da teoria das organizações às instituições

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  • 8/8/2019 Da Teoria das Organizaes s Instituies

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    Da Teoria das Organizaes s Instituies

    Antnio Machuco RosaUniversidade Lusfona de Humanidades e Tecnologias

    Introduo

    As declaraes ideolgicas e comportamentos irracionais que recentementeacompanharam a generalizao das novas tecnologias da informao tiveram uma dassuas manifestaes mais visveis no domnio da teoria da organizao empresarial.Segundo alguns, as empresas, impulsionadas pelas novas tecnologias, estariam a entrarnuma nova. Nestes novos tempos, o paradigma do passado, baseado em noes comohierarquia e centralizao, seria substitudo por um outro que privilegiaria ainteractividade, a adaptabilidade, a descentralizao e a distribuio no hierrquica docontrolo (e.g., Tapscott, 1995). No se visa aqui de fazer o processo sumrio de taisdeclaraes, pois a introduo de novas tecnologias tm consequncias reais nas

    empresas. No entanto, uma anlise dos principais tipos histricos de organizaoempresarial mostra que tais proclamaes devem ser encaradas com alguma reserva eque, em qualquer caso, necessrio situar esses tipos de organizao dentro de umquadro terico e econmico preciso.

    Neste artigo, destacaremos dois de entre os principais modelos tericos da organizaoe gesto empresarial, tendo sempre presente a estrutura formal que se lhes encontrasubjacente. Em particular, mostraremos como a teoria dos grafos permite pensar algumascaractersticas das organizaes piramidais clssicas bem como das modernasorganizaes estruturadas em torno do conceito de rede dinmica. Assim, na primeiraseco, analisa-se a teoria clssica da empresa tal como ela foi inicialmente tematizadapor C. Taylor e H. Fayol. Na segunda seco, expem-se os traos gerais das redesdinmicas, referindo-se como elas podem ser caracterizadas por um tipo especfico degrafos, vendo-se ainda como a empresa de novas tecnologias Cisco Systems ilustraalgumas das ideias apresentadas. Esse tipo de empresas evoluem segundo princpioseconmicos diferentes do princpios econmicos neoclssicos, verificando o que sedesigna por lucros crescentes de escala. Esse tipo de dinmica ser analisada na quartaseco, exemplificando-se com o caso da Microsoft. Evoluindo tambm num ambiente derede dinmica, a situao de monoplio detida pela Microsoft conduz no entanto emergncia de um grafo diferente dos anteriormente apresentados. Finalmente, a ltimaseco argumenta a necessidade da regulao institucional das organizaes que,contrariamente ao que afirmam alguns dos defensores de uma suposta capacidadelibertadora da nova economia, envolvem a emergncia de estruturas hierrquicas ecentralizadoras.

    A teoria clssica da organizao empresarial

    A teoria clssica da organizao e administrao de empresas participa do quadro geralque define os princpios fundamentais da racionalidade clssica. Um desse princpios,oriundos da fsica clssica, consiste na possibilidade de deduzir qualquer comportamentolocal de uma parte de um sistema a partir da sua representao global. No caso do designdas organizaes e tecnologias, as partes locais recebem uma interpretao funcional,constituindo os meios que asseguram a finalidade sinergtica global do sistema. Apossibilidade de deduzir e subordinar comportamentos locais a uma estrutura global

    previamente definida permitiu a juno dos conceitos de previsibilidade, controlo emaximizao da eficincia das organizaes. Este quadro geral da estratgia clssica daracionalidade especificou-se ainda pela operacionalizao de alguns outros conceitos. Em

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    particular, tal como sucedeu com o design de tecnologias, tambm o design deorganizaes visou satisfazer um princpio de linearidade, o qual se traduz no princpio dedesign modular e de especializao de funes e processos.

    No se deve deixar de insistir na grande importncia histrica que os princpiosmencionados possuram no desenvolvimento do capitalismo industrial. Eles formamigualmente o ncleo daquela talvez tenha sido a primeira obra que visou tematizar asconsequncias organizacionais desse desenvolvimento, a obra de Charles Taylor (Taylor,1911). Juntamente com Henri Fayol (cf. mais abaixo), Taylor foi o primeiro a encarar aempresa como uma organizao. Ele concebeu uma nova disciplina, a AdministraoCientfica, a qual tinha como objectivo optimizar o trabalho dentro das empresas,optimizao essa que seria conseguida se o trabalho de produo fosse completamenteplaneado, repetitivo, maximamente especializado e funcionalmente supervisionado. Essesprincpios seriam os mais adequados aos tipo de empresas dominantes na poca, asempresas vocacionadas para a produo manufacturada. Dentro desse princpios, o deespecializao obviamente crucial e est ligado j referida concepo modular datrabalho e da organizao.

    no entanto conhecido que algumas das ideias de Taylor apenas foram

    sistematicamente implementadas por H. Ford. Eles so-no no apenas ao nvel doconceito de linha de montagem, mas igualmente em torno daquela que ter sido uma dasprincipais inovaes de Ford na concepo e produo em massa de artefactostecnolgicos:

    A maquinaria de hoje em dia, especialmente aquela que sai da fbrica e utilizada na vidaquotidiana, tem de ter as suas partes absolutamente intersubstituveis, de forma a que elaspossam ser reparadas pelo trabalhador no qualificado (H. Ford, 1930, p. 128).

    O design de uma mquina de modo a que as suas partes interajam o mnimo possvelrevelou-se a via racional permitindo o seu controle quase ptimo, com a consequnciatecno-econmica fundamental de permitir que a substituio de uma pea avariada ou

    com defeito pudesse ser feita sem obrigar a que todo o artefacto tivesse de serreconstrudo ou substitudo. um dos momento culminantes do principio de designmodular.

    Se Taylor visava organizar racionalmente o trabalho segundo as linhas efectivamenteimplementadas por Ford, apenas com H. de Fayol, em 1916 (Fayol, 1916), que a prpriaorganizao explicitamente encarada do ponto de vista dos princpios que a estruturam.Pode de facto fazer-se remontar a Fayol a teoria clssica da empresa, isto , com ele asempresas passam a ser explicitamente consideradas como organizaes (cf. Chiavenato,1993, pp. 102 e sq.). O conceito de organizao associado ao conceito de funesadministrativas, funes que coordenam e sincronizam todas as outras funes daempresa, estando sempre acima delas (Chiavenato, 1993, p. 103). Mais especificamenteainda, isolado o conceito de Administrao, qual cabe:

    Prever. Organizar. Comandar. Coordenar. Controlar.

    Por outro lado, a estrutura da organizao baseia-se nos seguintes princpios:

    Diviso e especializao do trabalho. Autoridade e responsabilidade.

    Unidade de comando (princpio da autoridade nica). Unidade de direco. Centralizao (concentrao do poder no topo).

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    Hierarquia (uma ordem passa por toda a cadeia de comando at chegar ao ponto ondedeve ser executada).

    Nos manuais de gesto, esses princpios so usualmente acompanhados pelo bemconhecido diagrama piramidal (figura 1).

    Figura 1: Estrutura piramidal das empresas.

    importante realizar um exame detalhado desse diagrama a fim de se apurar a naturezaexacta da teoria clssica da empresa. Em termos tcnicos, esse diagrama um grafo. Noentanto, o processo de construo que se lhe encontra subjacente diferente do utilizadona teoria clssica dos grafos aleatrios (cf. Bollabs, 1985, para uma exposio detalhadada teoria dos grafos aleatrios). Como voltaremos a referir, nessa teoria parte-se de umconjunto fixo de ns e de seguida esses ns so conectados aleatoriamente comprobabilidadep. Pelo contrrio, a estrutura formalsubjacente ao diagrama piramidal dasempresas parte do germe representado na figura 2.

    Figura 2: Germe da estrutura piramidal das empresas.

    a reproduo invariante do germe da figura 2 que origina o grafo da figura 1: essareproduo faz com que localmente se observe a mesma estrutura que a estrutura presenteno processo globalmente considerado. A ser assim, teramos de facto uma invarinciatotal, pois local e global coincidiriam. Esta afirmao sofre uma restrio importante; ainvarincia no total visto existir um absoluto. Esse absoluto a raiz ou centro inicial apartir do qual surge a primeira ramificao. Existe pois uma dominao absoluta. Noentanto, dada uma raiz ou ramificao inicial, a estrutura reproduz-se de forma invariante,reproduzindo a relao hierrquica presente na primeira ramificao.

    As afirmaes anteriores podem ser consideradas uma anlise da estrutura formal ousintctica do grafo subjacente ao organigrama empresarial clssico. Dessa estruturadecorrem imediatamente as caractersticas das organizaes empresariais piramidais. Defacto, a coincidncia entre a estrutura sintctica do grafo e o contedo semntico dosprincpios destacados por Fayol que faz muita da fora desse tipo de organizao.Noutros termos, a estrutura sintctica tem um modelo nos acima enunciados princpiossemnticos ou funcionais de organizao empresarial. Assim, se se observar o grafo dafigura 1 tendo em conta esses princpios funcionais, verifica-se que cada um deles seencontra identicamente presente em cada parte do grafo e no prprio grafo globalmenteconsiderado. Por exemplo, o princpio de unidade de direco e de comando est presenteem cada ramificao local (um mdulo que se subdivide em dois) e na prpria estrutura

    global. O mesmo sucede naturalmente com o crucial princpio de diviso do trabalho, oqual j vimos ser considerado como um princpio de eficincia das organizaes.

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    Igualmente se referiu que a relao hierrquica presente na primeira ramificao sereproduz pela estrutura global.

    Muita da fora que decorre da estrutura organizativa clssica da empresa encontra-seportanto implcita no seu processo formal de construo, isto , na reproduo do germerepresentado na figura 2. Este pode ser interpretado como implicando a existncia de umabsoluto, de uma hierarquia e de uma unidade de comando. sem dvida este ltimoprincpio que faz com que uma estrutura hierrquica como a da figura 1 sejaparticularmente eficiente na transmisso de informao, impedindo que esta sejaduplicada ou redundante, e evitando-se ainda as possveis ambiguidades decorrentes daduplicao de comando.

    A ausncia de ambiguidade na circulao e execuo da informao pode ainda seranalisada de outro modo, o qual encontra igualmente a sua origem na estrutura formal dografo da figura 1. Se pensarmos as linhas desse grafo como vias de comunicao de n an, verifica-se que o nmeros de ns sempre superior em 1 unidade ao nmero de viasde comunicao, o que reenvia ao seguinte teorema da teoria dos grafos (Erdos, 1960): sens = vias, ento forma-se um ciclo (una curva fechada) na estrutura. Se existisse umciclo, se o nmero de ns no fosse superior em 1 unidade ao nmero de vias de

    comunicao, a consequncia seria de imediato a destruio da hierarquia, acompanhadapela formao de comunicaes horizontais. Mas deve notar-se que a ausncia deambiguidade e de redundncia nas estruturas piramidais tem a sua contrapartida, pois umaestrutura em que no existe redundncia simultaneamente uma estrutura frgil: bastaeliminar o centro absoluto da figura 1 para que o grafo fique desconectado, isto , aprpria estrutura como um todo desaparece.

    Um outro factor que revela a capacidade organizacional da estrutura clssica da empresa e que, como veremos, parece ser um princpio essencial de qualquer forma deorganizao empresarial consiste em que, numa hierarquia, podemos distinguir doismodos de aco temporal, um lento e outro rpido. Assim, os nveis mais baixos dahierarquia tm um tempo de aco rpido, por contraposio ao tempo lento dos nveissuperiores. Retomando uma das explicaes que Herbert Simon (Simon, 1981)

    encontrava para a prevalncia das organizaes piramidais, a distino entre dois regimestemporais implica que o nvel superior fornece o contexto estvel no interior do qual onvel inferior age. Naturalmente que a existncia desse contexto est ligada ao princpiode unidade de comando, e portanto ao mecanismo formal obtido a partir da transformaodo germe da figura 2. Do ponto de vista especificamente empresarial, o nvel superiordeve preocupar-se com estratgias a longo prazo, por exemplo, aquisies, imagem daempresa e contexto global dentro do qual se devem inserir as actividade produtivas atempo rpido. De modo idntico, a distino tempo lento/tempo rpido impe estratgiasde descentralizao na alocao de recursos da empresa: certas competncias na alocaode recursos so delegadas em nveis mais baixos da hierarquia, capazes de calcularem deforma mais eficiente os seus custos, enquanto a raiz da organizao se encarrega decalcular a funo total da agregao dos custos (cf. van Zandt, 1999).

    Um ltimo factor contribuindo para a prevalncia das estruturas piramidais consiste emobservar que o processo invariante de reproduo ilustrado pela transformao da figura 1torna a empresa escalvel. Esse ponto sublinhado por dois tericos contemporneos dagesto:

    A estrutura organizacional padro, em forma de pirmide, estava bem adaptada a umaenvolvente de alto crescimento, porque era amplivel escala necessria. Quando umaempresa precisava de crescer, podia simplesmente acrescentar trabalhadores necessrios base da pirmide e, a seguir, preencher os escales de superviso acima deles (M.Hammer e J. Champy, in Camara, 1996, p. 130).

    a existncia de um princpio de crescimento particularmente simples que contribuiu

    decisivamente para tornar a empresa piramidal e hierrquica um paradigma da gestoorganizacional.

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    Redes Dinmicas

    Um vasto conjunto de motivos levaram a que a estrutura clssica da empresa fossesendo contestada e deixasse de constituir o nico paradigma da organizao empresarial.Argumentos em torno da sua rigidez, da ausncia de redundncia, da excessivadepartamentalizao, do privilgio atribudo a uma abordagem tipo sistema fechadonegligenciando as interaces com o meio envolvente, etc., foram sendo avanados. Noentramos aqui no detalhe desse tipo de argumentos, nem se expe o surgimento deabordagens das empresas em termos ditos neoclssicos, matriciais, tipo orquestra, etc.(cf. Chiavenato, 1993, para uma smula bastante completa). Nesta seco referimoscomo, em consequncia de mutaes econmicas substanciais, surgiu uma novaconcepo da empresa, designada por rede dinmica, a qual foi inicialmente identificadapor Miles e Snow (Miles e Snow, 1986).

    Miles e Snow (Miles e Snow, 1992) definiram uma rede dinmica como um grupo deempresas, unidades especializadas ou coordenados mais por mecanismos de mercado e

    relaes informais de comunicao do que por cadeias de comando hierrquicas. Comoeles dizem, os vrios componentes da rede reconhecem a sua interdependncia e desejampartilhar informao, cooperar entre si, standartizaros seus produtos ou servios tudocom a finalidade de manter a sua posio no interior da rede (Miles e Snow, 1992, p. 55).Uma rede dinmica caracteriza-se portanto sobretudo pela existncia de ligaes entre asdiversas empresas que a constituem. Essas ligaes so institucionalizadas por contratosdos mais diversos tipos, desde contratos de fornecimento a contratos de parcerias, semesquecer a existncia de relaes de natureza mais informal, e tm cada vez mais por baseredes de computadores como suporte da sua implementao (ver mais abaixo o caso daCisco Systems). Tal no significa necessariamente que no exista uma empresa ncleoque desenvolve certas actividades estratgicas operacionalizadas por outras empresas. Aempresa ncleo tem em geral uma identidade bem definida aos olhos do pblico, mas na

    realidade a rede na qual ela se insere muda frequentemente a sua configurao e os seusactores, resultando numa estrutura com uma fronteira apenas tenuamente definida (cf.Barnatt, 1995).

    Uma representao esquemtica de uma rede dinmica pode ser a da figura 3, onde ospequenos crculos a negro representam empresas especializadas em certas tarefas, e queas desenvolvem, sob a forma de contratos, para a empresa ncleo.

    Ncleo

    Marketing

    Distribuio Prospeco de mercado

    Design

    Manufacturao

    Figura 3. Uma representao esquemtica de uma rede dinmica. Note-se que maisque uma empresa especializada numa mesma tarefa pode estabelecer contratos coma empresa ncleo.

    Conforme se referiu, as redes dinmicas tendem a estabelecer cada vez ligaes atravsde plataformas digitais, Internet ou Intranets. Donde se salientar que a rede dinmicatende a evoluir para a rede virtual (cf. Birshalll e Lyons, 1995). A rede virtual pode no

    apenas conectar a rede dinmica mas tambm as prprias organizaes hierrquicas.Veja-se a figura 4.

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    Estrutura Piramidal Rede Dinmica

    Figura 4: Rede virtual. As linhas a tracejado representam ligaes baseadas emredes de computadores. (Adaptada de Barnatt, 1995).

    O caso da Cisco Systems

    As redes dinmicas e virtuais pode ser consideradas como uma conceptualizao daprtica de outsourcing, a qual, a partir dos anos oitenta do sculo passado, se generalizoucada vez mais. Umas das empresas que mais sistematicamente a implementou foi a CiscoSystems Inc., empresa inicialmente vocacionada para a comercializao de equipamentopara as redes de computadores (especialmente os routers, responsveis pela transmissofsica das mensagens via Internet). A Cisco implementou uma espcie de

    manufacturao global universal.1 Esta consiste numa vasta rede de fornecedoresdiversos, desde empresas que manufacturam sob contrato o equipamento necessrio atempresas responsveis pela montagem final do produto. Essa rede est conectada por umaIntranet, sendo suposto que os componentes e produtos finais cheguem just-in-time de

    acordo com as necessidades do mercado, procurando assim reduzir-se drasticamente onmero de inventrios. Em 2000, 70 % dos produtos da Cisco eram integralmenteproduzidos por outros empresas. No entanto, a Cisco conseguiu que essa rede aparecesseaos olhos do pblico identificada com uma nica empresa, naturalmente a prpria Cisco.Para alm de a sua cadeia de fornecedores assentar numa Intranet, a Cisco conseguiu que,em 2000, mais de metade das suas vendas assentassem na Internet.

    Alm disso, a Cisco desenvolveu mltiplas parcerias de investigao edesenvolvimento, tal como levou a cabo uma agressiva estratgia de aquisies. derealar a forma como John Chambers, o CEO da Cisco, caracteriza essas aquisies: noestamos adquirir quota de mercado, antes estamos a adquirir futuros; futuros emmercados onde temos de ser o nmero 1 ou o nmero 2. Dessa estratgia aquisitivaresulta que a Cisco percepcionou a importncia decisiva de ser nmero 1 no mercado das

    tecnologias da informao, e as razes desse facto que no devem ser confundidas comas estratgias clssicas de ganho de quota de mercado - sero apresentadas na secoseguinte com base no exemplo paradigmtico da Microsoft. Por outro lado, ressaltaigualmente das declaraes de Chambers qual a misso do CEO e de boa parte daadministrao da Cisco e das suas equipas (teams): identificar onde esto os futuros, eno organizar unidades produtivas que a empresa na realidade quase no detm. Noentanto, precisamente este ltimo aspecto que iria conduzir a Cisco a sriasdificuldades.

    De facto, a partir de 2000 a estratgia de quase total outsourcing gerou grandes einesperados problemas. Alis, o mesmo sucedeu em mltiplas empresas de novastecnologias, desde a Compaq Nokya passando pela Apple. No caso da Cisco, aps um

    1 As citaes e dados relativos Cisco foram obtidos no nmero especial de Agosto de2000 da revistaBussiness Week.

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    perodo em que no conseguia satisfazer a procura, a empresa viu-se a braos com umproblema bem mais dramtico: com a queda na procura, deparou-se com inventrios novalor de quase 4 bilhes de dlares, literalmente no alocveis (Lakenan, Boyd e Frey,2002). No essencial, isso ficou a dever-se a que a cadeia de fornecedores no foi suspensaquando a procurou desceu substancialmente. Por que no o foi? Como Lakeman e alreferem, a Cisco continuava a pensar em termos da antiga integrao vertical [numanica empresa], procurando gerir a cadeia de fornecedores como se toda ela estivesse sobum mesmo tecto. Numa empresa piramidal verticalmente integrada, contrariamente aoque por vezes se afirma, existe a flexibilidade necessria para evitar problemas como ocrescimento excessivo de inventrios. Mas a Cisco no uma empresa vertical no sentidoclssico, pois a cadeia no depende apenas de si. O que sucedeu foi que a Cisco pensouem termos de integrao vertical quando na realidade no uma empresa desse tipo, massim uma rede dinmica na qual existem inmeras interdependncias. Estas podem causargraves problemas quando os objectivos dos diversos ns da rede no so convergentes.Foi precisamente o que aconteceu: os objectivos da Cisco e dos seus fornecedores eramcompletamente diferentes, bem como era diferente a sua posio face ao mercado (cf. ocitado Lakeman e al, 2002, para uma anlise detalhada desses diferentes objectivos e

    estratgias). Pensar em termos de integrao vertical, quando na realidade se est inseridonuma rede dinmica, pode ter desastrosas consequncias.Portanto, as redes dinmicas possuem empresas ncleo, mas que no podem agir da

    mesma forma que possvel em empresas verticalmente integradas. As empresas em redecaracterizam-se por grafos que se no se formam segundo o processo que na primeiraseco representmos pela figura 1, mas sim pela formao de ligaes (parcerias,contratos de manufacturao, etc.) a partir de ns (empresas) previamente dados. umprocesso que entra no quadro da teoria dos grafos em que se parte do surgimentoprogressivo de novos ns os quais tambm progressivamente se vo conectando entre si.Ora, essa teoria prev que esse processo de crescimento origina o que se chama um grafosem escala caracterstica. No caso das empresas, tal significa que um pequeno nmero deempresas possui um nmero enorme de ligaes, enquanto um grande nmero tem um

    nmero relativamente pequeno de ligaes (cf. Barabsi, 1999, Barabsi, 2002, MachucoRosa, 2002b, para exposies da teoria dos grafos livres de escala). A existncia dessaestrutura j foi demonstrada no caso da rede da indstria farmacutica (Pammolli eRiccaboni, 2001), ou para a rede de empresas alems (Kogut e Walker, 2001). No sedeve deixar de sublinhar que a suposta adaptabilidade das redes dinmicas tem comocontrapartida que uma falha numa sua parte se pode repercutir em cascata pela totalidadeda rede. Mais exactamente, essa falha seguramente ocorrer se a empresa ncleo (quepossui um grande nmero de ligaes) falhar (cf. Albert, Jeong e Barabsi, 2000).

    Empresas e standards tecnolgicos

    Vimos que a estrutura global das empresas piramidais verticalmente integradas pode serobtida a partir do seu germe local; como a estrutura local e a estrutura global coincidempode afirmar-se que esta ltima se encontra pr-definida. Nessa medida, no se pode falarpropriamente de emergncia a propsito desse tipo de redes. Ao invs, as redes dinmicastendem a manifestar processos de emergncia na medida em que elas se formam a partirde ns que, num processo evolutivo, se vo conectando: a estrutura global final no seencontra integralmente pr-definida. Nas empresas em rede dinmica, a componenteinterna e externa da empresa tendem a fundir-se, sendo sobretudo importantes asligaes que as constituem. Como vamos ver, a prpria dicotomiafornecedor/parceiro/consumidor pode mesmo perder muito do seu sentido clssico. Asinteraces entre esses elementos realizam-se atravs de uma rede complexa, e noatravs do mercado, este entendido como o local onde as empresas concorrem pelavenda dos seus produtos e no qual o consumidor visa maximizar a sua funo deutilidade em funo dos produtos concorrencialmente disponveis e que,

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    independentemente de todos os outros, ele escolhe. Noutros termos, a empresa em rededinmica deve ser pensada fora dos modelos tradicionais da teoria neoclssica daeconomia.

    Para melhor esclarecer esse ponto, deve notar-se que em muitos sectores daquilo queresumidamente se convencionou designar por nova economia, com particular incidncianas empresas de tecnologias de informao, verifica-se o princpio dito de lucroscrescentes de escala (increasing returns to scale), o qual induz um tipo de dinmicarigorosamente demonstrado por W. Brian Arthur (cf. Arthur, 1994). Esse princpiosignifica que, como sucede com a introduo de novas tecnologias, um produto teminicialmente elevados custos de produo, s que o custo de produo por unidadeproduzida decresce exponencialmente com o nmero de unidades produzidas. Cadaunidade produzida mais no que a reproduo, com custo marginal tendendo para zero,da(s) unidade(s) inicialmente produzida(s). Esta situao contrasta fortemente com asempresas de sectores econmicos tradicionais (agricultura, manufacturao, etc.), nasquais se verificam lucros decrescentes (ou constantes) de escala (por exemplo, os custosde produo de um produto agrcola podem aumentar com a maior dificuldade do seucultivo).

    A questo que ento se coloca saber quais so as causas que induzem a existncia delucros crescentes de escala. Podem ser identificados diversos factores, com aapresentao a reflectir a sua importncia crescente (cf. tambm Arthur, 1990).

    Desde logo, a existncia de altos custos iniciais de investimento est associada prprianoo de lucros crescentes de escala. Os custos do produto so essencialmente os custosem investigao e desenvolvimento. Por exemplo - e para comear a referenciar o casoque utilizaremos como ilustrao - desenvolver o Windows 95 poder ter custadoqualquer coisa como 300 milhes de dlares. Os custos do investimento cabea so poisem geral bastante elevados, mas compreende-se intuitivamente que a n unidade doWindows tender a ter um custo marginal tendendo para zero. contudo bem conhecidono ser esse o preo que algum ter de pagar se adquirir o respectivo CD. Trata-se deuma situao completamente diferente daquela que a teoria neoclssica da economia

    prev: segundo esta, em situao de concorrncia perfeita, o preo tende a ser igual aocusto marginal do produto. Isso significa precisamente que existem lucros decrescentesde escala nos sectores de actividade tradicionais. Tal j no verifica, por exemplo, no casodo Windows. As razes desse facto prendem-se com dois outros factores que induzemfortemente a existncia de lucros crescentes de escala.

    Em primeiro lugar, a existncia de lucros crescentes pode ser causada por efeitos deaprendizagem. Uma companhia area que tenha escolhido utilizar avies Boeing poderver extremamente dificultada a sua migrao para Airbus devidos aos custos implicadosna reciclagem dos seus pilotos. E seguramente que eu no tenho qualquer incentivo emdeixar de utilizar o programa Word, pois estou habituado ao seu display (cf. Davies,1985, para mltiplos exemplos).

    Em segundo lugar, existe o factor, decisivo, designado por externalidades em rede. Ele

    significa que o valor de uma rede cresce exponencialmente (expoente =2) com o nmerodos seus utilizadores. Se apenas dois indivduos usam o telefone essa rede tem poucovalor, o qual aumenta exponencialmente com o nmero dos seus utilizadores, isto , trata-se de um princpio de imitao ou dependncia por relao ao que os outros fizeram.Tambm aqui clara a existncia de uma dinmica diferente da dos princpiosneoclssicos da economia, os quais se baseiam em retroaces negativas. Pelo contrrio,a existncia de externalidades em rede um exemplo de retroaco positiva, a qual omecanismo responsvel pelo crescimento e diversidadedos sistemas. Ela tende mesmo alev-los para l dos seus limites, destruindo-os, sendo essa destruio que por vezes seassocia a esse tipo de retroaco. Em si mesmas, as dinmicas por retroaco positivarespeitam a situaes instveis, amplificando no linearmente pequenas perturbaes emsituaes inicialmente quase simtricas. Em vez de, como sucede na retroaco negativa,corrigir um desvio, a retroaco positiva amplifica-o de acordo com um esquema cclicoem que a causa se torna efeito, o qual retroage causalmente sobre a anterior causa, que

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    agora efeito, num processo cclico em bola de neve durante o qual o sinal da causa e doefeito se refora ou amplifica. mutuamente. Exemplifiquemos mais detalhadamente esseconceito.

    O caso Microsoft

    A Cisco Systems poderia servir como exemplo da existncia de retroaco positiva nasempresas de novas tecnologias. Mas o exemplo arqutipo da existncia simultnea dealtos custos cabea, efeitos de aprendizagem e externalidades em redes a MicrosoftCorp., em particular atravs do sistema operativo Windows. O Windows o ncleo deuma rede cujo valor aumenta com o nmero de aplicaes disponveis para essaplataforma ncleo. Quanto maior o nmero de aplicaes maior o nmero deutilizadores, e assim sucessivamente num processo de mtuo reforo cujo resultado finalpraticamente inevitvel a formao de um monoplio. um mecanismo baseado naimitao, em que cada deciso determinada pelo historial das decises anteriores: euestou neste momento a utilizar o sistema operativo Windows porque estou a imitar os

    outros. Na verdade, sou forado a imit-los porque a maioria dos computadores pessoaisj possuem o Windows instalado. E isso porque os fabricantes so forados a imitarem-seuns aos outros. E porqu? Porque os criadores de software so eles prprios obrigados aimitarem-se uns aos outros, isto , quantas mais aplicaes so desenvolvidas paraWindows maior o incentivo para a utilizao desse mesmo sistema, o que um ulteriorincentivo (o valor da rede cresce) para o desenvolvimento de novas aplicaes paraWindows. Actualmente existem mais de 10000 aplicaes disponveis para Windows.

    Atendendo a esta dinmica de lucros crescentes de escala, como caracterizarinternamente uma empresa como a Microsoft? A Microsoft um monopolista emsistemas operativos (SO) para PCs., o que no significa que o seu tipo de actividadeempresarial a incentive a adoptar estratgias organizativas verticalmente integradas erelativamente fechadas. Do ponto de vista da sua organizao, dois aspectos devem ser

    destacados.Em primeiro lugar, a existncia de um nmero relativamente reduzido de executivos detopo, orientados sobretudo para a estratgia futura da empresa, os quais mantm presenteque a Microsoft deve procurar assegurar os benefcios dos monoplios induzidos pelasexternalidades em rede. conhecida a capacidade de Bill Gates nesse domnio, sendo,implicitamente, nesses termos que ele justificou a sua passagem de CEO a Chief Engineerda Microsoft. Este ponto relevante, pois, mais que uma mudana, ele representa umaprofundamento daquele que vimos ser um trao marcante das empresas clssicas, adistino tempo lento/tempo rpido. Como j se salientou, nas empresas de altatecnologia a estratgia futura , por definio, essencial. Costuma afirmar-se a propsitodesses mercados que a mudana neles muito rpida. Esse facto obriga os estrategas aterem uma viso de longo prazo (da orientao geral da mudana, por exemplo). essa

    viso que devefornecer o contexto a tempo lento das aces dos teams de programao funcionando a tempo rpido. esse tipo de hierarquia que surge como natural nosambientes das novas tecnologias. Por exemplo, ao focalizar o desenvolvimento daMicrosoft na estratgia de longo prazo da plataforma .NET, Bill Gates fornece o contextopara o desenvolvimento rpido de uma mirade aplicaes que suposto virem a integrar-se nela. Vimos ideias similares serem avanadas por John Chambers.

    Em segundo lugar, como j ficou subentendido, a empresa ser formada por equipas(organizao por teams), com tarefas to diversas como investigao e desenvolvimentode produtos, monitorizao de sectores do mercado com futuro promissor, monitorizao,de potenciais ameaas ao monoplio, gesto das mltiplas parcerias existentes, etc.

    Essa estrutura corresponde ao tipo de dinmica empresarial na qual a Microsoft seinsere. A dinmica no aquela na qual uma empresa, em regime de forte concorrncia, ecom base num mercado tendendo para a escassez, tenta ganhar quota num mercadooferecendo a melhor utilidade a cada consumidor individualmente considerado. Os

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    consumidores da Microsoft so todos os utilizadores da rede que as suas plataformasdefinem. Esses utilizadores tanto podem ser os consumidores finais, os milhares deprogramadores para quem a Microsoft desenvolve permanentemente ferramentas deprogramao ou as mltiplas empresas que fazem parte da sua cadeia de valor, desdefabricantes de hardware a fabricantes de software.

    A consequncia de tudo isso a formao de uma intensa rede de relaes. Que redecaracteriza ento a Microsoft como organizao aberta? A rede Microsoft implica aexistncia de um ncleo da rede do qual todos os outros ns dependem fortemente. Queros ns sejam outras empresas, quer sejam utilizadores finais, a estrutura parece ser semqualquer dvida a da Figura 5. uma estrutura fortemente centralizada. Masdiferentemente do caso da grafo visto na primeira seco deste artigo (figura 1), umaestrutura que emergiu atravs do mecanismo de retroaco positiva, com todas as ligaesque se foram estabelecendo entre os ns a apontarem para a Microsoft.

    Microsoft

    Figura 5: a rede Microsoft. Emergncia de um monoplio

    Das organizaes s instituies

    Atravs do mecanismo de retroaco positiva a Microsoft tornou-se o ncleoabsolutamente dominante de uma rede de empresas. Mas essa afirmao no caracterizacom suficiente exactido a razo ltima do seu domnio. O que a empresa de Redmond na

    realidade conseguiu foi impor o seu sistema operativo cada vez mais integrado comoutros seus programas como um standard. Parece ser essa a consequncia dasexternalidades em rede em tecnologias da informao: emergem monoplios sob a formade standards de uma rede. As empresas que logram impor os seus produtos comostandards so empresas abertas visto serem a plataforma para outras empresas. Podeargumentar-se que a existncia de standards de grande vantagem econmica e

    organizativa. No actualmente em curso processo USA/Microsoft2, a Microsoft sustentouprecisamente que a existncia de um standardcomo o Windows extremamente benficapara os utilizadores, e que propostas para a separao da empresa fariam regredir aindstria informtica (e das tecnologias da informao em geral) ao pesadelo dafragmentao dos standards existente h trs dcadas. Esse ponto, que vamos analisar,no deve no entanto ocultar um outro, essencial para a compreenso da natureza das redes

    de tecnologias de informao: a Microsoft detentora de um monoplio baseado numstandard privado. A abertura da Microsoft sofre a seguinte importante restrio: oWindows um standardprivado, cujo cdigo-fonte no divulgado. Essa situao deveser contrastada com o facto de a maior parte dos standards serem pblicos.

    Por exemplo, uma lngua natural um standard. Mais especificamente, uma lnguacomo o Ingls tem vindo a beneficiar crescentemente do princpio de externalidades emrede, tornando-se cada vez mais um standardpara a comunicao escrita e oral. Um outroexemplo que nos interessa aqui sublinhar a Internet, a qual fornece um contraste clarocom a estratgia da Microsoft e ilustra uma nova forma de conceber as organizaes emrede.

    2 Existem diversos stios da World Wide Web a partir do quais se pode consultar atotalidade dos documentos respeitantes ao caso USA/Microsoft. Por exemplo, em:http://www.mercurycenter.com/ /business/microsoft/trial/

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    A Internet uma rede de redes de computadores ligadas entre si. uma rede fsica,distinta de redes virtuais como a WORLD WIDE WEB. Mas quer as rede de redesInternet quer as inmeras redes virtuais assentes nessa rede fsica so um excelenteexemplo de um processo histrico evolutivo caracterizado pela emergncia espontnea,imprevisvel, sem plano director central, de um certo tipo de organizao. Sem entrarmosaqui nos detalhes (cf. Machuco Rosa, 1998, para os necessrios complementos), pode-sedescrever a evoluo da Internet como o processos global de interligao progressiva deredes de computadores inicialmente independentes. Ela entra pois no quadro da teoria dos

    grafos livres de escala.3Essa interligao foi tornada possvel devido adopo de protocolos de comunicao

    comuns entre as redes. Foi especialmente decisiva a adopo do protocolo TCP (depoisTCP/IP), responsvel pela fiabilidade e pelo endereamento das mensagens que, atravsdos routers, circulam na rede. Esse protocolo foi inicialmente proposto por R. Kahn em1973, tendo vindo a ser adoptado a pouco e pouco pelos administradores de rede sem queisso no entanto tenha resultado que qualquer directiva central. Essa adopo f-lobeneficiar do princpio de externalidades em rede, tornando-se um standard hojeuniversalmente utilizado. Se esses dois aspectos so importantes, no menos o facto de

    o TCP/IP ter como caracterstica absolutamente distintiva ser end-to-end, isto , ele completamente indiferente natureza especfica da mensagem que transporta: porexemplo, no distingue entre o contedo de um e-mail, de uma pgina HTML ou de umficheiro MPEG. Finalmente, o TCP/IP um standardaberto no duplo sentido de suportarno importa que formato especfico de mensagem e no sentido de ser um standardpblico. Sem dvida que foi a conjugao de todos estes factores que causou o enormedesenvolvimento das redes de computadores.

    O crescimento da Internet est em contraste com o crescimento do mercado doscomputadores pessoais baseado em standards privados. A rede que gravita em torno daMicrosoft uma rede assente em standards privados, enquanto a rede Internet uma redepblica. O argumento da Microsoft acerca da fragmentao dos standards no caso de ostribunais decretarem a ciso da empresa portanto refutado pelo exemplo da Internet.

    da natureza das tecnologias da informao constiturem redes sujeitas a retroacopositiva, e portanto a emergncia de monoplios de facto quase inevitvel. Mas no obrigatrio que esses monoplios sejam privados. Pelo contrrio, os monoplios sob aforma de strandards podem emergir de forma espontnea, mantendo-se sempre comoentidades pblicas e sem que a fragmentao ocorra. Se os standards da Internet sodesse facto o mais eloquente exemplo, deve notar-se que no existe tambm qualquerinevitabilidade em os sistemas operativos serem privados. Que possvel odesenvolvimento de S.O. pblicos prova-o o caso de LINUX. Este o produto demilhares de programadores voluntrios que constantemente recombinam e acrescentamvariedade a LINUX ao modificarem o seu cdigo-fonte publicamente acessvel. mesmoconhecido que, do ponto de vista da fiabilidade, LINUX um sistema altamenteperformante, e a razo est certamente no trabalho de eliminao de bugs queos milharesde voluntrios levam a cabo (cf. Raymond, 1998).

    Utilizou-se mais acima a expresso entidade pblica. Qual a natureza exacta desseespao pblico constitudo pelos standards abertos e sem proprietrio? Repita-se que elesemergiram de forma espontnea e no planificada. Um adepto radical do modernoacentrismo social (cf. Machuco Rosa, 2002a, Capitulo 3, para a anlise desse movimento)tenderia a afirmar que essa emergncia produz uma auto-regulao que lhe completamente imanente. Mas a realidade que os processos de emergncia espontneaacabam por gerar entidades que lhes so exteriores e que desse exterior os regulam. Esseponto no pode aqui ser demonstrado (cf. Machuco Rosa, 2000c), mas alguns exemplosmostram como emergem de facto organizaes reguladoras que devem ser caracterizadascomo instituies. So instituies pblicas que existem para alm das empresas. Elas

    3 Sabe-se que quer a Internet quer a WWW formam duas redes sem escala caracterstica(cf. Barabsi, 2002).

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    surgem no entanto como consequncia de uma dinmica espontnea e no como o actordesencadeador do processo. No caso do LINUX, conhecida a importncia de algunsgestores agrupados em torno da figura de Linus Todvals. Tambm as redes decomputadores fizeram emergir as instituies que regulam os standards que seimpuseram. No caso da Internet, o caso de organizaes no governamentais como oICANN (para a atribuio de domnios como .org, etc.) e W3W (para o desenvolvimentode novos protocolos). Estas organizaes apontam para um processo consistindo naformao endgena de um exterioridade que constitui um verdadeiro lao social no qual acomunidade de utilizadores se encontra unida. Para terminar, devemos analisar melhoreste ltimo ponto.

    Em nossa opinio, a questo da emergncia dos standards e das instituies torna-semais clara se a compararmos com um outro processo aparentemente de naturezatotalmente distinta. Referimo-nos questo da emergncia da moeda, tal como ela foireconstruda teoricamente no modelo desenvolvido por M. Aglietta e A. Orlam (Agliettae Orlam, 2002). A similitude formal entre a emergncia de sistemas operativos e aemergncia da moeda poderia ser demonstrada. Aqui devemo-nos restringir a apresentaro esqueleto geral dessa similitude.

    Deve comear por se manter presente que, em certo sentido, a moeda j estvel, amoeda nica sem a concorrncia de outras moedas paralelas, um standard. A questoque se coloca consiste em explicar a sua emergncia. Dito de forma extremamenteresumida, no modelo de Orlam essa explicao implica considerar trs momentos semque eles indiquem necessariamente um percurso histrico-cronolgico. Num primeiromomento, supe-se que os indivduos buscam incessantemente a liquidez, isto , ariqueza, ou ainda noutros termos, a coisa sob a qual esta ltima se oculta. Essa coisa,a ser descoberta, aquilo que torna um indivduo lquido: detentor daquilo que lhepermite abrigar-se das incertezas do futuro. Ora, demonstra-se (cf. Aglietta e Orlam,2002a, Captulo II) que a mera troca directa de produtos (carne contra ovos) sem umaentidade que lhe seja exterior no garante esse desejo de liquidez. S que os indivduosno cessam de procurar descobrir onde se encontra a liquidez, podendo surgir diversos

    objectos em competio sob os quais a liquidez se esconde. a situao defragmentao e competio entre moedas; a fragmentao dos standards. Num terceiromomento, pode ocorrer, como efectivamente no deixou de ocorrer, que, por um processode imitao, os indivduos de um certo grupo se polarizem todos em torno de um certoobjecto, o qual definitivamente eleito como aquele no qual reside a liquidez.

    A emergncia da moeda pode ser formalizada de forma rigorosa, mas aqui apenasinteressa sublinhar a passagem por um ponto crtico de fragmentao e concorrnciaseguido pela emergncia de uma nica entidade a moeda nica na qual a colectividadese representa enquanto tal, isto , como um todo unido por essa entidade nica na qualreside a liquidez em geral. A semelhana com a adopo dos standards tecnolgicos clara: situao crtica de concorrncia aps o que actos locais de imitao levam a queuma nica opinio se torne completamente dominante no grupo. Nesta perspectiva, uma

    certa moeda no escolhida devido s suas qualidades intrnsecas (ouro, por exemplo).Pelo contrrio, aquilo em que a liquidez se encarna reconhecido como tal por cadaindivduo imitar os outros, e assim cada um mais no v sua volta que a aceitao dasua prpria opinio (Aglietta e Orlam, 2002, p. 81). De modo idntico, seguramente no por uma sua qualquer qualidade intrnseca que um SO adoptado, mas sim devido aoprocesso imitativo j descrito na seco anterior deste artigo.

    Poder finalmente argumentar-se que tambm no caso da moeda emerge um nicostandardmonopolista. Mas esse , de novo, um standardpblico, no qual precisamente acomunidade se reconhece como formando um espao pblico. Os standards emergem eformam espaos pblicos. J vimos que o outro argumento avanado pela Microsoftcontra a dimenso pblica dos standards o perigo da fragmentao. Naturalmente queexiste sempre esse perigo, e precisamente a histria da moeda fornece inmeros exemplos

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    de como essa possibilidade se torna real.4 Essa possibilidade pode no entanto serfortemente atenuada com a emergncia de instituies que consagram, e regulam, oestatuto definitivamente pblico do standard monopolista. No caso da moeda,obviamente que se trata da instituio garante ltima da liquidez de dbitos e crditos, oBanco Central. No tempo igualmente rpido da evoluo dos standards especficos das

    tecnologias da informao vimos que algumas instituies comeam tambm a surgir. Nocaso das empresas associadas a essas tecnologias e funcionando em ambientes de redesdinmicas complexas seguramente que a definio de novas exterioridades reguladorasexige uma reformulao das polticas pblicas que enquadravam os antigos modelosempresariais operando segundo as antigas dinmicas econmicas.

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    4 Para um exemplo actual, veja-se a crise da Argentina e a proliferao de moedasparalelas em concorrncia.

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