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Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery http://re.granbery.edu.br - ISSN 1981 0377 Curso de Direito – N. 12, JAN/JUN 2012 DA EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA: ANÁLISE DA LEI 12.441/2011 Nicole Vasconcelos dos Reis 1 RESUMO O presente trabalho é uma análise da Lei 12.441/2011, que incorporou a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – Eireli ao Código Civil. O presente trabalho trata das peculiaridades da empresa, suas implicações e os problemas trazidos pela legislação. O empresário individual agora pode atuar por meio da Eireli e contar com a limitação patrimonial da responsabilidade, o que dá mais segurança ao empreendedor em abrir um novo negócio sem, contudo, arriscar todo o patrimônio conquistado ao longo de sua vida. Há muitos anos se vem discutindo a possibilidade de implementação desse instituto no Brasil, haja vista já existir em diversos países como em Portugal, com o objetivo de atender às necessidades dos empresários brasileiros que se utilizam, muitas vezes, dos chamados homens de palha para caracterizar uma sociedade limitada e poder, assim, proteger seu patrimônio particular. Ao final, são tecidas considerações acerca dos pontos críticos e soluções para os impasses que ela poderá causar. Palavras-chave: Empresa individual de responsabilidade limitada; sociedade unipessoal; empresário individual; patrimônio de afetação; Lei 12.441/2011. ABSTRACT This paper is an analysis that incorporated the Law 12.441/2011 IndividualLimited Liability Company - Eireli the Civil Code. The present work deals with thepeculiarities of the company, its implications and the problems brought by the legislation. The individual entrepreneur can now act through Eireli and rely on the limitation of liability sheet, which gives more security to the entrepreneur in starting a business, but without risking any equity gained throughout his life. For many years it has been Graduada pela Faculdade Metodista Granbery em 2011/2012 Pós-Graduanda em Direito Imobiliário pela Universidade Anhanguera Uniderp Advogada nas áreas Cível e Trabalhista Residente na Rua Severiano Sarmento, 500/303 – Alto dos Passos, na cidade de Juiz de Fora/MG Email: [email protected] Telefones: 8811-3435/3213-6007

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Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery

http://re.granbery.edu.br - ISSN 1981 0377

Curso de Direito – N. 12, JAN/JUN 2012

DA EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA:

ANÁLISE DA LEI 12.441/2011

Nicole Vasconcelos dos Reis1

RESUMO

O presente trabalho é uma análise da Lei 12.441/2011, que incorporou a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – Eireli ao Código Civil. O presente trabalho trata das peculiaridades da empresa, suas implicações e os problemas trazidos pela legislação. O empresário individual agora pode atuar por meio da Eireli e contar com a limitação patrimonial da responsabilidade, o que dá mais segurança ao empreendedor em abrir um novo negócio sem, contudo, arriscar todo o patrimônio conquistado ao longo de sua vida. Há muitos anos se vem discutindo a possibilidade de implementação desse instituto no Brasil, haja vista já existir em diversos países como em Portugal, com o objetivo de atender às necessidades dos empresários brasileiros que se utilizam, muitas vezes, dos chamados homens de palha para caracterizar uma sociedade limitada e poder, assim, proteger seu patrimônio particular. Ao final, são tecidas considerações acerca dos pontos críticos e soluções para os impasses que ela poderá causar. Palavras-chave: Empresa individual de responsabilidade limitada; sociedade unipessoal; empresário individual; patrimônio de afetação; Lei 12.441/2011.

ABSTRACT

This paper is an analysis that incorporated the Law 12.441/2011 IndividualLimited Liability Company - Eireli the Civil Code. The present work deals with thepeculiarities of the company, its implications and the problems brought by the legislation. The individual entrepreneur can now act through Eireli and rely on the limitation of liability sheet, which gives more security to the entrepreneur in starting a business, but without risking any equity gained throughout his life. For many years it has been

Graduada pela Faculdade Metodista Granbery em 2011/2012

Pós-Graduanda em Direito Imobiliário pela Universidade Anhanguera Uniderp Advogada nas áreas Cível e Trabalhista

Residente na Rua Severiano Sarmento, 500/303 – Alto dos Passos, na cidade de Juiz de Fora/MG Email: [email protected] Telefones: 8811-3435/3213-6007

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discussing the possibility of implementing this institution in Brazil, due to already exist in various countries such as Portugal, in order to meet the needs of Brazilian businessmen who are used often, so-calledstraw men to characterize a limited company and can therefore protect yourprivate assets. Finally, considerations are made about the critical points and solutions to the problems it may cause. Keywords: individual limited liability company, sole proprietorship, the individual entrepreneur; patrimony of affectation.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo tratar da Empresa Individual de

Responsabilidade Limitada – Eireli, incorporada ao Código Civil pela Lei 12.441/2011.

A referida lei não trouxe o instituto por meio de uma técnica apurada, cometendo

alguns equívocos terminológicos e deixando lacunas em matérias importantes ao bom

desenvolvimento e aplicação da Eireli.

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Tal instituto tem como objetivo permitir que uma única pessoa constitua empresa e se

valha de seus benefícios, ao invés de atuar como empresário individual, em nome próprio e

com responsabilidade total sobre os produtos ou serviços desenvolvidos.

Essa inovação em nosso ordenamento foi importante para atender aos anseios da

sociedade, que estava se valendo dos “homens-de-palha” na constituição das sociedades

limitadas para atender aos requisitos legais e atuar sob o “véu” da personalidade jurídica e da

limitação patrimonial da responsabilidade.

Esmiuçou-se a Lei 12.441/2011, no que tange ao tratamento dado à Eireli, como se

fosse uma sociedade unipessoal, utilizando de nomenclatura própria de sociedades; além de

tratar do valor mínimo de capital social a ser investido, sua integralização, titularidade,

denominação, formas de constituição e da limitação patrimonial.

A finalidade do presente estudo está em tentar aprofundar as questões pertinentes

trazidas pela Lei 12.441/2011 e criticar os pontos equivocados, permitindo ao leitor ter um

amplo conhecimento sobre o novo instituto e sua aplicação.

2. DA EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA:

ANÁLISE DA LEI 12.441/2011

Calixto Salomão Filho já dizia em sua clássica obra A Sociedade Unipessoal: “A

melhor maneira de acabar com uma tentação é ceder-lhe”.2

A matéria era aguardada há muito tempo entre os juristas. Conforme destaca

Wilges Bruscato, já em 1943, Trajano de Miranda Valverde levantava a questão em artigo

publicado na Revista Forense, tratando do que denominou de estabelecimento autônomo, o

que deu ensejo à apresentação de um projeto de lei sobre o assunto, em 1947, pelo deputado

Fausto de Freitas e Castro. Em 1950, foi marcante a realização do Congresso Jurídico

Nacional Comemorativo do Cinquentenário da Faculdade de Direito de Porto Alegre, no qual

houve amplo debate sobre o tema, em especial, em torno do trabalho do prof. Antônio Martins

Filho. Em 1956, Sylvio Marcondes Machado publica o seu estudo “Limitação da

Responsabilidade do Comerciante Individual”. Em 1977, Romano Cristiano traz “A Empresa

Individual e a Personalidade Jurídica”. Em 1995, vem a “Sociedade Unipessoal”, de Calixto

2 SALOMÃO FILHO, Calixto. A Sociedade Unipessoal. Malheiros. São Paulo, 1995. P.37

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Salomão Filho e, em 1996, “Sociedades Unipessoais e Empresas Individuais”, de Edson Isfer,

entre outros.3

Em 2003 foi proposto o Projeto de Lei nº 2.730, que tinha como objetivo a

instituição de uma empresa pessoal de responsabilidade limitada. Contudo, tal PL não logrou

êxito, tendo em vista o posicionamento da maioria das casas legislativas, que eram contra tal

tipo empresarial.

Já o projeto 18/11, apresentado pelo Deputado Marcos Montes do DEM/MG, teve

mais sorte. Aos 11 de julho de 2011, foi sancionado pela Presidência da República.

Esse projeto transformou-se na Lei n. 12.441, que incluiu o artigo 980-A; alterou

o parágrafo único do artigo 1.033 e incluiu uma nova modalidade de pessoa jurídica de direito

privado ao acrescentar o inciso VI ao artigo 44, todos do Código Civil de 2002.

A Lei que criou a Eireli, por óbvio, teve a intenção de atualizar o Código Civil de

2002 no que tange aos tipos de personalidades jurídicas existentes e seu reflexo na ideia de

sociedade unipessoal, mas como vários juristas já se manifestaram acerca do tema tão recente,

as críticas não vêm tendo uma ênfase positiva, pelo contrário, na esmagadora maioria

possuem a intenção de trazer à tona a falta de técnica legislativa em que foi editada a Lei

12.441/2011, a começar pela justificativa dada à apresentação de tal projeto, segundo palavras

de Bruscato4:

A justificativa do deputado Marcos Pontes para a proposição do projeto se inicia com a seguinte manifestação: "(...) tem o objetivo de instituir legalmente a 'Sociedade Unipessoal', também conhecida e tratada na doutrina como 'Empresa individual de Responsabilidade Limitada' (...). Ora, qualquer estudioso da matéria sabe que há grande diferença entre a técnica da sociedade unipessoal e a da personalização da empresa. O resultado final que se espera – a preservação do patrimônio pessoal do agente econômico – pode ser atingido por ambas as formas; nenhuma das duas, no entanto, a mais acertada. Mas, não se toma uma pela outra. E se a proposição já trazia tamanho equívoco, que não foi levantado ao longo da tramitação pelos parlamentares encarregados de sua análise, o resultado final não poderia ser diverso.

A falta de aplicação da técnica jurídica fez com que o texto final da lei fosse

tomado por expressões inapropriadas como “capital social”, “firma ou

3 BRUSCATO, Wilges. Era uma vez a empresa individual de responsabilidade limitada. Disponível em http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI137667,81042-Era+uma+vez+a+empresa+individual+ de+responsabilidade+limitada. Acesso em 21-08-11. P. 1 4 Idem BRUSCATO, p.1

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denominação social”, “outra modalidade societária”, “patrimônio social” ou a previsão da

utilização suplementar da legislação aplicável às sociedades limitadas.

2.1. Da sociedade unipessoal

Sociedade unipessoal é aquela que, como o próprio nome diz, concentra a

totalidade das quotas sociais em uma só pessoa.5 Seu patrimônio é efetivamente da empresa,

inserido nela e para sua criação. Dessa forma, o patrimônio é do empresário e está

intimamente ligado ao desenvolvimento da atividade empresária.

Doutrinadores, em sua maioria europeus, começaram a pensar na implementação

de uma sociedade unipessoal visando a função social que ela tem em uma comunidade e

também baseados no princípio da preservação da empresa.6

De início, essas sociedades surgiram em decorrência da saída dos demais sócios,

permanecendo somente um, mas, ao pensarem nessa possibilidade de continuação com único

sócio, também admitiram a sua constituição originária – Portugal admitiu por meio do

“estabelecimento individual de responsabilidade limitada”, por meio do Decreto-lei 248/86.7

Dentre as teorias da empresa, a sociedade unipessoal se encaixa na teoria do

contrato-organização. Segundo Paolo Ferro-Luzzi, esse contrato “cria uma organização sobre

o patrimônio, ligando-o ao fim previamente estabelecido.”8

No Brasil, a teoria adotada pelo Código Civil, no artigo 981, deixa claro que a

teoria que rege as sociedades é a contratualista.

Para essa teoria, o interesse dos sócios coincide com o interesse social

(maximização do lucro). Como se percebe, está implícita a característica da pluralidade de

sócios.

Com isso, em regra, a sociedade unipessoal é inaceitável em nosso ordenamento.

A subsidiária integral e a unipessoalidade temporária9 são exceções.

Conforme exposição de motivos do projeto de lei que originou a Lei 12.441/2011,

percebe-se que a intenção do legislador foi criar uma sociedade unipessoal e não uma empresa

individual de responsabilidade limitada. 5 SALOMÃO FILHO, op.cit.. P.84. Para o autor, a definição da unipessoalidade se dá pela “existência de um poder totalitário ou a concentração do interesse patrimonial em uma única pessoa.” 6 SALOMÃO FILHO, op. cit. P. 90 7 KAIRALA, Renata Lessa Mellem. Sociedade Unipessoal e E.I.R.L. Conceituação e Problematização. Disponível em < http://www.franca.unesp.br/Sociedade%20Unipessoal.pdf> Acesso em 16-10-11. P.1 8 FACCHIM, Tatiana. A sociedade unipessoal como forma organizativa da micro e pequena empresa. São Paulo, 2010 9 Vide artigos 1.004; 1.028; 1.030; 1.033, IV e 1.085; todos do Código Civil.

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Chega-se a essa conclusão por a lei regular a Eireli como se uma sociedade fosse.

Prova disso é a utilização de forma subsidiária das regras atinentes às sociedades limitadas. A

modalidade de denominação social empregada para as sociedades limitadas e anônimas estão

presentes na Lei 12.441/2011. Temos ainda a utilização das expressões como “capital social”

e “patrimônio social” em toda a referida lei, mas nela não há sociedade, e sim uma empresa

com um único dono. Assim, ao que parece, o legislador utilizou tais expressões como

sinônimos.

2.2. Do registro da Eireli

A lei não tratou da forma de criação e do registro da Eireli.

Assim, foi emitida uma instrução normativa para regulá-la. É a IN n º 117, de 22

de novembro de 2011.10

No site <http://www.cartoriopessoasjuridicas.com.br/eirele.html> pode-se

encontrar tanto o modelo de Ato Constitutivo da Eireli quanto o de Ato de Conversão de

Sociedade Limitada para Eireli.

2.3. O valor mínimo do capital social

Primeiramente cabe uma crítica à denominação “capital social”. Não estamos

tratando de uma sociedade, portanto não há capital social. Há tão somente o capital investido

pela única pessoa envolvida.

Salta aos olhos o valor de capital social mínimo exigido pela lei para se iniciar a

Eireli: cem vezes o maior salário-mínimo vigente no país. Isso, atualmente, atinge o valor

R$54.500,00 (cinquenta quatro mil e quinhentos reais). Esse valor é claramente incompatível

com a finalidade da Eireli.

Elcio Augusto Antoniazi traz à baila a questão da vinculação do salário mínimo

ao valor do capital social:

(...) esta vinculação do capital social ao valor do salário mínimo vigente no país afronta diretamente o trecho final do inciso IV do art. 7º da Constituição Federal. Isto por que, referido texto veda a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, ou seja, sua utilização para indexação ou referência. Nas palavras do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, "A razão

10 Ato Normativo nº117 encontrado no site http://www.dnrc.gov.br/Legislacao/IN%20117%202011.pdf

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de ser da parte final do inciso IV do artigo 7º da Carta Federal - "...vedada a vinculação para qualquer fim;" - é evitar que interesses estranhos aos versados na norma constitucional venham a ter influência na fixação do valor mínimo a ser observado" (RE n° 236958 AgR / ES - AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, publ. 08/10/1999 e RE 197072 / SC - SANTA CATARINA. Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, publ. 08/06/2001). 11

Acredita-se que essa questão de constitucionalidade será definida ao longo do

tempo pela jurisprudência.

Identificado tal problema, passemos à análise da letra da lei, haja vista que muitas

Eireli’s irão surgir na forma da lei até que surja um posicionamento acerca da

constitucionalidade da vinculação do salário mínimo ao valor do capital social.

Este novo tipo empresarial há muito vem sendo discutido por doutrinadores como

Calixto Salomão Filho -- desde a década de 90, com o intuito de permitir que micro e

pequenos empresários pudessem se valer da limitação patrimonial de responsabilidade e dar

continuidade ao seu negócio, na maioria das vezes de cunho familiar, de forma que o tornasse

um empreendimento mais organizado e com maiores possibilidades de crescimento.12

Tendo como ponto de partida esse objetivo dado pelos doutrinadores que abordam

o assunto, percebe-se de forma bastante clara que os micro e pequenos empresários que

exercem a atividade dentro de suas casas não terão o valor exigido pela lei13, já que é

totalmente incompatível com valores efetivamente investidos em uma atividade de micro ou

pequeno porte. Assim, aqueles que realmente poderiam se utilizar da Eireli poderão esbarrar

na exigência legal de valor mínimo para a constituição da mesma.14

A Eireli é uma grande oportunidade para a regularização de muitos empresários

que atuam sem qualquer registro. Isso refletiria em um aumento na arrecadação tributária, na

geração de empregos, na disponibilização de crédito, no desenvolvimento da atividade pela

visibilidade e formalização, possibilitando que outros empresários se utilizassem dos produtos

ou serviços em seu negócio. Mas a Lei 12.441/2011 criou um obstáculo à sua implementação 11 ANTONIAZI, Elcio Augusto. A empresa individual de responsabilidade limitada. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3032, 20 out. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20226>. Acesso em: 22 out. 2011. P.1 12 LOBO, Jorge. Finalmente as empresas individuais. Valor Econômico, Rio de Janeiro, Terça-feira, 18 de outubro de 2011. Legislação e Tributos, p. E2. “Devido à sua natureza e características, a Eireli beneficiará a maioria das 8.869.545 firmas individuais e sociedades limitadas, número correspondente a 99,47% das empresas fundadas, no Brasil, no período de 1985 a 2005(...)”. 13 BRUSCATO, op. cit. p. 2 14 REIS, Miguel. A empresa individual de responsabilidade limitada - Reflexão sumária sobre a experiência portuguesa. Disponível em http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI137912,81042-A+empresa+individual+de+responsabilidade+limitada+Reflexao+sumaria. Acesso em 21-08-11. P.1

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em larga escala. Um instituto criado para ser utilizado por milhares de pequenos empresários,

em virtude de limitações trazidas pela lei, notadamente valor mínimo do capital social,

provavelmente será uma barreira para a sua implementação.

Aqui se faz uma indagação: e quando o valor do salário mínimo aumentar, terá o

empresário que complementar tal valor em seu capital social? Como a lei 12.441 é muito

recente, pouco se abordou sobre o tema e sequer existem discussões jurisprudenciais, haja

vista que esta modificação legislativa somente entrou em vigor 180 (cento e oitenta) dias após

sua publicação, em janeiro de 2012.

Entende-se que não. A lei não pode invadir a esfera privada a esse ponto. O

Estado pode intervir exigindo pré-requisitos para prática de determinados atos, como por

exemplo, o direito de propriedade: caso não cumpra a função social, sofrerá intervenções que

poderá até culminar na perda da propriedade. Na seara empresarial, a interferência no

montante do capital social investido já é um ponto a ser muito debatido, que dirá a

possibilidade de se exigir a sua constante complementação para se adequar ao valor vigente

do maior salário mínimo do país.

Suponhamos que tal complementação fosse exigida; primeiro, teríamos o

problema da interferência direta na gestão da sociedade que pode ter planos de ampliação ou

mesmo de redução. No primeiro caso, a ampliação pode já resultar de um acréscimo do

capital social, sem que interfira na sociedade de forma negativa, mas, no segundo caso, a

empresa já está se programando para reduzir e ainda sim terá que aumentar seu capital social.

É inviável. A empresa pode não ter obtido o sucesso almejado por seu titular e estar reduzindo

a capacidade produtiva na esperança de se manter no mercado, e uma modificação unilateral

governamental pode fadar tal empresa ao fechamento total.

O aumento do valor do salário mínimo é um ato que emana do governo e que

afeta significativamente o campo financeiro de uma empresa comum, mas a Eireli sofrerá

dupla interferência: uma em seu gasto com funcionários e outro com a adaptação ao novo

valor de capital social.

O direito sempre deve observar os princípios da proporcionalidade e

razoabilidade, e tal requisito, nos termos que se expôs, não os respeita. Aquela empresa que

deveria ser “protegida” pelo direito, a possibilitando que muitas empresas familiares se

regularizassem e tantas outras surgissem, será aquela que mais sofrerá os efeitos dos atos

emanados do Estado.

As Eireli’s devem ser encaradas como micro e pequenas empresas, devido à sua

constituição por apenas uma pessoa, portanto, não existindo tendência ao desenvolvimento de

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atividades complexas. O destino delas será – ou pelo menos deveria ser: a população com

menor poder aquisitivo.

Assim, existindo tal requisito, ele deve ser observado à luz dos valores praticados

ao salário-mínimo no momento do registro da empresa. O que não impede, por óbvio, que o

empresário, a qualquer tempo e em qualquer quantia, aumente seu capital social.15

No direito português, o capital mínimo da sociedade lá existente, análoga à Eireli,

era de cinco mil euros e, em março último (2011), passou a ser apenas um euro. Claramente

se vê que, após anos de existência da referida lei percebeu-se que a exigência de valor mínimo

de capital social para esse tipo de sociedade era um equívoco e, portanto, foi praticamente

extinto tal requisito, já que o valor de um euro é claramente simbólico.

A regra em todo o ordenamento jurídico brasileiro é a da presunção de boa-fé,

cabendo à parte provar a má-fé. A lei que altera o CC 2002 para incluir a Eireli parte da

premissa de que o empresário é um ser dotado de más intenções e que se utilizará da Eireli

para promover atos ilícitos ou abusar do direito que esta lhe proporciona.

Muito infeliz, diga-se de passagem, esse fragmento da exposição de motivos da

lei. Os empresários possuem um papel muito importante na economia e no desenvolvimento

do país. São eles que, por meio de suas empresas, promovem empregos, geram riquezas,

desenvolvimento social, que impulsionam a economia, que, através dos empregos, permitem

que as famílias conquistem melhores condições de vida, que, através de programas sociais,

trazem consciência para a população mais carente de vida em sociedade, de preservação do

meio ambiente e de educação.

Essas são as características da esmagadora maioria dos empresários brasileiros.

Não podemos aceitar que uma lei parta do princípio de que todos se valem de empresas para

tirar proveito para si e prejudicar os terceiros envolvidos, sejam eles credores, fornecedores,

ou usuários dos serviços, ou clientes dos produtos.

Como a lei foi sancionada sem qualquer veto a esta parte, vamos esperar que a

jurisprudência conserte este equívoco legislativo.

Não podemos ver o empresário como um sujeito cheio de maldade, mas sim, com

olhos postos no Estado de Direito, vê-lo como cidadão que, a princípio, tem uma conduta

pautada na sinceridade, na veracidade e na fidelidade.

15 REIS. Op.cit. Uma diferença de tomo existe, desde já, entre o regime brasileiro e o português: o capital social mínimo de uma EIRELI é de 54.500 reais (cerca de 25.000 €) enquanto o capital mínimo de uma sociedade unipessoal era de 5.000 € e passou a ser de apenas 1 €, a partir de março de 2011.

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Aproveitando o tópico, cabe a crítica à utilização do termo “capital social”. Na

Eireli não há sociedade, portanto não se pode dizer que a empresa terá um capital social, e sim

um capital investido pelo único empresário. Acredita-se que a lei trouxe essa denominação

por ser de uso cotidiano, mas que não deixa de ser mais uma imperfeição técnica trazida para

o ordenamento.

2.4. Da integralização do capital social

Ainda se tratando do caput do artigo 980-A, estabelece que o valor mínimo do

capital social, conforme já mencionado, deverá estar totalmente integralizado no ato de sua

criação. O capital social é aquele que o(s) sócio(s) ou, neste caso, o único empresário, investe

efetivamente na empresa para dar início à atividade. As sociedades já existentes no

ordenamento jurídico, todas permitem que o capital seja integralizado por partes; seja dividido

entre vários sócios, seja cada sócio dividindo sua cota parte. Assim, a parte que compete a um

sócio pode ser integralizada da maneira como convier à sociedade e aos demais sócios,

podendo ainda ser em dinheiro, em bens ou em serviços -- este último somente na sociedade

simples.

A integralização do capital social deve ser feita por todos os sócios, sob pena de

ficarem solidariamente responsáveis perante credores da sociedade pela parte não

integralizada. Isso ocorre para que, de alguma forma, sejam resguardados os direitos de

credores da empresa. Cabe aqui ressaltar que aquele que não integralizar a cota parte, tendo

condições para fazê-lo, poderá ser enquadrado na hipótese da desconsideração da

personalidade jurídica, tendo em vista que, tendo como fazê-lo (integralizar o capital social

que lhe cabe) e deixando de proceder ao mesmo, abusa do direito inerente à sociedade que é a

limitação patrimonial da responsabilidade, ficando sujeito às medidas cabíveis -- busca do

patrimônio pessoal do sócio.

Retomando o raciocínio após breve resumo do que ocorre nas sociedades

previstas no CC/2002, na Eireli sua característica principal é a titularidade de todas as cotas

nas mãos de um único dono: o empresário. Mais do que ninguém, ele tem o interesse de que a

atividade tenha sucesso e, sobretudo, dê lucro. Assim, sendo essencial ao funcionamento da

empresa a integralização do capital social, não há motivo para que o empresário da Eireli se

esquive de fazê-lo.

Há nas sociedades a necessidade de imposição de medidas como a solidariedade

na integralização do capital social e a desconsideração da personalidade jurídica, já que se

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trata da junção de esforços em que um dos sócios pode se aproveitar do outro para postergar

ou até mesmo não integralizar o capital social, o que pode prejudicar a própria sociedade e

seus credores.

Na Eireli não há que se falar em fiscalização de outro sócio, já que o único

interessado é o único dono. O legislador partiu, em vários momentos, da premissa de que o

empresário brasileiro é dotado de má-fé, que quer utilizar-se da empresa para promover atos

ilícitos e fraudulentos contra a sociedade em geral. Esquece-se, todavia, que o próprio

ordenamento já tem uma ferramenta poderosa contra tais atos: a desconsideração da

personalidade jurídica.

Estima-se que mais da metade das sociedades limitadas no Brasil sejam fictas, ou

seja, que se utilizem de “laranjas” para a caracterização da sociedade limitada, ou seja, para

que possua no mínimo dois sócios. Logo, faticamente já existem milhares de Eireli's

camufladas nas Ltda's, que funcionam livremente, têm sua parcela de contribuição tributária,

trabalhista, econômica e social, mesmo sem as limitações que a Eireli trouxe (valor mínimo

de capital social e a obrigatoriedade de integralização de todo o valor no ato da sua criação).

Ademais, um dos princípios constitucionais que deve ser aplicado ao direito

empresarial é o da “isonomia, que impõe a igualdade de tratamento e de oportunidades a

todos os cidadãos”16.

Dessa forma, essa imposição de integralização total do capital social no momento

de sua constituição é plenamente questionável e maculada de inconstitucionalidade por ferir o

princípio da isonomia.

Tendo em vista que existem milhares de Eireli's camufladas nas Ltda's, que

funcionam livremente e têm sua parcela de contribuição tributária, trabalhista, econômica e

social, mesmo sem as limitações que a Eireli trouxe (valor mínimo de capital social e a

obrigatoriedade de integralização de todo o valor no ato da sua criação), não é justo que tal

limitação seja imposta à Eireli.

É de se abismar que o empresário que necessita de maior proteção e facilitação

para o ingresso no mercado seja aquele que mais sofre para conseguir constituir uma empresa

– Eireli.

Se a intenção da Lei 12.441/2011 era, sobretudo, garantir que empresas fictícias e

empresários que atuam na informalidade pudessem atuar de forma regular, essas limitações

estão inviabilizando esse processo.

16 LOBO, op. cit. P.1

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Assim, deverá haver uma mudança no sentido de permitir a integralização do

capital social da forma que convier ao empresário, observando o princípio da isonomia. Se as

sociedades limitadas e anônimas não possuem tal imposição, não pode então ser imposto à

Eireli, por não tratar de forma equânime os dois institutos, ficando tal norma eivada de

inconstitucionalidade.

2.5. Titularidade do capital social

O caput do artigo 980-A nos diz que a Eireli será formada por uma única pessoa,

que será titular da totalidade do capital social. A lei foi omissa e não trouxe qualquer menção

à possibilidade de essa “única pessoa” poder ser tanto pessoa física quanto jurídica. Em nosso

ordenamento, a possibilidade de uma pessoa jurídica fazer parte do quadro societário de uma

outra pessoa jurídica é possível e quanto a isso não há qualquer discussão.

Em uma interpretação sistemática, conclui-se que poderá ser tanto pessoa física

quanto jurídica, haja vista o §2º do artigo 980-A do Código Civil dizer que somente a pessoa

natural não poderá figurar em mais de uma Eireli.

Contudo, no projeto de lei primitivo, o texto era de que a Eireli poderia ser

formada somente por “único sócio, pessoa natural”. O CCJ da Câmara dos Deputados alterou

o texto para “única pessoa”, com o intuito de retirar do texto termos relacionados às

sociedades e acabou deixando tal dúvida.

Assim, entende Bruscato que, sendo a lei omissa quanto a esse ponto, quer dizer

que é totalmente possível.17 Porém, não é a melhor interpretação.

O texto original do projeto de lei deixava claro que somente pessoa natural

poderia constituir uma Eireli e, por um erro na correção do CCJ da Câmara dos Deputados, a

expressão “natural” foi suprimida.

Amílcar Nadu18 entende que, em uma interpretação sistemática, já que a Lei traz

limitação somente no §2º do artigo 980-A, se fosse a intenção limitar sua constituição por

pessoa jurídica, também o faria no caput. Mas apesar de tal posicionamento, traz à baila o

princípio da igualdade, que estaria sendo desrespeitado quando limita a constituição de mais

uma Eireli somente pela pessoa natural, podendo até se tornar uma discussão de

(in)constitucionalidade. 17 Bruscato, op. cit. 18 NADU, Amílcar. Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI. Comentários à Lei 12441/2011, que altera o Código Civil. Disponível em <http://www.direitointegral.com/2011/08/empresa-individual-de-responsabilidade.html> Acesso em 16-10-11. P.1

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No entanto, caso permita-se que uma pessoa jurídica seja titular de uma Eireli,

não estaria coerente com o objetivo de tal instituto, uma vez que uma pessoa jurídica é um

ente coletivo. A empresa individual de responsabilidade limitada traz em sua nomenclatura

que é “individual”, que deve ser formada por uma única pessoa.

Portanto, mesmo utilizando interpretação sistemática e mostrando que há

possibilidade de uma pessoa jurídica ser titular de uma Eireli, entende-se que não é coerente

tal aplicação, já que se um ente coletivo constituir uma empresa individual não fará o menor

sentido. Neste sentido coaduna-se com a Instrução Normativa nº 117, que regulou o registro

da Eireli, não permitindo que uma pessoa jurídica seja titular.

Tal instrução foi emitida pelo Departamento Nacional de Registros do Comércio –

DNRC, e a interpretação de não aceitação de pessoas jurídicas extravasa a sua competência,

mas até o momento não houve questionamentos nos tribunais.19

Como os Cartórios de Registro de Títulos e Documentos não estão submetidos às

normas emitidas pelo DNRC, será plenamente possível o registro de Eireli’s com titular

pessoa jurídica, já que a própria lei não impede expressamente.20

2.6. Da denominação social

Durante todo este trabalho, utilizou-se a expressão “EIRELI” e ela foi trazida pela

própria lei 12.441/2011, em seu §1º do artigo 980-A do CC/2002. A expressão deve vir ao

final da “firma” ou da “denominação social”.

“Razão Social” está intimamente ligada aos sócios pelo princípio da veracidade,

em que o nome da empresa deve corresponder ao nome dos sócios. Esse tipo de nome é

obrigatório àquelas sociedades em que não há a responsabilidade limitada dos sócios. Por

isso, o nome da empresa indicará aqueles que poderão, eventualmente, serem demandados

pelos credores.

Como bem nos lembra Gladston Mamede21, isso não quer dizer que somente

aqueles que tiverem os nomes identificados na razão social poderão ser demandados pelos

19 EIRELI Constituída por Titular Pessoa Jurídica disponível em <http://www.eireli.com/index.php/legislacao/15-geral/83-eireli-constituida-por-titular-pessoa-juridica> acesso em 23/03/2012. P.1 20 idem

21 MAMEDE, Gladston. Direito societário: sociedades simples e empresárias. 4ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010.

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credores, ela também alcança aqueles que em virtude da lei ou do ato constitutivo possam ser

cobrados.

A “Denominação Social” não está subordinada ao princípio da veracidade, como a

razão social, mas sim ao princípio da novidade. Isso quer dizer que a denominação de uma

empresa não pode ser igual à de outra, já registrada, dentro do mesmo Estado. Por isso,

podem se valer de nomes fantasia, ou seja, que não guardem relação com o nome dos sócios.

Há limitações à denominação social, ficando proibida a utilização de expressões

imorais e que guardem relação com direitos da personalidade de outrem – por exemplo,

utilizar apelido de alguém. O artigo 1.158, §2º do CC estabelece que o nome deva guardar

relação com o objeto da sociedade – por exemplo, Gráfica América Ltda.

Bruscato opina a favor da utilização da denominação social ou firma.

A permissão da lei para que o empresário opte por firma ou denominação também é salutar. Essa foi, aliás, a nossa recomendação quando tratamos do assunto. Perceba-se que a denominação só é empregada como nome de sociedades anônimas e, por faculdade, de sociedades limitadas – posto que a sociedade em comandita por ações está em desuso entre nós. E o que há de comum entre a anônima e a limitada é o regime de responsabilidade dos sócios. O que a nova figura legal, ainda que de modo indireto, também apresenta.22

Dessa forma, parece que a opção de denominação social ou firma foi, de certa

forma, uma escolha adequada do legislador, da qual o empresário deverá fazer uso, seguido da

expressão ‘Eireli’.

2.7. Da constituição da Eireli

Passando adiante, o §2º ainda do artigo 980-A do CC/2002 veda que uma mesma

pessoa natural constitua mais de uma Eireli.

Há dois tipos de pessoas no direito brasileiro: a pessoa física e a pessoa jurídica.

Pessoa natural é o mesmo que pessoa física, pessoa individual ou singular; homem com

capacidade de adquirir direitos e assumir obrigações, ou seja, que tenha capacidade de direito.

A Lei 12.441/2011 somente veda que pessoas naturais constituam mais de uma

Eireli. Assim sendo, já que, como citado anteriormente, a lei não veda a titularização da Eireli

por uma pessoa jurídica, pode-se entender que, quando uma Eireli pertencer a uma pessoa

jurídica, esta poderá possuir mais de uma empresa nessa modalidade. 22 BRUSCATO, 2011.

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Contudo, como exposto em item anterior, não há coerência em constituição de

uma empresa individual por um ente coletivo (outra pessoa jurídica), tornando-se descabida

tal possibilidade.

Assim, quando a lei veda a constituição de mais uma Eireli por uma mesma

pessoa natural, deve-se entender que ela também só pode ser instituída por tal.

2.7.1. Formas: originária ou derivada

O §3º do artigo 980-A do CC/2002 permite que a Eireli exista de forma originária

ou derivada (na forma derivada, ela se equipara à sociedade unipessoal permanente, e não

apenas na hipótese do art. 1.033, IV, CC/02).

A forma originária é aquela que ocorre no momento da instituição da Eireli. Ela já

começará com todas as suas quotas sob a titularidade de uma só pessoa.

De maneira derivada serão os casos em que, por qualquer motivo, de acordo com

o artigo 1.053, IV do Código Civil; a saída do(s) outro(s) sócio(s), subsistindo somente um,

este poderá optar por transformar-se em Eireli ou aguardar os 180 dias, máximos, para a

incorporação de outro sócio e se manter na modalidade empresária originária.

Esse caso nos remete novamente à discussão referente ao valor do capital social

mínimo exigido pela lei. No caso de transformação de uma sociedade em uma Eireli, não

atingido o capital social de cem vezes o maior valor do salário mínimo vigente, o empresário

deverá fazê-lo ou se manterá como estava?

As regras devem ser as mais abstratas possíveis para que sejam aplicadas a todos

indistintamente. Logo, entende-se que, se a regra do valor do capital social se aplica para a

constituição da Eireli de forma originária, esta também deverá ser respeitada por aquele que a

constituir de forma derivada – lembrando que o mesmo deve ser totalmente integralizado no

momento da criação da Eireli.

Assim, não há dúvidas quanto à integralização do valor do capital social quando a

Eireli for constituída de forma originária. Em atendimento ao princípio da isonomia, sendo a

Eireli constituída de forma derivada, caso o capital social não atenda ao requisito do §3º do

artigo 980-A do Código Civil, ou seja, as cem vezes o valor do salário mínimo, deverá fazê-lo

no momento de sua criação.

2.8. Da regulação subsidiária da Eireli

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Outro ponto que deve ser observado é o da regulação subsidiária dada à Eireli. A

Lei 12.441/2011, estabelece que a Eireli será regulada, no que couber, às regras destinadas às

sociedades limitadas. Nas palavras de Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa:

Este no que couber é bastante relativo, pela significativa incompatibilidade entre um modelo societário e uma empresa individual. Além disto, como se sabe, o Código Civil cuidou muito mal da sociedade limitada, tendo-a remetido, por sua vez, para o regime das sociedades simples diante das lacunas do seu próprio regramento.23

O que se espera é que a lei traga a regulamentação de forma completa.

A única característica da Eireli que é compatível com a Sociedade Limitada é a

limitação patrimonial, não havendo qualquer aplicação das demais normas atinentes a esta,

naquela.

Todos os artigos de que trata a Sociedade Limitada e até suas remissões às regras

referentes à Sociedade Simples são referentes às relações entre os sócios. Votações, divisão de

lucros, reformas do contrato social, obrigações dos sócios, transmissão de quotas, resolução

da sociedade perante um sócio, divisão do capital social, poderes dos sócios e tantos outros.

Nenhuma dessas hipóteses se aplica à Eireli. O único empresário é dono de todas as quotas,

portanto, não há que se falar em assembleia, repartição de lucro, obrigação de um perante

outro sócio, tampouco em resolução da sociedade perante um sócio.

É absurda essa previsão da Lei 12.441/2011. Não houve qualquer análise de sua

pertinência e adequação.

Como não terá qualquer aplicação, o §6º do artigo 980-A do Código Civil será

letra morta.

2.9. Da limitação patrimonial da responsabilidade da Eireli

Em seguida, a lei prevê o que tanto se buscou: a limitação patrimonial da

responsabilidade.

Desde o século passado, os doutrinadores da área defendem a instituição de uma

empresa individual de responsabilidade limitada24, ora por sociedade unipessoal, ora por

23 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. A empresa individual de responsabilidade limitada. Disponível em http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI138282,51045-A+empresa+individual+de+ responsabilidade+limitada Acesso em 09/08/2011. P.1 24 Muitos confundem a limitação patrimonial da responsabilidade com a responsabilidade pelas obrigações. As obrigações são juridicamente devidas e o patrimônio da empresa responderá perante ela. A responsabilidade patrimonial se restringe àquilo que o sócio investiu na empresa, ficando seu patrimônio pessoal livre de qualquer

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empresa individual de responsabilidade limitada, ora por estabelecimento mercantil de

responsabilidade limitada, dentre outros.25

Antes da instituição da Eireli, aquele que atuasse sozinho em certa atividade,

respeitando os requisitos do artigo 966 do Código Civil, somente poderia regularizá-la por

meio do registro de empresário individual, em que atua em nome próprio, e responderia com

todo seu patrimônio pelas obrigações decorrentes da atividade.

Atuar como empresário individual impõe mais riscos ao empresário do que se o

fizesse por meio de uma sociedade com limitação patrimonial da responsabilidade, já que não

poderá se valer dos benefícios da limitação patrimonial da responsabilidade, respondendo

com todo o seu patrimônio perante as dívidas decorrentes da atividade.

Conforme assevera Cinira Gomes Lima Melo,

Assim, ao explorar a empresa, o empresário correria o risco de perder não só o patrimônio separado para essa atividade (equipamentos, insumos etc), mas todo o seu patrimônio, o seu conjunto de bens conseguidos com o trabalho de uma vida inteira. Essa é a regra: responsabilidade ilimitada.26

Essa é a regra para os empresários individuais, mas, quando falamos em uma

Eireli o empresário individual está inserido nela. Dessa forma, o empresário individual, a

princípio, responderia de forma ilimitada com todo seu patrimônio – de acordo com a regra

geral do Código Civil, artigo 391. Contudo, a Eireli surgiu para limitar que a totalidade do

patrimônio do empresário fosse alcançada pelas dívidas contraídas no exercício da atividade.

O que primeiro vem à mente é que a Lei 12.441/2011 teve como objetivo a

personificação da atividade do empresário individual para então estabelecer essa divisão

patrimonial, haja vista a inclusão do inciso VI no artigo 44 do Código Civil de 2002.

Existem teorias que tentam explicar o que é a personalidade jurídica. Iremos

utilizar a teoria mais aceita pelos estudiosos como base de nosso estudo, que é a teoria da

realidade técnica, que prega ser a personalidade jurídica uma realidade derivada de iniciativa

de pessoas humanas que o Estado tão somente reconhece.

execução. Logo, as obrigações assumidas pela empresa, a totalidade do seu patrimônio, no limite de sua força, responderão pelas dívidas. Isso quer dizer que se o patrimônio empresarial não for suficiente para quitar as obrigações, não poderão os credores demandar o patrimônio pessoal dos sócios – salvo nos casos previstos em lei de desconsideração da personalidade jurídica (Teoria da dívida e da responsabilidade). 25 FRANCO, Ângela Barbosa. O EMPRESÁRIO INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE ILIMITADA: uma análise jurídica e econômica. Disponível em < http://www.mcampos.br/posgraduacao/mestrado/ dissertacoes/angelabarbosafrancoempresarioindividualresponsabilidadeilimitada.pdf> Acesso em 16-10-11. P.1 26 MELO, Cinira Gomes Lima. A limitação da responsabilidade do empresário individual. Disponível em http://www.jgmelocobrancas.com.br/artigo_02.html. Acesso em 17-09-11. p.1

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A personalidade jurídica transforma um conjunto de bens organizados em uma

pessoa com “vida” própria. Assim, a empresa, mesmo que vendida a um terceiro, continuará

existindo com as mesmas características originais, com suas obrigações próprias, direitos

próprios, não se confundindo com seus membros.

A personalidade jurídica é reconhecida pelo Estado para permitir que os

indivíduos invistam no mercado sem fazê-lo de forma pessoal. Isso permitiu que as nações se

desenvolvessem de forma rápida, pois foi uma característica crucial para que os

empresários/comerciantes investissem parcela de seu patrimônio sem comprometer sua

totalidade.

Contudo, percebeu-se que alguns indivíduos se valeram da pessoa jurídica e de

sua limitação patrimonial de responsabilidade para cometer atos fraudulentos e beneficiar-se

por meio da sociedade. Foi necessária a criação da teoria da desconsideração da personalidade

jurídica, conforme artigo 50 do CC, diz que buscará no patrimônio pessoal dos sócios, seus

bens, quando se configurar o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial.

Apesar de o Código Civil limitar a desconsideração da personalidade jurídica

somente a essas duas situações, essa teoria vem sendo aplicada sem critério, bastando somente

o não pagamento de um credor e a falta de bens para efetuar o pagamento. Isso é mais comum

na justiça do trabalho, onde vemos essa situação ocorrer com uma frequência assustadora.

Retomando, em uma análise da teoria mais aceita, em que personalidade jurídica é

reconhecida quando da iniciativa de pessoas humanas, essa regulamentação não se encaixa na

Eireli.

O patrimônio, em seu aspecto objetivo, é o conjunto de bens que pode ser

destinado a determinada atividade, ou seja, a um fim econômico determinado. É o que

chamamos de afetação. O aspecto subjetivo trata da titularidade do patrimônio, ou seja, a

quem ele pertence.27

Existem muitas críticas à aplicação da afetação patrimonial, já que os pensadores

contrários a essa teoria não reconhecem dois patrimônios titularizados por uma mesma pessoa

– no caso, o empresário individual possuiria o seu particular e o afetado para a atividade.

Porém, esse posicionamento está equivocado, uma vez que o patrimônio permanece o mesmo,

ou seja, em um único grupo de bens pertencentes a alguém. Não há a formação de dois grupos

patrimoniais distintos. A afetação não tem esse condão de criar novo grupo, o patrimônio é

27 MELO, op. cit.

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tão somente é destacado dos demais bens do indivíduo para ser investido em determinada

atividade. Nesse mesmo sentido, Sylvio Marcondes Machado assevera:

Apartando do patrimônio a quantidade de bens que julga necessária à instalação de sua empresa, o comerciante individual constitui, com o capital, o suporte econômico imediato das relações jurídicas que surgirão em conseqüência da atividade empreendedora. Tais relações, embora se coordenem num conjunto de direitos (relações ativas e passivas), formando uma universitas júris, não se desligam da titularidade do empresário, que permanece proprietário dos bens e credor ou devedor das obrigações.28

Para Nadialini Francischini de Souza, a Eireli não tem nem personalidade jurídica,

tampouco é um empresário individual com patrimônio afetado. Para ela, a Eireli é uma

entidade sui generis, já que, como a própria lei estabelece, o registro na junta de determinada

empresa implica em equiparação a uma pessoa jurídica, mas seu membro “não irá conduzir a

atividade, mas sim a própria pessoa jurídica. Com base em todas essas observações, verifica-

se que o membro da nova pessoa jurídica criada pela Lei n. 12.441/2011 não tem natureza

jurídica nem de sócio, nem de empresário. Desta forma, somente resta concluir que este, no

ordenamento brasileiro, tem natureza jurídica sui generis”. 29

Não há concordância com o entendimento de Francischini, sendo um

posicionamento isolado.

Jorge Lobo30 entende que há um patrimônio de afetação conferindo a limitação

patrimonial da Eireli, posicionamento que se acredita ser o mais apropriado.

Ainda nesse parágrafo que trata da limitação patrimonial da responsabilidade,

houve um veto da presidência, que retirou parte do §4º do artigo 980-A do CC/2002, que dizia

que “(...) não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a

constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregues ao órgão

competente”.

Nesse caso, acredita-se que a referida vedação não trouxe qualquer modificação à

Eireli. A limitação patrimonial da responsabilidade, característica maior da Eireli, implica na

não confusão do patrimônio da empresa e do empresário em qualquer situação comum e

desvio de finalidade.

28 MACHADO, Sylvio Marcondes apud MELO 29 SOUZA, Nadialice Francischini de. A natureza jurídica "sui generis" do membro da EIRELI. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2947, 27 jul. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/196 30>. Acesso em: 15 set. 2011. P.03 30 LOBO, op. cit.

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A existência da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, prevista tanto

no Código Civil quanto no Código de Defesa do Consumidor, surgiu para afastar tal limitação

patrimonial da responsabilidade nos determinados casos.

A personificação da Eireli não se faz legítima e apropriada já que esse instituto é

destinado a conceder “vida” a uma atividade realizada por várias pessoas, dentre elas as

sociedades, as fundações e as associações. A Eireli, por se tratar de uma atividade encabeçada

por uma só pessoa, não faz jus a tal instituto.

A personalidade jurídica é uma realidade técnica (teoria mais aceita) dada a entes

plurais para que eles possam se tornar sujeitos de direitos. Não é o caso para a Eireli. que é

controlada por um único ser.

A afetação é plenamente possível, já que não mudaria em nada a conjectura da

Eireli. Ela continuaria com o patrimônio “da empresa”, só que em nome do empresário e seria

averbada a sua afetação. Os credores da Eireli poderão bloquear e executar tais bens para

quitar as dívidas da empresa.

Na prática não haverá grande mudança se a Eireli for um ente personalizado ou

não. Busca-se com o patrimônio de afetação a aplicação da melhor técnica jurídica para não

permitir que sejam criados institutos frankensteins.

Conforme a teoria da realidade técnica já tratada, a personalidade jurídica nasce

da iniciativa de pessoas humanas e é deferida pelo Estado. Por essa teoria, não podemos

admitir que se dê personalidade jurídica à Eireli, por não haver iniciativa de pessoas

envolvidas. Somente um empresário irá constituí-la.

Jorge Lobo, em recente artigo publicado no Jornal Valor Econômico31, também

entendeu que a personalidade jurídica da Eireli decorre da afetação patrimonial.

Como bem ensinou Salomão,

Em termos muito simples (...) pode-se dizer que com relação à pessoa jurídica o que está em jogo é a capacidade jurídica, ou seja, a possibilidade de atribuir direitos e obrigações a um ente artificial. Com relação ao patrimônio afetado, a questão central não é a subjetividade jurídica, mas sim, como o próprio nome sugere, a possibilidade de afetar massas patrimoniais de um mesmo sujeito de direito. 32

Dentre as teorias apresentadas, a mais adequada à empresa individual de

responsabilidade limitada seria a afetação do patrimônio destinado à atividade empresarial.

31 LOBO, Jorge. Finalmente as empresas individuais. Valor Econômico, Rio de Janeiro, Terça-feira, 18 de outubro de 2011. Legislação e Tributos, p. E2. 32 SALOMÃO FILHO, op. cit. P. 95

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Assim, o empresário teria sua responsabilidade limitada ao patrimônio afetado, resguardando

o objetivo principal da Lei 12.441/2011, ficando, então, mais coerente com o ordenamento e

com a doutrina acerca do tema.

2.9.1. Da possibilidade de aplicação da teoria da personificação pela afetação

patrimonial

No Brasil já existem casos em que a teoria da personificação pela afetação

patrimonial foi adotada, como é o caso da Lei 4.591/64 que trata dos condomínios em

edificações e das incorporações imobiliárias, e os artigos 178 e 179 da Lei 6.404/76, que trata

das sociedades por ações.

A Lei 4.591/64, em seu artigo 31-A, prevê regras para o patrimônio de afetação

pelas incorporadoras, regras essas que podem servir de espelho para a Eireli.

Artigo 31-A. A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime da afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes. §1º. O patrimônio de afetação não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do incorporador ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos e só responde por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva. §2º. O incorporador responde pelos danos que causar ao patrimônio de afetação §3º. Os bens e direitos integrantes do patrimônio de afetação somente poderão ser objeto de garantia real em operação de crédito cujo produto seja integralmente destinado à consecução da edificação correspondente à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes. §4º. No caso de cessão, plena ou fiduciária, de direitos creditórios oriundos da comercialização das unidades imobiliárias componentes da incorporação, o produto da cessão também passará a integrar o patrimônio de afetação, observado o disposto no §6º. (...)§6º. Os recursos financeiros integrantes do patrimônio de afetação serão utilizados para pagamento ou reembolso das despesas inerentes à incorporação. (...)Artigo 31-B. Considera-se constituído o patrimônio de afetação mediante averbação, a qualquer tempo, no Registro de Imóveis, de termo firmado pelo

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incorporador e, quando for o caso, também pelos titulares de direitos de aquisição sobre o terreno. Parágrafo único. A averbação não será obstada pela existência de ônus reais que tenham sido constituídos sobre o imóvel objeto da incorporação para garantia do pagamento do preço de sua aquisição ou do cumprimento de obrigação construir o empreendimento.

Essa disposição é muito clara sobre o funcionamento do patrimônio de afetação e

suas implicações, permitindo que também sejam utilizadas para a Eireli.

Já nos artigos 178 e 179 da Lei das Sociedades por Ações, a afetação ocorre

dentro do patrimônio da S.A. Imagine uma pizza cortada em vários pedaços. Cada fatia

corresponde a um grupo de patrimônio em afetação que, vistos em conjunto, formam o

patrimônio da S.A, mas cada qual é destinado a determinadas obrigações da empresa, por

exemplo, o grupo de ativo circulante, o grupo de ativo não circulante, o grupo do passivo

circulante e assim por diante.

Ainda na lei das sociedades anônimas, temos as debêntures, que para serem

emitidas devem afetar certo patrimônio da empresa a fim de assegurá-las.

Mais uma vez, no ordenamento pátrio já se admite a afetação patrimonial por si só

– nos casos das incorporações imobiliárias; e como repartição de um patrimônio maior.

Com isso, conclui-se que a forma de limitação da responsabilidade através da

afetação patrimonial é viável e pode ter como espelho a legislação inerente às incorporações

imobiliárias. Ainda, por a Eireli não satisfazer todos os requisitos da personificação, a

afetação permite que o objetivo da limitação patrimonial seja atingido sem, contudo, criar

uma limitação forçada pela personalidade jurídica, implicando em classificações doutrinárias

confusas e recortadas.

3. CONCLUSÃO

A responsabilidade ilimitada do empresário é um fator que amedronta o ingresso

de muitas pessoas no ramo empresarial. Uma pessoa natural que se disponha a se tornar

empresário com o objetivo de auferir lucros encontra um ambiente sujeito a algumas

intempéries: alta taxa de juros, carga tributária elevada, grande poder econômico dos

fornecedores, taxa de câmbio desfavorável, infraestrutura estatal inadequada, consumidores

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exigentes, inflexibilidade da legislação trabalhista, privilégios da Fazenda Pública, pequeno

mercado de consumo e competição acirrada dos empresários.33

Ainda que um empresário disponha de todos os recursos necessários para a

operacionalização de determinada empresa, a alternativa da constituição de uma sociedade se

mostra atraente em razão da possibilidade de limitação dos riscos a serem suportados pelos

empreendedores em caso de insucesso. É de onde surgem as sociedades fictas.34

Alguns países já reconheceram a importância do empresário que atua sozinho,

geralmente em pequenas empresas – muitas vezes em âmbito familiar; permitindo-lhe a

limitação da responsabilidade, seja pela sociedade unipessoal, seja pelo estabelecimento

individual de responsabilidade limitada, ou por um misto deles.

De modo ao ordenamento cumprir sua tarefa de acompanhar os anseios da

sociedade, a regulamentação e o reconhecimento da Eireli permitirão que muitas sociedades

fictícias possam se transformar em uma Eireli real. Tantos outros que atuam na informalidade

poderão se valer desse instituto, gerando para suas comunidades locais mais renda, empregos,

tributos, competitividade e maior oferta de produtos e serviços.

A Eireli se apresenta como um instrumento positivo para a população, haja vista o

crescente interesse dos brasileiros em abrirem o próprio negócio – negócios esses que, em sua

esmagadora maioria, são em âmbito familiar e de pequeno porte.

Por todo exposto, mesmo com as falhas trazidas pela Lei 12.441/2011, ainda sim

se vê positivamente a criação do instituto Eireli, o qual esperamos que seja adaptado naquilo

que os casos reais mostrarem que devam sê-lo, para melhorar a cada dia a sua aplicação,

permitindo a utilização do mesmo, para que não se torne um instituto sem aplicação em nosso

ordenamento.

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33 Mensagem do voto aprovando a Lei 12.441/2011. Disponível em: http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/88262.pdf Acesso em 03/09/2011 34 As sociedades fictas também são chamadas de sociedades aparentes, de favor, simuladas, de fachada, com interposta pessoa, com homens-de-palha e, algumas vezes, até de sociedades unipessoais – esta última usada de maneira equivocada.

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