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CONTRATOS DE CONCESSÃO DE RODOVIAS: artigos, decisões e pareceres jurídicos André Castro Carvalho organizador

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Contratos de ConCessão de rodovias:artigos, decisões e pareceres jurídicos

André Castro Carvalhoorganizador

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CONTRATOS DE CONCESSÃO DE RODOVIAS:artigos, decisões e pareceres jurídicos

organizadorAndré Castro Carvalho

autoresAntônio Carlos Cintra do Amaral

Arnoldo Wald

Celso Antônio Bandeira de Mello

Letícia Queiroz de Andrade

Lúcia Valle Figueiredo

Marina Gaensly

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MP Editora – 2009Av. Brigadeiro Luís Antônio, 2482, 6. andar01402-000 – São PauloTel./Fax: (11) [email protected]

ISBN 978-85-7898-031-3

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

Preparação de textoMônica A. Guedes

CapaVeridiana Freitas

Projeto gráfico e diagramaçãoVeridiana Freitas

Diretor responsávelMarcelo Magalhães Peixoto

Impressão e acabamentoORGRAFIC

C782

Contratos de concessão de rodovias : artigos, decisões e pareceres jurídicos / organizador André Castro Carvalho. - São Paulo : MP Ed., 2009.

224p; 14X21 cm.

ISBN 978-85-7898-031-3

1. Concessões de serviços públicos. 2. Rodovias. 3. Pedágio. 4. Pareceres jurídicos. 5. Contra-tos. I. Título. II. Carvalho, André Castro, org.

09-5360. CDU: 34:35.078.6

09.10.09 15.10.09 015714

Todos os direitos reservados

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Apresentação

A Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias – ABCR vem realizando, desde a sua fundação, em 1996, a promoção e realização de estudos para a melhoria da malha rodoviária brasileira. Rodovias bem administradas e conservadas significam menores custos no escoamento da produção nacional e melhores condições de competitividade para nossos produtos no mercado externo. Também facilitam a ligação inter-regional, fundamental para um país de dimensões continentais como o Brasil.

Além de sua atividade institucional, a constante busca pelo oferecimento de inovações e de melhores condições de segurança e con-forto aos usuários de rodovias tem impulsionado significativos esforços da ABCR em pesquisa e desenvolvimento científico no âmbito rodoviá-rio. Como exemplos, podem-se mencionar duas obras jurídicas anteriores (Decisões e pareceres jurídicos sobre pedágio, em 2002, e Rodovias: uso da faixa de domínio por concessionárias de serviços públicos, em 2005), nas quais foram abordados aspectos relevantes do setor, tais como a natureza jurídica da remuneração pela prestação do serviço, respeito à equação econômico-financeira inicialmente pactuada, bem como outras nuances com relação aos serviços acessórios que circundam a atividade de operação rodoviária.

Outras obras, de cunho mais operacional, também foram fomentadas por esta Associação. Citem-se, como exemplos:

• Segurançarodoviária, de Adriano Murgel Branco, 1999;• Oexcessodecargaedepressãodospneusnasrodovias/síntese,

de João Fortini Albano, 1999;• ConcessãoderodoviasnoRioGrandedoSul/síntese, elabora-

da pela LASTRAN/UFRGS, 1999;

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• Avaliaçãodoequilíbrioeconômico-financeirodocontratodeconcessãoderodovias, elaborada pela FIPE/USP, 2001;

• Fatosemitos:averdadesobreopedágio,2002(1ªed.)e2005(2ªed.);

• Aexperiênciabrasileiradeconcessõesderodovias, elaborada pela FIPE/USP, 2003.

• Avaliaçãodecimentosasfálticosdepetróleoparaempregoempavimentação:estudocomparativo, elaborada pela Imperpav Engenharia, 2004;

• CAP30-45eCAP50-70:suautilizaçãoemrevestimentosasfál-ticos:estudocomparativo:relatóriotécnico, elaborada pela Im-perpav Projetos e Consultoria, 2008.

Outra forma de incentivo à pesquisa e desenvolvimento no setor rodoviário tem se verificado nos últimos Congressos promovidos pela ABCR. Por meio do “Salão de Inovação” nas duas últimas edições do Congresso Brasileiro de Concessões de Rodovias – CBR&C, a ABCR proporcionou a diversos pesquisadores a possibilidade de exposição e apre-sentação de trabalhos específicos, premiando aqueles mais relevantes para o setor.

Fruto de intensa pesquisa de doutrinadores, juristas e ilustres magistrados do País, a presente obra visa a servir como fonte de consulta a todos os operadores do Direito que se interessem pelo contrato de concessão de rodovias e suas características peculiares, instrumento jurídico impres-cindível para a baliza na operação, conservação e manutenção das rodovias concedidas brasileiras.

São Paulo, 15 de outubro de 2009.

André Castro CarvalhoAssessorJurídico

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Sumário

Pareceres e artigos 7

1.1. Parecer de Celso Antônio Bandeira de Mello quanto à cobrança de pedágio sobre eixo sus-penso de veículos comerciais. 9

1.2. Parecer de Lúcia Valle Figueiredo acerca da ausência do reajuste estipulado nos contratos de concessão de suas associadas e suas conse-qüências jurídicas. 31

1.3. Parecer de Celso Antônio Bandeira de Mello quanto à prorrogação do prazo da concessão para fins de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. 51

1.4. Artigo de Arnoldo Wald e Marina Gaensly: “Concessão de rodovias e os princípios da su-premacia do interesse público, da modicidade tarifária e do equilíbrio econômico-financeiro do contrato”. 67

1.5. Parecer de Antônio Carlos Cintra do Amaral quanto à legalidade do Edital de Concorrência n° 001/2008, da Agência Nacional de Trans-portes Terrestres – ANTT, que tem por objeto a concessão para exploração do Sistema Rodo-viário das BR’s 116 e 324, no Estado da Bahia. 97

1.6. Artigo de Letícia Queiroz de Andrade: “Co-mentários acerca da aplicação do CDC à pres-tação de serviços públicos concedidos”. 127

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Decisões judiciais 159

2.1 Decisão Liminar na Ação Ordinária nº 98.0017501-6 da 1ª Vara Federal da Circunscri-ção Judiciária de Curitiba – Paraná, para restabele-cer os valores da tarifa de pedágio inicialmente fi-xados nos contratos de concessão daquele Estado, acrescidos dos reajustes neles previstos. 161

2.2. Sentença na Ação Ordinária nº 98.0017501-6, da 1ª Vara Federal da Circunscrição Judiciária de Curitiba – Paraná, que homologa os termos aditivos aos contratos de Concessão de Rodo-vias do Paraná. 185

2.3. Suspensão de Liminar e de Sentença nº 174/PR do Superior Tribunal de Justiça, sobre o reajuste tarifário a fim de garantir o equilíbrio econômi-co-financeiro contratual e evitar prejuízos aos usuários e à própria concessão rodoviária. 191

2.4. Recurso Especial nº 1.077.298-RS do Superior Tribunal de Justiça, sobre a fixação da tarifa de pedágio distintamente para as diversas catego-rias de veículos e a possibilidade da cobrança do pedágio com base no número de eixos, inci-dindo inclusive no eixo suspenso, que não toca na malha viária, dos veículos de carga. 197

Decisão do Tribunal de Contas da União 213

3.1. Voto do Ministro Walton Alencar Rodrigues no Acórdão nº 393/2002 – Plenário. Referen-te à manutenção da Taxa Interna de Retorno – TIR pactuada inicialmente como garantia da Concessionária. 215

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Pareceres e Artigos

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Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello

PARECER

à consulta feita pela Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias – ABCR, quanto à cobrança

de pedágio sobre eixo suspenso de veículos comerciais

19 de Junho

1998

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CONTRATOS DE CONCESSÃO DE RODOVIAS: ARTIGOS, DECISõES E PARECERES JURíDICOS

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A Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias – ABCR expõe-nos os fatos abaixo, acosta Edital da Licitação nº 007/CIC/97 – Lote 1, promovida pelo Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de São Paulo – DER, formulando a seguinte

CONSULTA

O Governo do Estado de São Paulo promoveu (e segue promovendo), por intermédio do DER, procedimentos licitatórios, sob a modalidade de concorrência, visando a exploração, mediante outorga de concessão de serviços públicos, de 23 (vinte e três) lotes de rodovias paulistas, anteriormente administradas pelo próprio DER ou pela DERSA – Desenvolvimento Rodoviário S.A.

O teor dos sobreditos editais é, em essência, o mesmo para todos os lotes, exceto no que tange a particularidades e espe-cificações técnicas inerentes a cada qual.

Segundo consta dos Editais, a remuneração da futura concessionária pela prestação dos serviços relacionados à explo-ração das rodovias dar-se-á pela cobrança de pedágio aos seus usuários, bem como por receitas acessórias.

O valor básico, os critérios e a periodicidade de reajuste e as condições de revisão das tarifas de pedágio estão fixados no Anexo 04 dos Editais, denominado “Estrutura Tarifária”.

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O item 4.3. do Anexo 04 estabelece que as tarifas de pedágio a serem cobradas dos usuários deverão ser diferencia-das por categoria de veículos. A classificação dos veículos leva em conta o seu tipo, o número de eixos e a banda de rodagem. Com base neste critério, os interessados procederam a análises finan-ceiras e estudos de tráfego que serviram para nortear a decisão de participar ou não dos certames licitatórios.

Já o item 4.6 trata das isenções do pagamento de pedá-gio, especificamente quanto aos veículos descritos no subitem 4.6.1. Logo em seguida, o subitem 4.6.2 veda ao Contratante estabelecer privilégios tarifários que beneficiem segmentos específicos de usuá-rios, exceto o estabelecido no subitem 4.6.1 ou em lei, que especifi-que as fontes de recursos para ressarcimento da Concessionária.

No último dia 07 de maio, data na qual já haviam sido celebrados 4 Contratos de Concessão concernentes ao programa paulista de concessões rodoviárias, o Secretário de Estado dos Transportes baixou a Resolução ST-11 tratando da classificação de veículos pelo seu número de eixos, para fins de cálculo das tarifas de pedágio.

Nos termos da Resolução, o Secretário dos Transpor-tes resolveu que, para efeito da cobrança de pedágio pelas Con-cessionárias, serão considerados os eixos de veículos comerciais que estiverem sendo adequada e efetivamente utilizados. Dessa forma, as Concessionárias não poderiam computar para efeito de cálculo das tarifas de pedágio os eixos de veículos comerciais que estivessem suspensos pelos motoristas no momento da pas-sagem pela cabine de cobrança, através de mecanismos hidráu-licos ou mecânicos.

Isto posto, indaga-se:

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I – As empresas contratadas como concessionárias, à luz do edital e seus anexos – os quais figuram como parte inte-grante do contrato de concessão – poderiam cobrar dos usuários tarifas de pedágio calculadas com base no número de eixos que o veículo efetivamente possui, independentemente de sua utiliza-ção no momento da passagem pela cabina de cobrança?

II – Resolução da Secretaria de Transportes estabele-cendo que para cobrança de tarifas só se computem os eixos de veículos efetivamente utilizados quando da passagem pelos pedá-gios implica alteração das condições resultantes do edital e, pois, dos contratos em sua conformidade travados, acarretando agravo ao equilíbrio econômico-financeiro originalmente estipulado?

III – Ante a Resolução mencionada, a concessionária tem direito a que seja restaurado o equilíbrio econômico finan-ceiro da concessão por ela afetado?

Às indagações respondo nos termos que seguem.

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PARECER

1. Edital é ato por cujo meio a Administração faz público o seu propósito de licitar um objeto determinado, esta-belece os requisitos exigidos dos proponentes e das propostas, regula os termos segundo os quais os avaliará e fixa as cláusulas do eventual contrato (cf. nosso Curso de Direito Administrativo,Malheiros Eds., 10ª ed.).

O edital, como é de todos sabido, constitui-se em docu-mento fundamental da licitação, pois é ele que dita os termos do certame a ser travado, regulando-o desde seu nascimento até sua conclusão, além de fixar o teor do futuro contrato, pois suas disposições, já têm que estar desde logo estabelecidas, quando menos em todo o essencial (art. 40, § 2°, III, da lei n° 8.666, de 21.06.93, atualizada pela 8.883, de 08.06.94). Por isto cos-tuma-se afirmar, em dicção feliz, que o edital “é a lei interna” de cada licitação. Com efeito, abaixo da legislação pertinente e obedecidas suas determinações, é o edital que determina as regras específicas de cada certame.

LUCIA VALLE FIGUEIREDO, ilustre administrati-vista e juíza federal, encarece-lhe o relevo nos seguintes termos:

“Oeditalreveste-sedegrandeimportância,porqueseélícitoàAdmi-nistração usar de discricionariedade em sua elaboração, uma vezpublicado,torna-seesteimutáveldurantetodootranscursodopro-cedimento.Fazleientreaspartes,comopropriamentedisseHELYLOPESMEIRELLES”.(Direito dos Licitantes. Ed. Rev. dos Tri-bunais, 2ª ed. revista e ampliada, 1981, pag. 42).

E pouco avante:

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“O conteúdodoeditalreveste-sedesumarelevância,poisseéverdadeque,atravésdapublicidade,aAdministraçãosatisfazaoprincípiodaisonomiaeodaconcorrência,neletambémsecontémamatériadofuturocontrato”.(op. cit. pag. 44).

2. Os interessados em participar de um certame lici-tatório avaliam a conveniência de disputarem-no em vista das condições do presumível engajamento. São elas, portanto, que compõem o quadro em função do qual os possíveis interessa-dos em contratar, decidem afluir ou não ao certame. É dizer, se as condições lhes interessam, ingressam para concorrer. Se, pelo contrário, não lhes oferecem atrativos, abstêm-se de fazê-lo.

É, ainda, em vista das condições estatuídas, constantes do edital e de seus anexos, que se fazem as propostas. Ou seja, o teor do proposto, a margem de vantagens, são estabelecidas nas ofertas dos licitantes, sopesando seus ônus e cômodos, à face das condições enunciadas e a que se terão de atrelar por força das regras veiculadas no edital e demais anexos elucidativos.

Assim também, quem vence o certame irá assinar o contrato ou, se já o assinou, irá executá-lo subordinado às normas e condições que foram noticiadas por ocasião da abertura do pro-cedimento licitatório.

Definida e posta em público a situação objetiva perante a qual todos irão se defrontar, resulta claro que o prosseguimento daquele específico certame e o contrato que, em conseqüência dele, se travar, bem como as regras de seu ulterior cumprimento, hão de estar amarrados aos termos que foram previamente anunciados.

Com efeito, a referida lei nacional que veiculou normas gerais sobre licitações e contratos administrativos para todo o País, em seu art. 3°, explicitamente dispôs que a licitação está estritamente subordinada, entre outros princípios, ao da “vincu-

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laçãoao instrumentoconvocatório”e, no art. 41 estatuiu que “AAdministraçãonãopodedescumprirasnormasecondiçõesdoedital,aqueseachaestritamentevinculada”.

É ao lume destas noções corriqueiras, ora relembradas para ressaltar o pano de fundo sobre o qual se projetam as inda-gações formuladas, que se terá de examiná-las.

3. Nos termos da cláusula 4.3. do Anexo 4 do Edital as tarifasserão diferenciadas na conformidade de uma “classificação de veículos” – tabela 4 –, alimesmaestabelecidae que leva em conta: o “tipo de veículo”, o “n° de eixos” e a “rodagem” (banda de rodagem simples ou dupla).

Assim, segundo seus termos, um veículo com dois eixos pagará sempre menos do que os que tenham três eixos e estes, de seu turno, pagarão menos do que os que tenham quatro eixos, assim como os de quatro pagarão menos do que os de cinco e os de cinco menos do que os de seis – números de eixos que, a partir de dois, surgem com os semi reboques ou reboques.

Neste quadro classificador dos veículos – tabela 4 – está, portanto, claro, explícito, literal, estampado com objetivi-dade indiscutível e sem ressalva alguma, que o número de eixos foi tomado como um fator interferente com a tarifa (cujos multipli-cadores são diversos em função da aludida classificação).

Dessarte, a classificação não tomou em conta a circuns-tância dos veículos, quando da passagem pelo pedágio, estarem com eixos levantados ou arriados de maneira a tocar o pavimento da estrada. Podia, eventualmente, tê-lo feito, se assim o desejasse, ou, quando menos, se houvesse sido atribuída relevância à hipó-tese, haveria de produzir qualquer alerta ou advertência aos lici-tantes no que concerne a tal eventualidade. Não o fez, contudo.

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O que tomou em conta foi, para além de qualquer dúvida ou entre-dúvida, o númerodeeixosdoveículo,com ou sem respectivo reboque ou semi reboque.

Ou seja: indicou aos que poderiam se interessar em afluir ao certame e, pois, aos que afluíram, o critério em vista do qual deveriam fazer suas estimativas de fluxo de trânsito dos diversos tipos de veículo e, portanto, sua previsão de receitas em função desta variedade de veículos, tal como categorizados no Anexo 4 do Edital.

4. Os licitantes, como é curial, teriam que assentar todas as suas estimativas e previsões sobre o que estava estabe-lecido no edital e não sobre o que nele não estava. Nunca lhes caberia elaborar pressuposições, imaginar hipóteses, construir situações eventuais, por fora do edital, isto é, nele não cogitadas. Se fosse intento deste abrigar exceções, variantes, discriminações, certamente deveria enunciá-las.

De resto, foi o que fez.

Arrolou expressamente as que pretendeu acobertar com um tratamento específico, distinto do previsto genericamente na “classificação de veículos”. Daí que, nesta mesmo tabela, titu-lada classificação de veículos, excluiu da categorização de eixos, de bandas de rodagem e da cobrança de tarifas, tanto motoci-cletas, como motonetas, bicicletas a motor e veículos das Forças Armadas e Polícia Militar.

Acresce que apôs notas à sobredita Tabela classificatória, para fins de produzir esclarecimento ou para impor adicionais, bem como para registrar hipótese excludente dos referidos adicio-nais. É dizer: deixou explícito que estava a se esmerar em oferecer todos os aditamentos aclaradores necessários.

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Nisto tudo, evidentemente, reforça-se e de modo extremo o descabimento do licitante, por conta própria – e sem nenhum amparo ou sugestão do edital – figurar situação modi-ficadora do que constava da Tabela 4, atinente à “Classificação dos Veículos”.

Assim, não era dado ao partícipe do certame produzir, para fins de suas estimativas de fluxo de veículos e de correlata receita em função da classificação deles, disseptações impertinen-tes, por não contempladas no edital nem nas notas que foram acrescidas à tabela em apreço para fins de produzir as acotações tidas como necessárias pela promotora da licitação para completa elucidação dos licitantes.

Acresça-se a isto que, no item 4.6.2 do edital, proíbe-se que o contratado ao cabo da licitação estabeleça privilégios tarifá-rios em prol de segmentos específicos de usuários, ressalvados, de um lado, os que na cláusula 4.6.1. estão especificados como isen-tos de pagamento de pedágio, com direito a trânsito livre e, de outro, a hipótese de se tratar de cumprimento de lei que especifi-que as fontes de recurso para ressarcimento da Concessionária.

5. Donde, nada concorria para que o licitante, na esti-mativa de fluxo de veículos e consequentemente de receita (ante a variedade de categorias), procedesse segundo um critério diverso do previsto no edital.

Pelo contrário; o conjunto de elementos mencionados arredaria qualquer possibilidade de ser despertada no espírito dos concorrentes a excogitação de hipóteses que lhes insinuasse a perspectiva de se afastarem, a todo risco, dos termos do ato con-vocatório para modificar-lhes o alcance mediante pressuposições, ilações ou construções mentais, produzidas em desacordo com o estabelecido e fartamente esclarecido pela promotora da disputa.

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Demais disto, não apenas falecia esta possibilidade como sequer lhes seria permitida tal liberdade – a de postergar as regras edi-talícias para substituir seu conteúdo visível por um imaginário – maiormente em vista de outras cláusulas.

É que, a teor da cláusula 11., os licitantes deveriam apresentar um “PLANO DE NEGÓCIOS”, do qual obrigato-riamente constariam, segundo previsão do item 11.2., “a”, “as pro-jeçõesanuaisdosvolumesdetráfegoedasreceitascorrespondentes,porpraçadepedágioeporcategoriadeveículos,feitassobexclusivaresponsabilidadedoLicitante”.

Assim, o teor da oferta, sua viabilidade e as estimati-vas de remuneração de quem travasse o contrato encontravam-se estritamente ligados ao volume de trânsito de veículos em suas distintas variedades (um veículo de 6 eixos, com reboque ou semi-reboque, paga a tarifa multiplicada por 6, um de cinco eixos multiplicada por 5, um de quatro eixos multiplicada por 4, um de 3 eixos, multiplicada por 3 e um de dois eixos – salvo se automó-vel, caminhoneta ou furgão cuja tarifa é simples – paga a tarifa multiplicada por 2).

Por força disto mesmo, a cláusula 15.3.1, letra “e”, come-teu à Comissão Julgadora da Licitação o encargo de analisar e ava-liar, nas propostas, a “consistênciadoPlanodeNegócios,verificadaatravés daanálise da coerênciadas previsõesfinanceiras...”, sendo causa de desclassificação, consoante cláusula 15.3.2., a rejeição da Metodologia de Execução, que, no conjunto ou em qualquerdeseuscomponentes,desatendesse os requisitos do item anterior.

É indiscutível, então, que os licitantes que montassem seu Plano de Negócios fundados em premissas distintas das que haviam sido fartamente explicitadas pela promotora do certame estariam a assumir um risco que os expunha a todas as conse-

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qüências que incidem sobre quem se recusa a conformar-se com as regras do edital ou se atreve a produzir para elas significação diversa da que resulta clara e explicitamente de sua linguagem.

6. Não há, pois, senão concluir que se o edital classi-ficou veículos levando em conta o “número de eixos” do veículo com seu reboque ou semi-reboque, sem fazer disseptação alguma de eixo levantado ou arriado quando da passagem pelo pedágio, tal discrímen não pode ulteriormente ser estabelecido para fins de reduzir a incidência tarifária a que estariam sujeitos, sem com isto ficar manifestamente configurada alteração nas regras origi-nariamente previstas.

Disto tudo resulta, como é claro a todas as luzes que o concessionário tem o inquestionável direito de cobrar as tarifas de pedágio levando em conta o número de eixos dos veículos, como prevê a cláusula 4.3. do Anexo 4 do Edital e as cláusulas 26.12. e 26.13. do contrato – as quais se reportam ao Anexo XVII, que é, como esclarece a cláusula 2.1., “q”, do contrato, o próprio Anexo 4 do Edital.

7. Segue-se, então, que a Secretaria de Transportes do Estado de São Paulo, não pode, atítulodeestarexpedindodeter-minaçãoconsentâneacomoeditaleo“contratodeconcessão”, esta-belecer que a cobrança de tarifas se faça excluindo do cômputo de eixos dos veículos os que estiverem suspensos no momento da pas-sagem pelos pedágios operados e explorados por concessionários.

À toda evidência, se a Secretaria estabelece tal regra-mento, mediante Resolução do Snr. Secretário de Transportes, produz com isto modificação nos termos iniciais do contrato e afeta, detrimentosamente para o concessionário de rodovia, o equilíbrio econômico financeiro originariamente estipulado.

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Ninguém duvida que conveniências públicas podem ser causa de providências que interfiram com os termos ini-ciais de contratos administrativos, produzindo conseqüências gravosas para o contratado. Entretanto, se tal se der, irrompe o direito deste último a que se recomponha a equação turbada pela medida prejudicial.

Donde, ou a Secretaria de Transportes reconhece que a determinação em pauta está a modificar condições econômicas da relação jurídica já travada e, para não afetá-la, revoga sobredita imposição ou dela resulta para o Poder Público o inexorável dever de restaurar o equilíbrio afetado.

8. Deveras, na teoria do contrato administrativo, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro – não sem razão – é aceita como verdadeiro “artigo de fé”. Doutrina, jurisprudên-cia e legislação brasileiras, em sintonia com o pensamento aliení-gena, assentaram-se pacificamente em que, neste tipo de avença, o contratado goza de sólida proteção e garantia no que concerne ao ângulo patrimonial do vínculo, até mesmo como contrapartida das prerrogativas reconhecíveis ao contratante governamental.

A expressão “equação econômico-financeira” significa igualdade, equivalência entre as obrigações assumidas pelo con-tratado à época do ajuste e a compensação econômica que lhe haverá de corresponder em razão das referidas obrigações. Cor-responde ao termo de equilíbrio que se definiu na conformidade do que os contratantes estipularam quando do travamento do liame. Esta noção de equivalência, de igualdade que deverá per-sistir, fica muito bem esclarecida nas seguintes expressões com que MARCEL WALlNE a descreve:

“Assim,oequilíbrioeconômicoefinanceirodocontratoéumarelaçãoquefoiestabelecidapelasprópriaspartescontratantesnomomentodaconclusãodocontrato,entreumconjuntodedireitosdocontratante

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eumconjuntodeencargosdeste,quepareceramequivalentes,donde o nome de equação;DESDEENTÃOESTAEQUIVALÊNCIANÃO MAIS PODE SER ALTERADA” (Droit Administratif, Sirey, 5ª ed., 1963, pág. 618 – grifo e destaque são nossos).

O respeito a esta equação só existe quando ambas as partes cumprem à fieldade o que nela se traduziu. Então, uma delas, o contratado, tem que executar a prestação ou as prestações devidas com absoluto rigor e exatidão. A outra parte, o contra-tante público, está, de seu turno, adstrito a assegurar ao contra-tado aquilo que, à época do ajuste, por ambos foi havido como remuneração apta a acobertar o custo da prestação e o lucro pre-visto que a ela corresponderia.

É que, como muito bem o disse HELY LOPES MEI-RELLES:

“Ocontratoadministrativo,porpartedaAdministração,destina-seao atendimento das necessidades públicas, mas por parte do con-tratado,objetiva um lucro,atravésdaremuneraçãoconsubstan-ciadanascláusulaseconômicasefinanceiras”(Licitação e Contrato Administrativo, Ed. Rev. dos Tribunais, 7ª ed. atualizada, 1987, pág. 161).

GEORGES PÉQUIGNOT, um clássico no tema con-trato administrativo, ao respeito averbou:

“Ocontratantetemdireitoàremuneraçãoinscritaemseucontrato.Éoprincípiodafixidezdopreçodocontrato.Ele não consentiu seu concurso senão na esperança de um certo lucro. Aceitoutomaraseucargotrabalhoseáleasque,senãohouvessequeridocon-tratar,teriamsidosuportadospelaAdministração;énormalquesejaremuneradoporisso.

Alémdisso,seriacontrárioàregradaboa-fé,contráriotambémaqualquersegurançadosnegócios,eportantoperigosoparaoestadosocial e econômico,queaAdministraçãopudessemodificar, espe-cialmentereduzir,estaremuneração”(Théorie Générale du Con-tract Administratif, Paris, A. Pedone, 1945, págs. 433-434 – o grifo é nosso).

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É induvidoso que a equação econômico-financeira é um dos pilares da teoria do contrato administrativo. Para dizê-lo com palavras de MARCELLO CAETANO:

“Ocontratoassenta,pois,numadeterminadaequaçãofinanceira(ovalor em dinheiro dos encargos assumidos por um dos contraentesdeveequivaleràsvantagensprometidaspelooutro)easrelaçõescon-tratuaistêmdedesenvolver-senabasedoequilíbrioestabelecidonoatodeestipulação”(Princípios Fundamentais do Direito Adminis-trativo, Ed. Forense, 1977, págs. 255-256).

JEAN RIVERO, referindo-se à remuneração do con-tratado assim se expressou:

“Asdisposiçõesrelativasàremuneraçãoescapamdopoderdemodi-ficação unilateral da administração.Mas, além disto, o elementodeassociaçãojáassinaladosemanifestanestepontocomumaforçaparticular: é o princípio do equilíbriofinanceiro do contrato, queéumadas características essenciaisdo contratoadministrativo eacontrapartidadasprerrogativasdaadministração”(Droit Adminis-tratif, Dalloz, 3ª ed., 1965, pág. 111).

Dessarte,nenhumadaspartesselocupletaàcustadaoutra.Ambas recebem o que as incitou a travar o liame. Nem o con-tratante nem o contratado sacam outras vantagens além das que consentiram reciprocamente em outorgar-se e que se constituí-ram na própria razão do engajamento havido. Cada qual obtém o que previra e ajustara. Há, pois, satisfação dos respectivos escopos e perfeita realização do direito contratualmente estipulado.

9. A proteção ao equilíbrio econômico-financeiro é ampla e se manifesta com respeito a diferentes situações, que assim se podem classificar:

a) agravos econômicos oriundos das sobrecargas deci-didas pelo contratante nousodeseupoderdealteraçãounilateraldocontrato,isto é, impostas ao contratante privado para ajustar suas prestações a cambiantes exigências do interesse público. A

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noção de equilíbrio ou equação financeira do contrato defende-o às completas contra a gravosidade destas modificações.

GEORGES VEDEL sintetiza bem esta situação, ao registrar que:

“Aadministraçãopode,dentrodecertoslimites,modificaropesodasobrigações que, em um prato de balança, estão ao encargo de seucontratante,masdeve logo colocarnooutropratoas compensaçõespecuniáriascorrespondentes”(Droit Administratif, 3ª ed., Presses Universitaires de France, 1964, pág. 639).

Não estão em causa aqui, como diz o autor citado, “perdas e danos que seriam devidos em razão de uma falta con-tratual consistente na inadimplência de suas obrigações. Trata-se de uma indenização fundada sobre a necessidade de conservar o balanço das cargas e vantagens, tal como foi encarado pelos contratantes” (id. ibid., pág. 631).

b) agravos econômicos resultantes de medidastomadassobtitulaçãojurídicadiversadacontratual,isto é, no exercício de outra competência, cujo desempenho vem a ter repercussão direta na economia contratual estabelecida na avença. É o chamado “fato do príncipe”, tomada a expressão com o âmbito específico a que se reporta FRANCIS-PAUL BENOÎT, ao dizer:

“Convémentenderpor‘ fatodopríncipe’osatosjurídicoseoperaçõesmateriais, tendo repercussão sobre o contrato, e que foram efetua-dospelacoletividadequecelebrouocontrato,masagindoemquali-dadediversadadecontratante”(Le Droit Administratif Français, Dalloz, 1968, pág. 639).

O fato do príncipe não é um comportamento ilegítimo. Outrossim, não representa o uso de competências extraídas da qualidade jurídica de contratante, mas também não se consti-tui em inadimplência ou falta contratual. É o meneio de uma competência pública cuja utilização repercute diretamente sobre

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o contrato, onerando, destarte, o particular. Seria o caso, e.g., da decisão oficial de alterar o salário mínimo, afetando, assim, deci-sivamente, o custo dos serviços de limpeza dos edifícios públicos contratados com empresas especializadas neste mister ou o de alterar o preço de combustíveis ou da energia, quando se consti-tuam em insumos importantes na formação do custo das presta-ções do contratado ou o de estabelecer alterações tributárias que tenham igual repercussão etc.

É certo que esse agravo patrimonial não libera, como diz BENOÎT, o contratante de executar as obrigações avençadas com o poder público:

“Masocontratantetemdireitoaumaindenizaçãoreparandointe-gralmenteoprejuízoporelesofridoemrazãodofatoagravantedosseus encargos” (op. cit., pág. 641).

c) agravos econômicos sofridos emrazãodefatosimpre-visíveisproduzidospor forçasalheiasàspessoascontratantese que convulsionam gravemente a economia do contrato. Seria o caso, p. ex., de acentuada elevação do preço de matérias-primas, cau-sada por desequilíbrios econômicos, ou por sobrecargas adicionais impositivas provenientes de circunstâncias do contrato, con-quanto não advenham das referidas alterações unilaterais, nem resultem das chamadas “sujeições imprevistas”. É a “teoria da imprevisão”, por via da qual, modernamente, se retoma o vetusto princípio da cláusula “rebus sic stantibus”. Entre nós, a teoria da imprevisão é perfeitamente acolhida como forma de restaurar as previsões, consagradas na equação econômico-financeira.

d) agravos econômicos provenientesdaschamadas“sujei-çõesimprevistas”,isto é, “dificuldades de ordem material que as partes não podiam prever e que fazem pesar uma carga grave e anormal para o empreendedor (p. ex., encontro de um lençol

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d’água insuspeitado na escavação de um túnel)” – como as defi-niu VEDEL (op. cit., pág. 634).

Em tal caso, o contratante tem direito à indenização total pelo prejuízo, exatamente por se tratar de encargo suple-mentar que altera a economia do contrato e que não estava suposto na avença travada.

As “sujeições imprevistas” têm seu domínio de apli-cação, por excelência, nos contratos de obras públicas. E, como esclarece BENOÎT, diferem da hipótese específica da teoria da imprevisão, em que, de regra, nesta última, o que altera o equi-líbrio contratual são “circunstâncias, incidentes econômicos”, ao passo que nas sujeições especiais o contratante choca-se com “ fatosmateriais,incidentestécnicos”(op. cit., pág. 626).

e) agravos econômicos resultantesdainadimplênciadaadministraçãocontratante,istoé, deumaviolaçãocontratual.

Ao compor-se consensualmente com um particular, a Administração, assim como adquire direitos, também assume obrigações. Estas, portanto, corresponderão a direitos do contra-tado, que não podem ser desconhecidos ou amesquinhados.

Assim, em relação à violação das obrigações contratuais – como, e.g. a intempestividade dos pagamentos – também se encontra protegida a equação econômico-financeira, com todos os ressarcimentos de prejuízos oriundos de infrações do contra-tante público, isto é, correção monetária, juros de mora e prejuí-zos demonstráveis.

10. Em nosso direito positivo há previsões expressas e até mesmo enfáticas exigindo o necessário respeito à equação econômico-financeira do contrato.

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Assim, a lei n° 8.666, de 21.06.93, atualizada pela lei nº 8.883, de 08.05.94 – que estabelece as normas gerais sobre licitações e contratos administrativos – explicitamente dispõe em seu art. 58, § 1° que:

“Ascláusulaseconômico-financeirasemonetáriasdoscontratosadmi-nistrativosnão poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado”.

Também o art. 57, § 1°, estabelece:

“Osprazosdeiníciodeetapasdeexecuçãodeconclusãoedeentregaadmitemprorrogação,mantidasasdemais cláusulasdo contrato eassegurada a manutenção de seu equilíbrio econômico finan-ceiro,desdequeocorram...”

Por isto, quando a Administração exerce poderes de alteração unilateral do contrato, o mesmo artigo 57, em seu § 2°, prevê que em tal caso:

“ascláusulaseconômico-financeirasdocontratodeverãoserrevistaspara que se mantenha o equilíbrio contratual”.

A mesma preocupação com o equilíbrio econômico financeira do contrato se retrata no art. 65, II, “d”, o qual admite alteração consensual do contrato:

“para restabelecer a relaçãoque as partes pactuaram inicialmenteentre os encargos do contratado e a retribuição daAdministraçãoparaa justaremuneraçãodaobra, serviçoou fornecimento,obje-tivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato,nahipótesedesobreviremfatosimprevisíveis,ouprevisíveisporémdeconseqüênciasincalculáveis,retardadoresouimpeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de forçamaior,casofortuitooufato do príncipe,configurandoáleaeconô-micaextraordináriaeextracontratual”.

Revelador dos mesmos propósitos de salvaguarda do equilíbrio original é o que consta do § 5° do mesmo art. 65, o qual reza:

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“Quaisquertributosouencargoslegaiscriados,alteradosouextintos,bemcomoa superveniênciadedisposições legais,quandoocorridasapósadatadaapresentaçãodaproposta,decomprovadarepercussãonospreçoscontratados,implicarãoarevisãodestesparamaisouparamenos,conformeocaso”.

De resto, cuidado da mesma natureza está expres-sado igualmente, no art. 40, XI – assecuratório de reajustes, que devem ser previstos já no próprio edital de licitação – e XIV, “c”, dispositivo este último que faz correspondente exigência no que concerne ao:

“...critériodeatualização financeira dos valores a serem pagos,desdeadatafinaldoperíododeadimplementodecadaparcelaatéadatadoefetivopagamento”.

Especificamente em tema de concessão de serviço público, a lei nº 8.987, de 13.02.95, que disciplina tal instituto, no art. 9°, § 4°, dispõe:

“Emhavendoalteraçãounilateraldocontratoqueafeteoseuinicialequilíbrioeconômico-financeiro,opoderconcedentedeverá resta-belecê-lo; concomitantemente à alteração”.

De resto, a atenção com a mantença do sobredito equi-líbrio está igualmente expressada também nos parágrafos 2° e 3°, que pressupõem a revisão de tarifas para assegurar a equação inicial. Também o art. 18, onde se estabelecem as cláusulas que devem constar do edital de licitação de concessões, em seu inciso VIII, traduzindo os mesmos cuidados, refere os critérios de rea-juste e revisão de tarifas.

11. De fora parte as disposições legais mencionadas, o assunto está resolvido no próprio Texto Constitucional. É que a Lei Magna impõe de modo incontendível o respeito ao citado equilíbrio.

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Com efeito, no inciso XXI do art. 37, determina que obras, serviços, compras e alienações serão contratados com obe-diência a cláusulas de pagamento “mantidasas condições efetivas daproposta”.

Estabeleceu, pois, a garantia de uma correlação incin-dível entre as obrigações de pagamento e as condições efetivas da proposta. Vale dizer: como ambos as partes se obrigaram à face daquelas condições efetivas,são elas que presidem, por uma parte, a obrigação de prestar fielmente o convencionado para fazer jus ao correspectivo e, por outra parte, a obrigação de pagar em correlação com as condições efetivas que residiram na proposta.

Dado que as condições efetivas da proposta são feitas em vista de determinadas condições preestabelecidas e não de outras,para que se mantenham as condições da proposta é indu-vidoso, é livre de qualquer dúvida ou entredúvida, que as cláu-sulas de pagamento hão de assegurar o mesmo equilíbrio que decorria das condições originais, sob pena de infringência frontal à Constituição do País.

De todo modo, o dever de acatamento ao sobredito equilíbrio também se encontra implicitamentesufragado na pró-pria cabeça do mesmo art. 37, que erige o princípio da morali-dade como um dos princípios da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37).

Ora, a moralidade administrativa não se compadeceria com atitudes da Administração pelas quais deprimisse o equilí-brio contratual, sacando da contraparte aquilo que com ela ajus-tara quando do travamento da avença.

Assim, é inequívoco o direito que ao contratado assiste, nos contratos administrativos e especificamente nas conces-

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sões de serviço público, de pleno respeito à equação econômico financeira pactuada, a qual, desde o travamento do contrato, constitui-se em direitoadquirido,que, pois, não pode ser bur-lado pela contraparte.

12. Isto tudo posto e considerado, às indagações da Consulta respondo:

I – À luz do edital e seus anexos e, pois, dos contratos em sua conformidade firmados, as empresas contratadas como concessionárias foram juridicamente tituladas para cobrar tarifas de pedágio calculadas com base no número de eixos que o veículo efetivamente possui, independentemente de estarem sendo utili-zados no momento de passagem pela cabine de cobrança.

II – Constitui-se em alteração das condições resultantes do edital e, pois, dos contratos em sua conformidade travados, acar-retando agravo ao equilíbrio econômico-financeiro originalmente estipulado, a Resolução da Secretaria de Transportes segundo a qual, na cobrança de tarifas, só se computam os eixos de veículos efetivamente utilizados quando da passagem pelos pedágios.

III – Ante a Resolução mencionada, a concessionária tem direito a que seja restaurado o equilíbrio econômico finan-ceiro da concessão por ela afetado.

É o meu parecer.São Paulo, 19 de junho de 1998

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLOOAB-SP n° 11.199

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Lúcia Valle Figueiredo

CONSULTA

Consulta-nos a AssociaçãoBrasileiradeConcessionáriasde Rodovias – ABCR, por intermédio de sua ilustre advogada, Dra. Letícia Queiroz Andrade, acerca da ausência do reajuste estipulado, nos contratos de concessão de suas associadas e suas conseqüências jurídicas.

Relata-nos os seguintes fatos.

Em reunião intersecretarial realizada no dia 27 de junho de 2002, o Governo do Estado de São Paulo decidiu não estender o reajuste anual das tarifas de pedágio às rodovias de pista sim-ples, comprometendo-se, outrossim, a ressarcir os prejuízos sofridos pelas concessionárias com recursos do Tesouro Estadual, conforme consta da Ata Intersecretarial de 27.06.2002.

Muito embora não tenha o Governo do Estado de São Paulo reiterado tal decisão por ocasião da homologação do reajuste anual das tarifas de pedágio com data-base em julho de 2003, a AgênciaReguladoradeServiçosPúblicosDelegadosdeTransportedoEstadodeSãoPaulo–ARTESP, ao divulgar os valores das tari-fas de pedágio, que deveriam ser praticadas a partir de julho de 2003, descontou do valor total reajustado a parcela correspondente ao diferencial relativo às rodovias de pista simples, fazendo com que, se mantenha os efeitos da decisão governamental, tomada na reunião intersecretarial do Governo do Estado de São Paulo de 27 de junho de 2002.

Em seguida, a AssociaçãoBrasileira deConcessioná-riasdeRodovias–ABCR, formula, em face dos fatos relatados, seus quesitos.

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QUESITOS

1. A decisão, expressada na Ata da Reunião Interse-cretarial do Governo do Estado de São Paulo de não estender o reajuste anual das tarifas de pedágio às rodovias de pista sim-ples, possui caráter de ato jurídico abstrato, e, se assim for, seria aplicável a quaisquer reajustes das tarifas de pedágio cobradas em rodovias de pista simples, ou pelo contrário, se trata de ato jurídico concreto, aplicando-se unicamente ao reajuste com data-base em julho de 2002?

2. Qual a repercussão da resposta ao quesito acima for-mulado, com relação aos efeitos jurídicos, que a decisão governa-mental expressa na Ata da Reunião Intersecretarial pode produzir no tempo?

3. Considerando-se os efeitos jurídicos produzidos pela decisão, as concessionárias têm direito de que sejam tomados com base para a aplicação do índice de reajuste os valores inicial-mente pactuados, que deveriam ter sido reajustados na data-base de julho de 2002, como base para aplicação do índice do reajuste com data-base em 2003?

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Lúcia Valle Figueiredo

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PARECER

I. A equação econômico-financeira do contrato.

1. Não podemos nos dispensar de tecer considerações acerca da equação econômico-financeira do contrato antes de adentrarmos propriamente o tema.

1.1. A equação econômico-financeira do contrato, de maneira singela, traduz-se no equilíbrio entre as obrigações assu-midas pelo concessionário, os encargos que serão suportados e a contraprestação devida pela concedente, a remuneração do con-cessionário. Esta a comutatividade do contrato.

Na hipótese, ora examinada, concessões de serviço público, a remuneração é paga pelo usuário, não obstante possa haver subsídio por parte da concedente, se esta entender, por exemplo, que a tarifa justa é excessiva para o usuário.

2. A observância, durante todo o contrato, desse equi-líbrio financeiro é vital nas concessões de serviço público, não somente para assegurar o lucro do concessionário, inteiramente lícito (garantido constitucionalmente), mas, principalmente, para garantir a continuidade e a boaprestaçãodoserviçopúblico.

2.1. Dispõe a Lei 8.666/1993, nas hipóteses de o con-trato ter sido alterado, sobre a possibilidade de acordodaspartes para restabelecer o pactuado inicialmente, ou seja,a equação eco-nômico-financeira do contrato, como avençada inicialmente.

No dizer de Hely Lopes Meirelles1:

“O equilíbrio financeiro ou equilíbrio econômico do contrato administrativo, também denominado equação econômica ou equaçãofinanceira, é a relação que as partes estabelecem inicial-mente no ajuste, entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, do serviço ou do fornecimento”.

1 LicitaçãoeContratoAdministrativo, 12ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2000, p. 181.

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“(...)”“Essa correlação deve ser conservada durante toda a execução do contrato, mesmo que alteradas as cláusulasregulamentares da prestação ajustada, a fim de que se mantenha a equação econô-mica, ou, por outras palavras, o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.”

Exatamente para manter a equação econômico-finan-ceira foi concebida, pelo Contencioso Administrativo Francês e a doutrina francesa, a teoria da imprevisão.

3. Aplica-se a teoria da imprevisão, quer em decorrên-cia de fatos alheios à vontade da contratante concedente, que, ao se refletirem no contrato, produzam desbalanceamento da equa-ção econômico-financeira, ou, ainda, em decorrência de determi-nações administrativas modificadoras do contrato.

4. As obrigações devem ser cumpridas como pactua-das. E, se é verdade que, na função administrativa sobrepõe-se o interesse público ao do particular, colocando-se as partes em desnível jurídico, menos verdadeira não é a afirmação da impossi-bilidade de ser introduzido o elemento surpresa no contrato, álea não conhecida no momento da pactuação.

4.1. Assinale-se ser um dos direitos mais lídimos do concessionário o relativo à manutenção da equação econômico-financeira ao longo de todo o contrato. A esse respeito, não tergi-versam doutrina e jurisprudência.

4.2. A justa remuneração do concessionário é, por conse-guinte, imperiosa, para garantir, como já afirmamos, o lucro lícito da concessionária, a continuidade e a boa prestação do serviço. Como já observamos, se a Administração entender necessário, para bem satisfazer o interesse público, alterar cláusulas do contrato, semmodificaçãodoobjetocontratual, poderá fazê-lo. Aliás, deverá mesmo fazê-lo, se o interesse público isso postular.

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4.3. Dispõe a Lei 8.666/1993, nas hipóteses de o contrato ter sido alterado, sobre a possibilidade de acordo das partes para res-tabelecer o pactuado inicialmente, ou seja, a equação econômico-financeira do contrato, como avençada inicialmente.

Note-se, que, nas hipóteses de “fatos do príncipe”, ou, na verdade, em quaisquer outras causas de desequilíbrio contra-tual, inclusive a sujeição a fatos imprevistos, faz-se necessária a prova cabal do ônus maior suportado pelo concessionário. Bem como sua demonstração técnica, a fim de que possa ser determi-nada a reparação pela Administração Pública.

4.4. Aprofundemos um pouco a teoria da imprevisão. A teoria da imprevisão, lato sensu, com seus desdobramentos, aplicada aos contratos administrativos, tem como supedâneo a proteção do interesse público que, se deixado à deriva de injun-ções econômicas anormais, ou de acontecimentos anormais, ou, ainda, de determinações administrativas, poderia sucumbir ou, pelo menos, não ser satisfeito como pretendido.

5. Há que se fazer, expressamente, a distinção entre a força maior e a teoria da imprevisão.

A força maior impossibilita o cumprimento do ajuste, enquanto que os fatos imprevistos o tornam mais oneroso, difi-cultando ou, até mesmo, impossibilitando seu cumprimento, caso não seja revisto o contrato.

5.1. Fatosimprevistos são todos aqueles que, por ocasião da pactuação do contrato, eram ignorados pelas partes por abso-luta impossibilidade de prevê-los. Esses fatos imprevistos caracte-rizam-se, principalmente, pela oneração do contrato.

Quando é a Administração a causadora desse ônus, por alterações contratuais que determinou, deverá ressarci-los integralmente.

5.2. Entretanto, poderá ocorrer que fatos alheios à von-tade da contratante (a concedente), de ordem econômica, reper-cutam no contrato, de maneira a causar-lhe impacto substancial.

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Nesta hipótese, diversa da força maior, diante dessa álea econô-mica, poderá a contratada pleitear da Administração, que lhe recomponha os prejuízos. Enfim, é preciso ter a contratada (na hipótese sub examine, a concessionária) condições a lhe permitir dar cabal cumprimento ao contrato.

5.3. Infere-se, pois, que, se por determinações dadas pela contratante houver modificação econômica no contrato, a recom-posição deriva do fato da administração ou fato do príncipe.

De outra parte, a álea econômica (também inserida na teoria da imprevisão), suportada pela contratada, por motivos alheios à contratante, também determina a recomposição.

O fundamento de tal recomposição é a proteção do interesse público subjacente ao contrato, que deverá ser fiel-mente cumprido.

6. Examinemos melhor a teoria do “fato do príncipe”, que, mais de perto, está a nos interessar. Divergem os autores no que entender por “fato do príncipe”.

Alguns se referem a esta figura conceitual como relativa a fatos provocados pela Administração Pública, qualquer que seja esta, com repercussões no contrato. Outros entendem que o “fato do príncipe” diz respeito somente a atos administrativos (lato senso) da mesma autoridade contratante, porém, no exercício de outra competência, que não aquela diretamente referida ao con-trato, como, por exemplo, aumento da alíquota de um tributo.

Tais atos administrativos, embora não imediatamente ligados aos contratos, por via reflexa neles repercutem, e, de tal forma, a abalar a equação financeira.

6.1. Marienhoff2 diz não compartir da opinião dos que fazem a distinção acima exposta, porque a julga vaga de sentido lógico.

2 S. MARIENHOFF, Miguel. “ContratosAdministrativos – Primer Congreso Internacional y IV Jornada Nacionales de Derecho Administrativo” – Mendoza – Argentina, 1977, p. 17.

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Entende o conceituado administrativista ser a mesma a responsabilidade estatal, quer seja provocada pela mesma autori-dade (a que celebrou o contrato) quer seja por outra.

Explica, ainda, mais adiante, o tratadista que, quando se tratar de “fato príncipe”, quer seja decorrente da própria Admi-nistração contratante, quer de outra autoridade, a reparação deve ser sempre integral.

7. Verifica-se, pelo já afirmado, ser inteiramente apli-cável a teoria da imprevisão, em decorrência de fatos alheios à vontade da Contratante Concedente, que, ao se refletirem no contrato, produzam desbalanceamento da equação econômico-financeira, ou seja, em decorrência de determinações administra-tivas modificadoras do contrato.

O fundamento de tal recomposição, sem dúvida, é o interesse público subjacente ao contrato, que deve ser protegido. O contrato deve ser fielmente cumprido, como já acentuado.

Deveras, a álea normal do negócio (os riscos empresa-riais), evidentemente cabe ao contratado. Porém, a anormal – por se tratar de contrato administrativo – deve ser ressarcida.

8. Carlos Delpiazzo, conceituado autor uruguaio, trata da equação econômico-financeira, nos seguintes termos:

“(...)”.Evidentemente, en todo negocio siempre hay un elemento de riesgo desde el punto de vista de su consideración económica, pero hay un riesgo que es normal- el riesgo que asume todo empresario cuando encara una determinada actividad- y, en cambio, puede haber hipótesis de riesgo anormal.Ese álea o riesgo anormal es el que plantea alguna dificultad en su consideración desde el punto de vista jurídico, cuando se rompe el equilibrio financiero del contrato”.“(…)”.En el primero de estos casos, es decir, cuando el equilibrio económico-financiero se ve quebrado por causas inherentes a la Administración contratante que no cumple lo pactado, nos

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encontramos frente a un supuesto de responsabilidad por incum-plimiento, conforme a las normas del Derecho común.Los casos que plantean más interés son los tres restantes.Cuando hay causas que son imputables al Estado y que modifican el contrato, (cuando hay lo que se denomina un “álea adminis-trativa”) entonces nos encontramos frente a la denominada teoría del hecho príncipe.“(…)”.La doctrina suele exigir la configuración de los siguientes requisi-tos para la aplicación de esta teoría:a) la existencia de un perjuicio cierto y directo;b) la intervención de la Administración que lo ocasiona debe no haber podido preverse;c) esa actuación de la Administración debe ser espontánea y autónoma. (grifamos)“(…)”.“Su configuración reclama los siguientes requisitos:a) alteración de orden económico proveniente de hechos naturales o de actos de autoridad (no constitutivos de supuestos ya encarta-bles en la teoría del hecho del príncipe);b) imprevisibilidad;c) perturbación ajena a la voluntad de las partes;d) los hechos invocados deben ser posteriores al perfecciona-miento del contrato y anteriores a su definitivo cumplimiento;e) pérdida efectiva derivada de una excesiva onerosidad (no bas-tando la disminución o desaparición de ganancias); y f) el desequilibrio contractual debe ser transitorio”.

“(…)”.3

9. Lembremos, novamente, que a equação econômi-co-financeira do contrato, caracteriza-se pelo equilíbrio entre as obrigações assumidas e as importâncias a serem recebidas. Esta a comutatividade do contrato, como bem asseveram os ilustres tratadistas do tema, enfatize-se, tanto na doutrina nacional como alienígena4.

3 DELPIAZZO, Carlos E. ManualdeContrataciónAdministrativa, Tomo I – Parte General, 2ª edición actualizada, Instituto de Estudios Empresariales de Montevideo, 1991, pp. 147, 148 e 149.4 Citem-se, somente à guisa de exemplo: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Lici-tação–LeisdeMercadoePreços–EquilíbrioEconômico-Financeiro. In RTDP nº 9/1995, p. 89; BREWER CARIAS, Allan R. ContratosAdministrativos. Editorial Jurídicos Venezolana, Cara-cas, 1992, p. 203; DELPIAZZO, Carlos E., obra já citada; JUSTEN FILHO, Marçal. Comen-táriosàLeideLicitaçõeseContratosAdministrativos. São Paulo, Dialética, 9ª edição, pp. 498-506

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De conseguinte, se alterada a equação econômico-finan-ceira do contrato, não contendem, doutrina e jurisprudência, no sentido de que ou a Administração deve recompô-la, ou o contra-tado poderá pedir a rescisão, rompendo, pois, o laço contratual.

II. Reajuste e Revisão de Preços.

10. Deve-se fazer, também, para deslinde da questão a enfrentar, a necessária distinção entre reajuste e revisãodepreços, aonde se aloja a recomposição da equação econômico-financeira.

O reajuste configura-se em previsão inicial de custos a maior. A obra ou serviço é estimado em determinada quan-tia, devendo incidir sobre esta quantia percentuais corretivos de inflação. O quantumdebeaturnão é alterado. Conserva-se ínte-gro pelo reajuste.

10.1. De conseguinte, apenas o reajuste não poderá recompor a equação econômico-financeira, quando desbalance-ada por situações anômalas. O reajuste visa, isso sim, a manter íntegra a equação econômico-financeira.

Insista-se: há, tão-somente, previsão da perda de valor da moeda. Consiste, pois, em atualização permanente da mesma.

10.2. Os reajustes contratuais surgiram exatamente do princípio da manutenção da equação financeira do contrato ao longo de todo o prazo de sua execução. Não se cogitava, toda-via, em situações anômalas, mas na preservação do status inicial, passível de se modificar por força da inflação. Em outro falar, visa-se a preservar o contrato como ajustado.

11. Reajuste e revisão de preço, saliente-se, diferem, pois têm pressupostos diferentes. O primeiro, o reajuste de preço, será utilizado para resolver os problemas referentes à recompo-

e; TORRES PEREIRA, Jessé. ComentáriosàLeideLicitaçõeseContrataçõesdaAdministraçãoPública, Rio de Janeiro, Renovar, 5ª edição revista e atualizada, pp. 649-651.

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sição do equilíbrio financeiro resultante do aumento normal de custos pela desvalorização da moeda.

11.1. De seu turno, a revisão da remuneração do conces-sionário visa a atender casos especiais, como, por exemplo, a alte-ração do contrato, tornando-o mais oneroso. Também há outras hipóteses como o fatodaadministração, quer seja da mesma auto-ridade ou de outra, como já abordamos.

11.2. A distinção é de suma importância, porque, mesmo nas hipóteses em que o contrato proíba reajuste por deter-minado lapso temporal, pode haver a recomposição.

Observa-se que a Lei de Concessões usou em diferentes sentidos a palavra revisão, não tendo acontecido o mesmo com a Lei de Licitações, que emprega corretamente as palavras revisão e reajuste.

12. Vejam-se os artigos 65, inciso II, alínea “d” da Lei de Licitações (recomposição de preços), o § 8º do mesmo artigo refere-se a reajuste de preços, artigo 40, incisos XI (reajuste) e XIV, alínea “c”, da atualização financeira.

De outra parte, o § 2º do artigo 9º da Lei 8.987/1995 refere-se genericamente à “revisão de tarifas”, que tanto poderá significar reajuste ou recomposição. Já o § 3º, do mesmo artigo 9º, utiliza a expressão revisão por recomposição. No § 4º do mesmo artigo, o dispositivo, inequivocamente, embora não expressa-mente declare, está a se referir à revisão.

13. Releva notar: o amparo à justa remuneração, no concernente à concessão de serviço público, encontra-se, até mesmo, em nível constitucional. Consoante entendemos, o artigo 37, inciso XXI da Constituição, ao se referir à manutenção das condições efetivas das propostas, autoriza a concluir que se aloja no dispositivo a garantia.

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III. O ato administrativo decorrente da Ata da Reu-nião Intersecretarial do Governo do Estado de São Paulo.

14. O Governo do Estado de São Paulo, por entender devidamente que o reajuste, a ser concedido às concessionárias nas rodovias de pista simples, oneraria muito os usuários, resolveu não concedê-lo, porém, compensando as concessionárias. Na verdade, compensando de outra maneira a não outorga do reajuste.

14.1. A Ata Intersecretarial do Governo do Estado de São Paulo é de 27.06.2002 e precedeu o reajuste, que se deveria efetuar em 1º de julho.

Reproduza-se pequeno excerto:

“(...)”. Nesse sentido, ponderou que o Programa Estadual de Concessões Rodoviárias necessitava de algumas adaptações, de molde a tornar-se mais compatível com a realidade demonstrada no setor e mais adequado ao interesse público. Um dos aspectos ressaltados aos presentes, foi a necessidade de estabelecer algu-mas ponderações sobre o ajuste dos valores cobrados nas praças de pedágio de rodovias com pistas simples, em face do público que delas se utiliza e das condições em que se dá essa utilização. Para tanto, lembrou que esse tipo de rodovia serve a uma cate-goria de usuários que se deslocam freqüentemente entre cidades circunvizinhas, muitas vezes de maior porte, com o intuito de trabalhar, estudar e/ou escoar a pequena produção de caráter regional, caracterizando, pois, situação distinta das demais rodo-vias de pista dupla e sistemas, nas quais a incidência desses casos é sabidamente menor. “(...)”

Como se verifica na ata, documentação do evento rea-lizado (fundamento para o ato administrativo emanado) e, além disso, ato administrativo em sua parte final (consoante se poderá verificar, tem-se a decisão administrativa emanada). Transcre-va-se para aclarar:

“(...)”. Por fim, o Senhor Governador submeteu a questão ao crivo dos demais presentes, ficando decidido, por unanimidade, queoreajusteanualdastarifasdepedágios,nadata-basedejulhodocor-rente,nãoserácobradonasrodoviasdepistassimplesequeeventual

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reequilíbriodoscontratosdeconcessõesdar-se-áatravésderecursosdoTesourodoEstado. “(...)”. (grifos nossos).

15. Vamos nos deter no ato administrativo emanado. Inicialmente, devemos conceituar ato administrativo para verifi-car seus efeitos.

Trazemos à colação nosso conceito de ato administra-tivo, em sentido estrito, como expendido em nosso Curso5:

“Ato administrativo é a normaconcreta, emanada pelo Estado, ou por quem esteja no exercíciodafunçãoadministrativa, que temporfinalidadecriar,modificar,extinguiroudeclararrelaçõesjurídicas entre este (o Estado) e o administrado, suscetíveldesercontrastadapeloPoderJudiciário”.

Dissemos que é a norma concreta, portanto, não norma geral, como os decretos regulamentares6 (gerais e abstra-tos). Ou, por outro giro, é norma que descende diretamente da lei para reger determinada ou determinadas situações. E deve ter previsão de tempo em que irá vigorar, a não ser que seja por prazo indeterminado.

Já dissemos também que, no ato administrativo sempre existirá quem determina, constitui, extingue ou modifica rela-ções jurídicas e quem se beneficia (atos ampliativos) ou deve se comportar (atos restritivos ou ordens) dentro dos parâmetros da norma individual, norma concreta.

Com relação à eficácia que, de perto nos vai interes-sar, deixamos averbado, é a atribuição da possibilidade de o ato deflagrar seus efeitos típicos. Pode, todavia, a eficácia estar pro-traída por condição suspensiva, pelo termo inicial ou, então, por pendência de controle. E, também a eficácia pode estar referida a certo e único evento ou a termo final.

5 CursodeDireitoAdministrativo, 6ª edição, São Paulo, Malheiros, 2003, Cap. V, p. 159.6 O decreto regulamentar é ato expedido pelo Presidente da República dentro dos limites de sua competência (art. 84, inciso IV, da Constituição Federal), para fiel execução da lei – esta, sim, decisão política do legislador, fruto da vontade popular.

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Na questão formulada, a eficácia do ato estava dire-tamente referida “ao reajuste na data base do corrente (2002, segundo a data da Ata) e, mais, às rodovias de pista simples (“que o reajuste anual das tarifas na data-base de julho do corrente, não será cobrado nas rodovias de pista simples...”).

15.1. Portanto, não cobrado o reajuste nas rodovias de pista simples, durante o lapso temporal, em que deveria viger a tarifa, o ato administrativo, que representou autêntico “fato do príncipe” exauriu seus efeitos.

16. A motivação, a exposição das razões que levaram à prática do ato, foi largamente explicitada na Ata (a situação e o tipo de usuários nessas rodovias, portanto, as circunstâncias de fato) que determinaram o comportamento administrativo.

Dissemos que o ato administrativo praticado corres-pondeu ao chamado fato do príncipe, tal seja, determinação administrativa lícita que repercutiu no contrato, onerando-o. Tanto é assim, que o próprio Governo do Estado de São Paulo já acenou, ao praticar tal ato, com a possibilidade de o eventual reequilíbrio dos contratos de concessões ser feito com recursos do Tesouro do Estado.

16.1. Havia, sem dúvida, a competência legal para tal determinação, que deveria ser cumprida, tal seja, absterem-se as concessionárias de cobrar reajuste anual nas rodovias de pista simples.

De outra parte, detinham as concessionárias de tais rodovias o direito de pleitear revisão, a fim de que o equilíbrio da equação econômico-financeira não fosse afetado. Ou, qualquer outra forma de recomposição da tarifa sem onerar o usuário.

17. Deveras, como já dissemos alhures, a Administra-ção somente pode fazer o que a lei expressamente determinar.

Nas palavras de Enterría:

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“A legalidade atribui potestades à Administração precisamente. A legalidade outorga faculdades de atuação, definindo cuidadosa-mente seus limites, habilita a Administração para sua ação, confe-rindo-lhe, com efeito, poderes jurídicos. Toda ação administrativa se nos apresenta, assim, como exercício de um poder atribuído previamente pela lei e por ela delimitado e construído. Sem uma atribuição legal prévia de potestade, a Administração não pode atuar, simplesmente”.7

18. De outra parte, motivo é o pressuposto fático, ou acontecimento no mundo fenomênico, que postula, exige ou pos-sibilita a prática do ato. Difere do motivo legal, que é o pressu-posto descrito na norma.

O motivo do ato administrativo emanado, que se encontra na Ata Intersecretarial do Governo do Estado de São Paulo consistiu no fato, absolutamente aleatório, de os usuários das rodovias de pista simples terem determinadas características e condições a recomendar o não aumento da tarifa.

Segundo Araújo Cintra:

“Entendemos, portanto, como motivos do ato administrativo, o conjunto de elementos objetivos de fato e de direito que lhe cons-titui o fundamento. Isto significa que, para nós, os motivos do ato administrativo compreendem, de um lado, a situação de fato, que lhe é anterior, e sobre a qual recai a providência adotada, e, de outro lado, o complexo de normas jurídicas por ele aplicada àquela situ-ação de fato”.8

Engloba o autor, pois, no motivo a fundamentação legal que lhe serve de base.

Consoante pensamos, a fundamentação legal é o calço, a permissão para que o acontecimento, a demandar a conduta admi-nistrativa, possa ser requisito extrínseco do ato. Motivo não se con-funde com motivação, esta última o móvel do agente.

7 GARCíA DE ENTERRíA, e RAMÓN FERNÁNDEZ. CursodeDerechoAdministrativo, 4ª ed., v. II, pp. 418-419.8 ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de. Motivo eMotivação doAtoAdministrativo, São Paulo, Ed. RT, 1979, p. 97.

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18.1. De seu turno, a finalidadedoato se divide em ime-diata e mediata. Enquanto a primeira, também chamada de fim, dá-nos a categoria do ato administrativo, a segunda, a mediata, visa a atuar a vontade normativa, o interessepúblico subjacente.

19. Sandulli averba sobre a tipicidade dos atos adminis-trativos:

“Os provimentos administrativos são – como se advertiu – atos típicos. Os tipos são aqueles previstos pelo ordenamento e aqueles apenas; e cada um desses é caracterizado pela função peculiar assi-nalada pelo ordenamento: a realização do interesse público especí-fico ao qual é preordenado”. “(...)”.“Quanto se disse importa ainda no que concerne à nominatividade dos procedimentos administrativos: a cada interesse público parti-cular a realizar corresponde um tipo de ato perfeitamente definido (explícita ou implicitamente) pela lei.”9 (tradução nossa).

19.1. De seu turno, a causa também é requisito extrín-seco, necessário à validade do ato administrativo e esta deverá sempre existir na produção de qualquer ato jurídico.

Celso Antônio acresceu ao conceito de causa de André Gonçalves Pereira a busca da finalidade da lei.

De conseguinte, causa, para o conceituado autor, é a “correlação lógica entre o pressuposto (motivo) e o conteúdo do ato em função da finalidade tipológica do ato”.10

A causa da decisão da concedente encontra-se na corre-lação lógica entre a situação do usuário de rodovia de pista simples e o ato emanado, a determinação de não se conceder o reajuste (arcando o Tesouro do Estado com as eventuais conseqüências).

O conteúdo do ato é a disposição encontrada na norma concreta (no ato administrativo, na hipótese examinada, a não concessão de reajuste para as rodovias de pista simples e a deter-minação de que seus reflexos na equação econômico-financeira

9 SANDULLI, Aldo M. ManualediDirittoAmministrativo, v. I, Nápoles, 1973, p. 357.10 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. CursodeDireitoAdministrativo, 14ª edição, p. 360.

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fossem resolvidos pelo Tesouro do Estado). O conteúdo é ima-nente ao próprio ato administrativo.

Pode, por sua vez, o conteúdo apresentar parte even-tual, tal seja, cláusulas consubstanciadas em condições, termos e encargos.

20. Na hipótese, que examinamos, interessa-nos o termo, conteúdo eventual do ato administrativo. Termo, é o acon-tecimento futuro e certo que condiciona o início ou o fim da eficácia do ato. Assim, podemos ter termo inicial, suspensivo da eficácia, e final, resolutivo da eficácia.

20.1. Na consulta proposta, verificamos que o termo inicial da deflagração dos efeitos do ato era a data avençada para o reajuste, que não se iria realizar.

O ato administrativo produziria seus efeitos até à data de novo reajuste contratual, época em que, novamente, a Admi-nistração deveria se pronunciar, aprovando ou não, o reajuste proposto e lhe submetido a exame. Este o termo final, pouco importando que não se encontrasse explícito.

20.2. Vejamos novamente a determinação emanada pela Administração concedente.

“(...) ficando decidido, por unanimidade, que o reajuste anual das tarifas de pedágios, nadata-basedejulhodocorrente (a ata é de 27.06.2002) não será cobrado nas rodovias de pistas simples e que eventual reequilíbrio dos contratos de concessões dar-se-á através de recursos do Tesouro do Estado.” (grifos nossos).

20.3. Verifica-se ter sido resolvido apenas o reajuste de julho de 2002 (naturalmente para viger durante o lapso temporal previsto nos contratos de concessão). Nada foi avençado para os reajustes futuros. De se concluir, pois, que o termofinal da deter-minação, tal seja, do ato administrativo emanado, era o termo inicial de novo reajuste.

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21. Deveras, a cláusula 26.1. dos Contratos de Con-cessões dispõem a periodicidade anual do reajuste. E a cláusula 26.1.1 que o valor base para o cálculo seria “aquele que efeti-vamente resultou da aplicação da fórmula do reajustamento no período anterior”.

Assim, com segurança, poderemos concluir que o rea-juste, a ser outorgado (ou já outorgado), deverá incidir ou sobre a tarifa de julho de 2001, aplicando-se os índices relativos a 24 (vinte e quatro) meses, ou, então, incidir sobre a tarifa, que deve-ria ser em julho de 2002, como se o reajuste houvesse ocorrido, aplicando-se os índices anuais.

21.1. Não teve a decisão intersecretarial, ou melhor dizendo, o ato administrativo emanado, a finalidade de traçar política tarifária diferente, o que teria sido possível, desde que respeitada a equação econômico-financeira dos contratos durante toda sua vigência. E, respeitadas, como é óbvio, as for-malidades procedimentais.

Ou, por outro giro, claro ficou que se estava a referir ao reajuste de julho de 2002, a não ser que, como já dissemos, pretendesse alterar toda a política tarifária das concessões para as rodovias de pista simples, o que teria representado alteração contratual, passível de revisão.

E, sem dúvida, tal alteração somente poderia se dar observadas as formalidades legais, enfatize-se.

Feitos os comentários devidos aos temas propostos na Consulta, passamos a responder os quesitos.

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RESPOSTAS AOS QUESITOS

1. A decisão contida na Ata de Reunião Interse-cretarial do Governo do Estado de São Paulo tem caráter de ato administrativo concreto e não abstrato. Isto é, enqua-dra-se perfeitamente dentro do conceito de ato administrativo, em sentido estrito, por nós expendido. Portanto, é, apenas, aplicá-vel, ao reajuste de julho de 2002 para as rodovias de pista simples.

Com efeito, não pretendeu, consoante pensamos, a decisão ter seus efeitos protaídos além do marco temporal de 1 (um) ano.

2. Em face da resposta ao quesito anterior, a conse-qüência lógica é no sentido de que a decisão governamental estava sujeita a termo final, tal seja, ao período de um ano, conforme consta na cláusula 26.1. dos contratos de concessões de rodovias. Ao cabo desse período, termo final dos efeitos do ato administrativo, novo pedido de reajuste deveria ser sub-metido à Administração Concessionária, a fim de que, nova-mente, deliberasse.

3. A resposta é afirmativa, como já declinamos nos itens 21 e 21.1 deste parecer. Deve-se tomar por base ou o reajuste que se deveria ter verificado e incorporá-lo à tarifa, ou, então, tomar-se por base a tarifa sem o reajuste e aplicar-se o índice contratual equivalente a 24 (vinte e quatro) meses anteriores.

É o parecer.

São Paulo, 10 de dezembro de 2003.

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Lúcia Valle Figueiredo

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Lúcia Valle FigueiredoProfessora Titular de Direito Administrativo

da PUC-SPJuíza aposentada do Tribunal Regional Federal

da 3ª RegiãoOAB 11.596

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A Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias – ABCR, expõe-nos o que segue, formulando ao depois

CONSULTA

“Os contratos de concessão de rodovias, à semelhança dos demais contratos de concessão, têm duração longa, que, na prática atual, varia entre 15 a 25 anos. Durante esse prazo, é comum a ocorrência de fatores que provocam o desequilíbrio da equação econômico-financeira desses contratos peculiares, gerando para o concessionário o direito à correspondente com-pensação, que, em tese, pode se dar por meio de vários meca-nismos, tais como, a revisão tarifária, a alteração dos encargos atribuídos ao contratado, a utilização de recursos do tesouro e o aumento do prazo contratual.

De acordo com as circunstâncias do caso concreto, o reequilíbrio econômico-financeiro via aumento de prazo contra-tual constitui a alternativa de recomposição mais adequada para que sejam atingidas as metas de interesse público, pois com ele se evitam os indesejáveis aumentos do valor da tarifa e alteração dos encargos contratuais, bem como a utilização de recursos do tesouro público, que oneram a população como um todo.

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Discute-se atualmente se o aumento de prazo das con-cessões, para o fim específico de promover seu reequilíbrio econô-mico-financeiro, tem a mesma natureza jurídica das prorrogações por simples conveniência e oportunidade, e, conseqüentemente, se seriam aplicáveis a ambas os mesmos efeitos jurídicos e condi-ções de válida produção.

Em face disto, indaga-se:

I – A extensão de prazo de concessões de serviço público quando efetuada como fórmula substitutiva da elevação de tarifas que seria necessária para recompor equilíbrio econômico-finan-ceiro depende de previsão contratual?

II – A extensão dos prazos de concessão para recom-por seu equilíbrio econômico-financeiro poderia ser feita mesmo quando houvesse vedação genérica, mas expressa, de prorrogação do contrato?

III – A extensão do prazo contratual, como forma de reequilíbrio da equação econômico-financeira implica a rene-gociação das demais cláusulas contratuais, especialmente as financeiras?

IV – Quais as condições de validade para extensão do prazo das concessões para fins de reequilíbrio?”

Às indagações respondo nos termos que seguem.

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PARECER

1. Uma vez que a Consulta formulada envolve matéria referida a concessões de serviço público é aconselhável, liminar-mente, recordar algumas noções básicas sobre estes serviços, uma vez que tais noções, como logo se dirá, fornecem subsídios impor-tantes para a resolução do problema que nos foi submetido.

A mais tradicional noção de serviço público é a que foi formulada por LÉON DUGUIT, expoente do direito cons-titucional e do direito administrativo, figura pinacular de seu tempo e chefe da chamada escola do serviço público. Para este monumental publicista serviço público é “toda atividade cujocumprimentoéassegurado,reguladoecontroladopelosgovernantesporserindispensávelàinterdependênciasocialedetalnaturezaquenãopodeserassumidosenãopelaintervençãodaforçagovernante” (Traité de Droit Constitutionnel, E. Fontemoing, Paris, 2ª ed., v. II, 1923, pag. 55).

Entre nós, o eminente CIRNE LIMA, formula, também, noção substancial e, conquanto em linguagem de um tempo mais próximo ao nosso, enuncia idéia similar, com dizer que: é “oserviçoexistencialàSociedadeou,pelomenos,assimhavidonummomentodado,que,porissomesmo,temdeserprestadoaoscomponentesdaquela,diretaouindiretamente,peloEstadoououtrapessoaadministrativa”(Princípios de Direito Administrativo, Ed. Rev. dos Trib., São Paulo, 5ª ed., 1982, pag. 82).

Em ambas as conceituações fica plenamente ressaltada a extremada importância do serviço, seu enorme relevo para os membros do corpo social, característica esta que, indubitavel-mente, se encontra na base da noção de serviço público, isto é, no

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fundamento dela como elemento que o direito recolhe e consa-gra dando-lhe entidade jurídica.

2. Aliás, é oportuno dizer que a noção de serviço público veio a ser apresentada por DUGUIT como fórmula revoluciona-dora do direito público em geral e do administrativo em particular, porquanto o iluminado mestre procurava exibir que a verdadeira justificação do Estado residia na idéia de “serviço aos administra-dos” e não na de um “poder comandante”; ou seja, pretendeu subs-tituir o anterior eixo metodológico do direito público. Para ele, “o serviçopúblicoéolimiteeofundamentodopodergovernamental”. Daí haver arrematado “Etparlàmathéoriedel’Étatestachevée” (op. cit. vol. cit., pg. 70).

Ademais, se ainda se toma em conta a noção de DUGUIT sobre a regra de direito – cuja formulação, todavia, não é o caso de abordar aqui – mais claro fica o papel serviente dos administradores. Ainda em 1967, ao respeito escrevemos que, para ele, em conseqüência: “OEstadopassaaserumconjuntodeserviçospúblicoseosgovernantes,submetidosàregradedireitoassimcomoossúditos,sãoapenasosgerentesdosserviçospúblicos” (Natu-reza e Regime Jurídico das Autarquias, Ed. Rev. dos Trib., São Paulo, 1967, pag. 145). O administrativista belga CYR CAM-BIER, com inegável procedência captou argutamente as conse-qüências mais profundas implicadas nas posições do mestre de Bordeaux ao averbar que elas “conduziam a fazer do poder umdever,docomando,queéordemdada(jussus),umordenamento,queéamedidaadotadaeadaptada(ordinatio)” (Droit Adminis-tratif, Ed. Maison Ferdinand Larcier, Bruxelas,1968, pag. 228).

3. As precedentes considerações são bastantes para enfatizar o relevo da noção de serviço público, sua íntima relação com uma concepção de Estado que melhor se afina com os valo-res democráticos, e conseqüentemente realçam o dever estatal de

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torná-loomaispossívelacessívelatodososcidadãos,já que a própria razão de ser do Estado é servir aos administrados.

Deveras, tratando-se de atividade cuja importância é tal que o Estado se vê constrangido a assumi-la e que, além disto, subtrai ao campo da livre iniciativa (à exceção, entre nós, dos serviços ditos sociais: educação, saúde, assistência e previdência social), é óbvio que terá de ser ofertada à Sociedade nas condições mais propícias para que esta possa deles dispor. Com efeito, se estão definidos como instalados e residentes na esfera pública, de tal sorte que os administrados, como regra, só podem usufruí-los quando ofertados pelo próprio Estado ou quando este haja cons-tituído terceiros no poder de prestá-los, precisamente por lhes reconhecer a mais extremada importância social, é óbvio que hão de ser oferecidos aos usuários em condições as mais favoráveis possíveis, caso contrário estar-se-ia impedindo ou negando o des-frute de algo que foi havido como fundamental.

É esta elementar constatação que erige a “modicidade das tarifas”, quando prestado por particulares credenciados a fazê-lo, em princípio basilar do serviço público. Similarmente, a gratuidade do serviço ou a modicidade das taxas são obrigatórios quando seu prestador for o Estado.

4. Eis, pois, que a “modicidade” do montante a ser pago contra a oferta do serviço tem um significado e um realce muito maior do que a de uma simples regra, encartada no art. 6º, § 1º e encarecida no art. 11 da lei 8.987, de 13.02.95, disciplinadora das concessões. Constitui-se em um princípio do serviço público e dentre eles, por certo, um dos que apresenta relevo máximo.

Com efeito, princípio é um comando fundamental que, por sua força aglutinadora e por seu significado, é indispensável para iluminar a composição lógica de um dado instituto, isto é, de um dado complexo de normas nucleadas ao derredor de certo

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tópico ou, mesmo, conforme o escalão em que se radique, é fun-damental para a intelecção de todo o sistema normativo.

O princípio, por definição, constitui-se em manda-mento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a inte-lecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Daí porque violar um princí-pio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer.

A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconsti-tucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Donde, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada. Entende-se, pois, que são recomendáveis os mais empenhados esforços em atendê-lo, pelo que, sua busca deve ser sempre prestigiada e favorecida em todas as oportunidades.

Estando em pauta serviços públicos, o princípio da modicidade apresentar-se-á, então, como impostergável vetor interpretativo a ser mobilizado perante dúvidas exegéticas que se proponham, oferecendo socorro para dilucidá-las e demandando os direcionamentos hermenêuticos aptos a prestigiar sua vigência e viabilizar sua aplicação.

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É com atenção posta nestas noções que se haverão de examinar as indagações da Consulta.

5. Indaga, inicialmente, a Consulente se a prorrogação do prazo da concessão, tendo em vista a recomposição do equi-líbrio econômico-financeiro, depende de expressa previsão legal e contratual.

Cumpre desde logo notar que são situações claramente distintas as de prorrogações contratuais efetuadas por simples convicção da conveniência e oportunidade administrativa de extensão de seu prazo, (diante, sobretudo, do bom desempe-nho do concessionário e do interesse de ambos na continuidade daquele vínculo) das que sejam efetuadas tendo em vista a sus-tentação do equilíbrio econômico-financeiro da relação.

Na primeira hipótese, nada há, do ponto de vista jurí-dico, que incite o Estado à prorrogação. Questões de conveniência que o atraiam para tanto não se confundem com reclamos jurí-dicos que o levem a dilatar o período contratualmente previsto e estipulado. Assim para as prorrogações suscitadas por mero interesse administrativo em dilargar o prazo da concessão para além de seu termo normal, é óbvio que seria necessária previsão legal autorizadora. A ser de outro modo, a Administração estaria agindo por fora das balizas normativas e, ademais, incorrendo em burla ao princípio da licitação, já que outros, se soubessem antecipadamente de tal possibilidade aberta pela lei e acolhida no edital, poderiam ter acorrido ao certame ou, os que acorreram, poderiam ter feito oferta distinta da que fizeram.

Não é esta, contudo, a situação que se porá quando a prorrogação constitui-se em medida assecuratória do equilíbrio econômico financeiro – direito do concessionário ao qual a Admi-nistração não teria como se evadir – sem, contudo, acarretar para

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os usuários o dispêndio suplementar causado pelo incremento tarifário e sem implicar ônus algum para o Poder Público.

6. Com efeito, nesta última hipótese, à toda evidência, o que entra em pauta é um expediente utilizável para evitar agra-var os usuários com o aumento das tarifas, ou seja, para favorecer a obediência ao princípio da modicidade delas. Assim, é visível que em tal caso não está em questão a idéia singela de prosseguir um vínculo além do termo inicialmente previsto apenas porque a relação se apresentara como satisfatória. Antes, tal evento se propõe como fórmula concebida para, ao atender um dever jurí-dico inelutável – o de promover o reajuste tarifário necessário para manter o equilíbrio financeiro do contrato – evitar sua repercussão sobre os usuários do serviço.

Daí que, a prorrogação contratual, ao contrário da outra situação figurada, estará, de direito, assentada em dois cânones normativos que lhe servirão de escora, isto é, de suporte de legitimidade: de um lado, ante a vicissitude de respeitar a equação econômico-financeira, a norma que lhe impõe tal dever e de outro o princípio prestigiador da modicidade. Segue-se que a ausência de previsão permissiva no edital ou no contrato estaria suprida por estas aludidas normas, sendo que a disposição legal que determina a modicidade das tarifas – noção que, como se disse, tem hierarquia de princípio – é a que diretamente lhe ser-virá de calço.

De outra parte, “in casu”, não haveria cogitar de vio-lência ao princípio da licitação, porque, como é óbvio, extensão contratual suscitada para mantença do equilíbrio econômico-financeiro, é circunstância que jamais poderia significar estímulo para que acedessem ao certame eventuais licitantes que a ele não acudiram, assim como em nada poderia interferir com as pro-postas efetuadas pelos que o disputaram. Deveras, não há nisto

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qualquer vantagem suplementar para o concessionário, capaz de atrair concorrentes ou de alterar ofertas.

Assim, não há duvidar que, embora inexistindo na lei, no edital ou no contrato, explícita contemplação de prorrogação contratual para atender à finalidade mencionada, esta, sem a menor dúvida ou entredúvida, é perfeitamente cabível. Ou seja: dita prorrogação independe de previsão legal ou contratual.

7. Indaga mais a Consulente se tal solução seria admis-sível também nos casos em que o edital ou o contrato proibissem prorrogação. A menos que um, outro, ou ambos vedassem a exten-são contratual de modo a tornar claro que a interdição nele(s) cogitada abrangia a que se efetuasse como fórmula substitutiva da elevação de tarifas, que, de outra sorte, seriam incrementadas para mantença da equação financeira, haver-se-ia de concluir pela possibilidade da sobredita prorrogação.

Ou seja: uma intelecção razoável seria a de considerar não incluída em seu âmbito, a contradita a uma solução que tem bons fundamentos jurídicos para ser adotada e que, demais disto, apre-senta óbvias vantagens para a Administração e para os usuários do serviço, sem trazer agravo a direitos de quem quer que seja, ao passo que a oposição a ela traria evidentes e indubitáveis desvanta-gens para os usuários ou, se estes fossem delas poupados, seriam transferidas para o erário público, já que, em tal caso, este teria que suplementar a receita do concessionário para conservação do equilí-brio econômico-financeiro afetado.

8. Este entendimento que se vem de expor encontra conforto na melhor doutrina. Veja-se. Disse, CARLOS MAXI-MILIANO, o príncipe de nossos mestres de exegese, que honrou o Supremo Tribunal Federal com suas luminosas ensinanças:

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“DeveoDireito ser interpretado inteligentemente,nãodemodoaque a ordem legal envolvaumabsurdoprescreva inconveniências,vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis” (Interpretação e Aplicação do Direito, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 15ª ed., 1995, pág. 166).

De outra parte, o eminentíssimo RECASÉNS SICHES, a quem se deve a introdução da lógica do razoável como noção presidente da interpretação em Direito, averbou:

“A norma legislativa se formula em termos gerais, porém quem aformula tem emmente umdeterminado tipo de casos, bem reais,dos quais teve experiência, ou têmmentalmente antecipados porsuaimaginação,emrelaçãoaosquaispretendequeseproduzaumdeterminadoresultado,precisamenteporqueconsideraesteresultadoomaisjusto.Entãoresultaevidentequeojuiz,antequalquercasoqueselheapre-sente tem,antesde tudo,queverificarmentalmente seaaplicaçãodanorma,que emaparência cobredito caso, produzirá o tipoderesultadojustoemqueseinspirouavaloraçãoqueéabasedaquelanorma”. .....”Se, o caso que se coloca perante o juiz é de um tipodiferentedaquelesqueserviramcomomotivaçãoparaestabeleceranormaeseaaplicaçãodelaatalcasoproduziriaresultadosopostosaaquelesaqueelasepropôs,ouopostosàsconseqüênciasdasvaloraçõesemqueanormaseinspirou,entendoquesedeveconsiderarqueanormanãoéaplicávelàquelecaso” (Filosofia del Derecho, Edito-rial Porrua, Mexico, 2ª ed., 1961, pag. 659).

É claro que estas lições tanto têm aplicação à intelecção das leis quanto à de um edital ou de um contrato. O mesmo se pode dizer dos comentos feitos por HENRY CAMPBELL BLACK, que foi ”Chief Justice”, isto é, Presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos da América do Norte e é autor daquele que talvez seja o mais monumental trabalho sobre interpretação. Disse ele:

“Uma lei deve ser interpretada em consonância com seu espírito erazão;asCortestempoderparadeclararqueumcasoconformadoàletradaleinãoéporelaalcançadoquandonãoestejaconformadoaoespíritoeàrazãoda lei edaplena intençãolegislativa” (Henry Campbell Black, “Handbook on the Cons-

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truction and Interpretation of the Laws”, West Publishing Co., St. Paul, Minn., 1896, pag. 48).

Citando decisão da Suprema Corte Americana, o refe-rido jurista transcreve-lhe as seguintes considerações:

“Éumaregracediçaadequealgopodeestarconformeàletradeumaleie,entretanto,nãocomapróprialei,porquenãoestáconformeaoseuespíritonemcomodeseusfautores. Istotemsidofrequentementeafirmado e os repertórios estão repletos de casos ilustrativos de suaaplicação.Istonãoéasubstituiçãodaintençãodojuizpeladolegis-lador;pois,frequentementepalavrasdesentidogeralsãousadasemumalei,palavrasamplasobastanteparaabarcaroatoemquestão,e, todavia,a consideraçãoda legislação em sua totalidade, oudascircunstânciasqueenvolvemsuaproduçãooudosresultadosabsur-dosquepromanariamdeseatribuirtalsentidoamploàspalavras,fazem com que seja descabido admitir que o legislador pretendeunelasabrangero casoespecífico” (Rector of Holy Trinity Cherch v. U.S.).

Observou ainda que:

“Itispresumedthatlegislaturedoesnotintendanabsurdity,orthatabsurd consequences shall flow from its enactments. Such a resultwill thereforebeavoided, if the termsof theactadmit of it,byareasonableconstructionofthestatute” (Handbook on the Cons-truction and Interpretation of the Laws, West Publishing, 1896, pag. 104).

E logo além, à mesma página:

“Thepresumption against absurd consequences of the legislation isthereforenomorethanthepresumptionthatthelegislatorsaregiftedwhitordinarygoodsense”.

9. Quaisquer destas citações e elas em seu conjunto assentam como uma luva ao caso concreto. Deveras, o que nelas se lê é precisamente o ensinamento de que jamais se pode adotar uma interpretação pedestre, aferrada à literalidade da linguagem e que, em decorrência disto, venha a sacrificar o espírito da norma ou abicar na extração de conseqüências por certo indesejadas por

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quem a estabeleceu, contrariando o que a lógica e o bom-senso estariam a indicar como cabível.

Ora, o caso “sub examine” demanda, como é claro a todas as luzes, entendimento capaz de atender aos reclamos do fundamental princípio da “modicidade das tarifas”, tanto mais porque fazê-lo só traz benefícios, não acarreta prejuízo a quem quer que seja, não contravém qualquer cânone retor da atividade administrativa e antes neles encontra respaldo. Assim, adotar inteligência que abica em tão prezáveis resultados, ao invés de adotar intelecção que, inversamente, só aporta inconvenientes, é ato do mais elementar bom-senso.

Ninguém contenderia que entre duas interpretações pos-síveis, uma que exponencia vantagens, sem agravos a ninguém, e outra da qual só resultam ônus e sacrifícios para os administrados ou para a Administração, haver-se-á de adotar a primeira alterna-tiva, pena de incorrer em irracionalidade manifesta.

Assim, pelas razões expostas, é de concluir que é perfei-tamente possível a extensão do prazo contratual de concessionário como fórmula alternativa à elevação de tarifas que teria de ocor-rer para fins de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do ajuste, ainda que disposição editalícia ou cláusula contratual contenham disposição que apenas genericamente interdite pror-rogação do contrato.

10. Indaga também a Consulente se a extensão do prazo contratual como forma de reequilíbrio da sobredita equação implica a renegociação das demais cláusulas contratuais, especial-mente as financeiras.

O único sentido da prorrogação do contrato com a função supra indicada é evitar a elevação das tarifas. Ou seja, sua única razão de existir é promover a substituição dos valores em

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que se traduziria tal incremento pela dilação do lapso temporal ao longo de cujo percurso o concessionário captaria as tarifas que lhe corresponderiam, de sorte que, graças a este período suplementar de captação delas, possa haurir, compensatoriamente, o equiva-lente ao que perceberia em um lapso temporal menor se as tarifas houvessem sido reajustadas, como de direito.

Sendo esta a única justificativa, o único fundamento, da prorrogação contratual bem se vê que não comparece para nada qualquer alteração desbordante deste escopo. É dizer: tal prorrogação, à toda evidência, não implica qualquer renegocia-ção de cláusulas contratuais, que ultrapassem o limite singelo de promover a equivalência entre os dois termos a que se aludiu: de um lado, a detença da atualização das tarifas, com a conseqüente subtração de receita a que o concessionário faria jus, e, de outro lado, a compensação desta perda, com a recuperação dos equiva-lentes valores pela extensão do prazo do contrato.

Toda alteração de cláusula contratual, toda renegocia-ção, notadamente de ordem financeira, que ultrapasse o requerido pelos tópicos mencionados será perfeitamente alheia às razões e fundamentos autorizadores da extensão do contrato para além de seu termo final originariamente estabelecido. Assim, é evidente que o concessionário não tem obrigação alguma de aceitar modi-ficações de tal ordem como condição para extensão do prazo contratual, sempre que tais alterações sejam desnecessárias para o atingimento da finalidade que justificaria a extensão do con-trato, desbordando, pois do escopo e dos limites que serviriam de suporte lógico e jurídico para sua prorrogação.

11. Postremeiramente a Consulente indaga quais as condições de validade para extensão do prazo das concessões quando operado para fins de reequilíbrio. Desde logo, é preciso que seja indiscutível, absolutamente certo, o direito do conces-

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sionário a um dado reajuste, o qual, justamente, será substitu-ído pela ampliação do prazo contratual. De outra parte, cumpre que esta dilatação seja estabelecida na exata medida necessária à absorção do montante subtraído ao concessionário pela não ele-vação das tarifas e conseqüente perda de valores que, em condi-ções normais, auferiria até o final originariamente previsto para o contrato.

12. Isto posto, às indagações da Consulta respondo:

I – Independe de previsão contratual a extensão de prazo de concessões de serviço público quando efetuada como fórmula substitutiva da elevação de tarifas que seria necessária para recompor equilíbrio econômico-financeiro;

II – A extensão do prazo contratual com a finalidade acima mencionada pode ser efetuada ainda quando haja no con-trato genérica vedação de prorrogação do termo da concessão, pois dita interdição, à toda evidência, não se propõe a obstá-la na específica hipótese em questão;

III – A prorrogação procedida com a finalidade indi-cada, obviamente não implica em nada e por nada qualquer renegociação de cláusulas contratuais, notadamente financeiras, alheias ao único sentido de tal extensão de prazo; isto é: promo-ver compensação de perdas que o concessionário sofrerá com a manutenção incólume do valor tarifário;

IV – Para validade da prorrogação do prazo de conces-são, efetuada em substituição à elevação de tarifas, requer-se, de um lado, que seja indiscutível o direito do concessionário a um dado reajuste que ficará bloqueado e, de outro, que a dilatação do prazo se contenha na medida necessária à absorção do montante subtraído pela não elevação das tarifas, de maneira a reparar o

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concessionário pela perda de valores que, em condições normais, auferiria até o final originariamente previsto para o contrato se lhe fosse outorgado o reajuste devido.

É o meu parecer.São Paulo, 16 de junho de 2006.

Celso Antônio Bandeira de MelloOAB-SP nº 11.199

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CONCESSÃO DE RODOVIAS E OS PRINCÍPIOS DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO, DA MODICIDADE TARIFÁRIA E DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO

ARNOLDO WALDAdvogado. Professor Catedrático da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.

MARINA GAENSLYAdvogada. Mestre em Direito Público pela UERJ.

SUMÁRIO: I – A política nacional de desestatização e a concessão de rodovias. II – As novas concessões. III – Especificidades relevantes e modelos de concessão. IV – O caráter contratual das concessões: um contrato especial (CF, art. 175, p. ún., I). V – Atendimento ao “interesse público”: respeito aos contratos ou modicidade tarifária? VI – Equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão. VII – Conclusão.

EMENTAA política de concessão da exploração de serviços em estra-das e rodovias à iniciativa privada, na década de 90, via-bilizou notória melhoria de diversas estradas brasileiras, cujas más-condições constituem não apenas um entrave ao desenvolvimento econômico, mas sobretudo um risco à própria segurança e integridade física dos seus usuários.

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Não por outra razão, Estado recentemente retomou a polí-tica de privatização do setor.Por se ter alcançado, nos leilões mais recentes, tarifas apa-rentemente mais baixas, tem sido aventada a possibilidade de rever os contratos firmados anteriormente, a fim de diminuir a taxa de rentabilidade dos concessionários.Comparação de valores que desconsidera as peculiarida-des de cada caso concreto (como demandas específicas de investimentos em cada trecho ou estrada e diferença entre os modelos de concessão adotados). Alteração aventada que, de todo modo, não encontra gua-rida na ordem jurídica vigente.Natureza contratual da concessão (contrato de natureza especial, segundo art. 175, p. ún. III, da CF). Necessidade de observância, por parte da Administração, dos princípios da boa-fé, da confiança e da moralidade. Investigação do sentido e do alcance dos princípios da supremacia do interesse público, da modicidade tarifária e do equilíbrio econômico-financeiro da concessão.

“ConstituiçãoFederalArt. 37 (...)XXI-ressalvadososcasosespecificadosnalegislação,asobras,o serviços, compras e alienações serão contratadosmedianteprocessodelicitaçãopúblicaqueassegureigualdadedecon-diçõesatodososconcorrentes,comcláusulasqueestabeleçamobrigaçõesdepagamento,mantidas as condições efetivas da proposta,nostermosdalei,oqualsomentepermitiráasexigênciasdequalificaçãotécnicaeeconômicaindispensáveisàgarantiadocumprimentodasobrigações.”

I – A POLÍTICA NACIONAL DE DESESTATIZAÇÃO E A CONCESSÃO DE RODOVIAS

1. Muito embora a política de cobrança de pedágio em rodovias tenha sido, há bastante tempo, implementada com sucesso em numerosos países da Europa e da América do Norte, sua introdução no Brasil foi lenta e reticente. Durante muitos

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anos, em pouquíssimas estradas havia pedágio e geralmente a concessão do serviço era outorgada a uma empresa estatal.

2. Há mais de quarenta anos, por exemplo, o Gover-nador do Estado de São Paulo decidiu conceder à estatal Dersa Desenvolvimento Rodoviário S/A a concessão do chamado Sistema Imigrantes-Anchieta. Naquela época, a implantação do pedágio deu azo à intensa discussão acerca da sua constitu-cionalidade, bem como da possibilidade de cobrança da tarifa sem via alternativa. O Tribunal de Justiça de São Paulo, na oca-sião, decidiu pela constitucionalidade da cobrança, tendo sido a decisão confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (Sessão Plenária, RE 75.641, relator Ministro Xavier de Albuquerque, Revista Trimestral de Jurisprudência nº 70, pp. 469-473)1.

3. Em meados da década de 1990, em meio à adoção de ampla política nacional de desestatização de diversos seto-res da economia, o governo brasileiro – tanto na esfera federal quanto na estadual – decidiu ampliar o número de rodovias concedidas e facultar também à iniciativa privada a exploração do serviço.

4. Em 1993, foi criado o Programa de Concessão de Rodovias Federais – PROCOFE, no bojo do qual foram con-cedidos aproximadamente 14 mil quilômetros de estradas. A Lei nº 9.277/96 (Lei de Delegações) possibilitou a assinatura de convênios entre a União e os Estados, de modo a delegar a estes últimos trechos de rodovias federais, visando a integra-ção com programas estaduais de concessão.

1 A obra Opedágio– constitucionalidade e legalidade, publicada pela Dersa, em São Paulo, 1974, reuniu diversos pareceres emitidos sobre o tema, subscritos por Arnoldo Wald (21.11.1969), Hely Lopes Meirelles (27.10.1970), Pontes de Miranda (29.9.1970), Miguel Seabra Fagundes (26.6.1971), Orlando Carlos Gondolfo (22.11.1969) e pela Procuradoria Geral da Justiça, repre-sentada pelo Procurador Eurico de Andrade Azevedo (17.6.1971).

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5. Assim é que estradas mal conservadas, que consti-tuíam não apenas um entrave ao desenvolvimento econômico, mas sobretudo um risco à própria segurança e integridade física dos seus usuários, passaram a ceder lugar, em geral, a rodovias bem asfaltadas e bem sinalizadas, complementadas por serviços que vão desde a prestação de informações aos usuários sobre as condições do tráfego, até guincho, resgate e atendimento pré-hospitalar em caso de acidentes.

6. A população, em geral, aprovou a adoção da polí-tica de concessões rodoviárias. Pesquisa do Instituto Datafo-lha, com motoristas que trafegavam pela Rodovia Presidente Dutra logo após a privatização, mostrou que 93% deles foram favoráveis a que as rodovias passassem a ser administradas por particulares, tendo apenas 5% dos motoristas se declarado contrários à privatização2. Outra pesquisa, realizada em 2006 pela Confederação Nacional do Transporte, mostrou que, das 23 melhores rodovias do país, 20 são administradas pela ini-ciativa privada e que 79,8% das estradas pedagiadas foram classificadas como “ótimas” ou “boas”3.

7. Mas as concessões da década de 90 não foram suficientes. Estima-se que as rodovias transportem, atual-mente, cerca de 65% de toda a produção nacional. Porém, aproximadamente 80% das estradas brasileiras ainda são clas-sificadas como deficientes, ruins ou péssimas4.

8. Não é difícil perceber, portanto, que um dos prin-cipais gargalos ao desenvolvimento econômico brasileiro ainda está nas estradas mal conservadas e congestionadas, causado-

2 Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff02059822.htm3 Fonte: http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2007/10/10/rodovias_leiloadas_precisam_de_ recapeamento_e_sinalizacao_1039356.htm4 Arnoldo Wald. Arecentejurisprudênciarelativaaoscontratosdeconcessão. Digesto Econômi-co vol. 60, número 432, p. 34-46.

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ras de diversos obstáculos à produção e à exportação, tais como atrasos no embarque de mercadorias, aumentos no preço dos fretes e demais deficiências estruturais que geram o que se con-vencionou chamar de “custo Brasil”: despesas que encarecem a produtividade e desfavorecem a competitividade das empresas que atuam no país.

9. Embora se reconheça que a privatização não pode alcançar todas as rodovias e que o pedágio não é necessaria-mente uma solução eficaz em qualquer caso, não há dúvida de que, para o setor de infraestrutura rodoviária, os institu-tos da concessão e da parceria certamente proporcionam um grande progresso. São fatores de desenvolvimento econômico, reduzem o índice de acidentes e ainda, sob o prisma de justiça social, fazem recair os encargos decorrentes da manutenção de rodovias não sobre toda a sociedade, mas apenas sobre aqueles diretamente interessados no serviço: os próprios usuários.

II – AS NOVAS CONCESSÕES

10. Por tudo isso é que, depois de longo período sem novas concessões, o Estado brasileiro voltou a recentemente adotar a política de transferir à iniciativa privada a exploração das rodovias.

11. A União Federal, por exemplo, decidiu ampliar o número de estradas privatizadas, realizando, em outubro de 2007, leilão para a exploração de 7 trechos rodoviários, que totalizaram 2.600 quilômetros. Estradas importantes e de grande peso no escoamento da produção brasileira (como a Rodovia Fernão Dias, que liga Belo Horizonte a São Paulo, e a Rodovia Régis-Bittencourt, que liga São Paulo a Curi-tiba) foram transferidas à iniciativa privada. Também alguns Estados federados voltaram a ampliar o número de estradas

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concedidas, podendo-se citar, como maior exemplo, a recente licitação do Trecho Oeste do Rodoanel de São Paulo, obra de grande importância estratégica para a maior cidade do país.

12. O resultado desses últimos leilões, porém, tem despertado algumas controvérsias com relação às concessões anteriores. O preço da tarifa alcançado nos novos pedágios ficou significativamente menor do que o das concessões reali-zadas na década de 90, além de ter havido grandes deságios nos certames licitatórios.

13. A relação entre o preço do pedágio dividido por quilômetro tem sido a grande vedete comparativa. Na Rodovia dos Bandeirantes, situada no Estado de São Paulo e que foi con-cedida na década de 90, por exemplo, o usuário paga R$ 0,127 por quilômetro atualmente. Enquanto isso, a tarifa que será cobrada na Rodovia Fernão Dias, recentemente privatizada, ficou em R$ 0,01 por quilômetro rodado. No Trecho Oeste do Rodoanel, também objeto de concessão recente pelo Estado de São Paulo, o custo ficará em R$ 0,09 por quilômetro.

14. Sob o impacto da discrepância entre esses núme-ros, alguns setores da imprensa, entidades de defesa do consu-midor e até representantes de órgãos estatais se apressaram a afirmar que havia indícios de “desequilíbrio econômico-finan-ceiro” nos contratos de concessão firmados na década de 90. E que haveria também um lucro exacerbado dos concessionários, em detrimento dos princípios da modicidade tarifária e supre-macia do interesse público.

15. Nesse cenário, duas perguntas cabem ser feitas. A primeira é se tais números são fonte segura para se afirmar que há, realmente, nas concessões anteriores, um “desequilíbrio” entre as prestações devidas pelos usuários e os ganhos auferidos

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pelas concessionárias, ou seja, um lucro indevido das empresas que estaria onerando indevidamente os usuários.

16. A segunda pergunta, por sua vez, é: se efetiva-mente houver alguma discrepância relevante em termos de rentabilidade, seria juridicamente possível rever os contratos de concessão anteriores para diminuir as taxas de lucro das empresas concessionárias, com base nos princípios da modici-dade tarifária, da supremacia do interesse público e do próprio equilíbrio econômico-financeiro da concessão?

17. Este estudo busca responder essas duas questões.

III – ESPECIFICIDADES RELEVANTES E MODELOS DE CONCESSÃO

18. A concessão de rodovias à iniciativa privada é precedida de amplo estudo acerca da viabilidade e da melhor forma para sua implementação. De fato, nem toda rodovia é passível de exploração por meio de pedágio. Muitas, embora tenham importância política e social, em razão do baixo número de usuários, não dão ensejo a uma concessão econo-micamente viável. Além disso, cada estrada tem uma demanda específica de investimentos e um retorno econômico próprio. Certas estradas, por exemplo, demandam realização de obras como a duplicação de faixas, construção de pontes, túneis, via-dutos etc. Outras carecem apenas de recapeamento. O fluxo de veículos – e, portanto, o retorno do investimento do concessio-nário – também varia acentuadamente caso a caso.

19. Cada trecho explorado tem, portanto, sua parti-cularidade, que, se não inviabiliza, ao menos dificulta a sim-ples comparação entre os valores resultantes de uma divisão do preço do pedágio por quilômetro.

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20. Mas não é só. O preço do pedágio também varia conforme a estratégia política adotada por cada poder conce-dente. Ao delegar a exploração de um trecho à iniciativa pri-vada, o ente estatal pode ou não cobrar o chamado valor de outorga ou ônusdaconcessão, que nada mais é do que um preço a ser pago pelo concessionário ao concedente apenas e tão-so-mente em virtude da delegação.

21. O valor de outorga, por vezes, tem por objetivo custear obra na própria estrada objeto da exploração. É o caso da recente licitação para a concessão do Trecho Oeste do Rodoanel de São Paulo, por exemplo, em que o Governo Estadual deci-diu cobrar ônus de concessão para custear as obras necessárias à finalização do projeto rodoviário em questão.

22. Evidentemente que, quando a concessão é con-dicionada ao pagamento de um valor de outorga ao Poder Público, o preço do pedágio se eleva. Nas recentes licitações realizadas em esfera federal, que chamaram a atenção da cole-tividade pelo baixo valor da tarifa alcançado nos leilões, não houve cobrança de qualquer quantia pela outorga.

23. É bom registrar que não há possibilidade de se afirmar, a priori, qual modelo de concessão é melhor ou mais vantajoso para a coletividade. Embora tenha um apelo popu-lar, a decisão de reduzir ao máximo a tarifa do pedágio, não cobrando qualquer valor pela outorga, pode implicar na dis-tribuição dos custos da realização de outros investimentos em estradas entre todos os contribuintes, ao invés de atribuí-los apenas àqueles que diretamente se beneficiam desses recursos: os usuários.

24. A decisão sobre qual modelo adotar, portanto, além de envolver uma enorme carga política, deve ser casuís-

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tica, ou seja, deve levar em consideração uma enormidade de aspectos relativos a cada caso concreto, a cada trecho rodoviá-rio a ser concedido.

25. Do que foi brevemente exposto acima, já é possí-vel depreender que a resposta à primeira pergunta é negativa. A diferença entre os valores dos pedágios das concessões ante-riores, da década de 90, e o das mais recentes não pode ser atribuída, genericamente, sem levar em consideração as pecu-liaridades de cada caso concreto, a uma variação da taxa de rentabilidade dos concessionários. Além de serem trechos com demandas de investimentos e retornos financeiros diferentes, são modelos de concessão também distintos.

26. Essa conclusão, porém, não exaure a questão em análise. Resta ainda a segunda e mais importante indagação: se efetivamente houver alguma discrepância relevante na taxa de rentabilidade das concessões realizadas na década de 90 e nas mais recentes, seria juridicamente possível rever os contratos anteriores a fim de reduzir o lucro dos concessionários, com fundamento nos princípios da modicidade tarifária, da supre-macia do interesse público e do próprio equilíbrio econômico-financeiro da concessão?

27. A resposta a essa indagação requer maior aprofun-damento no plano teórico jurídico.

IV – O CARÁTER CONTRATUAL DAS CONCESSÕES: UM CONTRATO ESPECIAL (CF, 175, P. ÚN., I)

28. Diferentemente do sistema anterior às privatiza-ções, em que, como já dito, as concessões eram outorgadas normalmente a empresas públicas ou de capital misto, numa relação que já foi classificada de incestuosa, as concessões de

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serviços públicos mais recentes, outorgadas à iniciativa privada, têm um caráter contratual inviolável5.

29. Efetivamente, a grande modificação da legislação editada na década de 90, inspirada, aliás, na própria Cons-tituição de 1988, foi a atribuição de um caráter contratual à concessão, limitando o poder da autoridade e impondo deveres estritos e direitos específicos ao concessionário.

30. A Constituição de 1988 reconhece o caráter con-tratual da concessão e garante, ademais, a livre iniciativa, a propriedade privada e o devido processo legal substantivo, que assegura direitos fundamentais ao contratado. Como os recur-sos investidos agora são privados, a intervenção do Estado não mais pode ser arbitrária ou discricionária, mas deve ser baseada no que for contratualmente estipulado.

31. De fato, a nova fase do direito da concessão carac-teriza-se sobretudo por sua despolitização, que impede, por exemplo, a fixação de tarifas demagógicas ou confiscatórias, vincula a noção de modicidade tarifária às de serviço adequado e de equilíbrio econômico-financeiro, e demanda a definição prévia e adequada dos deveres do concessionário e das sanções que lhe podem ser aplicadas.

32. Há, sobretudo, regras do jogo pré-estabelecidas que não podem ser aleatoriamente modificadas. Quem presta serviço público necessita ter não apenas a contraprestação do seu investimento (que é representada pelas tarifas cobradas dos usuários), mas também ter preservadas a sua confiança e a sua boa-fé.

5 Arnoldo Wald, Luiza Rangel de Moraes e Alexandre de Mendonça Wald, ODireitodeParce-riaeaNovaLeidasConcessões, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1996, p. 38.

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33. Com efeito, os princípios da boa-fé, da confiança e da lealdade devem reger quaisquer relações negociais, inclu-sive as de direito público6. Embora tenham se desenvolvido no âmbito do direito privado, não há qualquer motivo para se supor que tais princípios não sejam aplicáveis também às ações e aos contratos celebrados pelo Poder Público. Justamente ao contrário, por sua própria natureza, o Estado tem obriga-ção ainda maior de atuar sempre e em qualquer circunstância com boa-fé, em obediência ao próprio princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput, da Constituição).

34. Ao dever de atuar de boa-fé corresponde o direito de outrem de ver realizada a sua expectativa, ou seja, de não ser frustrada a confiança que depositou no co-contratante ou em terceiro.

35. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido que o princípio da boa-fé também deve ser obser-vado pela Administração, impedindo-a, por exemplo, de refor-mular atos para atingir direitos de terceiros, que confiaram na regularidade do seu procedimento7. A esse respeito, destaque-se acórdão relatado pelo Ministro Ruy Rosado Aguiar:

“Sabe-se que o princípio da boa-fé deve ser atendido também pela administração pública, e até com mais razão por ela, e o seu comportamento nas relações com os cidadãos pode ser controlado pela teoria dos atos próprios, que não lhe permite voltar sobre os

6 Nesse sentido, Roberto Dromi lembra que o princípio da boa-fé é “enraizadoen lasmássólidastradicioneséticasdenuestracultura”, razão pela qual fundamenta e informa “todonuestroordenamientojurídico,tantopúblicocomoprivado”. (LasEquacionesdelosContratosPúblicos. Bue-nos Aires, Ciudad Argentina, 2001, p. 51). 7 Almiro do Couto e Silva escreveu relevante trabalho sobre a importância da preservação da boa-fé do particular, mesmo que ela se contraponha, aparentemente, ao princípio da legalidade administrativa. Diz o autor que a “proteção da boa fé ou da confiança (Vertrauensschutz) que os administradores têm na ação do Estado, quanto à sua correção e conformidade com as leis” é ele-mento estruturante do Estado de Direito, junto com o próprio princípio da legalidade (PrincípiosdaLegalidadedaAdministraçãoPúblicaedaSegurançaJurídicanoEstadodeDireitoContemporâ-neo. Revista de Direito Público nº 84, pp. 46-63).

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próprios passos depois de estabelecer relações em cuja seriedade os cidadãos confiaram”8.

36. Há, na realidade, diversas outras decisões relevan-tes reconhecendo que também o Estado deve observar, nas rela-ções com os particulares, o princípio da boa-fé, não servindo como justificativa para a prática de atos arbitrários a mera invo-cação da supremacia do interesse público sobre o privado.

37. No julgamento do Recurso Ordinário em Man-dado de Segurança nº 1883, por exemplo, o Superior Tribu-nal de Justiça decidiu que a Administração não poderia ser beneficiada pela nulidade do ato que praticara. Transcreva-se parte do acórdão, relatado pelo Ministro Edson Vidigal, acompanhado pelos Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e José Arnaldo da Fonseca:

“Julgado que, aplicando esse entendimento, rejeita pedido diame-tralmente oposto a ele, está dispensado, porque o fez de forma implícita, da análise explícita da inconstitucionalidade da Lei 5.021/66, Art. 1º, embora fosse competente para tanto, na forma incidental, ademais de não poder alegar nulidade quem a ela deu causa”9 (os grifos são nossos).

38. Ainda no âmbito do direito administrativo, cumpre destacar relevante acórdão relatado pelo Min. Paulo Medina, no que foi acompanhado pelos Ministros Peçanha Martins, Eliana Calmon e Laurita Vaz, que, além de condenar o Estado à reparação do dano material, condenou-o também ao pagamento de danos morais, por violação ao princípio da boa-fé e confiança:

8 STJ, 4ª Turma, REsp 141.879-SP, Rel. Min. Ruy Rosado Aguiar, LexSTJ, vol. 111, pp. 187 e ss.9 STJ, 5ª Turma, ROMS nº 1883, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ 8.2.1999.

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“O resultado danoso (o desfazimento do contrato e a dor psicoló-gica imputada aos recorrentes) decorrentes do instrumento público falso (nexo causal), estão a autorizar a condenação do Estado, fun-dada na responsabilidade civil deste. Acresça-se que ao Estado incumbe a atuação fundada nos princípios da confiança e boa-fé, que devem pautar todas as relações travadas com os administrados. A conduta que importa violação desses deveres tem nítido caráter de ilicitude. Posto isso, provejo o recurso especial, entendendo cabível no caso a condenação do Estado do Mato Grosso do Sul ao pagamento de danos morais aos recorrentes.” (os grifos são nossos)10

39. Em outra decisão relevante, amplamente divul-gada pela imprensa e no qual funcionamos como advogados, o Superior Tribunal de Justiça, confirmando acórdão do TRF da 1ª Região11, garantiu à empresa de transporte aéreo Varig S/A direito a indenização em decorrência do congelamento das tarifas determinado pelo Poder Concedente, inclusive por força da quebra da confiança depositada pelo particular12. A propó-sito do assunto aqui tratado, registrou o ilustre Min. Luiz Fux, em voto-vista:

“As decisões atacadas privilegiam a segurança jurídica, pilar que sustenta o administrado, posto depositar credibilidade nas leis que regulam o contrato, na legitimidade dos atos do Poder Público e nos contratos que engendra, por isso que rompida a confiança e exurgindo a surpresa lesiva, nasce o dever de indeni-zar, máxime quando estratégias econômicas falham, levando à exaustão econômica setor nobre da economia nacional.”

40. Nessa mesma linha, ao julgar o Recurso Espe-cial nº 300.116, relatado pelo Ministro Humberto Gomes de Barros, no que foi acompanhado pelos Ministros José Delgado

10 STJ, 2ª Turma, REsp 439465, Rel. Min. Paulo Medina, RSTJ 164, p. 142.11 TRF da 1ª Região, Apelação cível nº 96.01.11458-0/DF, Rel. Des. Eliana Calmon, DJ 8.6.1999.12 STJ, 1ª Turma, REsp nº 628.806, Rel. Min. Francisco Falcão, Revista de Direito Renovar, nº 34, p. 156.

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e Francisco Falcão, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu que o “princípiodasupremaciadointeressepúblicosobreopri-vadonãoédeordemabsoluta”, não podendo servir como fun-damento para atos ilegais e arbitrários, em virtude dos princí-pios da boa-fé e da aparência:

“De início, considerou-se a administração, livre para desfazer seus próprios atos, independentemente de qualquer cautela. Bastava a alegação de que o ato malsinado padecia de nulidade. Mais tarde, surgiu a preocupação de se compatibilizar o princí-pio da autotutela da administração com aqueles outros relativos à segurança das relações jurídicas, no resguardo da boa-fé e do próprio interesse público. (...) Percebe-se, assim, que a supremacia do interesse público sobre o privado deixou de ser um valor absoluto. Tal princípio, muitas vezes prestou-se a deformações, servindo de justificativa para implantação de regimes ditatoriais, tor-nou-se necessário temperá-lo com velhas regras do Direito Pri-vado, que homenageiam a boa-fé e a aparência jurídica.”13 (grifos nossos)

41. O mencionado acórdão adotou os fundamentos do parecer ministerial proferido nos autos com os seguintes termos:

“O princípio da legalidade da administração constitui apenas um dos elementos do postulado do Estado de Direito. Tal postulado contém igualmente os princípios da segurança jurídica e da paz jurídica, dos quais decorre o respeito ao princípio da boa-fé do favorecido. Legali-dade e segurança jurídica constituem dupla manifestação do Estado de Direito, tendo por isto, o mesmo valor e a mesma hierarquia.”14

42. Desse modo, há que se reconhecer que, no novo direito administrativo da concessão, ao lado de ideais como

13 STJ, 1ª Turma, REsp nº 300.116, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, RSTJ 154, p. 104.14 O autor do citado parecer é o então Procurador, hoje Ministro Presidente do STF, Gilmar Ferreira Mendes.

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modicidade tarifária e supremacia do interesse público, há também outros princípios fundamentais que precisam ser ponderados, como o da boa-fé, da confiança, da lealdade e da moralidade.

43. Na realidade, muito embora o princípio da supre-macia do interesse público seja axioma frequentemente invo-cado em matéria de concessões, sua definição prática pressupõe a ponderação de uma miríade de aspectos tão grande que, mais recentemente, tem-se questionado a própria utilidade da invo-cação desse princípio na praxis jurídica15.

44. O tema, tanto por sua importância para a ciência jurídica, quanto por sua relevância específica para a solução da questão em análise, aconselha um exame mais detalhado.

V – ATENDIMENTO AO “INTERESSE PÚBLICO”: RESPEITO AOS CONTRATOS OU MODICIDADE TARIFÁRIA?

45. Já se teve oportunidade de sustentar, no campo do direito privado, que é preciso superar a equivocada ideia de que a “função social” ou “interesse social” significa sempre e necessariamente a proteção à parte economicamente mais fraca da relação contratual16. Nem sempre deverá ser favore-cido o contratante débil, pois, como assevera Stefano Rodotá, “aescolhadeveserfeitademodoaassegurarprevaleçaointeressequeseapresentamaisvantajosoemtermosdecustosocial”17.

15 Vide, a esse respeito, a coletânea organizada por Daniel Sarmento, e que conta com con-tribuições dos Professores Alexandre Aragão, Gustavo Binenbojm e Humberto Ávila, Interessespúblicos versusinteressesprivados.Desconstruindooprincípiodasupremaciadointeressepúblico.Rio de Janeiro, Ed. Lúmen Júris.16 Arnoldo Wald,Ointeressesocialnodireitoprivado. Revista Jurídica nº 338, p. 9-23. 17 Stefano Rodotá,LaBuonaFede.In: Guido Alpa e Mario Bessone.Tecnicae controllodeicontrattistandard. Rimini: Maggioli Editore, 1984, p. 115-29.

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46. A mesma premissa de raciocínio vale para o direito público. Não há dúvidas de que promover o “interesse da cole-tividade” é o mister fundamental da Administração Pública e por isso o ente estatal goza de uma série de prerrogativas, inclu-sive a presunção de legalidade dos seus próprios atos. Porém, a definição do que venha a ser “interesse público” não é simples.

47. De fato, no caso do pedágio, sob um prisma res-trito e imediato, pode até parecer que há “interesse público” na redução das tarifas pagas pelos usuários ou até na garan-tia de liberdade ampla, geral e irrestrita de locomoção, com a supressão da cobrança. Uma análise mais criteriosa do assunto, todavia, afasta a seriedade desta conclusão.

48. Certamente, seria ótimo se os cidadãos pudessem dispor de estradas asfaltadas e seguras num simples passe de mágica: de graça ou a baixíssimo custo. A realidade, contudo, não é bem essa. A criação de uma infraestrutura de serviços minimamente satisfatória custa dinheiro. E a história do país demonstra que, caso esses recursos provenham diretamente do Estado, das duas uma: ou o serviço deixa simplesmente de ser prestado ou o custo é financiado por empréstimos tomados junto às instituições financeiras internacionais e pago – princi-pal mais juros – por toda a sociedade.

49. Na realidade, no Brasil, até os anos 80, aconte-ciam as duas coisas: o Estado se endividava e, mesmo assim, não conseguia prestar serviços de forma minimamente satis-fatória. Por longo tempo, pelo menos durante o Estado Novo e até a década de 1980, o Brasil preferiu buscar recursos para custear seus gastos com infraestrutura sob a forma de emprés-timos internacionais, em lugar de incentivar investimentos pri-vados no setor.

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50. Ocorre que, a despeito de a concessão de serviços públicos à iniciativa privada envolver, naturalmente, o custo de se assegurar o lucro dos concessionários, é alternativa que apresenta vantagens incontestáveis sobre a tomada de emprés-timos internacionais para financiamento da atividade estatal. Uma delas é a de que o custo social que representa o lucro dos concessionários (diferentemente do custo dos juros dos empréstimos) só se verifica quando há efetiva prestação do ser-viço, que, desse modo, é necessariamente estimulada. Outra é que tal custo recai apenas em quem se beneficia diretamente do serviço, não na sociedade como um todo, como no caso do financiamento da atividade estatal.

51. Portanto, se a ideia básica do “princípio da supre-macia do interesse público” é o atendimento do interesse de toda a sociedade, da totalidade ou do maior número de interessados, há que se reconhecer que tal princípio não é promovido pelo descumprimento generalizado dos contratos de concessão.

52. De fato, modificações nos contratos de concessão, a despeito dos motivos que a ensejam, invariavelmente acarre-tam ruptura de credibilidade. Alterar os contratos de conces-são, no decorrer de sua vigência, não só viola diversos prin-cípios gerais do direito (como o de que os pactos devem ser cumpridos, da moralidade e da boa-fé), como também acarreta o custo político de diminuir a confiança dos investidores.

53. Essa conduta, se não deixa a Administração total-mente a mercê de interessados, diminui a credibilidade do país, o que acarreta diversos prejuízos para a coletividade. A res-peito, note-se que a recente melhora do Brasil na classificação das agências internacionais de risco StandardandPoor s e FitchRatings– fato amplamente comemorado por trazer inúmeros benefícios à toda a nação (como o barateamento do crédito, a

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atração de investimentos não especulativos e a criação de novos empregos) – levou em consideração justamente a maior serie-dade do país em honrar seus compromissos.

54. Essa seriedade, que vem sendo paulatinamente construída ao longo dos anos, deve-se a vários fatores, inclusive a decisões judiciais relevantes, como as do Superior Tribunal de Justiça reconhecendo que a suspensão do direito à cobrança do pedágio prejudica o próprio usuário e o interesse público que se alegava proteger por lesar os investidores e aumentar o Risco Brasil. A propósito, manifestou-se a Corte Especial do STJ, em aresto relatado pelo eminente Min. Edson Vidigal:

“A equação econômico-financeira é um direito constitucional-mente garantido ao contratante particular (CF, art. 37, XXI). Se as características do contrato não fossem asseguradas, permi-tindo ao Poder Público poderes ilimitados para alterar cláu-sula contratual, o particular não teria interesse em negociar com a Administração. A alteração unilateral do contrato por parte do poder concedente, pois, só é possível mediante a inequívoca demonstração de que a cláusula anteriormente firmada, com o decorrer do tempo, teria passado a afrontar o equilíbrio entre o lucro devido ao contra-tante e o atendimento ao interesse público, e desde que assegura-dos o contraditório e o devido processo legal, o que não se verifica neste caso. (...)O descumprimento de cláusulas contratuais por parte do governo local viola o princípio da segurança jurídica, ins-pira insegurança e riscos na contratação com a Adminis-tração, resultando em graves conseqüências para o inte-resse público, inclusive com repercussões negativas sobre o influente ‘Risco Brasil’.”18

18 STJ, AgRg na Suspensão de Liminar nº 76, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ 20.9.2004. Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça tem suspendido o efeito de liminares que sustam a cobran-ça de pedágio nas rodovias concedidas, com fulcro no art. 4º da Lei nº 8.437/92, para evitar risco à economia pública, como foi feito nos acórdãos da Suspensão de Liminar nº 108-RS, DJ 3.8.2004, e da Suspensão de Liminar nº 34-PR, Rel. Min. Nilson Naves, DJ 20.9.2004.

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55. Em outro julgamento, no qual se debatia a apli-cabilidade da Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso) e de um decreto administrativo que, instituindo vagas destinadas a idosos em transporte interestadual sem indicação da fonte de custeio e de seus critérios, fazia com que as empresas de transporte ficassem sujeitas a arcar com os custos do benefício concedido pela lei, a Corte Especial do STJ, na mesma linha, assentou que:

“Se as características do contrato firmado não fossem assegu-radas, permitindo-se ao Poder Público poderes ilimitados para unilateralmente revê-lo, garantindo a execução de tal isenção sem prévia regulamentação, o particular não mais teria interesse ou segurança para negociar com a Administração. Não há como se concluir, portanto, que a liminar concedida, que apenas determinou a observância do devido processo legal, até que decidida a demanda, possa ferir qualquer dos poderes tute-lados pela Lei 4.348/64, art. 4º. Fazê-lo seria, desde logo, admitir unilateral alteração no próprio contrato, ofendendo-se, assim, o princípio da segurança jurídica, de forma a inspirar insegurança e riscos na contratação com a Administração, resultando em graves conseqüências para o interesse público, inclusive com repercussões negativas sobre o influente “Risco Brasil”19.

56. Portanto, a análise do que seja “interesse público” deve ser feita dentro de uma visão geral, sistêmica e dilatada. A invocação do interesse público, no plano do direito adminis-trativo, não equivale a uma espécie de ação afirmativa em prol do usuário do serviço. Há um interesse público – mais geral e mais amplo – no respeito ao contrato que se contrapõe ao interesse imediato de pagamento de uma tarifa mais baixa.

19 STJ, CE, AgRg SS 1411, Rel. Min. Edson Vidigal, RSTJ nº 188, p. 95. Na decisão mono-crática desafiada pelo agravo regimental que deu origem a esse acórdão, o Min. Edson Vidigal pontuou, com muita pertinência:“IstoporqueumPaíscomoonosso,comtantosproblemascomoodasonegaçãofiscal,dacorrupçãocomodinheiropúblico,odasevasõesinconfessáveisdebilhõesdedólaresparaosescaninhosilícitosdosparaísosfiscais,umPaístãoprecisadodeinvestimentosexternosindispensáveisaoenfrentamentododesempregoeprecisadodedesenvolvimentoeconômico,nãopodecochilarespecialmentenessetemaderespeitoaoscontratos.”

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57. Não por outra razão, na própria sistemática legis-lativa, a modicidade da tarifa não é a única, nem a principal finalidade a ser perseguida. Veja-se o teor do dispositivo que consagra tal princípio na Lei nº 8.987/97:

“Art. 6º (...)§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atuali-dade, generalidade, cortesia na sua prestação e modici-dade das tarifas.”

58. Como se vê, o próprio legislador não trata a modi-cidade tarifária como um fim em si mesmo; trata-a como um dos objetivos da política tarifária, ao lado de outros postulados relacionados à garantia de acesso e de qualidade do serviço. Note-se, nesse sentido, que a própria lei prevê outro mecanismo de promoção do ideal de modicidade das tarifas, que não passa pela usurpação ou redução da rentabilidade do concessionário:

“Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o Poder Concedente prever, em favor da conces-sionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei.”

59. Na realidade, como já se pode perceber e será visto melhor a seguir, a modicidade tarifária é um comando que se aplica ao administrador nomomentodalicitação, na fixação das condições das propostas e respectiva escolha da que lhe é mais vantajosa. Não é uma carta branca para que a Administração altere os contratos que estejam em vigor. Estes, pelo próprio conjunto de normas a que sua celebração deve obediência, são presumivelmente módicos.

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60. Com efeito, se a modicidade tarifária é finali-dade que preside a própria elaboração do edital (onde o Poder Público pode prever “outrasfontesprovenientesdereceitasalter-nativas,complementares,acessóriasoudeprojetosassociados” em favor da concessionária, consoante o art. 11 da Lei de Con-cessões já transcrito), a proposta vencedora da licitação e, via de consequência, materializada no contrato, é a que melhor espelha, dentre as existentes, o equilíbrio ideal entre os diversos valores perseguidos pelo constituinte e pelo legislador, inclu-sive o de modicidade tarifária.

61. Desse modo, parece-nos que nem a tutela do ines-pecífico “interesse público”, nem o objetivo geral de “modi-cidade tarifária” são fundamentos jurídicos suficientes para a alteração dos contratos de concessão de rodovias em vigor, em detrimento de outros princípios e valores fundamentais, como boa-fé, confiança e moralidade administrativa, que devem pautar a conduta estatal, como visto acima.

62. Resta assim saber se o “princípio do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão” autorizaria a pretendida alteração. Este é o tema que será abordado no tópico a seguir.

VI – EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS CONTRATOS DE CONCESSÃO

63. Equilíbrio econômico-financeiro da concessão é noção que remonta à teoria francesa da imprevisão, bem como à jurisprudência norte-americana, que consagrou a razoabili-dade e a lealdade que deve presidir a fixação das tarifas ( fair return, fairnessinratemakingpower).

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64. As Constituições brasileiras de 1934 (art. 137), de 1937 (art. 147) e de 1946 (art. 151) asseguravam aos conces-sionários o direito a revisão de tarifas, a fim de que seus lucros (“ justa remuneração do capital”) permitissem-lhes atender às necessidades de melhoramentos e expansão desses serviços. Nada obstante não fosse claro, os administrativistas da época já extraiam dessa cláusula constitucional o conceito de equilí-brio econômico-financeiro do contrato20, que seria explicitado na Constituição de 1967 (art. 160), na Emenda Constitucional nº 1/69 (art. 167) e na legislação ordinária21.

65. A Constituição de 1988, porém, se referiu a “equi-líbrioeconômicoefinanceiro” da concessão. Nada obstante, é pacífico que tal garantia ainda tem sede constitucional. Alguns autores entendem que ela está implícita na “política tarifária”, prevista no art. 175, III, p. ún., que deve ser equilibrada22. A maioria, entretanto, reconhece que a garantia do equilíbrio econômico-financeiro é consagrada, mais especificamente, pelo art. 37, inciso XXI (o que, inclusive, lhe confere extensão ainda maior, pois se tornou explicitamente aplicável a todos os contratos administrativos e não somente à concessão23).

20 Nesse sentido, comentando a Constituição de 1946, Caio Tácito afirmou que: “A doutrina ou a jurisprudência nacionais não foram, ainda, mobilizadas para a exegese construtiva do pre-ceito constitucional. Os comentadores à lei fundamental não vão além das apreciações gerais, na compreensível expectativa de que a lei ordinária especifique critérios e medidas sobre o regime dos serviços públicos concedidos. Decorre, no entanto, diretamente, da norma constitucional, a consagração inequívoca do princípio do equilíbrio financeiro da concessão de serviço público.” (DireitoAdministrativo, São Paulo: Saraiva, 1975, p. 246). 21 Quando elaborado o texto do Decreto-lei nº 2.300/86, o Consultor Geral da República, Dr. Saulo Ramos, salientou na exposição de motivos que nele se consagrava o princípio do equilíbrio econômico-financeiro, afirmando que: “Os poderes de controle e direção da Administração Pú-blica, na execução dos contratos, constituem um aspecto expressivo que atende à necessidade de satisfazer os interesses coletivos, tornando o particular contratado um real colaborador do serviço público. Assim, o projeto dispõe sobre a alteração unilateral da situação jurídico-contratual, no que pertine às cláusulas regulamentares ou de serviço, respeitada, sempre, equação econômico-financeira do contrato, vale dizer, ‘aequivalênciarazoávelentreasobrigações,atendidaáleaordiná-riadocontrato’.”22 Hely Lopes Meirelles, Licitaçãoecontratoadministrativo, 11ª ed., São Paulo: RT, p. 167.23 Entre as várias decisões que versaram a matéria, destaca-se acórdão sobre pedido de indeni-zação por quebra do equilíbrio econômico-financeiro feito pela empresa aérea Transbrasil S/A,

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66. Dispõe referido dispositivo, in verbis:

“Art. 37 (...)XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, os serviços, compras e alienações serão contratados mediante pro-cesso de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qua-lificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cum-primento das obrigações”. (grifamos)

67. De acordo com a norma acima transcrita, nas concessões devem ser preservadas, até o término do contrato, as condições previstas na proposta que se sagrou vencedora da licitação – condições estas que consubstanciam uma relação entre, de um lado, os encargos do contratante e, de outro, a retribuição que lhe é assegurada. É justamente essa relação que se denomina equação ou equilíbrio econômico-financeiro24.

proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no qual foi relator o então Juiz Vicente Leal (RevistaForense, v. 319, jul./set. 1992, p. 141): “A Constituição Federal de 1967, sob a redação da Emenda nº 1/69, assegurava, nos contratos de concessão de serviços públicos, a manutenção do equilíbrio econômico e financeiro do pacto, por meio da fixação de tarifas reais, suficientes, inclusive, para a justa remuneração do capital e a expansão dos serviços (art. 167, II). O mesmo princípio, com maior abrangência, encontra-se esculpido no artigo 37, XXI, da nova Carta Po-lítica.”. Mencionada decisão foi objeto de Recurso Extraordinário da União Federal, do qual o Supremo Tribunal Federal, pela sua 1ª Turma, não conheceu, em decisão unânime de 17.06.97, sendo relator o Ministro Octávio Gallotti (RecursoExtraordinário nº 183.180, RevistadeDireitoAdministrativo, v. 224, abr./jun. 2001, p. 392 e ss.).24 Na síntese de Hely Lopes Meirelles, equilíbrio econômico-financeiro da concessão “é a re-lação que as partes estabelecem inicialmente no ajuste,entreosencargosdocontratanteearetri-buiçãodaAdministração,paraajustaremuneraçãodoseuobjetivo” (EstudosePareceresdeDireitoPúblico,São Paulo, Revista dos Tribunais, 1981, v. 3, p. 275). É sempre bom lembrar que, não obstante a doutrina e a jurisprudência brasileiras dominantes considerem que as duas expressões se equivalem, há uma diferença entre equilíbrio econômico e financeiro da equação contratual. Na realidade, coube ao Professor Mario Henrique Simonsen – doublé de economista e (eventualmen-te) de jurista – fazer a distinção entre os dois aspectos da garantia constitucional, sustentando que a equação econômica se refere ao lucro, ou seja, à rentabilidade global que o concessionário deve auferir em virtude da concessão, enquanto que a equação financeira significa a manutenção das entradas (inputs) e saídas (outputs) dos recursos financeiros no patrimônio do concessionário, na forma e no ritmo inicialmente previstos no contrato. A distinção tem efeitos práticos da maior importância, pois enseja como consequência necessária, a abrangência, em eventual indenização devida por mora do Poder Público, não só dos juros legais, mas também dos juros de mercado, que são, em geral, muito superiores.

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68. O princípio da preservação do equilíbrio econô-mico-financeiro foi reafirmado na legislação ordinária, mais especificamente nos arts. 9º e 10 da Lei nº 8.987/95 (Lei de Concessões), e no art. 65, II, d, da Lei nº 8.666/93, in verbis:

“Art. 9o A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato.§ 1o A tarifa não será subordinada à legislação específica anterior e somente nos casos expressamente previstos em lei, sua cobrança poderá ser condicionada à existência de serviço público alterna-tivo e gratuito para o usuário. § 2o Os contratos poderão prever mecanismos de revisão das tarifas, a fim de manter-se o equilíbrio econômico-finan-ceiro.§ 3o Ressalvados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresen-tação da proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa, para mais ou para menos, conforme o caso.§ 4o Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder conce-dente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração.

Art. 10. Sempre que forem atendidas as condições do contrato, considera-se mantido seu equilíbrio econômico-financeiro.”

“Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: (...)II - por acordo das partes:(...)d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram ini-cialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econô-mico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incal-culáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando área econômica extraordinária e extracontratual;”

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69. É crucial observar, para o tema em análise, que, nos termos expressos do Texto Constitucional e da legisla-ção ordinária, a equação econômico-financeira da concessão é fixadanomomentodapropostaedarespectivacontratação, e deve ser preservada pelas regras de revisão previstas na lei, no edital e no contrato.

70. Por isso, ao lado da acepção genérica de justa cor-respondência entre as contraprestações (ou da “equivalência honesta” a que se refere o direito francês)25, a garantia da equa-ção econômico-financeira tem também, no direito brasileiro, uma acepção específica, que é a da intangibilidadedascondiçõesdaproposta.

71. Pode-se dizer, desse modo, que assim se combi-nam as duas regras constitucionais sobre o tema: a equação econômico-financeira da concessão é aquela instituída no momento da proposta, não podendo sofrer redução (art. 37, XXI), estando a política tarifária (art. 175, p ún., III) sujeita à sua manutenção.

72. A garantia da intangibilidade das condições da proposta relativiza o poder da Administração de alterar uni-lateralmente os contratos. Restringe a alterabilidade unilateral do contrato administrativo aos aspectos regulamentares ou de execução, resguardando os aspectos econômico-financeiros. A

25 O princípio do equilíbrio econômico-financeiro do contrato no direito francês tem origem na jurisprudência do Conselho de Estado, datada de 1910, quando Léon Blum defendeu a consa-gração, pelo tribunal administrativo, da idéia de que deveria ser mantida, entre as partes contra-tantes, o que ele denominou “équivalence honnête”. E essa equivalência honesta seria assegurada justamente pela “manutenção das bases do acordo, a equivalência financeira e comercial que nele foi (inicialmente) consagrada.” (Conclusões de Léon Blum, de 11.3.1910 no caso MinistériodasObrasPúblicas contra CompagnieGénéraleFrançaisedeTramways, julgado na França pelo Con-selho de Estado. In: Charles Debbasch e Marcel Pinet, LesGrandsTextesAdministratifs, Sirey, 1970, p. 331).

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propósito, o art. 58, I, da Lei nº 8.666/93 ressalva expressa-mente que:

“Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos insti-tuído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às fina-lidades de interesse público, respeitados os direitos do contra-tado;§ 1o As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado.”

73. A equação econômico-financeira original não pode ser alterada, na realidade, nem pela autoridade admi-nistrativa nem pelo próprio legislador, sob pena de violação não só do art. 37, XXI, mas também do art. 5º, XXXVI, da Constituição (já que o direito à manutenção das condições da proposta constitui um direito adquirido do concessioná-rio), e do próprio art. 1º, caput, por importar quebra da segu-rança jurídica, valor fundamental do Estado de Direito.

74. Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal, ao asse-gurar à empresa aérea Transbrasil S/A direito à indenização por quebra do equilíbrio econômico-financeiro (julgamento este que foi leading case na matéria), expressamente reconheceu que: “nemhaveriadeseraobservânciadeumdecreto-leiexcusaválidaparaodescumprimentodagarantiaconstitucional” (STF, 1ª Turma, RE nº 183.180, Rel. Min. Octávio Gallotti, RevistadeDireitoAdministrativo, v. 224, p. 407).

75. Pois bem. Se, consoante a letra expressa da pró-pria Constituição, as condições da proposta (dentre as quais se incluem as taxas de rentabilidade asseguradas aos concessioná-rios) devem ser mantidas até o término do contrato, é imperioso concluir que o princípio do equilíbrio econômico-financeiro,

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além de não facultar a alteração dos contratos de concessão de rodovias firmados na década de 90, até mesmo a veda.

76. O princípio do equilíbrio econômico-financeiro da concessão, em particular na sua acepção de intangibilidade das condições da proposta, é, ao lado dos princípios da boa- fé, da confiança e da moralidade administrativa, uma garantia do concessionário contra as aventadas alterações. Tal garan- tia obriga a Administração a, necessariamente, respeitar a con-fiança daquele que optou por contratar com o Poder Público, diante de uma expectativa de lucro.

VII – CONCLUSÃO

77. Ante todo o exposto, conclui-se que o bom resul-tado dos últimos leilões para a concessão dos serviços de explo-ração de rodovias brasileiras deve ser amplamente comemo-rado, mas as condições das propostas vencedoras não podem servir de pretexto para a alteração dos contratos firmados na década de 90. E isso por dois motivos que se complementam e não se confundem.

78. O primeiro é que, em matéria de rodovias, cada trecho concedido à exploração tem suas peculiaridades, que variam em função de vários fatores: desde a política adotada por cada poder concedente (que pode ou não exigir ônus de outorga, por exemplo), até a demanda específica por investimen-tos de cada rodovia (necessidade ou não, v.g., de realização de obras complementares). Assim sendo, é extremamente impre-cisa a simples comparação numérica entre valores do pedágio cobrado em cada trecho.

79. O segundo motivo, por sua vez, é de cunho estri-tamente jurídico. As concessões de serviços públicos, no regime

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constitucional em vigor, têm um caráter contratual inviolável. Isso significa que a alteração desses contratos só pode se dar nos casos e na forma previstos na lei ou no próprio instrumento, e não com base na simples invocação do princípio da modici-dade tarifária ou na abstrata supremacia do interesse público.

80. A modicidade tarifária não é um fim em si mesmo, mas um dos vários objetivos a serem observados pelo Poder Concedente na elaboração do edital, não servindo, assim, como justificativa concreta para alteração unilateral dos con-tratos pela Administração. Por outro lado, o que venha a ser interesse público, nesse caso, é altamente questionável. Se, em princípio, parece haver interesse público na redução das tarifas cobradas dos usuários de rodovias, há que se reconhecer, como visto acima, que há um interesse público ainda maior no res-peito aos contratos firmados com investidores privados.

81. Ademais, ao lado desses conceitos, há também outras normas que precisam ser observadas e ponderadas, como os princípios da boa-fé, confiança, lealdade e moralidade admi-nistrativa, bem como a garantia constitucional do equilíbrio econômico-financeiro da concessão, que, como visto acima, ao invés de autorizar uma revisão dos contratos, como poderia se supor precipitadamente garante, ao contrário, a preservação até o término da concessão das condições da proposta vencedora da licitação (dentre elas a taxa de rentabilidade).

82. Portanto, modificar as regras pré-estabelecidas para as concessões anteriores é lesar injustificadamente aqueles que fizeram vultosos investimentos no país mesmo diante de cenário incerto e ainda frágil da economia nacional.

83. Convém notar, sob esse prisma, que o investi-mento no país há 10 anos atrás era certamente muito mais

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arriscado do que é hoje. E, como se sabe, quanto maior o risco, maior deve ser a taxa de rentabilidade oferecida para atrair o capital. Logo, se as taxas de lucros das concessões anteriores efetivamente se demonstram superiores às que têm sido estipu-ladas nas contratações recentes, não terá sido por negligência ou descuido do Poder Concedente, mas sim para atender ao objetivo – legítimo – de atrair, na época, o investidor.

84. A propósito, é importante notar que os candidatos só conseguem apresentar propostas menos custosas hoje por se beneficiarem do conhecimento técnico, do mercado de trabalho e de fornecedores, bem como da credibilidade financeira cons-truídos a partir das concessões firmadas na década de 90. Para que esse e outros setores da economia continuem a se desenvol-ver, em benefício da própria coletividade, é preciso manter-se o ambiente de segurança jurídica e de respeito aos contratos.

***

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Consulta formulada pela Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias – ABCR sobre a legalidade do Edital de Concorrência n° 001/2008, da Agência Nacio-nal de Transportes Terrestres – ANTT, que tem por objeto a concessão para exploração do Sistema Rodoviário das BR’s 116 e 324, no Estado da Bahia.

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CONSULTA

A Associação Brasileira de Concessionárias de Rodo-vias – ABCR, por intermédio de seus ilustres mandatários Tojal, Teixeira Ferreira, Serrano & Renault – Advogados Associados, formula consulta sobre a legalidade do Edital de Concorrência n° 001/2008 (republicado em 19/12/2008), da Agência Nacio-nal de Transportes Terrestres – ANTT, que tem por objeto “a concessãodoserviçopúblicoderecuperação,operação,manutenção,conservação,implantaçãodemelhoriaseampliaçãodecapacidadedoSistemaRodoviário” das BR’s 116 e 324, no Estado da Bahia.

Esclarece a consulente que considerou necessária a interposição de Ação Declaratória de Nulidade, “emquesebuscaaprestaçãojurisdicionalnosentidodequeoEditaleatosadminis-trativosinstituídospelaAgênciaNacionaldeTransportesTerrestresnoâmbitodoprocedimentodelicitaçãoreferenteàConcorrêncian°01/2008sejamdeclaradosnulos”.

As ilegalidades apontadas em sua petição inicial refe-rem-se, basicamente, a:

a) o Plano de Negócios, a ser apresentado pelas licitan-tes, não contém os elementos necessários a que seja analisada objetivamente a exequibilidade de suas propostas econômicas;

b) o Edital admite que “novosinvestimentosinicialmen-tenãoprevistosserãoremuneradossemlevaremcontaarelaçãoetaxaderetornoexpressosnoPlanodeNegó-cios”; e

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c) é ilegal a “previsãodomecanismodenominado‘Descon-todeReequilíbrio’,peloqualsepretendeodescontodaremuneraçãodoconcessionárioemrazãododescumpri-mentodemetasdequalidadeprevistasnocontrato”.

Solicita-me a consulente emitir opinião sobre o assunto, para o que junta os elementos necessários à sua melhor compreensão (cópia do Edital, da minuta de contrato, da petição inicial e outros documentos) e formula os seguintes Quesitos:

1. O Edital contém critérios objetivos para avaliação da consistência interna e da razoabilidade das estimati-vas realizadas no Plano de Negócios a ser apresenta-do pelas licitantes? Caso negativo, a ausência desses critérios afronta o princípio do julgamento objetivo, caracterizando, assim, ilegalidade do Edital?

2. O retorno esperado pela concessionária, quando da formulação e apresentação de sua proposta, pode ser alterado ao longo da duração da concessão? Essa alteração é compatível com a manutenção do equi-líbrio econômico-financeiro inicial do contrato, as-segurada pela Constituição e pela Lei?

3. O “Desconto de Reequilíbrio”, previsto no Edital, tem respaldo legal?

Passarei a emitir a opinião solicitada.

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PARECER

1. Nota Introdutória

O ordenamento jurídico brasileiro está construído em três escalões. No topo, as normas constitucionais. No segundo escalão, as normas legais. No terceiro, os atos administrativos, decisões judiciais e negócios jurídicos. Os atos administrativos – entre os quais os edi-tais de licitação – têm seu fundamento de validade nas normas legais. Daí o princípio da legalidade, explicitamente previsto no “caput”do art. 37 da Constituição da República.

As concessões de serviço público são reguladas, no Brasil, pelas Leis 8.987 e 9.074, ambas de 1995 e de caráter nacio-nal. Naquilo que não conflita com as normas dessas duas leis, aplica-se, às licitações para concessão de serviço público, a “ legis-laçãoprópria” (art. 14 da Lei 8.987/95). Essa legislação própria é a Lei 8.666/93, que dispõe, no art. 124:

“124.Aplicam-seàslicitaçõeseaoscontratosparapermissãoouconcessãodeserviçospúblicos,osdispositivosdestaLeiquenãoconflitemcomalegislaçãoespecíficasobreoassunto.”

As questões referentes à legalidade das normas do refe-rido edital devem ser, portanto, analisadas à luz desse esquema constitucional e legal. É o que farei a seguir.

2. A política tarifária nas concessões de serviço público

No art. 175, a Constituição da República, ao regular as concessões e permissões de serviço público, determina em seu pará-grafo único que “Aleidisporásobre...III–políticatarifária”.

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Sobre o assunto, escrevi em estudo publicado na revista Regulação Brasil, da ABAR-Associação Brasileira de Agências de Regulação (Revista n° 1, Ano 1, 2005, pp. 7/21):

“ApolíticatarifárianasconcessõesdeserviçopúblicofoiestabelecidapelasLeis8.987e9.074,ambasde1995,emcumprimentoaoart.175,incisoIII,daConstituição.Nãocompeteàsagênciasregulado-ras formularessapolítica,limitando-seelasaexecutá-las.

A política tarifária estabelecida pela legislação repousa naequaçãoeconômicadocontratodeconcessão,queabrange,deum lado, a receita tarifária e as receitas alternativas, com-plementares, acessórias ou de projetos associados, com vistaàmodicidadeda tarifa (art.11daLei8.987), e,dooutro,oscustos,oônusdaconcessão(nocasode licitaçãodemaioroferta),aamortizaçãodosinvestimentosefetuadospelaconces-sionáriaeolucro.Tudoissoestárelacionadocomoprazodaconcessão,quesenãointegraé,pelomenos,parâmetroparaafixaçãodaequaçãoeconômicadocontrato.Essasituaçãopodeserassimgraficamenteexposta:

EQUAÇÃO ECONÔMICA DA CONCESSÃO

•Remuneraçãoaopoderconcedente pela outorga da concessão (quando for o caso)

•Custos

•Amortizaçãodosinvestimentos efetuados

•Lucro

•Receitatarifária(atarifapoderesultar da proposta, ou ser fixada pelo poder concedente)

•Receitasalternativas,complementares, acessórias ou de projetos associados (com vista a favorecer a modicidade da tarifa)

Prazo da Concessão

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Aequaçãoeconômicadocontratodeconcessãoémantidamediante reajuste de tarifas.Quando surge fato superveniente eimprevisível,contidonaálea extraordináriadaconcessão(FatodaAdministração,FatodoPríncipeouTeoriadaImprevisão),caberever ou recomporocontratoembenefíciodaconcessionária.Háváriosmecanismospossíveisderevisãoourecomposiçãodaequaçãoeconômicadesbalanceada,inclusiveomenosdesejávelemaisproble-mático,queéoaumentodatarifa.Assim:

POLÍTICA TARIFÁRIA E PRESERVAÇÃO DA EQUAÇÃO ECONÔMICA DA CONCESSÃO

REAJUSTE – Tem por função assegurar a manu-tenção da equação econômica inicial docontrato

REVISÃO – Temporfunçãorestabeleceraequaçãoeconômicainicialdocontrato

• RevisãoPeriódica

• RevisãoEventual -FatodaAdministração -FatodoPríncipe -TeoriadaImprevisão”

A legislação, ao estabelecer a política tarifária das con-cessões de serviço público, abandonou o modelo anterior de tarifa pelo custo, para adotar o de tarifa pelo preço. O modelo de tarifa pelo custo, aplicado especialmente no setor de ener-gia elétrica, correspondia, em linhas gerais, a um contrato por administração. A concessionária, juntamente com o poder con-cedente, calculava o custo da prestação do serviço, direto e indi-reto, acrescido de uma remuneração incidente sobre o custo apu-

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rado. No modelo de tarifa pelo preço, a concessionária exerce o serviço por sua conta e risco, como está explicitado no art. 2°, inciso III, da Lei 8.987/95.

Essa inovação foi salientada em documento intitulado “ConcessõesdeServiçosPúblicosnoBrasil”, publicado e distribuído pela Presidência da República em abril de 1995, em que se dizia: “(...)noqueserefereàpolíticatarifáriaparaasnovasconcessões,seráabandonadaaregradetarifaçãoquegaranteumaremuneraçãofixacalculadacombasenoscustostotaisincorridos–oqueincentivavaaineficiênciadasempresas” (p. 21).

Note-se que o regime de administração era previsto pelo Decreto-lei 2.300/86, em seu art. 9°, inciso II, alínea “c”, para contratação de obras e serviços. O Projeto de Lei 1.491, do qual resultou a Lei 8.666/93, manteve esse regime no art. 10, inciso II, alínea “c”. Esse dispositivo foi, porém, vetado pelo Presidente da República, com o argumento de que “envolveaassunçãodeeleva-díssimos riscos pelaAdministração”. Nas razões do veto, dizia-se, ainda, que “esseregimedeexecuçãointeressaaocontratado,queseremuneraàbasedeumpercentualincidentesobreoscustosdoqueéempregadonaobraouserviço,tornaressescustososmaiselevadospos-síveis,jáque,assim,tambémosseusganhosserãomaximizados”. O Congresso Nacional tentou reintroduzir esse regime de execução ao aprovar o Projeto de Lei de Conversão n° 10, do qual resultou a Lei 8.883/94. Mas ele foi novamente vetado. As razões do veto foram desarrazoadas, já que se partiu da presunção de má-fé por parte do contratado. Mas é inegável que o regime de administração contratada eliminava o risco do contratado, pelo que mesmo não tivesse ele sido vetado seria incompatível com o regime estabele-cido na Lei 8.987/95, que atribui o risco à concessionária, embora minimizando-o na hipótese de álea extraordinária.

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Vale dizer: a política tarifária adotada pela legislação em vigor não assegura, em termos absolutos, a manutenção ou restabelecimento da equação econômico-financeira inicial do contrato de concessão. Atribui à concessionária uma margem de risco, qual seja, o risco do negócio. Isso está em acordo com a distinção tradicional, efetuada pela doutrina administrativista, entre álea ordinária e álea extraordinária.

Pode dizer-se, portanto, que a equação econômico-financeira inicial do contrato deve ser mantida, desde que não ocorra fato superveniente, imprevisível e extraordinário que provoque seu desbalanceamento. Como diz o art. 10 da Lei 8.987/95:

“Art.10.Semprequeforematendidasascondiçõesdocontrato,considera-semantidoseuequilíbrioeconômico-financeiro.”

Essa norma diz o óbvio. A rigor seria desnecessá-ria, embora a experiência demonstre que às vezes não deixa de ser útil a lei explicitar o óbvio, para afastar equívocos con-ceituais que costumam ser cometidos por seus intérpretes e aplicadores.

A este passo, volto a meu estudo publicado na Revista da ABAR. Intangível não é o contrato de concessão – espécie de contrato administrativo – mas sua equação econômico-financeira inicial. Mais explicitamente: intangível é o retorno esperado pela concessionária quando formulou sua proposta. Mas essa afirmação ainda não abrange todos os aspectos da questão. É necessário acen-tuar que essa intangibilidade somente se põe diante da ocorrência de fatos supervenientes, imprevisíveis e extraordinários. Convém deixar mais clara essa colocação, distinguindo os conceitos econô-mico e jurídico do desequilíbrio econômico-financeiro.

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3. Conceitos econômico e jurídico do desequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão

Os contratos administrativos, entre os quais o de concessão de serviço público, podem ser desequilibrados eco-nômica ou financeiramente sem que isso faça surgir o dever jurídico da parte beneficiada de recompor a equação inicial e o correspondente direito da parte prejudicada a essa recom-posição. A concessionária pode gerir mal sua atividade. Inflar seus custos. Perder produtividade. Ou podem ocorrer fatores externos, como, no caso de concessão de rodovias, a redução no volume do tráfego em desacordo com o previsto. Nessas situa-ções, a concessionária não tem direito à recomposição do equilí-brio inicial. Configura-se o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato, mas isso sob a ótica econômica. O desequilíbrio somente se caracteriza como jurídico se tiver sido causado:

a) por um Fato da Administração, como alteração unilateral do contrato ou descumprimento de obri-gações contratuais pelo contratante;

b) por um Fato do Príncipe, como aumento ou redu-ção de tributos ou alteração de política cambial;

c) por um fato incluído na chamada Teoria da Im-previsão, como força maior ou caso fortuito, in-terferências imprevistas (“sujétions imprévues”), surgimento de rotas de fuga de pedágio (no caso de

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rodovias) ou incorporação de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associa-dos, surgidas durante a execução do contrato (art. 11 da Lei 8.987/95).1

Esses fatos devem ser imprevisíveis (ou previsíveis mas de consequências incalculáveis) e caracterizar-se como extraordi-nários (incluídos na álea extraordinária).

O direito – e correspondente dever – à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato adminis-trativo é assegurado pela Constituição da República no art. 37, que enuncia os princípios a serem observados pela Administração Pública e determina, no inciso XXI, que sejam “mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei” (grifei).

Veio a Lei 8.666/93, no art. 65, inciso II, alínea “d”:

“Art.65.Oscontratosregidosporestaleipoderãoseralterados,comasdevidasjustificativas,nosseguintescasos:

.................................................................................

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram ini-cialmenteentreosencargosdocontratadoearetribuiçãodaAdministraçãoparaajustaremuneraçãodaobra,serviçooufornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio eco-nômico-financeiroinicialdocontrato,nahipótesedesobrevi-remfatosimprevisíveis,ouprevisíveisporémdeconsequênciasincalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução doajustado,ouainda,emcasodeforçamaior,casofortuitoou

1 O art. 11 da Lei 8.987/95 dispõe que essas receitas extraordinárias devem ser previstas no edi-tal. Quando isso ocorre, elas integram a equação econômico-financeira inicial da concessão. Mas podem não ser previstas desde logo. Seria desarrazoado sustentar que em um contrato de longa duração, como a concessão de serviço público, essas receitas não pudessem ser adotadas quando surgidas na etapa de execução do contrato. Sustentei esta opinião no meu “ConcessãodeServiçoPúblico” (2ª edição, revista, atualizada e ampliada, São Paulo, Malheiros, 2002, pp. 50 e 97).

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fatodopríncipe,configurandoáleaeconômicaextraordináriaeextracontratual.”

No mesmo sentido, os §§ 3° e 4° do art. 9° da Lei 8.987/95 e o art. 35 da Lei 9.074/95:

Lei8.987/95,art.9°:

“§3°.Ressalvadososimpostossobrearenda,acriação,altera-çãoouextinçãodequaisquertributosouencargoslegais,apósaapresentaçãodaproposta,quandocomprovadoseuimpacto,implicaráarevisãodatarifa,paramaisouparamenos,con-formeocaso.

§4°.Emhavendoalteraçãounilateraldocontratoqueafeteoseuinicialequilíbrioeconômico-financeiro,opoderconcedentedeverárestabelecê-lo,concomitantementeàalteração.”

Lei9.074/95,art.35:

“Art.35.Aestipulaçãodenovosbenefíciostarifáriospelopoderconcedenteficacondicionadaàprevisão,emlei,daorigemdosrecursos ou da simultânea revisão da estrutura tarifária doconcessionáriooupermissionário,deformaapreservaroequi-líbrioeconômico-financeirodocontrato.”

O raciocínio puramente econômico conduz a um equí-voco conceitual. Não se pode negar que o desequilíbrio é sempre econômico ou financeiro. Mas para que dele decorra um dever da parte beneficiada de recompor a equação inicial do contrato – e um correspondente direito da parte prejudicada a essa recomposição – é necessário que seja juridicamente qualificado. E isso está em harmonia com o esquema legal de tarifa pelo preço, que atribui à concessionária o risco do negócio (álea ordinária).

Sintetizando:

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A. A política tarifária estabelecida pela Lei 8.987/95 para as concessões de serviço público é a de tarifa pelo preço, e não a de tarifa pelo custo.

B. Coerentemente, a lei atribui à concessionária o risco do negócio, contido na chamada álea ordinária, ex-cetuando o risco pelo desequilíbrio econômico-finan-ceiro do contrato provocado por fatos supervenientes, imprevisíveis (ou previsíveis mas de consequências incalculáveis)e extraordinários.

C. O contrato pode estar desequilibrado econômica ou financeiramente, sem que surja o dever jurídi-co de ser reequilibrado pela parte beneficiada, e o correspondente direito da parte prejudicada a essa recomposição. Esse dever somente existe nos casos em que o desequilíbrio é provocado por um Fato da Administração, um Fato do Príncipe ou um fato incluído na Teoria da Imprevisão. O conceito jurídico de desequilíbrio econômico-financeiro do contrato pressupõe o fato econômico, mas somente aquele juridicamente qualificado como desequili-brador de sua equação inicial, nos termos da legis-lação vigente. Sem essa qualificação, o desequilí-brio resulta do risco do negócio, a que está sujeita a concessionária de acordo com o art. 2°, inciso III, da Lei 8.987/95.

4. Análise do edital da ANTT

Até este ponto discorri sobre aspectos conceituais indis-pensáveis à apreciação da legalidade do edital sob exame. A partir de agora, passarei a analisá-lo.

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4.1. Critérios de avaliação do Plano de Negócios

A apresentação, pelas licitantes, do Plano de Negócio tem dois objetivos:

a) verificar a consistência da proposta vencedora, ou, em outras palavras, a coerência entre a concepção do empreendimento contida no Plano e a tarifa propos-ta; e

b) servir de base para a constatação de eventual dese-quilíbrio econômico-financeiro ao longo da duração do contrato.

Na etapa da licitação, a análise do Plano de Negó-cios é indispensável para formar juízo sobre a exequibilidade da proposta. Isso está claro no item 3.10.2 do Anexo 16 do Edital (“TermodeReferênciadoPlanodeNegócios”):

“3.10.2.Paratanto,osPLANOSDENEGÓCIOSdeve-rãoretratar:

a) consistênciainterna,de formaapermitirqueseprocedaa análise de coerência entre as diferentes previsões feitasquantoaomontanteecalendáriodeinvestimentosedes-pesasoperacionaiseasreceitas,financiamentonecessárioefontesdefinanciamentos;

b) razoabilidade das estimativas realizadas, de modo quepossam seranalisadasa tarifaproposta e sua exeqüibili-dade, a conseqüente receita proveniente do pedágio e asjustificativaspertinentes,aparticipaçãodoendividamentono financiamento dos investimentos e a exeqüibilidadeeconômico-financeiradoempreendimento.”

Nos itens anteriores desse Anexo 16, está dito o que

deve conter o Plano de Negócios e como deve ele ser preenchido

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pelas licitantes. Mas não está dito como ele deve ser avaliado. Vale dizer: não estão definidos os critérios para verificação da consistência da proposta, ou seja, não estão definidos os critérios para apurar se a proposta de menor tarifa guarda coerência com a concepção do empreendimento. Assim, não estão definidos critérios para determinar se essa proposta é exequível.

A Lei 8.987/95 é clara, no § 3° do art. 15:

“§3°Opoderconcedenterecusarápropostasmanifestamenteinexeqüíveisoufinanceiramenteincompatíveiscomosobjeti-vosdalicitação.”

Mesmo que o Plano de Negócios contenha todos os elementos necessários à verificação da exequibilidade da pro-posta, está faltando a explicitação dos critérios que deverão levar a ANTT a considerar uma proposta exequível ou inexequível. Assim, não é que o Edital não contém critérios suficientemente objetivos para que o poder concedente aceite ou não a proposta de menor tarifa. Simplesmente eles não existem, o que torna a decisão da ANTT totalmente subjetiva. Não se pode falar, por-tanto, em decisão contida na margem de discricionariedade da Administração, mas em decisão livre de quaisquer parâmetros estabelecidos pelo Edital. Essa situação conflita com o princípio do julgamento por critérios objetivos, que, de acordo com o art. 14 da Lei 8.987/95, deve ser observado nas licitações para concessão de serviço público.2

2 Vale ressaltar que se não fica demonstrada a consistência interna da proposta, não há como analisar um eventual desequilíbrio econômico-financeiro da concessão ao longo de sua dura-ção. Essa análise pressupõe que o equilíbrio econômico-financeiro inicial esteja objetivamente caracterizado. Por outro lado, essa ausência de objetividade inviabiliza que os participantes da licitação, os cidadãos em geral e os próprios órgãos de controle possam avaliar a razoabilidade da decisão tomada pela Comissão de Outorga quanto à aceitabilidade da proposta de menor tarifa.

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4.2. A intangibilidade da equação econômico-financeira inicial da concessão

O contrato de concessão – espécie de contrato adminis-trativo – é alterável unilateralmente pelo poder concedente. Mas sua equação econômico-financeira inicial é intangível. Mais explicitamente: é intangível o retorno esperado pela concessioná-ria quando formulou sua proposta.

Nesse sentido já se pronunciou o Tribunal de Contas da União. Transcrevo trecho do Voto do Ministro-Relator Walton Alencar Rodrigues, no Acórdão n° 393/2002 – TCU-Plenário:

“Ofluxodecaixaéoinstrumentoquepermite,aqualquerins-tante,verificarseataxainternaderetornooriginalestásendomantida.CaberessaltarqueaTaxaInternadeRetorno–TIRé extraídadiretamentedapropostavencedorada licitante eexpressaarentabilidadequeoinvestidoresperadoempreen-dimento.Emtermosmatemáticos,aTIRéataxadejurosquereduzazeroovalorpresentelíquidodofluxodecaixa,ouseja,ataxaqueigualaofluxodeentradasdecaixacomassaídas,numdadomomento.

Assim, pode-se dizer que amanutenção da taxa interna deretornoégarantiatantodoPoderPúblico,quantodaconces-sionária,esuamodificaçãodáensejoàrevisãocontratual,naformaprevistanaleienocontrato.”

Na mesma linha, o Acórdão 988/2004 – Plenário, do qual foi Relator o Ministro Marcos Vinicios Vilaça. Ao apreciar contrato de concessão entre a União e a Concessionária Rio-Teresópolis S.A. (CRT), o TCU determinou à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) que:

“9.1.2.–adoteprovidênciasnosentidodeestabeleceraTaxaInterna deRetorno–TIR obtida do caixanão-alavancado

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como indicador do equilíbrio econômico-financeiro do con-tratoPG-156/95-00,firmadoentreoextintoDNEReaCon-cessionáriaRio-Teresópolis;”.

A equação econômico-financeira inicial da concessão não pode ser variável, o que eliminaria a única proteção que o ordena-mento jurídico garante à concessionária. Isso fica claro em estudo elaborado pela Fundação Getúlio Vargas, por solicitação da Audito-ria Geral do Estado do Espírito Santo – AGE/ES, referente à Ava-liação Econômico-Financeira do Contrato de Concessão do Sistema RODOSOL, anexado à consulta. Vejamos (p. 14):

“Oequilíbrioeconômico-financeirodeumcontratodeconcessãoestárelacionadoàmanutençãodesuaTaxaInternadeRetorno(TIR)aolongodaconcessão.ATIRrepresentaarentabilidademédiaanualdosinvestimentosrealizados,correspondendoàtaxadedescontoquetornao valorpresentedofluxode caixa futurodoprojeto igual azero.ATIRtemavantagemdesercalculadaapenascomosvaloresdofluxodecaixalíquido,semdependerdevariáveisexternas,oqueatornaprincipalparâmetroaserobservadoquandodasalteraçõescontratuaisafimdepreservaroequilíbrioeconômico-financeirodascondições inicialmente pactuadas, garantindo a rentabilidade inicialmente prevista.”(grifei)

E mais adiante (p. 59):

“Oscontratosdeconcessãoemgerale,emparticular,osdeconcessãorodoviáriatêmcomopressupostojurídicoamanutençãodoequilí-brio econômico-financeiro da relação contratual, ao longode suavigência.

O conceito utilizado para definir a condição de equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão diz respeito à manutenção da mesma Taxa Interna de Retorno (TIR) do projeto da Proposta Comercial, ao longo da vigência do con-trato.”(grifei)

Em obra consagrada, o jurista espanhol Gaspar Ariño Ortiz (“TeoríadelEquivalenteEconómicoenlosContratosAdmi-nistrativos”, Madrid, Instituto de Estudios Administrativos, 1968)

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elenca quatro princípios básicos que regem os contratos adminis-trativos: (a) o da mutabilidade; (b) o da continuidade; (c) o da colaboração; e (d) o do equivalente econômico. O contratado é obrigado a aceitar alterações unilaterais do contrato por parte da Administração contratante, que busca, com isso, realizar o inte-resse público. Como diz Ariño Ortiz, “acimadosinteressesparticu-lares–puramentepecuniários–daspartes,impõe-seointeressegeral,queconstituiofimprimáriodocontrato” (p. 223). E acrescenta: “Aimutabilidadedocontrato...vê-sematizadapelaimutabilidadedofim” (p. 225). Alterado o contrato, não pode o contratado negar-se a dar continuidade à execução do seu objeto. O princípio da con-tinuidade igualmente se impõe por força da realização do fim primário do contrato, que é o interesse público. Mas o contratado deve ser visto como um colaborador da Administração, e não um adversário, muito menos um inimigo.

Dessa situação de sujeição ao que a doutrina administra-tivista convencionou chamar de “cláusulasexorbitantes”, decorre o princípio do equivalente econômico, que “vem a ser assim o con-trapontonecessário,naordemfinanceira,aumasituaçãodeflexibi-lidadecontratualnoobjetoeconteúdodasprestações” (p. 242).

O princípio pacta sunt servanda continua a existir. Só que ele é atenuado pela maior flexibilidade das cláusulas con-tratuais, em decorrência “da presença na relação contratual deaspectosregulamentares” (Ariño Ortiz, p. 228). Como escrevi no artigo publicado na Revista da ABAR, acima citado (p. 20):

“Defender a imutabilidade dos contratos de concessão durante oprazode20,25ou30anosé,nomínimo, ingenuidade.Oqueaconcessionáriatemdireitoaverrespeitado–eopoderconcedentetemodeverde respeitar– éo equilíbrio econômico-financeirodocontrato.Este,sim,éintangível.Ocontratoémutávele,maisainda,deve ser modificado sempre que o interesse público assim o exija.”(grifos no original)

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Em resumo: o Direito brasileiro determina que os pactos devem ser observados. Mas excepciona hipóteses contempladas na Constituição e nas leis. Nos contratos administrativos, deve ser observado o pacto inicialmente ajustado, mas somente quanto à equação econômico-financeira inicial. Esta é intangível. No caso de concessão de rodovias, o TCU entendeu, nos Acórdãos acima citados, que o respeito à equação econômico-financeira ini-cial do contrato traduz-se na manutenção, durante todo o prazo da concessão, da TIR contemplada na proposta apresentada pela concessionária na etapa da licitação.

Vale referir, a este passo, trabalho sob o título “OEqui-líbrioEconômico-FinanceironasConcessõesdeRodoviasFederaisnoBrasil” (publicado pelo Tribunal de Contas da União na coletâ-nea “RegulaçãodeServiçosPúblicoseControleExterno”, Brasília, 2008, pp. 217 e ss.), de autoria de Adalberto Santos de Vascon-celos. O autor discorreu longamente sobre os modelos “estático” e “dinâmico” de equilíbrio econômico-financeiro das concessões de rodovias, argumentando em favor da adoção do “modelo dinâmico”, por ele considerado “moderno”, em contraposição ao “modelo estático”, por ele considerado “tradicional”. Em linhas gerais, o “modelo estático” baseia-se na manutenção da equação econômico-financeira inicial do contrato durante todo o prazo de sua execução, enquanto o “modelo dinâmico” caracteriza-se pela adaptação dessa equação à realidade econômica cambiante. Tal adaptação seria efetuada mediante ajustes realizados nas revi-sões periódicas. A adoção do “modelodinâmico” é por ele pro-posta tanto para os contratos em andamento, quanto para os que vierem a ser celebrados.

Não me cabe opinar sobre qual modelo é o mais ade-quado. Esta questão extrapola os limites do conhecimento jurí-dico. Situa-se na esfera econômico-financeira. Sob a ótica jurí-dica, posso apenas afirmar que o Direito brasileiro adotou o

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“modeloestático”, pelo que a adoção do “modelodinâmico”, tanto nos contratos em andamento quanto nos por celebrar, dependeria de reforma constitucional e legal. Não poderia ser efetuada por decisão administrativa, infralegal.

Vale notar que o autor do referido trabalho, com elo-giável rigor científico, não pretendeu extrapolar os limites do conhecimento econômico-financeiro. Na Conclusão, escreveu (p. 262):

“Porfim, sugere-se,para trabalhos futuros,oaprofundamentodosestudosquantoaomodeloderegulaçãoatualdasconcessõesderodo-viasfederais,haja vista que neste trabalho procurou-se centrar nos aspectos econômico-financeiros.”(grifei)

E acrescentou mais adiante, à mesma página:

“Outroestudoquepodeserrealizadodizrespeitoàverificaçãodosatuaiscontratosdeconcessãoderodoviasfederais,seestariamequili-bradoseconômico-financeiramenteemvirtudedesuasrentabilidades(TIRs)permaneceremconstantesdesdeoiníciodaexecuçãocontra-tual.Tal questão justifica-se emdecorrência da forte alteração docenárioeconômicodenossoPaís,desdequeforamlicitadososcincoprimeiroslotesdeconcessãoderodoviasfederais.Assim,umaTIRporvoltade23%a.a.poderiasercompatívelcomaperspectivaderiscoem1994ou1995–ambientecominflaçãonãocontrolada(PlanoReal,àépoca, era incipiente), incertezaspolíticas etc.Noentanto,ocálculodocustodeoportunidadeatualmenteimplicariataxasderentabilidadebemmaismódicas,ouseja,alterariam-seascondições‘ iniciais’ em que foi calculada a rentabilidade das concessões emandamento.Então,pergunta-se:Comaalteraçãodascondiçõesini-ciais,nãofoiquebradooequilíbrioeconômico-financeiroinicialdoscontratosdeconcessão?A fim de responder esta questão, deve-se aprofundar tanto na doutrina administrativista quantonosaspectos econômico-financeiros dos atuais contratos de concessão.”(grifei)

Respondo à questão proposta pelo autor dizendo que, para adotar-se o “modelo dinâmico”, seria necessário alterar o inciso XXI do art. 37 da Constituição da República, que deter-

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mina sejam “mantidas as condições efetivas da proposta” (grifei). Ter-se-ia, a seguir, que alterar o art. 65, inciso II, alínea “d”, da Lei 8.666/93 – aplicável às concessões de serviço público de acordo com o art. 124 da mesma lei – que dispõe sobre o res-tabelecimento da “relaçãoqueaspartespactuaraminicialmente” (grifei), assim como dispositivos da Lei 8.987/95, sobretudo o § 4° do art. 9°, que fala em “inicialequilíbrioeconômico-financeirodocontrato”(grifei) e o art. 10. Este, ao determinar que “Semprequeforematendidasascondiçõesdocontrato,considera-semantidoseuequilíbrioeconômico-financeiro” diz o óbvio, ou seja, que a lei adota o “modelo estático” de equilíbrio.

Em síntese: o “modelo dinâmico” não encontra res-paldo no Direito brasileiro, o que ressalta a distinção, a que aludi acima, entre os conceitos econômico e jurídico de desequi-líbrio do contrato.

4.3. O “Desconto de Reequilíbrio”

Entendo que o “Desconto deReequilíbrio”, previsto no item 20.6 da minuta de contrato anexa ao edital, é incompatível com a ordem legal. Por si só, vicia o instrumento convocatório.

Esse “Desconto” foi assim definido no Comuni-cado Relevante n° 11, expedido pela Comissão de Outorga em 16/01/2009:

“O Desconto de Reequilíbrio, determinado pela avaliaçãoanual de desempenho, é um mecanismo pactuado entre aspartesparareequilibrarocontratonoscasosdeatrasoouine-xecuçãodeobrasdeampliaçãodecapacidadecondicionadasaovolumedetráfegoedeobraseserviçosdecaráternãoobri-gatórioeseráaplicadopelaANTT,ouvidaaConcessionária

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sobreaavaliaçãodedesempenho efetuado,noprazoassina-ladopelaAgência.”

Se a concessionária não cumpre suas obrigações, dei-xando de efetuar ou efetuando fora dos prazos os investimentos previstos, deve sofrer as sanções previstas no contrato e na lei, podendo, até, chegar a ser declarada a caducidade da concessão, na conformidade do art. 38 e parágrafos da mesma lei. Mas o descumprimento de obrigações contratuais ou legais, por parte da concessionária, não é causa de desequilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato.

Mais ainda: o poder concedente é proibido de transigir com esse descumprimento. O interesse público é indisponí-vel, como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello (“Curso de Direito Administrativo”, 25ª edição, São Paulo, Malheiros, 2008, pp. 73 e ss.). Ao poder concedente não é dado tolerar o descumprimento das obrigações contratuais pela concessionária, especialmente a de prestar serviço adequado, que pressupõe a realização, nos prazos, dos investimentos projetados. Em casos extremos, tem o dever de declarar a caducidade da concessão.

É possível, em certos casos, rever o esquema e o cro-nograma de investimentos previstos no contrato de concessão. Isso para manter ou reequilibrar a equação econômico-financeira inicial, em decorrência de fato superveniente, imprevisível (ou previsível mas de consequências incalculáveis) e extraordinário (incluído na álea extraordinária do negócio), tal como exposto acima. Mas nesse caso a alteração contratual é efeito do desequi-líbrio verificado, e não sua causa.

Por outro lado, reduzir a tarifa como contrapartida do inadimplemento contratual, como pretende o edital, é juridica-

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mente inadmissível. O interesse público exige que as obrigações sejam cumpridas. E o interesse público é indisponível.

É verdade que o Código de Proteção e Defesa do Con-sumidor (Lei 8.078/90) prevê a redução do preço contratual ajustado pelas partes. Nos casos de vício do produto ou do ser-viço, o consumidor pode exigir o abatimento do preço (art. 18, § 1°). Mas a relação de consumo é de direito privado, enquanto a de serviço público é de direito público. O poder concedente continua com a titularidade do serviço concedido, embora seu exercício seja delegado à concessionária. Assim, continua com a responsabilidade, solidária, pela prestação de serviço adequado ao usuário. Não pode eximir-se dessa responsabilidade, redu-zindo o valor da tarifa cobrada pela concessionária.

O usuário não é consumidor. A distinção entre eles foi objeto de estudo incluído no meu citado “ConcessãodeServiçoPúblico” (pp. 113/118). Escrevi (pp. 115/116):

“Adistinçãoconceitualentreusuáriodeserviçopúblicoecon-sumidorpodesergraficamenteexpostanosseguintestermos:

A) Relação de serviço público

Poder Concedente < > Concessionária < > Usuário

Aconcessionáriaéobrigadaaprestaroserviçocujoexercíciolhefoiatribuído,masopoderconcedentecontinuacomodeverconstitu-cionaldeprestá-lo,emboraescolhaaopçãodefazê-loindiretamentesobregimedeconcessãooupermissão,comolheéautorizadopeloart.175 da Constituição.O inadimplemento pela concessionária gerasua responsabilidadeperanteousuário,mastambémresponsável é,solidariamente,opoderconcedente,namedidaemquemantématitularidadedoserviçoconcedido.

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B) Relação de consumo

Poder Público

Fornecedor < > Consumidor

<

O fornecedor é obrigado a prestar o serviço ao consumidor. OPoderPúblico temodever de regulara relação contratual entreeles,protegendoaparteconsideradamaisfraca.Oinadimplementopelo fornecedor gera sua responsabilidade peranteoconsumidor.OPoderPúbliconão é responsávelpelocumprimentodasobriga-çõespelofornecedor.”

E exemplifiquei (p. 117):

“OpressupostobásicodoinstitutodaconcessãodeserviçopúbliconoDireitoBrasileiroéaprestaçãode ‘serviçoadequado’.Oprincípioda indisponibilidade do interesse público,aqueserefereCelsoAntônioBandeiradeMelloemdiversosescritos,impedequeopoderconcedenteconcordecomqualquersoluçãoqueprejudiqueessapres-tação,pormínimoquesejaoprejuízo,oquenãoocorrenarelaçãodeconsumo,emqueosinteressesenvolvidossãoprivados.Porexemplo:oordenamento jurídiconãoadmitequeousuárioconcordecomaprestaçãode‘serviçoinadequado’sobacondiçãodequeaconcessio-náriareduzaatarifa.Jáoconsumidorpodeexigirabatimentodopreçocasooserviçoprestadopelofornecedornãosejasatisfatório.”

Voltei ao assunto em 01/06/2007, no Comentário nº 144, divulgado no site www.celc.com.br. Nele, busquei atuali-zar a distinção em face da Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei 11.079/2004). Mas não alterei os conceitos anteriormente expostos, e que foram, mais uma vez, por mim sustentados em palestra no XXII Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, realizado em Brasília no período de 8 a 10 de outubro de 2008.

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Se a concessionária não cumpre suas obrigações contratuais e legais, o poder concedente é solidariamente res-ponsável por esse descumprimento. Não pode ele barganhar, admitindo que o descumprimento seja compensado por uma redução na tarifa cobrada.

Repito: o “Desconto de Reequilíbrio” nada tem a ver com o reequilíbrio do contrato, já que a não realização de inves-timentos que a concessionária se obrigou a fazer, nos prazos con-tratuais, não se configura como causa jurídica de desequilíbrio. Cabe, então, perguntar: e o que ele é?

É evidente a resposta: configura-se como uma penali-dade. E seu caráter de penalidade torna-se mais acentuado quando se verifica que somente pode conduzir a um “mal”: a redução da tarifa. Se ele fosse resultado de “avaliaçãodedesempenho”, como se pretende que seja (subitem 20.6.1 da minuta de contrato), esse “mal” deveria ser contraposto a um “bem”, ou seja, a elevação da tarifa, ou outra vantagem para a concessionária, na hipótese de desempenho acima do estritamente obrigatório (por exemplo: uma antecipação na realização de investimentos), acarretando assim um benefício extraordinário aos usuários (sobre sanções negativas e positivas, veja-se Norberto Bobbio, “Dallastruturaallafunzione”, Milano, Edizioni di Communità, 1977, pp. 13/42).

Como penalidade, o “DescontodeReequilíbrio” incorre em duas ilegalidades. Primeiro, porque não está previsto na legis-lação aplicável, ou seja, esta não autoriza o poder concedente a aplicar a penalidade de redução das tarifas. Segundo, porque, como foi demonstrado pela ABCR em um dos anexos à sua con-sulta, ele tem como hipóteses de incidência fatos idênticos aos que ensejam, cumulativamente, a aplicação de sanções contratuais, o que caracteriza ofensa ao princípio bis in idem.

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Não vislumbro argumento que demonstre a legalidade desse “Desconto”. Não me parece aceitável a afirmação contida na Nota Técnica BNDES/AEP n° 09/2008, de 29/07/2008 – anexada à consulta e que certamente serviu de respaldo à escolha do modelo adotado – de que essa redução tarifária tem fundamento no art. 6° da Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei 11.097/2004). Esta lei expressamente dispõe, no § 2° do art. 3°, que:

“§2°.As concessões comuns continuamregidaspelasLein°8.987,de13defevereirode1995,epelasleisquelhesãocor-relatas,nãoselhesaplicandoodispostonestalei.”

Diz-se, na referida Nota Técnica:

“Oprincípiodaeficiêncianaprestaçãodos serviçospúblicos,bemcomoorespeitoàsnormasdoscontratosécomumaambasespéciesdeconcessão,sejadaquelasregidaspelaLein°8.987/95,sejadasqueintegramasparceriaspúblico-privadas.”

Dessa consideração, o autor extrai a conclusão de que se aplica às “concessões comuns” o parágrafo único do art. 6° da Lei das PPPs:

“Parágrafoúnico.Ocontratopoderápreveropagamentoaoparceiro privadode remuneração variável vinculada ao seudesempenho,conformemetasepadrõesdequalidadeedispo-nibilidadedefinidosnocontrato.”

Defender tal tese, a título de contribuição para uma reforma da Lei 8.987/95, talvez fosse defensável. Se bem que mesmo assim eu teria dúvidas, porque entendo que a “remunera-ção” a que se refere esse dispositivo legal é aquela paga pelo poder concedente, e não pelo usuário, e na “concessãocomum” o poder concedente não paga nada. Mas pretender que ele se possa apli-car às “concessões comuns”, em nome do princípio constitucional da eficiência, desborda dos limites da atividade de interpretação e aplicação das leis. Mais ainda: não só desborda desses limites,

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mas se choca frontalmente com o § 2° do art. 3° da mesma lei, acima transcrito.

Aliás, a minuta de contrato anexa ao Edital deixa claro (item 33.5.2) que “AConcessão seráregidapelaLei8.987,de13defevereirode1995,e,noquecouber,pelaLein°10.233,de5dejunhode2001”. Não menciona – nem poderia mencionar – a Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei 11.079/2004).

A interpretação defendida pelo autor da referida Nota Técnica parece-me traduzir o pensamento de que diante do eventual conflito entre eficiência e legalidade a Administra-ção Pública deveria ser eficiente, à custa da legalidade. Sobre isso publiquei estudo sob o título “O Princípio da EficiêncianoDireitoAdministrativo”, incluído em “Licitação eContratoAdministrativo–Estudos,ParecereseComentários” (Belo Hori-zonte, Editora Fórum, 2ª tiragem, 2007, pp. 27/34), que encer-rei escrevendo:

“Porúltimo,salientoquenãovejooposiçãoentreosprincípiosdaeficiência e da legalidade.Apessoaprivada,queagedentrodachamada ‘autonomiadavontade’,não estádesobrigadade cum-prir a lei.Muitomenos aAdministraçãoPública,quedeveagirem conformidade com a lei.AdotandoadistinçãoefetuadaporAndréGonçalves Pereira (“Erro e Ilegalidade no Acto Adminis-trativo”.Lisboa:Ática,1962),entrelicitude e legalidade,possodizerqueaatuaçãodaspessoasprivadasdevesereficiente e lícita,enquanto a atuação do agente administrativo deve ser eficiente e legal. Em outras palavras: dizer-se que a Administração estáautorizadaapraticaratos ilegais,desdequeissocontribuaparaaumentarsuaeficiência,énomínimotãoabsurdoquantodizer-sequeuma empresaprivadapodepraticaratos ilícitos, desdequeissocontribuaparaaumentarsuaeficiência.”

Por último, observo que a norma do parágrafo único do art. 6º da Lei 11.079/2004 é coerente com o esquema de riscos das parcerias público-privadas. No seu art. 4º, a Lei das PPP’s

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dispõe: “Nacontrataçãodeparceriapúblico-privadaserãoobser-vadasasseguintesdiretrizes:...VI-repartição objetiva de riscos entre as partes”.(grifei) Mas não seria coerente com o esquema das “concessõescomuns”,em que o risco normal do negócio é total-mente atribuído à concessionária pelo art. 2º, inciso III, da Lei 8.987/95, como visto acima.

Assim, entendo que o “DescontodeReequilíbrio”:

a) resulta de “avaliação de desempenho”, que somente seria defensável se a política tarifária da concessão fosse pelo custo, e não pelo preço;

b) consiste em autorização, não prevista em lei, para que o poder concedente tolere a inadimplência da concessionária em troca da redução da tarifa;

c) conflita com a obrigação de a concessionária prestar serviço adequado, como tal definido no art. 6°, § 1°, da Lei 8.987/95;

d) fere o princípio da indisponibilidade do interesse público; e

e) a pretexto de reequilibrar a equação econômico-financeira do contrato em favor do poder conce-dente – o que não tem sentido, já que a inadim-plência pela concessionária não constitui, sob a ótica jurídica, causa de desequilíbrio contra-tual – termina por desequilibrá-lo em desfavor da concessionária.

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Respostas aos Quesitos formulados

À vista do exposto, respondo aos Quesitos formulados:

1. O Edital contém critérios objetivos para avaliação da consistência interna e da razoabilidade das estimativas rea-lizadas no Plano de Negócios a ser apresentado pelas lici-tantes? Caso negativo, a ausência desses critérios afronta o princípio do julgamento objetivo, caracterizando, assim, ilegalidade do Edital?

O Edital não contém critérios objetivos para avaliação da con-sistência interna e da razoabilidade das estimativas realizadas no Plano de Negócios, a ser apresentado pelas licitantes. Em consequência, a ANTT não pode avaliar a exequibilidade da proposta de menor tarifa, a fim de recusá-la caso manifesta-mente inexequível, como determina o § 3° do art. 15 da Lei 8.987/95. Tal situação contraria, por outro lado, o princípio do julgamento por critérios objetivos, contemplado no art. 14 da mesma lei.

2. O retorno esperado pela concessionária, quando da formulação e apresentação de sua proposta, pode ser alterado ao longo da duração da concessão? Essa altera-ção é compatível com a manutenção do equilíbrio eco-nômico-financeiro inicial do contrato, assegurada pela Constituição e pela Lei?

A Constituição da República, em seu art. 37, inciso XXI, e a legislação, em vários dispositivos, asseguram a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial ao longo da concessão, pelo que é vedado ao poder concedente alterar o retorno espe-

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rado pela concessionária ao formular e apresentar sua proposta. O TCU entendeu, nos acórdãos acima citados, que a manuten-ção da TIR inicial, extraída da proposta vencedora, é a garantia dessa situação. No mesmo sentido, é o entendimento da FGV, no referido estudo solicitado pela Auditoria Geral do Estado do Espírito Santo – AGE/ES.

3. O “Desconto de Reequilíbrio”, previsto no Edital, tem respaldo legal?

O “DescontodeReequilíbrio” tem evidente caráter sancionató-rio, pelo que não pode ser aplicado não apenas por falta de previsão legal, mas igualmente porque, se aplicado, violaria o princípio do bis in idem. Além do mais, não serve para reequi-librar o contrato, podendo, ao contrário, desequilibrá-lo. Não bastasse isso, conflitaria com o princípio da indisponibili-dade do interesse público, ao admitir que o serviço pudesse ser prestado ao usuário com perda de qualidade, em troca de redução da tarifa cobrada, o que contrariaria, ainda, o dever da concessionária de prestar serviço adequado, a ela atribuído pela Lei 8.987/95 no seu art. 6°.

Observe-se, afinal, que o prosseguimento da licitação com as ilegalidades apontadas resultará na celebração de um con-trato passível de anulação, já que, de acordo com o § 2° do art. 49 da Lei 8.666/93, a nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato. Anulado o contrato, a Administração terá o dever de indenizar a contratada, pelo que esta houver executado até a data em que a nulidade for declarada “eporoutrosprejuízosregularmentecomprovados, contantoquenão lhe seja imputável,promovendo-searesponsabilidadedequemlhedeucausa” (parágrafo único do art. 59 da mesma lei). Essa situação – é evidente – causaria sérios prejuízos ao interesse coletivo primário.

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É meu parecer.

São Paulo, 05 de maio de 2009Antônio Carlos Cintra do Amaral

Advogado (OAB/SP nº 41.668). Mestre em Direito Administrativo pela PUC/SP.Professor convidado nos Cursos de Especialização em Direito Administrativo, na PUC/SP, e em Direito Público, na Escola Pau-lista da Magistratura.Membro do Instituto dos Advogados de Pernambuco.Diretor e Coordenador Geral do Centro de Estudos sobre Licitações e Contratos – CELC (São Paulo).Autor de vários livros, artigos e estudos publicados em revistas jurí-dicas especializadas.Autor de mais de 150 Comentários, divulgados, desde outubro de 1999, no site www.celc.com.br.

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COMENTÁRIOS ACERCA DA APLICAÇÃO DO CDC À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS CONCEDIDOS

Letícia Queiroz de AndradeMestre em direito administrativo pela PUC-SP

Professora de direito administrativo da PUC-SP. Sócia coordenadora do setor regulatório-administrativo

do escritório Siqueira Castro Advogados.

A prestação de serviços públicos concedidos apresenta características que a distingue de outras atividades econômicas, sobretudo no que se refere à liberdade, ou melhor, à ausência de liberdade do prestador, que não define o modo e as condições de prestação do serviço e tampouco o valor de sua remuneração.

Como cediço, a modelagem da prestação é definida integral e exclusivamente pelo Poder Público, que, com ela, obje-tiva a implementação de políticas públicas, concebidas para a consecução de interesses coletivos.

As obrigações estipuladas nos contratos de concessão e o valor das receitas, que geralmente resulta das propostas apre-sentadas nas correspondentes licitações, definem a equação eco-nômico-financeira dos contratos, que, por força do art. 37, XXI, da Constituição Federal, deve ser mantida.

Por tais motivos, a prestação de serviços públicos não é sequer considerada atividade econômica, em sentido estrito1, porquanto, em que pese a possibilidade de geração de riqueza, seu desempenho não se submete integralmente a boa parte dos prin-

1 Nesse sentido, recente decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida no julgamento da ADPF nº 76, em que se discutiu a natureza da atividade postal desenvolvida pela ECT – Empresa de Correios e Telégrafos.

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cípios elencados no art. 170 da Constituição, como, por exemplo, a livre iniciativa e livre concorrência.

Tais distinções recomendam que a aplicação de legisla-ção concebida para as atividades econômicas propriamente ditas não seja efetivada sem consideração das peculiaridades do regime jurídico pertinente à prestação de serviços públicos concedidos.

Contudo, o exame das decisões judiciais que trataram do tema nos últimos 10 (dez) anos2 permite-nos afirmar que a aplicação do CDC aos serviços públicos concedidos pelo Poder Judiciário não resulta da acolhida e reflexão sobre teses desenvol-vidas a respeito do tema.

Por motivos compreensíveis, nota-se que as decisões judiciais objetivam solucionar, de modo pragmático, demandas repetitivas em larga escala, que se referem, sobretudo, aos serviços de telecomunicações e energia elétrica3, sem adentrar em digres-sões quanto à natureza jurídica peculiar do regime de concessão de serviços públicos.

Nesse contexto, as expressões “usuário de serviço público” e “consumidor” são empregadas como sinônimas, o que também se verifica nos Decretos nº 2.335/97 e 2.338/97, que regulamen-tam, respectivamente, atribuições da ANATEL e ANEEL.

Com efeito, à semelhança do que ocorre em relação às demais atividades, o critério determinante para aplicação do Código Consumerista à prestação de serviços públicos, con-cedidos ou não, é, na ampla maioria dos casos, a existência de remuneração.

Baseado em tal critério, o Poder Judiciário recusa a aplicação do CDC aos serviços públicos gratuitos, como saúde e educação, porquanto o custeio geral desses serviços por meio de impostos não se enquadra no conceito de remuneração.

2 Foram examinadas cerca de 700 (setecentas) decisões judiciais, com enfoque principal nas concessões de rodovias. 3 59% das decisões do STJ que tratam da aplicação do CDC à prestação de serviços públicos concedidos referem-se a demandas relacionadas a concessionárias de telefonia e 20%, às conces-sionárias de distribuição energia elétrica.

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Contudo, por estarem diretamente relacionadas ao benefício especificamente usufruído, as taxas, assim como as tarifas, são enquadradas no conceito de remuneração, do que deriva a aplicação do CDC para os serviços por meio delas remunerado4.

A despeito desse panorama, há diversas decisões que derrogam, de modo pontual, a incidência de determinados dis-positivos do CDC em caso de conflito com regras específicas relativas às concessões de serviço público5.

Ressalte-se, entretanto, que, a despeito de reconhecerem a prevalência da regulação especificamente aplicável a determina-dos aspectos da prestação dos serviços públicos sobre dispositivos do CDC, referidas decisões não chegam a afastar a aplicação do CDC aos serviços públicos concedidos, restringindo-se, como dito, a reconhecer incompatibilidades pontuais.6

Esse enfoque pontual do tema à luz de dispositivos infraconstitucionais obsta o conhecimento dos correspondentes recursos extraordinários por parte do STF, que nunca enfrentou de modo direto a discussão relativa ao tratamento diferenciado

4 Com relação a esse ponto deve se destacar a divergência da Ministra Eliana Calmon, da 2ª. Turma do STJ, que menciona em suas decisões estar filiada à corrente doutrinária segundo a qual o CDC só se aplica aos serviços públicos remunerados por tarifa. Vale citar, ainda, trecho do voto da Ministra NANCY ANDRIGUI, da 3ª. Turma do STJ, relatora do Recurso Especial nº 625.144-SP, julgado em 09/02/2004, acerca da aplicação ou não do CDC aos serviços prestados por tabelionatos de notas: “Osserviçosnotariais,portanto,sãoserviçospúblicosimprópriosou“utisinguli”,jáque,alémdeseremprestadospordelegaçãoaparticulares(característicadosserviçospúbli-cosimpróprios),sãoserviçosde“utilizaçãoindividual,facultativaemensurável”esão“remuneradosportaxa”e“nãoporimposto”. 5 Atualmente, todas as decisões do STJ em que se apresenta conflito entre as regras do CDC e a regulação específica aplicável à matéria foram favoráveis à preponderância do regime específico. 6 Nesse sentido, vale conferir trecho a seguir transcrito do voto Ministro HUMBERTO MARTINS, no julgamento do Recurso Especial nº 872584, em 21/11//2007, pela Segunda Turma do STJ: “O Direito do Consumidor qualifica as relações jurídicas entre usuários e operadoras naquilo que não for objeto de regulação ou quando a regulação extrapolar oslimitescientíficosdoDireitodeTelecomunicaçõesepassarainvadiraórbitadaquelaprovíncia. Acobrança indevidade ligaçõesnão efetuadas équestãonitidamente consumerista.Aexigênciadaassinaturabásica,porseuturno,étemaespecíficodaregulaçãodosserviçosdetelecomu-nicações.” (D/n)

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que a Constituição Federal estabelece entre usuários de serviços público e consumidores7.

Especialmente no que se refere às concessões de rodo-vias, a decisão unânime proferida no julgamento do Recurso Especial nº 467.883, em 17/06/2003, pela 3ª. Turma do STJ, relatada pelo Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DE DIREITO, vem sendo adotada como leading case na matéria,cuja ementa transcreve-se:

“Concessionária de rodovia. Acidente com veículo em razão de animal morto na pista. Relação de Consumo.1.As concessionáriasde serviços rodoviários,nas suas relações comosusuáriosdaestrada,estãosubordinadasaoCódigodeDefesadoConsumidor, pela próprianaturezado serviço.No caso, a conces-são é, exatamente, para que seja a concessionária responsável pelamanutençãodarodovia,assim,porexemplo,manterapistasemapresençadeanimaismortosnaestrada,zelando,portanto,paraqueosusuáriostrafeguememtranqüilidadeesegurança.Entreousuáriodarodoviaeaconcessionária,hámesmoumarelaçãodeconsumo,comoqueédeseraplicadooart.101,doCódigodeDefesadoCon-sumidor.2.Recursoespecialnãoconhecido.”

Da breve fundamentação da decisão supracitada extrai-se que, no caso, a aplicação do CDC não se baseou apenas no critério da remuneração da atividade, mas, também, na consi-deração de que a finalidade das concessões de rodovias é garantir a segurança de seus usuários, como se houvesse um contrato de transporte entre eles e a concessionária prestadora do serviço8.

7 Para ilustrar esse entendimento, transcreve-se trecho de recente decisão do Plenário do Su-premo Tribunal Federal, relatada pelo Ministro GILMAR MENDES, no julgamento do Recur-so Extraordinário nº 571.572-8, em 08/10/2008:“Otemadefundo,ameuver,éinfraconstitucio-nal.Asnormaslegaisdedireitodoconsumidoréqueorientamoresultadodademanda,enãoestãoestastendosuaconstitucionalidadeimpugnada.Nãoérazoável,emsituaçõescomoaqueaaquiseexamina,asupressãodesteexameparafazerincidirdiretamenteospreceitosconstitucionais.Quantoaoponto,portanto,orecursoextraordinárionãopodeserconhecido.”8 O mesmo se nota em outra decisão unânime da 3ª. Turma do STJ, no julgamento do Recur-so Especial 647.710, em 30/06/06, na qual o Ministro CASTRO FILHO, invoca o precedente acima citado e menciona que a possibilidade de um animal adentrar na pista constitui “risco da atividadeeconômicadaré”.

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Ocorre que a rodovia não é um meio fechado de trans-porte, e, tampouco, a atividade desenvolvida pelas concessioná-rias de rodovias constitui atividade de transporte, por força da qual lhes seja atribuído o risco de transportar os usuários em segurança, como prevê o artigo 734 do Código Civil9.

Parece-nos que escapa ao exame que o Poder Judiciário faz da matéria que os serviços prestados pelas concessionárias não criam, em si, riscos para os usuários da rodovia.

Bem ao contrário, se é verdade que trafegar pela rodo-via é algo arriscado, os riscos de tráfego são reduzidos pelos ser-viços por elas prestados, que não têm mais responsabilidade pelo fato de a rodovia estar sendo utilizada do que os fabricantes dos veículos que o usuário utiliza para trafegar na rodovia e os que fornecem o combustível necessário para que os veículos sejam postos em movimento.

Verifica-se, portanto, haver uma confusão entre o risco relativo ao serviço prestado na rodovia e a segurança do usuário com relação a eles, e o risco relacionado ao uso da rodovia, que é assumido pelo próprio usuário no momento em que decide por ela trafegar, sujeito, inclusive, a acidentes causados por motoristas imprudentes, negligentes e imperitos.

Por tal motivo, parece-nos imperioso distinguir os riscos criados pelo uso da rodovia dos que são, efetivamente, cria-dos pelos serviços fornecidos pela concessionária.

É evidente que as concessionárias devem ser responsa-bilizadas pelas falhas nos serviços por elas prestados, inclusive de modo objetivo em relação a suas ações comissivas, o que pode ocorrer, por exemplo, quando houver danos resultantes de obras que estejam sendo realizadas na pista, do transporte de pessoas em ambulâncias sob responsabilidade, do guinchamento inade-quado de veículos, dentre outros.

9 Art. 734 do CC: “Aresponsabilidadecontratualdotransportador,peloacidentecomopassagei-ro,nãoéilididaporculpadeterceiro,contraoqualtemaçãoregressiva.”

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Todavia, especialmente no que se refere à prestação dos serviços de remoção de animais e objetos da pista, dos quais se originam a maior parte das demandas em que se aplica o CDC aos serviços públicos prestados em rodovias, não se pode dizer que exista risco criado pela colocação de tais serviços no mercado.

Eventuais danos a eles relacionados podem advir da omissão na prestação dos serviços, razão pela qual deve ser aplicado a esses casos o entendimento atualmente predominante nos Tribu-nais Superiores quanto à distinção entre atos comissivos e omissi-vos, para fins de aplicação das teorias objetiva ou subjetiva acerca da responsabilidade civil do Estado e dos prestadores de serviço público, com base no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.

Deveras, o tratamento especial da responsabilidade civil atribuída aos prestadores de serviço público, e também ao Estado, pela Constituição Federal, é um ponto de partida impor-tante para que o Poder Judiciário vislumbre a incompatibilidade do regime de reparação de danos aplicável aos prestadores de ser-viço com o regime previsto no CDC.

Em relação a esse aspecto, até mesmo os consumeristas mais fervorosos reconhecem que a aplicação do CDC aos servi-ços públicos não se faz de modo indistinto em relação às demais atividades econômicas, por força do que estabelece o art. 22 do próprio CDC10.

Nesse sentido, o Ministro Antônio Herman Benja-min11, que escreve e leciona sobre o tema, sustenta que:

“A Administração Pública, como fornecedor que é (art. 3º), em termos de responsabilidade civil iguala-se aos agentes econô-

10 “Art.22-Osórgãospúblicos,por siousuasempresas,concessionárias,permissionáriasousobqualquer outra formade empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes,segurose,quantoaosessenciais,contínuos.Parágrafoúnico.Noscasosdedescumprimento,totalouparcial,dasobrigaçõesreferidasnesteartigo,serãoaspessoasjurídicascompelidasacumpri-lasearepararosdanoscausados,naformaprevistanestecódigo.” (D/n)11 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos. O conceito jurídico de consumidor. BD-Jur, Brasília, DF. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8866>. Acesso em: 14 mar. 2007.

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micos privadossemprequeestiverdiantedevíciosdequalidadeporinsegurança(produtos e serviços),víciosdequantidade (produtos eserviços)evíciodequalidadeporinadequação(produtosapenas).Sóquanto aos vícios de qualidade por inadequação dos serviços équeoPoderPúblicorecebedoCódigodeDefesadoConsu-midor tratamento diferenciado(art.22).”

A distinção a que se refere o Autor acima citado rela-ciona-se ao tratamento diferenciado que o Código do Consu-midor atribui aos defeitos e vícios dos produtos e bens ofereci-dos no mercado de consumo, para fins de reparação dos danos por eles causados.

Os produtos e serviços defeituosos, de que trata a seção II do Capítulo IV do CDC, são aqueles que causaram lesão ao consumidor, o qual passa a ser, então, credor de uma indenização.

Já os vícios tornam os produtos ou serviços impróprios ou inadequados para consumo, razão pela qual, além de eventual indenização, o consumidor pode exigir, alternativamente, a sua escolha, a substituição do produto por outro ou a reexecução do serviço, a restituição da quantia paga ou abatimento proporcional do preço, conforme se tem do art. 20 da seção III do Capítulo IV do CDC.

Em outras palavras, a responsabilidade do fornecedor por defeito do produto ou serviço depende da ocorrência de lesão ao consumidor, que pode pleitear uma indenização pelas perdas e danos sofridos; enquanto a responsabilidade por vício do serviço independe da ocorrência efetiva de lesão e outorga ao consumidor outros direitos, além de eventual indenização.

Pois bem. Como o art. 22 do CDC situa-se na Seção relativa à responsabilidade por vício de produtos e serviços e prevê apenas que o prestador de serviço público deve ser compelido a cumprir as obrigações de fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos, e a reparar os danos causados, entende-se que a Administração Pública e terceiros que

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prestam serviços públicos não estão obrigados a restituir a quan-tia paga ou a promover abatimento proporcional do preço.

Eis o que a esse respeito diz Zelmo Denari12, um dos autores do anteprojeto do Código de Consumidor:

“Nos termos do Art. 22 e seu parágrafo único, quando os órgãospúblicossedescuramdaobrigaçãodeprestarserviçosadequados,efi-cientes,segurosecontínuos,sãocompelidosacumpri-loserepararosdanoscausados,naformaprevistanoCódigo.Emprimeira aproximação,valeobservarqueos órgãospúbli-cos recebem tratamento privilegiado, pois não se sujeitam às mesmas sanções previstas no art. 20 para os fornecedores de serviços.De fato,oparágrafoúnico somente faz referênciaaocumprimentododeverdeprestar serviçosdeboaqualidade,oqueafasta as alternativas da restituição da quantia paga e do abatimento do preço, envolvendo somente a reexecução dos serviços públicos.”(Destacamos)

No mesmo sentido, João Batista de Almeida esposa o seguinte entendimento:

“Parece que, em relação aos serviços públicos, o CDC alterou o regime de responsabilização, limitando as alternativas, em caso de descumprimento, à reparação de danos (defeitos) e à possibilidade de compelir as pessoas jurídicas fornecedoras a cumprir as obrigações assumidas por lei ou por contrato, não se lhes aplicando o art. 20, que prevê as alternativas de ressarcimento, como reexecução dos serviços, restituição de quantia paga e abatimento proporcional do preço(CDC,art.18,c/coart.22,caputeparágrafoúnico).”

Assim, de acordo com o entendimento predominante entre os consumeristas, as concessionárias de serviços públicos não estão sujeitas às exigências de restituição de quantia pagas e ao abatimento proporcional do preço.

Em nossa opinião, além de afastar a adoção de medi-das individuais que alterem o valor da tarifa (abatimento pro-porcional do preço) e comprometam a manutenção do equilí-

12 CódigoBrasileirodeDefesadoConsumidor,9. ed., Forense Universitária. p. 228.

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brio econômico-financeiro do contrato (devolução de valores), o parágrafo único do artigo 22 do CDC claramente restringe a responsabilidade dos prestadores de serviço público aos casos de descumprimento das obrigações previstas. Confira-se:

“Parágrafoúnico.Noscasosdedescumprimento, totalouparcial,dasobrigaçõesreferidasnesteartigo,serãoaspessoasjurídicascompe-lidasacumpri-lasearepararosdanoscausados,naformaprevistanestecódigo.” (Destacamos)

A dicção do parágrafo único do art. 22, supratranscrito, aplicável especificamente à prestação de serviços públicos, é bas-tante diversa da que consta do art. 14, abaixo reproduzido.

“Art.14 -O fornecedorde serviços responde, independente-mentedaexistênciadeculpa, pelareparaçãodosdanoscausa-dosaosconsumidorespordefeitosrelativosàprestaçãodosser-viços,bemcomoporinformaçõesinsuficientesouinadequadassobresuafruiçãoeriscos.”

Ora, a referência expressa ao descumprimento de obri-gações é compatível com o entendimento predominante nos Tri-bunais Superiores acerca do art. 37, § 6º, da CF, no sentido de que só há responsabilidade por atos omissivos dos prestadores de serviço público quando tinham o dever de fazer algo e não o fizeram, ou, em outras palavras, descumpriram uma obrigação legal ou contratual, conforme defende Celso Antônio Bandeira de Mello13:

“Há responsabilidadeobjetivaquandobastapara caracterizá-laasimplesrelaçãocausalentreumacontecimentoeoefeitoqueproduz. Há responsabilidade subjetiva quando para caracterizá-la é necessário que a conduta geradora de dano revele deliberação na prática do comportamento proibido ou desatendimento indesejado dos padrões de empenho, atenção ou habilidades normais (culpa) legalmente exigíveis, de tal sorte que o direito em uma ou outra hipótese resulta transgredido. Por isso ésempre responsabilidade por comportamento ilícito quando

13 CursodeDireitoAdministrativo, 25. ed., Malheiros, 2008. p. 989.

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o Estado, devendo atuar, e de acordo com certos padrões, não atua ou atua insuficiente para deter o evento lesivo.”

De se ver, portanto, que resultam do próprio Código do Consumidor diferenças relacionadas ao regime de responsabi-lização dos prestadores de serviços público e, ainda, a inaplicabi-lidade de medidas individuais que alterem o valor da tarifa, como o abatimento proporcional do preço, e comprometam a manu-tenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, como a restituição de quantias pagas, previstas no art. 20 do CDC.

Já os administrativistas que tratam do tema alinham-se a uma de duas correntes: (i) a que afasta integralmente a aplicação do Código do Consumidor às concessões de serviços públicos, e, (ii) outra, no sentido de que o CDC deve ser aplicado às con-cessões de serviço público, salvo no que for incompatível com o regime a elas pertinente.

O principal fundamento jurídico-positivo da tese que rejeita integralmente a aplicação do CDC à prestação de serviços públicos é o tratamento diferenciado que a Constituição Federal outorga ao usuário de serviço público e ao consumidor.

Com efeito, o artigo175, parágrafo único, inciso II, da Constituição Federal, faz expressa referência à edição de leiquereguleosdireitosdosusuáriosdeserviçospúblicos, a qual também é mencionada no artigo 27 da Emenda Constitucional nº 19/98, cujo teor transcreve-se:

“oCongressoNacional,dentrodecentoevintediasdapromulga-çãodestaEmenda,elaborarálei de defesa do usuário de serviços públicos.” (D/n).

Esposando a tese de que o CDC não deve ser aplicado à prestação de serviços públicos concedidos, Antônio Carlos Cintra do Amaral sublinha que a relação jurídica entre concessionária e usuário não pode ser equiparada à que vincula fornecedor e con-sumidor, porquanto:

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“Diversamentedasituaçãodeconsumo,arelaçãocontratualentreconcessionária e usuário,mediante a qual uma parte se obriga aprestar um serviço, recebendo em pagamento um preço público(tarifa),temcomopressupostoumaoutra,entreconcessionáriaeopoderconcedente.Emsituaçõessemelhantesaessa,adoutrinacivi-lista italiana aponta a existência de dois contratos coligados, umprincipal,ooutroacessório.”14

No mesmo sentido, confira-se o que diz Arnoldo Wald:

“a situaçãodoconsumidortípicodiferedarelaçãocontratualexis-tenteentreconcessionáriaeusuários,emqueumaparteseobrigaaprestarum serviço recebendoemcontrapartidaa tarifa, equeporsuaveztemcomopressupostooutrarelaçãoqueseestabeleceentreaconcessionáriaeoPoderConcedente”15.

Com base nesse entendimento, Antônio Carlos Cintra do Amaral sustenta que a defesa do usuário de serviço público não deve ser feita pelos órgãos de defesa do consumidor, mas pelas respectivas agências reguladoras, a quem compete, inclu-sive, o controle de verificar se os direitos dos usuários estão sendo observados, como se tem abaixo:

“...adefesadousuáriodeserviçopúbliconãoéatribuiçãodosórgãosdedefesadoconsumidor,esimdarespectivaagênciaregu-ladora, cujo desafio é organizar-se adequadamente para isso.Comoaleiprevistanoart.27daemendaConstitucionalnº19atéhojenãofoiaprovadapeloCongressoNacional,ousuáriodeserviçopúblicotemtidosuadefesabaseadaemumalei(8.078)queclaramentenãoseaplicaàrelaçãodeserviçopúblico,esimàdeconsumo,conceitualmentediversadaquela.Nadaimpede,porém,queaagênciareguladoramantenhacon-vêniocomessesórgãosdedefesadoconsumidor,paraquetambémparticipemdadefesadousuáriodeserviçopúblico.Éessencial,

14 Distinção entreUsuário de Serviço público e consumidor,REDAE – Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, número 6, maio/junho/julho de 2006. Salvador. p. 2.15 ODireitodeParceriaeaLeideConcessões, 2. ed., Saraiva, 2004. p. 159.

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porémqueexistaumCódigodedefesadoUsuáriodeServiçoPúblico,quesirvadebasejurídicaparaessaatuação.”16

De fato, as leis das agências que regulam as concessões

de rodovias prevêem tal atribuição, conforme textos normativos abaixo transcritos.

Lei nº 10.233/2001 da Agência Nacional de Trans-portes Terrestres – ANTT

“Art. 11 - O gerenciamento da infra-estrutura e a operação dostransportesaquaviárioeterrestreserãoregidospelosseguintesprin-cípios gerais:(...)III-protegerosinteressesdosusuáriosquantoàqualidadeeofertadeserviçosdetransporteedosconsumidoresfinaisquantoàincidênciadosfretesnospreçosdosprodutostransportados.”

Lei Complementar nº 914/2002 da Agência Regu-ladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo – ARTESP

“Artigo4º-AARTESP,noâmbitodosserviçoscompreendidosemsuasfinalidades,teráasseguintesatribuições:(...)XVII-atuarnadefesaeproteçãodosdireitosdosusuários e dos demais agentes afetados pelos serviços públicos de transportesob seu controle, recebendopetições, representações, reclama-ções,epromovendoasdevidasapurações.”

Lei nº 4.555/2005 da Agência Reguladora de Ser-viços Públicos Concedidos de Transportes Aquaviários, Fer-roviários e Metroviários e de Rodovias do Estado do Rio de Janeiro – AGETRANSP

16 Ob. cit. p. 5.

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“Artigo3º-Noexercíciodesuasatividades,pugnaráaAGE-TRANSPpelagarantiadosseguintesprincípiosfundamentais:(...)IV-proteçãodosusuários contrapráticasabusivas e mono-polistas;”

Lei nº 10.931/97 da Agência Estadual de Regula-ção dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul – AGERGS

“Art.2º-ConstituemobjetivosdaAGERGS:I - assegurar a prestação de serviços adequados, assim entendidosaquelesquesatisfazemascondiçõesderegularidade,continuidade,eficiência,segurança,atualidade,generalidade,cortesianasuapres-taçãoemodicidadenassuastarifas.”

Além disso, em consonância com o art. 175 da Cons-tituição Federal, os artigos 3º e 29 da Lei de Concessão de Ser-viço Público, abaixo transcritos, atribuem ao poder concedente a tarefa indeclinável de regular, fiscalizar e aplicar sanções relativas aos serviços públicos concedidos:

“Art.3º-Asconcessõesepermissõessujeitar-se-ãoàfiscalizaçãopelopoderconcedenteresponsávelpeladelegação,comacoope-raçãodosusuários.”“Art.29-Incumbeaopoderconcedente:I-regulamentaroserviçoconcedidoefiscalizarpermanente-menteasuaprestação;VII -zelarpelaboaqualidadedo serviço, receber,apuraresolucionarqueixasereclamaçõesdosusuários,queserãocien-tificados,ematé30dias,dasprovidênciastomadas.”

De forma que, conforme mencionado pelo Prof. Antônio Carlos Cintra do Amaral, o desafio é mais fático do que jurídico, pois a ausência de um sistema de proteção próprio para defesa dos usuários do serviço público e de atuação efetiva das agências reguladoras ou de outras entidades relacionadas ao poder concedente, em tal sentido, fez com que as demandas em

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massa dos usuários de serviços públicos fossem absorvidas por promotorias de justiça das áreas de consumo e órgãos de defesa do Consumidor.

Conforme mencionado acima, a tese sustentada por esses autores, baseada no tratamento diferenciado que a Consti-tuição confere aos direitos dos usuários de serviços públicos, não foi, ainda, enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal.

Deveras, a esmagadora maioria dos administrativistas brasileiros17 entende que o Código do Consumidor aplica-se às concessões de serviços públicos, salvo nos casos em que sua disci-plina seja incompatível com as normas de direito público ineren-tes à prestação de serviços públicos e ao regime de concessão.

O principal fundamento jurídico-positivo desta cor-rente é a referência expressa à prestação de serviços públicos em dispositivos do CDC, bem como a previsão do artigo 7º da Lei nº 8.987/95, no seguinte sentido:

“Art.7º-SemprejuízododispostonaLeino8.078,de11desetembrode1990,sãodireitoseobrigaçõesdosusuários:I-receberserviçoadequado;II-receberdopoderconcedenteedaconcessionáriainforma-çõesparaadefesadeinteressesindividuaisoucoletivos;III-obtereutilizaroserviço,comliberdadedeescolhaentreváriosprestadoresdeserviços,quandoforocaso,observadasasnormasdopoderconcedente.IV-levaraoconhecimentodopoderpúblicoedaconcessioná-riaasirregularidadesdequetenhamconhecimento,referentesaoserviçoprestado;V-comunicaràsautoridadescompetentesosatosilícitosprati-cadospelaconcessionárianaprestaçãodoserviço;VI - contribuir para a permanência das boas condições dosbenspúblicosatravésdosquaislhessãoprestadososserviços.”

17 Dentre eles, Alexandre Santos de Aragão, Celso Antonio Bandeira de Mello, Dinorá Ade-laide Grotti, Juarez Freitas, Marçal Justen Filho, Marcos Juruena Villela Souto, Maria Sylvia Zanella de Pietro, Leon Frejda Szklarowmski, Toshio Mukai, Cesar A. Guimarães Prereira.

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Destarte, para os partidários dessa corrente, as peculiari-dades do regime de concessão de serviços públicos devem resultar em derrogações parciais de dispositivos do Código do Consumi-dor, mas não chegam a afastar integralmente sua incidência.

Nesse sentido, confira-se o que diz Celso Antônio Ban-deira de Mello18:

“Éimportanteassinalareencarecerqueaosusuáriosdeservi-çospúblicostambémseaplicamproteçõesresidentesnoCódigodeDefesa doConsumidor (Lei 8.078, 11.9.1990).Quantoaistonãohádúvidapossível,umavezqueinúmerosdeseusdispositivosreportam-seexpressamenteaserviçospúblicos.(...) Entretanto, dadas as óbvias diferenças entre usuário (relação dedireito público) e consumidor (relação de direito privado) com asinerentesconseqüências,certamentesuasdisposiçõesterãodesecom-patibilizarcomasnormasdedireitopúblico.Então,alegislaçãodoconsumidornãoseaplicaráquandoinadaptadaàíndoledoserviçopúblico, ou quando afronte prerrogativas indeclináveis do PoderPúblico ou suas eventuais repercussões sobre o prestadorde serviço(concessionáriooupermissionário)”. (Destacamos)

Vale citar, ainda, o entendimento de Marçal Justen Filho19, que destaca a dificuldade prática relacionada à identifica-ção a priori de quais dispositivos do CDC seriam incompatíveis com o regime jurídico próprio das concessões de serviço público:

“A disciplina do Direito do consumidor apenas se aplicará naomissãodoDireitoAdministrativoenamedidaemquenãohajaincompatibilidadecomosprincípiosfundamentaisnorteadoresdoserviçopúblico.Emtermospráticos,essasoluçãopodegeraralgu-masdificuldades.Oqueécertoéaimpossibilidadedeaplicaçãopuraesimples,demodoautomático,doCódigodeDefesadoCon-sumidornoâmbitodosserviçospúblicos.”

Sem deixar de reconhecer tal dificuldade, parece-nos ser possível afirmar que seriam incompatíveis com o regime das

18 CursodeDireitoAdministrativo, 25. ed., Malheiros, 2008.19 TeoriaGeraldasConcessõesdeServiçoPúblico, Dialética, 2003. p. 557.

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concessões de serviços públicos os dispositivos do CDC que afrontem (i) regras específicas de direito administrativo sobre os serviços públicos e o regime de concessão; (ii) prerrogativas atri-buídas ao poder concedente; (iii) a vinculação da relação jurídica de prestação de serviços públicos com o conteúdo do correspon-dente contrato de concessão, (iv) a disciplina da atividade por princípios de direito público; (v) a dimensão pública dos interes-ses relacionados à prestação dos serviços públicos.

Com o intuito de dar mais concretude a esta discus-são, passa-se a examinar as regras do CDC que seriam aplicá-veis às concessões de serviços públicos, procedendo-se ao exame de sua compatibilidade ou não com as peculiaridades de seu regime jurídico.

1) Direito de informação sobre os serviços ofertados

Por força do inciso III do art. 6º do CDC, incluem-se entre osdireitosbásicosdoconsumidor:

“III-ainformaçãoadequadaeclara sobreosdiferentesprodutoseserviços,comespecificaçãocorretadequantidade,características,composição,qualidadeepreço,bemcomosobreosriscosqueapre-sentem.”

O direito de informação serviu de base para questio-namentos relativos à discriminação de pulsos nas contas de tele-fone e também integra a motivação do Decreto nº 6.523, de 31 de Julho de 2008, que trata do Serviço de Atendimento ao Con-sumidor (SAC) por telefone, “comvistasàobservânciadosdireitosbásicosdoconsumidordeobterinformaçãoadequadaeclarasobreosserviçosquecontratare,demanter-seprotegidocontrapráticasabusivasouilegaisimpostasnofornecimentodessesserviços”.

O artigo 1º do referido Decreto expressamente elenca como destinatários de seus comandos os fornecedores de serviços

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regulados e prevê uma série de obrigações que afetam o modo de prestação de serviços públicos.

Nas demandas relacionadas à discriminação de pulsos nas contas de telefone, a existência de regulação específica expe-dida pela ANATEL foi decisiva para o indeferimento de pedidos de maior detalhamento das cobranças, por se entender que tais regras prevaleciam sobre o direito geral de informação previsto no CDC, cujos contornos não são definidos com precisão20.

Além disso, as repercussões da instituição de novas obrigações sobre a equação econômico-financeira do contrato de concessão também foram consideradas para o indeferimento de tais demandas.

No que se refere ao Decreto nº 6.523/08, entendemos que as inovações jurídicas por meio dele introduzidas só pode-riam ter sido veiculadas por meio de lei, em virtude do previsto nos artigos 5º, II, e 37, caput,da Constituição Federal, o que conduz ao reconhecimento de sua invalidade.

Contudo, em nossa opinião, não se pode dizer que o direito de informação seja, em si, incompatível com o regime de concessão de serviço público, de modo que sua eventual derroga-ção dependerá da demonstração de que as obrigações dele decor-rentes são incompatíveis com as obrigações estabelecidas nos res-pectivos contratos de concessão.

20 Nesse sentido, confira-se decisão da Segunda Turma do STJ, proferida no julgamento do REsp nº 1072280, em 16/09/2008, a seguir transcrita: “ADMINISTRATIVO.TELEFONIA.DETALHAMENTODOS PULSOSALÉMDA FRANQUIA.DECRETONº 4.733/03. 1. A concessionária de serviços de telecomunicações não estava obrigada ao detalhamento dos pulsos em período para o qual não existia específica previsão legal neste sentido.InteligênciadoDecretonº4.733/03.PrecedentesdeambasasTurmasquecompõemaPrimeiraSeção.2.Amenslegis,aodeterminaradatainicial,teveemmiraproporcionaràsconcessionáriasumperíodoparaseadaptaremàsnovasregras.3. Não obstante seja direito básico do consumidor a informação clara e adequada acerca dos serviços prestados, não restava outra opção às empresas de telefonia senão conformar-se às determinações emanadas pela Anatel e às cláusulas de seu contrato de concessão, deixandoderealizaro“bilhetamento”daschamadaseinserindonascontasdosusuáriososvaloresreferentesaospulsosqueexcederemafranquia.PrecedentesdeambasasTurmasquecompõemaPrimeiraSeção.4.Recursoespecialprovido.”(D/n)

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2) Direito à modificação ou declaração de nulidade de cláusulas abusivas

Por força do inciso V do art. 6º do CDC, também constitui direito básico do consumidor:

“V-amodificaçãodecláusulascontratuaisqueestabeleçampresta-çõesdesproporcionaisousuarevisãoemrazãodefatossupervenientesqueastornemexcessivamenteonerosas.”

Com efeito, o equilíbrio dos direitos e obrigações con-tratuais entre consumidores e fornecedores é uma das principais notas características do Código do Consumidor, cuja concreti-zação autoriza a atuação dos órgãos administrativos de defesa do consumidor e a intervenção do Poder Judiciário.

Nesse sentido, o art. 51 do Código de Defesa do Con-sumidor prevê a nulidade das cláusulas abusivas estabelecidas em contratos firmados entre fornecedores de serviço ou produto e consumidor. Em textual:

“Art.51-Sãonulasdeplenodireito,entreoutras,ascláu-sulascontratuaisrelativasaofornecimentodeprodutoseser-viçosque:(...)IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas,que coloquemo consumidor emdesvantagem exagerada, ouseja,incompatíveiscomaboa-féouaeqüidade;(...)§1ºPresume-seexagerada,entreoutroscasos,avontadeque:I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico aquepertence;II-restringedireitosouobrigaçõesfundamentaisinerentesànaturezado contrato,de talmodoaameaçar seu objeto ouequilíbriocontratual;III-semostraexcessivamenteonerosaparaoconsumidor,con-siderando-seanaturezaeconteúdodocontrato,ointeressedasparteseoutrascircunstânciaspeculiaresaocaso.(...)

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§4°É facultado a qualquer consumidor ou entidade queo represente requerer ao Ministério Público que ajuíze acompetenteaçãoparaserdeclaradaanulidadedecláusulacontratualquecontrarieodispostonestecódigooudequal-quer formanãoassegure o justo equilíbrio entre direitos eobrigaçõesdaspartes.”

Dentre outras hipóteses sem maior repercussão no que se refere às relações entre concessionárias e usuários de serviço público, referido dispositivo legal prevê a possibilidade de que o Ministério Público requeira a declaração de nulidade de cláusula considerada iníqua ou abusiva.

A elasticidade de tais conceitos propicia o ajuizamento de ações com base em interpretações desatreladas de parâmetros jurídico-objetivos, durante todo o prazo de vigência do contrato de concessão.

A adesão das concessionárias a uma minuta de contrato que constituiu anexo obrigatório de uma licitação, cujas cláusulas não podem ser por elas alteradas, parece-nos evidenciar a incom-patibilidade de aplicação de tal previsão à relação jurídica que vincula concessionárias e usuários de serviços.

Contudo, há diversas ações ajuizadas com base no dis-positivo do CDC em comento, do que a cobrança de assinatura básica para a prestação de serviços de telefonia é exemplo.

Nesse caso, as repercussões relacionadas ao desequi-líbrio da equação econômico-financeira do contrato acabaram obstando a declaração de nulidade das cláusulas contratuais em que a referida cobrança estava prevista, embora a fundamentação não tenha integrado a redação da Súmula 356 do STJ, segundo a qual “élegítimaacobrançadetarifabásicapelousodosserviçosdetelefoniafixa.”

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3) Direito à proteção jurídica e administrativa para prevenção ou reparação de danos individuais, coletivos ou difusos

Os incisos VI e VII do art. 6º do CDC também elencam como direito fundamental do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais ou morais, individuais, coletivos ou difusos, por meio do acesso a órgãos judiciários e administrati-vos que assegurem a proteção do consumidor.

A defesa dos consumidores é feita por procuradorias de justiça especializadas em direito do consumo e pelas entidades que integram o denominado Sistema Nacional de Defesa do Consu-midor a que se refere o art. 105 do CDC, abaixo transcrito:

“Art.105-IntegramoSistemaNacionaldeDefesadoConsumi-dor–SNDC,osórgãosfederais,estaduais,doDistritoFederalemunicipaiseasentidadesprivadasdedefesadoconsumidor.”

Os PROCONs federal e dos Estados atuam de modo articulado com entidades municipais e associações privadas, como o IDEC, por exemplo, o que propicia a capilarização do sistema de atendimento aos consumidores.

Além de prestar informações e orientações gerais aos consumidores, tais entidades registram suas reclamações e for-mulam queixas aos fornecedores dos mais diversos produtos e serviços, solicitando informações e a adoção de medidas preven-tivas ou corretivas.

As entidades integrantes do SNDC dotadas de perso-nalidade jurídica de direito público têm competência para apli-cação de multas administrativas, em caso de não atendimento às intimações expedidas para a obtenção de informações ou da prática de infrações aos direitos previstos no CDC.

Em nossa opinião, a aplicação de sanções administrati-vas às concessionárias de serviço público por entidades que inte-

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gram o SNDC invade esfera de competência do poder concedente, a quem incumbe regular, fiscalizar e, portanto, aplicar as sanções administrativas pertinentes à execução dos serviços concedidos, conforme previsto nos artigos 3º e 29 da Lei de Concessões de Serviço Público21.

Além disso, a aplicação cumulativa das sanções admi-nistrativas previstas no CDC e na Lei nº 8.987/95 configura ver-dadeiro bisinidem,dada a possibilidade de incidência de mais de uma sanção administrativa a um mesmo fato punível, o que não ocorre em relação às atividades econômicas não reguladas.

O exemplo mais gritante dessa invasão de competên-cias do poder concedente por parte das entidades que integram o SNDC é a previsão da possibilidade de intervenção administra-tiva na concessão e, até mesmo, de sua cassação por violação de obrigação contratual ou legal, que consta do art. 59 do CDC22.

Tais dispositivos legais, anteriores à Lei de Conces-sões e às leis das agências reguladoras, violam frontalmente o art. 175 da Constituição Federal, do qual deriva a competên-cia regulatória do poder concedente, a quem incumbe intervir na concessão, nas hipóteses previstas na Lei nº 8.987/95, bem como assumir as atribuições da concessionária, caso decrete a caducidade da concessão.

Parece-nos evidente que as entidades que integram o SNDC não pode invadir competências indeclináveis do poder concedente, que lhe foram atribuídas pela Constituição e Lei

21 “Art. 3º - As concessões e permissões sujeitar-se-ão à fiscalização pelo poder concedente responsável pela delegação, com a cooperação dos usuários.”“Art.29-Incumbeaopoderconcedente:I-regulamentaroserviçoconcedidoefiscalizarpermanentementeasuaprestação;”22 “Art.59-Aspenasdecassaçãodealvarádelicença,deinterdiçãoedesuspensãotemporáriadaatividade,bemcomoadeintervençãoadministrativa,serãoaplicadasmedianteprocedimentoadmi-nistrativo,asseguradaampladefesa,quandoofornecedorreincidirnapráticadasinfraçõesdemaiorgravidadeprevistasnestecódigoenalegislaçãodeconsumo.§ 1° A pena de cassação da concessão será aplicada à concessionária de serviço público, quando violar obrigação legal ou contratual.§ 2° A pena de intervenção administrativa será aplicada sempre que as circunstâncias de fato desaconselharem a cassação de licença, a interdição ou suspensão da atividade.” (D/n)

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de Concessões, até porque a ele caberá arcar com as consequên-cias administrativas e econômico-financeiras decorrentes seja da intervenção seja da caducidade da concessão.

No que se refere à defesa do consumidor em juízo, pode ser exercitada individualmente ou de modo coletivo, conforme previsto no art. 81 do CDC23.

De acordo com que o estabelece o art. 82 do CDC, as ações coletivas podem ser ajuizadas pela administração direta e indireta, bem como por representantes do Ministério Público e associações de defesa do consumidor legalmente constituídas há pelo menos um ano.

O CDC inovou na atribuição de legitimidade ao Minis-tério Público para o ajuizamento de ações que visam à proteção de interesses ou direitos individuais homogêneos, com base na dou-trina que entende que a lesão a interesses individuais de consumi-dores possui repercussão coletiva presumida.

Arnoldo Wald24 entende ser incabível o ajuizamento de ação civil pública contra concessionárias de serviço público para resguardar direitos individuais homogêneos decorrentes do Código de Defesa do Consumidor, em razão da diferença que a Constituição estabelece entre usuário de serviço público e consu-midor, como se observa da transcrição abaixo:

“Seaaçãocivil sereferiradireitosindividuaishomogêneos,sendoinvocadooCódigodeDefesadoConsumidor,descabe,devendo ser julgado o autor carecedor da ação, em face dospreceitosconstitucionais,segundoosquaisousuáriodeservi-

23 “Art.81-Adefesadosinteressesedireitosdosconsumidoresedasvítimaspoderáserexerciaemjuízoindividualmente,ouatítulocoletivo.Parágrafoúnico.Adefesacoletivaseráexercidaquandosetratarde:I-interessesoudireitosdifusos,assimentendidos,paraefeitosdestecódigo,ostransindividuais,dena-turezaindivisível,dequesejamtitularespessoasindeterminadaseligadasporcircunstânciasdefato;II-interessesoudireitoscoletivos,assimentendidos,paraefeitosdestecódigo,ostransindividuais,denaturezaindivisíveldequesejatitulargrupo,categoriaouclassedepessoasligadasentresioucomapartecontráriaporumarelaçãojurídicabase;III-interessesoudireitosindividuaishomogêneos,assimentendidososdecorrentesdeorigemcomum.”24 Ob. cit. p. 166.

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çospúblicosconcedidosdevetertratamentoespecífico,nãoseenquadrandonaclassificaçãogenéricadeconsumidor.”

Com efeito, a legitimidade do Ministério Público para promover a defesa coletiva de direitos dos usuários de serviços públicos independe de previsão no CDC, porquanto o inciso III do art. 129 da Constituição Federal prevê, dentre as funções institucionais do Ministério Público, a promoção de inquérito civil e ação civil pública para proteção de interessescoletivos.

Parece-nos, entretanto, incompatível com a dimensão e finalidade coletiva, a legitimação do Ministério Público para promover inquéritos civis e ações civis públicas que tenham por objeto interessesindividuaishomogêneosde caráter disponível.

4) Direito à adequada e eficaz prestação dos serviços

O inciso X do art. 6º do CDC também arrola entre os direitos fundamentais do consumidor “aadequadaeeficazpresta-çãodosserviçospúblicosemgeral.”,em consonância com o previsto no art. 7º, I da Lei nº 8.987/95, de modo que não vislumbramos incompatibilidade entre os dois regimes em relação a tal direito.

O problema relacionado à aplicação desse direito aos serviços públicos concedidos refere-se, em verdade, ao que deve ser considerado serviçoadequado.

Tendo em vista que as características e modo de forne-cimento dos serviços públicos são definidos unilateralmente pelo poder concedente no contrato de concessão, deve-se entender que a inadequação resultaria do descumprimento das obrigações con-tratuais.

Contudo, há diversas ações fundamentadas na inade-quação do serviço prestado que resultam de formulações subje-tivas desatreladas das condições contratuais, as quais, para nós, constituem o parâmetro de avaliação da adequação ou não do serviço prestado.

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5) Proteção contra riscos à segurança do consumidor O art. 8º do CDC dispõe que:

“Art.8°-Osprodutoseserviçoscolocadosnomercadodeconsumonãoacarretarãoriscosàsaúdeousegurançadosconsumidores,excetoosconsideradosnormaiseprevisíveisemdecorrênciadesuanaturezaefruição,obrigando-seosfornecedores,emqualquerhipótese,adarasinformaçõesnecessáriaseadequadasaseurespeito.Parágrafo único.Em se tratando de produto industrial, ao fabri-cantecabeprestarasinformaçõesaqueserefereesteartigo,atravésdeimpressosapropriadosquedevamacompanharoproduto.”

Especialmente no que toca às concessões de rodo-vias, a aplicação deste dispositivo para a resolução de deman-das entre usuários e concessionárias de rodovias parece-nos estar cercada por uma confusão entre o risco de segurança relativo ao serviço prestado na rodovia e o risco relacionado ao uso da rodovia, que é assumido pelo próprio usuário no momento em que decide por ela trafegar, sujeito, inclusive, a acidentes causados por motoristas imprudentes, negligentes e imperitos.

Ressalte-se que, ainda, que os serviços prestados pelas concessionárias não têm por objeto a fiscalização e segurança das pessoas que nela trafegam, os quais estão inseridos na esfera do denominado poder de polícia do Estado, sendo, portanto, inde-legáveis ao particular.

A fiscalização do tráfego na rodovia e do estado do veí-culo e da situação do motorista, que são fundamentais para a preservação da segurança das pessoas, insere-se na competência das Polícias Rodoviárias, Federal ou Estaduais, e dos órgãos exe-cutivos rodoviários (DNIT, DERs, etc.), conforme resulta do art. 144 da Constituição Federal25.

25 “Art.144-Asegurançapública, dever do Estado,direitoeresponsabilidadedetodos,é exer-cida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,atravésdosseguintesórgãos:

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Com efeito, somente os órgãos ou entidades que inte-gram o Sistema Nacional de Trânsito detêm os poderes e ins-trumentos necessários ao patrulhamento ostensivo nas estradas e, portanto, legitimidade de impor sanções quando o usuário trafegar em velocidade superior à permitida, utilizar veículos em estado precário ou de modo perigoso.

No caso das rodovias federais, tais deveres estão expres-samente previstos no Decreto Federal nº 1.655, de 03 de outubro de 1995, que dispõe o seguinte:

“Art. 1º - À Polícia Rodoviária Federal, órgão permanente, inte-grantedaestruturaregimentaldoMinistériodaJustiça,noâmbitodasrodoviasfederais,compete:I-realizaro patrulhamento ostensivo, executando operações relacionadas com a segurança pública,comoobjetivodepreser-varaordem,a incolumidade das pessoas,opatrimôniodaUniãoeodeterceiros;(...)III–aplicarearrecadarasmultasimpostasporinfraçõesdetrânsitoeosvaloresdecorrentesdaprestaçãodeserviçodeestadiaeremoção deveículos,objetos,animaiseescoltadeveículosdecargasexcepcio-nais.”(D/n)

No que se refere aos animais que invadem a pista de rodagem, é importante observar, ainda, que a responsabili-dade por sua guarda e vigilância é do dono do animal, da qual decorra a consequência prevista no art. 936 do Código Civil, abaixo transcrito:

I-políciafederal;II - polícia rodoviária federal;III-políciaferroviáriafederal;IV-políciascivis;V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.(...)§2ª-Apolíciarodoviáriafederal,órgãopermanente,organizadomantidopelaUniãoeestruturadoemcarreira,destina-se,naformadalei,aopatrulhamentoostensivodasrodoviasfederais.(...)§ 5º - Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, aos corposdebombeirosmilitares,alémdasatribuiçõesdefinidasemlei,incumbeaexecuçãodeatividadesdedefesacivil.”(D/n)

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“Art. 936 - O dono, ou detentor, do animal ressarcirá odanopor este causado , senãoprovar culpadavítimaouforçamaior.”

6) Inversão do ônus da prova A inversão do ônus da prova é prevista no art. 6º, VIII,

do CDC, in verbis:

“VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com ainversãodoônusdaprova,aseufavor,noprocessocivil,quando,acritériodojuiz,forverossímilaalegaçãoouquandoforelehipos-suficiente,segundoasregrasordináriasdeexperiências;”

Bem de se ver, portanto, que a inversão do ônus da prova não se dá de forma automática, sendo necessário para tanto a existência da verossimilhança das alegações daquele que sofreu o dano e a sua hipossuficiência, que, de acordo com José Geraldo Brito Filomeno26, deve ser entendida como a “conotaçãode pobreza econômica ou falta demeios, sobretudo em termos deacessoaconhecimentostécnicosoupericiaisemdadoconflitonascidoderelaçõesdeconsumo.”

A respeito da compatibilidade ou não da inversão do ônus com o regime de concessão de serviço púbico vale obser-var que os partidários da tese da responsabilidade subjetiva do Estado e prestadores de serviço público por atos omissivos defen-dem a possibilidade de inversão do ônus da prova nos casos em que a prova da culpa do serviço seja de difícil acesso aos usuá-rios, como defende Celso Antônio Bandeira de Mello27:

“...eminúmeroscasosderesponsabilidadeporfauteduserviceneces-sariamente haverá de será admitida uma ‘presunção de culpa’,penadeinoperânciadestamodalidadederesponsabilização,anteaextremadificuldade(àsvezesinstransponível)dedemonstra-seque

26 CódigodeDefesa doConsumidorComentado pelosAutores doAnteprojeto, 9. ed., Forense Universitária, 2007.27 Ob. cit. p. 988.

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oserviçooperouabaixodospadrõesdevidos,istoé,comnegligência,imperíciaouimprudência,valedizer,culposamente.”

7) Solidariedade pela reparação de danos

O parágrafo único do art. 7º e o art. 25 do Código do Consumidor28 prevêem que os fornecedores de serviços ou produtos responderão de forma solidária pelos danos causados a terceiros o que, consequentemente, confere ao consumidor o direito de intentar medidas contra todos que estiverem na cadeia de responsabilidade que propiciou a colocação do produto ou do serviço no mercado.

Entende-se que todos os que tenham intervindo, de alguma forma, direta ou indiretamente, na relação de consumo, contribuindo em qualquer fase, seja na produção, oferta, distri-buição, ou venda, são solidariamente responsáveis.

Em relação ao Poder Concedente é possível afirmar que a regra da solidariedade prevista no Código do Consumidor é incompatível com a delegação ínsita ao conceito de concessão de serviço público, prevista no art. 2º, II, da Lei nº 8.987/95, e com a previsão do art. 25 da mesma Lei, cujo teor reproduz-se:

“Art.2º.(...) II - concessão de serviço público: a delegação da prestação, feitapelopoder concedente,mediante licitação,namodalidadede con-corrência,àpessoajurídicaouconsórciodeempresasquedemonstrecapacidadeparaseudesempenho,porsuacontaeriscoeporprazodeterminado.”

“Art.25-Incumbeàconcessionáriaaexecuçãodoserviçoconcedido,cabendo-lheresponderportodososprejuízoscausadosaopodercon-

28 “Parágrafoúnico.Tendomaisdeumautoraofensa,todosresponderãosolidariamentepelarepa-raçãodosdanosprevistosnasnormasdeconsumo.”“Art.25-Évedadaaestipulaçãocontratualdecláusulaqueimpossibilite,exonereouatenueaobri-gaçãodeindenizarprevistanestaenasSeçõesanteriores.§1°Havendomaisdeumresponsávelpelacausaçãododano,todosresponderãosolidariamentepelareparaçãoprevistanestaenasSeçõesanteriores.§2°Sendoodanocausadoporcomponenteoupeçaincorporadaaoprodutoouserviço,sãoresponsáveissolidáriosseufabricante,construtorouimportadoreoquerealizouaincorporação.”

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cedente,aosusuáriosoua terceiros, semquefiscalização exercidapeloórgãocompetenteexcluaouatenueessaresponsabilidade.”

Com base em tais dispositivos, doutrina e jurisprudên-cia são uníssonas no sentido de que a responsabilidade do Poder Concedente em relação aos danos causados na execução dos serviços públicos é subsidiária, porquanto, a despeito de caber à concessionária a execução do serviço concedido, a titularidade do serviço permanece com o Poder Concedente, conforme estabe-lece o art. 175 da Constituição Federal.

Contudo, no que se refere aos danos causados aos usuários por prestadores de serviços e fornecedores contratados pela concessionária, não há como se afastar a regra da solidarie-dade prevista entre a concessionária e os prestadores de serviços e fornecedores por ela contratados, o que também decorre do § 1º do art. 25 da Lei nº 8.987/9529.

8) Prescrição quinquenal

De acordo com o art. 27 do CDC, “prescreve em cinco anosapretensãoàreparaçãopelosdanoscausadosporfatodoprodutooudoserviçoprevistanaSeçãoIIdesteCapítulo,iniciando-seacon-tagemdoprazoapartirdoconhecimentododanoedesuaautoria”.

Trata-se de prazo prescricional mais longo que o previsto no art. 206, § 3º, V, do Código Civil, fixado em três anos, que reputamos deva ser aplicado às concessões de serviços públicos.

Isso porque o tratamento diferenciado ao sistema de reparação de danos advindos da prestação inadequada de servi-ços públicos é reconhecido no próprio Código do Consumidor, em consonância com a distinção estabelecida no art. 37, § 6º, da Constituição Federal.

29 “Art.25,§1º-Semprejuízodaresponsabilidadeaqueserefereesteartigo,aconcessionáriapo-derácontratarcomterceirosodesenvolvimentodeatividadesinerentes,acessóriasoucomplementaresaoserviçoconcedido,bemcomoaimplementaçãodeprojetosassociados.”

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9) Repetição do indébito por valor igual ao dobro do pagamento em excesso

Tal direito está previsto no parágrafo único do art. 42

do CDC, abaixo transcrito:

“Art.42-Nacobrançadedébitos,oconsumidorinadimplentenão será expostoa ridículo,nem será submetidoaqualquertipodeconstrangimentoouameaça.Parágrafoúnico.Oconsumidorcobradoemquantiaindevidatemdireitoàrepetiçãodoindébito,porvalorigualaodobrodoquepagouemexcesso,acrescidodecorreçãomonetáriaejuroslegais,salvohipótesedeenganojustificável.”

Como mencionado acima, predomina o entendimento de que a devolução do valor pago ou o abatimento do preço não se aplica à prestação de serviço público, razão pela qual a repetição do indébito em dobro pode ser afastada nos casos em que se consi-dere que o pagamento em excesso se relaciona à existência de vício no serviço a que se refere o art. 22 do CDC.

De fato, a devolução de valores em dobro prevista no dispositivo legal parece-nos incompatível com o regime jurídico das concessões, até porque, na ampla maioria dos casos, não são as concessionárias que fixam o preço a ser pago pelo usuário.

10) Responsabilidade objetiva por defeitos relativos ao fato de serviço

Já mencionamos também que o Código do Consumi-dor alberga a teoria do risco criado, por força da qual o forne-cedor de serviço deve responder, independentemente de culpa, pelos riscos inerentes à colocação do serviço no mercado, con-

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substanciando-se o que se denomina de responsabilidade pelo fatodoserviço, prevista no art. 14 do CDC30.

Ocorre que a responsabilidade sem culpa para atos omis-sivos é incompatível com a interpretação predominante nos Tribu-nais Superiores a respeito do art. 37, §6º, da Constituição Federal, que trata especificamente dos prestadores de serviços públicos.

Por esse motivo, sustentamos que a discussão relativa à responsabilidade dos prestadores de serviço público só pode ser feita à luz da Constituição Federal.

11) Responsabilidade por vício do serviço e restituição da quantia paga ou abatimento proporcional do preço

De acordo com o previsto no art. 20 do CDC o forne-cedor responde por vícios do serviço, ainda que não causem lesão aos usuários, configurando-se o que se denomina de responsabi-lidade pelo vício do serviço31.

A diferença entre a responsabilidade prevista no art. 14 do CDC e a contemplada no dispositivo supra mencionado é que esta decorre do fato de que o serviço fornecido é inadequado

30 “Art.14-Ofornecedordeserviçosresponde,independentementedaexistênciadeculpa,pelareparaçãodosdanoscausadosaosconsumidorespordefeitosrelativosàprestaçãodosserviços,bemcomoporinformaçõesinsuficientesouinadequadassobresuafruiçãoeriscos.§ 1°O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar,levando-seemconsideraçãoascircunstânciasrelevantes,entreasquais:I-omododeseufornecimento;II-oresultadoeosriscosquerazoavelmentedeleseesperam;III-aépocaemquefoifornecido.(...)§3°Ofornecedordeserviçossónãoseráresponsabilizadoquandoprovar:I-que,tendoprestadooserviço,odefeitoinexiste;II-aculpaexclusivadoconsumidoroudeterceiro.”31 “Art.20-Ofornecedordeserviçosrespondepelosvíciosdequalidadequeostornemimprópriosaoconsumooulhesdiminuamovalor,assimcomoporaquelesdecorrentesdadisparidadecomasindi-caçõesconstantesdaofertaoumensagempublicitária,podendooconsumidorexigir,alternativamenteeàsuaescolha:I-areexecuçãodosserviços,semcustoadicionalequandocabível;II-arestituiçãoimediatadaquantiapaga,monetariamenteatualizada,semprejuízodeeventuaisperdasedanos;III-oabatimentoproporcionaldopreço.”

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para o consumo, independentemente de ter ou não acarretado alguma lesão ao consumidor, cabendo ao fornecedor reexecutar o serviço ou restituir a quantia paga ou o abatimento proporcional do preço.

Sendo assim, a responsabilidade do fornecedor por vício do serviço diferencia-se da responsabilidade pelo defeito do ser-viço tanto no que se refere aos seus pressupostos, porquanto a res-ponsabilidade por vício independe de lesão e a outra a pressupõe; quanto no que se refere às suas consequências, pois a responsabi-lidade por defeito gera o dever de indenizar e, a outra, o dever de reexecução ou de restituição da quantia paga ou de abatimento proporcional do preço, além de eventuais perdas e danos.

Contudo, mesmo entre os consumeristas, prevalece o entendimento de que a possibilidade de abatimento do preço e restituição da quantia paga não se aplica à prestação de serviços públicos, que são especialmente tratados no art. 22 do CDC, conforme mencionado acima.

Como este dispositivo legal situa-se na seção relativa à responsabilidade do fornecedor por vício decorrente do fato do produto ou do serviço e só faz referência à reparação, entende-se que não se pode exigir abatimento do preço e restituição da quan-tia paga dos fornecedores de serviços públicos.

Sendo assim, desaparece, na prática, a distinção entre responsabilidade por defeito e por vício do serviço, porquanto a obrigação do prestador restringe-se à reparação que só tem lugar quando há lesão.

Tal entendimento, qual seja, o de que o usuário de ser-viço público não pode exigir a restituição da quantia paga ou o abatimento do preço, é compatível, ainda, como o regime de concessão, pois afasta a possibilidade de adoção de medidas indi-viduais que alterem o valor da tarifa (abatimento proporcional do preço) e comprometam a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato (devolução de valores).

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Pois bem. Estas são apenas algumas considerações sobre o tema, que carece de maior aprofundamento e reflexão, sobretudo no que se refere a seus contornos constitucionais. De todo modo, parece-nos ser importante que a aplicação do Código do Consumidor à prestação de serviços públicos concedidos – a qual, em nossa opinião, resulta mais de circunstâncias fáticas do que jurídicas – não se efetive sem consideração das peculiari-dades do regime jurídico que lhe é pertinente, sem a clara per-cepção de que os princípios e regras da legislação consumerista foram concebidos para atividades com características distintas, e de que a intrincada relação entre usuário, prestador do serviço e poder concedente tem caráter jurídico-administrativo.

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Decisões Judiciais

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Autos nº. 98.0017501-6

CAMINHOS DO PARANÁ S/A; CONCESSIONÁRIA ECOVIA CAMINHO DO MAR S/A; EMPRESA CONCES-SIONÁRIA DE RODOVIAS DO NORTE S/A – ECONORTE; RODONORTE – CONCESSIONÁRIA DE RODOVIAS INTE-GRADAS S/A; RODOVIA DAS CATARATAS S/A E RODOVIAS INTEGRADAS DO PARANA S/A – VIAPAR, todas concessioná-rias de obras públicas, consistentes na recuperação, melhoramento, manutenção, conservação, operação e exploração de trechos de rodo-vias federais neste Estado, propuseram esta AÇÃO ORDINÁRIA, indicando como réus o DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DO PARANÁ – DER; o ESTADO DO PARANÁ; a UNIÃO FEDERAL e o DEPARTAMENTO NACIONAL DE ESTRADAS DE RODAGEM – DNER, pedindo: a) a condenação da União a praticar os atos jurídicos necessários à exe-cução fiel das condições constantes dos Convênios de Delegação, dos editais de licitação (por ela aprovados) e dos contratos de concessão ou, se reputar mais adequado, a promover a resilição dos Convênios e a retomada dos bens e serviços para a órbita federal; ou b) a declara-ção da nulidade dos atos administrativos de modificação dos contra-tos de concessão, restabelecendo-se a situação anterior, inclusive no tocante ao valor do pedágio; ou c) a decretação da rescisão dos con-tratos de concessão pactuados entre as Autoras e Réus, por inadim-plemento destes últimos. Pediram, ainda, indenização por perdas e danos, abrangendo danos emergentes e lucros cessantes. Requereram a antecipação da tutela, para o fim de ser restabelecida a situação jurídica existente antes da prática dos atos questionados, com manu-tenção das concessões nos termos constantes da contratação original, ou, alternativamente, autorização de suspensão dos encargos e inves-timentos programados, com a execução tão-somente das despesas relacionadas com a conservação das rodovias principais.

Os efeitos da tutela requerida foram parcialmente ante-cipados, por decisão das fls. 3273-3280, datada de 21 de agosto de 1998, nos seguintes termos:

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“1.Até a decisão final deste processo e enquanto perdurar a redu-ção das tarifas, as autoras ficam obrigadas a executar as obras e os serviços que forem indispensáveis para a manutenção e a conservação das rodovias sob sua responsabilidade, nas mesmas condições em que hoje se encontram, e a manter, no mínimo os serviços de atendimento pré-hospitalar. Tem-se, como certo que as rodovias apresentam, hoje, perfeitas condições de trafegabili-dade e segurança. 2. As verbas para custeio da fiscalização e para o aparelhamento da Polícia Rodoviária ficam reduzidas na mesma proporção da redução das tarifas.3. Todos os demais serviços e obras somente serão executados na medida em que o fluxo de caixa do empreendimento per-mitir, e segundo prioridades que deverão ser estabelecidos de comum acordo entre cada uma das autoras e o DER, e anuência da União.”

Devidamente citados, os réus apresentaram suas contesta-ções. O DER, à fl. 3399; o Estado do Paraná, à fl. 3638; a União, à fl. 4492, e o DNER, à fl. 4503.

As autoras manifestaram-se sobre as contestações à fl. 4546, fazendo a juntada de cópia de parecer técnico elaborado pela MCM Consultores Associados.

Determinada a especificação de provas, a União (fl. 4616) e o DNER (fl. 4618), não tendo provas a produzir, requereram o julgamento antecipado da lide.

O Estado do Paraná (fl. 4626), e o DER (fl. 4629), reque-reram a produção da prova pericial.

As autoras, à fl. 4633, requereram o julgamento anteci-pado da lide, trazendo para os autos os documentos das fls. 4649-4737; cópia do parecer técnico do Eng. Fernando Mac Dowell (fls. 4738-4814) e cópia do parecer técnico de Ricardo Knoepfelmacher (fls. 4816-4963), ambos contratados pelo próprio Estado do Paraná. Ao mesmo tempo, requereram a ampliação da antecipação dos efei-tos da tutela.

O pedido de ampliação da tutela foi indeferido (fl. 4990).Tendo em vista a juntada de pareceres técnicos contrata-

dos pelo próprio Estado do Paraná, pediu-se a confirmação deste, e do DER, quanto ao interesse na produção da prova pericial.

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Decisões Judiciais

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Ambos reiteraram o interesse na realização da prova pericial (fls. 4992 e 4994).

Manifestaram-se, mais uma vez, as autoras, pedindo o indeferimento das provas requeridas, reputando-as inúteis e mera-mente protelatórias.

PASSO A DECIDIR

Das provas.São duas as questões de mérito que deverão ser decidi-

das em sentença, após a conclusão, dizendo respeito à primeira, sobre o rompimento do equilíbrio econômico-financeiro, dos contratos de concessão das rodovias, em razão da medida uni-lateral adotada pelo Estado do Paraná, e a segunda, sobre o pre-juízo daí decorrente. Confirmada a instauração do desequilíbrio econômico-financeiro, o ato que o provocou é ilegal, e por isso, deve ser declarado nulo, enquanto que, demonstrada a existência do prejuízo, os responsáveis deverão ser condenados a indenizar.

Aqui, cuida-se de examinar, agora, sobre a necessidade da prova pericial para o referido julgamento.

Os pareceres técnicos juntados pelas autoras, dois dos quais elaborados por encomenda do próprio Estado do Paraná, já trazem elementos suficientes que permitem decidir ambas as questões. O valor dos prejuízos, cuja existência venha a ser reco-nhecida na sentença, poderá e deverá ser apurada em procedi-mento de liquidação, quando, então, se for o caso, será feita a perícia, por ora desnecessária. Caracteriza-se, portanto, a situação prevista no art. 427 do CPC:

“Art. 427. O juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem sobre as questões de fato pareceres técnicos ou documentos elucidativos que consi-derar suficientes.”

Diante disso, a prova pericial deve ser indeferida, com base no art. 420, parágrafo único, II, do CPC:

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“Parágrafo único. O juiz indeferirá a perícia quando:I – (...)II- for desnecessária em vista de outras provas produzidas.III – (...)”

Como o Estado do Paraná e o DER manifestaram-se nos autos após a juntada, pelas autoras, de documentos e dos pareceres técnicos, é possível presumir que deles tenham tomado ciência. No entanto, não tendo havido intimação expressa para esse fim, devem ser intimados para manifestarem-se sobre os aludidos documentos e pareceres, do modo a afastar eventual alegação de nulidade da futura decisão. Com isso, abre-se oportunidade aos dois menciona-dos réus para contestarem as conclusões dos pareceres trazidos pelas autoras, com a possibilidade, até, de apresentarem o seu parecer téc-nico, em sentido contrário.

Preliminares argüidas.As preliminares argüidas devem ser decididas desde já.

Litisconsórcio ativo.Alega o Estado do Paraná que a natureza do feito não

comporta litisconsórcio ativo, impondo-se, em conseqüência o des-membramento do processo em autos distintos, um relativo a cada uma das autoras. É que a situação de fato de cada uma das autoras seria diversa em relação às outras, assim como seriam inúmeras as variáveis, requerendo uma análise técnica pormenorizada de cada caso, em razão das particularidades de cada contrato, bem como consideração dos reflexos econômico-financeiro produzidos pelas alterações em relação a cada uma das concessionárias isoladamente.

A preliminar deve ser rejeitada, pois acima das diversida-des apontadas, prevalece a identidade do objeto e da causa de pedir e, como observam as autoras, suas pretensõesderivamtodas, igual-mente,deummesmocomplexodeatoeomissõesdosRéus (fls. 4555). Merece atenção o seguinte trecho pinçado da réplica da fls. 4554:

“Transtorno haveria, se o litisconsórcio não se houvesse formado e cada concessionária formulasse sua própria demanda. As várias ações seriam conexas – o que nem o ESTADO põe em dúvida.

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Decisões Judiciais

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Os processos seriam reunidos no mesmo Juízo e os autos, apen-sos. Haveria a multiplicação de peças repetidas (iniciais, contes-tações, recursos, documentos iguais juntados pelos autores e réus nos vários processos etc.) – e, conseqüentemente, o conjunto de cadernos processuais apensos seria ainda maior. A instrução pro-batória ou seria unificada (resultando na mesma situação que se terá em virtude do litisconsórcio), ou, em grande parte, inutil-mente repetida.”

Legitimidade ativa.A União e o DNER levantaram a preliminar de ilegiti-

midade das autoras para pedirem a resilição dos convênios, de que não participaram. Não procede a alegação, pois não é apenas isso que pedem as autoras. Com efeito, pedem a anulação, também, do ato que, unilateralmente, reduziu o valor do pedágio, bem como a indenização pelo dano daí decorrente. Para isso, evidentemente, possuem legitimidade ativa.

Incompetência da Justiça Federal.Alega o DNER que, a se admitir “que possam as Autoras

pleitear um Juízo denúncia de Convênios firmados entre entes fede-rativos, estar-se-ia reconhecendo a possibilidade do poder Judiciário colocar em pólos opostos, entes federativos que pretenderam cele-brar um pacto de cooperação associativa. Impende observar, porém, que para que o Poder Judiciário possa conhecer do pedido contido na alínea “a” da peça vestibular, constatada e provocada a ocorrên-cia de verdadeiro conflito federativo entre a União e o Estado do Paraná, a contenda somente poderá ser validamente dirimida pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, por força do artigo 102, I, “f” da Carta Política...”

Também aqui não procede a preliminar, pois, como se viu, as autoras não pretendem apenas a denúncia do Convênio fir-mado pela União com o Estado do Paraná, mas também a nulidade de ato praticado pelo Estado do Paraná, bem como a indenização devida pelos demais réus, responsáveis pelos prejuízos a elas impos-tos, casos em que inocorrem conflitos entre as entidades federadas.

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Falta de interesse de agir.Diz o DNER que falta às autoras interesse processual,

pois ingressaram em juízo pugnando por providência que já haviam obtido na área administrativa, pois tanto o DNER, quanto a União, já haviam iniciado a prática dos atos jurídicos necessários à execução fiel das condições constantes dos Convênios de Delegação.

A preliminar suscitada não se sustenta, na medida em que, tanto o DNER, como a União, além de não terem tomado nenhuma iniciativa no sentido de atender as pretensões das autoras, estão a contestá-las nesta ação.

Ilegitimidade passiva da União e do DNER.A União e o DNER sustentam não possuírem legitimi-

dade para figurar no pólo passivo da relação processual, pois hou-vera a delegação da competência plena ao Estado do Paraná para deliberar sobre as concessões. Defendem, assim, que não possuem legitimidade passiva, pois nenhum ato foi praticado no âmbito da Administração Pública Federal no sentido de ratificar os atos pra-ticados pelo Estado do Paraná, que foram justamente aqueles que pretensamente causaram prejuízos às autoras.

A preliminar deve ser rejeitada, pois, embora a redução da tarifa de pedágio tenha resultado de ato direto do Estado do Paraná, é ela dependente da autorização prévia da União, pelos seus órgãos competentes. O que as autoras alegam é que a manutenção dessa decisão, sem nenhuma oposição da União e do DNER, importa omissão, da qual resultaram os alegados prejuízos. Dessa perspec-tiva, é de se admitir que, efetivamente, tanto a União, quanto o DNER, estão legitimados a comporem a lide. Ademais, a delegação da administração das rodovias ao Estado do Paraná não pode afas-tar a responsabilidade da União na manutenção desse serviço, que é federal e se reveste do mais alto interesse social.

Ampliação da tutela antecipada.

Os efeitos da tutela foram parcialmente antecipados em decisão liminar datada de 21 de agosto de 1998, como medida necessária para manter o equilíbrio econômico e financeiro dos

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Decisões Judiciais

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contratos de concessão de exploração de rodovias, rompido em vir-tude da redução das tarifas de pedágio, por ato unilateral de um dos réus, o Estado do Paraná. Mais tarde, já em agosto de 1999, as autoras pediram a ampliação da tutela deferida (fl. 4633), pedido esse que não foi acatado, ao argumento de que o periculum in mora teria sido afastado pela liberação das autoras da obrigação de rea-lizarem obras novas, não sendo possível saber, naquele momento, se as dificuldades financeiras de que as autoras se diziam toma-das resultavam da insuficiência da tutela antecipada, ou de outras causas de origem estrutural (fl. 4990). Até então, não tinham sido examinados, com a devida detença, os pareceres técnicos juntados aos autos, pois aguardava-se, ainda, que o Estado do Paraná e o DER sobre eles se manifestassem.

Ambos se manifestaram às fls. 4992 e 4994, requerendo a produção de prova pericial, por entenderem insatisfatórios os pare-ceres técnicos existentes. A disposição assim demonstrada permite prever que a prestação jurisdicional ainda poderá demandar longo tempo, até que se torne definitiva.

O perigo que pode resultar da demora do processo impõe que seja retomada a análise do pedido de ampliação da tutela, pois é esse o instrumento que a técnica processual criou para garantir a efetividade da jurisdição, sempre que esta possa sofrer os danos impingidos pelo tempo.

A quebra do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

Não se nega o direito que tem o Poder Concedente (o Estado do Paraná e o DER) de alterar unilateralmente o contrato de concessão. Tal, porém, só é admitido, se for preservado o equilíbrio econômico e financeiro inicialmente estabelecido no contrato.

Sustenta o DER, às fls. 3415-3416, que esse equilíbrio foi mantido:

“As alegações das concessionárias de que a redução dos encargos e investimentos e a conseqüente redução tarifária inviabilizaria o Programa de Concessões, e torna impossível a recomposição da equação econômica e financeira não é verdadeira, tendo em

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vista que a redução dos encargos e investimentos manteve a taxa de retorno de investimento – TIR nos mesmos patamares das propostas comerciais a fim de preservar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.”

Demonstra, às fls. 3419-3420, que a redução tarifária foi compensada com a supressão dos encargos e investimentos, não tendo, assim, gerado nenhum desequilíbrio financeiro, pois as taxas de retorno do empreendimento (TIR) teriam sido man-tidas no mesmo percentual das propostas originais de cada uma das concessionárias.

Os economistas Cláudio Adilson Gonçalez e Celso Luiz Martone, da MCM Consultores Associados, todavia, demonstram em seu parecer (fls. 4570 e ss.) que essa assertiva é falsa, pois para manter a TIR em nível semelhante ao das propostas originais, o DER introduziu nos custos de administração, operação e conservação das concessionárias, uma injustificada e indevida redução da ordem de 16% a 29% gerando, com isso, saldos de caixa totalmente irreais.

Para compreender a controvérsia assim estabelecida, há necessidade de traduzir alguns termos técnicos.

Qualquer pessoa que invista um capital de R$ 100,00, na data de hoje, para recebê-lo de volta daqui a um ano, certa-mente haverá de querer uma remuneração (juros), mesmo que não haja inflação nesse período. Isso decorre do princípio fundamental de que o dinheiro tem valor diferente no tempo. Se os juros preten-didos forem de 20%, pode-se dizer que, para essa pessoa, é indife-rente receber R$ 100,00 hoje, ou R$ 120,00 daqui a um ano, caso em que se poderá dizer que R$ 100,00 é o Valor Presente de R$ 120,00. Para se determinar o valor presente de um valor a ser rece-bido no futuro é preciso, portanto, levar em conta uma Taxa de Desconto que, no caso, é de 20%. Há que se alertar, porém, que o valor correspondente ao desconto já se encontra embutido no valor futuro (VF), de modo que, para achar o valor presente (VP) não é sobre ele que deve ser aplicada a taxa de desconto (t), sendo neces-sário valer-se da seguinte fórmula: VP = VF ./. (1+t ./.100).

A taxa de desconto que seja suficiente para recuperar o capi-tal investido é conhecida como Taxa Interna de Retorno (TIR).

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Decisões Judiciais

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A Taxa Interna de Retorno TIR, por sua vez, está intima-mente ligada ao conceito de Valor Presente Líquido (VPL).

Se esse mesmo investidor, que precisava receber R$ 120,00, daqui a um ano, para recuperar o capital inicial de R$ 100,00 (porque a taxa interna de retorno é de 20%), receber de volta R$ 150,00, estará recebendo, então, um resultado adicional de R$ 30,00, que é o Valor Presente Líquido (VPL).

Com essas considerações, será possível compreender o ponto central da discussão entre as autoras e o DER/PR.

Afirma o DER que a redução da tarifa de pedágio não trouxe nenhum prejuízo às concessionárias, porque houve uma reprogramação dos investimentos, com a exclusão de obras em mon-tante tal que não alterou a Taxa Interna de Retorno (TIR) prevista nos projetos originais. Com isso pretende-se dizer que a redução de receitas (menor pedágio) foi compensada com igual redução de custos (corte nas obras), de modo que os saldos líquidos de caixa, ao longo dos 24 anos da concessão, permitem a recuperação do capital investido, tal como previsto nos projetos originais.

Ocorre, porém que o DER, conforme confirmam os pare-ceres técnicos, ao reduzir os custos, para compensar a perda da receita, excluiu não apenas o custo das obras cortadas, mas também custos administrativos, que na prática, não sofreram nenhuma redução e, por isso, não poderiam ter sido excluídos. A conseqüência disso é que o fluxo de caixa elaborado pelo DER afasta-se da realidade, pois cortando custos administrativos que efetivamente ocorrem, e que por isso não poderiam ter sido cortados, produziu saldos de caixa irreais, que não recompõem o capital investido.

Veja-se o parecer da MCM Consultores Associados:

fl. 4575“Em primeiro lugar, não é necessariamente verdadeiro que a redução ou alteração temporal dos investimentos reduz os custos com mão de obra. Não é razoável admitir-se, por exemplo, que os investimentos alterados pelo DER/PR (que dizem respeito basicamente à Restauração das Rodovias Principais e Obras de Melhoria e Ampliação da Capacidade) alterariam os valores orça-dos para o pagamento de salários da Administração (Diretorias, Gerências e Pessoal Administrativo).

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“Além disso, o número de praças de pedágio e postos de pesagem foi mantido pelo DER/PR exatamente igual à Proposta Origi-nal. Conseqüentemente, o número necessário de funcionários, por exemplo, para arrecadação de tarifas de pedágio e operação das balanças seria o mesmo. Tampouco é possível dizer, a priori, que o número de acidentes nas estradas do Paraná se reduziria a ponto de evitar gastos com atendimento médico e mecânico. Nada garante que a redução e/ou postergação daqueles investi-mentos, dado o volume de tráfego, provocaria uma redução no número de acidentes – ao contrário, (fl. 4576) intuitivamente, presume-se que deva aumentar a insegurança e, portanto, a ocor-rência de acidentes.(...)“Não é razoável, por exemplo, imaginar que as concessionárias economizem com aluguel/locação de imóveis para sede nos pri-meiros anos do projeto (antes da construção da sede própria), uma vez que o número de funcionários e atividades continuam os mesmos em ambos os casos. O mesmo se pode dizer dos gastos com tarifas (energia elétrica, água e telefone), material de escri-tório, equipamentos para segurança individual e combustível e manutenção de veículos.

fl. 4578-4579“Fatores uniforme de redução dos custos foram utilizados para todas as áreas, como pode ser visto no quadro 3 abaixo. Os redu-tores variam conforme os lotes sem qualquer relação com os cortes e reprogramações dos investimentos. Essas constatações sugerem fortemente a ausência de critérios lógicos na efetivação dos cortes de custos.

Fator de Redução Linear de Custos Proposta Original x Alteração DER

ECONORTEFator de Redução Linear

80%

VIAPARFator de Redução Linear

81%

CATARATASFator de Redução Linear

78%

CAMINHOSFator de Redução Linear

71%

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Decisões Judiciais

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Fator de Redução Linear de Custos Proposta Original x Alteração DER

RODONORTEFator de Redução Linear

75%

ECOVIAFator de Redução Linear

84%

Ricardo Knoepfelmacher, da MGDK & Associados confirma à fl. 4834:

“Além disso, as propostas de reequilíbrio apresentadas pelo Poder Concedente envolveram um raciocínio pelo qual os custos e des-pesas operacionais constantes das propostas das seis concessio-nárias foram alterados pela aplicação de fatores redutores. Essa prática não é adequada, pois os orçamentos de custos e despe-sas operacionais são partes integrantes do plano de negócios das concessionárias e, portanto, a única forma de alterar-se esses orçamentos seria alterando-se os encargos a elas impostos. Nada indica que haja relação direta entre a redução de receitas decor-rentes de alteração das tarifas decidida pelo Poder Concedente e a redução de despesas administrativas e operacionais nas rodovias, pois não houve alteração de encargos. Por isso, não seria correto introduzir-se, especialmente em uma medida unilateral do Poder Concedente, multiplicadores que reduzam (ou aumentem) estes valores, uma vez que eles fazem parte do conjunto de premissas já em análise pelas instituições com as quais as concessionárias vinham negociando o financiamento aos projetos.”

Mas, não é apenas o corte indiscriminado e injustificado dos custos administrativos que distorce o fluxo de caixa elabo-rado pelo DER. Segundo a MGDK & Associados, não se levou em consideração a realidade de que um empreendimento do porte desse assumido pelas concessionárias exige sempre a participação de capital de terceiros, por via de financiamentos. Por isso, na apre-ciação das entradas e saídas de recursos, é preciso levar em conta os aportes gerados pelos empréstimos e os dispêndios relativos ao serviço da dívida.

Confira-se à fl. 4835:

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CONTRATOS DE CONCESSÃO DE RODOVIAS: ARTIGOS, DECISõES E PARECERES JURíDICOS

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“O Poder Concedente, quando elaborou as simulações que cul-minaram nas propostas feitas às seis concessionárias, elaborou apenas Fluxos de Caixa de Projeto, ou seja, os Fluxos de Caixa que partem da premissa de que os empreendimentos seriam suportados apenas por capital próprio dos acionistas. Não foi essa a premissa das propostas das concessionárias – até porque, conforme já dito, isso praticamente nunca ocorre.”

Por todas essas razões, o fluxo de caixa elaborado pelo DER precisa ser corrigido, levando-se em consideração os custos administrativos, que não sofreram nenhuma redução com a repro-gramação das obras, e introduzindo-se os componentes relacionados com o aporte do capital financiado.

É a advertência que faz Ricardo Knoepfelmacher, da MGDK & Associados, à fl. 4835:

“Por isso, conforme dito anteriormente, a avaliação da equação econômica financeira de um projeto desse tipo deve necessaria-mente levar em conta o novo Fluxo de Caixa Alavancado, ou seja, o Fluxo de Caixa que considera os financiamentos e os encargos financeiros compatíveis com o quadro gerado, e que permite que se avalie os resultados do empreendimento, nessas novas condições para os seus acionistas.”

Esse trabalho foi realizado por MCM Consultores Asso-ciados que, comparando os fluxos de caixa da proposta original das concessionárias e da alteração unilateral promovida pelo DER com outras duas simulações, determinou o Valor Presente Líquido de cada uma das situações, chegando à conclusão de que a redução da tarifa de pedágio não foi compensada pelo corte de investimentos e, por isso, provocou efetivo desequilíbrio econômico e financeiro dos contratos da concessão (fls. 4581 e 4582):

“2.3.2 – Fluxo de caixa com alavancagem financeira.Nessa seção analisaremos os fluxos de caixa sob a ótica do empreen-dedor, ou seja, considerando-se os empréstimos de capital de tercei-ros e os pagamentos dos serviços da dívida. Essa abordagem torna-se particularmente importante no caso em exame, dado que – como ficou demonstrado – na maioria dos lotes as alterações promovidas pelo DER/PR nos investimentos e nas tarifas provocaram maior necessidade de financiamento nos primeiros anos da concessão.

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Decisões Judiciais

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(...) O quadro 5 mostra os comparativos dos VPI s para quatro diferentes situações:i) Fluxo alavancado da Proposta Original (primeira coluna);ii) Alteração DER/PR, onde aceita-se, apenas a título ilustrativo, as reduções de custo promovidas pelo órgão e considera-se o financiamento previsto na Proposta Original (segunda coluna):iii) Alteração DER/PR, mas mantendo-se os CAOC (Custos de Administração, Operação e Conservação) e os financiamentos previstos na Proposta original (terceira coluna) eiv) Alteração DER/PR, com os CAOC da proposta original e considerando-se aportes adicionais de recursos de terceiros para cobrir as novas necessidades de caixa, com os custos de captação obedecendo às condições atuais de mercado (quarta coluna).

Quadro 5Comparativo dos Fluxos de Caixa com Financiamento

Saldos de Caixa com Alavancagem FinanceiraValor Presente Líquido a Taxas de Desconto Relevantes

Taxa

s Des

cont

o

LOTE 1 LOTE 2

Prop

osta

Orig

inal

Alte

raçã

o D

ER/P

R

c/ F

inan

c. O

rigin

al

Rec

álcu

lo (*

) c/

Fina

nc. O

rigin

al

C/ F

inan

c. A

dici

onal

a

Con

diçõ

es M

erca

do

Prop

osta

Orig

inal

Alte

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Rec

álcu

lo (*

) c/

Fina

nc. O

rigin

al

C/ F

inan

c. A

dici

onal

a

Con

diçõ

es M

erca

do

13,0%14,0%15,0%

10.1548.3126.725

12.6179.4206.710

-11.971-13.725-15.121

-72.536-60.534-50.864

63.06051.47541.647

61.74547.70035.848

25.89914.1824.407

19.0609.3041.248

LOTE 3 LOTE 4

13,0%14,0%15,0%

41.94833.79626.935

37.43028.45920.941

5.906-1.329-7.251

-11.074-13.551-15.444

22.38618.88915.926

15.02411.0037.614

-10.613-13.197-15.298

-10.613-13.197-15.298

LOTE 5 LOTE 6

13,0%14,0%15,0%

162.943134.692110.769

145.471116.56792.278

93.60767.87746.445

80.47058.92741.125

22.00017.61313.882

18.82614.07710.072

-1.275-4.829-7.757

-12.857-13.302-13.619

(*) O recálculo foi realizado com base no fluxo de caixa do DER/PR, mantendo os custos de Administração, Operação e Conservação das propostas originais.

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CONTRATOS DE CONCESSÃO DE RODOVIAS: ARTIGOS, DECISõES E PARECERES JURíDICOS

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“Nota-se que, mesmo que se considerássemos válidas as estima-tivas dos CAOC presentes na alteração do DER/PR e admitísse-mos a hipótese otimista muito pouco provável de que os finan-ciamentos ainda pudessem ser obtidos nas mesmas condições consideradas nas propostas originais, os VPL s apresentados na segunda coluna (Alteração DER/PR com Financiamento Origi-nal), quando comparados aos da Proposta Original, atestam que as equações de equilíbrio econômico-financeiras dos contratos de concessão estariam, na maioria dos casos, comprometidas.”

A análise do quadro supra reproduzido demonstra que, mesmo que se admita como verdadeira a premissa adotada pelo DER, segundo a qual haveria efetiva redução dos custos adminis-trativos, da ordem de 16% a 29% (fato que os técnicos negam de forma unânime), ainda assim, a reprogramação feita pelo Estado do Paraná, ao reduzir a tarifa de pedágio, não permite a manuten-ção do mesmo VPL (Valor Presente Líquido) previsto nas propostas originais. À exceção do Lote 1, em todos os demais há efetiva perda das concessionárias. Compare-se a coluna “Proposta Original” com a coluna “Alteração DER/PR c/Financ. Original”. Verifique-se, contudo, que o equilíbrio que se observa em relação ao Lote 1 é apenas aparente, pois, quando se introduzem no fluxo de caixa os custos administrativos indevidamente reduzidos pelo DER, tem-se como resultado um Valor Presente Líquido negativo, o que equivale dizer que, nesse caso, o capital investido não só não será recupe-rado, como, ainda, sofrerá redução. Ou seja, haverá efetivo prejuízo. Compare-se a coluna “Proposta Original” com a coluna “Recálculo c/Financ. Original”.

Inviabilização do programa de concessões.É facilmente compreensível e até mesmo intuitivo que

um empreendimento de tal vulto como o de construir, conservar e explorar rodovias somente seja viável se houver um financiamento de longo prazo, seja porque o empreendedor privado não possui o capital necessário, seja porque o retorno do capital investido não ocorre imediatamente. A viabilidade de um programa que tem por objeto a exploração de rodovias, mediante a cobrança de pedágio, depende, portanto, da sua financiabilidade.

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Decisões Judiciais

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Os pareceres técnicos juntados aos autos demonstram que a atitude unilateral do Estado do Paraná, ao reduzir a tarifa de pedágio, golpeou duramente a financiabilidade do programa.

Afirma o eng. Fernando Mac Dowell, à fl. 4749, que

“Devido à medida unilateral do Governo, abalou a credibilidade do programa junto aos agentes financeiros, comprometendo os empréstimos de longo prazo em negociação para o cumprimento do Programa original.”

Ricardo Knoepfelmacher, da MGDK & Associados é enfático:

fl. 4839“O grande problema advêm do fato de que, com a redução das tarifas de pedágio, foi alterada de forma importante a percepção do risco dos financiamentos quanto ao Anel de Integração. Com isso, os processos de negociação dos empréstimos de longo prazo foram interrompidos.Em resumo, desde a reduçãodastarifas de pedágio os seis contratos de concessão referentes ao Anel de Integração do Paraná encon-tram-se praticamente paralisados. As concessionárias, tendo sido desobrigadas pela Justiça dos investimentos previstos em contrato, estão na prática apenas prestando, precariamente, os serviços de atendimento ao usuário e de conservação.Sem condições de contrair financiamentos de longo prazo, as empresas concessionárias estão tendo que promover a rolagem de seus empréstimos-ponte, que deverão perdurar até que os finan-ciamentos de longo prazo sejam viabilizados, o que somente será possível algum tempo após a recomposição do equilíbrio econô-mico-financeiro dos contratos de concessão.A simples retomada das negociações envolvendo esses emprés-timos de longo prazo depende do reequilíbrio contratual, que é, na prática, ponto de partida para qualquer evolução do Anel de integração.”fl. 4841Na origem do quadro de dificuldades hoje vivido pelo Anel de Integração do Paraná está a medida tomada pelo Poder Conce-dente, pela qual as tarifas de pedágio foram reduzidas sem que fosse promovido, ao mesmo tempo, o efetivo reequilíbrio das equações econômico-financeiras dos contratos de concessão.

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A quebra do equilíbrio contratual teve lugar, portanto, em função de ato unilateral adotado pelo Governo do Estado. O perfil de risco dos empreendimentos foi alterado não em função de questões conjunturais, mas dessa medida governamental.Certamente, a simples retomada das tarifas, fruto de mero racio-cínio matemático, não é por si suficiente para a recuperação do equilíbrio econômico-financeiro, pois a percepção de risco por parte dos financiadores, que impacta o custo de captação das con-cessionárias e onera os projetos, é hoje significativamente maior que antes da redução das tarifas.A repactuação de uma nova equação de equilíbrio para os con-tratos de concessão, portanto, somente será justa e eficaz se forem levadas em conta, quanto às condições de financiamento, as pre-missas impostas pelo contexto atual do Anel de Integração.”

Todas essas considerações levam à segura convicção de que o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos de concessão resultou, efetivamente, rompido em razão da redução unilateral da tarifa de pedágio, e de que esse equilíbrio não veio a ser restaurado, nem pela reprogramação feita pelo DER, nem pela antecipação par-cial dos efeitos da tutela, liminarmente deferida.

Nulidade da redução unilateral das tarifas de pedágio.Necessidade de aprovação prévia do Ministério dos Transportes.

A administração e a exploração de trechos de rodovias foi delegada ao Estado do Paraná, mediante convênio firmado com a União. Consta, no convênio, como obrigação do Estado do Paraná submeter ao Ministério dos Transportes qualquer alteração do pro-gramainicial,e como obrigação do Ministério dos Transportes, na qualidade de delegante, aprovaroudesaprovarpropostasdealteraçãodoprograma inicial, consoante§3ºdoart.4ºdaPortariano368/GM,de11desetembrode1996(Cláusula Quarta, item 1, inc.IX, e item 3, inc. I).

A alteração do programa inicial foi feita mediante porta-rias do DER, sem prévia submissão ao Ministério dos Transportes que, em decorrência, não pode autorizá-la. A alteração assim pro-movida pelo DER extrapolou, portanto, a delegação outorgada ao

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Estado do Paraná, sendo, assim, nula, ante a carência de funda-mento de validade.

Diante dessa alteração não autorizada, assim se pronun-ciou o Consultor Jurídico do Ministério dos Transportes, em nota encaminhada ao Ministro da Pasta (fls. 3251-3259):

“Preliminarmente cumpre esclarecer que os Convênios de dele-gação celebrados com o Estado do Paraná têm por objeto a dele-gação da administração e exploração de rodovias ou trechos de Rodovias Federais e, nos termos de suas cláusulas, o exercício da administração e da exploração, mediante concessão, dar-se-á em acordo com o Programa de Concessões Rodoviárias do Estado, aprovado pela União, o qual faz parte integrante de cada um dos respectivos Convênios, não havendo quaisquer previsões de que o estado Delegatário unilateral de assim proceder.(...)É sabido que o estado define inicialmente as tarifas a serem impos-tas, com base nas propostas apresentadas pela concessionária e sempre dentro de uma metodologia já discutida com o DNER, a qual deve estar contida no programa apresentado pelo Estado quando do pleito inicial. Se assim estiver caracterizado, tal medida, para ser adotada pelo Estado, somente poderia acontecer se pre-cedida de aditamento ao convênio, em face da configuração da alteração do programa, sujeito a nova aprovação deste Ministério, bem assim, de estudos técnicos e econômicos que demonstrem a necessidade de revisão das tarifas em estrita observância às dispo-sições ínsitas na legislação federal de concessões (Lei nº 8.987/95), a qual encontra-se jungida o instrumento pactual compondo o rol de normas que a fundamentam, nitidamente citadas no preâm-bulo dos contratos.Assim, entende-se ser necessário a expedição de expediente àquele Estado, alertando-o da ilegalidade do ato pretendido, (...)”

A ilegalidade é apontada, também, pelo Procurador Geral do DNER, em nota dirigida ao Diretor Geral dessa autar-quia (fls. 3260-3270):

“Vemos, portanto, que para obtenção da delegação, o Estado do Paraná teve projetos técnicos aprovados pelo Ministério dos Transportes que, certamente, observaram as normas técnicas para execução de obras e serviços vigentes do DNER.As portarias editadas em 17 de julho de 1998, subscritas pelo Diretor Geral do DER/PR, sem qualquer comunicação prévia ao

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Ministério de estado dos Transportes ou a esta Autarquia Federal, aprovam a redução de serviços a serem executados na rodovia, reduzindo conseqüentemente, o valor da tarifa cobrada pela Con-cessionária. Ora, basta um perfunctório exame das normas acima transcritas para que possamos verificar que a Autarquia Estadual, antes de submeter ao exame do Ministério dos Transportes e do DNER as modificações nos projetos aprovados para viabilizar o Convênio, não os pode modificar, alterando os quantitativos de obras e serviços a serem executados nas Rodovias.”

Necessidade da manutenção do equilíbrio econômico financeiro.

Segundo o art. 65 da Lei no. 8.666, de 21-6-1993, a Administração pode alterar unilateralmente os contratos admi-nistrativos, quandohouvermodificaçãodoprojetooudasespecifi-cações, paramelhor adequação técnicaaos seus objetivos.Dispõe, ainda, que, havendoalteraçãounilateraldocontratoqueaumenteos encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer,por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.O res-tabelecimento desse equilíbrio econômico-financeiro, por sua vez, importando alteração do contrato, só pode ser realizado de comum acordo. Confira-se:

“Art. 65. Os contratos regidos por esta lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:I – unilateralmente pela Administração:(...)b) quando necessária a modificação do valor contratual em decor-rência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei:II – por acordo das partes:(...)d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicial-mente entre os encargos do contrato e a retribuição da Adminis-tração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisí-veis, ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando área econômica extraordinária ou extracontratual.

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§ 6º “Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente os encargos do contrato, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.”

Essa disciplina, que se impõe pela própria força da lei, foi reproduzida no contrato de concessão que o Estado do Paraná firmou com cada uma das concessionárias. Veja-se:

“CLÁUSULALIIIDaalteraçãodoCONTRATOEsteCONTRATOpoderáseralteradonosseguintescasos:I–unilateralmente,peloDER,paramodificaroPROGRAMADEEXPLORAÇÃODOLOTE;II–poracordo:a) quando conveniente a substituição de garantias contratuais;quandonecessáriaamodificaçãopararestabelecerarelaçãoàspartespactuaraminicialmente,entreosencargosdaCONCESSIONÁRIAeasreceitasdaconcessão,objetivandoamanutençãodoinicialequi-líbrioeconômicoefinanceirodesteCONTRATO.”

Apesar da previsão legal e da convenção contratual, o DER reduziu o valor do pedágio e, unilateralmente, modificou o programa de exploração, tentando recompor o equilíbrio econômi-co-financeiro, abalado pela redução da tarifa de pedágio.

Ocorre, porém, que o equilíbrio não foi restaurado, con-forme consenso unânime dos técnicos, resultando, daí, não só a nulidade do ato que determinou a redução tarifária, como também do ato unilateral que pretendeu, mas não conseguiu, restabelecer o necessário equilíbrio econômico-financeiro, que o próprio contrato de concessão define como condiçãofundamentaldoregimejurídicoda concessão (Cláusula XIV, item I) e como pressuposto básico daequaçãoeconômicaefinanceiraquepresidiráasrelaçõesentreaspartes(Cláusula XIV, item 2).

Ampliação da antecipação dos efeitos da tutela requeridaA antecipação dos efeitos da tutela parcialmente deferida

no dia 21-8-98, há mais de um ano, portanto, tinha evidente caráter provisório, pois rodovia nenhuma pode manter-se por longo tempo,

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apenas com as obras de conservação e reparos, sem sofrer deterio-rações que o afetem, até, em sua estrutura. Pretendeu-se, na oca-sião, preservar a população de um pedágio, cujo valor era julgado excessivo, e, ao mesmo tempo, abrir uma oportunidade para que as partes pudessem caminhar com celeridade a uma solução de con-senso, a única possível para resolver o caso. Tal, contudo, não ocor-reu, tornando-se necessário rever aquela decisão, que já se mostra insuficiente para proteger o direito das autoras do perigo da demora, existindo, agora, condições para dar atenção à observação feita pelo Juiz Volkmer de Castilho, no julgamento do Agravo de Suspensão de Execução de Liminar nº 1998.04.01.056815-3, ao referir-se à antecipação apenas parcial da tutela requerida (fl. 4670):

“Penso que S.Exª não optou pela melhor solução; parece-me que, em respeito aos contratos, deveria ter restabelecido tanto o valor como os encargos e deixar a situação como se fosse a situação anterior, mas como, por algumas considerações que não vêm ao caso discutir, resolveu, ao invés de restabelecer o valor da tarifa, reduzir ainda mais as condições de desempenho e os encargos das empresas...”

Na atual fase em que se encontra o processo, quando falta apenas colher as razões que o Estado do Paraná e o DER possam ter contra os pareceres técnicos juntados aos autos, dois dos quais encomendados pelo próprio Estado do Paraná, já se tem uma cog-nição que ultrapassa os limites da mera plausibilidade, para adquirir elevado grau de certeza, podendo-se afirmar com grande segurança que, efetivamente, são ilegais as portarias do DER, que reduziram o valor das tarifas de pedágio, sendo, em conseqüência, nulas, assim como são nulas as alterações do programa de exploração, unilateral-mente feitas pelo DER. Tudo isso porque, em primeiro lugar, exor-bitam da delegação recebida a união, pois que não contaram com a prévia aprovação do Ministério dos Transportes e, em segundo lugar, porque, mesmo que assim não fosse, rompem com o equi-líbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão, enquanto que as proposições de recomposição não restabelecem, de maneira alguma, as condições iniciais dos referidos contratos, como, aliás,

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reconhecem à unanimidade os técnicos que examinaram a questão. Tem-se, assim, como presente, o pressuposto do fumus boni juris.

O prejuízo que decorre da demora do processo é claramente perceptível, pois todo o programa de concessões tende a inviabilizar-se, seja pela impossibilidade de manter as rodovias em bom estado, por longo tempo, com as receitas reduzidas pela metade, seja pela impossi-bilidade de obter recursos externos, por meio de financiamentos, pois a única garantia dos investidores, que é a receita do pedágio, é unila-teralmente manipulada pela vontade política da Administração, sem preservar as condições que serviram de base para os contratos.

A simples leitura do parecer da MCM Consultores Associados, juntado pelas autoras, e dos pareceres encomenda-dos pelo Estado do Paraná à MGDK & Associados S/C Ltda. (Ricardo Knoepfelmacher), e ao Eng. Fernando Mac Dowell, não deixa dúvidas de que a medida unilateral tomada pelo DER 1) quebrou o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos de concessão; 2) inviabilizou a execução destes; e 3) trouxe prejuízo às concessionárias.

Além disso, a manutenção da situação provisoriamente admitida pelo provimento liminar que antecipou parcialmente os efeitos da tutela requerida, tende, com o passar do tempo, a agravar a situação de insustentabilidade dos projetos, reclamando urgente revisão, até mesmo para atender à apreensão manifestada pelo DER, em sua contestação, às fls. 3426-3428:

“Sobre a antecipação da tutela jurisdicional deferida por VOSSA EXCELÊNCIA, “data máxima vênia” inviabilizará o Programa de Concessões no Estado do Paraná, reduzido que foi a um mínimo de obras e serviços, conforme alteração do (PER), sendo que o Programa de concessões, ficará restrito a uma mera opera-ção denominada “tapa buracos” a título de conservação, propor-cionando em curtíssimo espaço de tempo a volta das rodovias ao estado anterior ao pedágio, pois é certo e inegável que o tráfego pesado e intenso demanda obras de maior envergadura e suporte para a adequada prestação de serviços aos usuários com a melho-ria das condições de tráfego e de segurança.(...)“Com tal procedimento, difícil não é prever que o pavimento terá sua vida útil reduzida, terminando sucateado pelo excesso de peso

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dos veículos de transporte ante a ausência de restauração e servi-ços de pesagem, ensejando assim, a falência total do pavimento e o comprometimento das obras de arte especiais das rodovias que compõem o Anel de Integração.(...)“Vale destacar, também, no caso em apreço, que está em jogo não só a preservação da obra pública (rodovia, obras de arte espe-ciais e serviços), mas diretamente o próprio desenvolvimento das regiões e indiretamente de todo o Estado resultante do melhor escoamento de produtos, bens e riquezas de forma mais rápida e segura, isto sem falar no bem maior que é a segurança do usuário tanto material quanto pessoal.”

Por outro lado, “Gazeta Mercantil”, na edição do dia 28 de outubro do corrente ano, à página A-6, sob o título “Quebradecontratospreocupainvestidorexterno”, destaca que:

“O descumprimento de contratos de privatização pelos governos federal e estaduais, como ocorreu no Paraná e Rio Grande do Sul – é um dos fatores que, ao lado da disputa judicial em torno da Cemig, tem suscitado a desconfiança dos investidores inter-nacionais. O resultado é a falta de crédito e o desinteresse por investimentos diretos no Brasil.Diretores de três bancos estrangeiros afirmam que as opera-ções de “Project finance” para concessões de rodovias estaduais foram praticamente inviabilizadas após esses incidentes. O pró-prio Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) suspendeu negociações de financiamento de conces-sionárias depois que os governos gaúcho e paranaense congela-ram ou reduziram tarifas de pedágio.”

Também o Procurador Geral do DNER demonstra o seu receio, à fl. 3262, em nota dirigida ao Diretor Geral daquela autarquia:

“Assim, como se pode perceber, a diminuição em percentual apro-ximado dos 50% do valor da tarifa pode ocasionar não só grave instabilidade ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato, como também a suspensão de financiamentos imprescindíveis ao regular andamento da concessão, podendo advir daí conseqüên-cias gravíssimas, inclusive a rescisão do contrato, com pesados ônus para a Administração Pública e para o usuário.”

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Fica claro, assim, que o acréscimo dos efeitos danosos do provimento liminar, apontados pelo próprio DER, aos outros efeitos, até mais danosos, ainda, decorrentes da redução unilateral da tarifa de pedágio, levará à total inviabilização todo o programa de concessões de rodovias. Está presente, assim, o pressuposto do periculum in mora, tornando urgente conferir maior amplitude à antecipação dos efeitos da tutela requerida.

Cumpre advertir que não é objeto desta ação determinar o valor do pedágio que seja tecnicamente adequado e economica-mente suportável pela população, mas, unicamente, decidir sobre a legalidade do ato unilateral do Estado do Paraná que reduziu pela metade a tarifa de pedágio por ele mesmo estipulada. Se a decisão final apontar para a efetiva ilegalidade e conseqüente nulidade do ato, o efeito necessário será o restabelecimento do valor do pedágio inicialmente fixado. É esse o efeito que, diante das circunstâncias presentes nos autos, que convencem quanto à verossimilhança da alegação de ilegalidade, a que se antecipa. Assim fazendo, não se está aumentando o valor do pedágio, mas, simplesmente, reconduzin-do-o ao patamar inicialmente estabelecido pelo próprio Estado do Paraná. Assim, se esse valor se mostrar excessivo e economicamente insuportável pela sociedade, não é ao Poder Judiciário que caberá a busca da solução, mas ao próprio Estado do Paraná, que o fixou. Advirta-se, ainda, que a ilegalidade do ato não repousa unicamente na redução do valor do pedágio, mas nesse fato acrescido do dese-quilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão que, inevi-tavelmente, acarreta. Isso significa que esta decisão judicial não está a proibir a redução da tarifa de pedágio, mas a declarar que, promo-vida a redução, obrigatoriamente deve ser restabelecido o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, porque, do contrá-rio, estará ferido o direito que a concessionária tem de ver mantidas as condições iniciais do contrato. Por isso, se o Estado do Paraná estiver convencido de que a tarifa do pedágio foi, por ele, próprio, fixado em valor demasiadamente elevado para a população, não só poderá, como deverá reduzi-la, resguardando, todavia, o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão.

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DECISÃOPor tudo isso, com base nos fundamentos expostos:1. Indefiro a prova pericial requerida pelo Estado do

Paraná e pelo DER.2. Faculto, todavia, a apresentação pelo Estado do Paraná

e pelo DER, de contestação aos documentos juntados pelos autores às fls. 4569-4614, e 4633-4989, ou de laudo ou parecer técnico de pro-fissional qualificado de sua livre escolha, com a mesma finalidade, no prazo comum de 60 (sessenta) dias.

3. Rejeito todas as preliminares levantadas pelo Estado do Paraná, pela União e pelo DNER, em suas manifestações das fls. 3638, 4492 e 4503, respectivamente.

4. Considero presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, não havendo irregularidades a sanar ou nulida-des formais a declarar. Dou, assim, por saneado o processo.

5. Ante a inequívoca prova que me convence, de forma segura, quanto à verossimilhança da alegação de ilegalidade das por-tarias do DER, que reduziram o valor do pedágio, sem restabelecer adequadamente o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos de concessão, e, por isso, ameaçam de dano irreparável todo o pro-grama de concessões de rodovias, ANTECIPO OS EFEITOS DA TUTELA REQUERIDA em amplitude maior do que aquela defe-rida na decisão das fls. 3273-3280, para restabelecer os valores da tarifa de pedágio inicialmente fixados nos contratos de concessão, acrescidos dos reajustes neles previstos. Todavia, para que a comu-nidade diretamente afetada não seja colhida de surpresa, a cobrança dos valores restabelecidos deverá ser precedida de ampla divulgação, com pelo menos 30 dias de antecedência.

Intimem-se.

Curitiba, 17 de dezembro de 1999.

Zuudi SakakiharaJuiz Federal da 1ª Vara

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AÇÃO ORDINÁRIA

Autos no 98.0017501-6Autor: Caminhos do Paraná S/A. Concessionária Ecovia Caminho do Mar S/A Empresa Concessionária de Rodovias do Norte S/A – Econorte Rodonorte – Concessionária de Rodovias Integradas S/A Rodovia das Cataratas S/A Rodovias Integradas do Paraná – ViaparRéu: Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Paraná – DER Estado do Paraná União Federal Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER

SENTENÇA

1. RelatórioTrata-se de ação ordinária ajuizada pelas concessioná-

rias de trechos de rodovias federais neste Estado em face dos réus acima nominados em que se discute, basicamente, a validade dos atos administrativos que alteraram unilateralmente os contratos de concessão.

Passo a relatar os fatos ocorridos a partir do r. despacho saneador de fls. 5001 a 5018, o qual bem resumiu e decidiu as ques-tões processuais então pendentes.

As partes foram regularmente intimadas (fls. 5021-v, 5023-v e 5154-v). O Estado do Paraná interpôs embargos de decla-ração (f1s. 5.024 a 5.026), aos quais foi negado provimento (fls. 5.087 a 5.088).

A Federação da Agricultura do Estado do Paraná – FAEP – requereu seu ingresso nos autos como assistente, muito embora sem especificar a quem pretende assistir às fls. 5.027 a 5.086.

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Sobre tal pedido, o Estado do Paraná e a União mani-festaram-se favoravelmente (fls. 5.124 e 5.139, respectivamente); a parte autora e o DER manifestaram-se contrariamente (fls. 5.126 - 5.133 e 5.144 – 5.151, respectivamente).

Por fim, o Estado do Paraná e o DER pediram a dilação do prazo para apresentação do laudo técnico deferido pelo r. despa-cho saneador.

No dia 23 de março de 2000, foi protocolada petição subscrita pelos procuradores da parte autora, do Estado do Paraná e do DER, informando sobre a realização de transação, bem como, pedido de sua homologação judicial.

O DNER e a União afirmaram que não se opõem à transação.

É o relatório. Decido.

2. FundamentaçãoAs concessionárias-autoras firmaram com o DER e o

Estado do Paraná os Termos Aditivos ao Contrato de Concessão de Obras Públicas, que representam verdadeira transação e pedem homologação judicial dos referidos acordos.

Diante de transação sobre direitos disponíveis – e assim o é o direito patrimonial decorrente de contratos de concessão – só cabe ao juiz analisar os requisitos formais para que proceda à homologação.

Cumpre, então, analisar à luz dos arts. 1.025 a 1.036 do Código Civil a regularidade dos seguintes Termos Aditivos:

•TermoAditivono 14/2000 ao Contrato de Concessão de Obras Públicas no 071/97, celebrado entre o Estado do Paraná, por intermédio do DER/PR, à União, como interveniente, através do Ministério dos Transportes, o DNER e a ECONORTE S/A;

•TermoAditivono 15/2000 ao Contrato de Concessão de Obras Públicas no 072/97, celebrado entre o Estado do Paraná, por intermédio do DER/PR, à União, como interveniente, através do Ministério dos Transportes, o DNER e a Empresa Concessionárias Rodovias Integradas do Paraná S/A;

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•TermoAditivono 16/2000 ao Contrato de Concessão de Obras Públicas no 073/97, celebrado entre o Estado do Paraná, por intermédio do DER/PR, à União, como interveniente, através do Ministério dos Transportes, o DNER e a Empresa Rodovia das Cataratas S/A;

•TermoAditivono 17/2000 ao Contrato de Concessão de Obras Públicas no 074/97, celebrado entre o Estado do Paraná, por intermédio do DER/PR, à União, como interveniente, através do Ministério dos Transportes, o DNER e a Concessionária Caminhos do Paraná S/A;

•TermoAditivono 18/2000 ao Contrato de Concessão de Obras Públicas no 075/97, celebrado entre o Estado do Paraná, por intermédio do DER/PR, à União, como interveniente, através do Ministério dos Transportes, o DNER e a RODONORTE S/A e

•TermoAditivono 19/2000 ao Contrato de Concessão de Obras Públicas no 076/97, celebrado entre o Estado do Paraná, por intermédio do DER/PR, à União, como interveniente, através do Ministério dos Transportes, o DNER e a Ecovia Caminhos do Mar S/A.

Pela leitura dos Termos Aditivos, os quais seguem o mesmo padrão, depreende-se que houve concessões mútuas dos contratantes acerca do objeto do litígio.

A transação limitou-se à alteração do sistema tarifário inicialmente vigente e à revisão das prioridades de investimentos requeridos para cada um dos lotes de rodovia. Constam outras cláusulas, como a que desobriga as concessionárias de promove-rem desapropriações ou servidões administrativas, que retornam à competência do DER, com a conseqüente supressão da cláusula contratual que tratava da verba para custeio de desapropriação, no contrato originário.

Trata-se, portanto, de alterações pontuais nos contratos de concessão anteriormente firmados.

O que difere em relação a cada concessionária são os anexos, justamente tendo em vista a particularidade de cada lote de rodovias. Assim, o Anexo I de cada Termo Aditivo traz alterações

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no Programa de Exploração de Rodovias (PER); o Anexo II altera a estrutura tarifária e o Anexo III produz alterações nos quadros da proposta comercial.

Não existem irregularidades na transação, uma vez que as partes dispuseram somente acerca dos seus direitos, não prejudi-cando nem aproveitando senão os que nela intervieram.

As concessionárias, o Estado do Paraná e o DER renuncia-ram, ainda, a qualquer pretensão que pudessem deter em relação ao DNER ou à União, que se mantiveram alheios à transação, fundadas nos eventos descritos na Ata de Reunião do Programa de Concessão de Rodovias – Anel de Integração de 15 de março de 2000.

O DNER, tendo tomado conhecimento da transação, a ela não se opôs, conforme se lê da petição protocolada em 23 de março de 2000. Assim também se manifestou a União, através do seu procurador judicial.

As transações que se apresentam para homologação mos-tram-se, portanto, regulares.

Caberia a este juízo, ainda, decidir acerca do pedido de assistência formulado pela Federação de Agricultura do Estado do Paraná – FAEP. Tendo em vista que os eventuais assistidos transigi-ram, conforme a análise supra, o pedido resta prejudicado.

3. DispositivoEm virtude do exposto, homologo os termos aditivos

aos contratos de concessão acima analisados, bem como a tran-sação veiculada por meio da petição de fls. 5169-5170, extin-guindo o processo com julgamento de mérito, fulcro no art. 269, III do CPC.

Cada uma das partes arcará com os honorários do seu advogado.

Os encargos processuais serão suportados pela parte autora.

Oficie-se aos relatores dos agravos de instrumento inter-postos contra as decisões tomadas neste processo, dando-lhes ciên-cia desta sentença.

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A sentença começa a produzir efeitos desde logo, haja vista a desistência do prazo recursal feito pela parte autora, pelo DER e pelo Estado do Paraná.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Curitiba, 24 de março de 2000

Silvia Regina Salau BrolloJuíza Federal Substituta1ª Vara Federal

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Superior Tribunal de Justiça

SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA Nº 174 - PR (2005/0146360-5)REQUERENTE : CAMINHOS DO PARANÁ S/AADVOGADO : CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO FILHO E OUTROSREQUERIDO : DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRI-BUNAL DE JUSTIÇADO ESTADO DO PARANÁINTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

DECISÃO

Vistos, etc.Sustentando a ocorrência de grave lesão à ordem adminis-

trativa, à segurança e à economia públicas, a concessionária de ser-viços públicos de administração e exploração de rodovias Caminhos do Paraná S/A, pede, aqui, a suspensão da decisão proferida pelo Juiz de Direito da Comarca de Lapa/PR, que nos autos da Ação Civil Pública que lhe move o Ministério Público do Paraná, determinou a suspensão do percentual de 42,86% a ser aplicado sobre as tarifas de pedágio cobradas na BR 476 – trecho Lapa-Araucária/PR.

Alega que após vencer a Concorrência Internacional nº 004/96, realizada pelo Governo do Estado do Paraná para execu-ção de obras e serviços de recuperação, melhoramento, manutenção, conservação, operação e exploração de trechos de rodovias, celebrou, em 14/11/1997 (fl.165) Contrato de Concessão nº 074/97, sendo-lhe adjudicado o Lote 4, compreendendo 305 kms em trechos distribuí-dos nas rodovias BR 277 e BR 373.

Posteriormente, diz, requereu e lhe foi deferida, mediante termo aditivo, a inclusão de novos trechos, como forma de recompor

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o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, abalado em razão da inclusão de encargos oriundos do ISSQN – Imposto Sobre Ser-viços de Qualquer Natureza, bem como da alteração da alíquota do COFINS e do PIS, não previstos quando da assinatura do contrato.

Os Termos Aditivos 086/2002 e 074/97 juntos agregaram aos encargos da concessionária 83,3 kms, nas rodovias BR 476 e PR 427, com o que, garante, foi restabelecido o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão.

Em Dezembro de 2003, continua, para livrar-se da “guerra” travada entre o Executivo e as empresas de pedágio, concor-dou em assinar, juntamente com o Estado do Paraná e o DER/PR, um “Contrato Preliminar” com vistas à redução da tarifa de pedágio em aproximadamente 30%, restando prevista, pelo mesmo pacto, a constituição de comissão paritária para readequação da equação econômico-financeira contratual.

Em que pese, contudo, tenha o DER/PR, nesta oportu-nidade, se obrigado, em contrapartida à redução tarifária acordada, a realizar, a seu encargo, as obras e serviços de restauração, melho-ria e ampliação da capacidade dos trechos em comento, nada fez. Sequer foi chamada para assinar a versão consolidada do contrato de concessão contemplando o acordo firmado entre as partes, noti-cia a requerente.

Por isso a empresa, após infrutíferas notificações enviadas ao DER/PR e ao Governo do Estado do Paraná, para que dessem cumprimento ao pacto ou restaurassem os termos do contrato origi-nal, ajuizou ação ordinária, na qual deferida antecipação de tutela, determinando o retomada, pelas partes, da Execução do Contrato de Concessão nos termos em que estava sendo desenvolvida no momento anterior ao acerto do “Contrato Preliminar”.

Entendeu o juiz da causa que “areduçãodatarifabásicadepedágiode30%, semque tenhahavidoa re-adequaçãodoCon-tratoOriginário conformeprevistonoAcordoPreliminar, provoca odesequilíbrioeconômico-financeirodocontrato,oquecausaprejuízosàautora”(fl.243).

Essa decisão acabou, assim, por restabelecer a aplicação do aumento de 42,86% na tarifa, ficando a cargo da autora a realização

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das obras originalmente previstas como de sua responsabilidade e que estavam pendentes de execução até então.

Deferido, em ação civil pública proposta pelo Ministé-rio Público daquele Estado, provimento liminar para suspender a incidência desse percentual sobre as tarifas de pedágio, formulou, a Concessionária, Pedido de Suspensão, negado pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, ao argumento de que ausentes os requisitos legais autorizadores da medida.

Contra essa decisão insurgiu-se a empresa, em agravo regimental, pendente de apreciação na Corte local.

Sobrevém, por isso, novo pedido de suspensão, no qual a Concessionária sustenta que a “execuçãodaliminarproferidapeloJuizdaDireitodaComarcadeLapa-PR,mantidapeloPresidentedoTJPR,portanto,vulneraaordemadministrativa,instalandoinsegu-rançajurídica,colocandoemriscoavidadosusuários,alémdepropi-ciarestúpidasangriaderecursospúblicos” (fls.14/15).

Destaca que por não ter honrado o acordo preliminar, o DER/PR deixou de realizar obras e serviços de restauração, melhoria e ampliação do trecho rodoviário em comento, estando as estradas a reclamar reparos urgentes, pelo que necessita a Concessionária recompor suas receitas para que possa executá-los. Diz mais, que conforme estudo técnico do Ministério dos Transportes “oEráriodeixarádeeconomizaranotávelquantiadeUS1.767.694,00” (fl. 14), inviabilizando, também, a criação de novos postos de trabalho.

Relatei.Decido.Já firmado nesta Corte e no STF o entendimento de que

não cabe examinar, no pedido de suspensão de liminar, as questões de fundo envolvidas na lide, devendo a análise cingir-se, somente, aos aspectos concernentes à potencialidade lesiva do ato decisório, em face das premissas estabelecidas na Lei 8.437/92 (RTJ 143/23).

Essa orientação, contudo, não deixa de admitir um exer-cício mínimo de deliberação do mérito, haja vista, cuidar-se de con-tra-cautela, vinculada aos pressupostos da plausibilidade jurídica e do perigo da demora, que devem estar presentes para a concessão

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das liminares. A propósito, AGRSS 846/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence (DJ 8.11.96).

Nessa linha, quanto ao potencial lesivo da liminar em comento, tenho por certo que na oportunidade da celebração do contrato de concessão, conforme autorizado pela legislação perti-nente, inseriram-se cláusulas prevendo mecanismos de manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, como o reajuste tarifário. Esses mecanismos têm origem na política pública traçada para o setor e são vitais para que a prestação do serviço público possa se dar em conformidade com os princípios constitucionais e legais incidentes, e que não só permitam, mas viabilizem a celebração de tais contratos entre o Poder Público e o particular que se disponha a negociar com a Administração.

Assim já decidi em hipótese semelhante (SL 57-DF): o descumprimento de cláusulas contratuais, impedindo a correção do valor real da tarifa, nos termos em que previsto no contato de con-cessão, causa sérios prejuízos financeiros à empresa concessionária, podendo afetar gravemente a qualidade dos serviços prestados e sua manutenção, implicando ausência de investimentos no setor, prejudi-cando os usuários, causando reflexos negativos na economia pública, porquanto inspira insegurança e riscos na contratação com a Admi-nistração Pública, afastando os investidores, resultando graves con-seqüências também para o interesse público como um todo, além, é claro, de repercutir negativamente no chamado “Risco Brasil”.

Entendo que o interesse público não se resume à con-tenção de tarifas, sendo evidenciado, também, na continuidade do serviço de qualidade, na manutenção do contrato de concessão do serviço público, de modo a viabilizar investimentos no setor. Assim, o descumprimento do que foi legalmente pactuado, com a chancela do Judiciário, pode, no caso, afetar o seu equilíbrio econômico-financeiro, até porque não há como olvidar a real inflação do País a atingir a quem contrata a longo prazo.

No caso concreto, não me passou despercebido o fato de que a recomposição tarifária de 42,86% foi autorizada por anterior decisão judicial nos autos da Ação Ordinária – Proc. 2005.70.00.014409 (fls.242/349). Ainda, que na ação em que pro-

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ferida essa decisão, objetivando impedir o desequilíbrio econômi-co-financeiro do contrato de concessão, a Concessionária insur-giu-se contra a inércia da administração em formalizar o Acordo Preliminar – pelo qual a Concessionária concordara em reduzir a tarifa em 30%, desde que a administração realizasse as obras e serviços de restauração, melhoria e ampliação das estradas.

Diz aquela decisão: “areduçãodatarifabásicadepedágiode30%,semquetenhahavidoare-adequaçãodoContratoOriginárioconformeprevistonoAcordoPreliminar,provocaodesequilíbrioeconô-mico-financeirodocontrato,oquecausaprejuízosàautora”(Fl.243).

Desta forma, entendo que a decisão impugnada, ao sus-pender a incidência do percentual de 42,86% sobre as tarifas cobra-das pela requerente, impede a restabelecimento do equilíbrio eco-nômico-financeiro do contrato de concessão, comprometendo sua manutenção e a continuidade do serviço público concedido, invia-bilizando, ainda, a realização das obras necessárias à manutenção das rodovias exploradas pela requerente, circunstâncias que põem em risco não só a economia pública, mas, também, a segurança dos que por ali trafegam.

Por isso, reconheço a alegada afronta ao interesse público e presentes os requisitos autorizadores da excepcional medida de contra-cautela, pelo que defiro, parcialmente, o pedido, suspendendo os efei-tos da liminar concedida nos autos da Ação Civil Pública nº 702/2004, até o julgamento do mérito perante o Tribunal de origem.

Expeça-se comunicação.Intimem-se.Publique-se.

Brasília (DF), 13 de setembro de 2005MINISTRO EDSON VIDIGAL

PRESIDENTE

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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.077.298 - RS (2008/0164119-0)RELATORA : MINISTRA DENISE ARRUDARECORRENTE : EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE RODO-VIAS DO SUL S/A ECOSULADVOGADO : ALEXANDRE FERNANDES GASTAL E OUTRO(S)RECORRENTE : AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPOR-TES TERRESTRES - ANTTPROCURADOR : PATRíCIA VARGAS LOPES E OUTRO(S)RECORRIDO : EDGAR HEINEMANN E OUTROADVOGADO : RONALDO RESENDE DE OLIVEIRA E OUTRO(S)INTERES. : ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPROCURADOR : JOSÉ ELINALDO RODRIGUES DE SOUSA E OUTRO(S)INTERES. : UNIÃO

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. COBRANÇA DE PEDÁGIO. TARIFA FIXADA, DISTINTAMENTE, PARA AS DIVERSAS CATE-GORIAS DE VEÍCULOS, COM BASE NO NÚMERO DE EIXOS. INCIDÊNCIA DA TARIFA SOBRE O EIXO SUS-PENSO, QUE NÃO TOCA A MALHA VIÁRIA. POSSIBILI-DADE. PRECEDENTE.1. Não viola o art. 535 do CPC, tampouco nega a prestação jurisdicional, o acórdão que, mesmo sem ter examinado indi-vidualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adota, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia.2. A controvérsia estabelecida nos presentes autos consiste em saber se é possível ou não efetuar a cobrança da tarifa de pedá-gio tomando por base o número de eixos do veículo de trans-porte, ainda que a rodagem correspondente não esteja em con-tato com a malha viária.

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3. A Lei 10.233/2001, ao criar a Agência Nacional de Transpor-tes Terrestres - ANTT - e definir as suas atribuições, incum-biu-a de “publicar os editais, julgar as licitações e celebrar os contratos de concessão de rodovias federais a serem exploradas e administradas por terceiros; fiscalizar diretamente, com o apoio de suas unidades regionais, ou por meio de convênios de cooperação, o cumprimento das condições de outorga de auto-rização e das cláusulas contratuais de permissão para presta-ção de serviços ou de concessão para exploração da infra-estru-tura “. Estabeleceu, ainda, que, “na elaboração dos editais de licitação, (...) a ANTT cuidará de compatibilizar a tarifa do pedágio com as vantagens econômicas e o conforto de viagem, transferidos aos usuários em decorrência da aplicação dos recursos de sua arrecadação no aperfeiçoamento da via em que é cobrado”.4. No intuito de se reduzir custos no transporte rodoviário de cargas, foram introduzidas novas tecnologias capazes de pro-porcionar economia de pneu e combustível, entre as quais está a possibilidade de levantamento de alguns dos eixos do veículo. O acionamento do sistema, que antes era feito de modo mecânico e hoje em dia se efetiva com um simples toque de botão (sus-pensor pneumático), normalmente é feito para evitar o desgaste dos pneus nas hipóteses em que veículo transportador está com pouca ou nenhuma carga. A diminuição do atrito com o asfalto implica, em consequência, economia de combustível.5. É correto afirmar que um dos principais custos suportados pela empresa que administra e explora as rodovias em regime de concessão decorre da necessidade de recuperação e manu-tenção da malha viária, que sofre maior desgaste quanto maior for a pressão exercida sobre ela. Fala-se em pressão na medida em que a questão não se resume ao peso da carga, mas à relação peso versus área.6. Basta imaginar que um caminhão de quinze toneladas com os cinco eixos tocando o asfalto produzirá menos desgaste que outro, nas mesmas condições, que estiver com um dos seus eixos suspenso, ainda que observadas as normas administrativas que definem os limites de peso — de acordo com o art. 99 do Código de Trânsito Brasileiro, “somente poderá transitar pelas vias ter-restres o veículo cujo peso e dimensões atenderem aos limites

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estabelecidos pelo CONTRAN “ —, normalmente fixados com base na quantidade de eixos do veículo.7. Nessa hipótese, o caminhão com um dos eixos levantados cau-sará maior desgaste da via e, a se considerar somente esse fator, deveria pagar uma tarifa mais alta, situação, no entanto, que não ocorre na forma como o pedágio é cobrado atualmente.8. Por outro ângulo, é fácil perceber que um caminhão de cinco eixos pagará uma tarifa de pedágio maior que um de três, não obstante a possibilidade bastante plausível de que os dois este-jam exercendo a mesma pressão sobre a malha viária, o que se obtém dividindo-se o seu peso total pela quantidade de eixos, ou seja, ainda que estejam provocando o mesmo desgaste, a tarifação, como é feita atualmente, será desigual.9. Veja-se que, a depender do ângulo sob o qual se analisa a situação, a modificação dos critérios definidos no contrato de concessão poderá trazer vantagens ou desvantagens aos usuários das vias sob regime de concessão. A solução apresentada pelas instâncias ordinárias, de desconsiderar o eixo suspenso na fixa-ção do valor do pedágio, a pretexto de se criar uma situação iso-nômica, acaba contrariando o princípio da isonomia, na medida em que somente o veículo que dispõe da tecnologia de suspensão de eixos, e que no momento da utilização desse sistema, como dito anteriormente, estará provocando maior desgaste à via, será beneficiado com a redução do valor do pedágio.10. Assim, considerando que a legislação que trata da matéria não impede a fixação da tarifa com base no número de eixos dos veículos e que essa parece ser a forma mais objetiva de fixá-la, deve prevalecer a sistemática prevista no contrato de concessão, sobretudo porque o art. 9º da Lei 8.987/95 dispõe que “a tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão pre-vistas nesta Lei, no edital e no contrato “.11. Ademais, o afastamento da cobrança de pedágio em relação ao eixo suspenso, como bem ressaltaram os recorrentes, traz inúmeras inconveniências, valendo destacar as seguintes: (a) a segurança do veículo fica prejudicada, pois, com um menor número de pneus em contato com o chão e a consequente dimi-nuição do atrito, menor será a sua estabilidade e maior será o espaço necessário para frenagem; (b) a criação de um crité-rio diverso do atualmente utilizado poderá acarretar demora

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na cobrança e, por conseguinte, afunilamento do tráfego nos postos de pedágio; (c) o levantamento do eixo pode ser feito com o simples toque de um botão, um pouco antes da pas-sagem pela praça de pedágio, o que estimula o cometimento de fraudes.12. “A utilização ou não de todos os eixos do veículo quando da passagem pela praça de pedágio é decisão que cabe ao usuário do veículo, não sendo admissível que, em decorrência de decisão unilateral sua, modifique-se o critério de tarifação estabelecidos pelo legislador e pelo administrador, à míngua de previsão legal nesse sentido” (REsp 1.103.168/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Fran-cisco Falcão, DJe de 27.4.2009).13. Recursos especiais providos, para julgar improcedente o pedido formulado na inicial, com a consequente inversão dos ônus sucumbenciais.

ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os

Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça: A Turma, por unanimidade, deu provimento aos recursos especiais, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves, Luiz Fux e Teori Albino Zavascki votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão. Assistiu ao julgamento o Dr. Guilherme Chaves Gastal, pela recorrente Empresa Concessionária de Rodovias do Sul S/A - ECOSUL.

Brasília (DF), 28 de abril de 2009 (Data do Julgamento).MINISTRA DENISE ARRUDA

Relatora

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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.077.298 - RS (2008/0164119-0)RELATORA : MINISTRA DENISE ARRUDARECORRENTE : EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE RODO-VIAS DO SUL S/AECOSULADVOGADO : ALEXANDRE FERNANDES GASTAL E OUTRO(S)RECORRENTE : AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPOR-TES TERRESTRES - ANTTPROCURADOR : PATRíCIA VARGAS LOPES E OUTRO(S)RECORRIDO : EDGAR HEINEMANN E OUTROADVOGADO : RONALDO RESENDE DE OLIVEIRA E OUTRO(S)INTERES. : ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPROCURADOR : JOSÉ ELINALDO RODRIGUES DE SOUSA E OUTRO(S)INTERES. : UNIÃO

RELATÓRIOA EXMA. SRA. MINISTRA DENISE ARRUDA

(Relatora):

Trazem os autos dois recursos especiais, ambos interpos-tos com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição Federal, em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região cuja ementa é a seguinte:

“ADMINISTRATIVO. PEDÁGIO. DISPENSA DACOBRANÇA INCIDENTE SOBRE OS EIXOS DE VEÍCU-LOS PARA TRANSPORTE DE CARGA, SEMPRE QUEESTESNÃOESTIVEREMEMCONTATOCOMOAMALHAASFÁLTICA.AÇÃOORDINÁRIA.PROCEDÊNCIA.Aindaqueacobrançadatarifatomeporbalizaonúmerodeeixosdos veículos, é notório que estes se fazem presente quando existirmaiormassaasertransportada.Restandocomprovadoodesnecessáriousodosreferidoseixos,desne-cessáriatambémsefazaarrecadaçãodopedágiopormaiorvalor.”(fl.377)

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Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.No primeiro recurso (fls. 410-427), EMPRESA CON-

CESSIONÁRIA DE RODOVIAS DO SUL S/A - ECOSUL - aponta violação dos arts. 4º, do Decreto-Lei 791/69, 9º, §§ 2º a 4º, 10 e 13, da Lei 8.987/95, 35, da Lei 9.074/95, e 6º, 57, § 1º, 58, §§ 5º e 6º, e 65 da Lei 8.666/93. Afirma, em síntese, que: (a) a legisla-ção que regula a matéria estabelece que a cobrança de pedágio nas rodovias deve ocorrer de acordo com a categoria de cada veículo; (b) com base em tal premissa, o contrato de concessão definiu como critério de cobrança do pedágio o número de eixos que o veículo possui, e não os que ele efetivamente utiliza; (c) quanto melhor for distribuído o peso, menor será o desgaste das rodovias; (d) o art. 13 da Lei 8.987/95 possibilita a cobrança da tarifa de pedágio de modo diferenciado, de acordo com as características e os custos de cada segmento de usuários; (e) ao impor um critério de diferenciação dos veículos diferente daquele previsto no contrato de concessão, o acór-dão recorrido viola as regras relativas ao procedimento licitatório, além de implicar verdadeira ingerência do Poder Judiciário sobre a discricionariedade da Administração; (f) a orientação adotada pela Corte de origem estimula a fraude e contribui para a perda de flui-dez do tráfego na praça de pedágio.

No segundo recurso (fls. 429-437), a AGÊNCIA NACIO-NAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT - sustenta contrariedade aos arts. 475, I, e 535, II, do CPC, e 4º e 5º do Decreto-Lei 791/69. Alega, em suma, que: (a) não foram supridas as omissões indicadas nos embargos de declaração opostos na origem; (b) o fator principal para a fixação das tarifas de pedágio é o desgaste que o veí-culo causa à rodovia; (c) o afastamento da cobrança do valor referente ao eixo suspenso induz à quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, a ensejar a imediata revisão da estrutura tarifária.

Apresentadas as contrarrazões e admitidos os recursos, subiram os autos.

É o relatório.

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Decisões Judiciais

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.077.298 - RS (2008/0164119-0)

VOTOA EXMA. SRA. MINISTRA DENISE ARRUDA

(Relatora):

Assiste razão aos recorrentes.Salienta-se, inicialmente, que a jurisprudência do Supe-

rior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que não viola o art. 535 do CPC, tampouco nega a prestação jurisdicional, o acór-dão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adota, entretanto, fundamenta-ção suficiente para decidir de modo integral a controvérsia, con-forme ocorreu no acórdão em exame, não se podendo cogitar de sua nulidade. Nesse sentido, os seguintes julgados: AgRg no Ag 571.533/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 21.6.2004; AgRg no Ag 552.513/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ de 17.5.2004; EDcl no AgRg no REsp 504.348/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 8.3.2004; REsp 469.334/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 5.5.2003; AgRg no Ag 420.383/PR, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 29.4.2002.

Com efeito, o aresto atacado abordou todas as questões necessárias à integral solução da lide, concluindo, no entanto, pela impossibilidade de se considerar o eixo suspenso, que não encosta na rodovia, no cálculo do valor devido a título de pedágio.

Não se deve confundir omissão com decisão contrária aos interesses da parte.

Quanto ao mais, impende ressaltar que a possibilidade da cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público está prevista no art. 150, V, da CF/88.

Em nível infraconstitucional, a matéria foi inicialmente tratada pelo Decreto-Lei 791/69, que assim dispõe:

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“Art. 1ºFica oGovêrnoFederal autorizado a, nos têrmos doArtigo20,incisoIIdaConstituição,instituircobrançadepedágio,queserádevidopeloscondutoresdeveículosautomotoresqueutili-zemviaspúblicas,integrantesdosistemarodoviáriofederal.(...)

Art.4ºAstarifasdepedágioserãofixadas,distintamente,paraasdiversascategoriasdeveículoseespéciesdesemoventes.

Art.5ºAbasedecálculodastarifasdepedágiolevaráemconta,obrigatoriamente,osseguintesfatôres:

I-Custodeconstruçãodaobraemelhoramentosexistentesouaintroduzirparacomodidadeesegurançadosusuários;

II-Custosdosserviçosesôbreserviçosoperacionais,adminis-trativosefiscais.

Parágrafo único. Na fixação das tarifas de pedágio paradeterminada via ou obra rodoviária federal, serão consi-derados, igualmente, os custos dos transportes rodoviários naregião.”

Já na vigência da Constituição Federal da 1988, a Lei 7.712/88 (posteriormente revogada pela Lei 8.075/90), no intuito de disciplinar a cobrança de pedágio nas rodovias federais, criou o chamado “Selo Pedágio”. Na ocasião, ficou estabelecido o número de eixos do veículo como um dos critérios para a fixação do valor do pedágio.

Confira-se:

“Art.3ºOmontantecalculadoparaserarrecadadocomopedá-gionãopoderáultrapassaraonecessárioparaconservarasrodoviasfederais,tendoemvistaodesgastequeosveículosautomotores,uti-lizadosnotráfego,nelasprovocam,bemcomoaadequaçãodessasrodoviasàsnecessidadesdesegurançadotrânsito.

Parágrafoúnico.Ficaaprovadaatabelaanexadevaloresdopedágio,paraoexercíciode1989,queseráanualmenteajustadanaleidediretrizesorçamentárias.”

“Categoria/Descrição Nº de eixos 0 - 7(*) > 7(*)

1/Motocicleta 2 0,50 0,17

2/Automóvel, Caminhonete, Furgão

2 1,00 0,33

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Decisões Judiciais

“Categoria/Descrição Nº de eixos 0 - 7(*) > 7(*)

3/Ônibus e Caminhão Leve

2 2,00 0,67

4/Ônibus e Caminhão Médio

3 5,00 1,66

5/Ônibus e Caminhão Pesado Semi-Reboque

4 6,00 2,00

6/Ônibus e Caminhão Pesado Semi-Reboque

5 ou mais 8,00 2,66

7/Trailer 1 1,00 0,33

8/Trailer 2 3,00 1,00

9/Trailer 3 4,00 1,33”

(*) Ano de fabricação

Mais recentemente, a Lei 9.277/96 autorizou a União, por intermédio do Ministério dos Transportes, “a delegar, peloprazodeatévinteecincoanos,prorrogáveisporatémaisvinteecinco,aosmunicípios,estadosdaFederaçãoouaoDistritoFederal,ouacon-sórcioentreeles,aadministraçãoderodoviaseexploraçãodetrechosderodovias,ouobrasrodoviáriasfederais“.

Destaca-se, por fim, que a Lei 10.233/2001, ao criar a Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT - e definir as suas atribuições, dispôs o seguinte:

“Art.26.CabeàANTT,comoatribuiçõesespecíficaspertinentesaoTransporteRodoviário:

(...)VI–publicaroseditais,julgaraslicitaçõesecelebraroscontratos

deconcessãoderodoviasfederaisaseremexploradaseadministradasporterceiros;

VII–fiscalizardiretamente,comoapoiodesuasunidadesregio-nais, oupormeiode convêniosde cooperação, o cumprimentodascondiçõesdeoutorgadeautorizaçãoedascláusulascontratuaisdepermissãoparaprestaçãodeserviçosoudeconcessãoparaexploraçãodainfra-estrutura.

(...)

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§2oNaelaboraçãodoseditaisdelicitação,paraocumprimentododispostonoincisoVIdocaput,aANTTcuidarádecompatibi-lizaratarifadopedágiocomasvantagenseconômicaseoconfortode viagem, transferidos aos usuários em decorrência da aplicaçãodosrecursosdesuaarrecadaçãonoaperfeiçoamentodaviaemqueécobrado.”

Diante desse panorama legislativo, impõe-se analisar a controvérsia estabelecida nos presentes autos, que está em saber se é possível ou não efetuar a cobrança da tarifa de pedágio tomando por base o número de eixos do veículo de transporte, ainda que a rodagem correspondente não esteja em contato com a malha viária.

No intuito de se reduzir custos no transporte rodoviário de cargas, foram introduzidas novas tecnologias capazes de pro-porcionar economia de pneu e combustível, entre as quais está a possibilidade de levantamento de alguns dos eixos do veículo. O acionamento do sistema, que antes era feito de modo mecânico e hoje em dia se efetiva com um simples toque de botão (suspen-sor pneumático), normalmente é feito para evitar o desgaste dos pneus nas hipóteses em que veículo transportador está com pouca ou nenhuma carga. A diminuição do atrito com o asfalto implica, em consequência, economia de combustível.

É correto afirmar que um dos principais custos suporta-dos pela empresa que administra e explora as rodovias em regime de concessão decorre da necessidade de recuperação e manuten-ção da malha viária, que sofre maior desgaste quanto maior for a pressão exercida sobre ela. Fala-se em pressão na medida em que a questão não se resume ao peso da carga, mas à relação peso versus área.

Basta imaginar que um caminhão de quinze toneladas com os cinco eixos tocando o asfalto produzirá menos desgaste que outro, nas mesmas condições, que estiver com um dos seus eixos suspenso, ainda que observadas as normas administrativas que definem os limites de peso — de acordo com o art. 99 do Código de Trânsito Brasileiro, “somentepoderátransitarpelasviasterrestresoveículocujopesoedimensõesatenderemaoslimitesesta-

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Decisões Judiciais

belecidospeloCONTRAN” —, normalmente fixados com base na quantidade de eixos do veículo.

Nessa hipótese, o caminhão com um dos eixos levanta-dos causará maior desgaste da via e, a se considerar somente esse fator, deveria pagar uma tarifa mais alta, situação, no entanto, que não ocorre na forma como o pedágio é cobrado atualmente.

Por outro ângulo, é fácil perceber que um caminhão de cinco eixos pagará uma tarifa de pedágio maior que um de três, não obstante a possibilidade bastante plausível de que os dois este-jam exercendo a mesma pressão sobre a malha viária, o que se obtém dividindo-se o seu peso total pela quantidade de eixos, ou seja, ainda que estejam provocando o mesmo desgaste, a tarifação, como é feita atualmente, será desigual.

Veja-se que, a depender do ângulo sob o qual se analisa a situação, a modificação dos critérios definidos no contrato de concessão poderá trazer vantagens ou desvantagens aos usuários das vias sob regime de concessão. A solução apresentada pelas ins-tâncias ordinárias, de desconsiderar o eixo suspenso na fixação do valor do pedágio, a pretexto de se criar uma situação isonô-mica, acaba contrariando o princípio da isonomia, na medida em que somente o veículo que dispõe da tecnologia de suspensão de eixos, e que no momento da utilização desse sistema, como dito anteriormente, estará provocando maior desgaste à via, será bene-ficiado com a redução do valor do pedágio.

Assim, considerando que a legislação que trata da maté-ria não impede a fixação da tarifa com base no número de eixos dos veículos e que essa parece ser a forma mais objetiva de fixá-la, deve prevalecer a sistemática prevista no contrato de concessão, sobretudo porque o art. 9º da Lei 8.987/95 dispõe que “atarifadoserviçopúblicoconcedidoseráfixadapelopreçodapropostavence-doradalicitaçãoepreservadapelasregrasderevisãoprevistasnestaLei,noeditalenocontrato“.

Ademais, o afastamento da cobrança de pedágio em relação ao eixo suspenso, como bem ressaltaram os recorrentes, traz inúmeras inconveniências, valendo destacar as seguintes:

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(a) a segurança do veículo fica prejudicada, pois, com um menor número de pneus em contato com o chão e a consequente diminui-ção do atrito, menor será a sua estabilidade e maior será o espaço necessário para frenagem; (b) a criação de um critério diverso do atualmente utilizado poderá acarretar demora na cobrança e, por conseguinte, afunilamento do tráfego nos postos de pedágio; (c) o levantamento do eixo pode ser feito com o simples toque de um botão, um pouco antes da passagem pela praça de pedágio, o que estimula o cometimento de fraudes.

Confira-se, por fim, o seguinte precedente desta Corte a respeito da matéria:

“ADMINISTRATIVO.PEDÁGIO.LEGITIMIDADEPASSIVADAUNIÃO.REDUÇÃO DA TARIFA QUANDO SE TRATAR DE VEÍ-CULOVAZIOCOMUMOUMAISEIXOSSEMCONTATOCOMAMALHAASFÁLTICA.IMPOSSIBILIDADE.CRITÉ-RIODIFERENCIADORDETARIFASESTABELECIDOPELOLEGISLADOREQUENÃOLEVAEMCONTA,OBJETIVA-MENTE,QUANTIDADEDECARGATRANSPORTADAOUNÚMERODEEIXOSQUETOCAMOSOLO.I-Sentençadeprimeirograueacórdãoqueafastaramasprelimi-nares de ilegitimidadepassiva e,nomérito, combasenoPrincí-piodarazoabilidade,entenderamquenãosedevelevaremconta,paraefeitosdeenquadramentotarifário,oeixodoveículoquandoesteestiversuspenso,semcontatocomosolo,emrazãodepoucaounenhumacargatransportada.Omissis.II-Oart.4ºdoDecreto-Lein.º791/69estabelecequeastarifasdepedágioincidemdeacordocomacategoriadoveículo,nãohavendocritério legal que permita diferenciaçãounicamente combase nonúmerodeeixos.III-Acircunstânciadeumoumaiseixosdoveículonãoestarememcontatocomo solonão implicana suamudançadecategoriaparaefeitosdeenquadramentotarifário.IV-Autilização ounãode todos os eixos do veículoquandodapassagem pela praça de pedágio é decisão que cabe ao usuário doveículo,não sendoadmissível que, emdecorrênciadedecisãounilateral sua,modifique-se o critério de tarifação estabelecidospelo legislador e pelo administrador, àmínguade previsão legalnessesentido.

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Decisões Judiciais

VI-RecursosespeciaisdaUniãoedaConcessionáriadeRodoviasdoSulS/A-ECOSULprovidos.”(REsp1.103.168/RS,1ªTurma,Rel.Min.FranciscoFalcão,DJede27.4.2009)

À vista do exposto, os recursos especiais devem ser provi-dos, para julgar improcedente o pedido formulado na inicial, com a consequente inversão dos ônus sucumbenciais.

É o voto.

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Superior Tribunal de Justiça

CERTIDÃO DE JULGAMENTOPRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2008/0164119-0 REsp 1077298 / RS

Números Origem: 200604000260905 200671100004988PAUTA: 28/04/2009 JULGADO: 28/04/2009

RelatoraExma. Sra. Ministra DENISE ARRUDA

Presidente da SessãoExma. Sra. Ministra DENISE ARRUDA

Subprocuradora-Geral da RepúblicaExma. Sra. Dra. RAQUEL ELIAS FERREIRA DODGE

SecretáriaBela. MARIA DO SOCORRO MELO

AUTUAÇÃORECORRENTE : EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE RODO-VIAS DO SUL S/A ECOSULADVOGADO : ALEXANDRE FERNANDES GASTAL E OUTRO(S)RECORRENTE : AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPOR-TES TERRESTRES - ANTTPROCURADOR : PATRíCIA VARGAS LOPES E OUTRO(S)RECORRIDO : EDGAR HEINEMANN E OUTROADVOGADO : RONALDO RESENDE DE OLIVEIRA E OUTRO(S)INTERES. : ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPROCURADOR : JOSÉ ELINALDO RODRIGUES DE SOUSA E OUTRO(S)INTERES. : UNIÃO

ASSUNTO: Ação de Cobrança – Pedágio

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Decisões Judiciais

SUSTENTAÇÃO ORAL

Assistiu ao julgamento o Dr. GUILHERME CHAVES GASTAL, pela parte RECORRENTE:EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE RODOVIAS DO SUL S/A ECOSUL.

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apre-ciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, deu provimento aos recursos especiais, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves, Luiz Fux e Teori Albino Zavascki votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

Brasília, 28 de abril de 2009MARIA DO SOCORRO MELO

Secretária

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Decisão doTribunal de Contas da União

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ACÓRDÃO 393/2002 – PLENÁRIO

GRUPO I – CLASSE V – PLENÁRIO

TC 014.811/2000-0 (com 11 anexos)Natureza: RepresentaçãoENTIDADES: Agência Nacional de Transportes Terres-

tres – ANTT e concessionárias de rodovias federaisINTERESSADO: Tribunal de Contas da União

EMENTA: Representação. Estudo sobre a viabilidade técnica e jurídica do reequilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessões rodoviárias, em virtude da obtenção de receitas alter-nativas, tais como a exploração de redes de fibras óticas. Determina-ções à ANTT. Multa ao responsável. Ciência aos interessados.

V O T O

Conheço da comunicação ao Plenário como repre-sentação, com fundamento nos arts. 68 e 69 da Resolução TCU 136/2000.

A obtenção de receitas acessórias ou alternativas, por parte das concessionárias, tais como as provenientes de exploração de redes de fibra ótica ao longo das rodovias, deve ser garantida e revertida em prol da modicidade das tarifas cobradas dos usuários.

Tal preocupação foi também compartilhada pelo legis-lador ordinário, que estipulou, expressamente, no art. 11 da Lei 8.987/95, a seguinte regra:

“Art.11.Noatendimentoàspeculiaridadesdecadaserviçopúblico,poderáopoderconcedenteprever,emfavordaconcessionária,noeditaldelicitação,apossibilidadedeoutrasfontesprovenientesdereceitasalternativas,complementares,acessóriasoudeprojetosassocia-

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dos,comousemexclusividade,comvistasafavoreceramodicidadedastarifas,observadoodispostonoart.17destalei.

Parágrafoúnico.As fontes de receita previstasneste artigoserãoobrigatoriamenteconsideradasparaaaferiçãodoinicialequilí-brioeconômico-financeirodocontrato.”

Portanto, para o pleno atendimento da representação, é necessário verificar dois pontos:

- se os contratos de concessão assinados com as concessio-nárias seguem o estabelecido no art. 11 da Lei 8.987/95; e

- se o DNER (agora ANTT) está aplicando corretamente a regra, incluindo as receitas alternativas ou complementares no fluxo de caixa, para fins de redução das tarifas.

Verifico que os contratos firmados com a Novadutra, Concer e CRT prevêem expressamente que as receitas alternativas, complementares ou acessórias serão computadas com vistas a favo-recer a modicidade das tarifas, nos termos preconizados pela Lei 8.987/95, contendo cláusulas uniformes de seguinte teor:

“SeçãoV–DasFontesdeReceitas75.A principal fonte de receita daCONCESSIONÁRIA

advirádorecebimentodaTARIFAdepedágio;todavia,emrazãodapeculiaridadedoserviçoaserprestado,éfacultadoàCONCESSIO-NÁRIAexploraroutrasfontesdereceitas,sejamelascomplementares,acessóriasoualternativasàfontedereceitaprincipalou,ainda,explo-rarfontesdereceitasprovenientesdeprojetosassociados.

76.Aexploraçãodessasfontesdereceitasdependerá,emcadacaso,dapréviaaprovação,peloDNER,deprojetodeviabilidadejurí-dica,técnicaeeconômico-financeiraaserapresentadopelaCONCES-SIONÁRIA,que assegure a compatibilidadeda exploração comercialpretendida com as normas legais e regulamentares aplicáveis, com ascláusulasdo correspondenteCONTRATOde concessão, comoPRO-GRAMADEEXPLORAÇÃODARODOVIA,comasmetaseobje-tivos da concessão e coma prestaçãode serviço adequado, nos termosdefinidosnositens29a31,bemcomoprocedaaanálisedoimpactodareceitaesperadasobreasdemaisreceitasdaCONCESSIONÁRIA.

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Decisão do Tribunal de Contas da União

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77.Acadaperíodode12(doze)meses,porocasiãodadatadeaniversáriodoCONTRATOdeconcessão,oDNEReaCONCES-SIONÁRIAprocederãoaanálisedoimpactodareceitaobtidanarela-çãoqueaspartespactuaraminicialmente,revendoovalordaTARIFABÁSICADEPEDÁGIO,demodoafavorecerasuamodicidade.”

Assim, a situação jurídica das concessionárias Novadu-tra, Concer e CRT está conforme a legislação pertinente, no sen-tido de que as receitas porventura auferidas devem ser revertidas para a modicidade das tarifas.

No entanto, efetivamente, tal reversão está ocorrendo somente com relação à concessionária Novadutra, pois nos autos do TC 014.824/2000-8 foi realizada inspeção que examinou todas as adequações e revisões contratuais ocorridas desde o início da concessão e verificou-se a inclusão dessas receitas no fluxo de caixa da concessionária, com vistas a modicidade.

Quanto às concessionárias Concer e CRT, o DNER infor-mou que a Concer possuía um único contrato de publicidade, ainda não contabilizado, e, em relação à CRT, não tinha conhecimento da percepção dessas receitas. Assim, merece ser melhor examinada a situação dessas duas concessionárias.

Já com relação à Concessionária da Ponte Rio-Niterói, a unidade técnica e o Ministério Público entendem que o contrato atual não contempla a revisão de tarifas, em virtude da obtenção de receitas alternativas ou complementares, e propõem a necessidade de alteração do contrato de concessão de forma que preveja a consi-deração das receitas alternativas no cálculo do equilíbrio econômi-co-financeiro do contrato.

Compulsando diretamente o Contrato de Concessão e seus termos aditivos, verifiquei que em 20.5.95 foi firmado o 1º Termo Aditivo de Rerratificação ao Contrato de Concessão PG-154/94-00, o qual, em sua Cláusula Terceira, alterou a Cláusula 59 do contrato de concessão, de forma a contemplar as inovações introduzidas pela Lei 8.987/95, particularmente a possibilidade de obtenção de recei-tas alternativas para favorecer a modicidade da tarifa.

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Para melhor compreensão, transcrevo a seguir a nova redação da Cláusula 59 e sua alínea “e”, que tratam especificamente da questão:

“Cláusula 59. A TARIFA BÁSICA DE PEDÁGIO serárevistaparaestabelecerarelaçãoqueaspartespactuaraminicialmenteentreosencargosdaCONCESSIONÁRIAearetribuiçãodosusuáriosdaRODOVIA,expressanovalordaTARIFABÁSICADEPEDÁ-GIO, comafinalidadedemanter o equilíbrio econômico-financeiroinicialdocontratodeconcessão,em estrita observância das dispo-sições da Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, arts. 9º a 13º,nosseguintescasos:

(..............omissis...................)e)quandoaCONCESSIONÁRIAauferirreceitaalterna-

tiva,complementar,acessóriaoudeprojetosassociadosàconcessão,nascondiçõesestabelecidasnoCONTRATO;” (destacado.)

Assim, contrariamente ao afirmado, até pelo próprio DNER, o contrato celebrado com a Concessionária da Ponte Rio-Niterói S.A. prevê a revisão de tarifa quando a concessionária auferir receita alternativa, complementar ou acessória, contribuindo para a modicidade, em estrita observância ao art. 11 da Lei 8.987/95.

Talvez tenha concorrido para o equívoco o fato de que o DNER, em resposta ao Tribunal, ter afirmado que, de acordo com a Cláusula 70 do contrato, não há “acontabilizaçãodequalqueroutrareceitaquenãoadepedágioparafazerfaceaosencargosdaconcessioná-ria” (fl. 82).

A Cláusula 70 do Contrato de Concessão PG-154/94-00, dispõe que:

“70. As receitas complementares para a cobertura dosencargosdeconcessãoadvirão,basicamente,daexploraçãodasáreasde serviço, definidas no item 20 do Edital de Pré-qualificação nº0107/93-00” (destacado.)

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Decisão do Tribunal de Contas da União

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Por sua vez, o item 20 do edital acima referido estabelece que “Consideram-se‘ áreasdeserviço’asadjacentesaosacessosdaPonteedestinadasaosserviçosdeassistênciaaosusuários”.

Ora, além de essa conclusão ofender frontalmente a Lei 8.987/95 (art. 11) e o próprio Contrato de Concessão PG-154/94-00, com as alterações introduzidas pelo 1º Termo Aditivo de Rerratifi-cação, mesmo que se interprete isoladamente a cláusula referida, a compreensão a ela emprestada está completamente dissociada do seu texto.

Com efeito, ao utilizar a expressão “basicamente”, o dispo-sitivo contratual não excluiu a possibilidade de percepção de outras receitas alternativas que se mostrassem viáveis. Assim, se porven-tura houver outras formas de obtenção de receita alternativa, elas poderão ser auferidas e consideradas para fins de contribuir para a modicidade da tarifa. Essa é a correta interpretação do dispositivo e a única que possibilita sua compatibilidade com a Lei 8.987/95.

Concluo, portanto, no sentido de que o Contrato de Concessão PG-154/94-00 firmado com a Concessionária da Ponte Rio-Niterói S.A. está de acordo com os termos do art. 11 da Lei 8.987/95, havendo previsão contratual para que as receitas comple-mentares sejam computadas no fluxo de caixa a fim de contribuir para a modicidade da tarifa.

Resta verificar se o DNER e, agora, a ANTT, estão dando efetivo e integral cumprimento à regra contratual.

Diversa, porém, é a situação da concessionária Concepa.De acordo com a cláusula 75 do Contrato de Concessão

PG-016/97-00, é estipulado que as receitas complementares não se incorporam às receitas da concessão, nem devem ser consideradas para efeito de reajuste ou revisão da tarifa, in verbis:

“70. As receitas complementares advirão basicamente daimplementação de projetos comerciais associados à concessão; essas receitas complementares não se incorporam, para nenhum efeito, às receitas da concessão, nem devem ser consideradas para efeito de reajuste ou revisão da Tarifa Básica de Pedágio.” (destacado.)

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Essa cláusula contraria frontalmente o disposto no art. 11 da Lei 8.987/95.

Ressalte-se que o Contrato, em sua Cláusula 3ª, da Seção III, relaciona como legislação a ele aplicável a referida Lei 8.987/95.

Além disso, na Cláusula 7ª, alínea “a”, da Seção V, onde estão relacionados os critérios para solução de divergências na interpretação de cláusulas contratuais, está fixado que as disposi-ções da Lei 8.987/95 prevalecem sobre as cláusulas contratuais, no que forem discrepantes, in verbis:

“7.Asdivergênciasacercadaaplicaçãodecláusulascontratu-aisqueporventuranãopuderemsersanadasporrecursoàsregrasgeraisdeinterpretação,resolver-se-ãodeacordocomosseguintescritérios:

a)asnormasdaLei8.666/93,de21de junhode1993,edaLei8.987,de13defevereirode1995esuasalterações,preva-lecem,noqueforemaplicáveisàsconcessõesdeobraspúblicas,sobrequaisqueroutras;”

Assim, deve ser modificada a Cláusula 75 do Contrato de Concessão PG-016/97-00, para que se adeqüe aos ditames da Lei 8.987/95 e da Cláusula 7 do próprio contrato, no sentido de que sejam consideradas as receitas alternativas no cálculo do equilíbrio econômi-co-financeiro do contrato, contribuindo para a modicidade da tarifa.

No tocante ao argumento levantado pela Concessioná-ria Concepa e pelo sr. Maurício Hasenclever Borges, ex-Diretor-Geral do DNER, em resposta à audiência, no sentido de que a Lei 8.987/95 é posterior à licitação que deu origem ao contrato, não se lhe aplicando, entendo que essa circunstância não afasta a incidên-cia da Lei 8.987/95.

Com efeito, o contrato foi assinado já na vigência da lei e, por isso, o ajuste deve observar integralmente as disposições legais, haja vista que, por ser lei de direito público, é imperativa, cogente e tem eficácia imediata, atingindo os atos em curso, fazendo valer o princípio de que o interesse público prevalece sobre o particular.

Aliás, é até surpreendente esse argumento ter sido argüido pelo responsável e pela concessionária, haja vista que o contrato por

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eles assinado prevê a integral submissão à Lei 8.987/95, conforme já exposto (Cláusulas 3ª e 7ª).

Alega, ainda, o responsável que o edital dispunha que as receitas complementares eram tidas como eventuais e não deveriam compor a equação econômico-financeira original, nem ser conside-radas para elaboração da proposta de tarifa. A partir daí, afirma não ver “emquemedidaapercepçãodessareceita,nocasodaCONCEPA,possa comprometer o inicial equilíbrio econômico-financeiro do con-trato,ajustificaarevisãodatarifadopedágio.” (fls. 179/80).

Como o sr. Maurício Hasenclever Borges, mesmo tendo sido responsável por todo o processo de concessão, reconhece que ainda não conseguiu perceber a questão em toda a sua plenitude, chegou a oportunidade de esclarecê-lo.

É importante ressaltar que as disposições do edital por ele citadas não foram em nenhum momento impugnadas. Elas explici-tam que as receitas complementares, alternativas ou acessórias, por seu caráter de eventualidade, não podem ser consideradas para a elaboração da proposta de tarifa.

Isso não significa que, na eventualidade de sua ocorrência, elas possam ser auferidas pelas concessionárias, sem que isso fique registrado no seu fluxo de caixa, ou seja, que a concessionária se aproprie inteiramente desses valores sem absolutamente nenhuma contrapartida.

Explico melhor a importância do registro dessa receita no fluxo de caixa.

O fluxo de caixa é o instrumento que permite, a qualquer instante, verificar se a taxa interna de retorno original está sendo mantida. Cabe ressaltar que a Taxa Interna de Retorno - TIR é extraída diretamente da proposta vencedora da licitante e expressa a rentabilidade que o investidor espera do empreendimento. Em termos matemáticos, a TIR é a taxa de juros que reduz a zero o valor presente líquido do fluxo de caixa, ou seja, a taxa que iguala o fluxo de entradas de caixa com as saídas, num dado momento.

Assim, pode-se dizer que a manutenção da taxa interna de retorno é garantia tanto do Poder Público, quanto da concessio-

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nária, e sua modificação dá ensejo à revisão contratual, na forma prevista na lei e no contrato.

Se fosse reconhecida validade para a Cláusula 75 do Con-trato de Concessão PG-016/97-00, isso permitiria que a receita complementar arrecadada não fosse computada no fluxo de caixa, gerando ganho indevido para a concessionária, absolutamente dis-forme com toda a moldura contratualmente estabelecida e prevista para a sua remuneração, em prejuízo do Poder Público e dos usuá-rios do serviço, obrigados a pagar tarifa que deveria ser necessaria-mente menor que a cobrada.

Ao contrário, obrigando-se o registro dessas receitas aces-sórias ou complementares no fluxo de caixa, na forma prevista no art. 11 da Lei 8.987/95, se porventura a concessionária arrecadar recei-tas dessa espécie, isso elevará, em um primeiro momento, o valor total das suas receitas, acarretando um aumento da taxa interna de retorno. Isso dará ensejo ao processo de revisão tarifária, que tem por objetivo restituir a taxa interna de retorno ao seu valor original. Para tanto, será necessário reduzir a receita vinculada à cobrança de pedá-gio, no mesmo valor que foi acrescido pelas receitas complementares. Isso se consegue, logicamente, por meio de redução da tarifa.

Esse é o mecanismo, então, que ocorre quando se dá plena eficácia ao art. 11 da Lei 8.987/95.

Estando demonstrado que os termos da Cláusula 75 do Contrato de Concessão PG-016/97-00, firmado com a Concepa, estão em flagrante contrariedade com o art. 11 da Lei 8.987/95 e com as demais disposições do próprio contrato, devem ser rejeitadas as jus-tificativas apresentadas e aplicada multa ao responsável, sem prejuízo de determinar-se à ANTT a adequação do referido contrato.

Por fim, quanto às considerações da instrução técnica a res-peito da necessidade de regulamentação do art. 11 da Lei 8.987/95, acompanho integralmente a posição do Ministério Público, no sen-tido que o dispositivo não depende de nenhuma regulamentação, pois seu parágrafo único é claro ao estabelecer que as receitas alter-nativas serão consideradas para a aferição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

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De igual modo, quanto ao momento de entrada das recei-tas alternativas no fluxo de caixa, se à medida que é realizada ou se projetada para todo o período da concessão, entendo que, por ser matematicamente indiferente o método escolhido, é mais adequado manter o procedimento de somente contabilizar a receita após a sua realização, como já está sendo adotado pelo DNER, haja vista seu caráter de eventualidade.

Ante o exposto, acolho em parte os pareceres e VOTO por que o Tribunal adote a DECISÃO e aprove o ACÓRDÃO que ora submeto a este Plenário.

Sala das Sessões, em 30 de outubro de 2002.

Walton Alencar RodriguesMinistro-Relator

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