cyan magenta amarelo preto tabidÉias 1 idéias · deixou de ser um esnobe para vi-rar um durão....

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CYAN MAGENTA AMARELO PRETO TAB IDÉIAS 1 Idéias 1 JORNAL DO BRASIL SÁBADO 23 DE JUNHO DE 2007 [email protected] & Livros Siga as pistas do romance policial Alvaro Costa e Silva A té os inocentes sabem que o romance policial – gênero li- terário mais consumido no mundo – sofreu uma revolução na primeira metade do século 20: saiu dos gabinetes e passou a sujar a mão nas ruas. Mudaram a lingua- gem e, sobretudo, o detetive, que deixou de ser um esnobe para vi- rar um durão. Hoje parece não ha- ver lugar nem para um tipo nem para o outro. Na produção atual, cabem todos os comportamentos imagináveis, até os mais comezi- nhos. Se você tem algo a escon- der, cuidado: um detetive, ou um cara que tem outra profissão mas faz uns bicos como detetive, pode estar a seu lado no metrô, sem dar a menor pinta de cultivar orquí- deas ou usar gabardine. Entre 1880 e 1930, impe- rou o romance policial clássico, produzido pe- los ingleses. Veneno era a manei- ra predileta de matar. Foi o tempo dos detetives figuraças, os quais, com raras exceções, não levanta- vam da poltrona para resolver os crimes. Estes ocorriam numa be- la casa de campo, de preferência na biblioteca, e o culpado era o cara que tinha cara de mordomo. Ou era alguém que, ao pular e quebrar a janela, deixara na gra- ma pegadas do tamanho das de um mamute. Dessa época, os melhores de- tetives são Sherlock Holmes (criação imortal de Conan Doyle que venceu a enquete de melhor detetive de todos os tempos pro- movida pelo Idéias), Ellery Queen (Frederic Dannay e Manfred B. Lee), Nero Wolfe (Rex Stout), dr. Gideon Fell (John Dickson Carr), Hercule Poirot e miss Jane Marple (ambos de Agatha Christie), Philo Vance (S. S. Van Dine), lord Peter Winsey (Dorothy Sayers), padre Brow (G. K. Chesterton), cujas histórias ainda podem ser lidas com prazer – mais pela atmos- fera que pela trama. Em tem- po: Maigret, do genial Sime- non, é um caso à parte. Quando apareceu, em 1930, no romance O falcão maltês, Sam Spa- de marcou a diferença. Não que o escritor Dashiell Hammett, seu inventor, tenha revolucionado o gênero com ele. Antes, em fins dos anos 20, Hammett já havia criado um outro detetive durão que leva o nome da agência onde trabalha, Continental Op (ou Op, para os íntimos) – este, sim, o pri- meiro detetive hard-boiled. Mas Sam Spade, com seu jeito cínico e amoral, tornou-se inesquecível, principalmente depois de encar- nado nas telas por Humphrey Bo- gart. Com a entrada em cena de Philip Marlowe, que protagonizou O sono eterno, de 1939, e outros seis romances escritos por Ray- mond Chandler (um discípulo que superou o mestre Dashiell Ham- mett), a literatura policial mudou de vez. Para melhor. Não se está falando, claro, das centenas de imitadores (o melhor foi Lew Archer, de Ross Macdo- nald; o pior, Mike Hammer, de Mi- ckey Spillane) que surgiram no rastro. Geograficamente, tro- cou-se Londres e as pradarias in- glesas pela costa oeste norte-ame- ricana. Sam Spade trabalha em São Francisco; Philip Marlowe, em Los Angeles. As duas cidades, tão indispensáveis aos romances co- mo ruivas, só foram desbancadas anos mais tarde, quando Elmore Leonard pôs Detroit no mapa. Atualmente, a cidade do crime é Boston, onde mora a dupla de de- tetives Patrick Kenzie e Angela Gennaro, com que Dennis Lehane – um dos escritores convidados à Flip de julho – faz uma homena- gem a Nick e Nora Charles, um so- fisticado casal criado por – adivi- nha quem? – Dashiell Hammett em seu último livro. Na primeira cena de O homem magro, de 1934, Nick está encos- tado ao balcão de um speakeasy, co- mo eram chamadas as espeluncas clandestinas que vendiam bebida durante a Lei Seca. Matthew Scudder, o melhor detetive em atividade hoje, até entraria num lugar desses, se estivesse atrás de uma pista, mas jamais provaria o uísque falsificado. Scudder é alcoólatra. Eis aí uma mudança e tanto. Como seus criadores, Spade e Marlowe bebiam à vera e, se con- tinuassem na mesma batida, cer- tamente teriam problemas de al- coolismo fora dos livros, como ti- veram Hammett e Chandler. O escritor Lawrence Block, que já publicou 16 romances com Mat- thew Scudder, alguns deles já tra- duzidos no Brasil, evita tocar no assunto, mas o fato é que o perso- nagem parou de beber quando o autor parou. Entraram ambos nos Alcoólicos Anônimos. Scudder largou o Departamen- to de Polícia de Nova York devido ao alcoolismo. Trabalha como frila e namora uma garota de progra- ma. Vai levando com as sessões do AA, das quais não se afasta nem se estiver enredado no caso mais brutal: “Os que assistiam à reu- nião estavam limpos e sóbrios, ou tentando. Os do lado de fora, na rua, estavam com o pé na beira do mundo e escorregando”. Gênero literário mais consumido no mundo sofre revoluções e pequenas mudanças de comportamento – mas segue matando Conheça a nova safra do romance noir, com heróis de carne e osso PÁGS.4E5 Melhores detetives de todos os tempos na opinião de 20 experts PÁG. 8

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CYAN MAGENTA AMARELO PRETO TAB IDÉIAS 1

Idéias1

JORNAL DO BRASIL

SÁBADO23 DE JUNHO DE [email protected]

&Livros

Siga as pistas do

romance policial

Alvaro Costa e Silva

Até os inocentes sabem que oromance policial – gênero li-terário mais consumido no

mundo – sofreu uma revolução naprimeira metade do século 20:saiu dos gabinetes e passou a sujara mão nas ruas. Mudaram a lingua-gem e, sobretudo, o detetive, quedeixou de ser um esnobe para vi-rar um durão. Hoje parece não ha-ver lugar nem para um tipo nempara o outro. Na produção atual,cabem todos os comportamentosimagináveis, até os mais comezi-nhos. Se você tem algo a escon-der, cuidado: um detetive, ou umcara que tem outra profissão masfaz uns bicos como detetive, podeestar a seu lado no metrô, sem dara menor pinta de cultivar orquí-deas ou usar gabardine.

Entre 1880 e 1930, impe-rou o romance policialclássico, produzido pe-

los ingleses. Veneno era a manei-ra predileta de matar. Foi o tempodos detetives figuraças, os quais,com raras exceções, não levanta-vam da poltrona para resolver oscrimes. Estes ocorriam numa be-la casa de campo, de preferênciana biblioteca, e o culpado era ocara que tinha cara de mordomo.Ou era alguém que, ao pular equebrar a janela, deixara na gra-ma pegadas do tamanho das deum mamute.

Dessa época, os melhores de-tetives são Sherlock Holmes(criação imortal de Conan Doyleque venceu a enquete de melhordetetive de todos os tempos pro-movida pelo Idéias), Ellery Queen(Frederic Dannay e Manfred B.Lee), Nero Wolfe (Rex Stout), dr.Gideon Fell (John Dickson Carr),Hercule Poirot e miss Jane Marple(ambos de Agatha Christie), PhiloVance (S. S. Van Dine), lord PeterWinsey (Dorothy Sayers), padreBrow (G. K. Chesterton), cujashistórias ainda podem ser lidascom prazer – mais pela atmos-fera que pela trama. Em tem-po: Maigret, do genial Sime-non, é um caso à parte.

Quando apareceu, em 1930, noromance O falcão maltês, Sam Spa-de marcou a diferença. Não que oescritor Dashiell Hammett, seuinventor, tenha revolucionado ogênero com ele. Antes, em finsdos anos 20, Hammett já haviacriado um outro detetive durãoque leva o nome da agência ondetrabalha, Continental Op (ou Op,para os íntimos) – este, sim, o pri-meiro detetive hard-boiled. MasSam Spade, com seu jeito cínico eamoral, tornou-se inesquecível,principalmente depois de encar-nado nas telas por Humphrey Bo-gart. Com a entrada em cena dePhilip Marlowe, que protagonizouO sono eterno, de 1939, e outrosseis romances escritos por Ray-mond Chandler (um discípulo quesuperou o mestre Dashiell Ham-mett), a literatura policial mudoude vez. Para melhor.

Não se está falando, claro, dascentenas de imitadores (o melhorfoi Lew Archer, de Ross Macdo-nald; o pior, Mike Hammer, de Mi-ckey Spillane) que surgiram norastro. Geograficamente, tro-cou-se Londres e as pradarias in-glesas pela costa oeste norte-ame-ricana. Sam Spade trabalha em SãoFrancisco; Philip Marlowe, emLos Angeles. As duas cidades, tãoindispensáveis aos romances co-mo ruivas, só foram desbancadasanos mais tarde, quando ElmoreLeonard pôs Detroit no mapa.Atualmente, a cidade do crime éBoston, onde mora a dupla de de-tetives Patrick Kenzie e AngelaGennaro, com que Dennis Lehane– um dos escritores convidados àFlip de julho – faz uma homena-gem a Nick e Nora Charles, um so-fisticado casal criado por – adivi-nha quem? – Dashiell Hammettem seu último livro.

Na primeira cena de O homemmagro, de 1934, Nick está encos-tado ao balcão de um speakeasy, co-mo eram chamadas as espeluncasclandestinas que vendiam bebidadurante a Lei Seca. MatthewScudder, o melhor detetive ematividade hoje, até entraria numlugar desses, se estivesseatrás de uma pista, mas jamaisprovaria o uísque falsificado.Scudder é alcoólatra.

Eis aí uma mudança e tanto.Como seus criadores, Spade eMarlowe bebiam à vera e, se con-tinuassem na mesma batida, cer-tamente teriam problemas de al-coolismo fora dos livros, como ti-veram Hammett e Chandler. Oescritor Lawrence Block, que jápublicou 16 romances com Mat-thew Scudder, alguns deles já tra-duzidos no Brasil, evita tocar noassunto, mas o fato é que o perso-nagem parou de beber quando oautor parou. Entraram ambos nosAlcoólicos Anônimos.

Scudder largou o Departamen-to de Polícia de Nova York devidoao alcoolismo. Trabalha como frilae namora uma garota de progra-ma. Vai levando com as sessões doAA, das quais não se afasta nem seestiver enredado no caso maisbrutal: “Os que assistiam à reu-nião estavam limpos e sóbrios, outentando. Os do lado de fora, narua, estavam com o pé na beira domundo e escorregando”.

Gênero literário mais

consumido no mundo

sofre revoluções e

pequenas mudanças de

comportamento – mas

segue matando

Conheça a nova safra do romance noir, com heróis de carne e osso PÁGS. 4 E 5

Melhores detetives de todos os tempos na opinião de 20 experts PÁG. 8

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CYAN MAGENTA AMARELO PRETO

LITERATURA NOIR � Para escapar ao esgotamento e continuar entretendo os le

Novos detetivesse comportamcomo mortaisAlvaro Costa e Silva

Nick Charles é um ex-detetiveque abandonou a profissão para ca-sar-se com Nora. A tranqüilidade docasal, que vive num luxuoso hotelde Nova York, tendo como compa-nhia a cachorrinha Asta, uma sch -nauzer legítima, é abalada com umamorte misteriosa, a qual repõe Nickem contato com malandros, donosde boate, gigolôs, advogados deso-nestos e outros elementos do sub-mundo do crime. O plot deixa claroque O homem magro, o último ro-mance escrito por Dashiell Ham-mett, só existe porque o equilíbriofoi quebrado. Nick, Nora e Asta que-riam mais é ficar na deles, tomandochampanhe.

Quem também aparece casadoem Poodle Springs – obra que Ray-mond Chandler, ao morrer em1959, deixou inacabada, com apenasquatro capítulos; em 1989, a históriafoi completada pelo escritor RobertB. Parker – é Philip Marlowe. A pre-miada é uma grã-fina, Linda Loring,que o detetive levara para a cama noseu penúltimo livro, O longo adeus –a primeira vez que ele fazia isso numromance! Enfim amarrado, Mar-lowe não precisa mais dos famosos25 dólares, mais despesas, que co-brava por dia, e resolve abandonar aprofissão. Até que... Em PoodleSprings foi o inesperado, de novo,que denota a ação.

Donde os mais apressados pode-riam concluir que o romance poli-cial, ao entrar na década de 60 do sé-culo passado, estava prestes a virarpresunto. Neca. Estava, mais umavez, mudando de rumos. Antes, anão ser pelas excentricidades dosdetetives ingleses e pelas pequenaspistas que Spade e Marlowe deixa-vam nos becos – o primeiro não an-dava armado, o segundo usava umSmith & Wesson – pouco ou nada sesabia da vida particular dos investi-gadores. É por aí – como já vimos nocaso do alcoólatra Mattew Scudder– que os novos autores vão seguir.Daqui para frente, a trama de misté-rio valerá tanto quanto a dor-de-co-tovelo que porventura o herói esti-ver curtindo.

Um dos primeiros a adotar o ex-pediente bisbilhoteiro foi Ed Mc-Bain, o pseudônimo mais conhecidodo escritor Salvatore Lombino ouEvan Hunter, morto em 2005, e quetambém atendia por Ezra Hannon,Curt Cannon e Richard Marster –bastava chamar. Só a série que sepassa no 87º distrito policial de umacidade imaginária (misto de NovaYork, Los Angeles, Chicago e Mia-mi), assinada por McBain a partir de1956, rendeu mais de 50 romances –no Brasil, saíram Viúvas, Beijo, Me -trópole do medo, Grana, grana, gra-na, A última dança, entre outros.Neles, os policiais não se fiam emsuperpoderes, são homens simplesque combatem o crime, e têm de en-

frentar os dramas familiares de todaa gente. Os tiras que mais vezesaparecem nas histórias são o íta-lo-americano Steve Carella, o negroArtie Brown, o judeuMeyer-Meyer, o inglês Bert Kling.Recentemente publicado na Cole-ção Negra, da Record, a coletâneaMulheres perigosas abre com umconto de Ed McBain, “Improvisa-ção”, que é uma obra-prima.

Clássico modernoComo Evan Hunter, Elmore Leo-nard, nascido em Nova Orleans em1925, é um novo clássico do roman-ce policial. Queridinho do cineastaQuentin Tarantino, que fez o filmeJackie Brown a partir do romancePonche de rum, escreveu tambémcentenas de roteiros para o cinema.Seus personagens são anti-heróis ecriminosos que esbanjam simpatia.Sua linguagem é o fino, rápida e ras-teira. De Leonard, a Rocco publicoualguns excelentes títulos, como Ma -ximum Bob, Pronto, Cárcere priva-do, Nada a perder, e alguns de seusfaroestes escritos no início da car-reira, Valdez vem aí, Hombre, Qua -renta chibatas menos uma.

Safra atualO policial vai muito bem, obrigado.Além de Lawrence Block, autor dasérie com Mattew Scudder, e Den-nis Lehane, de quem Clint Eastwo-od adaptou para as telas o romanceSobre meninos e lobos, uma nova tur-ma mantém sempre a bala na agu-lha. O principal é James Ellroy, queescreveu, a partir da década de 80,os mais estranhos livros do gênero:Los Angeles: cidade proibida, Dálianegra, Jazz branco, O grande deserto,Tablóide americano, Seis mil em es-pécie, todos publicados pela Record.Seu estilo lembra o corte de uma na-valha Solinger: verbos são comidos,frases somam quatro palavras.

Outra fera é Michael Connely,que abandonou a carreira de repór-ter para dedicar-se à literatura, co-mo muita gente. Mas, como poucos,obteve sucesso com os livros estre-lados pelo detetive HieronymousBosch. Não menos fascinante é o vi-lão que se auto-intitula o Poeta, e vaideixando versos a cada cena de cri-me. No Brasil, Connely é editadopela Record: Cidade dos ossos, Maisescuro que a noite, O vôo dos anjos,Luz perdida.

O escocês Ian Rankin é umabela surpresa que só recente-mente chegou ao país, com a tra-dução pela Companhia das Letrasde Questão de sangue, que partede um problema dos mais atuais:tiroteio dentro de uma escola. É adeixa para que políticos inescru-pulosos e jornalistas em busca defama a qualquer preço roubem omacabro espetáculo. O fio condu-tor é o detetive John Rebus, quevirou série na BBC. O cara, imagi-ne só, é fã do Sepultura.

Os gaysNos policiais de Lev Raphael,quem investiga é um professorunivesitário, especialista em Edi-th Wharton. Até aí nada demais,pois são muitos os detetives ama-dores ou por acaso. Psicanalistas,livreiros e jornalistas há aos mon-tes. O mais desconcertante é queNick Hoffman é assumidamentegay. De outros a gente pode atédesconfiar, mas deste temos cer-teza. Em meio à investigação, Ni-ck troca figurinhas à mesa com seucompanheiro, outro professor deletras, entre uma pasta puttanescae um penne com majerona e toma-te. O bofe cozinha divinamente.

Gay também, só que do sexo fe-minino, é Lucy, a sobrinha-ajudanteda patologista forense e legista KayScarpetta, criada pela escritora Pa-trícia D. Cornwell, cujos livros sãopublicados pela Companhia das Le-tras. Há quem goste.

Depois de EcoÀ publicação de O nome da rosa,em 1980, seguiu-se a praga do sus-pense erudito e histórico. Que, noauge da devastação, gerou os códi-gos que estão por aí. Umberto Ecodevolveu-nos o prazer de ler histó-rias, não é o culpado. Pena queseus muitos imitadores não lhe te-nham a metade do talento. C. J.Sanson escapa à pecha, com o ro-mance Dissolução, no qual apre-senta o advogado Mattew Shardla-

ke, conhecido como “o corcundamais esperto da Inglaterra”. Aação se passa quase toda num co-vento – onde mais? – durante o in-verno de 1537, quando os inglesesse dividiam entre os fiéis à IgrejaCatólica e os leais ao rei HenriqueVIII e à recém-instituída IgrejaAnglicana. Do autor, com o mes-mo personagem, acaba de sair Fo -go negro, que fica alguns furos abai-xo do primeiro.

Essa moda pós-Eco deu tam-bém numa enxurrada de romancesem que personagens célebres sãoos detetives. Guilio Leoni esco-lheu Dante Alighieri e seus livros,publicados pela Planeta, são inte-ressantes. Mas fuja dos que esca-lam Edgar Allan Poe, numa home-nagem de trampolim àquele quemuitos têm como inventor do gê-nero policial. Por fim, um livro detítulo horrível editado pela Sumade Letras, A árvore dos janízaros,de Jason Goodwin, traz como ce-nário o Império Otomano em 1836e, por incrível que pareça, um de-tetive eunuco. Contra todas as ex-pectativas, é bom.

Os esquerdasNum pequeno ensaio sobre o ro-mance policial, o escritor argentinoRicardo Piglia afirma que “o únicoenigma que os romances da sérienoire propõem – e nunca resolvem –é o das relações capitalistas: o dinhei-ro que legisla a moral e apóia a lei é a

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eitores com crimes, gênero se humaniza e cria subdivisões � Maigret,romancepolicial epsicológico

única “razão” destes relatos onde tu-do se paga”. Muito cabeça? Que tal afrase – “O que é roubar um bancocomparado com fundá-lo?” – de Bre-cht? É com tal abordagem que o ca-talão Manuel Vázquez Montalbánconstruiu a série de livros com PepeCarvalho, de muito sucesso na Euro-pa e na América Latina. A Compa-nhia das Letras já publicou cinco ro-mances com Carvalho. O mais re-cente deles é Milênio, catatau demais de 600 páginas, em que o dete-tive, na companhia de seu fiel cozi-nheiro Biscuter, dá a volta ao mundo,metendo o malho, sempre que podeou não pode, na globalização.

Morto em 2003, Montalbán fezescola. Seu melhor seguidor é o ita-liano Andrea Camilleri, um artesãode mão cheia cujo personagem prin-cipal chama-se Montalbano (maisexplícito, impossível). O cubanoLeonardo Padura Fuentes é damesma turma. Na contramão deles,outro cubano, o dissidente José La-tour, que estragou a trama de Ca -maradas em Miami com os cansati-vos ataques anticastristas.

Prata da casaQuando nossos detetives se chama-vam Pereira ou Barbosa, os leitorestorciam o nariz, achando-os poucoconfiáveis. A exceção era o velhoLeite, o delegado que Luiz LopesCoelho criou para três livros de con-tos: A morte no envelope, O homemque matava quadros e A idéia de ma-

tar Belina. Com o delegado Espino-sa, dá-se o inverso: cremos tanto napersonagem de Luiz Alfredo Gar-cía-Roza que juramos, de pés juntos,que o vimos, na quarta passada, mas-tigando um quibe no árabe da GaleriaMenescal. Tony Belloto, ReginaldoPrandi, Joaquim Nogueira, FlávioMoreira da Costa, Aldir Blanc e Fer-nando Pessoa Ferreira (um nome ase prestar atenção com urgência)também não nos envergonham. Ah,claro: Mandrake é o máximo.

Black is beautifulAlguém já disse que ele fez peloHarlem o que Raymond Chandlerfez por Los Angeles. Chester Hi-mes, que, antes de em sua terranatal, despertou interesse nos ca-fés da margem esquerda do Sena,em Paris, nos anos 50, onde por ládavam as caras Sartre e BorisVian, é o criador de Jones Coveiroe Ed Caixão. São dois tiras escola-dos, que se viram entre assassi-nos, pregadores religiosos, belasprostitutas negras, falsificadoresde dinheiro, jogadores e trapacei-ros, fauna invisível que circunda agrande nação americana branca epoderosa que termina na 96thStreet, exatamente onde começa oHarlem. Himes tornou-se escritorenquanto cumpria pena por rouboà mão armada. A L&PM tem repu-blicado seus livros em novas tra-duções: O Harlem é escuro e A mal-dição do dinheiro.

O principal seguidor de Ches-ter Himes, no que se pode chamarde literatura policial negra, é Wal-ter Mosley. Só que, ao contrário deseu antecessor, Mosley bota seupersonagem para agir em Los An-geles. Easy Rawlins, um operárionegro nascido no Texas, volta daSegunda Guerra e vai para a cidadese virar fazendo favores à margemda lei. Acaba tornando-se detetiveparticular. Easy é violento, melan-cólico e sensual (no cinema, foi in-terpretado por Denzel Washing-ton). Há três livros com ele na Co-leção Negra: Uma morte em verme-lho, Uma volta com o cachorro eSempre em desvantagem. Em2005, a Landscape lançou Quemmatou Nola Payne, que o escri-tor George Pelecanos conside-rou a obra-prima de Mosley.

Repórter, produtor de cinema etelevisão, Pelecanos dedica-se, des-de 1992, a escrever livros policiaisque se passam em Washington, on-de é grande o número de negros po-bres. Dois de seus romances foramtraduzidos pela Companhia das Le-tras: Preto no branco e Revolução di-fícil. No primeiro, um negro é balea-do e morto pela polícia no momentoem que está de arma apontada paraum branco. Em meio à confusão, oautor dos disparos não ouviu o outrose identificar como policial. Teriahavido preconceito? Para o detetiveparticular Derek Strange, contrata-do para investigar o caso, não restadúvida de que alguém morreu sim-plesmente pelo fato de ser negro.Em Revolução difícil, publicado nosEUA em 2004, vamos encontrar omesmo Derek Strange com 21 anose trabalhando como policial emWashington, às vésperas do assassi-nato de Martin Luther King, em1968, que desencadeou uma revoltaentre a população negra da cidade.Bom paca.

As damasMulher sempre foi chegada numcrime. Há dois tipos: as que prefe-rem veneno e as que vão de tesou-ra. Se a distinta for britânica en-tão... A tradição nas ilhas, que jáderam Agatha Christie e a dameNgaio Marsh, mantém-se em altacom P. D. James e Ruth Rendell,criadoras, respectivamente, deAdan Dalgliesh e Reginald Wex-ford. São romances caudalosos,para ler num sábado chuvoso,trancado em casa, esquecendo-seda vida lá fora. Réquiem para a te-xana Patricia Highsmith, mortaem 1995, a rainha do policial psi-cológico. Fala quem entende doriscado, Graham Greene, para umfinal tipo quarta-capa: “Uma es-critora que criou um mundo – ummundo claustrofóbico e irracionalno qual sempre adentramos comuma sensação de perigo”.

Rodrigo Camarão

Jules Maigret bem que podia seraquele tio corpulento e carrancudo,aposentado, torcedor do América,que leva a mulher para o almoço dedomingo com a família. Mas a cria-ção mundialmente famosa de Sime-non preferiria enfileirar seus ca-chimbos, pedir dois sanduíches euma garrafa de cerveja na BresserieDalphine, ao lado da sede da PolíciaJudiciária parisiense. Antes de co-meçar mais um daqueles longos in-terrogatórios, nos quais invariavel-mente o criminoso capitula, Maigretlembra-se de telefonar para a mu-lher e avisar que não vai jantar emcasa. Quando, finalmente retorna,madrugada alta, desabotoa o sobre-tudo entre o segundo e o terceiroandares, pega as chaves do aparta-mento da Boulevard Richard-Le-noir e dá boa-noite a Louise.

Os detetives que descendemdos pais do romance policial moder-no – Auguste Dupin, Sherlock Hol-mes, Hercule Poirot – são mais ve-rossímeis, mais humanos. Vivem.Há momentos, durante uma inves-tigação, que Maigret não sabe o quefazer. Perdido, torna-se trombudo,emburrado e calado. O estado de es-pírito já é conhecido dos colegas detrabalho do Quai des Orfèvres. Sa-bem que é melhor não mexer comMaigret quando o chefe está assim.

No final tudo se acerta, mas não éexatamente essa a importância deSimenon no romance policial mo-derno. Quem matou fulano-de-talnão é o primordial, embora semprehaja crimes a desvendar – e Maigreto faz muito bem, antes com persis-tência que com raciocínio lógico ededutivo. Maigret é um policial quegosta de apontar uma lupa para a vi-da das vítimas, imiscuir-se no seucotidiano, saber do que gostavam defazer, de comer, onde passeavam outrabalhavam. O leitor é envolvido,assim como Maigret, numa nova at-mosfera. O ambiente é personagemà parte. O nome do assassino surgedaí, quase naturalmente.

Os romances de Simenon sãotão psicológicos quanto policiais.Aliás, é raro encontrar nas 76 nove-las e contos em que Maigret aparececenas em que o comissário tenha sa-cado sua arma.

Por isso mesmo, os livros de Si-menon não respeitam as regras bá-sicas criadas por G. K. Chestertonem Como escrever uma história dedetetive. O assassino não costumaser um personagem central. Muitasvezes, aparece de forma discreta eganha importância gradualmente, éencontrado por Maigret e c’est finis.

O comissário não usava bigodespontudos ou costeletas. Maigret erauma figura gigantesca, de grande os-satura, impossível de passar desper-cebida. Barbeava-se todas as ma-nhãs e ia ao cinema semanalmente.Às vezes, encontrava uma foto suano jornal. Não passava muitas infor-mações aos jornalistas que o procu-ravam, mas já recorreu a anúnciosde jornal para atrair criminosos queprocurava – a estratégia foi inaugu-rada por Auguste Dupin, em 1841.Assim, o detetive de Edgar AllanPoe, que lia pensamentos do interlo-cutor, encontrou o assassino da RuaMorgue: um orangotango.

Simenon leu muito Conan Doylee criou o antípoda de Sherlock Hol-mes. Um homem como Maigret, ca-paz de mobilizar metade dos poli-ciais de Paris, montar grande cercopara prender um único homem,convenhamos, é elementar demaispara qualquer Sherlock.

RENATO DALCIN/ARTE JB

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ENQUETE � Para 20 apreciadores da literatura policial, Sherlock Holmes continua imbatível

Elementar, meucaro Watson!

Quem votou em quem

Vivian Rangel

Matthew Scudder é devassadopelo álcool, abandonado pelas mu-lheres e tem o charme de um perso-nagem autobiográfico. Espinosa écarioca e dotado de uma ética queconfirma seu nome de filósofo. MissMarple é uma velhinha tão docequanto inteligente, que dissolvemistérios sem perder a hora do chá.Nero Wolfe e Pepe Carvalho nãodispensam uma bela criação culiná-ria entre uma pista e outra. SamSpade faz sexo mas não gosta demulheres, e Maigret investe naabordagem psicológica. Modernosou peculiares, nenhum dos deteti-ves foi capaz de desbancar SherlockHolmes, o erudito inglês – rei dosdisfarces e especialista em violino eboxe. Criado no século 19 por Ar-thur Connan Doyle, é o maior dete-tive de todos os tempos segundoenquete realizada pelo Idéias.

A eleição foi decidida por 20 es-critores, cineastas e editores, al-guns acostumados a trabalhar comos mistérios literários, outros ape-nas fãs do gênero. O resultado –quase elementar, para lembrar a fra-se famosa que o personagem jamaisdisse – confirma a definição de G.K.Chersterton: Holmes é tão fami-liar quanto Shakespeare.

A cada um dos votantes foi pedi-da uma lista com cinco nomes. Paraa eleição, o primeiro da lista recebia5 pontos, o segundo 4 e assim su-cessivamente. Na soma, SherlockHolmes abocanhou 43 pontos. Re-sultado mais do que merecido para oescritor Flávio Moreira da Costa:

– Holmes é o pai de mais da me-tade dos autores do gênero (por suavez, filho de Inspetor Dupin, de Ed-gar Allan Poe) – define o escritor.–Ele encarna a fórmula do detetiveracional e intelectualizado que ageem dobradinha com um auxiliar,neste caso o Dr. Watson.

Sinônimo de detetive particularpara o editor Edmundo Barreiros, oinvestigador é o maior de todos,dentro de suas controvérsias.

– Ele é tão carismático e ino-vador, que mesmo misógino ecocainômano é sucesso até en-tre crianças.

Sherlock Holmes está presentenas listas de 12 dos entrevistados. Éuma “ícone da racionalidade”, para oescritor Luiz Garcia-Roza, ou o maisengraçado, de acordo com FlávioCarneiro. Houve até quem tentasseevitar o cânone sherlockiano, masnão resistiu.

– Cheguei a pensar em não men-cioná-lo para fugir do lugar-comum– confessa o escritor Eduardo Gol-denberg. – Mas como fazê-lo dianteda absurda forma que tomou o per-

sonagem, destinatário de milharesde cartas enviadas por aflitos embusca de soluções não encontradaspelas polícias de todo o mundo?

Maior detetive americano – naopinião do sociólogo Muniz Sodré –Philip Marlowe, personagem deRaymond Chandler, abocanhou umsegundo lugar mais que honroso.Segundo o escritor Rafael Cardoso,ele não é não apenas o primeiro dalista, mas o único.

– É um personagem e tanto,principalmente por ser um alter-egodo Chandler – opina. – Tem a falaafiada de um dos grandes escritoresdo século 20 e um espírito rebeldesem causa, à la Marlon Brando.

Sam Spade, de Dashiel Hammet,é o primeiro para Ivan Lessa, talvezpelo mérito de ter desafiado o perfilclássico de Holmes, racional e en-furnado em escritórios. Em terceirolugar na enquete, Spade ficou à fren-te de Jules Maigret, o preferido doescritor Reginaldo Prandi:

– Maigret é um autor econômi-co, centrado na ação e muito simpá-tico – define. – Gosto dele porqueele faz com que a descoberta do cri-me dependa mais da situação que oenvolve que da investigação em si.

Nero Wolfe, gorducho semeadorde orquídeas, levou o quinto lugarna lista, apenas dois pontos à frentede Mandrake, criação de RubemFonseca, que por pouco não empla-cou uma representação brasileira nalista dos cinco maiores investigado-

res. Se não ficou entre os universais,foi o brasileiro mais votado.

Para Flávio Carneiro, AugusteDupin seria o primeiro da lista se se-fosse levar em conta apenas a im-portância do seu papel na criação dogênero. Mas o favorito é mesmoMandrake:

– Gosto de detetives que consi-gam temperar cinco ingredientes:perspicácia, intuição, experiência ehumor. Mandrake é mais interes-sante porque imagina mais – opinaCarneiro.

O personagem de Fonseca ficaem terceiro nas escolhas ver-de-amarelas de Aldir Blanc, fã do pe-culiar doutor Leite, de Luiz LopesCoelho. A lista de Paulo Caruso écuriosa: inclui o inspetor Closeau dePeter Sellers e Tintin, o jornalistamagrinho de Hergé. Claudia Mattosaté tentou defender as mulheres –tão escassas ao protagonizar histó-rias de crimes – elegendo a legistaKay Scarpetta, de Patricia Cornwell.E entre padres (Brown, de Chester-ton), psicanalistas (Michel Durand,de Jean-Pierre Gattegno) e beber-rões (Matthew Scudder, deLawrence Block) não faltou nemmesmo um ladrão. Arsène Lupin foicitado por ser uma divertida inver-são da figura detetivesca. Feliz ogrande Holmes que em 1910 seaposentou para criar abelhas.

Kemelman)4- Matthew Scudder5- Inspetor Adamsberg (FredVar gas)Tony BellottoEscritor1- Philip Marlowe2- Continental Op3 - Sherlock Holmes4- Archie Goodwin5- Lew ArcherAldir BlancEscritor1- Doutor Leite (do Luiz LopesCoelho)2- Espinosa3- Mandrake4- O tira Venício (JoaquimNogueira)5- O delegado Epifânio (Nani)Paulo CarusoChar gista1- Ed Mort2 - Inspetor Clouseau3 - Corto Maltese4 - Sam Spade5 - TintinClaudia MattosEscritora1- Kay Scarpetta2- Hercule Poirot3- Jules Maigret4- Porto Brandão (José Prata)5- Duca Lamberti (GeorgioScerbanenco)Fausto WolffEscritor1 - Nero Wolfe2 - Jules Maigret3- Lew Archer4- Philo Vance5- Miss MarpleCesar LanducciEditor1- Salvo Montalbano2- Lincoln Rhyme ( JefferyDeaver)3- Hieronymous Bosch4- Sherlock Holmes5- Hercule PoirotRubem Mauro MachadoEscritor1- Jules Maigret2- Philip Marlowe3- Sam Spade4- Sherlock Holmes5- Hercule Poirot e Jane MarpleEduardo GoldenbergEscritor1- Nero Wolfe2- Espinosa3- Sherlock HolmesFlávio TambelliniCineasta1- Detetive Guedes (RubemFonseca)2- MandrakeRafael CardosoEscritor1- Philip Marlowe

Marcos Palmeira e Giane Albertoni em cena da minissérie ‘Mandrake’: o advogado-detetive de Rubem Fonseca é um conquistador

FOTOS DE ARQUIVO

SherlockHolmes pitao seuinseparávelcachimbo emdesenho deSidney Paget

Ivan LessaEscritor1- Sam Spade2- Philip Marlowe3 - Sherlock Holmes4 - Spenser (Robert B. Taylor)5- Matthew ScudderLuiz Alfredo Garcia-RozaEscritor1- Auguste Dupin2- Sherlock Holmes3- Sam Spade4- Philip Marlowe5- Jules MaigretMuniz SodréSociólogo1- Auguste Dupin2- Sherlock Holmes3- Arsène Lupin4- Philip Marlowe5- Padre BrownMario PrataEscritor1- Sherlock Holmes2- Miss Marple3- Hercule Poirot4- Jules Maigret5- Sam SpadeFlavio CarneiroEscritor1- Mandrake2 - Sam Spade3- Sherlock Holmes4- Dom Isidro Parodi (Borgese Bioy Casares)5- Auguste DupinFlávio Moreira da CostaEscritor1- Sherlock Holmes2- Sam Spade3- Philip Marlowe4- Jules Maigret5- Nero WolfePaulo Roberto PiresEditor1- Sam Spade2- Philip Marlowe3- Tom Ripley4- Michel Durand (Jean-PierreGattegno)5- EspinosaMarçal AquinoEscritor1- Philip Marlowe2- Sherlock Holmes3- Mandrake4- Sam Spade5- MaigretEdmundo BarreirosEditor1- Sherlock Holmes2- Philip Marlowe3- Ed Caixão e Jones Coveiro(Chester Himes)4- Nero Wolfe5- Pepe CarvalhoReginaldo PrandiEscritor1- Jules Maigret2- Nero Wolfe3- Rabbi David Small (Harry

COLABORARAM ALINE NASCIMENTO E MARIA-

NA FILGUEIRAS