do neoconstitucionalismo que, no registro de Caixeta i, é

tratado como:

“Nova Hermenêutica do Século XX”, “a saber: a) A Tópica de Viehweg; b) O Método Concretista de Konrad Hesse; c) O Método Concretista de Friedrich Müller; d) A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição de Peter Häberle; e) O Método Científico – Espiritual de Rudolf Smend. Apesar das pertinentes críticas das quais foram alvo, todos esses métodos têm o mérito de terem contribuído, de uma sorte ou de outra, para uma melhor interpretação dos textos em matéria de Direito Constitucional” 3.

Na visão do autor, no Brasil, em especial, a Escola da Nova Hermenêutica

Constitucionalista, foi adotada pelo Positivismo fundamentalista, valendo-se das Escolas

Neopositivistas e sob o total controle do Poder Judiciário.

Recordando a história do Direito, a hermenêutica jurídica clássica foi fundada por

Savigny,4 fundamentando a dogmática jurídica com o elemento crítico e elevando o direito à

categoria de ciência. Graças a Savigny, os chamados cânones tradicionais se estabeleceram.

São eles: a) a interpretação gramatical; b) a interpretação lógica; c) a interpretação

sistemática; d) a interpretação histórica5. Bobbio amplia os cânones hermenêuticos aos meios

da interpretação textual, buscando, sempre pelos meios positivistas, compreender a vontade

do legislador, a saber: a) meio léxico (filológico); b) meio teleológico; c) meio sistemático; d)

meio histórico6.

Segundo Amaral (2000)ii,

Hans Kelsen por não considerar o direito como uma ciência do espírito não deixou nenhum método ou formulação hermenêutica. Kelsen via a sentença como um ato de conhecimento, uma decisão que dependeria simplesmente do ato intelectivo. O juiz deveria encontrar uma interpretação dentre as várias possíveis na moldura normativa ou ainda na letra da lei7.

3 Artigo: Reflexos da “textura aberta do direito” para a aplicação das normas jurídicas. Francisco Carlos Távora de Albuquerque Caixeta: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4346 acessado em01/05/20114 Friedrich Carl von Savigny, 1779 – Berlim, 1861) fundador da Revista da História para a Ciência do Direito, órgão da Nova Escola Histórica, de que foi o principal representante. 5 Jus Navigandi, Desenvolvido pela Jusnavigandi, 2005. Apresenta informações sobre Direito e doutrina, informações acadêmicas e textos diversos da área de Direito.Disponível em: http://www.jus.com.br. Texto "As lacunas da lei e as formas de aplicação do Direito - texto de Júlio Ricardo de Paula Amaral". p. 2-36 Op. cit. P.77 Opus citum, Amaral, 2005. p. 10

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Nader (2006) insere a norma jurídica como de fundamental importância no estudo da

Teoria Geral do Direito, defendendo que tais normas se referem à substância própria do

Direito, uma vez que as mesmas dispõem sobre os fatos e consagram valores, tornando-se o

ponto culminante do processo de elaboração do Direito e o ponto de partida operacional da

dogmática jurídica, cuja função é sistematizar e descrever a ordem jurídica vigente. Afirma,

ainda, que o conhecimento do Direito implica no conhecimento da norma jurídica e no seu

encadeamento lógico e sistemático8.

No Brasil, porém, corroborando com a visão do autor, a “Nova Hermenêutica do

Século XX”, especificamente a tese de Peter Häberle, percebe-se a adesão de sua forma

interpretativa, quase que absoluta, pelo Supremo Tribunal Federal – STF, cujos Ministros e

ex-ministros defendem o neoconstitucionalismo, não só como uma mudança integral nos

métodos hermenêuticos, mas mudando o conceito normativista jurídico9, a exemplo das

observações do ex-ministro Eros Grau (2004):

[...] a vida é inquietude. O Direito faz parte dela, compõe a realidade. E a realidade não para quieta. Disso se desdobra, na concepção de uma doutrina efetiva do direito, a compreensão da interpretação do Direito como trabalho de construção da norma jurídica. Norma e texto são coisas diversas. O que, por exemplo, poderia nos levar a discutir, como dizia Tarello, a validade do Direito em dois pontos, ou melhor, sob dois aspectos, o da validade do texto e o da validade da norma. Insisto, parenteticamente, que a norma é produzida pelo intérprete10.

Diante do exposto, surgem duas indagações de relevante importância para o estudo e

interpretação do Direito:

a) Qual o fulcro da Ciência do Direito?

b) O que é, de fato, a Norma Jurídica e como interpretá-la nos dias atuais?

A busca para responder os questionamentos acima pertence aos juristas doutrinadores,

mestres e doutorandos do Direito e à magistratura. Fato inequívoco é que o momento é de

transição, ou, para alguns, de transformação evolucionista, cujos paradigmas estão sendo

criados, tanto no aspecto teórico como no empírico.

8 Nader, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito, 27ª edição. Rio de Janeiro, Forense, 2007. p. 839 Mendes, Gilmar Ferreira e Vale, André Rufino do. O pensamento de Peter Häberle na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal do Brasil. Revista Iberoamericana de Derecho Procesal Constitucional - núm. 12, julio-diciembre 2009, pp. 121-146. 10 Grau, Eros Roberto Et al. O Que é Filosofia do Direito. Editora Manole: São Paulo, 2004. P. 48

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Cabem mais alguns questionamentos complementares, que ensejam uma análise de

natureza orientadora pragmática, em especial, para os advogados que postulam em favor de

milhões de pessoas diariamente:

a) Em que tipo de textura devem-se basear para criar a tese que defenda os Direitos

dos seus clientes? Usarão um texto jurídico ou uma norma jurídica? Se em Primeira Instância,

ainda é prevalecente o conceito de norma jurídica estabelecida pelo legislador ordinário, em

recurso extraordinário ao STF, se lá chegar, mudam os paradigmas com relação ao texto e à

norma, só não mudam as peças iniciais do processo.

b) Em sendo o julgador que, por um processo hermenêutico, cria a norma jurídica na

proclamação sentencial, não ensejaria um prejuízo à ampla defesa da parte prejudicada?

Conceitualmente, nada mudou efetivamente no mundo acadêmico e doutrinário,

continua-se aceitando o sistema jurídico civil law e os chamados cânones tradicionais de

interpretação das normas jurídicas, contudo, percebem-se no dia a dia do Poder Judiciário

inúmeras mudanças, sendo, algumas, verdadeiros enigmas no que diz respeito às tradições do

Direito Brasileiro, ao regime Democrático de Direito, a partição igualitária dos Poderes da

República, como também a prática de cânones hermenêuticos muito mais próximos do

sistema jurídico common law, onde o Direito é elaborado por juízes mediante decisões que se

tornam vinculantes para casos análogos posteriores, ou seja, a norma jurídica perfeita, até

então a base do Direito Pátrio, passou a ser mera sugestão textual sem que houvesse uma

ruptura sistêmico-jurídica no Direito, bem como a apostasia aos princípios do neopositivismo.

Tamanho enigma traz à lembrança duas máximas do Senador Antônio Carlos

Magalhães, publicadas em 2007 pelo O Globo Online, a primeira traduz o seu pensar sobre o

poder: “O poder é a maneira de transformar uma ideia em realidade. Mas é só para quem

tem apetite: quem não tem pode usufruir das mais diferentes oportunidades de mando que

não vai conseguir mandar”;11 a segunda, ensina aos poderosos as melhores práticas da

distribuição de derivativos do poder:

“A arte da política consiste em saber dar a cada um o que ele espera de você. Alguns querem proteção, um emprego, por exemplo. Outros querem dinheiro. Há um terceiro tipo, que busca poder, o prestígio, até mesmo um carinho. Se você

11 AS MÁXIMAS DE ACM - O GLOBO 2007 - Publicada em 20/07/2007 às 02h47m - Retirado do site pessoal de Antonio Carlos Magalhães. http://oglobo.globo.com/pais/mat/2007/07/20/296879344.asp acessado em 21/10/2011

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confundir as demandas, oferecer dinheiro a quem quer carinho ou poder a quem quer um emprego, arrumará um inimigo”.12

De certo que se percebe o flambar das tradições jurídicas brasileiras; resta

identificar os agentes e conhecer com profundidade do apetite e das práticas distributivas

dos derivativos inerentes ao poder.

CAPÍTULO II

APRESENTANDO OS PARADIGMAS

O Direito tem acompanhado as grandes discussões da Filosofia através dos tempos e

sua conceituação como ciência é relevante, pois advêm da discussão filosófica sobre o que

seria ou não ciência. Foi no período do racionalismo filosófico que se buscou com mais

consistência e independência processos de conhecimento metodizados que auxiliassem aos

estudiosos a ordenação dos elementos objetivos e subjetivos de cognição. Até o final do

século XVIII, na Europa, o Direito situava-se no âmbito da Filosofia Moral, juntamente com a

Economia Política. Os conhecimentos de Direito foram fundamentais aos filósofos morais,

como Adam Smith, presbiteriano escocês, fundador da Escola Clássica de Economia, bem

como a Jeremy Bentham, um radical-filósofo, postulador do Utilitarismo.

O Direito, por ter uma origem econômica consuetudinária e subserviente ao poder

dominante, não foi a priori, considerado como uma ciência até o surgimento do Positivismo

Jurídico, que por coerência essencial, formulou o Direito metodologicamente ordenado e

dogmático, por tanto, cientificamente13.

Constata-se que a grande questão vivenciada pelo Direito hodierno brasileiro está

atrelada à forte influência da Escola Positivista, base do pensamento republicano no país, no

século XIX, contrapondo-se em vero enfrentamento, ao neoconstitucionalismo14; isto se

justifica pelas sequelas culturais e do conhecimento causadas pelos períodos de totalitarismo

político impostos pelos regimes de exceções vivenciados por muitos anos no século XX e a

impossibilidade de gestação de uma nova geração pensante no Direito Nacional.

12 Op. cit.13 Sine qua non14 STRECKE, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. 2ª edição, 2ª tiragem - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. P.1

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No alvorecer deste noviço período democrático de cerca de vinte e cinco anos,

contado a partir das eleições parlamentares para a Assembleia Nacional Constituinte que

promulgou a Constituição de 1988, caracterizado pelo Estado Democrático de Direito, depara-

se com um atraso de aproximadamente cinquenta anos de desenvolvimento global da

Economia, do Direito Internacional Público e Privado que sustentam as relações dos tratados

internacionais e desenvolvem as novas concepções fulcrais na Ciência do Direito15. Na lavra

de Barroso (2006) em “O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas”: “A visão

do horizonte, todavia, não deve ocultar a extensão e a aridez do caminho a percorrer: apesar

de tudo, somos ainda um país em busca de seu destino, marcado pela reprodução secular da

desigualdade e do autoritarismo, ideologicamente perverso e institucionalmente imaturo.” (p.

XI).

Apesar de amplamente estudado e divulgado na literatura jurídica, faz-se interessante a

apresentação de resumido esquema didático para melhor compreensão dos paradigmas que se

opõem às novas interpretações no Direito brasileiro.

Insurgindo-se contra a tradição jurídica e a legislação penal de seu tempo (século XVIII), Beccaria asseverou, quanto à interpretação da lei: "O juiz deve fazer um silogismo perfeito. A maior deve ser a lei geral; a menor, a ação conforme ou não à lei; a consequência, a liberdade ou a pena. Se o juiz for obrigado a elaborar um raciocínio a mais, ou se o fizer por sua conta, tudo se torna incerto e obscuro". [01] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Torrieri Guimarães. São Paulo: Hemus.

No mesmo norte, ponderou Montesquieu, ao defender o ideário liberal-positivista, fundado no pensamento de limitação estatal e divisão de poderes e na prevalência da legislação, oriunda da atividade legislativa: "o juiz é a boca que pronuncia as palavras da lei".

Voltaire também se manifestou no mesmo sentido, afirmando que "o Juiz deve ser o primeiro escravo da lei".

Esse método interpretativo, correspondente ao que Kelsen denominou teoria tradicional da interpretação, na qual a função jurisdicional possui caráter declarativo, na verdade buscou nos seus primórdios combater o absolutismo, se apresentando como "reação contra a magistratura exercida de forma parcial e abstrata pela nobreza do antigo regime". [02] SANTOS NETO, Arnaldo Bastos. A teoria da interpretação em Hans Kelsen. Revista de direito constitucional e internacional, São Paulo, n. 66, p. 37/88, jan./mar. 2009, p. 43.

Naquela quadra histórica, o legislador criava a norma, e o juiz a aplicava ao caso concreto, numa perfeita subsunção fato/norma.16

15 Comprenção do autor16 Andrade, Renato Faloni de; Ramos, Adriana Monteiro; Silva, Andréa Maria Pontes; Silva, Nivalda de Lima. A interpretação do Direito em Eros Grau. Repensando o paradigma. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=14826

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Constata-se haver um contexto não apenas filosófico, mas também, histórico-político

ambientando o conceito positivista em intentar uma interpretação pura do Direito baseado nas

normas jurídicas, pelo qual o juiz deveria ser o mais submisso possível ao texto normativo.

Não obstante esta pequena citação histórica, destaca-se a ciclópica evolução do

conhecimento humano e fatos globais, associados a critérios hermenêuticos que propiciaram

importantes questionamentos na história da humanidade recente. Em face disto, os problemas

da Teoria Pura do Direito, que já não eram poucos, agravaram-se de forma peremptória,

iniciando pelo descrédito do Positivismo como um sistema filosófico inquestionavelmente

válido, associado, por exemplo, ao autoritarismo característico do nazismo. No caso

brasileiro, cabe lembrar que Getulio Dornelles Vargas, o mais influente político do país ao

longo do século XX, criador do regime do Estado Novo (1937-1945) era um advogado

positivista do estado do Rio Grande do Sul. No círculo de abrangência que fundamenta a

hermenêutica positivista brasileira é atribuída, conceitualmente, a norma jurídica válida à

essência da própria Ciência do Direito, a qual só tem legitimidade para tal se derivada da

vontade do povo, por seus legítimos representantes, livremente eleitos pelo voto direto17. O

método utilizado é o exegético literal, não havendo interesse em saber o que o legislador

poderia ter querido dizer, mas sim, o que ele escreveu.

Não se pode omitir que o Positivismo Jurídico brasileiro teve importância vital na

qualidade de garantidor, do mínimo de respeito possível, ao Direito durante o período de

exceção decorrente do golpe militar de 1964, sendo que também foi um precioso opositor

político ao golpe, como se pode observar no depoimento e na valorosa carta escrita e lida pelo

professor de Direito, Dr. Goffredo Telles Junior, na Universidade de São Paulo. Seu

testemunho do evento, escrito trinta anos após, é o seguinte:

Estávamos em 1977. Vivíamos o 13º ano de chumbo da ditadura militar.Havia em mim um sonho. Um sonho? O que em mim fervilhava era muito

mais do que um sonho. Era um almejo ardente, um anhelo dominante. Era uma idéia arrebatadora. Era um projeto: o projeto de uma proclamação desassombrada incontido desabafo de minha alma, reflexo da alma flagelada de meu País. Era uma conjectura: a conjectura de um manifesto revolucionário — brado carismático por liberdade e pelo Estado de Direito.

Das Arcadas do Largo de São Francisco, do Território Livre da Academia de Direito de São Paulo, eu queria dirigir a todos os brasileiros minha Mensagem de Aniversário uma alocução veemente, que fosse uma Proclamação de Princípios de nossas convicções políticas.

Nós estávamos convictos de que a fonte genuína da ordem pública não era a Força, mas o Poder. Para nossa consciência jurídica, o Poder emana do povo; era

17 Telles Júnior, Goffredo. Carta aos Brasileiros. http://www.goffredotellesjr.adv.br/site/pagina.php?id_pg=30#um.acessado em 01/05/2011

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produto da manifestação popular. A Força era outra cousa. Era a imposição das armas. A Força não deveria nunca ser mais do que instrumento a serviço do Poder. Nós denunciávamos como ilegítimo todo Governo fundado na Força. Legítimo somente o era, o Governo que fosse Órgão do Poder.

Para nós, ilegítimo era o Governo cheio de Força e vazio de Poder.Reconhecíamos que o Chefe do Governo era o mais alto funcionário nos

quadros administrativos da Nação. Mas negávamos que ele fosse o mais alto Poder de um País. Acima dele, reinava o Poder de uma Idéia: reinava o Poder das convicções que inspiravam as linhas mestras da Política nacional. Reinava o senso grave da Ordem, que se achava definido na Constituição.

Proclamávamos a soberania da Constituição. Afirmávamos que a fonte legítima da Constituição era o Povo. Sustentávamos, também, que só o Povo, por meio de seus Representantes no Congresso Nacional, tinha competência para emendar a Constituição.

Para nós, o exercício do Poder Constituinte por autoridade que não fosse o Povo, configurava usurpação de poder político.

[...] Eu afirmaria que o binômio Segurança e Desenvolvimento não têm o condão de transformar uma Ditadura numa Democracia, um Estado de Fato num Estado de Direito.

Eu declararia falsa a vulgar afirmação de que o Estado de Direito e a Democracia são a sobremesa do desenvolvimento econômico. Eu lembraria que desenvolvimentos econômicos se fazem, às vezes, nas mais hediondas ditaduras.

Eu proclamaria que nenhum País deve esperar por seu desenvolvimento econômico, para depois implantar o Estado de Direito. Advertiria que os Sistemas, nos Estados de Fato, ficam permanentemente à espera de um maior desenvolvimento econômico, para nunca implantar o Estado de Direito.

Nós queríamos, sim, segurança e desenvolvimento. Mas queríamos segu-rança e desenvolvimento dentro do Estado de Direito.18

A antevéspera da “Carta aos Brasileiros”: Aqui, Goffredo fala sobre a morte por

tortura do Jornalista Wladimir Herzog, que gerou enorme comoção entre os juristas, mas,

também, atingindo o corpo discente da Universidade. Completara-se o clima de emoção e

repúdio ao regime totalitário do golpe militar.

Mataram Wladimir Herzog nos porões do Doi-Codi.Vlado era Diretor de Jornalismo da TV Cultura. Era amigo de todo mundo.

Foi morto sob tortura, em Outubro de 1975.De seu suplício, ouvi circunstanciado relato, feito pelo jornalista Rodolfo

Osvaldo Konder, no escritório do advogado José Carlos Dias. Esse depoimento, tomado por termo, foi testemunhado por mim, pelos juristas Prudente de Moraes Neto, Maria Luíza Flores da Cunha Bierrenbach, José Roberto Leal de Carvalho e Arnaldo Malheiros Filho, e pelo padre Olivo Caetano Zolin. Rodolfo Konder estivera também preso naqueles mesmos antros do Departamento de Operações Internas (DOI). Fôra acareado com seu colega. Depois, escutara os gritos e gemidos do amigo, em sessões bárbaras de tortura.

A morte de Wladimir Herzog causou comoção enorme. Os estudantes da Academia deixaram as salas de aula, aglomeraram-se ruidosamente no Pátio. O Centro Acadêmico XI de Agosto improvisou um comício no Largo, e seus estupendos oradores vituperaram os horrores do regime. Os bispos, na Conferência de Itaici, denunciaram as mortes praticadas sob tortura, e lançaram um brado de protesto. A Ordem dos Advogados do Brasil manifestou sua revolta contra a tortura e o assassinato nas prisões, e pôs-se à disposição de Clarice, mulher de Herzog, para os pleitos que ela quisesse intentar em juízo, contra os responsáveis pela morte de seu marido. Todos os órgãos da imprensa, escrita e falada, e todas as entidades

18 Op. cit.

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20

representativas da mídia clamaram contra o assassínio de Vlado e contra as atrocidades praticadas pelo aparelho repressivo do II Exército.

A Missa do 7° Dia foi celebrada na Catedral da Praça da Sé. Oficiou-a o Cardeal Arcebispo Dom Evaristo Arns, que foi assistido por dois Rabinos e um Pastor protestante. Grande multidão acorreu à cerimônia, superlotou o templo, comprimiu-se nas escadarias, tomou os espaços contíguos. A Missa foi sucedida com emocionante comício de protesto contra a Ditadura, e com o "Caminhando" de Geraldo Vandré, entoado pelo povo, diante da Catedral.

O implacável delegado Erasmo Dias quis, em vão, bloquear as vias de acesso à Praça, e mais uma vez deu motivo para ser odiado.19

“Carta aos Brasileiros”: Por fim, o texto da carta escrita e lida por Goffredo Telles

Junior e assinada por quase uma centena de destacados juristas brasileiros.

Das Arcadas do Largo de São Francisco, do “Território Livre” da Academia de Direito de São Paulo, dirigimos, a todos os brasileiros esta Mensagem de Aniversário, que é a Proclamação de Princípios de nossas convicções políticas.

Na qualidade de herdeiros do patrimônio recebido de nossos maiores, ao ensejo do Sesquicentenário dos Cursos Jurídicos no Brasil, queremos dar o testemunho, para as gerações futuras, de que os ideais do Estado de Direito, apesar da conjuntura da hora presente, vivem e atuam, hoje como ontem, no espírito vigilante da nacionalidade.

Queremos dizer, sobretudo aos moços, que nós aqui estamos e aqui permanecemos, decididos, como sempre, a lutar pelos Direitos Humanos, contra a opressão de todas as ditaduras.

Nossa fidelidade de hoje aos princípios basilares da Democracia é a mesma que sempre existiu à sombra das Arcadas: fidelidade indefectível e operante, que escreveu as Páginas da Liberdade, na História do Brasil.

Estamos certos de que esta Carta exprime o pensamento comum de nossa imensa e poderosa Família – da Família formada, durante um século e meio, na Academia do Largo de São Francisco, na Faculdade de Direito de Olinda e Recife, e nas outras grandes Faculdades de Direito do Brasil – Família indestrutível, espalhada por todos os rincões da Pátria, e da qual já saíram, na vigência de Constituições democráticas, dezessete Presidentes da República.

[...] Toda lei é legal, obviamente. Mas nem toda lei é legítima. Sustentamos que só é legítima a lei provinda de fonte legítima.

Das leis, a fonte legítima primária é a comunidade a que as leis dizem respeito; é o Povo ao qual elas interessam comunidade e Povo em cujo seio as idéias das leis germinam, como produtos naturais das exigências da vida.

Os dados sociais, as contingências históricas da coletividade, as contradições entre o dever teórico e o comportamento efetivo, a média das aspirações e das repulsas populares, os anseios dominantes do Povo, tudo isto, em conjunto, é que constitui o manancial de onde brotam normas espontâneas de convivência, originais intentos de ordenação, às vezes usos e costumes, que irão inspirar a obra do legislador.

Das forças mesológicas, dos fatores reais, imperantes na comunidade, é que emerge a alma dos mandamentos que o legislador, na forja parlamentar, modela em termos de leis legítimas.

A fonte legítima secundária das leis é o próprio legislador, ou o conjunto dos legisladores de que se compõem os órgãos legislativos do Estado. Mas o legislador e os órgãos legislativos somente são fontes legítimas das leis enquanto forem representantes autorizados da comunidade, vozes oficiais do Povo, que é a fonte primária das leis.

19 Op. cit.

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21

O único outorgante de poderes legislativos é o Povo. Somente o Povo tem competência para escolher seus representantes. Somente os Representantes do Povo são legisladores legítimos.

A escolha legítima dos legisladores só se pode fazer pelos processos fixados pelo Povo em sua Lei Magna, por ele também elaborada, e que é a Constituição.

Consideramos ilegítimas as leis não nascidas do seio da coletividade, não confeccionadas em conformidade com os processos prefixados pelos Representantes do Povo, mas baixadas de cima, como carga descida na ponta de um cabo.

Afirmamos, portanto, que há uma ordem jurídica legítima e uma ordem jurídica ilegítima. A ordem imposta, vinda de cima para baixo, é ordem ilegítima. Ela é ilegítima porque, antes de mais nada, ilegítima é a sua origem. Somente é legítima a ordem que nasce, que tem raízes, que brota da própria vida, no seio do Povo. [...].20

Desta forma, o Positivismo Jurídico brasileiro cria profundas raízes na cultura do

Direito no país e indissolúveis ligações histórica e política com o Estado democrático de

Direito até os dias atuais. Em recente artigo, Ives Gandra Martins (2008) afirmou sua

frustração em relação ao governo de Luis Inácio Lula da Silva, evidenciando as raízes

neopositivistas que impregnam o Direito brasileiro quanto à concepção do Estado

democrático de Direito e, complementarmente, o posicionamento político ideológico que

subsidia o Direito pátrio:

As promessas da Constituição de 1988 não se realizaram. A expectativa de um Estado Democrático de Direito ficou paralisada, pois somos menos um Estado de Direito que Democrático. A solidariedade tornou-se ideologia e expressão do ódio dissimulado. A independência dos Poderes vem sendo atropelada pela fúria do Executivo Federal. Os resultados não têm correspondido às intenções, possivelmente em razão de algumas delas serem inconfessáveis e criptografadas. A Constituição Cidadã tornou-se uma ante-sala da República Bolivariana do Brasil, tragicômica versão da Revolução Comunista Bolivariana.21

Não obstante toda a evolução do conhecimento humano, tais como o melhor saber dos

processos hermenêuticos jungidos à Filosofia do Direito, o paradigma do Positivismo evolui

de maneira multiplicadora, em vários outros paradigmas, formando as escolas neopositivistas,

onde se assentam importantes construções da teoria do Direito, como, por exemplo, o

neoconstitucionalismo aderido pelo Supremo tribunal Federal, STF, como já referido na

citação do dr. Eros Grau22.

20 Op. cit.21 Martins, Ives Gandra. O Definhamento do Estado de Direito. Diário do Comércio, 29/04/2008. http://www.gandramartins.adv.br/art_detalhes.asp?id=7422 O Que é Filosofia do Direito. Editora Manole: São Paulo, 2004.

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O Brasil vive, ainda, sob o conceito kantiano ou neokantiano da Ciência do Direito e

grava tal posição no Texto Magno de suas leis, precisamente nas cláusulas pétreas, onde

professa o Sistema Jurídico da Civil Law, impondo uma contradição insolúvel à visão

principiológica do Direito hodierno, privilegiando apenas a magistratura, que reinterpreta as

normas textuais à visão das jurisprudências existentes e da interpretação do texto

constitucional em decisão monocrática ou colegiada23, em clara semelhança e influência do

Sistema Jurídico da Common Law, utilizado no Reino Unido e nos Estados Unidos da

América.

Complementa o cenário desfavorável ao neopositivismo a verificação de casos

generalizados de improbidade no Poder Legislativo do Brasil, bem como o desvio de sua

natureza jurídica essencial. O Congresso Nacional tornou-se, há alguns anos, um poder

dissonante do espírito republicano, uma casa repleta de políticos de pouco preparo,

comandados pelos mais argutos políticos do país, cujos interesses estão muito longe das

funções legislativas24.

Mesmo com o Poder Legislativo desviado de sua natureza, o neopositivismo ainda

evoca em sua legitimidade o inciso segundo do artigo quinto da Constituição Brasileira, que

diz: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Conclui-se que a Ciência do Direito no Brasil permanece seguindo a linha kantiana da

Crítica da Razão Pura, estruturada por Hans Kelsen em sua Ciência Pura do Direito,

perseguindo a evolução do curso da história do conhecimento humano, definida, nos dias

atuais como neopositivismo, incorporando a concepção dos valores principiológicos e

hermeneuticamente, seguindo o neoconstitucionalismo de Peter Häberle, muito embora, de

acordo com Lenio Streck essa tentativa de fusão principiológica e hermenêutica não seja

pacífica: o pós-positivismo deve ser entendido no interior do paradigma do Estado

Democrático de Direito instituído pelo constitucionalismo compromissório e transformador

social surgido no segundo pós-guerra, denominado de neoconstitucionalismo.25 Tem-se ainda

como paradigma a Civil Law, exigindo-se a produção legislativa, porém, seu valor passou a

ser de mera norma textual, sendo prerrogativa da magistratura a criação da norma jurídica

23 Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5º, inciso II.24 Interpretação livre do autor a partir de: Toffoli, José Antônio Dias. Segurança jurídica: "Se o juiz cuida do futuro, torna o passado instável". http://www.conjur.com.br/2011-fev-20/entrevista-dias-toffoli-ministro-supremo-tribunal-federal em 21/02/2011. 25 STRECKE, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. 2ª edição, 2ª tiragem - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. P.1

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23

pela via jurisprudencial, produto de uma sinergia, racionalmente inexplicável, entre os

Sistemas Jurídicos Civil Law e Common Law.

CAPÍTULO III

A ERA DOS NOVOS VALORES

Para que serve o acúmulo ilimitado do ganho de capitais? Qual a real função do direito

hereditário da propriedade? O que leva os seres humanos a se dividirem em grupos

econômicos separados por um abismo intransponível? Por que o mundo é dividido em países

detentores e produtores de tecnologias e patentes, enquanto outros permanecem como

produtores de matérias primas in natura?

Nos discursos escatológicos registrados no Evangelho de Mateus26, precisamente no

capítulo vinte e cinco, versículos trinta e um e seguintes, encontra-se a narrativa atribuída a

Jesus, cujos destaques in verbis são os seguintes:

“[...] e pondo as ovelhas à direita e os cabritos à esquerda. Então dirá o rei aos que estiverem à sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai, recebei por herança o Reino preparado para vós desde a fundação do mundo. Pois tive fome e me deste de comer. Tive sede e me deste de beber. Era forasteiro e me recolhestes. Estive nu e me vestistes, doente e me visitastes, preso e vieste ver-me’. [...] Ao que lhes responderá o rei: ‘Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizeste’”27.

26 Bíblia de Jerusalém. Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. Tradução das introduções e notas de La Sainte Bible, ed. 1973, publicada sob a direção da “École Biblique de Jérusalem”. São Paulo: Paulinas, 1981. P. 131627 Grifos do autor

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Obviamente que não se pretende responder aos questionamentos neste modesto

trabalho de bacharelado, mas não se podem omitir as grandes questões das sociedades atuais,

pois refletem os valores que estão se liquefazendo, segundo Zygmunt Bauman em seu livro

“A Sociedade Líquida”, conforme registrado no pequeno trecho em entrevista a Maria Lúcia

Garcia Pallares-Burke, em 2003iii.

Uma das características do que eu chamo de "modernidade sólida" é a de que as maiores ameaças para a existência humana eram muito mais óbvias. Os perigos eram reais, palpáveis e não havia muito mistério sobre o que fazer para neutralizá-los ou, ao menos, aliviá-los. Era, por exemplo, óbvio que alimento -e só alimento- era o remédio para a fome.

Os riscos de hoje são de outra ordem, não se podendo sentir ou tocar em muitos deles, apesar de estarmos todos expostos, em algum grau, a suas consequências. Não podemos, por exemplo, cheirar, ouvir, ver ou tocar as condições climáticas que gradativamente, mas sem trégua, estão se deteriorando.

O mesmo acontece com os níveis de radiação e poluição, a diminuição das matérias-primas e fontes de energia não-renováveis e os processos de globalização sem controle político ou ético que solapam as bases de nossa existência e sobrecarregam a vida dos indivíduos com um grau de incerteza e ansiedade sem precedentes. É nesse ponto que a sociologia tem um papel importante a desempenhar.

Diferentemente dos perigos antigos, os riscos que envolvem a condição humana no mundo das dependências globais podem não só deixar de ser notados, mas também minimizados, mesmo quando notados. Do mesmo modo, as ações necessárias para exterminar ou limitar os riscos podem ser desviadas das verdadeiras fontes do perigo e canalizadas para alvos errados. Quando a complexidade da situação é descartada, fica fácil apontar para aquilo que está mais à mão como sendo causa das incertezas e ansiedades modernas.

Veja, por exemplo, o caso das manifestações contra imigrantes que ocorrem pela Europa. Vistos como "o inimigo" próximo, eles são apontados como os culpados pelas frustrações da sociedade, como aqueles que põem obstáculo aos projetos de vida dos demais cidadãos. A noção de "solicitante de asilo" adquire, nesse quadro, uma conotação negativa, ao mesmo tempo em que as leis que regem a imigração e naturalização se tornam mais restritivas, e a promessa de construção de "centros de detenção" para estrangeiros confere vantagens eleitorais a plataformas políticas28.

A partir de fins do século XX, diversos autores analisaram rigorosamente a situação de

indefinições conceituais pela qual passa a sociedade atual. Por exemplo, Bauman (2003)

prossegue criticando a ética de mercado neoliberal de forma categórica:

28 Entrevista de Zygmunt Bauman a Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke. Folha de S. Paulo, São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2003

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O ser racional impregnado pelas influências dos mercados, é incapaz de exercer a

razão sem uma cumplicidade ideológica, gerando um tipo de racionalização, assim definida

por Bauman (2003)

Os interesses comerciais não se conciliam facilmente com um sentimento da responsabilidade relativo ao bem-estar daqueles que se poderão descobrir lesados pela maximização dos resultados visado pelo mundo dos negócios. Na linguagem do meio, a «racionalização» significa as mais das vezes o despedimento de pessoas que até esse momento ganhavam a vida ao serviço dos interesses dos racionalizadores. Essas pessoas passam agora a ser «supranumerárias» por se terem descoberto maneiras mais eficazes de fazer as tarefas que elas faziam, ao mesmo tempo que os seus serviços passados pouco são levados em conta: cada transacção comercial, se quiser ser perfeitamente racional, terá de começar do zero, esquecendo os méritos passados e as dívidas de gratidão. A racionalidade do mundo dos negócios furta-se à responsabilidade das consequências que ela própria produz, o que representa um novo golpe mortal na importância das considerações morais.30

Este período registra o predomínio de um modo de pensar ligado ao final do século

XIX, antes da consolidação dos direitos sociais nas sociedades industrializadas, quando

vigoravam o Liberalismo Econômico, associado ao Liberalismo Político. O Neoliberalismo31

não mudou, essencialmente, as bases sobre que se assenta o Liberalismo desde seu surgimento

no século XVIII e suas teses centrais são: a) o menos de Estado e de política possível – a

despolitização total dos mercados e a liberdade absoluta de circulação dos indivíduos e dos

capitais privados; b) a defesa intransigente do individualismo; c) a igualdade social é apenas

igualação de oportunidades ou condições iniciais igualizadas para todos.

Contudo, por haver, desde o final da Grande Depressão dos anos 30 do século XX, um

Estado regulador do capitalismo moderno, o Neoliberalismo defende a intervenção de

políticas públicas nas áreas de interesse coletivo e que não sejam rentáveis para o capital

privado, onde se manifestem extraordinária situação de carência social, a exemplo do

investimento em infra-estrutura.32

29 Zygmunt Bauman (1995). A Vida Fragmentada, Ensaios sobre a Moral Pós-Moderna. Relógio de Água, 2007. Pág. 266-267. http://trabalhosedias.blogspot.com/2010/07/etica-do-neoliberalismo.html em 18/02/11.30 Op. cit.31 Ideário de retorno ao pensamento liberal, que havia sido dominante até a Grande Depressão dos anos 30 do século XX, o Neoliberalismo resulta do esforço de economistas conservadores, principalmente austríacos, como Friedrich von Hayek, em combater a intervenção estatal na economia e na sociedade, então em voga, proveniente das análises do economista inglês John Maynard Keynes, de que derivou o Estado do Bem Estar Social. Os neoliberais consideram que o Keynesianismo foi um desvio aberrante dos princípios liberais, que não deveria ter acontecido.32 FIORI, José Luiz. Neoliberalismo e Políticas Públicas. Conferência proferida na abertura do seminário sobre “Controle Social e Políticas Sociais: tendências e perspectivas”, realizado em Recife, PE, em novembro de 1995.

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26

Liberalismo e democracia mostraram não serem mais totalmente compatíveis, uma vez

que a democracia foi levada às extremas consequências da democracia de massa, partidos de

massa, cujo produto é o Estado assistencial33.

O impacto de uma grande contradição entre o liberalismo econômico e a preservação

das democracias, só têm se acentuado com o processo de globalização em curso34.

Os instrumentos de políticas econômicas contemporâneas consistem primeiramente no

controle dos capitais de investimento, tecnologias produtivas e acessos aos mercados. Com

isso tem-se percebido uma re-hierarquização política no mundo, que vem consolidando uma

nova geopolítica que vem se organizando em torno de três grandes espaços econômicos35.

A respeito do que fala Fiori, Ivan du Roy, escritor e ativista ambiental, publicou em

sítios diversos no dia 26.09.2011 o artigo com a seguinte chamada: 737 donos do mundo

controlam 80% do valor das empresas mundiais. Um estudo publicado na Suíça revela que

um pequeno grupo de sociedades financeiras ou grupos industriais domina a grande maioria

do capital de dezenas de milhares de empresas no mundo36. Pesquisada a notícia encontramos

o citado trabalho: The network of global corporate control:Stefania Vitali, James B.

Glattfelder, and Stefano Battiston - Chair of Systems Design, ETH Zurich37.

Da lavra de Leonardo Vizeu (data), pode-se avançar um pouco mais sobre os novos

valores econômicos e jurídicos:

Durante o processo de derrocada do modelo estatal absolutista, que culminou com o nascimento do Estado democrático de direito, ordem econômica e social era matéria que ficava alheia à intervenção do Poder Público.

O Estado, até então, posicionava-se de forma absenteísta, garantindo, tão-somente, a defesa externa, a segurança interna e o cumprimento dos acordos contratuais celebrados. Isto porque, no campo econômico, pregavam-se as idéias do liberalismo, consubstanciadas na teoria da mão invisível de Adam Smith, na qual a persecução dos interesses individuais resultaria no atendimento às necessidades coletivas, não havendo necessidade de intervenção do Poder Público.

Todavia, a teoria da mão invisível somente conduzia o mercado à realização de resultados socialmente desejáveis em ambientes concorrencialmente perfeitos, isto é, nos mercados onde todos os agentes econômicos estivessem em perfeita igualdade de competição. Assim, diante das desigualdades entre os competidores de mercado, houve uma seleção adversa entre estes, fruto tanto da

33 Op. cit.34 Op. cit.35 Op. cit.36 http://www.revistaforum.com.br/conteudo/detalhe_noticia.php?codNoticia=9503/737-donos-do-mundo-controlam-80%-do-valor-das-empresas-mundiais acessado em 5/10/2011; http://www.bastamag.net/article1719.html acessado em 13/10/201137 http://arxiv.org/PS_cache/arxiv/pdf/1107/1107.5728v2.pdf acessado em 13/10/2011

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diferença natural de poderio econômico quanto de práticas anticoncorrenciais, engendradas com o fim de eliminar os demais agentes competidores.

Tais práticas tiveram efeitos funestos para a economia das nações, uma vez que proporcionou a criação de diversos trustes, cartéis e monopólios, que perpetraram diversos abusos econômicos, e também para sua ordem social, tendo em vista que acirrou a concentração de renda nas mãos da parcela mais abastada, gerando uma gama inaceitável de párias socialmente marginalizados, excluídos do processo de geração de riquezas38.

Segue Vizeu (2006) tecendo considerações sobre a positivação no plano constitucional

de normas de ordem econômicas e sociais.

[...] mister se fez ao Estado rever seu posicionamento em face de sua ordem econômica e social, saindo de uma postura de inércia, a fim de adotar um posicionamento mais ativo de intervenção, e, assim, garantir equilíbrio e harmonia econômicos, para que o mercado, diante da interferência do Poder Público, atingisse metas socialmente desejáveis para o desenvolvimento da nação.

Desse modo, positivou-se, no plano constitucional, ordem econômica e social como normas materialmente constitucionais, legitimando, no plano infraconstitucional, leis de intervenção pública na economia e de garantia de direitos no campo social39.

Falar sobre novos valores não significa defini-los, mas registrar que os valores

conhecidos e aceitos pela humanidade até então, estão sendo questionados em face das muitas

crises econômicas que assolam o mundo, desvendando os reais paradigmas de valores que

sustentam os diversos grupamentos sociais hodiernos. Se a internacionalização dos capitais

dinamizou o Direito Internacional, Público e Privado, em meio à crise internacional do

neoliberalismo econômico se exigirá muito mais, uma vez que, em princípio, as demandas de

conflitos tendem a aumentar, bem como, dentro de uma lógica defensiva em meio à

concorrência predatória, a formação de blocos econômicos regionais e acordos bilaterais.

Com efeito, em todo o mundo, questionam-se aspectos diversos das práticas

neoliberais, que usaram o Estado para a redução ou extinção de direitos da cidadania, em prol

de um discurso privilegiador da estabilidade monetária e nada mais. É exemplar o texto que

aqui se reproduz, no Box 1, da BBC, intitulado: “Há vinte anos, a queda do Comunismo no

Leste Europeu parecia provar o triunfo do capitalismo. Mas teria sido uma ilusão?”40.

38 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Direito econômico. São Paulo: MP Ed., 2006. P. 9 - 1039 Op. cit.40 'Temos que abandonar o mito do crescimento econômico infinito', diz economista. Atualizado em 4 de outubro, 2011 - 06:58 (Brasília) 09:58 GMT. http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/10/111003_capitalismo_tim_jackson_rw.shtml acessado em 5/10/2011

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Box 1

'Temos que abandonar o mito do crescimento econômico infinito', diz economistaOs constantes choques no sistema financeiro internacional nos últimos anos

levaram a BBC a perguntar a uma série de especialistas se eles acham que o capitalismo fracassou.Neste texto, Tim Jackson, professor da Universidade de Surrey e autor do

livro Prosperity without Growth - Economics for a Finite Planet (Prosperidade sem Crescimento: Economia para um Planeta Finito, defende o abandono do mito do crescimento infinito:

Toda sociedade se aferra a um mito e vive por ele. O nosso mito é o do crescimento econômico.

Nas últimas cinco décadas, a busca pelo crescimento tem sido o mais importante dos objetivos políticos no mundo.

A economia global tem hoje cinco vezes o tamanho de meio século atrás. Se continuar crescendo ao mesmo ritmo, terá 80 vezes esse tamanho no ano 2100.

Esse extraordinário salto da atividade econômica global não tem precedentes na história. E é algo que não pode mais estar em desacordo com a base de recursos finitos e o frágil equilíbrio ecológico do qual dependemos para sua sobrevivência.

Na maior parte do tempo, evitamos a realidade absoluta desses números. O crescimento deve continuar, insistimos.

As razões para essa cegueira coletiva são fáceis de encontrar."Os dias de gastar dinheiro que não temos em coisas das quais não

precisamos para impressionar as pessoas com as quais não nos importamos chegaram ao fim"O capitalismo ocidental se baseia de forma estrutural no crescimento para

sua estabilidade. Quando a expansão falha, como ocorreu recentemente, os políticos entram em pânico.As empresas lutam para sobreviver. As pessoas perdem seus empregos e

em certos casos suas casas.A espiral da recessão é uma ameaça. Questionar o crescimento é visto

como um ato de lunáticos, idealistas e revolucionários.Ainda assim, precisamos questioná-lo. O mito do crescimento fracassou.

Fracassou para as 2 bilhões de pessoas que vivem com menos de US$ 2 por dia.Fracassou para os frágeis sistemas ecológicos dos quais dependemos para

nossa sobrevivência.Crise e oportunidadeMas a crise econômica nos apresenta uma oportunidade única para investir

em mudanças. Para varrer as crenças de curto prazo que atormentaram a sociedade por décadas.Para um compromisso, por exemplo, para uma reforma radical dos

mercados de capitais disfuncionais.A especulação sem controle em commodities e em derivativos financeiros

trouxeram o mundo financeiro à beira do colapso há apenas três anos. Ela precisa ser substituída por um sentido financeiro mais longo e lento.

Consertar a economia é apenas parte da batalha. Também precisamos enfrentar a intrincada lógica do consumismo.

Os dias de gastar dinheiro que não temos em coisas das quais não precisamos para impressionar as pessoas com as quais não nos importamos chegaram ao fim.

Viver bem está ligado à nutrição, a moradias decentes, ao acesso a serviços de boa qualidade, a comunidades estáveis, a empregos satisfatórios.

A prosperidade, em qualquer sentido da palavra, transcende as preocupações materiais.

Ela reside em nosso amor por nossas famílias, ao apoio de nossos amigos e à força de nossas comunidades, à nossa capacidade de participar totalmente na vida da sociedade, em uma sensação de sentido e razão para nossas vidas.41.

41http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/10/111003_capitalismo_tim_jackson_rw.shtml acessado em 5/10/2011

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É a busca de novos valores necessários para permitir uma hermenêutica jurídica

universalista que levou a Ciência do Direito a evoluir do princípio positivista normativo para

o pós-Positivismo principiológico constitucionalista. Relevante é frisar a influência que a

Economia exerce sobre o Direito e aquiescer-se ao fato de que as ciências podem e devem ser

interpretadas principiologicamente. Significa dizer que não é possível existir uma ciência

desassociada do princípio da racionalidade ou da metafísica e, como princípios fundantes

destes dois mundos dialeticamente opostos, encontram-se a Economia e a transcendência. A

validade de qualquer ciência se dará por sua metodologia e por sua vinculação principiológica

a Economia ou a metafísica. Não há de se discordar de quem, a contrário sensu, pense estar o

autor equivocado, contudo, nesta linha de raciocínio, não se há de conceber qualquer tipo de

ciência pura, com especial objetivação às Ciências Sociais.42

Ainda na lavra de Leonardo Vizeu, destacam-se singelas definições sobre o alguns

conceito acerca da definição de Direito:

Nem todas as relações sociais são objeto de estudo pelo direito, mas tão-somente as relações jurídicas lato sensu, isto é, as relações decorrentes de um vínculo jurídico, oriundo de uma das fontes obrigacionais do próprio direito (a saber, lei, contratos, usos e costumes, promessas unilaterais de vontade, etc.).

O direito, partindo-se de um conceito objetivo, derivado de nossa herança romano-germânica, é o conjunto de normas coercitivamente impostas pelo Estado com o fim de promover a pacificação e a harmonização da sociedade. Por sua vez, no plano subjetivo, o direito é a faculdade que o indivíduo tem de invocar a seu favor o amparo legal para defender seu patrimônio jurídico, quando violado ou ameaçado por outrem. Na lição romana é o facultas agendi. O titular do direito subjetivo exerce-o, via de regra, sobre o patrimônio jurídico de outrem, isto é, o exercício deste direito implica em dever e obrigação para com terceiro.

Segundo Rudolph Von Jhering, jurisfilósofo alemão, adotando-se um conceito de caráter subjetivo, o direito pode ser visto como um complexo de condições existenciais da sociedade, asseguradas de forma imperativa pelo Poder Público, a fim de que os indivíduos possam exercê-las quando se fizer necessário43.

Em Lizt Vieira (2011), encontra-se uma análise sintética, porém esclarecedora sobre a

teoria social e a modernidade enumerando os vários fatos que desafiaram e permanecem

desafiando as sociedades diante do deletério cenário em que o mundo se encontra.

Modernidade é um tema recorrente no pensamento sociológico contemporâneo. A compreensão dos fenômenos, estruturas e processos históricos, sociais, políticos, culturais e econômicos que levaram à configuração de nosso mundo de hoje constituiu - e ainda constitui - um desafio ao pensamento crítico da teoria social.

42 Proposta de pesquisa do autor para mestrado e doutorado43 Op. cit.- Figueiredo, Leonardo Vizeu. P.12

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Com efeito, a partir do século XVI, as grandes navegações, o mercantilismo, o Renascimento, o antropocentrismo, a manufatura, a revolução científica, as revoluções burguesas, o individualismo, o surgimento do Estado nacional e de novas classes sociais, a revolução industrial, o iluminismo, representaram marcos de uma profunda mudança que abalou os alicerces das sociedades pré-modernas e consolidou o capitalismo, sempre às voltas com suas crises cíclicas. No século XX, duas guerras mundiais, a guerra fria, o predomínio do capital financeiro, a expansão do mercado mundial, o desmoronamento do socialismo estatal, a crise ecológica, o avanço da democracia política com aumento da pobreza, o enfraquecimento do Estado nacional e de seus atributos básicos (soberania, autonomia, territorialidade, cidadania etc.) pelo processo de globalização, a compressão do espaço-tempo, o fortalecimento da sociedade civil em plano global, a informática, as telecomunicações, os meios de comunicação de massa, o consumismo, o apartheid social, entre outros fatores, levaram a uma nova configuração de forças num mundo "pós-moderno", "pós-nacional", ou de modernidade "alta", "tardia" ou "incompleta". Grandes pensadores debruçaram-se sobre o tema da modernidade, desde Marx - tudo que é sólido desmancha no ar - e Weber - a modernidade desencantou o mundo - passando pela Escola de Frankfurt (Adorno, Benjamin, Horkheimer) - que, em pleno nazismo e stalinismo, tentava, ancorada em Weber, conciliar Freud e Marx. Seu atual herdeiro - Habermas - sustenta que a modernidade é um processo ainda incompleto, o que não lhe impede de afirmar que o trabalho perdeu a centralidade no mundo de hoje, que não é mais explicável pelo paradigma da produção. Grande impacto tiveram as teorias da estruturação, reflexividade e alta modernidade (Anthony Giddens), da sociedade de risco (Ulrich Beck), do capitalismo desorganizado (Claus Offe, Lash & Urry), da acumulação flexível pós-fordista (David Harvey e outros) etc. Destaque importante alcançaram ainda aqueles que esposaram a teoria da pós-modernidade, como J. F. Lyotard, para quem a fragmentação e a heterogeneidade das sociedades contemporâneas impedem sua explicação por metanarrativas abrangentes e unificadoras, herdeiras do racionalismo iluminista, e também F. Jameson, que vê o pós-moderno como expressão cultural do capitalismo tardio44.

Lizt Vieira destaca que o Brasil se beneficiou de toda a produção teórica sobre as

ciências sociais, contudo, somente em tempos mais recentes é que iniciou uma produção

crítica própria, sobre a qual faz os seguintes destaques:

[...] Se a categoria reconhecimento foi criticada por não dar conta da problemática socioeconômica da redistribuição, a categoria cidadania, segundo o autor, engloba as duas dimensões: reconhecimento e redistribuição. Celi Pinto aborda os impactos para a democracia provocados pela presença dos direitos multiculturais. O reconhecimento da diferença étnica e de gênero, e a inclusão das minorias culturais, colocam desafios à democracia contemporânea. Indaga se o multiculturalismo poderá contribuir para a redução das desigualdades sociais e a superação do Estado liberal ancorado na concepção individual de direitos. Analisa a construção da "coalizão arco-íris" (Iris Young), a solução dos "públicos múltiplos" (Nancy Fraser) e a perspectiva de uma "política da presença" (Anne Phillips). Propõe políticas sociais para combater a desigualdade e a falta de reconhecimento dos grupos excluídos.

Jessé Souza analisa as fontes de desigualdade e injustiça nas sociedades contemporâneas com base, principalmente, nas teorias do reconhecimento de Charles Taylor e Axel Honneth, que seriam mais complexas e sofisticadas do que as pesquisas de Inglehart sobre a emergência dos valores "pós-materiais" na segunda

44 Artigos Acadêmicos: Resenha do livro "Teoria Social e Modernidade no Brasil". Por Liszt Vieira. http://lisztvieira.com.br/artigos-academicos-detalhe.php?id=17 acessado em 10/09/2011

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metade do século XX. Discute o argumento de Taylor, Honneth e Fraser segundo o qual o reconhecimento é a categoria central da política moderna. A luta por reconhecimento seria a forma paradigmática do conflito político, pois a dominação cultural estaria suplantando a exploração econômica como injustiça fundamental no mundo de hoje.

Valendo-se da visão de Fraser sobre reconhecimento e desigualdades sociais, propõe um diagnóstico teórico das desigualdades e injustiças predominantes nas sociedades contemporâneas. José Eisenberg recorre à filosofia da linguagem com a intenção de mostrar os equívocos linguísticos e pragmáticos na obra de Habermas, bem como os limites na sua concepção de justiça. Segundo o autor, a crítica habermasiana à concepção liberal de justiça (Rawls) não foi suficientemente articulada, pois Habermas também se afasta da visão republicana de espaço público para construir seu modelo discursivo. Ao fundamentar sua teoria da justiça na filosofia da linguagem, Habermas não resolve as tensões entre justiça e moralidade. Para definir uma teoria da justiça com pretensão de validade universal, é necessário recuperar a moralidade da justiça, em vez de escolher entre a moralidade da democracia (Habermas) e a moralidade do liberalismo (Rawls).

Por fim, Sérgio Costa e Denilson Werle abordam o debate entre liberais (Kymlicka) e comunitaristas (Taylor, Walzer), os primeiros entrincheirados na defesa do universalismo abstrato e individualista do Estado de direito, os segundos enfatizando as especificidades dos grupos sociais e suas diferentes reivindicações de direitos. Analisam a construção de direitos na esfera pública (Habermas) e a legitimidade das reivindicações por reconhecimento (Honneth) para mostrar que as identidades estão hoje abertas à sua própria reconstrução reflexiva. Discutem o reconhecimento como perspectiva epistemológica, aplicando-a ao multiculturalismo e às relações raciais no Brasil. Se a teoria da pós-modernidade - como já se disse - exigiu uma grande narrativa para demonstrar que não existem mais grandes narrativas, a teoria da modernidade continua exigindo adjetivos para sua caracterização. Modernidade alta, tardia, incompleta, de risco, são alguns dos principais termos utilizados para esclarecer um conceito ainda por demais abrangente e multifacetado [...]45.

Os tempos atuais requerem dos estudiosos e pensadores uma visão multidisciplinar em

face da complexidade existencial das sociedades e de seus valores postos sobre o paradigma

dos capitais desassociados de qualquer compromisso produtivo. Bauman (1995) assim

escreve:

O rolo compressor do «desenvolvimento» capitalista

As vítimas do «desenvolvimento» - o verdadeiro rolo compressor de Giddens, que esmaga tudo e todos os que encontre no seu caminho - «evitadas pelo sector avançado e cortadas dos antigos usos...são seres expatriados nos seus próprios países». Por toda a parte por onde o rolo compressor passa, o saber-fazer desaparece, para ser substituído pela escassez de competências; surge o mercado de trabalho mercadoria onde outrora os homens e mulheres viviam; a tradição torna-se um lastro pesado e um fardo dispendioso; as utilidades comuns transformam-se em recursos subaproveitados, a sabedoria em preconceito, os sábios em portadores de superstições.

45 Artigos Acadêmicos: Resenha do livro "Teoria Social e Modernidade no Brasil". Por Liszt Vieira. http://lisztvieira.com.br/artigos-academicos-detalhe.php?id=17 acessado em 10/09/2011

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E não é só que o rolo compressor não se mova apenas por sua própria iniciativa, mas com o apoio e reforço pelas turbas das suas futuras vítimas ávidas de serem esmagadas (ainda que, nalguns casos, o rolo aja por si só, sentimo-nos muitas vezes tentados a falar, mais do que de um rolo compressor, de um Moloch - essa divindade de pedra com uma pira acesa no ventre, em cujo interior as vítimas autodesignadas se precipitam com regozijo, entre cantos e danças); é, além disso, depois de começar a funcionar, empurrado pelas costas, sub-reptícia, mas incessantemente, por multidões incontáveis de especialistas, de engenheiros, de empresários, de negociantes de sementes, fertilizadores e pesticidas, ferramentas e motores, de cientistas dos institutos de investigação e também de políticos, tanto indígenas como cosmopolitas, que buscam, todos eles, o prestígio e a glória. É deste modo que o rolo compressor parece imparável, ao mesmo tempo que a impressão de ser impossível pará-lo o torna ainda mais insuportável. Parece não haver maneira possível de escapar a este «desenvolvimento», «naturalizado» sob a forma de qualquer coisa que se assemelha muito a uma «lei da natureza» pela parte moderna do globo, desesperadamente em busca de novos fornecimentos do sangue virgem do qual necessita para se manter vivo e em forma. Mas o que é que este «desenvolvimento» desenvolve?46

Novamente recorre-se ao noticiário da BBC para marcar com fatos que estão

acontecendo nestes dias, evitando-se que o trabalho, ora apresentado à douta banca, possa ser

entendido como uma abstração teórica. Assim, foi publicado: Neste texto, o secretário-geral

da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), Ángel

Gurría, diz não considerar que o capitalismo fracassou, mas afirma que houve falhas em

áreas como regulação, supervisão e gerenciamento,47 como reproduzido no Box 2:

Box 2

O capitalismo ocidental falhou? A minha resposta para a pergunta seria provavelmente NÃO. Mas também me questiono se é o capitalismo que deve estar no banco dos réus. Eu preferiria falar de mercados abertos.

Acredito que falhamos como reguladores, supervisores, gerentes da governança corporativa, como gerenciadores de riscos e também na distribuição de papeis e responsabilidades para organizações econômicas internacionais.

Nosso fracasso financeiro se espalhou imediatamente para a economia real. Saímos de uma crise financeira para a paralisia econômica e um choque de desemprego, com médias de 9, 10%. Entre os jovens em particular, as taxas sobem para 20, 30, 40%. Esta é a face humana e a realidade trágica desta crise.

Algumas organizações internacionais viram a crise chegando. Algumas até emitiram avisos, mas não foram coordenados, elas não falaram com uma única e forte voz. Assim, eles foram ignorados na atmosfera de grande prosperidade onde todos faziam muito dinheiro, acreditavam que inovação era o nome do jogo e, por alertar que algo podia estar indo errado, você parecia estar travando o avanço do progresso.

Havia ainda a filosofia de que os mercados precisavam funcionar com o mínimo possível de intervenção governamental. Mas isso não significa que ele podia trabalhar sem nenhuma intervenção ou esta ser tão leve que não poderia identificar riscos.

46 Zygmunt Bauman (1995), A Vida Fragmentada, Ensaios sobre a Moral Pós-Moderna, Relógio d’Água, pp. 41. Publicada por AMCD em Segunda-feira, Março 29, 2010. Etiquetas: Bauman, Citações, Filosofia, Sociologia. http://trabalhosedias.blogspot.com/search/label/Bauman em 18/02/1147 O capitalismo fracassou? Ángel Gurría - Secretário-geral da OCDE, especial para a BBC

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/10/111003_capitalismo_angel_gurria_rw.shtml acessado em 5/10/2011

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Então a crise deixou um legado calamitoso, de desemprego alto, déficits fiscais enormes que ainda lutamos para controlar, dívidas públicas acumuladas que já chegam a 100% do PIB em média nos países da OCDE. A propósito, esta dívida costumava ser parte da solução e agora é o problema. E ela segue crescendo, já que a redução econômica diminui os recursos fiscais e o desemprego em massa aumenta a necessidade de gastos sociais.

É muito importante emitir sinais claros de como vamos lidar com o problema das dívidas sem sacrifício do crescimento e o desemprego. É aqui que a OCDE diz: "cuide da estrutura". Esta é a nossa mensagem.

O foco primário no contexto de uma estratégia de longo prazo para restaurar o crescimento sustentável deve ser nas reformas dos produtos e dos mercados de trabalho, como educação, inovação, crescimento verde, competição, impostos, saúde.

Isto criará impostos e ajudará a combater a dívida. Precisamos também de "ênfase no social" e políticas inovadoras para proteger os mais vulneráveis.

Portanto, NÃO. Acredito que o capitalismo ocidental e os mercados não falharam. Acho que a questão é como melhorar a fiscalização e balancear nossas economias de mercado.

Wolfgang Schäuble, o ministro das Finanças alemão recentemente disse em um artigo que "há um amplo consenso que mercados mais robustos, resistentes contra crises precisam de regulamentações mais duras".

Concordo plenamente. Acho que as economias são importantes demais para serem deixadas apenas nas mãos das forças de mercado. É um processo árduo que demanda uma governança e instituições internacionais mais fortes, mas obviamente, é a única saída48.

Enganam-se os que pensam que se está diante da dialética entre a direita e a esquerda

(; ou pois) tal dialética seria minimamente erística. Vive-se a crise dos valores humanos, da

razão de ser, de liquefação de tudo o que tinha significado existencial. Perdeu-se o controle

sobre a vida e o inconsciente coletivo tornou-se um “vírus” devastador das capacidades de

reflexão dos seres humanos, impregnando os cérebros de um tipo especial de acrofobia aos

pensamentos mais elevados e destinando as sociedades à vassalagem dos interesses dos

capitais.

Ives Gandra (2006), o mais prestigioso jurista mackenzista da atualidade, enfatiza com

a precisão e a simplicidade dos grandes mestres a grave crise em que se vive nos dias atuais e

trata o Estado Brasileiro como uma entidade social ociosa e opressora.

Decidi não atualizar os textos, pois representam uma visão histórica do país e a detecção de realidades e conjunturas, que, infelizmente, tem-se repetido, entre nós.

O livro O Estado de Direito e o Direito do Estado é atemporal, por representar uma reflexão sobre as relações entre o Poder e o cidadão.

Os livros O Poder e a Nova Classe Ociosa exteriorizam uma visão pessoal do poder político, à luz da teoria de Veblen, de que a classe ociosa é aquela que vive do trabalho alheio. A nova classe ociosa no Brasil é composta por políticos e burocratas, que vivem à custa dos contribuintes49.

48 O capitalismo fracassou? Ángel Gurría - Secretário-geral da OCDE, especial para a BBC. Atualizado em 3 de outubro, 2011 - 06:24 (Brasília) 09:24 GMT. http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/10/111003_capitalismo_angel_gurria_rw.shtml acessado em 5/10/2011

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[...] Esta teoria do poder deve, todavia, ser estudada, começando-se pela revisão da tradicional oposição do que seja “Estado de Direito” e “Estado de Força”, na tentativa de demonstrar que, a clássica oposição gera clássicas doenças que os clássicos remédios nunca corrigiram. Até porque o problema real, tactável e, a nosso ver, definitivo, a ser solucionado na equação apresentada, é como permitir uma convivência racional, no plano interno e externo, de um Estado de Direito que respeite o Direito do Estado, sem que aquele represente um desguarnecimento ao poder e este um intolerável exercício do mesmo50.

Pode-se agregar que, por ocasião da XII Semana de Economia e XI Semana Jurídica,

realizadas conjuntamente no último mês de agosto, o professor Fernando Roberto de Freitas

Almeida (UFF) apresentou o tema: A Teoria da Classe Ociosa, de Thorstein Veblen, citada

por Ives Gandra, como posto anteriormente. Em pesquisa realizada após a referida palestra,

não foram poucas as fontes encontradas, em especial em línguas portuguesa e espanhola,

contudo, ninguém melhor que o próprio mestre para fornecer as fontes, já resumidas face à

apresentação feita em sua palestra.

Para Veblen existiam duas classes principais na sociedade:

CAPITALISTAS: ou “interesses investidos”, “proprietários ausentes”, “classe ociosa”, “capitães de indústria” (instinto predatório); e OPERÁRIOS: ou “engenheiros”, “trabalhadores”, “técnicos”, “homem comum” (instinto construtivo, ou paternal, o mais antigo)

Aproximações de Veblen: Darwin, Marx e Freud: Como Darwin: a sociedade é complexa e muda sempre. Com Marx, paralelismo impressionante: abordagem histórica, identificou um “comitê gestor” de capitalistas e se referiu à propensão a crises do sistema capitalista, que eram historicamente registradas, mas não se preocupou em formular uma teoria do valor. Com Freud: antes de Freud, interessou-se pelos paradoxos do comportamento humano. Freud analisou pelo comportamento individual e Veblen, pela teoria social.

Para Veblen: “a parte racional do homem é como a parte pequena e invisível de um iceberg, enquanto a parte irracional é como a se submersa do iceberg, isto é, muitas vezes maior” (Gambs, 1959)

Os “instintos” de Veblen são traços, ou potencialidades, que podem ser reprimidos ou estimulados, conforme se organiza a sociedade. Procurava compreender o significado das atividades e instituições econômicas, sem perder de vista o todo cultural em que elas se inserem e em que os agentes exercem sua racionalidade.

Oposições à escola neoclássica: Escola História Alemã e sua visão de Institucionalismo: Escola Histórica Alemã: indutiva, a Economia pode estabelecer leis, mas são de validade temporal e espacialmente limitadas. Institucionalismo Americano: mais um movimento intelectual do que uma escola.

Veblen se apoiou na Psicologia e na Sociologia, para criticar o conceito de Homo Economicus e considerava os pressupostos neoclássicos ultrapassados.

49 MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Estado de Direito e o Direito do Estado. São Paulo: Lex Editora, 2006. Introdução.50 Op Cit. - P. 10

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Identificou no indivíduo o parental bent (sentido da responsabilidade para com o grupo); o instinct of workmanship (gosto pelo trabalho bem feito e eficaz e a idle curiosity (procura do saber desinteressado).

Efeito Veblen: procura de um bem não por ser barato, mas justamente por ser caro, para a ostentação de poder.

OBJEÇÕES AO HOMO ECONOMICUS

Os indivíduos não são maximizadores que fazem cálculos hedonistas ininterruptos, nem são perspicazes e dotados de capacidade preditiva; O homem não tem postura passiva; O homem não é imutável diante do ambiente, ele tem passado e futuro, tem história pessoal e aprende com o tempo; Assim, não é adequada uma teoria da conduta humana que considere apenas características individuais.

O homem vebleniano está baseado em dois fundamentos básicos do conhecimento teórico: a razão suficiente e a causa eficiente.

Razão suficiente: o futuro determina os acontecimentos presentes, sendo preciso haver um agente inteligente. Os homens sempre procuram fazer algo.

Causa eficiente: é impessoal, objetiva e determinística. O comportamento habitual caracteriza-se por considerar os resultados das ações, através de hábitos e exigências convencionais.

► a conduta humana é motivada por fatores racionais e por fatores habituais, nada é instintivo;

► o sistema molda as preferências: “a invenção é mãe da necessidade”;

►não segue escala de preferências; é possuído por instintos contraditórios.

1899: A TEORIA DA CLASSE OCIOSA

Contribuição às Ciências Sociais: conceitos de ócio e consumo conspícuo

Ócio conspícuo: tempo gasto em atividades que não visam à produção; absenteísmo dos capitalistas-proprietários;

Consumo conspícuo: busca de bens caros para ostentação.

Provêm de instintos permanentes: o predatório e o de trabalho eficaz. As instituições são entendidas com hábitos de pensamento dominantes e as nossas são da sociedade industrial-pecuniária.

SOCIEDADE INDUSTRIAL – PECUNIÁRIA. Instituições industriais: para a eficiência da produção e o bem estar; Instituições pecuniárias: derivadas do instinto predatório; Max Weber, ao mesmo tempo, considerou que, quando as finanças dominassem o sistema capitalista, iriam destruí-lo.

À SEMELHANÇA DE VEBLEN: JOAN ROBINSON

“Quem quer que escreva um livro, por mais sombria que possa ser sua mensagem, é necessariamente, um otimista. Se os pessimistas realmente acreditassem no que estavam dizendo, não haveria porque dizê-lo.”

Os economistas da escola do laissez faire pretenderam abolir o problema moral, mostrando que a busca do interesse próprio pelo indivíduo redundava em benefício para todos. A tarefa da atual geração rebelada é reafirmar a autoridade da moralidade sobre a tecnologia, o trabalho dos cientistas sociais é ajudá-los a ver quão necessária e quão difícil vai ser esta tarefa.” (Liberdade e Necessidade, 1970)

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Há quem defenda a evolução da Ciência do Direito a partir de Kelsen, que sem dúvida,

foi o grande expoente de sua época e, influenciando os juristas brasileiros até os dias atuais,

contudo, não se podem negar as mudanças, amplamente demonstradas neste capítulo, que

exigem um repensar sobre o Direito e o seu papel como uma ciência social.

Assim, ao se analisar a Constituição do Brasil, verifica-se a posição de destaque dos

Princípios Fundamentais da República nos quatro primeiros artigos; porém, se indagar-se ao

Estado do interesse da implementação plena dos principais princípios ali postos e quem

arcaria com os custos de implementação, verificar-se-á que os artigos, de certo, foram

realocados em algures. O Direito tem-se vergado às necessidades da classe ociosa vebleniana,

incluindo o Estado, como muito bem colocou o Dr. Ives Grandra.

O Estado de Direito perdeu o respeito pelo Direito do Estado, assim como, o

neoliberalismo econômico perdeu o respeito pelos fundamentos doutrinários da economia e

pelo seu objetivo principal, qual seja, o desenvolvimento de uma sociedade desigual, sem

dúvida, mas produtiva em sua totalidade, desenvolvimentista, prioritariamente, nas ações que

focam o desenvolvimento social.

O Direito não evoluiu, apenas passou a se ocupar dos valores econômicos, no dizer de

Veblen: “Hábitos de vida de há muito tornados eficientes convertem-se em hábitos de

pensamento.” (1965a, p. 105). É o senso comum que a todos inebria. Poder-se-ia dizer que

não existe ciência fora do manto da sagrada economia de mercado.

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CAPÍTULO IV

PROLEGÔMENOS DA METAFÍSICA

Na lavra de Habermas, encontram-se interessantes reações sobre o retorno a formas

metafísicas de pensamento no ano de 1988.51

É notório que o ceticismo em relação a esse primado do ser sobre o pensamento e o peso próprio da reflexão sobre questões de método, engendram

51 Restam ao autor dúvidas quanto à inclusão nesta dissertação de tema tão controverso na história do conhecimento humano, em especial em função de já se haver concluído que a Ciência do Direito Brasileiro segue uma linha iniciada em Augusto Kant e fundada no neopositivismo. Contudo, a imperiosidade do momento gera razões que propiciem passar-se ao largo do assunto, ainda que, a abordagem seja um modesto ensaio superficial, orientador.

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motivos importantes que pesaram na passagem do pensamento ontológico ao mentalismo. A auto-referência do sujeito cognoscente abre o acesso para uma esfera interior de representações, curiosamente certa, que nos pertence inteiramente, a qual precede o mundo dos objetivos representados. A metafísica surgira como a ciência do geral imutável e necessário; a partir de agora ele só pode encontrar um equivalente numa teoria da consciência, a qual fornece as condições subjetivas necessárias para a objetividade de juízos gerais, sintéticos a priori. Assim é possível explicar a relação ambígua de Kant com a metafísica, bem como a mudança de significado que esse termo sofre através da crítica Kantiana à razão52.

Ainda, segundo Habermas, pode-se manter a expressão “metafísica” para todo o tipo

de elaboração de questões metafísicas que visam à totalidade do mundo do homem, citando as

concepções de Leibniz, Spinosa ou Schelling e incluindo a doutrina Kantiana dos dois reinos,

situadas na tradição dos grandes esboços sistemáticos, que têm início em Platão e

Aristóteles53. E conclui este pensamento: Aos olhos de Heidegger, o próprio Nietzsche ainda

tem de ser visto como um metafísico, por ser um pensador moderno, sujeito ao princípio da

subjetividade54.

Habermas afirma não ter dúvidas quanto às tarefas reconstrutivas da Filosofia,

elencando duas espécies de metafísica: A da natureza (conhecimento que determina objetos) e

a metafísica dos costumes ou arquitetônica da razão (Kant), com a separação das faculdades

do conhecimento objetivador, da intuição moral e do juízo estético, concluindo que: “Todas as

competências da espécie, de sujeitos capazes de falar e de agir, são acessíveis a uma

reconstrução racional, na qual se detecta aquele saber prático do qual lançamos mão

intuitivamente quando produzimos qualquer realização já comprovada”55.

“Mas alguma coisa ocorreu. Quebrou-se o encanto. O céu, morada de Deus e seus santos, ficou de repente vazio. Virgens não mais apareceram em grutas. Milagres se tornaram cada vez mais raros, e passaram a ocorrer sempre em lugares distantes com pessoas desconhecidas. A ciência e a tecnologia avançaram triunfalmente, construindo um mundo em que Deus não era necessário como hipótese de trabalho. Na verdade, uma das marcas do saber científico é o seu rigoroso ateísmo metodológico [...]”56.

Entende-se que os métodos científicos jamais decifrarão a metafísica em função do

racionalismo construtivista, mesmo detectando saberes intuitivamente ou a priori, é

52 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos, traduzido do original alemão por: Nachmetaphysisches Denken, Philosophische Aufsätze. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990. P. 2253 Op. cit.54 Op. cit. P.2355 Op. cit.56 ALVES, Rubem. O que é Religião. São Paulo: ARS Poética, 1996. P. 6

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indispensável a reconstrução, no dizer de Kant a construção de um juízo analítico, de alguma

realidade imanente que valide o juízo sintético.

Da mesma forma, a razão não pode perscrutar elementos que transcendam a natureza

em todos os aspectos da razão humana. Trata-se de objetos diferentes, de relações diversas

que falam de mundos diversos: enquanto a razão fica circunscrita ao mundo natural, ou

mundo dos homens, a metafísica reporta-se ao mundo de Deus.

Muito bem colocou Habermas quando, benevolentemente, escreveu que, para o

europeu, seria de menos complexidade o entendimento metafísico na tradição judaico cristã,

contudo, ao ampliar-se o espectro metafísico a outras formas de tradição religiosa se tornaria

impossível harmonizar a compreensão racional diante da variedade e divergentes formas de

conhecimentos a priori.

[...] O animal é o seu corpo. Sua programação biológica é completa, fechada, perfeita. Não há problemas não respondidos. E, por isso mesmo, ele não possui qualquer brecha para que alguma coisa nova seja inventada. [...] A aventura da liberdade não lhes é oferecida, mas não recebem, em contrapartida, a maldição da neurose e o terror da angústia.

Como são diferentes as coisas com o homem! Se o corpo do animal me permite prever que coisas produzirá [...] e as coisas por ele produzidas me permitem saber de que corpo partiram, não existe nada semelhante que se possa dizer dos homens. [...] Porque o homem, diferentemente do animal que é o seu corpo, tem o seu corpo. Não é o corpo que o faz. É ele que faz o seu corpo57.

Kant chamou de metafísica a ciência que estuda Deus, liberdade e imortalidade.

Existem outros nomes e outras conceituações, por exemplo, a Teologia, cujo especialista se

dedica a estudar os tais fenômenos, porém com grandes limitações geradas pelos dogmas

religiosos. Neste ponto, indaga-se: terá a ciência a mesma sorte? Enquanto as religiões

impedem a Teologia de qualquer contribuição para uma compreensão harmoniosa das

questões metafísicas, a metodologia científica também não procura aprisionar o conhecimento

adquirido pela razão, emoldurando o corpo?

A Teologia viveu sob a influência do racionalismo, especialmente o racionalismo

alemão. Com investimentos do Estado, inaugurou-se o período da hermenêutica crítica

literária e da crítica da forma. Muito se investiu em arqueologia e nas pesquisas linguísticas

com o propósito de criação de uma base de entendimento do texto canônico. Vale destacar

que os objetivos das pesquisas sempre foram focados na tradição judaico-cristã. Na

57 Op. cit. P. 10, 11.

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informação de Werner Georg Kümmel, em seu livro Einleitung in das neue testament (Quelle

& Meyer, Heidelberg, 1973 no parágrafo terceiro de sua introdução, é feito um pequeno

histórico a respeito da crítica textual, citando a obra Histoire Critique do NT, de Richard

Simon (1689–1693) como o início do caminho para uma introdução ao Novo Testamento

como disciplina científica. Kümmel cita inúmeros autores, dos quais desça-se: J. D.

Michaelis, com sua obra Einleitung in die göttlichen Schriften dês Neuen Bundes (1750); J.S.

Semler: Abbandlung Von freier Untersuchung des Canon (1771 – 1775); J. G. Eichhorn:

Einleitung in das NT (1804 – 1827), em cinco volumes constituem a primeira pesquisa

realmente livre de opiniões preconcebidas a respeito da origem dos escritos do cânon e do

texto do NT. Seguiram-se-lhes, mantendo o mesmo nível de seriedade crítica, as obras de

Wette, Schleiermacher, Gredner, Reuss, Hug e outros58.

Semelhante esforço se deu na análise crítica textual do Antigo Testamento, tendo

iniciado também na época do Iluminismo e do racionalismo. O objetivo de trilhar o caminho

filosófico contemporâneo à época, naturalmente foi de extrair da Bíblia a religião pura da

razão. Na lavra de Georg Fohrer, a intenção baseava-se em considerações de natureza

dogmática quanto no resultado da equação de doutrina eclesiástica com a teologia bíblica da

parte do supranaturalismo, contra o qual lutava o racionalismo filosófico.59 Registre-se, ainda,

a confirmação da preconização de J. P. Gabler em 1787 em conferência sobre: a diferença real

entre teologia bíblica e teologia dogmática e a correta determinação dessas duas disciplinas60.

Registra, ainda, Fohrer:

Pelos fins de 1880, formou-se a escola histórica da religião [...] provocou uma clara distinção entre a perspectiva da história e a do dogma submetendo a religião israelita, o judaísmo e o cristianismo a uma abordagem estritamente histórica, que fosse impulsionada não por razões teológicas, mas simplesmente no seu próprio interesse, tendo como meta uma síntese histórica61.

Julga-se necessário informar alguns dos resultados da aplicação de metodologia

puramente científica ao cânone da tradição judaico cristã, para melhor compreensão do leitor

laico. Destaca-se a reconstituição dos textos mais próximos dos originais que a ciência

conseguiu chegar, constatação de pluralidade religiosa em ambos os livros sagrados, a autoria

58 KÜMMWL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento; tradução de 17ª ed. Inteiramente refundida e aumentada da Introdução ao Novo Testamento por Paulo Feine e Johannes Behm por Isabel Fontes Leal Ferreira e João Paixão Neto. São Paulo: Paulus, 1982. P. 24-2559 FOHRER, Georg. História da Religião de Israel; tradução de Josué Xavier; revisão de João Bosco de Lavor Medeiros. São Paulo: Edições Paulinas, 1982. Pg. 9-1060 Op. cit. - Pg. 961 Op. cit. - Pg. 11

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dos livros sucumbiu à análise histórica com exceção das epístolas paulinas, constou-se vários

gêneros literários na grande maioria dos livros, indicando, em especial no chamado Velho

Testamento, que a tradição oral foi a fonte principal dos manuscritos e a forma escrita feita

por vários escritores de diversas influências, constou-se o uso de figuras mitológicas, figuras

de linguagem e a influência de religiões próximas. Como consequência da aplicação do

método crítico histórico e literário, há uma profunda quebra relacional com a teologia

dogmática.

Outrossim, através de arrostados e permanentes estudos na área teológica, verificou-se

que, apesar do apedeutismo histórico e literário constatado na juntada dos livros que

compõem o cânon, indubitável restou não existirem divergências principiológicas de natureza

teológica em nenhum dos livros. A Bíblia é uma harmoniosa coletânea de livros de natureza

teológica, com diversos estilos literários e autores desconhecidos.

É interessante notar que o período do Iluminismo assemelha-se a um prelúdio que

ambienta o racionalismo, onde uma eclosão de descobertas e saberes afloram como se o

pensamento humano, liberto das cadeias medievais e do domínio governativo e da tutela dos

dogmas da igreja papal, fosse provocado por um sistema de ignição produzindo simultânea e

encadeadamente uma ciclópica quantidade e diversidade de conteúdos filosóficos. Ocorre

como se fosse retirada a opressora rolha da mais sofisticada champanhe, liberando seus

magníficos odores intensos e provocativos.

Não se pode excluir do estudo da metafísica, ainda que de forma tão resumida, a obra

e o pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels, Soren Aabye Kierkegaard, Ludwig

Feuerbach, Georg Wilhenlm Friedrich Hegel, Friedrich Wilhelm Nietzsche e muitos outros

filósofos de renome e importância literária. Alguns dos citados autores hão de trazer suas

contribuições para este trabalho monográfico, contudo, pretende-se limitar a dissertação sobre

a metafísica aos limites de um capítulo, mesmo entendendo-se ser o tema central do

racionalismo, ou para negá-la, reafirmá-la ou harmonizá-la às novas concepções do

pensamento humano.

Antes de prosseguir-se no desenvolvimento analítico torna-se necessário e oportuno

estabelecer o conceito autoral sobre o significado da linguagem por referência a metafísica,

religião e teologia. A metafísica é a linguagem filosófica, portanto laica, que define a busca

racional ou ideal de Deus, liberdade e vida eterna. A religião é o resultado de um experimento

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sensório permissivo ao dogmatismo, que pode produzir conjecturas filosóficas, teológicas,

éticas e morais. Já a teologia se ocupa em conhecer os valores imanentes de Deus na vida dos

seres humanos e na natureza. É uma análise profundamente voltada para a compreensão

destes valores e de sua origem, razão pela qual a Teologia se ocupa em analisar a totalidade

das potencialidades humanas, tanto em relação ao saber e a razão, quanto em relação aos

sentimentos e emoções. A Teologia perpassa pela cultura, grupamento social, economia,

filosofia, literatura, artes e todas as áreas do conhecimento e da vida humana. A Teologia

compreendeu seus limites aos fenômenos transcendentes e não busca mais desvendar o que

não nos foi dado a capacidade de conhecer.

Rubem Alves, com sua tradicional verve literária, desenvolve uma crítica a concepção

de Marx sobre a religião e seu materialismo dialético, a qual se procurou trazer a termo em

sinopse.

[...] Mas o solo em (Marx) pisa desconhece o mundo sacral. [...] Ele é secularizado do princípio ao fim e somente conhece a ética do lucro e o entusiasmo do capital e da posse. [...] De fato, o materialismo que é uma exigência do próprio sistema que só conhece o poder dos fatores materiais. É a lógica do lucro e da riqueza que assim estabelece – e não as inclinações pessoais daquele que a analisa. [...] (para Marx) A religião não era culpada (pelas desgraças sociais de então) pela simples razão de que ela não fazia diferença alguma. [...] Ela não era causa de coisa alguma. Um sintoma apenas. [...] Os filósofos revolucionários, hegelianos de esquerda, não passavam de réplicas de D. Quixote. [...] Marx riu disto. Os hegelianos vêem o mundo de cabeça para baixo. [...] “Não é a consciência que determina a vida; é a vida que determina a consciência”. E ele afirmava: “Até mesmo as concepções nebulosas que existem nos cérebros dos homens são necessariamente sublimadas do seu processo de vida, que é material, empiricamente observável e determinado por premissas materiais. [...] Os homens são os produtores de suas concepções”. “É o homem que faz a religião; a religião não faz o homem”. [...] Quem é esse homem que produz a religião? Ele é um corpo, corpo que tem de comer, corpo que necessita de roupa e habitação, corpo que se reproduz, corpo que tem que transformar a natureza, trabalhar, para sobreviver. Mas o corpo não existe no ar. [...] Vemos homens indissoluvelmente amarrados aos mundos onde se dá sua luta pela sobrevivência, e exibindo em seus corpos as marcas da natureza e as marcas das ferramentas. [...] E Marx se pergunta sobre um outro tipo de trabalho que daria prazer e felicidade aos homens, trabalho companheiro das criações dos artistas e do prazer não utilitário do brinquedo e do jogo... Trabalho expressão da liberdade, atividade espiritual criadora, construção de um mundo em harmonia com a intenção... É claro que Marx nunca viu esse sonho utópico realizado em sociedade alguma. Foi ele que o construiu [...]. [...] Sua marca está nisto: o homem deseja algo. Seu desejo provoca a imaginação visualiza aquilo que é desejado [...]. A imaginação e o desejo informam ao corpo, que se põe a trabalhar, por amor ao objeto que deve ser criado. E quando o trabalho termina o criador contempla a sua obra, vê que é muito boa e descansa...”62.

Rubem Alves segue questionando os processos que envolvem o trabalhador dentro das

condições atuais: ele tem que alienar o seu desejo, pois trabalha para outro e pelo desejo do 62 ALVES, Rubem. O que é Religião. São Paulo: ARS Poética, 1996. Pg. 55-61

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outro, o objeto a ser produzido não é resultado de sua decisão. Na verdade, o trabalhador,

muitas vezes, participa de uma pequena parte do fazer o objeto, aperta um parafuso, dá uma

martelada. Por tudo isso, o trabalho não é uma atividade prazerosa, mas uma atividade que dá

sofrimento e cria um mundo independente da vontade de operários... e capitalistas, que são

igualmente alienados pela lei do lucro. Este é o mundo secular, utilitário, capitalista, regido

pela lógica do dinheiro, contra o qual os trabalhadores só possuem seus corpos que para

produzirem necessitam estar acoplados às máquinas. Igualmente acoplados estão os corpos

que habitam o mundo do lucro, não a máquinas, mas aos colarinhos brancos, aos restaurantes

que frequentam, às aventuras amorosas que têm, e às enfermidades cardiovasculares que os

afligem. Compreende-se que o que as pessoas têm normalmente nas suas cabeças não seja

conhecimento, não seja ciência, mas pura ideologia, fumaças, secreções, reflexos de um

mundo absurdo. Marx antevê o fim da religião. Ela só existe numa situação marcada pela

alienação. É equivocado pensar que o sagrado é somente aquilo que ostenta os nomes

religiosos tradicionais63.

“Parece que a crítica marxista da religião não termina com ela, mas simplesmente inaugura um outro capítulo. Porque, como Albert Camus corretamente observa, “Marx foi o único que compreendeu que a religião que não invoca a transcendência deveria ser chamada de política...”.”64.

Olhar a metafísica através da dogmática religiosa é um equívoco metodológico e tentar

provar as questões transcendentes é minimamente uma improbidade da razão. O Deus da

tradição dogmática religiosa morreu, as certezas eternas se desfizeram. Os homens pensaram

que podiam se apropriar da essência do Deus vivo e defini-lo como quem formula uma

equação matemática e assegurar, como numa ciência, a imutabilidade da fórmula. Pífia

pretensão dos criadores de deuses de acrófobos filósofos, que não sobem as montanhas, que

não sabem voar nem se deixam levar pelos ventos do outono, tampouco entendem a dureza do

frio dos invernos, não param sua produção para perceberem os odores, as cores, o encontro

entre a transcendência e a imanência da vida nas primaveras, encantadas, mágicas. Chegam

barulhentas de tanta vida, de tanta beleza e significados, preparando toda a vida do hemisfério

para o verão. Esqueceu-se que os corpos humanos não se modificam pelas estações do ano,

talvez por isso, as sociedades só consigam sentir a diferença de temperatura e umidade,

lamentar e resmungar de acordo com as preferências. Quem sequer tem a capacidade de se

harmonizar com a natureza terá a capacidade de decifrar os mais íntimos segredos da

63 Op. cit. - Pg. 61-6664 Op. cit. - Pg. 67

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transcendência? Pois ela estará sempre a desafiar a incapacidade humana, das sociedades

vazias de conhecimentos que deem sentido a existência. É a fonte primeva dos valores

fundantes da vida, das sociedades e de todas as ciências, mesmo que estas lhe negue a

existência. É da transcendência que emana todos os princípios valorosos que dão a vida à

orientação e a possibilidade de ser.

CAPÍTULO V

A ENIGMÁTICA CATEGORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO

Reservou-se para este capítulo o ajuntamento das ideias expostas nos capítulos

anteriores, mas esta tarefa prescinde de movimentos, muitas vezes de arrostada coragem. Esta

é a razão pela qual não será possível manter a formatação usada até o momento, sendo

contingente a subdivisão dos temas.

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No prólogo do Evangelho Segundo João65 destaca-se o seguinte texto in verbis: “No

princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. No princípio, ele

estava com Deus. Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito de tudo o que existe.

Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens e a luz brilha nas trevas, mas as trevas não

a apreenderam”.

5.1. A Desconstrução da Principiologia no Direito Brasileiro

Na busca de uma melhor definição para Princípio, encontrou-se frustrada tal

pretensão, uma vez que os conceitos foram desenvolvidos até Kant que, sucumbindo em sua

própria armadilha66, viu-se obrigado a considerar por princípio, "toda proposição geral,

mesmo extraída da experiência por indução, que possa servir de premissa maior num

silogismo", mas por outro lado introduzia a noção de "P. absoluto" ou "P. em si", vale dizer,

conhecimentos sintéticos originários e puramente racionais, que ele julgava insubsistentes67,

mas aos quais a razão recorreria no seu uso dialético (Cnt. R. Pura, Dialética, II, A).68

Na lavra de Abbagnano, tal conceito pode ser visto, atualmente, da seguinte forma: a

filosofia moderna e contemporânea a noção de Princípio tende a perder importância. Com

efeito, inclui a noção de um ponto de partida privilegiado, não de modo relativo (em relação

a certos objetivos), mas absoluto, em si. Um ponto de partida desse gênero hoje dificilmente

poderia ser admitido pelas ciências69.

Sendo assim, interessante é destacar o real e verdadeiro conceito de Princípio, ao

menos até Aristóteles.

Ponto de partida e fundamento de um processo qualquer. Os dois significados, "ponto de partida" e "fundamento" ou "causa", estão estreitamente ligados na noção desse termo, que foi introduzido em filosofia por Anaximandro (Simplício, Fís., 24, 13); a ele recorria Platão com frequência no sentido de causa do movimento (Fed.. 245 c) ou de fundamento da demonstração (Teet., 155 d); Aristóteles foi o primeiro a enumerar completamente seus significados.70

65 Bíblia de Jerusalém. Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. Tradução das introduções e notas de La Sainte Bible, ed. 1973, publicada sob a direção da “École Biblique de Jérusalem”. São Paulo: Paulinas, 1981. P. 138266 Kant e o Primado do Problema Crítico – Olavo de Carvalhohttp://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant.htm acessado em 10/10/201167 Grifo do autor68 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia; tradução e revisão da 1ª edição brasileira coordenada e revista por Bosi, Alfredo; revisão da tradução e tradução de novos textos Ivone Castilho Benedetti. 5ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2007. P.792-79369 Op. cit.70 Op. cit.

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Se Princípio para os derivativos do racionalismo são meros pontos de partida, indaga-

se: O que é a chamada principiologia jurídica brasileira? Podemos entender que a

principiologia neoconstitucionalista brasileira é um estratagema erístico? Uma hermenêutica

mégaraca, com o objetivo de retirar a construção do Direito das academias e dos seus

legítimos outros intérpretes? Ou será uma farsa satírica diante do total fracasso dos modelos

da razão pura, para manter o controle normativo?

5.2. A Hermenêutica do Absolutismo Positivista

Colocadas as questões sobre a principiologia, parte-se para a hermenêutica

neoconstitucionalista. Levado em consideração o modelo econômico neoliberal, que aceita

dialogar com os Estados fulcrado no mercado globalizado, imperioso é dialogar com todos os

Estados, dando aos mesmos, um espaço onde o diálogo dos interesses não seja confrontante

com o dia a dia dos cidadãos. Ora, são as Leis Ordinárias e Especiais que regulam o Direito

hodiernamente e, por força do chamado Princípio Hierárquico da Validade das Leis, sempre a

Lei maior submeterá a Lei menor; em outras palavras, a Constituição sempre prevalecerá

sobre qualquer outra Lei, contudo, ela não está presente nas demandas corriqueiras ao Poder

Judiciário e, quando presente, ensejam Recurso Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal –

STF, Tribunal este, comprometido com o racionalismo kantiano e o neoliberalismo

econômico, aquiescido pelo neoconstitucionalismo, ou seja, intérprete soberano totalitário e o

único capacitado a produzir a norma jurídica, através dos “Princípios Jurídicos

Constitucionais”.

Como exemplo do exposto acima, toma-se os julgados pelo Supremo Tribunal Federal

recentemente: Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132.

Notícias STF - Quinta-feira, 05 de maio de 2011 - Supremo reconhece união homoafetiva e seus efeitos.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem as Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo. As ações foram ajuizadas na Corte, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.

O julgamento começou na tarde de ontem (4), quando o relator das ações, ministro Ayres Britto, votou no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723, do Código Civil, que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

O ministro Ayres Britto argumentou que o artigo 3º, inciso IV, da CF veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém

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pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, observou o ministro, para concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do artigo 3º da CF.

Os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como as ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie acompanharam o entendimento do ministro Ayres Britto, pela procedência das ações e com efeito vinculante, no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723, do Código Civil, que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

Na sessão de quarta-feira, antes do relator, falaram os autores das duas ações – o procurador-geral da República e o governador do Estado do Rio de Janeiro, por meio de seu representante –, o advogado-geral da União e advogados de diversas entidades, admitidas como amici curiae (amigos da Corte)71.

Não se quer entrar no mérito dos Direitos garantidos aos homoafetivos, mesmo

porque, defende-se o direito para todos sem preconceitos ou exigências de qualquer tipo

de paradigma moral. Mas toda a argumentação do STF não passou de uma empulhação

jurídica de baixo nível acadêmico, retirando de algures o inciso IV do art. 3º da

Constituição Federal, que estabelece o seguinte: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais

da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II -

garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir

as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de

origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Ao ver do

parecer do relator, uma vez que a norma jurídica, transformada em simples norma

textual, reconheciam as relações familiares de homens e mulheres, sendo inimaginável ao

tempo das construções textuais, relações de família entre homoafetivos.

Indaga-se se o STF agiria com o mesmo critério diante de Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI) e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

(ADPF) contra o Estado e os mercados fundadas no inciso III do mesmo artigo constitucional.

71 Sítio do Supremo Tribunal Federal; http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%284277%2ENUME%2E+OU+4277%2EACMS%2E%29+%28%28%28AYRES+BRITTO%29%2ENORL%2E+OU+%28AYRES+BRITTO%29%2ENORV%2E+OU+%28AYRES+BRITTO%29%2ENORA%2E+OU+%28AYRES+BRITTO%29%2EACMS%2E%29+OU+%28%28CARLOS+BRITTO%29%2ENORL%2E+OU+%28CARLOS+BRITTO%29%2ENORV%2E+OU+%28CARLOS+BRITTO%29%2ENORA%2E+OU+%28CARLOS+BRITTO%29%2EACMS%2E%29%29%28%40JULG+%3E%3D+20110505%29%28%40JULG+%3C%3D+20110809%29%28PLENO%2ESESS%2E%29&base=baseAcordaos acessado em 14/10/2011.

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Naturalmente que se está diante de outros interesses que perpassam longe dos

homenageados noviços de direitos de família. Sejam quais forem os interesses reais,

importante, tão somente, destacar o cumprimento integral do ritual jurisprudencial em causa

de grande interesse da totalidade das mídias brasileiras. Impossível deixar de associar o fato

com as palavras registradas no Evangelho de João capítulo 19, versículo 30: “Está

consumado!”

5.3. A Desconstrução do Racionalismo Kantiano

Talvez seja indagável ou, mesmo, inimaginável a motivação que leva o autor a

abordar uma tarefa, aparentemente abantesma no meio acadêmico atual e, em especial, na

Área do Direito. Contudo, não é objetivo chegar à tamanha apologia da filosofia clássica

que possa desestruturar qualquer kantiano convicto. Não resta, ainda, a menor intenção de

colocar no mesmo cesto os racionalistas positivistas das classes produtivas com os

representantes das classes ociosas, estes, de duvidosa convicção ideológica. Basta devolver

ao racionalismo a dúvida de sua validade como ciência e filosofia para facilitar o enxergar

das manipulações positivistas que fazem do Direito uma propriedade privada, uma ciência

zabaneira que se presta a locupletação de pecúnia, de poder e de prestígio as classes

ociosas deste país.

Postos os devidos esclarecimentos, inicia-se o diálogo com o filósofo Olavo de

Carvalho que para um curso de filosofia produziu uma apostila intitulado: Tratado de

Metafísica Dogmática, Rio, Seminário de Filosofia (1996).

Se o primado da dúvida metódica é apenas o primado de um equívoco verbal, então fica sob suspeita, igualmente, o primado kantiano do problema crítico. Pois, se o conhecimento humano deve prestar reverência preliminar ante a consciência de seus limites, por que não deveria também submeter-se à exigência de uma justificação preliminar a pretensão de conhecer esses limites?

A motivação imediata que levou Kant a investigar os limites do conhecimento humano foi o estado de profunda irritação em que o deixaram os relatos de Emmanuel Swedenborg sobre visões do céu e do inferno. Os únicos trechos da obra kantiana onde sentimos que a habitual frieza analítica do autor cede lugar a um tom de sarcasmo e de polêmica apaixonada, são aqueles em que Kant procura rebaixar os depoimentos do místico sueco a alucinações de uma mentalidade doente. O escrito Sonhos de um visionário marca justamente a passagem da fase pré-crítica à maturidade do pensamento kantiano. É manifesto que a filosofia crítica tem menos o objetivo de dar um fundamento ao conhecimento científico do que simplesmente de explicitar os fundamentos dados por pressupostos, ao mesmo tempo que nega qualquer fundamento científico aos conhecimentos de ordem mística e metafísica, reduzindo portanto a religião a um conjunto de mandamentos morais sem qualquer respaldo cognitivo.

Mas o curioso é que o filósofo crítico, tão cioso de não se deixar enganar por pressupostos dogmáticos, dá por pressuposta não somente a validade da ciência física, como também a aptidão da razão para conhecer seus próprios limites. Para

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além do campo dos juízos a priori e da experiência sensível, estende-se apenas, segundo ele, o domínio do incognoscível: pensável, admite Kant, mas incognoscível. No entanto, como se poderia determinar os limites do cognoscível sem algo conhecer do suposto incognoscível cuja borda externa coincide precisamente com esses limites? Se a razão conhece os limites do sensível e, ao mesmo tempo, estatui os seus próprios limites, como poderia ela determinar, igualmente, os limites do terceiro campo, especificamente diferente, que é o da experiência racionalizada, ou ciência, se, conforme diz o próprio Kant, é só a imaginação que conecta o racional e o sensível? Para ser coerente, Kant deveria ter dito que não há limites para a ciência, exceto os da imaginação. Pois, na medida em que opere balizada pela razão e pela experiência sensível, a imaginação, na perspectiva kantiana, não nos dará somente pensamento, mas conhecimento, de pleno direito. E, se é assim, por que rejeitar dogmaticamente a possibilidade de, partindo do sensível, escalar imaginariamente os graus do supra-sensível? Nada, no kantismo, prova que isto seja impossível ou sequer difícil72.

Destaca Olavo de Carvalho (1996): os limites de uma determinada capacidade só

podem ser de duas ordens, ou seja, ou são intrínsecos ou extrínsecos, sendo que os limites

intrínsecos podem ser conhecidos por dedução a partir do seu conceito, ao que Kant

denominou de conhecimento a priori e analítico. Contudo, Kant não admitia que nenhuma

dedução, a priori, pudesse migrar imotivadamente para o domínio dos fatos, exigindo, para

tal, a validação do fundamento experimental. “Logo, os limites intrínsecos do conhecimento

humano, caso conhecidos, seriam puramente formais e não se aplicariam ao conhecimento

de nenhum objeto real e determinado. Seriam, por assim dizer, limites vazios, hipotéticos, que

na prática não limitariam nada”.73 De outra sorte, os limites extrínsecos não poderiam ser, em

nenhuma hipótese, necessários e incondicionais, mas acidentais e contingentes, pelo fato só

poderem ser determinados indutivamente, a partir dos vários conhecimentos efetivos

concernentes às várias espécies de objetos; e pelo fato mesmo de serem extrínsecos.74

Procurando determinar a priori os limites reais do conhecimento humano, o que é impossível segundo o próprio kantismo, ou provar por indução de fatos contingentes que esses limites são necessários e incondicionais, a proposta da filosofia crítica é, para dizer o mínimo, uma falácia em toda a linha.

O primeiro e o mais básico dos limites assinalados por Kant é que o campo da experiência está circunscrito pelas duas formas a priori da sensibilidade, o espaço e o tempo. Mas aquilo que está num lugar determinado está também, a fortiori, no infinito supra-espacial; e aquilo que ocorre num instante determinado acontece também, a fortiori, dentro da eternidade — duas necessidades a priori das mais óbvias que, por si, dariam por terra com os famosos limites que a filosofia crítica procurava estabelecer.75

72 Olavo de Carvalho. Kant e o Primado do Problema Crítico - Tratado de Metafísica Dogmática, Rio, Seminário de Filosofia, 1996 (apostila). http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant.htm acessado em 10/10/201173 Op. cit.74 Op. cit.75 Op. cit.

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Olavo de Carvalho possui uma imensa capacidade crítica analítica e, pacientemente,

produziu inúmeros trabalhos de desconstrução dogmática em várias áreas do conhecimento

humano. Abordou-se no capítulo Prolegômenos da Metafísica o campo de investigação da

Teologia e a necessidade do respeito pela transcendência como um conhecimento existente, a

priori, mas inexplorável racionalmente, porém, não reputado como inválido em nenhum

momento. Olavo de Carvalho trabalha no texto abaixo a defesa do pensamento de Sto.

Anselmo que, de forma resumida, o próprio Olavo transcreve: a existência de Deus é auto-

evidente por mera análise, de vez que o Ser infinito e necessário não poderia ser privado da

existência, sendo toda privação uma limitação, contraditória portanto com a infinitude, e a

possibilidade mesma de uma limitação sendo uma contingência, contraditória com a

necessidade.76

Mais que logicamente certo, o argumento ontológico é auto-evidente. Denomino auto-evidente o juízo que não pode ter uma contraditória unívoca, ou seja, cuja contraditória não é sequer formulável sem o vício redibitório da ambiguidade. Que eu saiba, esta característica dos juízos auto-evidentes não tinha sido ressaltada até agora. No caso, qual a contraditória do juízo "O ser necessário existe necessariamente"? É "O ser necessário inexiste necessariamente" ou "A existência do ser necessário não é necessária"? Impossível decidir. A contraditória do argumento de Sto. Anselmo é informulável. Rejeitar portanto esse argumento é abdicar do senso mesmo da unidade do discurso, é cair na linguagem dupla que terminará por nos levar aonde chegou Kant.

Porém a raiz de todas essas absurdidades está precisamente na fé dogmática que Kant, imitando Descartes, coloca no poder humano de duvidar. Pois como podemos, de fato, duvidar de nossa possibilidade de conhecer o absoluto? Se nada, radicalmente nada sabemos do absoluto, não podemos sequer formular nossa dúvida quanto à possibilidade de conhecê-lo. Daí a necessidade de ter um ponto de apoio no absoluto para formular a dúvida; mas como, ao mesmo tempo, Kant já tomou essa dúvida como um ponto de partida infalível e não pode abdicar dela de maneira alguma, só lhe resta procurar esse ponto de apoio nos limites mesmos do conhecimento, elevados assim a absolutos e incondicionados, por um giro lógico dos mais singulares. Assim, nada podemos saber do absoluto, exceto que ele está "para lá" dos limites do nosso conhecimento, limites estes que, não sendo determinados pelo absoluto (do qual nada sabemos) nem sendo realidades contingentes e revogáveis (de vez que são provados por mera análise, sendo por isto válidos a priori), passam eles mesmos a ser o próprio absoluto! Pois, se o pensamento nada pode deduzir a respeito do que está fora dele, como pode então conhecer os seus "limites", a não ser que estes sejam necessários a priori? Sendo necessários a priori, são incondicionais; mas são também totais, abarcando o conhecimento humano como um todo e não somente em algumas partes e aspectos: e o todo incondicional é evidentemente absoluto. Logo, a prova de que não podemos conhecer o absoluto sustenta-se no conhecimento que temos do absoluto, com o nome mudado para "limites do conhecimento". Se isto não fosse atentar iconoclasticamente contra um ídolo da modernidade, eu diria que o único comentário que merece essa tese da filosofia kantiana é que se trata de coisa pueril.

Do ponto de vista teológico, a entronização dos limites do conhecimento como o novo absoluto em lugar do velho Deus tem uma conseqüência das mais nítidas: o absoluto passa a ser definido como o não-humano, o humano como não-absoluto. Este abismo é, por sua vez, absoluto: Deus é tudo quanto está fora dos limites do humano, humano é tudo o que está fora e aquém do reino divino. Ou seja:

76 Op. cit.

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a exclusão do humano do reino divino torna-se ela mesma um absoluto. Que Kant pretenda em seguida resgatar à força de razão prática e fé pietista a ligação entre homem e Deus, após ter demonstrado que ela é absolutamente impossível, só mostra que ele não tinha muita consciência do que fazia. Pois, se a exclusão do homem do reino divino é uma necessidade absoluta, nem mesmo a graça de um Deus onipotente poderia revogá-la.

Na verdade, não pode haver limites necessários ao conhecimento humano, sendo a condição humana definida precisamente pela contingência e pela liberdade. Todos os limites ao conhecimento humano têm de ser contingentes, e é precisamente isto o que possibilita, de um lado, as diferenças de capacidade cognitiva entre indivíduos e, de outro, o progresso do conhecimento. A tentativa de fundamentar a priori os limites do conhecimento humano é autocontraditória e absurda na base, reduzindo-se portanto a filosofia crítica a uma pretensão insensata, ao "sonho de um visionário", que imagina poder puxar-se pelos cabelos para fora da água como o Barão de Münchausen e contemplar de dentro os seus próprios limites externos, como aquelas escadas de Escher cujo topo emenda com o primeiro degrau.77

O Direito brasileiro vive um período de confusão doutrinal e um esvaziamento

institucional nunca visto, mesmo nos tempos da ditadura militar. Por ocasião do

centenário da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, muitas foram as homenagens ao

grande teórico, verdadeiro pai do método positivista do Direito no mundo. Negar a grandeza

de Kelsen na história do Direito é impossível, seria o mesmo que negar a grandeza de Adam

Smith ou de Karl Marx. Contudo, no dizer dos festivos Ministros do Supremo Tribunal

Federal, encontra-se o sarcasmo erístico de quem lidera um exército de juristas bisonhos.

A autobiografia de Hans Kelsen, teórico que formatou a estrutura do controle de constitucionalidade concentrado hoje praticado não só no Brasil, mas em várias cortes constitucionais mundo afora, foi lançada na segunda-feira (15/8). O evento reuniu grandes personalidades do mundo jurídico brasileiro em uma suntuosa sala da Faculdade São Francisco. O ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Tofolli foi o responsável pela introdução da obra. Também estavam presentes o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, o desembargador Paulo Dimas, do Tribunal de Justiça de São Paulo, o advogado Pierpaolo Bottini, colunista da ConJur, os juízes Ricardo Nascimento e Ricardo Rezende, ex e atual presidentes da Ajufesp, o ministro aposentado do Superior Tribunal Militar Flávio Bierrenbach, presidente de honra da Associação de ex-alunos da São Francisco, e Antônio Magalhães Gomes Filho, diretor da Faculdade de Direito da USP.

A autobiografia foi lançada este ano em que se comemora o centenário da famosa teoria pura de Kelsen. Mais de 100 livros foram vendidos durante o evento. Para o vice-presidente da Ajufe na 3ª Região, Ricardo Nascimento, “o Direito brasileiro foi muito influenciado pela obra de Kelsen, e pouco se sabia do homem. Portanto, o livro veio num momento oportuno”.

Durante a sessão, um dos tradutores da autobiografia, Gabriel Nogueira Dias, comentou a morte de Kelsen em 1973 e o fato de seu patrimônio ter sido doado ao instituto que leva seu nome e já tem 40 anos de existência. Lembrou também da atuação do pensador na Carta das Nações Unidas e comentou que a autobiografia estava perdida nos Estados Unidos.

O presidente da Ajufesp, Ricardo Rezende, agradeceu a presença do professor e ex-ministro do Desenvolvimento Celso Lafer, e enalteceu que não havia

77 Olavo de Carvalho. Kant e o Primado do Problema Crítico - Tratado de Metafísica Dogmática, Rio, Seminário de Filosofia, 1996 (apostila). http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant.htm acessado em 10/10/2011

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lugar melhor para abrigar o evento, referindo-se à Faculdade São Francisco como “berço da cultura jurídica”.

Pergunta no ar

O ministro Ricardo Lewandowski contextualizou o papel de Kelsen no cenário jurídico brasileiro. Lembrou que, nos tempos da ditadura, houve um apego muito grande à obra do austríaco, interpretado como positivista. Comentou, ainda, que o país não possuía uma Constituição, e sim uma emenda. E que, durante esse tempo, o Código Civil tinha papel fundamental.

O ministro contou que nesse período surgiram juristas que entenderam que “era preciso abandonar o positivismo erroneamente relacionado à Kelsen” e como reação a esse neo-positivismo, houve uma liberalização da interpretação do Direito. Surgiu, então, o Direito alternativo, extremo oposto ao positivismo. Esse movimento culminou na Constituição da República, que segundo Lewandowski representou “a necessidade de promover mudanças”.

O ministro citou a tendência do STF à pró-atividade, haja visto que a corte brasileira começou a “desbordar das balizas do Direito posto”, sobretudo na decisão em relação à união homoafetiva. Lewandowski terminou seu discurso deixando uma pergunta no ar: "não seria o momento de uma releitura de Kelsen?"

De Kelsen a Renato Russo

O ministro Dias Tofolli, entusiasta da obra da qual foi responsável pelas páginas introdutórias, começou seu discurso lembrando, com afeto, seus tempos de São Francisco e de quando ainda era estudante. Tal lembrança acabou na leitura de um trecho “pitoresco” da autobiografia de Kelsen, justamente onde o austríaco se mostra um aluno de Direito entediado com as aulas e questionador da capacidade intelectual de seus professores. Para Tofolli, isso revela que Kelsen não era uma “figura hermética”, ao contrário do que a maioria pensa.

Tofolli comentou texto publicado pelo jornal Folha de S.Paulo sobre o pensador, que afirma que ler Kelsen é aprender sobre o Brasil. Para o ministro, o texto suscita a pergunta: qual o ditame que une o país? A resposta é a Constituição. Ele citou também o interesse do teórico por mitologia e a possibilidade da “Constituição ser a substituição do mito”.

O ministro fechou o discurso comentando que, em seus tempos de estudante, ouvia-se muito Legião Urbana nas arcadas da São Franscico, e uma das frases de Renato Russo, na visão do ministro, define bem o essência do filósofo. “Disciplina é liberdade”. Para Tofolli, por meio do método de Kelsen “podemos nos libertar das idiossincrasias, preconceitos e de nós mesmos”. 78

Disciplina é liberdade (música Há Tempos – Legião Urbana): Transcrevemos o

texto postado por Maurício Gieseler no sítio Blog Exame de Ordem.

Lembro-me que li uma vez uma matéria falando do Renato Russo, e nela havia um comentário dele sobre a impressão que aquela frase causou em algumas pessoas, que o criticaram exatamente por afirmar que disciplina era liberdade. O Renato Russo retrucou que era óbvio que ele se referia a autodisciplina, e não a uma ideia de uma disciplina em um país recém saído do período da ditadura militar.79

78 Lançamento de obra sobre Kelsen reúne personalidades - Por Camila Ribeiro de Mendonça. Revista Consultor Jurídico, 16 de agosto de 2011. http://www.conjur.com.br/2011-ago-16/lancamento-autobiografia-kelsen-reune-personalidades-direito acessado em 17/08/2011.79 Blog Exame de Ordem – Maurício Gieseler

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Pode-se agregar que o mesmo letrista e intérprete expressava anseios e dúvidas de

um país em transição e que suas preocupações merecem ser citadas e analisadas pela

posteridade, no âmbito dos estudos de Memória, Sociologia, Ciência Política e História

Cultural. Ele escreveu Que País é esse? A música foi uma resposta à frase dita por

Francelino Pereira, Presidente da Aliança Renovadora Nacional - Arena, o partido

situacionista do regime militar brasileiro, proferida em critica à descrença do povo quanto

ao retorno do Regime Democrático, em 1976.80

Nas favelas, no SenadoSujeira pra todo ladoNinguém respeita a ConstituiçãoMas todos acreditam no futuro da naçãoQue país é esse?No Amazonas, no Araguaia iá, iá,Na Baixada FluminenseMato Grosso, Minas Gerais e noNordeste tudo em pazNa morte o meu descanso, mas oSangue anda soltoManchando os papéis e documentos fiéisAo descanso do patrãoQue país é esse?Terceiro mundo, se foiPiada no exteriorMas o Brasil vai ficar ricoVamos faturar um milhãoQuando vendermos todas as almasDos nossos índios num leilãoQue país é esse?81

(foram suprimidas algumas frases repetidas do refrão)

A linguagem corrosiva do autor espelhava o ambiente do final dos anos 70,

quando um regime antigo estava a morrer, mas o novo ainda não tinha começado e

precisava ser preparado, cabendo grande responsabilidade aos juristas. Nada supera a

tentativa de mitificação da Constituição Federal. Não bastasse o ululante evento no

berçário da cultura jurídica, em uma semana novo evento é realizado, desta vez, no próprio

Supremo Tribunal Federal.

http://www.portalexamedeordem.com.br/blog/2011/04/disciplina-e-liberdade-2/ acessado em 15/10/201180 O Brasil em frases (publicadas em VEJA e na imprensa em geral) http://veja.abril.com.br/especiais/veja_40anos/p_092.html acessado em 15/10/2011.81 http://letras.terra.com.br/legiao-urbana/46973/ acessado em 16/10/2011.

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Organizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, juntamente com seu assessor Otavio Luiz Rodrigues Junior, a obra “Autobiografia de Hans Kelsen” foi lançada hoje na Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal, do STF, em Brasília. O livro, publicado pela Editora Forense, celebra o centenário da "Teoria Pura do Direito", de Kelsen, bastante conhecida no meio jurídico.

O presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, abriu o evento ressaltando a importância de Hans Kelsen, que “influiu profundamente na história e no pensamento jurídico ocidental” com a obra que criou a Teoria Pura do Direito.82

Para ter-se um dado estatístico, ainda que precário e muito reduzido, vale o

registro de parte do artigo: Constituição de 1988: longa, incompleta, boa e atual, por

Robson Pereira (2011).

A Constituição dos Estados Unidos recebeu 27 emendas em 224 anos de existência, a última delas em 1992, quando ficou decidido que aumento de salários para congressistas só valem para a legislatura seguinte. A do Brasil foi promulgada em 1988 e já recebeu 67 emendas constitucionais – uma a cada quatro meses, em média, sem contar as seis emendas constitucionais de revisão. A primeira alteração na Constituição Brasileira foi feita em 1992 e seguiu o exemplo dos EUA para os salários de deputados estaduais e vereadores. A mais recente, a de 67, foi publicada em dezembro do ano passado e prorrogou, por tempo indeterminado, o prazo de vigência do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.

Mas a comparação entre as constituições do Brasil e dos Estados Unidos param por aí. Ou, pelo menos, não podem ser consideradas sob o ponto do tamanho ou das alterações no texto, uma vez que o próprio conceito de mudança não é absoluto. Não são raros os constitucionalistas brasileiros que defendem a tese de que a grande maioria das emendas tem origem na não-regulamentação de inúmeros dispositivos previstos no texto original e pouca correlação com a essência em si.

Um levantamento do próprio Congresso Nacional mostra que entre os 366 pontos sujeitos a regulamentação exatos 127 permanecem tal como foram incluídos no texto original em 1988. Por analogia, alegam alguns juristas, a Constituição seria “melhor” se todos os seus dispositivos tivessem sido regulamentados, o que praticamente triplicaria o número de emendas constitucionais, em um raciocínio puramente aritmético.

O constitucionalista Alexandre de Medeiros alia-se com aqueles que entendem que a Constituição do Brasil, ainda que não perfeita, é boa, atual “e não deve nada para as de outros países”. É boa, segundo ele, por ter permitido e contribuído para o fortalecimento de instituições como o Congresso, o Judiciário e o Ministério Público, o que garante uma maior efetividade dos direitos fundamentais. E atual, não porque tenha sido esse o objetivo dos constituintes nos 20 meses de trabalho consumidos até se chegar ao texto final, mas pelo fato de ser “genérica”, o que possibilita discussões sobre temas modernos, como pesquisas com células-tronco embrionárias e aborto de feto anencéfalo, entre outros.83

Olavo de Carvalho escreveu um parágrafo que encerra este subtema com a exata

ideia que se desejava transmitir.

82Autobiografia do jurista Hans Kelsen é lançada no STF - Notícias STF - Quarta-feira, 24 de agosto de 2011. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=187248&tip=UN acessado em 25 de agosto de 2011 83 Constituição de 1988: longa, incompleta, boa e atual - Por Robson Pereirahttp://www.conjur.com.br/2011-abr-11/constituicao-federal-1988-longa-incompleta-porem-boa-atual acessado em 15/04/2011.

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Mais ingênua, portanto, do que a confiança dogmática do racionalismo clássico no poder cognoscitivo da razão, mais visionária que a pretensão dos místicos a um conhecimento experimental de Deus, é a confiança no poder humano de por em dúvida aqueles princípios que fundam a possibilidade mesma da dúvida. Mais ingênuo que qualquer dogmatismo é o princípio mesmo da filosofia crítica, que pretende estatuir dedutivamente limites contingentes e indutivamente limites necessários. Mais ingênuos do que nossos antepassados, que acreditavam na revelação e na razão, somos nós, que acreditamos em Descartes e em Kant, supondo que a negatividade do seu ponto de partida seja prova de modéstia metodológica, quando ela oculta, na verdade, a mais sobre-humana das pretensões: a pretensão de estabelecer limites absolutos ao conhecimento humano. Pretensão superior à do próprio Deus, que não cercou de grades o fruto proibido, mas o deixou ao alcance da curiosidade de Eva.84

5.4. A Matriz Econômica do Direito Brasileiro

"O Brasil, definitivamente, não é para principiantes" Foi uma célebre frase proferida

pelo compositor Tom Jobim, em 1990.85

Tal sentença é inspiradora e retrata a dura realidade brasileira Talvez seja um dos

poucos países com uma economia representativa no cenário mundial, em que não se possa

expressar com liberdade determinadas verdades, sob pena de se incorrer em gafe contra a

moral e os bons costumes, ou ainda, ofender mortalmente os intelectuais acadêmicos. Dizer

do Direito, por exemplo, ainda é algo relacionado aos melhores valores morais e os mais

elevados costumes sociais. O Direito de Família ainda é classificado de natureza não

econômica, como se fosse possível negar os fatos ocorridos diariamente nos corredores dos

Tribunais de Justiça do país. Ainda mais, o Direito, para ser direito precisa estar nas mais

altas nuvens do universo intelectual, inalcançável ao cidadão normal, ainda que como um

conhecimento a priori.

Historicamente, pode-se dividir a sociedade brasileira, grosso modo, em três

classes: os que não são partícipes das decisões de natureza jurídico-econômica, os que

pensam que são e os que efetivamente o são, tomando decisões em função dos interesses e

circunstâncias. A presença do Estado na economia sempre foi uma marca no modelo

brasileiro, talvez, por isso, Ives Gandra Martins tenha o Estado como pertencente à Classe

Ociosa na concepção vebleniana. Além do Estado poder-se-ia incluir os grandes grupos

financeiros e os investidores nacionais e estrangeiros. Não se buscou com detalhes o

84 Olavo de Carvalho. Kant e o Primado do Problema Crítico - Tratado de Metafísica Dogmática, Rio, Seminário de Filosofia, 1996 (apostila). http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant.htm acessado em 10/10/201185 http://veja.abril.com.br/especiais/veja_40anos/p_092.html acessado em 16/10/2011.

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percentual de representatividade dos investidores nacionais em relação à população

brasileira por julgar-se do senso comum o conhecimento desta representação.

Falar sobre economia no Brasil é falar da atuação do Status Economicus, em

alusão ao Homo economicus, criticado por Veblen. Ao Estado se alinharam e interagiram

todos os que fizeram fortuna pecuniária e patrimonial, interagindo como agente do próprio

poder público, ou como prestador de serviços, ou, ainda, como cooperador estratégico.

Quando a economia mundial neoliberal foi atingida mortalmente no ano de 2008, o chefe

de Estado e de governo afirmou que o impacto na economia nacional não passaria de uma

simples “marola”. Tal pensamento ganhou status de verdade em todo o país, malgrado o

desempenho econômico tivesse sido afetado.

A matriz econômica do Direito brasileiro está fundada no Estado (podendo-se

entender como política), no mercado financeiro nacional e nas grandes corporações

nacionais e estrangeiras. Neste contexto, o Direito é a ferramenta de regulação dos

interesses comuns, prestando-se a dar legalidade aos atos necessários para a manutenção

do sistema. E se todo o poder emana do povo, no regime democrático, então que se vicie o

povo e todo o processo eleitoral; para tal, nada melhor do que o princípio da

universalização e da obrigatoriedade do voto; sagrado direito assegurado em texto

constitucional.

Na mesma Constituição Federal e na Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966

encontramos a instituição do Código Tributário Nacional, onde são estabelecidos os

tributos utilizáveis pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Dos tributos

elencados pela Constituição, somente o imposto é um tributo desvinculado em sua

utilização, ou seja, sob os respectivos orçamentos, o agente ativo tem o direito ao uso da

discricionariedade, os demais tributos não, em especial as taxas e contribuições, havendo

no texto constitucional uma predefinição para sua instituição e utilização. Desta forma,

não cabe a discricionariedade para realocação dos recursos arrecadados, senão nas

previstas no momento de sua instituição.

Contudo, o programa Fantástico da Rede Globo veiculou matéria constando uma

entrevista com a Presidenta Dilma Roussef no dia 11/09/2011, a qual se reproduz aqui:

[...] Já que a presidente tinha acabado de falar em redução de impostos, em seguida, pergunto sobre o novo debate nos meios políticos: a possível volta da CPMF, o chamado imposto sobre o cheque. A presidente logo esclarece: Dilma: Eu sou contra a CPMF, hein.

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Patrícia: A senhora acha que a gente precisa de um imposto, de mais um imposto, para ter um atendimento de saúde melhor?Dilma: Sabe por que a população é contra a CPMF? Porque a CPMF foi feita para ser uma coisa e virou outra. Acho que a CPMF foi um engodo nesse sentido de usar o dinheiro da saúde e não para saúde.Patrícia: Está falando que foi desviado? Dilma: Foi, foi. O dinheiro não foi usado onde devia. Nós, na saúde pública do país, gastamos 2,5 vezes menos do que na saúde privada. Um país desse tamanho, o maior país da América Latina, com a maior economia da América Latina, gasta 42% menos na saúde do que a Argentina. Dilma: Para dar saúde de qualidade, nós vamos precisar de dinheiro, sim. Não tem jeito, tem de tirar de algum lugar. Agora, o Brasil precisará aumentar o seu gasto com saúde. Inexoravelmente.Patrícia: Isso seria quando?Dilma: O mais rápido possível.86

Na entrevista, tem-se uma confissão de desvio de finalidade da CPMF que, em

nenhum momento da sua história foi um tributo com denominação e natureza de imposto.

Cabem algumas perguntas. Onde está o Ministério Público? O que foi feito da OAB? Para

onde foram as entidades representantes de classes patronais e de trabalhadores? E o

interesse dos capitais privados, sim, uma vez que a contribuição era sobre todas as

movimentações em contas correntes bancárias. Milhões de reais saíram dos cofres das

empresas de capital privado e ninguém reclamou!

Sobre o olhar crítico de Nietzsche a respeito de um Estado democrático de direito e

muito bem intencionado, suas palavras assumem o gênero literário dos grandes Profetas

Bíblicos, que tanto exortaram ao povo que a confiança no Estado era enganosa, pois um

Estado só pode ser confiável, se independente dele, os cidadãos coercitivamente pela

instrumentalidade do Direito, cortar-lhe periodicamente suas garras e podar-lhe suas asas, pois

quem precisa de garras e asas é o cidadão que não é supérfluo.

Ainda em algumas partes há povos e rebanhos; mas entre nós, irmãos, entre nós há Estados.

Estados? Que é isso? Vamos! Abrir os ouvidos, porque vos vou falar da morte dos povos.

Estado chama-se o mais frio de todos os monstros. Mente também friamente, e eis que mentira rasteira sai da sua boca: ‘Eu, o Estado, sou o povo’.

É uma mentira![...] A vós quer ele dar tudo, se o adorardes. Assim compra o brilho da

vossa virtude e o altivo olhar dos vossos olhos.Convosco quer atrair os supérfluos! Sim; inventou com isso uma artimanha

infernal, um corcel de morte, ajaezado com o adorno brilhante das honras divinas.

86 Fantástico (Rede Globo) - Entrevista da Presidenta Dilma Rousseff a Patrícia Poeta, apresentado no dia 11/09/2011. http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1672642-15605,00.html acessado em 16/10/2011.

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Inventou para o grande número uma morte que se preza de ser vida, uma servidão à medida do desejo de todos os pregadores da morte.

O Estado é onde todos bebem veneno, os bons e os maus; onde todos se perdem a si mesmos, os bons e os maus; onde o lento suicídio de todos se chama ‘a vida’.

[...] Onde acaba o Estado começa o homem que não é supérfluo; começa o canto dos que são necessários, a melodia única e insubstituível.

Ali, onde acaba o Estado... olhai, meus irmãos! Não vedes o arco-íris e as pontes do Super-homem?

Assim falou Zaratustra.”87

5.5. A Principiologia dos Valores

“No princípio, ele estava com Deus. Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi

feito de tudo o que existe. Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens e a luz brilha nas

trevas, mas as trevas não a apreenderam”.88

No Evangelho de João encontramos o texto transcrito na introdução deste

capítulo e, parcialmente, transcrito nesta subdivisão, destaca, além de Deus, a palavra

verbo, cujo significado pode-se encontrar em qualquer dicionário. Utilizou-se o Aulete –

Dicionário Digital, que assim define: 1 Gram. Classe de palavra que expressa ação, estado

ou mudança de estado (p.ex.: pagar, ser, tornar); 2 Ling. Em determinadas línguas com

características flexionais e aglutinantes, palavra que pertence a um paradigma de formas

flexionadas que expressam, neste caso, tempo e modo; pessoa e número e tb. voz e aspecto.

O verbo fala do sujeito, de uma ação feita ou sofrida por este. No caso específico a

teologia entende que toda a criação foi realizada por uma ação da vontade transcendente

de Deus e esta vontade foi passada ao mundo e a tudo o que existe da forma como foi

criado. O equilíbrio do universo está impregnado por esta vontade criadora, embora não

possa ser vista, comprovada, mas sentida ou conhecida a priori. O lugar onde se encontram

os verdadeiros princípios é no verbo criador, onde o sujeito é o agente e o paciente da ação,

onde a ética é um valor universal e as ações humanas são realizadas como se fossem para o

próprio realizador. O individualismo não é causa, mas consequência de uma necessidade

ou circunstância indesejada. A origem principiológica está na transcendência e Sócrates,

87 NIETZSCHE, Friedrich – Assim Falou Zaratustra, 4ª edição – Ed. Martins Claret – São Paulo, SP. (pg. 55 e 56)88 Bíblia de Jerusalém. Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. Tradução das introduções e notas de La Sainte Bible, ed. 1973, publicada sob a direção da “École Biblique de Jérusalem”. São Paulo: Paulinas, 1981. P. 1382

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Platão e, em especial, Aristóteles, que chegou ao ponto de estabelecer o modo de

compreensão, o que se pode chamar nos dias atuais de teoria do conhecimento.

O filósofo Olavo de Carvalho escreveu sobre os quatro discursos de Aristóteles,

desenvolvendo uma obra de grande valor filosófico, aqui apenas indicada para servir de

alguma base ao desenvolvimento deste tema.

[...] A essa idéia denomino Teoria dos Quatro Discursos. Pode ser resumida em uma frase: o discurso humano é uma potência única, que se atualiza de quatro maneiras diversas: a poética, a retórica, a dialética e a analítica (lógica) [...].

[...] Nesse quadro, o velho Aristóteles posava, junto com o nefando Descartes, como o protótipo mesmo do bedel racionalista que, de régua em punho, mantinha sob severa repressão o nosso chinês interior. O ouvinte imbuído de tais crenças não pode mesmo receber senão com indignado espanto a ideia que atribuo a Aristóteles. Ela apresenta como um apóstolo da unidade aquele a quem todos costumavam encarar como um guardião da esquizofrenia. Ela contesta uma imagem estereotipada que o tempo e a cultura de almanaque consagraram como uma verdade adquirida. Ela remexe velhas feridas, cicatrizadas por uma longa sedimentação de preconceitos [...].

[...] A resistência é, pois, um fato consumado. Resta enfrentá-la, provando, primeiro, que a idéia é efetivamente de Aristóteles; segundo, que é uma excelente idéia, digna de ser retomada, com humildade, por uma civilização que se apressou em aposentar os ensinamentos do seu velho mestre antes de os haver examinado bem. Não poderei aqui senão indicar por alto as direções onde devem ser buscadas essas duas demonstrações [...].89

O que é um princípio fundamental ou causal e onde encontrá-los? Tais princípios

são como se fossem o DNA da ação criadora, estão impressos em tudo o que existe,

impregnam toda a criação e sua origem está na transcendência e podem ser percebidos não

só a priori, mas, pela teoria dos quatro discursos de Olavo de Carvalho, Aristóteles nos dá a

fórmula de um discurso de potência única, onde a poética, a retórica e a dialética,

compõem os meios investigativos, descobridores, normativadores e a analítica confere a

certificação de validade.

Partindo destas premissas, não resta dúvida que o princípio fundante de todos os

demais é o Princípio do Respeito à Dignidade da Ação Criadora , o qual pode se entender

como o Princípio à Criação, ou ainda, o Princípio à Vida. Nele, encontramos todos os

demais princípios válidos e todos os valores não supérfluos, mas os valores vitais à

existência.

89 CARVALHO, Olavo. "A estrutura do Organon e a unidade das ciências do discurso em Aristóteles", apresentei no V Congresso Brasileiro de Filosofia, em São Paulo, 6 de setembro de 1995 (seção de Lógica e Filosofia da Ciência). http://www.olavodecarvalho.org/livros/4discursos.htm acessado em 10/10/2011.

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Do Princípio à Vida, pode-se distinguir em importância equivalente o Princípio à

Vida Digna dos Seres Humanos e o Princípio da Preservação Digna de toda a Natureza.

É dos princípios que emanam as chamadas Normas Jurídicas e, estas, não podem

ser totalitárias e, muito menos, sua interpretação uma prerrogativa de sacerdotes do

Direito. Todos os que se qualificam à interpretação dos princípios da vida e das normas do

Direito devem ter igual autoridade. A decisão é mediante a retórica e a dialética, pois não

pode haver decisões monocráticas se minimamente, em uma audiência estão três partes

reunidas.

Não existe norma válida que não derive de um princípio, igualmente, válido. Por

isso, a norma é viva e jamais poderá ser letra morta como encontramos em nossa

Constituição, verdadeiros de cujos literários, começando pelo Princípio da Dignidade

Humana, princípio este inválido e inócuo, que nada define, pois nasceu unicamente da

razão, pondo o ser humano no centro do universo, como se ele fosse absoluto. É mentirá!

Diria Nietzsche com a paixão que lhe é peculiar.

Verificar o que está acontecendo no mundo com relação à crise econômica é muito

relevante, em especial, porque a atual crise demonstra a ineficácia do Direito Positivista

que deu legalidade e garantias ao modelo econômico neoliberal. O box 03 exemplifica a

crise atual.

Box 03

‘OCUPAÇÕES’ SE ESPALHAM DOS EUA AO MUNDO

Atualizado em 15 de outubro, 2011 - 08:07 (Brasília) 11:07 GMT

MANIFESTANTES ESTÃO TOMANDO AS RUAS DE CAPITAIS AO REDOR DO MUNDO, NESTE SÁBADO, PARA PROTESTAR CONTRA A "GANÂNCIA CORPORATIVA" E OS CORTES ORÇAMENTÁRIOS REALIZADOS POR DISTINTOS GOVERNOS.

Organizadores preveem marchas em até 951 cidades de 82 países, em todos os continentes, inspiradas no movimento Ocupe Wall Street, iniciado em Nova York (EUA).

O objetivo, dizem, é neste 15 de outubro "unir nossa voz e dizer aos políticos e às elites financeira que cabe a nós, o povo, decidir nosso futuro", segundo o site da organização, 15october.net.

Centenas de pessoas já protestaram em cidades do Japão, da Austrália e da Nova Zelândia.

Em Sydney, as ruas diante do Banco Central da Austrália foram tomadas por cerca de 2 mil manifestantes, entre representantes aborígenes, sindicalistas e comunistas, segundo a agência

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Reuters.Muitas marchas foram de pequeno porte. Em Taipei (Taiwan), por

exemplo, onde manifestações do tipo são raras, cerca de cem pessoas se reuniram para criticar a má distribuição de riquezas.

Ao longo do dia, começaram protestos também em grandes cidades europeias, como Berlim, Londres e Atenas, e estão programados para ocorrer em cidades americanas.

Os protestos em Roma prometiam estar entre os maiores do dia, reunindo até 100 mil pessoas. Uma multidão está reunida ao redor do Coliseu, e já há relatos de carros sendo incendiados e agências bancárias sendo destruídas.

Na Espanha, um dos países europeus mais afetados pela crise, muitos manifestantes também já estavam nas ruas neste sábado, expressando insatisfação com o desemprego e criticando o governo por "servir aos bancos, e não à população", relata a correspondente da BBC em Madri, Sarah Rainsford.

AcampamentosMas ainda não está claro se as manifestações se transformarão em

"acampamentos" como o que está sendo realizado nos arredores de Wall Street nos últimos meses e que cresceu nas últimas semanas.

Naomi Colvin, uma das organizadoras do protesto esperado diante da Bolsa de Valores de Londres, disse que a natureza do movimento dependerá do comparecimento das pessoas e das decisões tomadas em uma suposta "assembleia geral" a ser organizada entre os manifestantes.

"Se a assembleia decidir que devemos tentar ficar (diante da Bolsa), então vamos nos esforçar para ficar", afirmou ela à BBC.

Os primeiros protestos do tipo começaram em maio, em Madri, quando centenas de pessoas, conhecidas como os "indignados", tomaram a praça Puerta del Sol para mostrar seu descontentamento com os altos índices de desemprego da Espanha e com o que chamam de forte influência das instituições financeiras sobre as decisões políticas.

Ao mesmo tempo, observadores dizem que, enquanto os protestos na Espanha tinham demandas específicas, como cortes nas jornadas de trabalho para combater o desemprego, muitos dos movimentos inspirados no "Ocupe Wall Street" têm bandeiras mais vagas.

A onda de protestos deste sábado ocorre simultaneamente a um encontro do G20 na França, em que políticos tentam encontrar formas de enfrentar a crise da dívida que se espalha pelos países da zona do euro.90

Enquanto isto, o jornal estadunidense New York Times noticia lucros esplêndidos

de corporações financeiras americanas.

DEALBOOKLucro do Citigroup ascensão de 74% para US $ 3,8 bilhões. Por ERIC DASH 6 minutos atrás. Três anos depois de precisar de uma ajuda federal para sobreviver, o Citigroup informou que seu lucro trimestral em linha reta sétimo.

Lucro Wells Fargo ascensão de 21%, para US $ 4,1.91

Cabe imaginar que uma aeronave esteja voando em uma rota autorizada, a trinta e

sete mil pés de altura e a velocidade de cruzeiro. Ao perceber obstáculos intransponíveis na

90 BBC - ‘OCUPAÇÕES’ SE ESPALHAM DOS EUA AO MUNDO. Atualizado em 15 de outubro, 2011 - 08:07 (Brasília) 11:07 GMT. http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/10/111015_occupy_mundo_pai.shtml acessado em 15/10/201191 The New York Time. Segunda-feira, outubro 17, 2011Última Atualização:11:12 ET. http://www.nytimes.com/ acessado em 17/10/2011. (Traduzido automaticamente pelo Google)

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rota, o piloto aciona os reversos dos motores. A aeronave cairá não importando o nível de

conhecimento sobre os problemas intransponíveis ou sobre voos de aeronaves.

O ser humano é capaz de criar muitas coisas, especialmente teorias de

conhecimento. Toda criação enseja, minimamente, três perguntas: como criou? Por que

criou? Para que criou? Para a principiologia dos valores, só há interesse em saber: para

que criou, ou quais os reais objetivos e possíveis consequências. A teoria do reverso levará

a humanidade ao caos. Não há sentido em insistir em um modelo jurídico e econômico que

leve a humanidade ao caos ou obrigue alguém a acionar os reversos (revolução – morte da

democracia e do Direito).

Mudar de rota enquanto há tempo, se é que ainda existe, seria de suma

relevância, mas o ser humano, inserido nas classes ociosas, não é suficientemente capaz de

incentivar mudanças democráticas de modelos econômicos, utilizando regramentos dos

Princípios de Direito. Somente os seres não supérfluos podem agir criadoramente em um

novo Direito para um novo modelo Econômico.

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CONCLUSÃO

Buscou-se tecer um encadeamento lógico ao analisar-se o Direito brasileiro em amplo

espectro. Clara ficou a impossibilidade do aprofundamento da pesquisa ao ponto de se

considerar poder prenunciar-se uma nova tese do Direito, contudo, destacaram-se pontos

relevantes e de maneira objetiva para levar os leitores a uma reflexão sobre este enigmático

sistema jurídico.

Hans Kelsen continua sendo a figura maior dos teóricos brasileiros e da magistratura

em geral, ipso facto, o Positivismo Jurídico prevalece neste ordenamento legal. Deve-se

perguntar: que Positivismo será esse? Terão os sábios juristas desvendado a norma primeira, a

qual Kelsen tangeu como tangem os cometas este pequenino planeta? Ao que Kelsen chamou

de norma subjetiva, hoje seus seguidores chamam de princípios.

A economia mundial é hoje basicamente ordenada pelo modo capitalista de produção,

sujeito a crises periódicas e, no momento, sob as influências do momento crítico deslanchado

em 2008, nos EUA, desandou e liquefez os valores conhecidos, provocando a ruína dos

pilares da cultura ocidental; as certezas se foram, tudo tornou-se possível. A possível queda

do Império Americano, a blindagem da Rússia contra o comunismo, a ascensão do Império

Econômico Chinês e a derrocada da União Europeia, tudo se discute, tudo é possível.

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Diante de tamanha turbulência, verifica-se que o Direito regula as relações econômicas

das sociedades, pois não existem outras relações que não sejam, fundamentalmente,

econômicas. As garantias fundamentais, bem como, os direitos humanos são perfunctórios, se

não houver o elemento econômico que lhes garanta o exercício. Assim, toda a principiologia

jurídica não passa de uma releitura de O Príncipe de Maquiavel, com a diferença das tensões

existentes entre os Poderes Republicanos.

Necessita-se de juristas com a paixão de Nietzsche pelo ser humano, com o

discernimento lógico de Aristóteles, com a visão econômica de Veblen, com a capacidade

analítica de Olavo de Carvalho, com a doçura de Rubem Alves, com a fé e a razão de

Bonhoeffer e com a capacidade jurídica de Ives Gandra Martins.

“As palavras devem ser atitudes e as mesmas, sementes da nossa razão e do nosso ser.

Como sementes elas germinam as expressões do que somos e de nossa essência mais íntima

como seres humanos. Em todas as sementes, existem todos os ingredientes necessários para a

geração de vida, mas precisam ser plantadas, proclamadas, com a intenção de fazê-lo”.

(Wagner Winter – 2011)

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• Fantástico (Rede Globo) - Entrevista da Presidenta Dilma Rousseff a Patrícia Poeta, apresentado no dia 11/09/2011. http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1672642-15605,00.html acessado em 16/10/2011.

• ‘OCUPAÇÕES’ SE ESPALHAM DOS EUA AO MUNDO. Atualizado em 15 de outubro, 2011 - 08:07 (Brasília) 11:07 GMT. http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/10/111015_occupy_mundo_pai.shtml acessado em 15/10/2011.

• The New York Time. Segunda-feira, outubro 17, 2011Última Atualização:11:12 ET.

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• Sistemas Jurídicos: Common Law vs. Civil Law - Por André Coelho:.http://www.fdv.ensinolivre.net/fdvobs/index.php?option=com_community&view=groups&task=viewdiscussion&groupid=44&topicid=213&Itemid=86 acessado em 05/08/2011

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i Francisco Carlos Távora de Albuquerque CaixetaAdvogado/PA. Bacharelado em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e pós-graduando em Direito Médico com capacitação para o ensino no magistério superior pela Escola Paulista de Direito (EPD).ii Júlio Ricardo de Paula AmaralAdvogado na região metropolitana de Londrina (PR), mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrinaiii Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke é professora aposentada da USP e pesquisadora associada doCentro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Cambridge (Reino Unido). É autora de "As MuitasFaces da História" (ed. Unesp).iv Lais Vieira CardosoAdvogada em Ribeirão Preto (SP), especialista em Direito Tributário pela PUC/Campinas, mestranda em Direito das Obrigações Público e Privado pela UNESP de Franca.