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COLEÇÃO OUTRAS — PALAVRAS VOLUME 6 Da metrópole à aldeia: um trajeto de Antropologia Urbana JOSÉ GUILHERME C. MAGNANI

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COLEÇÃO OUTRAS — PALAVRASVOLUME 6

Da metrópole à aldeia:

um trajeto de Antropologia

Urbana JOSÉ GUILHERME C. MAGNANI

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Da metrópole à aldeia:

um trajeto de Antropologia

Urbana JOSÉ GUILHERME C. MAGNANI

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MUITAS “TURAS”

Em visita recente à Escola da Cidade, o arquiteto Paulo Mendes da Rocha lembrou aos presentes que a arquitetura é um saber solicitante. Seu discurso evocava fortemente uma fórmula feliz, encontrada há certo tempo por Bernard Tschumi para exprimir semelhante ideia por meio de um jogo de palavras. “A arquitetura”, dissera Tschumi, “não a vejo como conhecimento da forma, mas sim como forma de conhecimento”1. Uma forma de conhecimento do mundo que, por sua natureza, exige o recurso permanente a saberes e domínios que ingenuamente podemos tratar como “extra-arquitetônicos”, mas que, na verdade, não o são. O saber solicitante a que se refere Paulo Mendes é esse espinhoso terreno em que se concentram as mais delicadas sínteses. São sínteses tênues, mas inevitáveis para o exercício de uma profissão cujo escopo é o manejo do cotidiano em si, em suas formas mais complexas, isto é, coletivas e imaginárias.

Essa ideia, por mais contemporânea que seja, representa a afirmação pura e simples de alguns fundamentos filosóficos e epistemológicos, mais do que antigos, ancestrais. Vitrúvio já tratava dessas solicitações

1. Tschumi, Bernard (2008). “L’architecture n’est pas una connaissance de la forme mais une forme de connaissance”, in: Lengereau, Éric (org). Architecture et construction des savoirs. Paris: Recherches, 2008, p. 212.

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ao lembrar seus leitores – com o dedo vertical da norma culta – que a “ciência do arquiteto é ornada de vários saberes e muitas disciplinas”2. Muito embora ancorasse o argumento numa apologia da razão prática – que a alta modernidade tratou de complicar –, Vitrúvio enunciou e inseriu tais disciplinas num conjunto coerente de deveres formativos e cognitivos aos quais nos mantemos ligados. Isto é, parafraseando e tencionando o romano, sabe-se que o arquiteto hoje deve buscar e construir-se em uma quase infinidade de perspectivas, prestando inclusive atenção a chamados que não têm relação evidente de utilidade com a prática projetual, mas se revelam capazes de lhe garantir a decantação de uma consciência armada, aberta e alerta, permitindo-lhe interpretar forças enigmáticas e intrigantes tanto da natureza quanto da cultura. São saberes que permitem honrar o conselho vivo de Drummond aos jovens, num momento em que o mundo parecia debruçado sobre o abismo da tecnologia embestada: “Inventem olhos novos ou novas maneiras de olhar para merecerem o espetáculo novo de que estão participando”3. Como inventar esses olhos sem a franca disposição de reconhecer as limitações do estudo disciplinar ou departamentalizado?

2. Vitrúvio (c. I a.C). Tratado de arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 61.

3. Drummond de Andrade, Carlos (1944). “Prefácio para Confissões de Minas”. in: Obra completa em um volume. Rio de Janeiro: Aguilar, 1964, p. 506.

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São questões desse tipo que esta iniciativa editorial procura enfrentar ou, no mínimo, tangenciar. As “outras palavras” às quais nos referimos são as múltiplas palavras que sempre tiveram espaço na Escola da Cidade, desde a sua fundação, preocupada que é essa escola com a sólida e ampla formação humanista de seus estudantes, professores e colaboradores. Noutras palavras, são também as outras “turas” de que fala Cortázar, na alta intensidade de seu fraseado dançante, no jogo tramado de seus cacos significativos:

A nossa verdade possível tem de ser invenção, ou seja, literatura, pintura, escultura, agricultura, piscicultura, todas as turas deste mundo. Os valores, turas, a santidade, uma tura, a sociedade, uma tura, o amor, pura tura, a beleza, tura das turas.4

Juntar essas pontas é uma utopia? Esperamos que “turas” e leituras multipliquem-se no tempo, nas mãos e no pensamento de nossos leitores. Por isso, trazemos a público esses livros, essas reflexões recolhidas.

José Guilherme Pereira LeiteProfessor da Escola da CidadeCoordenador do Seminário de Cultura e Realidade Contemporânea

4. Cortázar, Julio (1963). O jogo da amarelinha. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p. 443.

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SUMÁRIO

IntroduçãoOs marcos de referênciaUma escola paulista de Antropologia UrbanaA pesquisa sobre o tempo livreA proposta da AntropologiaA etnografiaDa periferia ao centroO NAU e os grupos de pesquisa: GERM, GESD, NauCidades, GEUO circuito dos Sateré-Mawé: um novo campoOs circuitos saterésRefazendo o trajeto: da aldeia à metrópoleReferências bibliográficas Sobre o autor

070912 162224 2739

40 43 5052 58

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POUCO IMPORTA O CONTEÚDO DOS DRAMAS E DAS COMÉDIAS, ME DISSERAM; O QUE IMPORTA, COM RESPEITO AO CIRCO (E A OUTRAS MODALIDADES DE ENTRETENI-MENTO NO BAIRRO), É QUE ELE PROPORCIONA OCASIÕES, ESPAÇOS E OPORTUNIDADES DE ENCONTRO, DE CONSTRUÇÃO DE VÍNCULOS, DE SOCIABILIDADE.

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INTRODUÇÃO

Com este título, proponho percorrer um caminho inver-so àquele costumeiramente mais difundido na relação entre o campo da Antropologia Urbana e a Antropo-logia Clássica: geralmente se considera que a primeira é um ramo tardio desta última e que os estudos sobre cidades teriam sido precedidos pelas pesquisas com as sociedades indígenas. No entanto, só muito mais tarde é que a questão urbana se tornaria objeto de interesse para esta disciplina. Do ponto de vista estritamente histórico, contudo, alguns trabalhos dessas áreas são coetâneos: o clássico texto de Bronislaw Malinowski, Os argonautas do Pacífico ocidental, de certa forma fun-dante do método etnográfico, foi publicado em 1922; nos Estados Unidos, um autor da chamada Escola de Chicago, Robert Ezra Park, escreveu em 1915 The City: Suggestions for the Study of Human Nature in the Urban Environment.1

Contudo, cabe reconhecer que foi com base prin-cipalmente nas pesquisas em sociedades de pequena

1. A Escola Sociológica de Chicago, departamento da universidade de mesmo nome que reuniu pesquisadores preocupados com o rápido crescimento dessa cidade após a Primeira Guerra Mundial em razão do afluxo de imigrantes europeus, é considerada referência em estudos urbanos e reuniu um grupo de pesquisadores que Ulf Hannerz (1986) denominou de “etnógrafos de Chicago”, em virtude do método utilizado em suas investigações.

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escala – cuja forma de assentamento não é precisamen-te a cidade – que a Antropologia elaborou, de forma cumulativa, seus quadros teóricos e suas ferramentas de pesquisa. Em vista disso, colocam-se as seguintes per-guntas: seria adequado empregar seus conceitos para tratar a complexidade dos atuais conglomerados ur-banos em toda a sua diversidade? E, avançando: Não seria justamente tal legado o que daria a seu olhar uma perspectiva diferencial para a compreensão de fe-nômeno urbano, mais especificamente para a pesquisa da dinâmica cultural e das formas de sociabilidade nas cidades contemporâneas?

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OS MARCOS DE REFERÊNCIA

Minha resposta é que sim e, para cumprir tal objetivo, considero que seu legado teórico-metodológico, apesar das inúmeras releituras e revisões, constitui um repertó-rio capaz de dotá-la dos instrumentos necessários para encarar novos objetos de estudo e problemas atuais.

Antes de entrar propriamente no tema, apresen-to o esquema do texto: um percurso pela formação da Antropologia Urbana no Brasil, dando ênfase ao caso de São Paulo. A seguir, a constituição do Laboratório do Núcleo de Antropologia Urbana (LabNAU) que coordeno na Universidade de São Paulo (USP) e as categorias que utilizamos na etnografia. E, por último – para seguir a proposta do título, “da metrópole à al- deia” –, vou me referir a uma experiência de pesquisa sobre a presença indígena nas cidades da Amazônia. Assim, a exposição que segue terá como base o quadro teórico, as ferramentas metodológicas e alguns temas trabalhados naquele núcleo.

Para introduzir o tema da especificidade da Antro- pologia Urbana, começarei com uma referência à Escola Sociológica de Chicago, já assinalada na Introdução. No Brasil e, especialmente em São Paulo, sua influência teve particularidades: no ano de 1932, as elites econômicas e políticas da então província, que tinham sua base na ex-portação de café, se rebelaram contra o governo central

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de Getúlio Vargas reivindicando uma nova constituição. Para resumir a história: os revolucionários foram derro-tados e no dia seguinte se deram conta da necessidade de contar com quadros intelectuais e administrativos capazes de impulsionar o processo de modernização do estado e das instituições.

Para conseguir esse objetivo, uma das medidas foi voltar-se para os Estados Unidos e chamar professores para a Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP), fundada em 1933 pelo economista e empresário Roberto Simonsen. Foi uma experiência pioneira de docência, pesquisa e pós-graduação: os primeiros docentes vieram da Universidade de Columbia, mas em seguida a Escola de Chicago se impôs. Uma de suas primeiras pesqui-sas foi sobre as condições de vida dos trabalhadores da limpeza pública da cidade – os coletores de lixo –, cujos resultados serviram de base para o cálculo do “salário mínimo”, conquista dos trabalhadores brasileiros que permanece até hoje.

A importância dessa instituição pode ser enten-dida quando verificamos que personagens de renome do cenário intelectual brasileiro nela cursaram estu- dos de pós-graduação, entre eles Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro, Gioconda Mussolini e Sérgio Buarque de Holanda. Além de pesquisadores de outras institui- ções estrangeiras, como David Maybury-Lewis e Alfred Radcliffe-Brown. Daí surgiu uma geração de cientistas

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sociais que deu início a outra linhagem, desta vez na USP, fundada no ano 1934. Nela, gestou-se uma orien- tação distinta, de origem francesa, com Roger Bastide, Fernand Braudel, Pierre Monbeig e, principalmen- te, Claude Lévi-Strauss, entre os mais conhecidos. Bastide voltou-se ao estudo dos cultos afro-brasileiros e Lévi-Strauss, ainda que durante o período de aulas dedicava-se, com seus alunos, a “fazer etnologia sobre a cidade de São Paulo e sobre o folclore dos arre- dores” (1990:32), internou-se no sertão, em direção a Mato Grosso, onde iria deparar-se com os Caduveo, Bororo e Nhambiquara. Sua esposa Dina, na Socie- dade de Etnografia e Folclore, deu continuidade aos estudos sobre cultura popular com apoio de Mario de Andrade, então na Secretaria de Cultura da cidade e redator da primeira lei de proteção do patrimônio cultural no país.

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UMA ESCOLA PAULISTA DE ANTROPOLOGIA URBANA

Uma das diferenças entre a Escola de Chicago e a Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo residia no fato de que nesta o foco dos estudos não esteve cons-tituído por uma grande metrópole, mas por vilas e pequenas cidades do interior ou do litoral. Exemplos dessa escolha são o trabalho de Antônio Cândido, Os parceiros do Rio Bonito: um estudo sobre o estudo caipira paulista e a transformação de seus meios de vida (1964), e o de Charles Wagley, Uma comunidade amazônica: estudo do homem nos trópicos (1953), assim como as pesquisas de Donald Pierson, Emilio Willems, Gioconda Mussolini e Oracy Nogueira.

Por uma série de razões já na década de 1950 a USP tinha suplantado a ELSP no campo das ciências sociais. As fronteiras entre a antropologia e a sociologia eram tênues e ambas compartilhavam o mesmo marco de referência teórico-metodológico, basicamente o estrutural-funcionalismo. O leque das investigações ampliou-se: basta recordar algumas obras de Florestan Fernandes, desde sua clássica A organização social dos tupinambá, com a qual obteve o grau de mestre na ELSP em 1947, e Sociedade de classes e subdesenvolvi-mento, de 1968. Se a marca característica das pesquisas da ELSP foram os “estudos de comunidade”, mais

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restritos, seguindo principalmente a proposta de Robert Redfield (1949), da Escola de Chicago, a linha ado- tada no Departamento de Ciências Sociais da USP seguiu, de um lado, a orientação sociológica de Georg Simmel, Karl Mannheim e Max Weber e, de outro, a da matriz marxista, na análise das alternativas de mo- delos de desenvolvimento da sociedade nacional.

Agora me permito um salto temporal para me re-ferir à conjuntura política e acadêmica da década de 1970 e assim poder seguir o fio condutor da criação do campo da Antropologia Urbana no Brasil, quando essa disciplina começa a adquirir uma maior visibilidade na esteira dos “movimentos sociais urbanos”.

Após a tomada do poder pelos militares em 1964 e principalmente depois de 1968, quando aumentou a repressão contra os partidos políticos, os sindicatos, as organizações sociais, o movimento estudantil e outras associações, ocorreu um refluxo na política institucio-nal. Como consequência, emergiu um novo ator social: os “moradores”, isto é, os habitantes da cidade com suas reinvindicações por melhores condições de vida e equipamentos urbanos, em um novo cenário: não mais nos pátios das fábricas, mas nos bairros da periferia. E é à Antropologia que se voltam as atenções para saber quem eram esses novos atores sociais. No entanto, quando a “grande política”, junto com temas como o desenvol-vimento e a teoria da dependência, ocupava a atenção

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dos demais cientistas sociais, muitos deles de orien-tação marxista, os antropólogos prosseguiam com seus estudos sobre personagens e temas considerados “irrelevantes” do ponto de vista dos rumos da política nacional e de desenvolvimento econômico: pobres, in- dígenas, migrantes, sistemas de parentesco e compadrio, religiosidade popular, etc. Nesse momento, quando se deu mais importância justamente para outros temas, como as condições de vida na periferia e os “direitos à cidade”, é o método etnográfico que se revela como o mais adequado para mostrar onde vivem esses novos atores sociais, de onde vieram, como constroem suas moradias, como cuidam da saúde, o que fazem em seu tempo livre.

É importante assinalar que foram as mulheres, na-queles bairros afastados, que primeiro exerceram essa forma de fazer política no plano da vida cotidiana, com suas petições e abaixo-assinados pela iluminação das ruas, transporte público, escolas, postos de saúde etc., enquanto seus maridos ainda lutavam nas fábricas e nos sindicatos.

Essa mudança de perspectiva deve muito à orien- tação de duas antropólogas, Ruth Cardoso e Eunice Durham, que de maneira pioneira começaram a incor- porar, com seus alunos e grupos de pesquisa na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, outros marcos teóricos com base nas discussões e nos modelos

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de análise de Richard Hoggart, do Centro Contem- porâneo de Estudos Culturais da Universidade de Birmingham, além de Manuel Castells, Jean Lojkine, Michel Foucault, Antonio Gramsci, Louis Althusser, entre outros.2 É nesse contexto, sensível a novos temas, como o surgimento das chamadas minorias e aberto a experimentos etnográficos, que se insere minha pesquisa sobre a rede de lazer e os usos do tempo livre. Ressaltar, numa visão panorâmica, sem me deter às distintas etapas do trabalho, uma inesperada mudança de rumo que só a etnografia pode proporcionar.

2. Não cabe aqui, por certo, apresentar todo o desenvolvimento da Antropologia Urbana no Brasil que deveria incluir centros de pesquisa e ensino localizados em Recife, Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre, entre outros. De todo modo, não se pode deixar de registrar a presença de Anthony e Elisabeth Leeds no Rio de Janeiro nos anos 1940, os quais, além de integrantes da Escola de Chicago, vinculados ao interacionismo simbólico, como Irving Goffman e Howard Becker, marcaram as pesquisas de Gilberto Velho e seus alunos, no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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A PESQUISA SOBRE O TEMPO LIVRE

Meu objeto de estudo de doutorado era o circo-teatro – um tema, na realidade, bastante afastado das impor-tantes preocupações das ciências sociais na época – e a pergunta subjacente era se tal forma de dramaturgia, parte integrante da cultura popular, era, no limite, “con- servadora” ou “progressista”, seguindo a linha temática da época, ditada pela discussão sobre ideologia versus cultura. Contudo, a resposta que obtive de meus in-terlocutores sobre tal questão, depois de várias idas e vindas do trabalho de campo, foi em outra direção: pou-co importa o conteúdo dos dramas e das comédias, me disseram; o que importa, com respeito ao circo (e a outras modalidades de entretenimento no bairro), é que ele proporciona ocasiões, espaços e oportunidades de encontro, de construção de vínculos, de sociabilidade.

Mais do que uma suposta capacidade libertária da cultura popular ou da opressão da ideologia dominante sobre as tradições populares, emergia uma questão nova: a existência de uma rica rede de entretenimento e socia-bilidade nos bairros populares da cidade de São Paulo. Dessa forma, embora tenha chegado com determinada pergunta, eles, com suas respostas, me remeteram a outro campo e a outros caminhos, aliás muito mais interes-santes, para continuar a pesquisa. Segredos e surpresas da etnografia...

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Assim, foi possível descobrir que, naquela paisagem habitualmente descrita como uma realidade cinza, ho- mogênea, enfadonha, havia uma série de práticas com suas classificações, regras e diferenciações: formas de entretenimento de homens solteiros/casados; mulheres/ moças; de jovens/adultos; e também modalidades des- frutadas em casa e fora dela, sendo que, neste último caso, inclusive era possível distinguir “fora de casa, mas no pedaço”.

Foi então que surgiu essa noção de pedaço, uma ex- pressão nativa que terminou se transformando em uma categoria mais ampla, pois, no diálogo com a conhe- cida dicotomia “rua versus casa” do antropólogo carioca Roberto da Matta (1979), revelou-se outra instância, in- termediária, de relações: enquanto a casa é o domínio dos parentes e a rua o dos estranhos, o pedaço colocava em evidência outro plano, o dos “chegados” que, entre a casa e a rua, instaura um espaço de sociabilidade de outra ordem, mais ampla que a fundada nos laços fami- liares, porém mais densa, significativa e estável que as relações formais que se estabelecem entre estranhos no espaço público. Foi um insight, “um momento etnográ-fico”, nas palavras de Marylin Strathern (2014) e que terminou criando, na continuação, um desafio: o que aconteceria com essa categoria pedaço, fora de seu con- texto de origem, na vizinhança, no bairro da periferia, se fosse aplicado em outras regiões mais centrais da cidade?

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Era um desafio de proporções inimagináveis para os integrantes do recentemente formado Núcleo de Antropologia Urbana, pois tínhamos pela frente uma cidade que, com seus 12 milhões de habitantes, dis-tribuídos em uma área de 1.523 km², não impressiona apenas pelo tamanho: a finais do século XIX, São Paulo era uma pequena cidade provinciana com apenas 24 mil habitantes e sua entrada no contexto mundial, como se sabe, se deu primeiro com a expansão da lavoura cafeeira para exportação, e logo com a industrialização. Em ambos os casos, a presença de amplos contingentes populacionais de fora, tanto do exterior quanto de outras regiões do país, foi determinante, pois com sua contri-buição a cidade cresceu de forma rápida, exponencial. No entanto, não foi só uma expansão demográfica, eco-nômica ou territorial: a capital paulistana assumiu ares de metrópole, de caráter cosmopolita, culturalmente diversificada, mas também com todos os seus problemas.

Para compreender e explicar essa dimensão, mui-tos estudos ainda se valem de autores clássicos que descreveram o surgimento da metrópole moderna na passagem do século XIX ao século XX. Tanto George Simmel como Walter Benjamin são mobilizados jus-tamente para enfatizar aqueles aspectos que tanto os impressionaram em Berlim e Paris, a atitude blasé em um caso e a flânerie no outro: individualismo, desencontros, anonimato. A esses atributos se somam

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outros, mais recentes, comumente relacionados com as situações das cidades do “terceiro mundo” – ou “cida-des-mundo”, como as classifica Olivier Mongin (2005): o caos urbano, a violência, as desigualdades, a segrega-ção, a precariedade na oferta de serviços públicos.

De certa forma ilustrativo dessa postura foi o ocor- rido com o reconhecido urbanista catalão Jordi Borja em uma de suas visitas a São Paulo. Convidado a participar em um programa de televisão para falar dos problemas das grandes cidades, recebeu a seguinte instrução do entrevistador: “Quero que o senhor diga como a cidade de São Paulo está mal, [que é] uma ca-tástrofe, [que] nada funciona, etc.; [e] que diga também como, em geral, as cidades estão mal, com problemas de inseguridade, poluição, falta de moradia, prolifera-ção de bairros periféricos, pois em todas as cidades há muitos problemas”. Jordi Borja respondeu:

“Sim, é verdade, mas o que me interessa é saber que tipo de respostas são possíveis de dar a esses problemas. Então ele já não se interessou mais pela entrevista e a cancelou; eu já estava esperando na porta do estúdio para começar e mesmo assim a cancelou” (BORJA, 1995:11).

desenho/página seguinte: Paisagens efêmeras, de Laura Peters

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Se se considera a capital paulistana, que certamen- te se encaixaria na classificação de “cidade-mundo” por sua imensa periferia, não se pode, porém, reduzi- -la simplesmente a uma cidade que cresceu demais e desorganizadamente – daí seus problemas e distorções. A mesma escala – tal como a de outros conglomerados urbanos semelhantes – impõe novos parâmetros na distribuição e na forma de seus lugares públicos, nas relações com o espaço privado, no papel dos ambientes coletivos e nas distintas maneiras por meio das quais os agentes (moradores, visitantes, trabalhadores, funcio- nários, setores organizados, segmentos excluídos, “desviantes” etc.) usam e se apropriam de cada uma dessas modalidades.

Para além da nostalgia pela “velha rua moderna” (BERMAN, 1989:162) ou do “balé das calçadas” (JACOBS,

[1961]1992:50) – posturas críticas às ideias já ultrapassadas do projeto modernista da Carta de Atenas –, caberia perguntar se o exercício da cidadania, das práticas urba-nas e dos rituais da vida pública não teria, no contexto dessa e de outras grandes cidades contemporâneas, ou-tros espaços e estratégias para seu exercício: para tanto, é preciso procurá-los com uma metodologia adequada.

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A PROPOSTA DA ANTROPOLOGIA

É o que se propõe fazer a partir da Antropologia, por meio do método etnográfico. As grandes cidades cer- tamente são importantes para a análise e a reflexão, não só porque integram o chamado sistema mundial e são decisivas para a globalização, o trânsito do capital e o fluxo de mão de obra, senão também porque con-centram serviços, oferecem oportunidades de trabalho, induzem a comportamentos, determinam e/ou acolhem estilos de vida – e não somente aqueles compatíveis com o circuito dos usuários abonados, do grande ca-pital, frequentadores da rede hoteleira, de gastronomia e de entretenimento que seguem patrões internacio-nais, reconhecidos como marca da “cidade global” de Sassen e Mongin.

A presença de imigrantes, visitantes, moradores temporais, refugiados e minorias; de segmentos dife-renciados em relação a orientação sexual, necessidades especiais, identificação étnica ou regional, preferências culturais e crenças religiosas; de grupos articulados em torno de opções políticas e estratégias de ação contes-tatárias ou propositivas e de segmentos marcados pela exclusão – toda essa diversidade leva a pensar não na fragmentação de um multiculturalismo difuso, mas na possibilidade de sistemas de intercâmbio e encontros de outra escala, com parceiros até então impensáveis,

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o que permite arranjos, iniciativas, experiências e con-flitos de diferentes matizes.

É evidente que não se pode negar todos aqueles problemas assinalados nos diagnósticos com base nos grandes números, comprovados também pela experi- ência no cotidiano dessas grandes cidades; também não se pode minimizar os interesses das corporações trans- nacionais e das elites locais nos sistemas decisórios sobre o ordenamento urbano e sua influência na deteriora- ção da qualidade de vida de grande parte da população.

Mas a pergunta que ainda subsiste é: isso é tudo? Tal cenário esgotaria o leque das experiências urbanas? Não seria possível chegar a outras conclusões, revelar outros planos, trocando esse foco de análise, “de longe e de fora”, a partir de outros métodos e instrumentos de pesquisa como os da Antropologia, por exemplo? É aqui que faz sua entrada a perspectiva que denomino “de perto e de dentro”, como proposta para dar iní-cio à apreensão dos padrões de comportamento – não de indivíduos atomizados, mas dos múltiplos, varia- dos e heterogêneos conjuntos de atores sociais cuja vida cotidiana transcorre, por meio de seus criativos “arranjos”, na paisagem da cidade e em diálogo com seus equipamentos.

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A ETNOGRAFIA

Desse modo, se a Antropologia, com base em tudo o que foi mencionado, não pretende abandonar a mis-são de refletir sobre essas novas formas de ajuntamento humano com sua dinâmica, características e problemas específicos, desde uma perspectiva etnográfica, a pri-meira tarefa que se coloca é definir o ponto de partida: a própria cidade como unidade ou as múltiplas práticas que nela se desenvolvem? Tendo em conta justamente a complexidade, dimensão e heterogeneidade das ci-dades contemporâneas, parece impraticável tomá-las como um objeto na sua totalidade, pronto e delimitado, para a aplicação do método etnográfico – vale lembrar o que já se alertava no livro Na metrópole, de 1996:

“Da porta da minha barraca”, escreveu Evans-Pritchard nas primeiras páginas da sua clássica etnografia, “podia ver o que acontecia no acam-pamento ou aldeia, e todo o tempo era gasto na companhia dos Nuer”. Se esta passagem de os Nuer – Uma Descrição do Modo de Subsistência e das Instituições Políticas de um Povo Nilota (1978[1940]:20) – constitui a imagem clássica da pesquisa de campo, nada mais distante, então, das condições de trabalho de um antropólo-go às voltas com questões e problemas das

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modernas sociedades urbano-industriais, cujo campo é a cidade: da janela de seu apartamento não tem diante de si o espetáculo da vida social em sua totalidade e mesmo que conviva mais intensamente com o grupo que está estudando, nem sempre gasta todo o tempo em sua com-panhia. (MAGNANI, 1996: 19:20)

Coloca-se, aí, o desafio já apontado: como encarar essa complexidade com os métodos e conceitos de uma disciplina forjada, basicamente, a partir de pesquisas so-bre os povos de pequena escala? E mais, seria legítimo tal esforço? Uma alternativa seria tentar reproduzir, na cidade, aquelas condições consideradas específicas dos assentamentos estudados nas pesquisas antropológicas clássicas: a aldeia, a comunidade, o pequeno grupo, como foi descrito anteriormente. Na verdade, cabe observar que se tais condições já não se verificam nem mesmo nas pesquisas atuais com povos indígenas, no imaginário essas caraterísticas continuam presentes como as ideais da abordagem etnográfica. Denominei essa transposição de “a tentação da aldeia”, ou seja, a tentativa de bus-car no contexto altamente diversificado, heterogêneo e interconectado das metrópoles aquele lugar ideal onde supostamente se poderia aplicar com acerto o método etnográfico. O resultado, no entanto, seria a multiplica-ção de “estudos de caso”, isolados e autocontidos.

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O desafio, contudo, é real pois, se por um lado está a cidade contemporânea que não configura uma uni-dade operacional, claramente delimitada, nem sequer para uma administração central – veja-se, por exemplo, as dificuldades para estabelecer planos diretores abran-gentes – de outro está o risco de ceder à fragmentação e cair na “tentação da aldeia”... Porém, se não há uma ordem, não quer dizer que não haja nenhuma. Se tais cidades já não apresentam um ponto de referência ní-tido, nem contornos definidos capazes de identificar uma centralidade (FRÚGOLI, 2000), projetando uma ima-gem de totalidade, é necessário começar por estabelecer mediações entre o nível das experiências dos atores e o de processos mais amplos, e assim reconstituir unidades de análise em procura de regularidades, evitando dessa forma o risco de meter-se (e se perder) na multipli-cidade dos arranjos particulares. Daí a necessidade de contar com instrumentos que permitam uma articula-ção entre esses planos. Tal foi o propósito do emprego da categoria pedaço, já apresentada, à qual se somaram outras mais como as de “mancha”, “trajeto”, “circuito” e “pórtico”, aplicadas a determinados campos, como o entretenimento, as práticas corporais, novas modali-dades de religiosidade, formas de sociabilidade, entre outros, nas pesquisas do NAU.

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DA PERIFERIA AO CENTRO

Não foi difícil reconhecer a existência de pedaços em regiões centrais da cidade, principalmente naquelas dotadas de equipamentos para o encontro e o entre-tenimento. Porém, havia uma distância com a ideia original: aqui, ao contrário do contexto do bairro, os frequentadores não necessariamente se conheciam – pelo menos não por intermédio de vínculos construí-dos no dia a dia do bairro –, mas se reconheciam como portadores dos mesmos símbolos que remetem a gos-tos, orientações, valores, hábitos de consumo e modos de vida semelhantes. O componente espacial do pedaço quando está inserido num equipamento ou espaço de mais amplo acesso, não comporta ambiguidades pois está impregnado pelo aspecto simbólico que lhe confere uma forma de apropriação caraterística.

Os frequentadores de um espaço denominado Centro Cultural Presidente, ao lado do Teatro Municipal no centro da cidade, conhecido também como Galeria do Rock, exibiam em suas roupas, suas formas de falar, sua postura corporal e nas preferências musicais o pedaço a que pertenciam. Nesse caso já não se tratava do espaço marcado pela moradia, pela vizinhança, mas o “efeito pedaço” continuava a estar presente: viessem de onde viessem, o que procuravam era um ponto de encontro para a construção e fortalecimento de laços. Quando

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jovens negros saíam de suas casas e se dirigiam a seu pedaço localizado na Galeria do Rock, não somente o faziam com o objetivo de cuidar da aparência física com os penteados característicos ou comprar discos; iam para se encontrar com seus iguais, para se exercitar no uso de códigos comuns, para apreciar os símbolos esco-lhidos que marcavam diferenças.

Era bom estar ali: podia-se fofocar, desfilar, era pos- sível inteirar-se do que estava rolando... e assim se tecia a rede de sociabilidade em um espaço que acolhia vários pedaços: dos headbangers, skeaters, veganos, pi-chadores, góticos, emos, grafiteiros, tatuadores e straight edgers, cada qual com seus próprios códigos, como a pesquisa terminou por revelar. No entanto, se bem a ca-tegoria pedaço tenha se mostrado útil para descrever uma forma de sociabilidade em outro contexto que não o de sua origem – o âmbito da vizinhança e do bairro –, foi necessário realizar alguns ajustes.

Bom, São Paulo não é uma sucessão de pedaços... Novas incursões pelo centro mostraram outros padrões de uso e de organização dos espaços, como, por exem-plo, os que funcionam como ponto de referência para um número maior e diversificado de frequentadores. Sua base física é mais ampla e permite a circulação de pessoas de várias procedências e sem necessidade de estabelecer laços muito estreitos entre eles: são as manchas, áreas contíguas do espaço urbano dotadas de

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equipamentos que marcam os seus limites e viabilizam uma atividade ou prática predominante segundo a es-pecificidade de cada área.

Em uma mancha de lazer, os equipamentos podem ser bares, restaurantes, parques, praças, cinemas, teatros, a cafeteria da esquina etc., os quais, seja por competi-ção ou complementariedade, convergem para o mesmo efeito: constituir pontos de referência para a prática de determinadas atividades. Uma mancha caracteri- zada por atividades vinculadas à saúde, por exemplo, geralmente se constitui em torno de um hospital, ins- tituição que funciona como âncora, agrupando os mais variados serviços, como farmácias, clínicas particula-res, consultórios, serviços radiológicos e laboratórios. Uma mancha marcada por uma atividade de ensino, por exemplo, terá como âncora uma faculdade cercada de livrarias, biblioteca, xerox, serviços de encadernação etc. E assim sucessivamente.

As marcas dessas duas formas de apropriação e uso do espaço, pedaço e mancha, na paisagem mais ampla da cidade são diferentes. No primeiro caso, em que o determinante é construído pelas relações estabele-cidas entre seus membros e pelo manejo de símbolos e códigos comuns, o espaço como ponto de referência está restringido e interessa sobretudo a seus habitués. Troca-se de ponto com facilidade, mas leva-se con- sigo o pedaço.

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A mancha, ao contrário, sempre aglutinada em tor- no de um ou mais estabelecimentos, apresenta uma implantação mais estável tanto na paisagem quanto no imaginário. As atividades que oferece e as práticas que propicia são resultado da multiplicidade de rela-ções entre equipamentos, edificações e vias de acesso, o que garante uma maior continuidade e a transfor-ma em um ponto de referência físico, visível e público para uma rede mais ampla de usuários. Ao contrário do que ocorre com o pedaço, para onde um indivíduo se dirige na procura de seus iguais, aqueles com os quais compartilha os mesmos códigos, a mancha cede lugar a cruzamentos imprevistos, a encontros até certo ponto inesperados, enfim, a combinações variadas. Em deter-minada mancha sabe-se que tipo de pessoas ou serviços vai ser encontrado, mas não qual especificamente, e esta é a expectativa que funciona como motivação para seus frequentadores.

Mas a cidade não é um conglomerado de pontos excludentes, sejam estes pedaços ou manchas: as pessoas circulam, escolhem entre várias alternativas – este ou aquele, este e aquele e depois aquele outro – de acordo com determinada lógica. Inclusive, quando se dirigem a seu pedaço habitual, no interior de determinada mancha, seguem caminhos que não são aleatórios. Está se falando

desenhos páginas anteriores: Usos cotidianos - a marquise ocupada, de Eduardo Gurian

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de trajetos, um novo termo que surgiu da necessidade de categorizar uma forma de uso do espaço que se diferencia, em primeiro lugar, daquele descrito pela cate-goria pedaço. Enquanto esta última, como se viu, remete a um território que funciona como ponto de referência – e, no caso da vida no bairro, evoca a permanência de laços de família, vizinhança e origem, entre outros –, o trajeto se aplica aos fluxos recorrentes no espaço mais amplo da cidade e no interior das manchas urbanas.

A extensão e, principalmente, a diversidade do es-paço urbano além do bairro apresentam a necessidade de deslocamento por regiões distantes e não contíguas. Esta é uma primeira aplicação da categoria: na paisa-gem mais ampla e diversificada da cidade, os trajetos vinculam equipamentos, pontos, manchas que se com-plementam ou são alternativos. E não de forma aleatória, individual, como uma simples estratégia de desloca-mento. Os trajetos são reconhecíveis e identificáveis em suas regularidades.

O pedaço é aquele espaço intermédio entre a casa (o privado) e o público ou, para utilizar um sistema de oposições já consagrado, entre a casa e a rua. No en-tanto, não é um espaço fechado e impermeável a uma e outra; pelo contrário, é justamente a noção de trajeto que abre o pedaço para fora, para o âmbito do público. E, finalmente, os trajetos levam de um ponto ao ou-tro através dos pórticos. Trata-se de espaços, marcos ou

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vazios na paisagem urbana que configuram passagens. Lugares que já não pertencem à mancha daqui, mas que também não se situam na de lá. Escapam às regras e aos sistemas de classificação de uma e outra e, como tais, apresentam a “maldição dos vazios fronteiriços”, expressão que Santos e Vogel (1985:103) tomam empres-tada do título de um dos capítulos do livro The Death and Life of Great American Cities (1992) de Jane Jacobs. Terra de ninguém, lugar de perigo, preferido por perso-nagens liminares e para realizar rituais mágicos, muitas vezes são lugares sombrios que é obrigatório atravessar rapidamente, sem olhar para os lados... Contudo, são lugares plenos de possibilidades.

Por último, a noção de circuito. Trata-se de uma categoria que descreve o exercício de uma prática ou a oferta de determinado serviço em estabelecimentos, equipamentos e espaços que não mantêm entre si uma relação de contiguidade espacial. Por exemplo, o cir-cuito gay, o circuito das salas de arte cinema, o circuito neoesotérico, o de povo de santo, o dos straight edgers, o dos skaters, o dos evangélicos gospel e tantos outros, cujos pontos podem estar disseminados pela paisagem mais ampla da cidade (inclusive fora dela), mas que constituem uma unidade significativa e reconhecida pelos usuários habituais.

A aplicação regular dessas categorias em diferentes contextos de pesquisa permitiu um maior refinamento

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nas distinções e relações entre elas, o que levou a agrupá--las nesse conjunto que chamei de “família de categorias”. Assim, por exemplo, embora pedaço e mancha tenham em comum uma referência espacial bem delimitada, a relação do pedaço com o espaço é mais transitória, pois pode ir de um ponto ao outro sem se dissolver, já que seu outro com- ponente constitutivo é o simbólico, em função da forte presença de um código comum.

Por sua parte, a mancha, delineada pelos equipa-mentos que se complementam ou que concorrem entre si ao oferecer determinado bem ou serviço, apresenta uma relação mais estável com o espaço e é mais visível na paisagem. A noção de circuito também designa um uso do espaço e dos equipamentos urbanos que, em consequência, torna possível o exercício da sociabili-dade por meio de encontros, comunicação e manejo de códigos. Funciona de forma mais independente em relação ao espaço porque não depende da contiguidade, como ocorre na mancha ou no pedaço. Tem, porém, uma existência objetiva e observável: pode ser localizado, identificado e descrito.

Por outro lado, o circuito comporta vários níveis de alcance, e a delimitação de seu contorno depende das perguntas elaboradas pelo pesquisador. O povo de santo na cidade tem seu circuito e modo de vida correspon-dente, mas é possível, por exemplo, de acordo com os objetivos da pesquisa, delimitar e considerar apenas o

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circuito dos ilês africanizados ou estendê-los aos demais, incluindo ou não os terreiros de ascendência angolana e inclusive os da umbanda. Saindo do terreno propria-mente religioso, esse circuito pode incluir a capoeira, as escolas de samba, os afoxés e também as escolas de dança, exposições de arte africana, restaurantes, e assim sucessivamente. Cada uma dessas perspectivas está em contato com o mesmo sistema simbólico e de inter-câmbios e ainda é o universo do povo de santo e/ou de afrodescendentes, mas cada inclusão ou delimitação depende dos usuários e de seus trajetos.

Todos aqueles que já estudaram terreiros de can-domblé, igrejas evangélicas, bandas juvenis, torcedores de clubes de futebol, espaços de encontro gay etc., sabem muito bem que nesses e em outros casos semelhantes os atores vivenciam de uma forma muito forte as fronteiras e os códigos de pertença. Tomando como referência a categoria já mencionada de pedaço, é evidente, por parte de seus integrantes, uma percepção imediata, sem am-biguidades, com relação a quem pertence ou não a ele: trata-se de uma experiência concreta e compartilhada e o etnógrafo, por sua vez, também percebe e a descre-ve, já que dita modalidade de encontro e sociabilidade supõe a presença de elementos mínimos estruturado-res que a tornam reconhecível em outros contextos. Há determinado domínio que é vivenciado por eles e que, percebido pelo analista, pode não somente ser descrito

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em seus elementos estruturadores como pode transcen-der os limites de seu uso nativo, conseguindo vincular-se sucessivamente a outro níveis e escalas.

Assim, o conhecimento que resulta dessa forma par- ticular de aplicação do método etnográfico tem como suposto a ideia de que o objeto de observação e estudo possui duas faces: uma relacionada com o agente, que tem sentido imediato para ele, pois é sua prática; a outra, que é percebida pelo pesquisador, que reconhece esse sentido e o descreve em seus termos. Em trabalhos anteriores (MAGNANI, 2012, 2014) fiz uma aproximação com a formula-ção de Marc Augé que, evocando os “lugares de memória” de Pierre Nora (1984), fala de “um lugar antropológico”: segundo seus termos, seria “simultaneamente princípio de sentido para aqueles que o habitam e princípio de inteligibilidade para quem o observa” (1994:51). Desde o ponto de vista do agente, trata-se de um “arranjo”, re-sultado de escolhas, diante de um repertório de alterna-tivas; o observador o reconhece, segue-o e, no processo da investigação, o refere a outros recortes, quando, então, constitui uma “unidade de análise” em outro nível.

Portanto, uma unidade consistente em termos de etnografia é aquela que, experimentada e reconhecida pelos atores sociais, é identificada pelo investigador e elaborada como categoria de maior alcance. Para os pri-meiros, é o contexto da experiência e, para o segundo, um recurso descritivo, chave de inteligibilidade. Uma vez

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que não se pode contar com uma unidade dada a priori, postula-se uma que será construída a partir da experiên-cia dos atores e com ajuda de hipóteses de trabalho e escolhas teóricas, como condição para que se possa dizer algo a mais do que generalidades com respeito a tal ou qual objeto de estudo.

Desse modo, aqueles planos aos quais se fez alusão anteriormente – a cidade no seu conjunto versus cada prá- tica cultural associada a este ou aquele grupo de atores em particular; ou ainda, numa fórmula concisa, antropologia da ou na cidade – devem ser considerados como dois polos de uma relação que circunscrevem, determinam e possibilitam a dinâmica estudada. Para captar os vá-rios planos dessa dinâmica, por conseguinte, é necessário localizar o foco nem de tão perto que se confunda com a perspectiva particularista de cada usuário, nem de tão longe a ponto de distinguir um recorte amplo, mas gené-rico e sem maior poder explicativo.

Em outros termos, nem no nível das grandes es-truturas físicas, econômicas, institucionais etc. da cidade, nem no nível das opções individuais, mas há planos intermediários nos quais se pode distinguir a presença de padrões, de regularidades. Para captá-los é preciso, por conseguinte, modular o olhar. Entre o “de longe e de fora” e o de “perto e de dentro” certamente há passagens e gradações que permitem variar ângulos e escalas da observação.

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O NAU E OS GRUPOS DE PESQUISA: GERM, GESD, NAUCIDADES, GEU

No livro Da periferia ao centro: trajetórias de pesquisa em Antropologia Urbana (2012), exponho com mais deta-lhes as aplicações das categorias apresentadas em três dos vários trabalhos desenvolvidos nos atuais grupos de pesquisa do Laboratório do Núcleo de Antropologia Urbana da USP (LabNAU): o Grupo de Estudos de Religião na Metrópole (GERM), Grupo de Estudos da Deficiência (GESD), NauCidades e Grupo de Etnologia Urbana (GEU). No primeiro trabalho, a dis-seminação de práticas que denominei “neoesotéricas”, influenciadas pelo movimento New Age; no segundo, a presença de pessoas surdas e suas formas de desloca-mento por diferentes espaços da cidade; e, finalmente, no terceiro, a inserção de jovens e suas práticas cultu-rais na capital paulistana. É sem dúvida uma amostra bastante heterogênea, mas que permite mostrar a ver-satilidade de ditas categorias.

No entanto, expor esses temas excede os limites deste artigo, motivo pelo qual me centrarei em um experimento recentemente realizado fora da cidade de São Paulo com o propósito de pôr à prova as categorias de análise. Trata-se de um conjunto de pesquisas reali-zadas na região amazônica com um coletivo indígena, os Sateré-Mawé, que habitam na fronteira dos estados

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do Amazonas e Pará, nas margens do rio Amazonas e seus afluentes. Essas investigações constituem uma nova linha de trabalho, provocativamente nomeada pelos meus alunos como “etnologia urbana”, não somen-te porque inaugura um campo empírico novo – cidades da Amazônia com significativa presença indígna –, mas também por abrir diálogo com a área da Antropologia dedicada ao estudo de povos indígenas em seus contex-tos tradicionais.

O CIRCUITO DOS SATERÉ-MAWÉ: UM NOVO CAMPO

Este é um novo desafio, pois, assim como a constituição da categoria pedaço foi o resultado de um processo em que uma noção nativa, com o seu sentido vernacular, foi posta a dialogar com um modelo já existente – a oposição “casa/rua” de Da Matta –, agora se ofereceu uma nova oportunidade: a articulação entre a experiên-cia urbana de uma etnia indígena, os Satere-Mawé, e a categoria de circuito tal como é empregada nas investi-gações do NAU e com alguns conceitos desenvolvidos por Tim Ingold em seus últimos textos.

Com efeito, ao tentar aplicar aquela categoria para descrever a particular forma de inserção dessa etnia, inicialmente na capital do estado do Amazonas e

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depois, para além dela, foi necessário proceder a alguns ajustes que permitiram não somente seu uso em um novo contexto, como a descoberta de outras potencia-lidades da categoria.

Antes de apresentar os primeiros resultados dessa incursão, porém, é conveniente trazer a colação algumas informações para contextualizá-los. Segundo dados oficiais de 2010 sobre a população indígena no Brasil, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estadística (IBGE), de um total de 896.900 pessoas, 315.180, ou seja 36,2% moram em cidades. Cabe sina-lizar, para efeitos de comparação, que no século XVI, à chegada dos europeus, estima-se que a população indígena somasse de 2 a 4 milhões de pessoas; hoje constituem 0,44% do total de 200 milhões de brasi-leiros. Sua taxa de crescimento, no entanto, é de 3,5% diante de 1,6% da média nacional. Há 246 etnias que falam 160 línguas.

A região Norte tem o maior número de indíge-nas em termos absolutos (305.873). Em Manaus, com 1.802.000 habitantes, essa população, segundo diversas estimações, varia entre 6 mil e 20 mil pessoas de dife-rentes etnias. Os autodeclarados, porém, são só 4.404, destacando-se, entre as etnias mais numerosas, os Ticuna e Cokama, do Alto Solimões; os Tucano, Baré, Desana e Tariano, do Alto Rio Negro; e os Sateré-Mawé e Mundurukú, do Baixo Amazonas (TEIXEIRA,

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MAINBOURG, BRASIL, 2009: 540). Em Manaus, os Sateré-Mawé chegam a 600 pessoas.3

Estes últimos, cuja experiência urbana foi o tema da experiência etnográfica, habitam tradicionalmente uma região localizada numa área de cinco municípios entre os estados do Amazonas e Pará – Barreirinha, Parintins, Maués, Itaituba e Aveiro – e que foi homo-logada como território indígena em 1986. Sua língua integra o tronco linguístico tupi e eles se consideram os “filhos do guaraná”, planta nativa de seu território que, domesticada e consumida por eles em rituais e no seu cotidiano, é também a base de uma bebida gasosa produzida de forma industrializada, de consumo disse-minado. O contato com essa etnia remonta ao século XVII, mas é a partir da década de 1970 que sua pre-sença foi notória nas cidades da região e na capital do estado. Muitos da geração mais jovem estão integrados à vida urbana, falam português e frequentam escolas públicas, mas os Sateré mantêm suas tradições e seus vínculos com aldeias em terras indígenas.

3. Segundo o censo 2002/2003, sua população total era de 9.400 pessoas, das quais 7.502 viviam em áreas indígenas, 998 em diferentes áreas urbanas, 300 em áreas rurais não indígenas e 600 em Manaus (TEIXEIRA, MAINBOURG,

BRASIL, 2009).

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OS CIRCUITOS SATERÉS

As abordagens mais convencionais sobre a situa-ção dos indígenas que moram nas áreas urbanas se centram, preferentemente, nas precárias con-dições de vida, trabalho e sobrevivência comuns a quaisquer outros habitantes de baixos ingres-sos que vivem na periferia dos centros urbanos. No entanto, é possível encarar esse fenômeno sob outro prisma, que, em lugar de limitar a presença indígena no contexto habitual do processo de pe-riferização urbana, com sua instável inserção no mercado laboral e confinamento em zonas de risco, carentes de serviços e equipamentos básicos, propõe questões do tipo: que é a cidade, na concepção das diferentes etnias que nela habitam? Que transforma-ções acarreta sua presença na dinâmica da cidade? Como estabelecem nela suas redes de sociabilidade? Quais são seus trajetos no tecido urbano e que ins-tituições, alianças e estratégias acionam na busca de manter um modo de vida diferenciado segundo suas cosmologias?

Nas primeiras idas a campo, em Manaus, foram os eixos do lazer e do tempo livre – seguindo uma tra-dição nos estudos do NAU – que orientaram o olhar e as escolhas; logo, três práticas e espaços de encontro e sociabilidade chamaram a atenção: o futebol, as

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feiras de artesanato e um ritual de iniciação4. Porém, depois de um tempo de observação e convivência, ficou evidente que os aspectos particularmente óbvios dos dois primeiros – lazer em um caso e venda de produ-tos como fonte de recursos, no outro – não esgotavam a questão. O futebol, que a literatura mostra ser uma atividade muito difundida entre populações indígenas inclusive nas áreas de reserva, em Manaus se situa-va também em um quadro institucional mais amplo, o “Peladão”, famoso campeonato de futebol amador que mobiliza toda a cidade, inclusive os indígenas. O mesmo ocorreu com o artesanato: passar dos pontos de venda para o processo de produção e as redes de distribuição abriu um campo insuspeitado, revelando redes de intercâmbio, coleta e aquisição de sementes por toda a cidade, entre outros aspectos.

O futebol, sem dúvida, pode ser enquadrado na ca-tegoria de lazer, pois é praticado regularmente e com igual entusiasmo por indígenas das etnias mais variadas, homens e mulheres, com seus vizinhos não indígenas, em quadras de terra perto de suas casas, ou localizadas em centros poliesportivos. Porém, a participação oficial em

4. Rodrigo Chiquetto: "A cidade do futebol: etnografia sobre a prática futebolística na metrópole manauara", 2014; Ana Luísa Sertá: "Seguindo Sementes: um estudo sobre circuitos e trajetos Sateré-Mawé na amazônia.; José Agnello: "Indígenação da cidade: etnografia do circuito Sateré-Mawé em Manaus/AM e arredores".

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uma categoria indígena no Peladão desde 2005 intro- duziu novas conotações e abriu um importante espaço de disputas, afirmação e encontro: a formação dos times, a definição de quem é ou não indígena, e a etnia a qual pertence, as acusações mútuas denunciando a presença de “brancos” no time oponente, as representações sobre o estilo de jogo dos indígenas por oposição aos brancos etc.

Todo ano, esse campo de disputa se renova e a pre-sença indígena na cidade ganha importante visibilidade. Pode-se dizer que, nesse caso, o futebol, além de ser uma forma de entretenimento, é um dispositivo que produz significados, estabelece distinções e gera cate-gorias de distinção e pertença.

Com relação ao artesanato, trata-se de uma ativi-dade realizada principalmente por mulheres no âmbito doméstico, nos intervalos dos afazeres domésticos ou em grupo, na sede de alguma associação, com filhos pe-quenos em volta delas, em clima de conversação, fofoca e relaxamento. Sem dúvida é um trabalho que constitui fonte de ingressos para o orçamento familiar, mas o marco em que se insere é muito mais amplo que o aspecto econômico: a obtenção da matéria-prima, especialmente das sementes, instaura um extenso cir- cuito do qual participam os parentes residentes nas aldeias de áreas demarcadas, membros de outras etnias, além da aquisição no mercado, e, principalmente, a coleta por parte das artesãs em trajetos por praças, parques,

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jardins e terrenos vazios devidamente localizados e ma- peados por toda a cidade.

E, por último, o ritual da Tucandeira nas aldeias urbanas de Manaus, rito de iniciação masculino em que crianças e jovens, em meio a danças e cânticos, devem enfiar as mãos em duas luvas de palha trançada cheias de formigas para serem considerados “verdadeiros guerreiros”. É um ritual complexo que aciona uma rede extensa de relações, pois é necessário convidar os candi-datos dispostos a enfiar suas mãos nas luvas e aguentar as ferroadas, contatar um bom mestre de cerimônias, geralmente da terra indígena, para conduzir os cânticos e as danças; procurar, cuidar e coletar as formigas que serão inseridas nas luvas, as quais, depois de tecidas, devem ser enfeitadas com penas de gavião-real e arara--vermelha, difíceis de adquirir.

É preciso também obter a polpa de jenipapo para preparar a tinta usada nos grafismos corporais, arrumar o espaço na comunidade para o ritual e receber os vi-sitantes (parentes, vizinhos, pesquisadores, estudantes de antropologia, jornalistas) – o que implica construir tendas para a venda de artesanato, comidas e bebidas típicas; levantar o palco para as apresentações musi-cais e até armar tábuas para tiro ao alvo com arco e flecha. Ou seja, supõe uma série de atividades que demandam tempo, dinheiro, uma rede de relações e conhecimentos específicos.

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Somente esses três aspectos da presença dos Sateré em Manaus – futebol, artesanato e a Tucandeira – ins-tauram complexos circuitos por onde transitam humanos e não humanos, parentes da cidade e das terras indíge-nas, lideranças e políticos, estudantes e professores etc. Está-se muito longe da visão de pobres indígenas con-finados na periferia: eles possuem agência, deixam suas marcas, transitam por redes de sociabilidade estendidas.

Eis alguns pontos desse circuito, alguns dos quais vão além da cidade de Manaus: no centro da cidade, a Praça Tenreiro Aranha, com as barracas de venda de artesanato; a sede da Associação de mulheres Sateré-Mawé, no bair-ro de Compensa; as aldeias Y’Apryrehyt e Waikiru na região oeste de Manaus; a aldeia Hywy, já nas margens do igarapé Tarumã-açu; Sahú-Apé, no município de Iranduba, perto de Manaus; a Casa do Estudante na cidade de Parintins e a sede da prefeitura de outra cidade, Barreirinha, onde o prefeito é sateré; as aldeias em área indígena Andirá-Marau, já na fronteira com o estado do Pará; os portos de embarque nos rios e igarapés; os templos da igreja Adventista do Sétimo Dia, que muitos deles frequentam; os hotéis de luxo onde realizam suas performances culturais para turistas; os cursos de Licenciatura Intercultural em unidades da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), entre outros.

Segundo a natureza da atividade à qual determina-do circuito oferece sustentação, e as particularidades dos

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atores que o percorrem, seu alcance pode ser ampliado ou restrito. Pode incluir novos pontos, abandonar ou-tros, valorizar outros mais. Assim, para obter sementes para artesanato, como já foi referido, são percorridos distintos trajetos na cidade (parques, terrenos baldios, jardins), na floresta, nas aldeias indígenas; para realizar o ritual da Tucandeira (o que implica trazer formigas, elaborar as luvas, achar um bom cantor, identificar e convidar possíveis candidatos), o circuito será outro, assim como para participar do torneio de futebol na categoria indígena, na época do Peladão.

Esses circuitos podem sobrepor-se, encontrar-se, servir para usos múltiplos, podem ser substituídos e também agregar novos pontos – pedaços ou manchas –, pois, embora tenham como referência determinados espaços na paisagem, não são estáticos, fixos. E são justamente os trajetos que atualizam, acionam e dinami-zam os circuitos; estes, por sua vez, outorgam visibilidade e sustentação às redes e aos trajetos.

Para além desse processo de elaboração e amplia-ção das categorias, com base nos usos e significados continuamente renovados por seus atores, podem estabelecer-se novas negociações para fundamentar seu alcance a partir das necessárias interlocuções com os clássicos temas do parentesco, da cosmologia e do xamanismo, e com os aportes de Tim Ingold de lines, dwelling e wayfaring. Pois a experiência urbana dos

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Saterés, em vez de estar confinada a determinados espaços na cidade, à qual não lhes caberia outra alter-nativa, segundo a visão mais comum, senão se adaptar, e aos piores lugares, tem seus próprios contornos e dia-loga com a experiência dos Tukano, Tikuna, Kambeba e Mura – se se pensa numa Manaus indígena – e tam-bém com a cidade dos moradores não indígenas, que têm seus trajetos nos diferentes circuitos formados pelo universo do trabalho, da política, das agências de saúde, das instituições de ensino, cultura, lazer etc.

Olhadas separadamente, ou em uma visão macro da cidade – de longe e de fora –, essas formas de in-serção podem parecer irrelevantes, mas, quando são articuladas conformando uma espécie de totalidade, constituem unidades de sentido e princípios de inte-ligibilidade do modo de ser sateré: dizem algo sobre eles, sobre as marcas que deixam numa paisagem mais ampla que inclui a cidade, a floresta, os rios e flexibiliza suas fronteiras. No entanto, também dizem algo sobre São Paulo e sobre outros modos urbanos de viver, hoje.

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REFAZENDO O TRAJETO: DA ALDEIA À METRÓPOLE

Ao longo deste texto, algumas dicotomias foram re-correntes: “de perto e de dentro” versus “de longe e de fora”; Antropologia Clássica/Antropologia Urbana; antropologia da cidade/antropologia na cidade. No entanto, mais que dicotomias cujos termos se opõem, podem ser encaradas como sistemas de relações em que as posições instigam, tensionam e, por fim, se comple-mentam. Permitem, ademais, fazer experimentos: tudo começou tendo como laboratório uma cidade na escala de metrópole, cosmopolita, onde a etnografia forjou sua “família” de categorias – pedaços, trajetos, mancha, pór-tico, circuito – posteriormente aplicadas nas aldeias dos Sateré-Mawé, tanto em contextos urbanos de escalas menores, como nas áreas de rio e floresta na própria terra indígena, no baixo Amazonas. “Da metrópole à aldeia”, anunciava o titulo.

No entanto, ao término destas reflexões surgiu a oportunidade para explorar uma nova pista, inverten-do o título: o que essas categorias, após sua imersão em aldeias amazônicas, poderiam trazer no retorno à metrópole? Penso na mais recente leva dos trabalhos de meus orientandos de pós-graduação – Giancarlo Machado e os skatistas (2017), Mariana Machini e suas hortas urbanas (2017), Michel Soares e a academia de

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boxe embaixo do viaduto (2018) e finalmente Raphael Piva com os campos de futebol de várzea na zona nor-te da cidade (2018).

Não há como relatar os achados de todos eles, fico só com o caso das hortas, disseminadas aqui e ali, no centro e nos bairros, na Vila Madalena e na avenida Paulista: nelas, vizinhos, colegas e coletivos de militan-tes plantam, cuidam, colhem e falam sobre espécies ve-getais, familiares ou estranhas, aparentemente desloca-das nesta selva, não a amazônica, mas a de “pedra” como São Paulo é conhecida. Exotismo? Lazer? Trabalho? Alertas sobre poluição e defesa do meio ambiente? Um pouco de cada, mas como Mariana mostrou em sua dissertação, certamente um modo de ser e viver na metrópole onde fruição e compartilhamento, experi-mentações e trabalho, ocupação de espaços públicos e debate politico se combinam a partir de uma sociabi-lidade que começa nos pedaços e se consolida ao longo de trajetos, formando mais um circuito na grande cidade.

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SOBRE O AUTOR

JOSÉ GUILHERME CANTOR MAGNANI é licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná, concluiu seu mestrado na FLACSO (Chile) e o douto-rado em Antropologia na Universidade de São Paulo (USP), onde é professor titular e pesquisador. Entre suas publicações, destacam-se os livros Festa no pedaço: cultura popular e lazer na cidade (1984), Na metrópole: textos de Antropologia Urbana (coautor, 1996), Mystica Urbe: um estudo antropológico sobre o circuito neoesotérico na metrópole (1999), Jovens na metrópole (2007) e Da periferia ao centro: trajetórias de pesquisa em Antropologia Urbana (2012). Além disso, ainda escreveu os artigos “Leisure in Popular Districts in São Paulo”, publicado em 1994 na Societé et Loisir; “De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana”, publicado em 2002, na Revista Brasileira de Ciências Sociais; “Antropologia Urbana: desafios e perspectivas”, publicado em 2016 na Revista de Antropologia. É coordenador do Laboratório do Núcleo de Antropologia Urbana (LabNAU) e edi-tor responsável de Ponto.Urbe, revista eletrônica do NAU: http://www.n-a-u.org/

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COLEÇÃO OUTRAS PALAVRAS

Viver a cidade, transformar a vida urbanaANTONIO RISÉRIO

Inventar outros espaços, criar subjetividades libertáriasMARGARETH RAGO

Conciliação, regressão e cidadeTALES AB’SABER Carolina Maria de Jesus: literatura e cidade em dissenso FERNANDA R. MIRANDA Rizoma temporal PETER PÁL PELBART

Da metrópole à aldeia: um trajeto de Antropologia UrbanaJOSÉ GUILHERME C. MAGNANI

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Este texto é fruto de duas aulas realizadas pelo autor para a série 'Antropologia e Cidade' do Seminário de Cultura e Realidade Contemporânea da Escola da Cidade em 7 de junho de 2017.

autor JOSÉ GUILHERME C. MAGNANItexto de apresentação JOSÉ GUILHERME PEREIRA LEITErevisão LUCIANE HELENA GOMIDEprojeto gráfico TRÊS DESIGNdiagramação EDITORA ESCOLA DA CIDADEdesenho capa GABRIELLA GONÇALLESagradecimentos LAURA PETERS, EDUARDO GURIAN E BAÚ/ESCOLA DA CIDADE

COLEÇÃO OUTRAS PALAVRAScoordenação JOSÉ GUILHERME PEREIRA LEITE E FABIO VALENTIM

ASSOCIAÇÃO ESCOLA DA CIDADE FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO Rua General Jardim, 65 - Vila Buarque 01223-011 São Paulo SP T +55 11 3258 8108 [email protected]

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ASSOCIAÇÃO ESCOLA DA CIDADEpresidência ALVARO LUÍS PUNTONI, FERNANDO FELIPPE VIÉGAS E MARTA MOREIRA

CONSELHO ESCOLAdiretoria CRISTIANE MUNIZ E MAIRA RIOS

CONSELHO CIENTÍFICOdiretoria ANÁLIA M. M. DE C. AMORIM E MARIANNA BOGHOSIAN AL ASSAL CONSELHO TÉCNICO diretoria GUILHERME PAOLIELLO

CONSELHO HUMANIDADES diretoria CIRO PIRONDI

CONSELHO SOCIALdiretoria ANDERSON FABIANO FREITAS

EDITORA ESCOLA DA CIDADEcoordenação FABIO VALENTIMMARINA RAGO MOREIRA, THAIS ALBUQUERQUE, ALEXANDRE BASSANI E RICARDO KALIL

NÚCLEO DE DESIGNcoordenação CELSO LONGO E DANIEL TRENCHDÉBORA FILIPPINI, BEATRIZ OLIVEIRA E GABRIEL DUTRA

MEIOS DIGITAIS E AUDIOVISUALcoordenação ALEXANDRE BENOITcoordenação baú CLARISSA MOHANYFERNANDA TEIXEIRA, LUISA MARINHO E LÚMINA KIKUCHI

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fontes Adobe Caslon Pro e Glacial Indifference

Primeira edição impressa em maio de 2018.Edição digital distribuída gratuitamente.São Paulo, junho de 2020.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP

MAGNANI, José Guilherme C. Da metrópole à aldeia: um trajeto de antropologia Urbana / José Guilherme C. Magnani. – São Paulo: ECidade, 2020. 62 p.; Digital. – (Outras Palavras; v.6). ISBN: 978-65-86368-09-3

1. Antropologia urbana. 2. Sociabilidade. I. Título. II. Série.

CDD 307.76

Catalogação elaborada por Edina R. F. Assis – CRB 8/6900

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COLEÇÃO OUTRAS PALAVRAS

As “outras palavras” [...] são as múltiplas palavras que sempre tiveram espaço na Escola da Cidade, desde a sua fundação, preocupada que é esta Escola com a sólida e ampla formação humanista de seus estudan-tes, professores e colaboradores. Noutras palavras, são também as outras “turas” de que fala Cortázar, na alta intensidade de seu fraseado dançante, no jogo tramado de seus cacos significativos: “A nossa verdade possível tem de ser invenção, ou seja, litera-tura, pintura, escultura, agricultura, piscicultura, todas as turas deste mundo. Os valores, turas, a san-tidade, uma tura, a sociedade, uma tura, o amor, pura tura, a beleza, tura das turas”. Juntar essas pontas é uma utopia? Esperamos que essas “turas” e leituras multipliquem-se no tempo, nas mãos e no pensa-mento de nossos leitores. Por isso, trazemos a público esses livros, essas reflexões recolhidas.

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JOSÉ GUILHERME C. MAGNANI

Mais do que uma suposta capacidade liber-tária da cultura popular ou da opressão da ideolo-gia dominante sobre as tradições populares, emer-gia uma questão nova: a existência de uma rica rede de entretenimento e sociabilidade nos bairros populares da cidade de São Paulo. Dessa forma, embora tenha chegado com determinada pergun-ta, eles, com suas respostas, me remeteram a outro campo e a outros caminhos, aliás muito mais in-teressantes, para continuar a pesquisa. Segredos e surpresas da etnografia...