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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2008 Versão On-line ISBN 978-85-8015-039-1 Cadernos PDE VOLUME I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 20

08

Versão On-line ISBN 978-85-8015-039-1Cadernos PDE

VOLU

ME I

O ENSINO DA COMPREENSÃO LEITORA: ALGUMAS POSSIBILIDADES

Vanilde Terezinha Roqui Franco1

Maria Cleci Venturini2

RESUMO

O presente artigo faz parte das atividades do PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional) desenvolvido pela Secretaria de Estado da Educação e apresenta um estudo realizado com alunos de 6ª série do Colégio Estadual Gabriela Mistral. O objetivo foi investigar as possíveis causas da dificuldade de compreensão leitora revelada por esses alunos e ainda, descobrir possibilidades de como ajudá-los a superar tais dificuldades. O trabalho teve como eixo estruturador os aspectos psicolinguísticos envolvidos no ato de ler. O corpus de análise foi uma Unidade Didática, composta por textos de diferentes gêneros com temática comum. É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento que o leitor constrói um sentido para o texto. A análise das respostas dadas pelos alunos nas atividades de leitura revelou que grande parte deles não apresenta os conhecimentos prévios necessários à compreensão dos textos lidos.

PALAVRAS-CHAVE: Leitura. Compreensão. Conhecimentos prévios.

Psicolinguística.

ABSTRACT

This article is part of the activities of Educational Development Program (PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional) developed by State Department of Education (Secretaria de Estado da Educação) and presents a case with the 6th

grade students of the Colégio Estadual Gabriela Mistral. The main goal was to investigate the possible causes of reading comprehension difficulties shown by these students as well as to find out ways to help them to overcome these difficulties. The project had as its structural axis the aspects psycholinguistics related to the act of reading. The corpus of analysis was a Teaching Unity, compounded by texts from different genres with a common theme. It is through the interaction of various levels of knowledge that the reader builds a sense to the text. The analysis of the answers given by the students during the reading activities has revealed that most of them do not have the prior knowledge necessary to comprehend the texts read.

1 Professora de Língua Portuguesa. C.E. Gabriela Mistral. Participante do PDE-PR. Porto Barreiro, PR. [email protected] Professora do Departamento de Letras. UNICENTRO. Dra. em Estudos Linguísticos. Guarapuava, [email protected]

INTRODUÇÃO

A grande dificuldade apresentada pelos alunos no que se refere à

compreensão leitora, especificamente os do Colégio Estadual Gabriela Mistral

sempre foi um grande problema para os professores. Entendemos por leitura a

captação do sentido ou conteúdo do texto escrito, sentido este, que resulta da

interação entre o autor e o leitor, na perspectiva psicolinguística, de onde olhamos

nosso objeto de estudo.

As Diretrizes Curriculares Estaduais de Educação Básica (DCEs) de Língua

Portuguesa entendem a “prática de leitura como um ato dialógico, interlocutivo”

(PARANÁ, 2008, p.35), em que o aluno ao entrar em contato com o texto, atribui-lhe

um sentido, ou seja, o aluno desempenha um papel ativo durante o ato da leitura.

Como declaram Koch e Elias:

Nessa perspectiva, o sentido de um texto é construído na interação texto-sujeitos e não algo que preexista a essa interação. A leitura é, pois, uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza evidentemente com base nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento comunicativo. (grifos das próprias autoras - 2006, p.11)

Essa concepção interacionista (dialógica) da leitura é apontada também por

Kleiman (1989, p. 10) quando afirma “... a leitura é um ato social, entre dois sujeitos

– leitor e autor – que interagem entre si obedecendo objetivos e necessidades

socialmente marcados.”

A leitura é, pois, uma atividade fundamental em qualquer área do

conhecimento, já que a aprendizagem das diversas disciplinas está fundamentada

nela, e como propõem as DCEs “... as atividades de interpretação de texto precisam

apresentar questões que levem o estudante a construir um sentido para o que lê...”.

(PARANÁ, 2008, p.37)

Diante desse fato, fomos buscar referenciais teóricos que pudessem nos

auxiliar, na concretização de nosso principal objetivo, o qual era detectar as

possíveis causas dessa dificuldade e que permitissem a proposição de atividades

com vistas a minimizar a dificuldade da compreensão leitora, já que uma questão se

apresentava como central em nosso trabalho: como ajudar o aluno a desenvolver

sua capacidade de compreender o texto escrito?

2

O corpus para a realização da investigação é uma unidade didática construída

a partir de uma entrevista realizada entre os alunos de 5ª série que apontou os

temas de interesse deles, que são o esporte e os heróis. Na produção da unidade

didática buscamos contemplar nos textos para leitura esses temas, supondo que o

interesse dos alunos por eles lhes daria uma maior capacidade de compreensão, já

que possuiriam um conhecimento prévio mínimo do assunto.

Os textos selecionados para a composição de nossa Unidade Didática são de

diferentes gêneros como: narrativa mitológica, romance, notícia, poesia. Sendo

alguns integrais e outros apenas fragmentos escolhidos de acordo com nossos

objetivos. As atividades de leitura foram elaboradas em acordo com a teoria que

embasa nossa pesquisa, ou seja, os aspectos psicolinguísticos envolvidos no ato de

ler.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Segundo Adam e Starr (apud Colomer & Camps, 2002, p. 29) a leitura é a

capacidade de entender um texto escrito. Essa definição é aparentemente simples e

óbvia, mas se analisada sob as evidências, tanto de pesquisas realizadas, como

daquilo que é perceptível no interior das escolas, ganha outra dimensão,

evidenciando que a escola não cumpre uma das suas funções básicas: ensinar o

aluno a compreender aquilo que lê.

A compreensão de textos é um processo complexo no qual entram em jogo

vários fatores e é preciso conhecer esses fatores para que se torne eficiente nossa

atuação como docentes que se propõem ao trabalho com leitura, aquela leitura de

fato compreensiva, ou como chamou Perini leitura funcional. Para Perini (apud

Fulgêncio e Liberato, 1992, p. 13) “Leitura funcional não é a simples decodificação

do sinal gráfico, mas a leitura com compreensão”.

Segundo autores consagrados, entre os quais se destacam Kleiman, Kato e

Smith a leitura é o resultado da interação entre o que o leitor já sabe e o que ele

retira do texto. Quanto mais informações o leitor possuir sobre o assunto do texto,

menos terá necessidade de informações explícitas para construir seu sentido.

Nesse processo interativo da leitura o leitor ao entrar em contato com o texto

vai construindo inferências, preenchendo lacunas, elaborando hipóteses. Esse

processo é particular de cada leitor no que diz respeito a seus conhecimentos

3

linguísticos, enciclopédicos e sócio-interacionais. Por esse motivo, um texto pode ser

interpretado de maneiras distintas entre diferentes leitores, e até mesmo lidas de

modo diferente por um mesmo leitor, pois seu conhecimento pode ser alterado.

O leitor usa simultaneamente seu conhecimento de mundo e o conhecimento

do texto para compreender aquilo que lê, quanto mais esses conhecimentos

puderem interagir no processo de leitura menores serão as chances de o leitor

cometer “desvios” na sua interpretação. Nas palavras de Smith (1991, p. 86) a leitura

é a associação do que está atrás dos olhos com o que está a frente dos olhos,

apenas decodificar e não encontrar sentido não é leitura.

Durante o ato de ler são realizadas ações mentais, sobre as quais, na maioria

das vezes, não temos controle consciente e que Kleiman (1993) denomina

“estratégias de leitura”. São essas estratégias que permitem ao leitor “buscar” em

sua memória o conhecimento necessário para a compreensão daquilo que está

lendo.

As estratégias de leitura são definidas por Kleiman (1993, p.49) “como

procedimentos regulares utilizados pelo leitor para recuperar o sentido do texto”. A

autora classifica essas estratégias como cognitivas e metacognitivas. As estratégias

metacognitivas são operações realizadas com algum objetivo passível de controle, já

as cognitivas são operações inconscientes. Exemplificando poderíamos chamar de

estratégia metacognitiva a nossa capacidade de nos autoavaliarmos para ver se

estamos entendendo ou não aquilo que estamos lendo.

As estratégias cognitivas são aquelas ligadas à memória. A partir de

conhecimento implícito, não verbalizado, sobre o qual não temos consciência, nem

controle. Essas estratégias baseiam-se em um conhecimento internalizado. E

tornam-se metacognitivas, pela passagem ao nível do consciente.

As estratégias cognitivas dividem-se em: previsão/antecipação/seleção;

inferências. A previsão/antecipação/seleção é a leitura feita pelo processamento do

material visual e completada pelas previsões e para ser funcional depende em muito

do que o leitor já conhece. É o conhecimento prévio que permite fazer previsões

sobre o que está escrito, antecipando informações com base nas pistas dadas pelo

autor.

A estratégia de previsão envolve desde a de letras e palavras até as

discursivas, ou seja, a organização do texto como um todo. Segundo Kleiman (1989;

p. 37) “o leitor eficiente não decodifica, ele percebe as palavras globalmente e

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adivinha muitas outras, guiado pelo seu conhecimento prévio e por hipóteses de

leitura”. A previsão adequada faz com que a leitura flua de maneira eficaz, do

contrário, pode gerar a compreensão errônea do texto. A leitura é seletiva. Nosso

cérebro, usando as informações que já dispõe, seleciona as informações básicas e

prevê as demais.

Para falar das inferências dizemos que a compreensão de um texto não se dá

pela simples decodificação de seus elementos visuais. Além disso, o significado não

é captado somente pelo que está explícito nele, mas também e, principalmente, pelo

acréscimo ao texto de conhecimentos que o leitor já possui. Dessa forma, os

elementos linguísticos dão as pistas para que, apoiado em seus conhecimentos

extralinguísticos, o leitor possa inferir informações que estão implícitas, ou seja, que

possam ser lidas nas entrelinhas do texto.

Koch (2006, p. 30) afirma que “... todo texto assemelha-se a um iceberg, o

que fica à tona, isto é, o que é explicitado no texto é apenas uma pequena parte

daquilo que fica submerso, ou seja, implicitado”. O reconhecimento do implícito, do

não-dito, mas subentendido, confere ao leitor a possibilidade de interagir

dinamicamente com o texto.

As inferências constituem, portanto, estratégias cognitivas por meio da qual o

leitor constrói uma ponte entre as informações explícitas e as não explicitadas no

texto.

Texto e Fatores de textualidade

Todo texto é uma construção organizada, na qual é possível se estabelecer

uma conexão entre todas as partes que o compõe. Num texto nada pode ser

“estranho”, contraditório, ou seja, tudo deve fazer sentido.

O texto nas DCEs é entendido como “uma unidade de sentido, pode ser

verbal ou não verbal” (PARANÁ, 2008, p.58), ou ainda, “é a materialização de um

enunciado e é entendido como unidade contextualizada da comunicação verbal”

(Bakthin 1992, apud PARANÁ, 2008, p.58).

Texto, na concepção de Venturini,

[...] é uma produção linguística tematicamente centrada e, por isso, percebida como um todo organizado de sentido, constituída numa relação comunicativa

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entre sujeitos (autor e leitor) histórica, social e culturalmente identificados. (2000, p. 27)

Esse todo significativo, chamado de texto, caracteriza-se por uma série de

fatores de textualidade: intencionalidade/aceitabilidade; informatividade,

situacionalidade, intertextualidade, coesão e coerência, que a seguir explicitamos.

A intencionalidade e a aceitabilidade dizem respeito à intenção do autor ao

produzir um texto. O objetivo que ele possui ao manifestar-se linguisticamente. Num

texto de caráter argumentativo, por exemplo, a ação verbal tenta influenciar o

comportamento do leitor, ou fazer com que ele partilhe das opiniões, aceitando-as

como verdadeiras.

O leitor precisa aceitar essa manifestação linguística como dotada de sentido

e mais que isso, participar do discurso de forma ativa, partilhado com o autor de sua

intenção comunicativa.

Segundo Venturini (2000, p. 24) a informatividade refere-se ao

balanceamento entre as informações novas e as já conhecidas presentes no texto.

Se, de um lado, não houver esse equilíbrio e predominarem as informações novas,

havendo uma quebra muito grande da expectativa, o leitor pode abandonar a leitura

por considerar difícil o seu processamento; se por outro lado o texto informar apenas

o óbvio, o previsível, o leitor também tenderá a abandoná-lo, já que nada de novo

lhe será acrescentado. É claro que ao produzir um texto o autor pressupõe

determinados conhecimentos por parte do leitor e deixa muitas informações

implícitas a serem recuperadas pelo leitor. Se esse leitor não possuir os

conhecimentos necessários para essa recuperação, a construção do sentido do

texto pode ficar comprometida.

Cabe aqui lembrar as máximas de Grice (apud Kato 2005, p.43) – ser

informativo na medida certa, ser sincero, ser relevante e ser claro – são condições

para que o leitor se empenhe numa ação cooperativa com o autor e recupere o

sentido do texto.

A situacionalidade diz respeito à construção do texto e a situação específica

de comunicação, determinando a variedade linguística a ser utilizada. Na realidade,

a situação é que determina a escolha desde o vocabulário até o gênero textual.

Toda escolha linguística ocorre durante o processo de interlocução, considerando as

pessoas e a situação envolvidas nesse processo. A situação de produção quando

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não é conhecida (atual) precisa ser recuperada para melhor compreensão do texto

lido.

A intertextualidade compreende a necessidade, tanto da produção quanto na

recepção de um texto, do conhecimento de outros textos anteriormente produzidos.

Beaugrande e Dressler (1997, p. 249; apud. Venturini 2000, p.26) referem-se à

intertextualidade “como o conhecimento que tenham os participantes, na interação

comunicativa, de outros textos anteriores a ele”. Para Koch e Elias:

A intertextualidade é elemento constituinte e constitutivo do processo de escrita/leitura e compreende as diversas maneiras pelas quais a produção/recepção de um dado texto depende de reconhecimento de outros textos por parte dos interlocutores, ou seja, dos diversos tipos de relações que um texto mantém com outros textos. (2006, p.86)

Trata-se, portanto, da presença – implícita ou explícita – de um texto em outro

texto. E para a compreensão de um, recorremos ao outro. A identificação da

presença de outro texto naquele que está sendo lido depende muito do

conhecimento do leitor, proveniente de suas leituras anteriores.

As autoras esclarecem que a intertextualidade pode ser explícita, ou seja,

facilmente identificada, pois ocorre a citação do texto fonte, ou da sua fonte, como

nas citações e referências. Ainda, segundo elas, há casos em que a

intertextualidade precisa ser recuperada na memória, para construir o seu sentido, já

que é implícita, como nas alusões, nas paródias e em certas paráfrases, em que não

são citadas as fontes. Pode reproduzir o “estilo” do autor do texto fonte e esse

processo é denominado estilização, uma vez que procura incorporar o estilo do outro

texto. Evidentemente, a intertextualidade, diz respeito a um conhecimento que

precisa ser partilhado entre o produtor e o receptor do texto.

Para falar de coesão e coerência textuais, é preciso lembrar como afirmam

Koch e Elias (2006, p. 186) que as noções desses conceitos foram se alterando

significativamente ao longo do tempo e que inicialmente se confundiam, sendo

usados muitas vezes indistintamente.

Atualmente, porém, se diferenciam como afirmam as autoras (2006, p. 186):

A coesão não é condição necessária nem suficiente para a coerência: as

marcas de coesão encontram-se no texto (`tecem o tecido do texto), enquanto

a coerência não se encontra no texto, mas constrói-se a partir dele, em dada

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situação comunicativa, com base em uma série de fatores de ordem

semântica, cognitiva, pragmática e interacional.

Antunes (2005) considera a coerência a propriedade responsável pela

interação verbal, pois é ela que confere ao texto a possibilidade de funcionar como

meio comunicativo. Ela não é somente lingüística, mas também extralingüística,

contextual, depende de outros fatores além daqueles internos à língua. A coerência

depende de cada situação e intenção comunicativa, além é claro, dos envolvidos no

evento de comunicação.

Para a autora, a coesão tem por objetivo manter as partes do texto ligadas,

isto é, as idéias devem estar intercaladas para manter a continuidade temática.

A coesão é construída por meio de relações que se estabelecem no texto, as

quais Antunes (2005) chama de “relações textuais”. Essas relações são de ordem

semântica, porém diferem quanto ao tipo de ligação que promovem e podem ser:

por reiteração, por associação e por conexão.

A reiteração se dá pela retomada de elementos do texto, criando um

movimento constante de volta ao que já foi dito. A associação é a relação criada

pelas ligações entre palavras de mesmo valor semântico, as quais estabelecem a

unidade temática do texto. A coesão pela relação de conexão diz respeito ao

emprego de conectores (preposições, conjunções,...) que estabelecem a relação de

sentido entre orações, períodos e parágrafos.

Ainda, segundo Antunes, a coesão é um dos fatores que torna o texto

coerente. Os segmentos de um texto vão se ligando em sequência de maneira que

se dá uma continuidade de sentido, ou seja, uma continuidade semântica. Nas

palavras da autora, a coesão está em função da coerência.

Porém, segundo Koch e Elias (2006, p. 187) a coesão por si só não é

responsável pela coerência textual, porque “a coerência não está no texto, mas é

construída pelo leitor com base em seus conhecimentos e na materialidade

linguística do texto”.

Processamento textual

Colomer e Camps (2002, p. 30), ancoradas nos pressupostos teóricos

desenvolvidos por Minsky, Van Dijk, Kintsch, Smith, apresentam dois modelos de

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processamento em leitura. No primeiro modelo o leitor começa a fixar-se nos níveis

inferiores do texto, tais como sinais gráficos, palavras, para formar as unidades

linguísticas até chegar aos níveis superiores da frase e do texto. Esse

processamento é chamado de ascendente. No segundo, o movimento é da mente

do leitor para o texto. Processamento chamado de descendente. Esse

processamento baseia-se em fatores como objetivo do leitor ao ler, seu

conhecimento prévio, as hipóteses e as inferências.

As duas formas de proceder são englobadas na ideia básica de que a pessoa,

ao ler, sabe que o texto possui um significado. Este significado vai ser buscado

através daquilo que o leitor vê no texto e o que ele mesmo traz. Esses sub-

processos são simultâneos e interdependentes. Essa visão do processo é o que se

chama de modelo interativo de leitura.

Neste modelo o leitor é considerado sujeito ativo, conforme afirmam as

autoras:

A relação entre o texto e o leitor durante a leitura pode ser qualificada como dialética: o leitor baseia-se em seus conhecimentos para interpretar o texto, para extrair um significado, e esse novo significado, por sua vez, permite-lhe criar, modificar, elaborar e incorporar novos conhecimentos em seus esquemas mentais. (2002, p.31)

Também Kato (1990), com base em teóricos da cognição, acredita que há

dois tipos básicos de processamento da informação: o top-down (descendente) e o

bottom-up (ascendente). O primeiro seria não-linear, utilizando a dedução das

informações não-visuais para sua aquisição, no sentido da macro para a

microestrutura. O segundo seria o inverso, da micro para a macroestrutura, linear e

indutivo das informações visuais, construindo o significado através da análise e

síntese do significado das partes.

Ainda, segundo a mesma autora, os dois processos são complementares,

uma vez que “o leitor maduro, é aquele que usa, de forma adequada e no momento

apropriado, os dois processos complementarmente” (1990, p. 41).

Segundo Kato, a leitura eficiente é o resultado da interação de ambos os tipos

de processamento que se alternam. A autora identifica três tipos de leitor, com base

nesses dois tipos de processamento:

Teríamos um tipo que privilegia o processamento descendente, utilizando muito pouco o ascendente. É o leitor que apreende facilmente as idéias gerais e principais do texto, é fluente e veloz, mas por outro lado faz excessos

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de adivinhações, sem procurar confirmá-las com os dados do texto, através de uma leitura ascendente. (...) O segundo tipo de leitor é aquele que utiliza basicamente o processo ascendente (...) que apreende detalhes detectando até erros de ortografia, mas que ao contrário do primeiro, não tira conclusões apressadas. É, porém, vagaroso e pouco fluente e tem dificuldade de sintetizar as idéias do texto por não saber distinguir o que é mais importante do que é meramente ilustrativo ou redundante. O terceiro tipo de leitor, o leitor maduro, é aquele que usa, de forma adequada e no momento apropriado, os dois tipos complementarmente. (Kato, 1990, p. 40-1)

Conhecimentos para a leitura

Na perspectiva psicolinguística de Smith (1991, p. 85) no processo de leitura

ocorrem duas formas de informação: a visual, recolhida através dos olhos e a não

visual, disponível na memória do leitor, isto é, o conhecimento que ele já possui

armazenado na memória de longo prazo, também chamado de conhecimento prévio.

Kleiman (1989, p. 13) os define como “conhecimentos adquiridos pelo leitor durante

toda sua vida”. A construção do sentido do texto se dá mediante a interação de

diferentes níveis de conhecimento, como o conhecimento linguístico, o sócio-

interacional e o enciclopédico.

O conhecimento linguístico é, evidentemente, a primeira exigência para que a

leitura se realize. Sem o conhecimento da língua em que o texto está escrito não há

leitura, nem leitor. Porém, o conhecimento linguístico necessário vai além da

decodificação e/ou reconhecimento das letras, envolve o léxico e a gramática.

O conhecimento lexical refere-se não apenas ao domínio do vocabulário, mas

requer ainda saber distinguir entre o emprego denotativo ou conotativo da

linguagem, reconhecer ironias e metáforas, perceber o significado de um vocábulo

em seu contexto de uso, entre outros.

O conhecimento e o domínio das estruturas sintáticas permitem ao leitor

reconhecer um amontoado de palavras como sendo um texto. É a organização

sintática que produz os efeitos de sentido desejados pelo autor. Grande parte das

regras que comandam o uso da língua são internalizadas pelo contato com ela

desde crianças. Outros saberes linguísticos, porém, são adquiridos pelas leituras

anteriores realizadas, as quais permitem reconhecer citações, alusões ou

estilizações, de outros textos na leitura.

O conhecimento sócio-interacional, comentado por Koch (2006, p. 48) se

refere ao saber sobre “as formas de interação através da linguagem, ou seja, é o

1

conhecimento sobre as ações verbais”. Ele é constituído pelos conhecimentos do

tipo ilocucional, comunicacional, metacomunicativo e superestrutural.

O conhecimento ilocucional exige do leitor a capacidade de reconhecer os

objetivos do autor em relação a ele. Isto quer dizer que um leitor proficiente é capaz

de reconhecer, por meio do texto, a intenção do autor: persuadir, mandar, prometer,

recomendar, mentir, enganar, levar à ação, entre outras.

O conhecimento comunicacional traz à tona algumas normas da

comunicação, as quais garantem o sucesso da interação. Inclui o saber sobre a

adequação da variante linguística a cada situação, para cada tipo de texto, em

função de seu tema, de seus objetivos e o leitor. Diz respeito ainda, à quantidade de

informações necessárias em cada situação comunicativa, para que o leitor seja

capaz de reconhecer o objetivo pelo qual o texto foi produzido.

O conhecimento metacomunicativo, de acordo com Koch (2006, p. 49)

permite ao escritor do texto eliminar possíveis mal-entendidos em sua comunicação

e assegurar a sua compreensão, assim como conseguir a aceitação pelo leitor. É o

conhecimento sobre ações linguísticas, como paráfrases, repetições,

exemplificações, das quais o autor se valerá, por exemplo, se o seu objetivo é fazer

com que o leitor aceite seus argumentos e assim consiga persuadi-lo.

E finalmente, o conhecimento superestrutural ou conhecimento dos gêneros

textuais envolve o reconhecimento de textos como exemplares adequados a cada

função comunicativa específica. O contexto situacional determinará o gênero a ser

utilizado para que a comunicação atinja seu objetivo. Esse conhecimento permite

uma melhor interação entre o leitor e o produtor do texto, pois o reconhecimento do

gênero textual já permite ao leitor prever o objetivo daquela produção, uma vez que

cada gênero atende objetivos diferenciados.

O conhecimento enciclopédico ou conhecimento de mundo se refere aos

conhecimentos que vamos acumulando nas nossas experiências, vivências e

aprendizagens. Conhecimentos estes, armazenados na memória permanente, a

memória de longo prazo, em forma de blocos cognitivos. Para Koch e Elias (2006, p.

42) o conhecimento enciclopédico refere-se a conhecimentos gerais sobre o mundo

e envolve vivências pessoais e eventos espaço-temporalmente situados. Portanto, o

conhecimento de mundo é fundamental para a atribuição de sentido ao texto, pois

com base nesses conhecimentos o leitor recupera informações não explicitadas, faz

inferências, por meio das pistas deixadas pelo autor.

1

O conhecimento de mundo está armazenado na memória em forma de blocos

de conhecimentos que permitem ao leitor um intercâmbio entre o que ele já sabe ou

conhece e o que o texto lhe informa de novo.

Esses conhecimentos, de acordo com Kato (2005, p.50) estão organizados

em estruturas cognitivas. Essas estruturas, segundo ela, recebem nomes diversos:

esquemas, scripts e frames. São variáveis de leitor para leitor, pois se formam a

partir de experiências pessoais.

Ainda, de acordo com a autora, a compreensão de um texto, ou enunciado

tem a ver com os três tipos de memória:

[...] a de curto termo para integrar letras e palavras; a de médio termo,

para integrar significados oriundos de elementos do texto; e a de

longo termo, para integrar o significado do texto com informações

extratextuais, provindas do conhecimento prévio do leitor. (Kato 2005,

p.52)

Koch (2006, p.37) também reconhece que a memória opera em três fases a

que ela chama: “estocagem, retenção, ativação”. Segundo ela, sempre foi uma

preocupação dos estudiosos da cognição distinguir o que é provisório e o que é

permanente no funcionamento da memória. Nesse sentido, existe a memória de

curtíssimo termo, também chamada de percepção; a memória de curto termo (MCT)

e a memória de longo termo (MLT). As informações passariam primeiramente pelo

registro sensorial, sem qualquer análise, em seguida, parte delas seria codificada na

MCT e depois de submetidas a um tratamento, seriam retidas na MLT, formando

uma espécie de arquivo.

Para Kleiman (1989), os três tipos de memória atuam da seguinte maneira: na

memória imediata os momentos vividos são apreendidos com mais detalhes, mas

são rapidamente esquecidos; na memória de curto prazo a apreensão apresenta

menos detalhes de contexto com relação à memória imediata, contudo as

lembranças que não têm clareza desses detalhes podem durar até uma semana; na

memória de longo prazo tem-se o apagamento de alguns detalhes, porém, o

contexto vivido, os detalhes ou estruturas mais importantes desse contexto

permanecem para toda a vida.

O conhecimento partilhado é aquele conhecimento comum entre o autor e o

leitor. Os conhecimentos que o autor considera partilhados com o leitor não vêm

1

claramente explicitados no texto, embora sejam essenciais para a sua compreensão.

Quanto maior for o conhecimento partilhado mais o leitor será capaz se preencher

as lacunas do texto por meio de inferências.

ANÁLISES

Expostos os referenciais teóricos que sustentam nosso estudo, buscamos

agora relatar como se deu nossa intervenção na turma de 6ª série do turno da tarde

do Colégio Estadual Gabriela Mistral. O corpus foi uma Unidade Didática, elaborada

a partir da aplicação de um questionário aos alunos, no segundo semestre do ano

letivo de 2008, quando ainda cursavam a 5ª série. Nossa intenção era descobrir

seus temas de interesse e contemplá-los nos textos para ver se a falta de

conhecimento prévio é um elemento dificultador na compreensão dos textos

escritos.

Os temas mais apontados foram: heróis e esportes. Na elaboração da

Unidade Didática buscamos inserir textos de diferentes gêneros que abordassem a

temática de preferência dos alunos.

Iniciamos com a elaboração de uma lista com os super-heróis conhecidos

pelos alunos por meio da TV e identificando os poderes especiais que eles

possuem. Em seguida fomos a busca de conhecer os heróis da mitologia grega,

realizando uma pesquisa na Internet, no Laboratório Paraná Digital. Nossa intenção

era chegarmos ao conhecimento de Ulisses para depois realizarmos a leitura de um

fragmento da obra A Odisséia, de Homero.

Apresentamos aos alunos para leitura um trecho da obra citada com tradução e

adaptação de Marques Rebelo, editora Ediouro. Recortamos para análise o seguinte

fragmento:

[...] Certo dia, quando o sol se punha, Ulisses deu com uma ilha deserta,

onde uma mansa praia favorecia seguro abrigo.

[...]

Entraram no barco e remaram em direção à ilha. Lá chegando, Ulisses

escolheu doze dos mais valentes homens da tripulação e desembarcou para

explorar o lugar.

[...]

1

Vagaram algum tempo até que encontraram uma gruta, que parecia ser a

moradia de um precavido pastor.

[...]

Anoitecia quando o ciclope voltou. Era um gigante imenso, o olho na testa

muito aberto e encimado por espessa sobrancelha. Vinha trazendo às costas um

enorme feixe de troncos de pinheiro para alimentar seu fogo. Jogou-o

estrondosamente no chão, recolheu o rebanho, após o que vedou a entrada com

uma descomunal pedra que vinte carroças mal podiam carregá-la. [..] E então,

reanimou o fogo com uns poucos troncos de pinheiro. As chamas se elevaram logo

e o clarão denunciou os gregos que se haviam escondido no fundo da caverna,

quando viram o gigante entrar.

[...]

O gigante não disse uma palavra, mas lentamente agarrou dois dos homens,

com a facilidade com que Ulisses teria agarrado dois cachorrinhos, lançou-os ao

chão, despedaçou-os e devorou-os inteiramente, entrecortando a deglutição com

grandes goles de leite. Terminando de comê-los, deitou-se entre os carneiros e caiu

no sono.

Ulisses raciocinou: poderia matar aquele monstro enquanto ele estava

adormecido, furando-lhe o coração com a sua forte espada; mas, se assim fizesse,

morreriam todos. [...] E deixou a noite passar com o coração pesado de aflição.

Bem cedo o ciclope despertou, ordenhou as ovelhas, devorou mais dois

homens e saiu para as pastagens, levando o seu rebanho, mas recolocando a pedra

na boca da gruta.

Ulisses passou muitas horas imaginando como poderia safar-se e safar os

companheiros. E afinal armou um plano.

Após a leitura individual propomos aos alunos a seguinte atividade: imaginar

qual teria sido o plano inventado pelo herói e dar sequencia à narrativa, lembrando

que Ulisses não é um super-herói da modernidade, e, portanto, não possui poderes

especiais.

Na socialização das produções foi possível perceber que alguns alunos não

recuperaram uma informação essencial para a compreensão do texto. Ulisses não

poderia matar o gigante enquanto ele dormia, e nem fugir da gruta enquanto ele saiu

para as pastagens, pois não possuíam forças para retirar a pedra que trancava a

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saída da gruta. Verifica-se aqui, que uma das dificuldades para a compreensão do

texto é a realização das inferências necessárias. Segundo Fulgêncio e Liberato

(1992, p.28) o estabelecimento de inferências e a formulação de previsões

coerentes são processos fundamentais na compreensão. Ainda, segundo as

autoras, a compreensão é um verdadeiro jogo entre o que está explícito no texto e o

que o leitor insere nele por sua conta, baseado em seus conhecimentos prévios.

Falando em conhecimento prévio, podemos dizer que a falta dele, também foi

um fator que contribuiu para que alguns alunos não chegassem à conclusão de que

Ulisses não poderia matar o gigante ou fugir da gruta, pelas condições já ditas

anteriormente. A falta de conhecimento lexical, não saber o significado da palavra

descomunal, e nem ser capaz de inferir pelo contexto de uso, fez com que alguns

alunos produzissem sequência textual incoerente, já que apresentaram como

solução a morte do Ciclope por Ulisses.

Na sequência das atividades de intervenção, propomos a leitura de

fragmentos de obras que apresentavam o herói da ficção literária Dom Quixote. O

primeiro fragmento retirado da obra Dom Quixote das Crianças, do escritor Monteiro

Lobato e o segundo da adaptação feita por José Angeli, no livro chamado Dom

Quixote, o cavaleiro da triste figura.

As atividades propostas a partir da leitura do primeiro fragmento visava

observar como os alunos empregam as estratégias de previsão e antecipação.

Propusemos aos alunos que organizassem uma sequência lógica para algumas

ações ocorridas no texto. Como já afirmamos anteriormente a leitura se processa

pelo material visual e é completada pelas previsões.

Nessa atividade ainda, elaboramos uma questão aberta cuja resposta não

estava no texto. “Dona Benta afirma ser Dom Quixote um famoso herói da literatura.

Pelas leituras realizadas até agora, o que você conclui a respeito do que é preciso

fazer para se tornar um herói?”

Verificamos na produção das respostas que os alunos ainda estão muito

presos às informações visuais do texto. Alguns perguntaram onde estava a resposta,

afirmando que não encontraram a resposta no texto. Para Smith (1991, p.86) “a

leitura sempre envolve uma combinação de informação visual e não-visual. Ela é

uma interação entre o leitor e o texto.” Quanto mais informações não-visuais o leitor

possuir, necessitará de menos informações visuais.

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Ainda na nossa intervenção trabalhamos com textos ligados à temática dos

esportes, tema também apontado como de interesse dos alunos. Procuramos

interligar com a temática dos heróis questionando e levando os alunos à reflexão

sobre a existência ou não de heróis no mundo dos esportes. Após a discussão

propiciamos aos alunos a leitura de uma matéria jornalística da qual recortamos o

seguinte fragmento para análise:

“Os Jogos Paraolímpicos de 2008 chegaram ao fim e o Brasil tem um novo

herói: o nadador Daniel Dias conquistou nada menos que nove medalhas, sendo

quatro delas de ouro. Ele subiu ao pódio em todas as provas que disputou e bateu

três recordes mundiais, além de um paraolímpico. E foi apenas a sua primeira

participação no evento”.

Terminada a leitura os alunos responderam a seguinte questão: Por quais

razões o redator da matéria considera o atleta Daniel Dias um herói?

Na análise das respostas dadas, evidenciou-se que a falta de conhecimento

prévio, fez com que alguns alunos considerassem a atribuição do título de herói ao

atleta somente ao fato de ter conseguido as nove medalhas, não considerando a sua

condição de “deficiente”, já que disputava as paraolimpíadas.

Segundo Koch e Travaglia (apud. Venturini (2001, p.46) o conhecimento de

mundo “equivale a uma espécie de dicionário enciclopédico do mundo e da cultura

arquivado na memória”. A ativação desse conhecimento é fundamental para a

compreensão do texto, pois como já dissemos anteriormente, baseado nas

informações explicitadas pelo autor e recuperando os conhecimentos arquivados na

memória, o leitor constrói um sentido para aquilo que lê.

Para Koch (2006, p. 40) “o conhecimento nada mais é que estruturas

estabilizadas na memória, que são utilizadas para o reconhecimento, a

compreensão de situações – e textos –, a ação e interação social”

Podemos afirmar, portanto, que a compreensão ocorre na medida em que o

leitor, na interação com o texto consegue ativar todas as formas de conhecimento

que possui, e assim, produz sentido para a materialidade linguística constituída.

(Koch e Elias, 2006, p. 43-4)

Como afirma Kato:

O conhecimento prévio, que permite fazer predições, pode advir do próprio texto ou de informações extratextuais que provém dos esquemas mentais do leitor. [...] A compreensão passa a ser vista não mais como resultado da

1

decodificação dos sinais lingüísticos, mas como um ato de construção, em que os dados lingüísticos são apenas um fator que contribui para o significado construído. (KATO, 2005, p.61)

Nessa perspectiva, não apenas o conhecimento linguístico imediato é

relevante, já que a leitura é um ato interativo, no qual o leitor apoiado nas marcas

linguísticas dialoga com o texto e com o contexto, produz sentido, ativa seu

conhecimento interno.

Esse conhecimento pode ser ativado à medida que se estabelecem objetivos

para a leitura. Quando se traça um objetivo, se formulam hipóteses, sendo ambos,

objetivos e hipóteses, relevantes para a compreensão. Segundo Smith (1991), toda

leitura que fazemos é orientada pelos objetivos e finalidades que temos ao realizar a

leitura, e estes objetivos determinam a escolha de procedimentos que tornarão o

processo de leitura mais eficaz.

Kleiman (2000) referenda a ideia de que para ativar o conhecimento prévio do

assunto, um bom método é traçar um objetivo para cada evento de leitura, pois,

segundo ela, o objetivo cria uma expectativa em relação ao conteúdo do texto, o que

favorece a compreensão

Pelo fato de conhecermos a importância de traçar objetivos para leitura e

saber da interferência deles na forma de ler o texto e, também que adiantar para os

alunos o objetivo da atividade de leitura que irão realizar é algo que pode ajudá-los

no seu processo de compreensão, propomos aos alunos a leitura do livro Uma

história de futebol, do escritor paulista José Roberto Torero, cujos protagonistas são

dois meninos fanáticos por futebol: Zuza e Dico. O objetivo proposto para a leitura

era descobrir como um menino do interior tornou-se o maior jogador do mundo e

grande herói do futebol brasileiro. Os alunos foram divididos em grupos e cada

grupo fez a leitura com diferentes tarefas/objetivos a cumprir.

O resultado da atividade foi muito satisfatório, uma vez que os alunos se

envolveram na leitura buscando respostas às questões propostas. Na sequência das

atividades realizou-se a socialização das impressões sobre a obra lida, por meio de

uma apresentação oral.

Colomer e Camps (2002, p.90) afirmam que o “papel central da leitura não é

ler para aprender a ler, mas ler por um claro interesse em saber o que diz o texto

para algum propósito bem definido”.

1

Procuramos oportunizar a leitura de diferentes tipos de texto e com diferentes

funções e intenções, sendo as atividades inseridas em contexto real, tornando claro

aos alunos os objetivos de sua leitura. Nesse uso real, eles ampliam as

possibilidades de compreensão, uma vez que ativam seus conhecimentos prévios,

formulam, comprovam, rejeitam hipóteses.

Para Smith (1991, p. 202) os sujeitos tornam-se leitores quando as atividades

de leitura são engajadas em situações em que a linguagem escrita é apresentada de

maneira significativa. E também pela possibilidade de relacionar o conteúdo da

leitura à experiência e ao conhecimento já adquirido. Para ele, a leitura faz sentido e

é relevante quando atende aos interesses do leitor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em nosso estudo pretendíamos detectar as possíveis causas da dificuldade

de compreensão leitora, associando aos aspectos psicolinguísticos que interferem

nessa compreensão e como nós professores podemos ajudar nossos alunos nesse

processo, já que esta é uma dificuldade comum entre os alunos do Colégio Estadual

Gabriela Mistral, sujeitos do nosso estudo.

Realizamos a intervenção junto a uma turma de 6ª série do Ensino

Fundamental, propondo atividades de leitura de textos diversos cuja temática era de

interesse dos alunos e foi apontada por eles mesmos, por meio de um questionário

aplicado.

Com a aplicação das atividades evidenciou-se aquilo que os teóricos que

fundamentam o estudo, especialmente Kato, Kleiman, Koch, Smith, Venturini,

apontam como sendo fatores que atuam no processo interativo de leitura.

A cognição e o conhecimento de mundo são aspectos psicolinguísticos que

interferem diretamente na realização da leitura. Na leitura, muito do conhecimento

prévio do leitor é exigido. Como já afirmamos anteriormente, a construção de sentido

do texto ocorre na medida em que são ativadas, durante o ato de leitura, todas as

formas de conhecimento de que dispomos na memória: o linguístico, o sócio-

interacional e o enciclopédico.

Cabe a nós, professores, integrarmos as atividades de leitura em contextos

reais, a fim de que os alunos tomem consciência dos objetivos e da intenção de sua

leitura. Segundo Colomer e Camps (2002, p. 91), a consciência explícita dos

1

objetivos proporciona aos alunos os meios para regular a leitura e avaliar a

compreensão. Nesse uso real, os alunos ativam seus conhecimentos internos,

formulam previsões, elaboram hipóteses, recuperam informações implícitas,

realizam as inferências, enfim ativam processos mentais fundamentais para a

compreensão.

O conhecimento prévio tão necessário para a compreensão pode advir da

própria leitura, porém na realidade de nossos alunos essa é uma prática pouco

comum. Portanto, compete à escola proporcionar o contato com a grande

diversidade de textos que circulam na sociedade, organizando um programa de

leitura que leve em conta a maturidade dos alunos e seus interesses pessoais. Que

valorize a leitura como prática social (PARANÁ, 2008) e que eles percebam um

objetivo para sua atividade de leitura.

Finalizamos com as palavras de Smith (1991, p. 202): “A leitura faz sentido

quando os leitores podem relacioná-la ao que sabem e é interessante e relevante

quando pode ser relacionada ao que o leitor quer saber”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

CERVANTES, Miguel de. Dom Quixote: o cavaleiro da triste figura. Adap. de José de Angeli. São Paulo: Scipione, 2001.

COLOMER, Teresa, CAMPS Anna. Ensinar a ler, ensinar a compreender. Porto Alegre: Artmed, 2002.

FULGÊNCIO, Lúcia, LIBERATO, Yara. Como facilitar a leitura. São Paulo: Contexto, 1992.

HOMERO. A Odisseia. Trad. e Adap. de Marques Rebelo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000.

KATO, Mary A. No mundo da escrita: Uma perspectiva psicolinguística. 7ª ed. São Paulo: Ática, 2005. ____________, O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

KLEIMAN, Angela. Leitura:ensino e pesquisa. 3ª ed. São Paulo:Pontes, 2000.

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_____________, Oficina de leitura: teoria e prática. São Paulo:Pontes, 1993.

_____________, Texto e Leitor: Aspectos Cognitivos da Leitura. São Paulo:Pontes,1989.

KOCH, Ingedore Villaça, ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006.

KOCH, Ingedore G. Villaça. Desvendando os segredos do texto. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2006.

LOBATO, Monteiro. Dom Quixote das Crianças. São Paulo: Brasiliense, 1994.

PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares para a Educação Básica: Língua Portuguesa. Curitiba: SEED, 2008.

SMITH, Frank. Compreendendo a leitura: uma análise psicolingüística da leitura e do aprender a ler. 3ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.

TORERO, José Roberto. Uma História de Futebol. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

VENTURINI, Maria Cleci. Conhecimento de Mundo e Compreensão de Textos. 2001. 130 p. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. 2000.

Site Consultado:http://www.gazetadopovo.com.br/

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