da escola pÚblica paranaense 2009 · o objetivo deste artigo é compartilhar a fundamentação...
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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE
VOLU
ME I
PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA DE FÁBULAS NO ENSINO MÉDIO
Autor: Therezinha Aparecida Lima Dill1 Orientador: Márcia Sipavicius Seide2
Resumo O objetivo deste artigo é compartilhar a fundamentação teórica utilizada no trabalho com o gênero textual discursivo ‘fábulas’, desenvolvido numa turma de 2ª série do ensino médio, com a intenção de aprimorar as capacidades discursivas dos alunos mediante leitura, escrita e análise de uma seleção de algumas fábulas. O trabalho com esse gênero foi feito por meio da proposta metodológica a que Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) dão o nome de Sequência Didática (SD). A meta deste artigo, portanto, é divulgar o encaminhamento metodológico utilizado. A chamada sequência didática parte de uma concepção de comunicação na qual são instituídos o papel do autor e o papel do destinatário do texto, o que ajuda a dar sentido à aprendizagem. Nesse sentido, o papel dos alunos é tomar consciência dos desafios que terão de resolver escrevendo, além de colocarem a escrita no lugar social que lhe corresponde. palavras-chave: Fábula. Leitura. Escrita. Produção.
1 Introdução
Este artigo é fruto de profundo estudo, muita reflexão e discussões
relevantes no que se refere ao PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional),
que incentivou e promoveu a busca por conhecimentos relacionados ao tema,
motivando alcançar resultados na sala de aula.
A necessidade de escolha de um tema para a pesquisa e o desenvolvimento
do projeto fez surgir uma das maiores dificuldades dos alunos do sistema regular de
ensino fundamental e médio: leitura e escrita. Para superar essa dificuldade, o
projeto centrou-se num objeto de estudo específico: o gênero textual fábula, aplicado
ao ensino médio, diante de uma visão sociocultural e interacionista da linguagem.
Objetivando o ensino de estratégias que possibilitem o amadurecimento do
leitor, tentou-se utilizar a estratégia da chamada sequência didática (SD) para
1 Professora do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, atua no Colégio Estadual
“Machado de Assis”, de Nova Aurora, PR, como professora de Língua Portuguesa, 2011. 2 Doutora, professora integrante do Colegiado de Letras do Campus da Unioeste de Marechal
Candido Rondon, PR.
resolver os problemas no proceder da leitura e da escrita do texto, na esperança de
que pudesse colaborar para a melhoria das atividades desenvolvidas.
Assim, foi aplicada uma sequência didática com alunos de 2ª série do
período noturno do ensino médio de uma escola da rede pública. No decorrer desse
artigo será apresentada uma síntese do embasamento teórico sobre leitura e escrita
para desenvolvimento de uma sequência didática segundo Terezinha Costa Hubes,
e uma ilustração dos resultados obtidos com o desenvolvimento do projeto aplicado
em sala de aula.
Este artigo está organizado em algumas seções. Na primeira é feita uma
breve apresentação histórico-literária sobre a fábula, na segunda fazem-se algumas
considerações gerais sobre o ensino e a aprendizagem da língua portuguesa, na
terceira explicita-se o que se entende por sequência didática e na quarta, por fim, é
descrito como a sequência didática focando fábulas no ensino médio foi elaborada e
aplicada numa turma do ensino médio.
2 Breve Contextualização Histórico-Literária do Gênero Textual ‘Fábulas’
Historicamente falando, as fábulas surgiram no antigo Egito e na Índia,
ficando conhecidas no Ocidente devido às fontes gregas, especialmente as fábulas
escritas por Esopo no final do século V a.C (JAHN, 1994, p. 6).
Conforme hipótese de Jahn, a origem das fábulas está no contato do homem
com os animais e “[...] parece que seria plausível que os animais estivessem
presentes nas primeiras histórias contadas pelo homem” (1994, p. 6) − animais que
passaram a ter as características humanas, apresentando uma linguagem simples
para poderem passar uma lição de moral.
Ao contextualizar as fábulas, Machado (1994, p. 57) indica que, “[...]
geralmente, elas partem de uma narrativa simbólica inspirada no Bestiário
Medieval”. Desde a Antiguidade, esses animais foram escolhidos para simbolizar as
virtudes e identificar as qualidades dos heróis e dos deuses que, às vezes,
encarnavam.
De acordo com o mesmo autor, no panteão greco-romano, isto é, o templo
dedicado a todos os deuses, havia a seguinte simbologia: Júpiter era representado
pela águia; Juno pelo pavão; Minerva pela coruja; Diana pela corsa.
Com relação à arte cristã primitiva, Machado (1994, p. 57) narra que Cristo
aparece nas imagens do cordeiro, da pomba, do veado, do pavão e do peixe. Na
referência à fauna medieval, pondera que animais imaginários como o unicórnio, a
esfinge, o grifo, o centauro e a sereia aparecem misturados aos seres humanos.
De posse dessas considerações, pode-se conjecturar que as fábulas podem
ser alegóricas em prosa ou verso, cujos personagens são usualmente animais e,
geralmente, apresentam, como conclusão, uma lição moral.
A particularidade das fábulas reside, fundamentalmente, na apresentação
direta das virtudes e dos defeitos de caráter humano, ilustrados pelo comportamento
dos animais.
Com relação às particularidades textuais das fábulas, a BARSA³ (1975, p.
178) informa que elas comportam duas partes, a narrativa e a moralidade. A primeira
trabalha as imagens que constituem a forma sensível, o corpo dinâmico e figurativo
da ação. A moralidade opera com conceitos ou noções gerais e que pretendem ser a
verdade ‘falando’ aos homens. Cabe salientar que o elemento dominante, para o
gosto moderno, costuma ser a narrativa. A moralidade ou significação alegórica,
ainda que anime o todo, jaz de preferência nas entrelinhas, de maneira velada.
Segundo as colocações da BARSA3 (1975, p. 178), para os antigos a parte
filosófica era fundamental. Assim, para atingirem de modo mais direto o alvo moral
do ser humano, os textos das fábulas sacrificavam a ação, a vivacidade das
imagens e o drama. Em razão disso, a evolução da fábula pode ser cifrada (escrita
em caracteres secretos) na inversão do papel desses dois elementos: quanto mais
se avança na história, mais se vê decrescer o tom sentencioso em proveito da ação.
A presença da moral, no entanto, nunca desapareceu de todo da fábula.
Explicitada no começo ou no fim, ou implícita no corpo da narrativa, é a moralidade
que diferencia a fábula das formas narrativas próximas, como o mito, a lenda e o
canto popular. Situada por alguns entre o poema e o provérbio, a fábula estaria a
meio caminho na viagem do concreto para o abstrato (BARSA, 1975, p. 178).
O gênero narrativo fábula surgiu no Oriente, mas, depois, no Ocidente, foi
3 Enciclopédia Universal Brasileira.
particularmente desenvolvido por um escravo chamado Esopo, que viveu no século
V a.C., na Grécia antiga (MACHADO, 1994, p. 57).
Jahn (1994, p. 6) conta que “[...] o historiador grego Heródoto relata que
Esopo era originário da Frígia e trabalhava como escravo na casa de uma família de
nome Ladmon”. Vários escritores enriqueceram a história de Esopo. Alguns até lhe
atribuíram a conotação de aleijado, outros dizem que teria dificuldades para falar,
outros, ainda, diziam ser um protegido do rei Creso. A literatura chega a discutir se
Esopo existiu ou não, mas o que não se pode negar é que suas fábulas, de acordo
com Jahn (1994), continuam sendo contadas há mais de dois mil e quinhentos anos.
Por ser muito criativo, Esopo inventava histórias baseadas em animais para
mostrar como agir com sabedoria. Suas fábulas, mais tarde, foram reescritas em
versos e com um acentuado tom satírico pelo escravo romano Fedro, contudo o
grande responsável pela divulgação e pelo reconhecimento das fábulas de Esopo no
Ocidente moderno foi o francês Jean de La Fontaine. Para isso os animais são
colocados numa situação humana exemplar, tornando-se uma espécie de símbolo.
Como exemplo: a formiga, o trabalho; o leão, a força; a raposa, a astúcia; o lobo, o
pode despótico. Tudo isso está ligado ao simbolismo mais antigo criado pelo homem
para expressar as suas relações com o espaço em que vive (MACHADO, 1994, p.
57).
Compreendida a origem e o desenvolvimento da fábula, questionou-se como
o uso desse gênero textual poderia ajudar na superação das dificuldades de leitura e
de escrita dos alunos no ensino médio. Esse gênero textual pode colaborar para a
construção de conceitos relativos à moral e ao desenvolvimento da linguagem? A
sequência didática seria uma metodologia adequada para esse propósito? Para
responder a estas questões foi necessário investigar em que consiste essa
ferramenta pedagógica, porém, antes de apresentá-la, é necessário contextualizá-la
nas propostas estaduais de ensino e aprendizagem de língua portuguesa e é esse o
objetivo da seção seguinte.
2.1 O Ensino e Aprendizagem da Língua Portuguesa segundo as Diretrizes
Curriculares Estaduais
De acordo com as Diretrizes Curriculares Estaduais – DCE (2008, p. 55),
“[...] para o processo de ensino e aprendizagem, é importante ter claro que, quanto
maior o contato com a linguagem, nas diferentes esferas sociais, mais possibilidades
se tem de entender o texto, seus sentidos, suas intenções e visões de mundo”. A
ação pedagógica referente à linguagem, portanto, precisa pautar-se na interlocução,
em atividades planejadas que possibilitem ao aluno a leitura e a produção oral e
escrita, bem como a reflexão e o uso da linguagem em diferentes situações. Desse
modo, sugere-se um trabalho pedagógico que priorize as práticas sociais de uso da
linguagem nas atividades de leitura e de produção textual.
Em relação à escrita, ressalta-se que as condições em que a produção
acontece determinam o texto (ANTUNES apud DCE, 2008, p. 56). Antunes salienta
a importância de o professor desenvolver uma prática de escrita escolar que
considere o leitor, ou seja, trata-se de uma escrita que tenha um destinatário e
finalidades, para, então, se decidir sobre o que será escrito, tendo visto que “[...] a
escrita, na diversidade de seus usos, cumpre funções comunicativas socialmente
específicas e relevantes” (idem, p. 56).
Ressalte-se que é mediante o exercício de escrita nos mais variados gêneros (poema, receita, texto de opinião ou científico) que o aluno poderá aprimorar suas habilidades e configurando para si diferentes ‘modelos de textos’ (DCE, 2008, p. 56).
Além do conhecimento sobre os gêneros e os ‘modelos de textos’ à
disposição, o aluno precisa assumir-se como autor do texto e entender que, assim
como na oralidade, através da escrita, as pessoas também podem expressar a sua
maneira de agir e pensar, que está de acordo com o local onde vive, com seu meio
social. Os textos que um indivíduo escreve revelam também seus conhecimentos, os
quais frequentemente são resultados de leituras feitas nas mais diversas ocasiões.
O indivíduo fala sobre o que ele tem lido. Assim, observa-se que, para
desenvolver uma produção de texto, é primordial a prática com atividades de leitura,
haja vista que é através da leitura que se adquire conhecimento de mundo, inclusive
sobre a sociedade em que vivemos, no âmbito familiar, religioso, cultural, etc.
A concepção de ensino e de aprendizagem proposta pelas DCE resulta do
uso da psicologia interacionista social que levou à abordagem do estudo da
linguagem em suas dimensões discursivas e/ou textuais. De um lado, os textos e/ou
discursos são as únicas manifestações empiricamente observáveis das ações de
linguagem humanas, ou seja, a língua é apenas um construto; as frases e os
morfemas são apenas recortes abstratos e, de outro lado, é no nível dessas
unidades globais que se manifestam, de forma mais nítida, as relações de
interdependência entre as produções de linguagem e seu contexto acional e social
(BRONCKART, 1999, p. 14).
Sabe-se que, no campo do ensino e da aprendizagem de língua portuguesa,
existem ainda muitas dúvidas sobre o que pode ser feito para aperfeiçoar o processo
de ensino-aprendizagem. Os professores sentem a necessidade de mudanças, e
querem aplicar, na sala de aula, propostas inovadoras, mas se sentem inseguros.
Um dos motivos que pode levar o professor a ficar inseguro é que não se tem
certeza sobre quais são as práticas pedagógicas que melhor propiciem uma visão
da linguagem como instrumento de mudança social.
Nesse contexto, a utilização da ferramenta pedagógica chamada sequência
didática surge como uma alternativa interessante. Muitos professores tem-se
esforçado para que a sequência didática seja cada vez mais aplicada,
principalmente quando se refere aos textos discursivos.
2.2 Sequência Didática
Na implementação do projeto cuja fundamentação teórica vem sendo
apresentada, deu-se prioridade ao gênero textual fábulas.
Conforme alertam Simioni e Costa-Hubes, nota-se que os professores estão
sempre preocupados em fazer o melhor por seus alunos, no entanto muitas vezes
lhes faltam propostas reais, propostas que demonstrem resultados verdadeiros. Não
se trata de fornecer ‘receitas’, e sim, orientá-los por caminhos seguros, orientando
no conhecimento com o auxílio da prática através das circunstâncias verdadeiras da
linguagem (HUBES apud SIMIONI; COSTA-HUBES, 2009, p. 4).
Para que se consiga diminuir a defasagem dos alunos com relação ao
domínio dos gêneros textuais, Nascimento (2009, p. 72) propõe a elaboração de
sequências didáticas. Para ela, esse instrumento pedagógico pode sensibilizar o
educando quanto à prática do gênero discursivo fábula pela leitura, pela escrita e,
ainda, promovendo a articulação entre elas. Esclarece Nascimento que a produção
de escrita e a produção de leitura são compreensivas, e não simples. Aponta
também para o fato de que há profundas relações entre a oralidade e a escrita.
Como afirma Dolz (2008), “[...] não há escrita sem leitura nem textualidade sem
oralidade” (apud NASCIMENTO, 2009, p. 72).
A sequência didática “[...] é um conjunto de atividades escolares
organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito”
(DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004 apud NASCIMENTO, 2009, p. 234).
Nesse sentido, a sequência didática pode fazer com que haja uma
organização do planejamento dos conteúdos das aulas, na aplicação dos assuntos
ministrados a serem desenvolvidos.
Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004 apud NASCIMENTO, 2009, p. 234)
expõem como deve ser elaborada a sequência didática, a qual é, segundo esses
teóricos, um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática,
em torno de um gênero textual oral ou escrito. Assim, uma sequência didática
poderia ser organizada a partir do seguinte esquema (DOLZ; NOVERRAZ;
SCHNEUWLY, 2004 apud NASCIMENTO, 2009, p. 234):
1. Apresentação da situação: é o momento em que se deixa visível a
sensibilização do gênero textual de modo social, e chegando a um entendimento do
porquê de ler/escrever e para quem.
2. A primeira produção: observar as dificuldades em relação à leitura e à
escrita na produção inicial.
3. A segunda produção: nos campos: motivacionais, enunciativos,
procedimentais, textuais e linguísticos são trabalhadas as dificuldades de níveis
diferentes, se relacionando à assimilação da norma da escrita.
4. Produção: passando pelas etapas dos aspectos construtivos, os alunos
fazem a produção, observando o interlocutor e para o desenvolvimento da produção.
O primeiro texto do aluno é considerado rascunho, dele podendo ser feitas quantas
Apresentação
da Situação
Produção Inicial
Módulo 1
Módulo
2
Módulo
N
Produção Final
reescritas forem necessárias, para que os gêneros circulem na sociedade de
maneira significativa.
5. Circulação do gênero: é uma fase muito importante da sequência
didática, pois está unida à primeira, com a qual alcançará o desenvolvimento da
prática da linguagem social, tanto a oral, quanto a escrita. Os textos e as atividades
precisam ser trabalhados de acordo com cada série e ano. Com a sequência dos
anos, os diferentes gêneros discursivos devem ser alcançados para o aluno de
acordo com seu nível de escolaridade (COSTA-HUBES apud SIMIONI; COSTA-
HUBES, 2009, p. 4).
Tendo como objetivo utilizar as sequências didáticas em sala de aula, o
empenho do professor é dar prioridade para o desenvolvimento dos gêneros na
escola. Com isso irá beneficiar os aluno, dando-lhes mais condições para a
superação das dificuldades que têm no domínio da linguagem escrita e da leitura.
As atividades didáticas elaboradas para o projeto de intervenção da escola
foram desenvolvidas de forma clara e sistematizada, levando os alunos a se
apropriarem do gênero estabelecido. Percebeu-se que, através da sequência
didática, houve uma aprendizagem eficaz a partir de desenvolvimento de atividades
de leitura e escrita. De fato foi importante a aplicação da sequência didática voltada
para o ensino médio, pois os alunos desenvolveram ações de ler, de produzir e de
rever suas fábulas, de modo que os resultados foram positivos. A seguir vai relatado
algo sobre a experiência da aplicação do projeto em uma turma de 2ª série do
Colégio Estadual “Machado de Assis”, do município de Nova Aurora/PR, NRE de
Assis Chateaubriand.
3 Elaboração e Aplicação da Sequência Didática
O material didático foi desenvolvido a partir de uma ampla pesquisa sobre
materiais existentes e disponíveis on-line na internet. O trabalho de Maia (2007)
serviu de exemplo de como seria uma sequência didática. Utilizando seu trabalho
como modelo, alguns materiais foram avaliados. Após essa avaliação, escolheu-se o
elaborado por Pivetta (2005). Esse material foi adaptado de modo a fazer parte de
uma sequência didática. Complementando a sequência didática, foi criada a
situação inicial e foi acrescentado um roteiro de avaliação tal qual proposto por
Simioni e Hübes (2009).
Com base nas leituras realizadas para conceituar essa fundamentação
teórica, pode-se compreender que as fábulas podem ser leituras atuais e prazerosas
para os estudantes, haja vista que sua diversidade vem a ser um facilitador para
seus interesses, através de desafios que podem superar a leitura mecânica e ao
mesmo tempo propor uma evidência da realidade.
Assim, buscou-se superar a atividade de decodificar e, ao mesmo tempo, de
pensar significativamente, dar sentido ao texto e aprender a ler o mundo. Por isso,
estar em contato com as fábulas pode levar os alunos, através de um trabalho
sistematizado, a “[...] repensar sobre a própria existência, incitando a fantasia, o
conhecimento e a reflexão acerca da realidade” (MARTINS, 1994, p. 36).
Os gêneros textuais foram criados de acordo com cada tempo histórico e
buscam atender às necessidades de interação verbal. Dessa forma, utilizar as
fábulas nas aulas de leitura e de produção textual pode motivar os alunos a ampliar
sua visão de mundo, construindo um conhecimento ilustrativo, figurativo e
humorístico, além de auxiliar na compreensão e na resolução de problemas que
requeiram a interação por meio da linguagem, oral ou escrita.
Há alunos com um bom nível e com conhecimentos compatíveis com a série
que frequentam, entretanto também há alguns alunos que apresentam muita
dificuldade referente à leitura e à escrita. Chegou-se a esse resultado através do
trabalho desenvolvido nos meses de setembro e outubro com a seqüência didática,
enfatizando o gênero textual fábulas.
O material didático desenvolvido foi aplicado na 2ª série do período noturno
do ensino médio do Colégio Estadual “Machado de Assis”, sendo uma turma que
constava com 51 alunos matriculados, mas que, no decorrer do ano, sofreu
transferências, remanejamentos e desistências, ficando com apenas 37 alunos, que
vêm da zona rural e urbana e que dependem de transporte escolar.
Simioni e Costa-Hubes (2009), em seu artigo, sugerem que os trabalhos
sejam desenvolvidos em grupo, sendo cada grupo composto por quatro alunos e
que cada texto seria escrito e reescrito sempre que necessário, para que responda
com precisão a todas as dúvidas formuladas pelos alunos. Tendo como exemplo
todas as etapas de reescrita, tomemos como exemplo o seguinte texto, cuja leitura
mostra que o aluno utilizou uma fábula clássica e a adaptou para os tempos
modernos.
Fábula 1ª versão
A formiga e o cavalo
Uma formiga vê um cavalo que lhe parece muito belo. Por causa do seu
porte avantajado. A se ver tão pequena, pois seu tamanho correspondia a um
caroço de arroz, a formiga invejosa, começa a se exercitar, a inchar, e a se
esforçar para igualar ao cavalo. E dirigindo outra formiga, perguntou-lhe: _olhe
bem, minha irmã! Já aumentei o bastante? Absolutamente não – respondeu a outra
companheira. E agora? Insiste a invejosa, já estou parecida com ele?
De maneira alguma, afirmou a outra. A formiga estufou mais um pouco
fazendo exercício e perguntou mais uma vez. E agora, então? Como estou? Você
nem sequer se chega perto dele. A formiga idiota estufou tanto que estourou.
Moral da história: A inveja pode matar uma pessoa.
(J.P.G. 2ª série, 2010)
Desenvolvido o trabalho em grupo, foi seguido o trabalho descrito por
Simioni e Costa-Hubes (2009). O professor recolheu os textos e, depois de uma
semana, os mesmos textos foram entregues novamente. Desenvolvendo a próxima
atividade, houve um intervalo de tempo, deu-se oportunidade para analisar
intimamente os erros e os acertos de maneira transparente. Nesse sentido, é
essencial que a
[...] a conduta dos alunos demonstra que reconhecem a premissa organizacional que está envolvendo esse enquadramento da aula. A ação da professora deixa explícita a organização da atividade: todos devem buscar soluções para os pontos obscuros que dificultam a compreensão do texto. (NASCIMENTO, 2009, p. 78).
Com o proceder seguinte das atividades, o professor devolveu os textos sem
as devidas correções. Houve questionamento dos alunos sobre o porquê da não
correção dos textos pelo professor. Em seguida o professor distribuiu um roteiro de
avaliação. Então entendeu que eles mesmos eram capazes de avaliar sua produção
discursiva. Com isso, a avaliação foi realizada com sucesso.
Roteiro de Avaliação
De acordo com o roteiro de avaliação, oito componentes foram indicados. Os
alunos assimilaram com atenção o ensino, pois surgiram vários questionamentos em
relação ao parágrafo e ao travessão. Dando prosseguimento, a próxima versão foi
desenvolvida pelos alunos. O aluno já foi melhorando o seu desempenho em relação
à escrita do texto, e também descobrindo que é essencial o uso do parágrafo e da
pontuação.
Na segunda produção era esperado que os alunos “[...] compreendessem
que o sentido das palavras deve ser extraído do contexto, pois, cada palavra é
usada de acordo com o modo de o locutor enxergar o mundo” (NASCIMENTO,
2009, p. 80). Vejamos como ficou a segunda versão, “[...], pois é mais importante
mediar a construção da resposta do que dar resposta a ele” (NASCIMENTO, 2009,
p. 80).
1ª reescrita
A formiga e o cavalo
Uma formiga vê um cavalo que lhe parece muito belo. Por causa do seu
porte avantajado.
A se ver tão pequena, pois seu tamanho correspondia a um caroço de arroz,
a formiga invejosa, começa a se exercitar, a inchar, e a se esforçar para igualar ao
cavalo.
E dirigindo outra formiga, perguntou-lhe: -- olhe bem, minha irmã! Já
aumentei o bastante?
-- Absolutamente não – respondeu a outra companheira.
-- E agora? -- insiste a invejosa, já estou parecida com ele?
De maneira alguma – afirmou a outra. A formiga estufou mais um pouco
fazendo exercício e perguntou mais uma vez.
-- E agora, então? Como estou?
-- Você nem sequer se chega perto dele.
A formiga idiota estufou tanto que estourou.
Moral: O mundo está cheio de pessoas invejosas e insatisfeitas. Todo
burguês quer construir um palácio. Qualquer principezinho tem embaixadores.
Todo marquês quer ter bens. Como o rei os tem. (J.P.G. 2ª série, 2010)
O professor recolheu os textos dos alunos e, depois de alguns dias, os
alunos receberam os textos, e todos juntos fomos revendo quais mudanças
deveriam ser feitas e melhoradas em relação à produção, à gramática, à pontuação
e ao parágrafo.
A intenção foi fazer com que o aluno compreendesse o sentido do texto
passando para a nossa realidade social, enfatizando para o aluno o quanto ele havia
progredido, fazendo comparações com os textos anteriores, mas mostrando a ele
que sempre existe algo mais a ser aperfeiçoado no seu texto. Nota-se, portanto,
que,
[...] para o aluno observar e refletir sobre esses usos da língua, o professor pode selecionar conteúdos específicos que explorem os recursos lingüísticos e enunciativos do texto como modalizadores, operadores, argumentativos, recursos de referenciação, modos verbais, pontuação, etc. (ROJO, 2005 apud DCE, 2008, p. 64).
Cada aluno leu o seu texto e, num primeiro momento, os alunos iam fazendo
seus comentários referentes a cada produção, com muitos questionamentos
(NASCIMENTO, 2009, p. 75-76) referentes às atividades desenvolvidas. Que texto é
esse que lemos? É um poema? É um artigo? É uma fábula? Dando prosseguimento,
com intervenção feita pela professora para que o debate sobre as fábulas
continuasse, na sequência questionou-se, por exemplo, quando se usa letra
maiúscula ou minúscula e foram apontadas palavras com erros ortográficos (oie por
olhe, indiota para idiota).
Prosseguindo, os alunos desenvolveram a sua terceira produção,
alcançando assim a segunda reescrita:
2ª reescrita
A Formiga e o Cavalo
Uma formiga pequena magrinha. Vê um cavalo que lhe parece muito lindo,
por causa do seu porte musculoso e avantajado.
A se ver tão raquítica e fraquinha, pois seu tamanho correspondia a um
caroço de laranja, a formiga invejosa começa a tomar energético e suplemento e
muito exercício, em poucos dias ela começou a inchar-se. Para se igualar como
grande cavalo.
Dirigiu-se a sua coleguinha perguntou-lhe:
-- Olhe bem minha irmã! Já aumentei o bastante meu porte.
Absolutamente não minha amiga. Respondeu-lhe sua outra companheira.
-- Como estou agora? -- Insiste a invejosa já estou parecida com ele?
De maneira alguma -- afirmou a outra amiga estufou mais ainda tomando
energético e se exercitando, perguntou mais uma vez.
-- E agora, então! Como eu estou em?
-- Hi, você nem chega aos pés deles. A invejosa idiota se estufou tanto que
explodiu.
Moral: O mundo está cheio de pessoas invejosas e insatisfeitas. Todo
burguês quer construir um palácio. Qualquer principezinho tem embaixadores.
(J.P.G. 2ª série, 2010)
Agora os alunos e professores tendem a compreender que
[...] o aprimoramento lingüístico possibilitará ao aluno a leitura dos textos que circulam socialmente, identificando neles o não dito, o pressuposto, instrumentalizando-o para assumir-se como sujeito cuja palavra se manifesta, no contexto de seu momento histórico e das interações aí realizadas, autonomia e singularidade discursiva. (DCE, 2008, p. 65).
Segundo as DCE (2008, p. 80), faz-se necessário que o professor use sua
criatividade desenvolvendo e planejando atividades para que o aluno reflita sobre a
elaboração de produções, de reproduções e de práticas de exercícios, com diversos
tipos de textos no meio escolar.
Assim, o estudo do texto e da sua organização permite ao professor explorar
a leitura, a escrita, a interpretação e a gramática, conforme cada texto em análise.
Todo o trabalho desenvolvido culminou nas práticas de produção textual.
Durante a produção houve inferências da professora PDE, inclusive com a
solicitação de reler a fábula proposta, isso para um melhor entendimento. A análise
de uma das redações produzidas mostrou em que medida os alunos conseguiram
compreender as características do gênero textual fábula e dele se apropriar de modo
criativo.
4 Considerações Finais
Ao valorizar essa metodologia, os alunos puderam descobrir episódios
significativos e refletir sobre as histórias de ficção, dando sentido aos textos lidos e
relacionando-os à sua realidade social. Nesse sentido, os textos desenvolvidos na
sala de aula configuram um gênero de atividade com práticas constantes na sala no
que se refere à construção de conhecimentos. Para o aluno, existe um significado
muito valioso, pois isso foi percebido pelo professor através do respeito e do
reconhecimento (NASCIMENTO, 2009, p. 61). Houve maior adaptação, tornando a
sala um espaço aconchegante, pois foi através das fábulas que os alunos
apresentaram contornos próprios para a prática das atividades quantas vezes foram
necessárias.
Assim, concordamos com Nascimento (2009, p. 63), para quem o gênero
pode ser diferenciado do modelo social, porque o educando pode desenvolver seu
texto por iniciativa própria, pois o gênero discursivo nos mostra a norma social do
‘fazer ou do dizer diferente’, pois no ‘diferente’ existe a forma de transformação. Com
isso o aluno tem o seu estilo próprio. Nesse sentido, as fábulas vieram para envolver
os alunos numa aprendizagem de humor e de dinamismo, o que fez com
superassem algumas de suas dificuldades com a leitura e a escrita, tendo, assim,
um melhor desempenho no ensino da língua portuguesa. De fato, o projeto de
intervenção teve um significado muito importante: os alunos perceberam que,
através das fábulas, podem ampliar seu conhecimento sobre as histórias para o
convívio social.
Referências
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