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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4 Cadernos PDE VOLUME I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE

VOLU

ME I

Mediação e Reescrita – O Ensino e a Aprendizagem da Escrita no

Ensino Médio

Mediation and Rewrite - The Teaching and Learning of Writing in High School

Marisa Marini (PDE)1 Prof. Flávia Zanutto (UEM)2

RESUMO

Este artigo mostra os resultados dos projetos de intervenção e implementação

“Mediação e Reescrita – o ensino e a aprendizagem da escrita no Ensino Médio”,

propostos dentro do programa PDE, desenvolvido no Colégio Estadual Parigot de

Souza, do município de Mandaguaçu/PR. Nele, serão analisadas algumas

produções escritas realizadas pelos alunos de 2º ano do Ensino Médio, em um

trabalho desenvolvido em sala de aula visando mostrar o tratamento que deve ser

dado ao texto quanto à sua organização, correção e reescrita. Além disso,

refletiremos também sobre o trabalho do professor a partir da abordagem teórica

bakhtiniana sobre a interação, a mediação segundo Vygotsky e a metodologia

proposta por Serafini (1992) e Ruiz (2010).

PALAVRAS-CHAVE: escrita, correção, mediação, reescrita.

ABSTRCT

1 Professora de Língua Portuguesa do Colégio Estadual Parigot de Souza de Mandaguaçu/PR e participante do Progama de Desenvolvimento Educacional (PDE) da Secretaria do Estado da Educação do Paraná. E-mail [email protected]. 2 Doutora em Linguística e Língua Portuguesa e professora da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected].

2

This article shows the results about the intervention and implementation projects

“Mediation and rewriting – the written teaching and learning in a High School level”,

proposed within PDE program, developed at Colégio Parigot de Souza, in

Mandaguaçu city/PR. Though this project, it will be analyzed some written production

made by the students from second year of High School level, in a work developed in

a classroom aiming showing the treatment that must be given to the text as its

organization, correction and rewritten. Besides, are going to think over about the

teacher’s work too from bakhtiniana theory approach concerning the interaction, the

mediation according to Vygotsky and the methodology proposed by Serafini (1992)

and Ruiz (2010).

KEY WORDS: written, correction, mediation and rewritten.

1- INTRODUÇÃO

Os dados fornecidos pelos órgãos governamentais que avaliam o Ensino

Médio (ENEM e Prova Brasil) nos mostram uma realidade preocupante no que se

refere à aprendizagem da Língua Portuguesa. A grande maioria dos alunos

concluintes dessa etapa escolar apresenta graves problemas de escrita. Os textos

apresentam problemas de estrutura no que se refere a gênero textual, há uma

desorganização de ideias, pouca coesão e coerência e, consequentemente, pouca

clareza e objetividade. Esses fatores, associados aos problemas linguísticos

(relacionados à ortografia e concordância verbal e nominal), tornam o texto

complexo, pouco comunicativo, que dificilmente atendem aos objetivos propostos

pelo professor.

Diante dessa realidade pouco animadora, sentindo-nos participantes e, de

certo modo, responsáveis pela mudança desse quadro – mesmo que minimamente,

pois o nosso trabalho envolveria um pequeno número de alunos do Ensino Médio,

num universo de milhões de estudantes do estado do Paraná – propomo-nos a

desenvolver um projeto de intervenção pedagógica com alunos do segundo ano do

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Ensino Médio do Colégio Estadual Parigot de Souza, no Município de Mandaguaçu,

procurando levar para a sala de aula um pouco dos estudos realizados no Programa

de Desenvolvimento Educacional PDE, relacionados principalmente a escrita e

reescrita.

É comum o professor da rede pública, na disciplina de Língua Portuguesa, em

contato com produções escritas dos alunos, verificar que as dificuldades acima

descritas fazem parte do cotidiano escolar. Com a possibilidade de desenvolver

novos estudos e interferir de alguma forma nessa realidade, optamos por

desenvolver algumas práticas que ressignifiquem o processo de apropriação da

escrita, tomando, como ponto de partida, a análise dos processos de mediação do

professor nos textos produzidos em sala de aula, descritos por Serafini (1992),

Garcez(1998), Ruiz (2010), além dos escritos de Vygotsky (1998) e Bakhtin (2003),

estudiosos que norteiam e fundamentam os estudos sobre a aprendizagem e a

aquisição da língua como um processo sócio-histórico e cultural.

A reescrita, pensada em função da mediação do professor, nos pareceu um

caminho, uma alternativa que leve o aluno a refletir sobre sua produção, fornecendo-

lhe estímulos e orientações que o levem a repensar seus conhecimentos, a fim de

reorganizá-los, além de promover interações entre professor/aluno,

aluno/conhecimento, a utilização de novas práticas de escrita em níveis diferentes

da primeira produção, como fruto da participação do “outro” na construção do

discurso escrito.

Para a implementação dessas ações mediadoras, o foco esteve voltado para

o professor, que deve ver nas produções escritas em sala de aula a possibilidade de

saber como intervir, sem prejudicar o processo de dizer do aluno.

Partindo do princípio de que a atividade mediadora do professor pode

melhorar qualitativamente os textos dos alunos, ou que, no mínimo, proporcionará

reflexões a respeito do que foi escrito, podemos compreender a relevância deste

projeto.

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2- OS PRINCIPAIS PROBLEMAS DE ESCRITA NA SALA DE AULA

As pesquisas sobre a aquisição da escrita e aprendizagem da língua escrita

vêm se modificando e, apesar dos avanços, observa-se que a prática escolar está

muito distanciada daquela considerada ideal pela sociedade. Por isso, os textos

escritos por alunos apresentam muitos problemas, tanto ligados à ortografia, à

sintaxe, à gramática e ao léxico, além da pouca organização de ideias. Apesar de os

estudantes já terem passado oito ou nove anos dentro da escola, ainda não

conseguem organizar e expressar as ideias de forma clara, precisa e coerente,

acabando por escrever textos que não são compatíveis com a sua escolaridade.

Algumas situações colaboram para agravar ainda mais essa situação: os alunos

leem muito pouco e, como é bem sabido, quem não lê tem mais dificuldade para

escrever bons textos; além disso, quando solicitados a produzir seus textos, muitas

vezes, não há, para eles, significação, isto é, o texto não faz nenhum sentido para o

uso social ou para sua vida pessoal.

Uma possível causa para as dificuldades pode estar ligada às estratégias e

metodologias utilizadas em sala de aula, que acabam levando a um esvaziamento

da prática da produção escrita significativa dentro da escola. As produções

geralmente são feitas para serem submetidas a uma avaliação por parte do

professor e o único objetivo do aluno nesse processo é tirar nota.

Nessa perspectiva, em que o professor é o avaliador – e, possivelmente, o

único interlocutor – é que a prática se esvazia, pois os alunos passam a não ter o

que, por que e para quem dizer ou escrever algo, tornando o ato da escrita uma

prática quase monológica.

Em geral, os textos produzidos também não passam por um processo de

revisão/correção, antes de serem avaliados. A mediação do professor resume-se na

leitura dos textos, no fazer as anotações que julgar pertinentes, no atribuir uma nota

e em devolvê-los, não permitindo uma revisão. A correção, nesse caso, torna-se um

processo em que não é dada ao aluno a possibilidade de analisar seus erros, de

repensá-los e reescrevê-los, em busca de tornar o texto mais claro e coeso. Mesmo

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quando é dada a possibilidade da revisão da escrita, as anotações do professor,

muitas vezes, não são claras o suficiente para que o aluno entenda o que ou por que

errou e busque novas formas de dizer o que ali está escrito. Até porque, no ato da

correção, o professor marca, ao mesmo tempo, todos os tipos de violações

cometidas pelo aluno, não estabelecendo prioridades dos itens a serem revisados.

Diante de uma porção de marcas – muitas vezes ininteligíveis – o aluno desanima

para repensar a própria escrita.

2.1- ESCRITA, CORREÇÃO E MEDIAÇÃO

Ensinar a escrever bem se constitui um dos maiores desafios que os

professores de Língua Portuguesa enfrentam, principalmente no que se refere ao

domínio eficiente da linguagem escrita. Não que toda a responsabilidade deva ser

atribuída ao professor, mas é importante repensar em como lidar com essa questão,

quais práticas devem ser desenvolvidas, na tentativa de superar essas deficiências

na apropriação da língua.

As Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa do Estado do Paraná trazem

em seu texto que:

[...] ensinar a ler e a escrever com a proficiência necessária e de direito àqueles que nasceram no universo da Língua Portuguesa falada no Brasil e necessitam dela como um instrumento legítimo de luta e posicionamento, para que, de posse desse instrumento, possam assumir uma postura de cidadãos ativos na sociedade brasileira. (PARANÁ, 2009, p. 39)

Para Serafini (1992), o simples uso da expressão “escrever bem” já se revela

embaraçoso, pois, se ela for entendida de forma restrita, “escrever bem” passa a ser

sinônimo de “ter boa caligrafia”. Na verdade, o que desejamos dos nossos alunos é

que, no ato da escrita, eles consigam ordenar e organizar suas ideias de maneira

adequada, mostrando clareza e objetividade.

Saber escrever não significa escrever “como um artista”, mas também conseguir dizer por escrito o que se deve ou quer dizer, mesmo que se trate de resumir uma notícia, redigir um boletim de informações ou uma correspondência comercial. (SERAFINI, 1992, p. 11)

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Um dos possíveis caminhos para resolver esses problemas de escrita é uma

proposta de mediação das produções. Para Vygotsky (1988), o homem se constitui a

partir da relação com o outro, tendo como elemento principal a linguagem. Nesse

sentido, a aprendizagem só acontecerá, se houver a intervenção de um terceiro

elemento dentro da relação: o elemento mediador. No espaço escolar, o professor

se constitui o terceiro elemento, colaborando para que o aluno desenvolva as

funções que ainda estão em processo de amadurecimento.

A mediação se dá, segundo Vygotsky, por instrumentos e signos. Os

instrumentos são objetos concretos que mediam as relações do homem com o

mundo. Os signos também exercem essa função mediadora, mas têm um caráter

psíquico, que passa por um processo de internalização e é essa internalização dos

signos que permite ao indivíduo o desenvolvimento do pensamento verbalizado, pois

nela se dá a reconstrução interna de uma operação externa.

Uma operação que inicialmente representa uma atividade externa é reconstruída e começa a ocorrer internamente. [...] A transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento. (VYGOTSKY, apud GARCEZ, 1998 p. 51)

A mediação através de instrumentos e signos se dá no que Vygotsky chama

de Zona de Desenvolvimento Proximal ou ZDP. A ZDP é um conceito elaborado por

Vygotsky, com o qual ele define a distância entre o nível de desenvolvimento real,

determinado pela capacidade de resolver um problema sem ajuda e o nível de

desenvolvimento potencial, determinado através de resolução de um problema, sob

a orientação de um adulto ou em colaboração com outro. Nela, está uma série de

informações que o indivíduo tem a potencialidade de aprender, mas ainda não

completou; conhecimentos fora de seu alcance atual, mas potencialmente atingíveis.

Estimular esses processos internos e trabalhar com funções ainda não

amadurecidas nos alunos, mune o professor de instrumentos significativos na

orientação de seu trabalho. Nessa perspectiva, atuar como professor, considerando

uma ZDP, implica em assistir o aluno fornecendo-lhe suporte e recursos para que

ele seja capaz de atingir níveis mais elevados de aprendizagem, levando em conta

as mediações possíveis nesse contexto.

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Assim, ao pensarmos na prática da escrita e a mediação, entendemos que ela

só alcançará seu objetivo, que é levar o aluno a escrever bem, se tomarmos a

mediação como um caminho para a reescrita. Não podemos conceber a reescrita

como é trabalhada hoje nas aulas de Língua Portuguesa, quando, depois de

mediado, o texto passa por uma higienização, ou seja, uma limpeza para somente a

correção da ortografia, da pontuação e da concordância, como se esses elementos

fossem mais importantes que outros. O professor deve olhar para o texto do aluno

como uma construção de aprendizagem, levando em consideração seu

conhecimento de mundo e sua organização.

Se passarmos a olhar para as produções escritas dos alunos por esse novo

prisma, a correção e a avaliação também deverão ser repensadas. Serafini (1992)

considera que a correção e avaliação são duas atividades distintas.

A correção é o conjunto das intervenções que o professor faz na redação pondo em evidência os defeitos e os erros, com a finalidade de ajudar o aluno a identificar os seus pontos fracos e melhorar. A avaliação é o julgamento que o professor dá ao texto, através de uma nota ou de um comentário verbal [...] (SERAFINI, 1992, p. 107)

Essas duas atividades, além de confundidas, são realizadas ao mesmo tempo

na prática escolar. “O professor corrige quase que exclusivamente os textos

realizados em classe, cuja avaliação serve de base para a nota final”. Ao aluno não

é dada a oportunidade de voltar ao texto depois da mediação feita pelo professor,

visando uma reescrita. A correção torna-se um processo com fins apenas de

atribuição de nota.

Em uma situação desse tipo, presta-se mais atenção à avaliação que à correção: o professor sob pressão do fim do ano escolar, preocupa-se sobretudo em chegar logo a um julgamento; o aluno fica ansioso pela avaliação e não se concentra nas correções. (SERAFINI, 1992, p. 97)

O que se tem visto é que nessa leitura inicial do professor, chamada de

correção, o principal objetivo é chamar a atenção do aluno para todos os problemas

do texto. A tarefa de corrigir torna-se, assim, uma operação de caça aos erros e o

texto torna-se um grande emaranhado de rabiscos e anotações, sem nenhuma

possibilidade de reescrita. Então, como corrigir essas produções, levando o aluno a

perceber as violações linguísticas por ele cometidas e reescrevê-lo de forma a

melhorá-lo?

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Há, por parte do professor, uma grande complexidade no ato de correção das

produções escritas feitas pelos alunos. Essa complexidade advém da falta de

modelos, referências de como proceder diante do texto apresentado como resultado

de trabalho elaborado pelo aluno. Geralmente, o professor corrige os textos com

base em sua própria intuição, isto é, de como ele acha que deve proceder, ou ainda

copiando modelos de seus antigos professores.

De fato, os professores criam uma metodologia própria de correção, como autodidatas. Quando interrogados sobre essa prática, a maioria diz que, só se utilizou de técnicas dos seus antigos professores [...] a principal razão da dificuldade dos professores é, então, a falta de prática. (SERAFINI, 1992, p.108)

Uma vez que a falta de critérios para a correção dos textos torna-se um

problema, é necessário então, que se estabeleçam parâmetros bem definidos para o

ato da correção, como a criação de uma planilha com objetivos pré-estabelecidos.

Além de facilitar o trabalho do professor, pois a planilha garante uma melhor

sistematização na correção, também o aluno se sentirá mais seguro, sabendo quais

os critérios serão levados em conta quando o seu texto for corrigido.

Para tornar mais eficaz esse processo de correção através da mediação,

Serafini (1992) aponta para alguns princípios básicos que servem de norte. Esses

princípios – na verdade seis – conduzem para a observação de uma metodologia de

correção a ser observada pelo professor.

O primeiro princípio diz respeito à não-ambiguidade na correção. O aluno

deve ter claro que parte do texto contém erros. Muitas vezes, diante de um trecho

confuso, simplesmente o professor faz uma marca, sem identificar o que realmente

está errado. A substituição de termos ou a reescrita de uma informação incorreta

tornam esses períodos, considerados anteriormente confusos, mais claros e

compreensíveis. O segundo princípio trata do reagrupamento e catalogação dos

erros. Nesse momento, o aluno deve ter claro em quais aspectos do texto ele deve

interferir, a fim de corrigi-lo. Essa compreensão faz da correção um ato mais útil e

eficaz. A terceira fase deve ser a de estimulação para levar o aluno a rever o que foi

corrigido, compreender e trabalhar com esses erros. Para se ter uma melhor

eficácia, também é necessário que o aluno analise seus erros com propostas de

releituras, cópias das partes que apresentam problemas, reescrita de algumas

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partes da redação ou a criação de uma nova versão, observando os erros apontados

pelo professor. Esses três primeiros princípios estão ligados à eficácia do processo

de correção, já o quarto está voltado para o aproveitamento que isso trará para o

aluno nas suas próximas produções. Em cada texto devem ser observados apenas

alguns erros, a simples anotação de todos os problemas encontrados, pode levar o

aluno a não centralizar a sua atenção sobre nenhum, especificamente, tornando o

processo inútil. O quinto e sexto princípios dizem respeito às atitudes do professor

diante das produções escritas pelos alunos. É importante que tenha uma postura

receptiva, sem preconceitos, aceitando o estilo, as ideias e a linguagem utilizados

pelos alunos, e corrigindo, sim, as falhas ortográficas, porém, sem superestimá-las,

priorizando o objetivo maior do texto, que é a comunicação.

Se o aluno não tiver alcançado, uma relação de familiaridade com o ato de escrever, encher-lhe o texto de marcas vermelhas não vai ajudá-lo em nada. É exatamente na correção dos textos mais problemáticos e fracos que o professor deve esforçar-se para elogiar o aluno mais do que criticá-lo, de modo que este adquira confiança. É aconselhável que, frente a muitos erros de ortografia, gramática, sintaxe, léxico e organização, o professor tente descobrir algum mérito, de maneira que o aluno tenha consciência clara não só dos seus erros mas também dos seus progressos. (SERAFINI, 1992, p. 112/113)

Observados esses princípios, Serafini reconhece que existem três tendências

de correção de redações que, em geral, orientam o trabalho dos professores de

Língua Portuguesa: a indicativa, a resolutiva e a classificatória.

A correção indicativa, segundo a autora, consiste em marcar junto à margem

das palavras, das frases ou mesmo de períodos inteiros, erros ou falta de clareza.

Nesse tipo de correção, o professor frequentemente se limita a indicar erros

localizados no corpo do texto, como os ortográficos e lexicais. Cabe ao aluno

reescrever o texto e interpretar as correções do professor, feitas normalmente com a

indicação de traços, interrogações e outros sinais que julgar inteligíveis. A

preocupação do professor não se volta para a significação do texto como um todo,

mas aponta erros pontuais, ocasionais.

Na correção resolutiva, o professor corrige, resolvendo todos os erros. Se for

necessário, ele mesmo reescreve palavras, frases e períodos inteiros, interpretando,

assim, as intenções do aluno e fornecendo a ele um texto correto. Nesse tipo de

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correção, a tarefa do aluno se limita apenas a passar a limpo seu texto, não exigindo

nenhuma outra habilidade a não ser a de copiador.

A terceira estratégia de correção apontada por Serafini é chamada correção

classificatória. Nessa modalidade, o professor indica o erro através de sua

classificação. Para se evitar a ambiguidade, a classificação do erro implica no uso da

metalinguagem, que deve ser de pleno domínio também do aluno. Há casos em que

o professor sugere as modificações, mas é mais comum que o professor proponha

ao aluno que corrija sozinho o seu erro, estimulando-o a trabalhar seus textos e a

proceder a autocorreção e a buscar novas formas de se expressar.

Para Serafini, a correção classificatória é aquela que mais auxilia o aluno a

melhorar suas produções textuais, uma vez que mostra o processo e não o produto

pronto, ou seja, o aluno é chamado a reconstruir o seu texto através de um processo

reflexivo e efetuar as devidas alterações. Nesse tipo de correção, o professor se

preocupa com os aspectos que interferem na construção da significação do texto

como um todo, ou seja, uma correção que vai além da simples “higienização” do

texto.

2.2- A INTERAÇÃO EM BAKHTIN E OS ESTUDOS DE GARCEZ EM “A ESCRITA E

O OUTRO”

A filosofia da linguagem considera que a existência humana está vinculada à

linguagem, pois é através dela que se dá a interação do homem com o outro e com

o mundo que o cerca. Tudo o que falamos ou escrevemos é em função do “outro” e

isso se dá em forma de enunciados que podem ser orais ou escritos. Falamos ou

escrevemos sempre buscando compreensão e, por isso, damos a esses enunciados,

mesmo que sejam apenas orais, características próprias, como a escolha do estilo,

do conteúdo e a forma de construção composicional. À determinação dessas

especificidades na construção dos enunciados, Bakhtin denomina de “gêneros do

discurso”. A utilização de tais gêneros depende da determinação de para quem se

dirige o enunciado, isto é, do “outro”. Para esse autor, o enunciado é a “unidade real

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da comunicação discursiva” e nessa perspectiva podemos compreender melhor as

palavras e as orações, que fazem parte de uma “memória discursiva” em que o

falante e o receptor tomam para si, conforme suas convicções, simpatias, antipatias

etc.

A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado campo. (BAKHTIN, 2003, p. 262)

Os gêneros ainda podem ser divididos em primários (simples) e secundários

(complexos). Os primários se formam a partir de situações cotidianas, espontâneas

e exigem uma resposta mais imediata como, por exemplo, o bilhete, o diálogo no

cotidiano etc. Os gêneros secundários aparecem em interações mais complexas e

elaboradas como as teses científicas, o romance e outras.

Toda forma de comunicação para Bakhtin é feita através de enunciados

individuais que são incorporados por nós a partir dos enunciados de outras pessoas.

Esses enunciados falados ou escritos provocam interações entre o falante e o

receptor e ambos têm no ato comunicativo um papel ativo. O falante age buscando

influenciar, convencer, buscar uma resposta no receptor. Este, por sua vez, ao

compreender o enunciado, adota uma atitude responsiva de concordar, discordar,

ampliar ou direcionar sua resposta. A enunciação passa a ter, então, uma natureza

social e consequentemente ideológica, não existindo fora do contexto social. Ela, na

verdade, é o produto da interação de indivíduos socialmente organizados.

O próprio falante está determinado precisamente a essa compreensão ativamente responsiva: ele não espera uma compreensão passiva, por assim dizer, que apenas duble o seu pensamento em voz alheia, mas uma resposta, uma concordância, uma participação, uma objeção, uma execução, etc. (os gêneros discursivos pressupõem diferentes diretrizes de objetivos, projetos de discurso dos falantes ou escreventes). (BAKHTIN, 1995, p. 270)

Bakhtin discute, ainda, que o ato da enunciação é composto por “vozes” e que

estas vozes dialogam dentro do discurso, formando a “polifonia” que se constitui

histórica e socialmente, provocando no indivíduo a construção da consciência

individual. O reconhecimento desse conceito se torna fundamental para o leitor na

constituição do sentido textual, pois ele fundamenta a concepção interacionista de

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linguagem proposta por esse autor, em que o sentido constrói-se ativamente através

das múltiplas vozes discursivas.

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, [...] A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.” (BAKHTIN, 1995, p. 123)

A comunicação, a transmissão de conhecimentos, as formas de produção, as

relações sociais e culturais se manifestam principalmente pelo uso da palavra, seja

ela falada ou escrita, e ela é um “fenômeno ideológico por excelência”. Há na

palavra, além da sua significação aparente, uma dimensão mais complexa de

natureza semiótica que veicula ideologias. A palavra pode ser considerada como o

objeto do qual o signo resulta, é o mais puro e sensível modo pelo qual a relação

social se dá.

Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. [...] A palavra é um espécie de ponte lançada entre mim e os outros. (BAKHTIN, 1995, p. 113)

Nos estudos de Garcez (1998) sobre as produções escritas realizadas em

sala de aula, também se discute a ideia de linguagem como produto sócio-histórico e

como forma de interação social, realizada por meio de enunciações. Nessa obra, a

autora destaca a importância do caráter interativo da linguagem e que este é

fundamental, pois não há possibilidade de se compreender a linguagem, senão a

partir de sua natureza sócio-histórica. É no processo interativo da linguagem que os

alunos interagem na sociedade, adquirem consciência cultural, estabelecem

relações com o outro, enfim, compreendem-se dentro do universo humano,

construindo assim uma atitude reflexiva ativa.

O caráter interativo da linguagem é base de todas as formulações, e não há possibilidade de compreender a linguagem senão a partir de sua natureza sócio-histórica compreende-se tanto o impulso de sua gênese e seu desenvolvimento como as variáveis intervenientes que permitem, condicionam e conformam o seu funcionamento. (GARCEZ, 1998, p. 56)

Se a compreensão da linguagem se dá de forma interativa e o discurso se

organiza em função do “outro”, em sala de aula essa interação se processa

13

principalmente nas relações ali estabelecidas entre aluno/professor e aluno/colega.

Nesse contexto, segundo Garcez, “a aprendizagem passa a ser vista como um

processo que depende da participação do outro”. No processo de elaboração e

construção das produções escritas no ambiente escolar, o contato com o par mais

desenvolvido através da observação, da análise, das conversas (conferências) que o

aluno estabelece com o professor ou com o próprio colega contribui

indiscutivelmente no ato da escrita e no seu aperfeiçoamento. Nesses momentos de

interação, professor e aluno aprendem. O aluno porque ouve as sugestões e os

comentários do professor e reelabora seu pensamento tornando a escrita mais clara;

o professor, porque ouvindo individualmente o aluno, é capaz de perceber o

percurso da construção do texto e com isso consegue orientá-lo melhor. Garcez,

apoiada em Calkins (1983) relata:

Calkins (1983) demonstra em seu trabalho sobre escrita que se aprende melhor quando há um profundo envolvimento e quando este envolvimento é orientado por informações oportunas, dadas por especialistas por meio de conferências individuais ou minilizações coletivas [...] As conferências podem ser feitas entre colegas ou amigo. Nessas ocasiões, a opinião do outro, a visão do leitor, passa a contribuir para o aperfeiçoamento do texto, pois ilumina questões que o redator possivelmente não teria levantado sozinho. (GARCEZ, 1998, pp. 38/39)

Reestruturar o texto, a partir dos resultados dos comentários feitos pelo

professor e pelos colegas, fará que o aluno vá se conscientizando de suas

dificuldades e, consequentemente, reestruturando também sua própria

compreensão. Isso o tornará cada vez mais autônomo e mais apto a decidir quais

estratégias poderão ser usadas na escrita e na reescrita dos seus textos.

3- A METODOGIA EM PRÁTICA

Como integrante de um grupo de professores selecionados para participar do

Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), desenvolvido pela Secretaria de

Educação do Paraná, tive a oportunidade de entrar em contato com teorias atuais e

ler autores que as alicerçam. Diante de uma imensidão de possibilidades, a escrita e

a reescrita nos pareceu o melhor tema, a melhor alternativa para desenvolver um

projeto de pesquisa junto aos alunos. Esse assunto sempre provocou certa

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inquietação, pois me sentia, de certo modo, incapaz de interferir no texto do aluno,

levando-o a repensar a escrita. O trabalho se resumia à avaliação dos textos

produzidos por eles, isto é, os alunos escreviam, os erros cometidos eram

apontados, era atribuída uma nota e os textos eram devolvidos a eles, sem

oportunizar nenhuma possibilidade de reescrita. O material escrito era visto como

um processo final que tinha como objetivo principal uma nota que era dada a partir

do número de “erros” e do conteúdo dos textos.

Depois de algumas leituras feitas sobre esse assunto, os horizontes

começaram a se abrir. A partir daí nasceu a ideia de um projeto de intervenção que

pudesse modificar essa realidade.

Para desenvolver essa proposta interventiva, a turma escolhida foi o 2º ano

do Ensino Médio, do colégio onde leciono desde 1990. Sob a orientação da Prof.

Dra. Flávia Zanutto, optei por um gênero textual específico: a “Carta do leitor”. A

opção se deveu ao fato de ser um gênero que pode ser trabalhado nessa série

específica e que quase não é desenvolvido dentro da escola, além do que, através

dele, pode-se exercitar a capacidade de argumentação, proporcionar temas que

possam gerar discussões, controvérsias, opiniões distintas e, principalmente, tratar

de assuntos que afetam os jovens ou que são de interesse da sociedade.

A concepção de escrita que embasou este trabalho foi a sócio-interativa,

proposta por Bakhtin e a teoria histórico-cultural de Vygotsky. E as leituras de duas

autoras Serafini e Ruiz me ajudaram a fundamentar metodologicamente o trabalho

de escrita/mediação/revisão e reescrita.

A estratégia de correção de textos apontada por Serafini, denominada por ela

de correção classificatória foi utilizada na correção dos textos. Através dela, foi

possível criar, junto com os alunos, uma tabela com certo número de símbolos

(abreviações) que posteriormente foram usados na correção.

Para desenvolver a Carta do Leitor, criamos uma unidade didática. Nela,

foram previstas todas as atividades que levassem o aluno a conhecer melhor o

gênero. Foram utilizadas duas horas-aula para apresentar aos alunos o gênero carta

do leitor com suas peculiaridades, características e função social. Como o gênero

carta pessoal já era conhecido, mas eles ainda tinham muitas dificuldades para

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produzi-lo, foram destinadas mais três aulas para o desenvolvimento de atividades

de uma forma mais generalizada, como ensinar a preencher um envelope, a

escrever uma carta pessoal e, ainda, procurando mostrar o caráter histórico das

cartas como forma de comunicação entre as pessoas. Preparei algumas questões

orais a serem respondidas por eles, investigando quais os tipos de cartas que eles e

sua família costumavam receber, quais os propósitos dessas correspondências, que

outros tipos de cartas eles conheciam. Todas as respostas mostraram que a carta

pessoal é um tipo de correspondência que está cada vez mais sendo substituída

pelo uso das tecnologias, como o telefone e o e-mail.

Apesar do desuso, o interesse pelo gênero foi tanto que cada um se propôs a

escrever uma carta pessoal a um colega. Os alunos do turno vespertino escreveram

para os alunos do noturno. Os conteúdos das cartas seguiram um comando dados

por mim. Nelas, deveriam constar: o nome, o lugar onde moravam, o que eles mais

gostavam de fazer nas suas horas vagas, o tipo de música preferida e suas

aspirações profissionais. Eu enquanto professora acabei servindo de ponte, levando

para os alunos as cartas e devolvendo as respostas. Percebemos, nessa atividade,

a alegria de cada um ao receber sua carta e poder conhecer melhor seus amigos.

Músicas que tratavam do tema foram trabalhadas e, através delas, foram

desenvolvidas diversas atividades de interpretação. Aos alunos também foram

mostrados outros tipos de cartas, como a de amor, a formal, a pessoal.

Só então, foram desenvolvidas atividades com gênero Carta do Leitor,

salientando que esse é um gênero textual em que o autor expressa opiniões

(favoráveis ou não) a respeito de assuntos publicados em revistas, jornais, ou sobre

o tratamento dado a esses assuntos. Além disso, foi mostrado que o leitor, através

da carta, pode também esclarecer ou acrescentar informações ao que foi publicado.

Nesse momento, foram enfatizadas as características desse gênero e,

principalmente, sua intencionalidade persuasiva.

Nas aulas seguintes, alguns textos da revista Veja e suas respectivas cartas

do leitor foram lidos e discutidos em sala de aula. Foi proposto, então, o comando

para a primeira produção. O tema proposto foi o Bolsa Família, cuja reportagem lida

foi “A Moeda eleitoral de Lula” , de 03 de maio de 2006.

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Através dessa atividade, muitas dúvidas surgiram e foram sanadas. Os textos

foram corrigidos e devolvidos aos alunos para que realizassem, então, a reescrita.

Considerando que as correções dos textos são quase sempre desprovidas de

critérios, todos os itens que aparecem abaixo foram previamente combinados com

os alunos para que, no momento da escrita, eles tivessem conhecimento do que e

de como seus textos seriam corrigidos e avaliados.

Tabela de critérios

(Aspectos relacionados à organização textual e conteúdo)

• Apresentação do tema

• Explicitação da posição assumida

• Utilização de argumentos

• Tipos de argumentos escolhidos

• Utilização de argumentos que refletem posição contrária

• Retomada da posição assumida

• Conclusão

• Coerência textual (articulação, relação, progressão)

• Bom título

Também foram utilizados alguns símbolos ou abreviações para mostrar

alguns erros ligados às convenções para o uso da escrita.

Símbolo/Abreviações Significados

O Ortografia

P Pontuação

CV Concordância Verbal

CN Concordância Nomina

A Acentuação

Para a avaliação dos resultados do texto, a leitura realizada foi sobre um

artigo retirado da Revista Veja, “Cotas: o justo e o injusto”, de 06 de fevereiro de

2008. Para o corpus da pesquisa, foram utilizados 12 trechos de textos do gênero

Carta do Leitor, escolhidos aleatoriamente. Esses textos foram produzidos sob

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nossa intervenção pedagógica e, no momento da correção, foram priorizados,

principalmente, os aspectos relacionados à organização textual e ao conteúdo. Para

tanto, foram feitas apenas algumas marcas para os erros gramaticais.

Optei pela correção classificatória proposta por Serafini, pois, segundo a

autora, essa estratégia é a que mais ajuda o aluno a melhorar suas produções

textuais, uma vez que mostra o processo e não o produto pronto, ou seja, o aluno é

chamado a reconstruir o seu texto através de um processo reflexivo e efetuar as

devidas alterações.

Convém destacar, também, que a atividade de reescrita do texto esteve

inserida em uma situação de interação, seja ela entre professor/aluno ou entre os

colegas de sala. Durante todo processo de produção houve conversas, troca ideias

entre os alunos e com a professora. Depois de pronta a primeira versão os textos

eram lidos por mim e na própria folha da produção fazia alguns comentários a

respeito do que poderia ser mudado. No momento da devolução dos textos procurei

conversar com cada um mostrando o porquê dos apontamentos feitos.

4- A ESCRITA, A MEDIAÇÃO, A REVISÃO, A REESCRITA E OS RESULTADOS

Ao examinar os textos produzidos pelos alunos, percebemos a importância de

se organizar atividades e leituras que levem o aluno a conhecer o gênero a ser

produzido e ler sobre o assunto a ser escrito. O desenvolvimento das atividades

propostas na unidade didática, de forma sequenciada, procurando levar em conta o

que o aluno já conhece e oportunizando o conhecimento do novo, resultou em

algumas boas produções, em que quase não se fez necessária a interferência do

professor.

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Exemplo 1

Acreditamos que um aluno consiga escrever seus textos, segundo objetivos

previamente definidos. Segundo Ruiz (2010), “quando lemos alguma coisa, como

meros falantes da língua, partimos do princípio de que aquilo nos faz algum sentido,

é coerente para nós.” O texto acima, apesar de algumas eventuais falhas, permite-

nos dizer que o autor cumpriu o seu papel de produtor e que a comunicação se

efetivou de forma coerente, com boa exposição de ideias e de argumentos. Durante

o processo de planejamento e levantamento de ideias para a escrita desse texto,

percebemos, em vários momentos, a angústia do estudante para dar maior clareza

àquilo que seria escrito. Para isso, consultava os colegas perguntando se haviam

entendido bem aquela frase ou parágrafo, se deveria acrescentar alguma

informação e se havia alguma palavra errada. Todo esse trabalho, na tentativa de

dar o melhor de si, foi observado pela professora que, ao ler o produto final,

procurou valorizá-lo. A maneira encontrada para registrar essa valorização foi

deixando um bilhete, parabenizando pelo bom trabalho desenvolvido. Corrigir o

texto, procurando motivar para a próxima produção não era uma prática que

realizávamos com frequência e, parece-nos, também não é muito comum entre os

professores de Língua Portuguesa. Ruiz afirma que no ato da correção “o que se

observa, muito raramente, é o emprego de expressões do tipo bom, muito bem, ok,

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com a finalidade de reforçar positivamente a escrita do aluno” (RUIZ, 2010 p. 34), o

professor já concebe o texto com a expectativa de encontrar falhas para cumprir o

seu papel instituído de corretor.

Chiappini complementa essa ideia dizendo que “se escrever, ser lido e ler é

partilhar sentimentos, receber rosas e risos, mostrar nossas margens e oásis; se

escrever, ser lido e ler não cabe em ‘fôrmas’ de pura correção gramatical,em

camisas-de-força do mero preciosismo vocabular; escrever, ser lido e ler não faz

parte da concepção acima descrita. Ao aluno – à margem do seu texto irrequieto,

mas sem vazão – resta o silêncio da cópia e da despersonalização.” (CHIAPPINI,

2004 p. 120)

Para produzir o texto “Cotas: ajuda ou conflitos” (Exemplo 2 - 1ª escrita), o

estudante também recorreu ora aos colegas, ora ao professor. O mais interessante,

nesse caso, foi o uso do dicionário, objetivando descobrir e escrever palavras que

não faziam parte do seu vocabulário. Essa busca resultou no emprego da palavra

“nefastos”, na segunda linha do texto. Mesmo que dessa pesquisa resultasse

apenas o emprego de uma palavra “diferente”, julgamos interessante porque outros

alunos também quiseram escrevê-la em seu texto, apagando a palavra

anteriormente escrita e substituindo pelo termo novo descoberto pelo colega, ou

buscaram outras para enriquecer, também, seus textos.

O resultado dessas interações foi um texto relativamente bom por ser a

primeira escrita e para ele foram propostas poucas mudanças, como o tempo verbal

do verbo precisar (precisam) e a reescrita do segundo parágrafo, visando dar maior

coerência ao texto. Nesse caso, não marcamos especificamente com nenhum

símbolo o que deveria ser reescrito no segundo parágrafo. Optamos por um

pequeno comentário para que ela o reescrevesse buscando obter melhor coerência.

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Exemplo 2 (1ª escrita)

Reescrita do Exemplo 2:

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O estudante, durante o processo de revisão, encontrou um caminho e fez

poucas modificações. Substituiu apenas a expressão “uma negra” por “a raça negra”

dando maior clareza ao primeiro período, mas não deu continuidade a revisão e

simplesmente copiou o restante do texto sem alterá-lo. Talvez fosse necessário que

o professor marcasse mais especificamente onde ele deveria ser alterado para que o

resultado fosse melhor.

No texto seguinte (Exemplo 3), os problemas foram maiores. O aluno, no

momento da produção, perdeu o fio condutor do texto deixando de abordar o tema.

Se o propósito do texto fosse apenas avaliar, nesse caso, possivelmente, seria dada

a nota zero e ao aluno não caberia nenhuma oportunidade de repensar o seu texto.

Como nossa proposta é a de correção, visando à reescrita, o texto foi devolvido,

para que o aluno o refizesse, com um pequeno bilhete, procurando incluir o assunto

proposto. O bilhete, de maneira alguma, desmerecia o conteúdo, mas indicava uma

possível refacção, visando abordar o tema proposto.

Exemplo 3

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A estratégia de correção através de bilhetes é uma das maneiras apontadas

por Ruiz para “falar acerca da tarefa de revisão do aluno (ou mais especificamente,

sobre os problemas do texto)”, ela se apresenta como uma alternativa a mais,

quando o trabalho interventivo do professor não pode ser feito através de símbolos

ou abreviações. Para a autora, escrever esses bilhetes nada mais é do que a

expressão máxima da dialogia proposta por Bakhtin, “é, pois a marca por excelência

do diálogo entre sujeitos que tomam o texto e o trabalho com o texto por objeto de

discurso”. (RUIZ, 2010, p. 50)

Na reescrita do Exemplo 3, apesar de a segunda versão apresentar ainda

alguns problemas, o que foi proposto no bilhete foi atendido: o aluno realmente fez

outro texto. Entendemos que fazer outro texto é diferente de reescrever, mas, nesse

caso, o aluno fugiu completamente do tema proposto.

O que se observou é que nessa nova produção ele deixou de colocar título,

não se atentou para a pontuação e escreveu suas ideias com mínimo possível de

palavras, talvez para não cometer muitos erros. Esse texto mereceria uma nova

revisão e uma terceira escrita para que atingisse o objetivo final.

Reescrita do Exemplo 3:

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No texto seguinte (Exemplo 4), foram feitas muitas marcações, o aluno teve

mais dificuldade para reescrevê-lo. Anotar diversos tipos de erro num mesmo texto

deixa o aluno desanimado para a reescrita. Quando recebeu de volta para a

reescrita, o aluno perguntou se havia alguma coisa certa em seu texto. É claro que o

motivamos para a reescrita, mas percebemos que essa estratégia de correção não

funciona muito. O desânimo mostrado pelo aluno vem ao encontro do quarto

principio apontado por Serafini (1992), como estratégia de correção. Segundo ela,

em cada texto “devem ser observados apenas alguns erros”, anotar todos os

problemas encontrados, pode levar o aluno a não centralizar a sua atenção sobre

nenhum especificamente, tornando o processo inútil.

Exemplo 4:

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Reescrita do exemplo 4:

A reescrita foi realizada com a ajuda dos colegas. Todos queriam ajudá-lo a

entender as marcas feitas no texto. A segunda versão mostrou-se melhor que a

primeira, pois muito do que foi apontado, foi atendido no processo de revisão e

reescrita.

5- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a reflexão proporcionada pela presente pesquisa e de implementar as

atividades propostas na unidade didática, cujo principal objetivo era desenvolver no

aluno o hábito da revisão e reescrita dos textos, visando melhorá-los, constatamos

que ainda há muito a ser feito, mas a semente foi plantada. Para os alunos, ficou

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claro que o texto não nasce pronto, que todo tipo de escrita comporta algumas

possibilidades de aprimoramento, de reajustes e que isso nada tem ver com a

desvalorização dos mesmos e que o ato de escrever é sempre resultado de muita

determinação, de muito trabalho, de muitas tentativas para se chegar a um produto

final.

Como professora/mediadora, aprendemos que a primeira escrita não se

esgota em si mesma, mas deve ser planejada, corrigida e reescrita com as

adequações que se fizerem necessárias e que, para isso, é muito importante adquirir

cada vez mais uma postura mediadora em sala de aula. Concordamos também com

Ruiz, quando ela diz que:

Diferentemente de concepções que entendem a linguagem como um sistema (seja como representação do pensamento, seja como instrumento de comunicação), a concepção que se convencionou chamar sociointeracionista vê a linguagem como atividade, como forma de ação, como lugar de interação social, onde indivíduos, constituindo-se como um eu ou como um tu (interlocutores), produzem-se como sujeitos e atuam com vistas a determinados fins, criando vínculos e negociando sentidos, sob determinadas condições de produção (tempo, lugar, papéis socialmente representados, imagens recíprocas, conhecimentos supostamente partilhados, etc.). (RUIZ, 2010, p. 28)

Proporcionar atividades que possam direcionar os alunos a uma participação

mais ativa, na sociedade em que estão inseridos, é uma necessidade. Por isso, é

fundamental que os alunos conheçam e façam uso adequado da escrita. Em

especial da norma padrão que norteia muitas das relações sociais. É necessário,

também, que o aluno veja na escola um espaço que favoreça a quebra de muitos

preconceitos, nesse caso, o da escrita.

Não tivemos com este trabalho nenhuma pretensão de oferecer uma “receita”

pronta de como devem ser corrigidos os textos dos alunos e muito menos esgotar

discussões e propostas sobre esse assunto tão polêmico. Ao contrário, estudando

as teorias, implementando as ações e interagindo com alunos, percebemos as

inúmeras possibilidades que surgem ao intervir no texto do “outro”. Depois de ter

feito todo esse caminho reflexivo, o que fica muito claro é que a metodologia aqui

utilizada não é a mais correta ou o único caminho a ser seguido. Outros tipos de

correção, como a indicativa ou a resolutiva, propostas por Serafini, também podem

funcionar, tudo depende do tipo de expectativa que o professor e aluno põem sobre

o texto. Para Ruiz, é interagindo com o aluno que se podem mudar as posturas

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diante do ensino da escrita. “E isso não se consegue, sem um envolvimento maior

com o aluno-produtor, sem um compromisso pessoal com o próprio trabalho, sem

uma pequena dose de afetividade”. (RUIZ, 2010, p.180)

Estudar e aprofundar essa e outras propostas de reescrita pode ser um bom

caminho para os professores dispostos a contribuir para mudar essa difícil realidade

que hoje está instaurada na escola.

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REFERÊNCIAS

BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo. Ed. Hucitec.1995.

______. Estética da Criação Verbal . São Paulo. Martins Fontes, 2003.

CHIAPPINI, Ligia. Aprender e Ensinar com Tex tos. São Paulo: Ed. Cortez, 2004.

GARCEZ, L. H. do C. A Escrita e o Outro . Brasília. Ed. Universidade de Brasília.1998.

PARANÁ. Diretrizes Curriculares da rede Pública de Educação Básica. Secretaria de Estado da Educação – SEED, Curitiba, 2009.

RUIZ, Eliana Donaio. Como Corrigir Redações na Escola . São Paulo: Ed. Contexto, 2010.

SERAFINI, M. T. Como Escrever Textos. São Paulo: Ed.Globo,1992.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1991.