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gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010
Curso de Gestão Pública Inovadora
Prof. Jackson De Toni
Sobre o autor: Jackson De Toni é Economista e tem mestrado em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1994) com ênfase em Planejamento de Transportes. É professor adjunto do curso de Economia da Universidade Luterana do Brasil e do curso de Ciência Política da UniDF em Brasília. Atualmente cursa o Doutorado em Ciência Política na Universidade de Brasília, UnB. Foi Técnico em Planejamento da Secretaria de Coordenação e Planejamento do Rio Grande do Sul, onde foi Diretor-Geral e Secretário Adjunto entre 1999 e 2002. Foi professor da UFRGS (Economia) e da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Planejamento Estratégico). Tem ampla experiência em gestão de políticas públicas na área de desenvolvimento, monitoramento e avaliação de projetos. Publicou artigos sobre planejamento estratégico e governança no setor público, no Brasil e exterior. Foi assessor especial da Presidência da República (2004/06), responsável pelo monitoramento & avaliação de projetos estratégicos de Política Industrial e Tecnológica. É professor de Planejamento Estratégico da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Foi Gerente de Projetos da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, ABDI (www.abdi.com.br) e da Agência de Promoção de Exportações e Investimentos - APEX-Brasil (www.apexbrasil.com.br) vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Atualmente é Especialista em Gerenciamento de Projetos do quadro efetivo da ABDI. Contato: [email protected]
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Aula 1
O surgimento do Estado e a Administração Pública
A origem do Estado
A gestão pública é o modo como administramos as coisas públicas, particularmente como
são gerenciadas as organizações públicas, sejam elas municipais, estaduais ou federais. Por
isso, antes de entrar no assunto propriamente dito temos que compreender onde se realiza
a gestão publica, em que contexto institucional, que regras e estruturas a condicionam. Ou
seja, temos que compreender inicialmente o que é o Estado, como ele surgiu e como ele
funciona, qual é seu papel na sociedade democrática contemporânea. Vamos trilhar este
caminho logo a seguir.
Para estudar e entender o que é a gestão pública inovadora vamos ver nesta primeira aula
como tudo começou, isto é, o que é o Estado, qual sua origem, função e papel numa
sociedade complexa e heterogênea como a nossa. A palavra Estado vem do latim “status” e
significa “estado” ou “situação”.
O seu conceito está associado ao de ordem política e social que mantém uma determinada
sociedade estável. Desde a antiguidade o conceito de Estado também está associado ao de
dominação, isto é, de um grupo de indivíduos ou grupos organizados que, através do Estado,
domina os demais grupos e indivíduos. Esta dominação não é necessariamente ruim porque
ela pode ser, por exemplo, numa democracia, uma dominação legítima, isto é, desejável,
porque foi votada em um processo eleitoral livre democrático. Os gregos antigos, por
exemplo, se organizavam através da “Pólis”, a cidade-estado, os romanos tinha o conceito
de “civitas” e outros povos tinham organizações semelhantes que se encarregavam de
manter as funções essenciais de governo e administração da justiça, da segurança e defesa e
de outras funções básicas para manter a integridade de um povo, num dado território.
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Diversos autores atribuem a Maquiavel, que viveu entre 1469 e 1527, o uso pioneiro do
termo “Estado”. Ele teria usado com o sentido próximo ao uso mais moderno, Estado como
sociedade política permanente. Em seu livro “O Príncipe”, há a famosa frase “ Todos os
Estados, todos os domínios que tem tido ou tem império sobre os homens são Estados, e são
repúblicas ou principados”. Maquiavel transformou o fazer política, isto é, as ações e
eventos que o homem cria para que os governos funcionem, num problema essencialmente
humano, desprovido dos julgamentos morais ou de influencia religiosa que predominavam
na idade média. A reflexão de Maquiavel surge exatamente num contexto de transformação
da sociedade medieval italiana. Ele faz uma análise da situação italiana, marcada pela
instabilidade, fragilidade e violência das instituições políticas para elaborar uma espécie de
“manual de conduta” para o príncipe, isto é para a elite dominante da época.
Maquiavel propõe três conceitos básico para entender como funciona o governo:
• O primeiro seria a Virtu, ou seja, as qualidades pessoais do príncipe.
• O segundo seria a Fortuna, que seria o contexto no qual o príncipe governa, sem
controlar todas as variáveis.
• O terceiro seriam as Razoes de Estado, que seriam as premissas, as suposições, as
condições para que o governante violasse as normas jurídicas, econômicas e morais
por ele mesmo estabelecidas. Estas condições aconteceriam numa situação de perigo
eminente, guerra ou anormalidade extrema.
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Quando abordamos o problema do Estado podemos identificar dois tipos de origem ou
formação, uma chamada de Originária e outra chamada de Derivada. A formação originária é
aquela relacionada ao caminho clássico de organização dos grupos primitivos em clãs ou
tribos e a partir daí em organizações mais complexas, com uma especialização de funções
maior e de maior interdependência entre pessoas e grupos. O fundamental é que estes
indivíduos não perteçam a outro Estado. Se a formação for do tipo “natural” então não
houve uma intervenção mais dirigida de indivíduos ou grupos, se a formação for
“contratual” então a organização estatal foi deliberadamente conduzida por alguns
indivíduos ou grupos. Ainda pode haver uma formação chamada de “derivada”, quando o
Estado se forma a partir de outra organização ou instituição pré-existente.
Autores como Dallari sintetizam os aspectos relacionados à formação do Estado em três
grande posições básicas.
(a) A primeira delas é de que o Estado sempre existiu na história humana, pois o homem
sempre existiu integrado a uma organização social dotada de poder e alguma
autoridade capaz de influenciar o comportamento do grupo, mesmo nas sociedades
mais primitivas.
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(b) Uma segunda posição é a de que o Estado foi constituído ao longo de dezenas de
anos e mesmo séculos para atender às necessidades e conveniências dos diversos
grupos sociais, numa relação de dominação e poder. Mas houve época que a
organização humana dispensava a presença de uma ente acima dos grupos e
indivíduos.
(c) Uma terceira posição é aquela que considera o Estado como um sociedade política
com soberania, cujo poder estaria acima de qualquer outro, num dado território e
nação. Nesta concepção o Estado se distingue das demais formas de organização
social porque seu poder independe do poder dos seus ocupantes ou membros. O
poder do Estado está sujeitado ao direito, às leis, que independem dos governantes.
Há ainda muitas outras teorias que tentam explicar porque ou como o homem organizou e
construiu o Estado. Alguns teóricos dizem que o Estado não passa de um prolongamento em
escala das relações já estabelecidas pela estrutura familiar. A sociedade civil seria apenas um
desdobramento normal e previsível da sociedade natural, o Estado apenas refletiria a
ampliação dos laços de dependência familiares. Além da família, podem ser considerados
neste enfoque a própria comuna, ou comunidade, corporações baseadas nas relações
famliares e outros grupos como possíveis fontes para o poder do Estado. Na base deste
poder estaria o poder fundante e orginal de um “Pai” ou de um “Rei”. A legitimidade deste
poder é de origem divina: “é Deus que quis assim” ou na ordem natural das coisas: “sempre
foi assim e sempre será”.
A crítica que a ciência política mais moderna fará a esta abordagem é a de que a sociedade
humana não é igual ou sinônimo de sociedade política. Aliás, somente quando o homem se
emancipa das organizações básicas, como a família, ele passa a intervir e atuar de uma
forma não tutelada nos assuntos da “civitas”, da coletividade, da comunidade em que está
inserido, ou seja, passa a ser um ser político, a fazer política com consciência. Além disso a
fonte e a legitimidade do poder de Estado não está na idéia da paternidade, mas de uma
opção não-natural feita por homens e mulheres, muito menos na inspiração divina. Cabe
lembrar que uma das grandes conquistas das chamadas “revoluções burguesas” do século
XVIII, em especial da Revolução Francesa, foi a separação entre o poder religioso, do poder
político, criando a idéia do Estado laico e da liberdade de culto religioso.
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Uma outra vertente na teoria sobre o Estado nos diz que o Estado surge como que um
“contrato” entre os indivíduos. Este contrato teria sido inspirado na necessidade que os
homens tem em preservar e tutelas seus direitos uns dos outros, em troca da proteção de
um soberano. Um dos autores mais famosos, chamados de “contratualistas” foi Rousseau,
que viveu entre 1712 e 1778. Ele foi autor de uma obra chamada “O Contrato Social” onde
defende que o contrato entre os homens e o soberano deveria ser geral e unânime, baseado
na igualdade entre os homens, que abririam mão de suas vontades individuais para ceder a
uma “vontade geral” acima de todos. Esta nova condição poria um fim ao chamado “estado
natural”, pré-Estado, onde todos estavam a mercê da própria sorte. Outro pensador
importante desta escola foi Hobbes, que viveu entre 1588 e 1679. Hobbes dizia que o
“homem é o lobo do próprio homem”, isto é, o homem deixado a sua própria sorte estaria
condenado a uma vida torpe, violenta e breve. Outro autor, Locke, que viveu entre 1632 e
1704, era menos pessimista, dizia que o homem era pacífico, mas vivia em guerra potencial
se permanecesse no estado de natureza. Todos defendiam a idéia de que um contrato
deveria ser feito transferindo parte dos direitos e das liberdades individuais para o Estado.
Devemos lembrar aqui que a idéia de um “contrato” é uma metáfora, isto é, uma figura de
linguagem para ilustrar o processo de formação do Estado.
Hobbes, Locke e Rousseau, partilhavam do mesmo diagnóstico, mas tinham idéias diferentes
sobre qual seria a solução ideal para o problema. Hobbes, por exemplo, acreditava que a
titularidade e o exercício dos direitos naturais deveriam ser transferidos ao soberano com
uma única exceção, a segurança da sua própria vida. O soberano, para Hobbes, não seria
obrigado a respeitar as leis civis por ele constituídas, sua limitação seria apenas o direito
natural. O poder do Estado seria absoluto. Por isso se diz que Hobbes defendia o modelo
absolutista, baseado no poder de um rei.
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Locke, por sua vez, entendia que os indivíduos conservariam todos seus direitos naturais
exceto um, o de fazer justiças por suas próprias mãos, isto caberia ao Estado. Para este
pensador o principal direito a ser garantido pelo Estado seria o direito à propriedade e a
liberdade individual. Para ele o poder poderia ser revogado se o governante não cumprisse
as leis, Locke defendia o direito à rebelião contra o mau governo.
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Por fim Rousseau, que era o mais radicalmente democrático dos três, os indivíduos deveriam
transferir todos seus direitos ao Estado em troca da liberdade individual. Os conflitos
existentes no estado de natureza resultavam da existência da propriedade privada. A lei que
derivava da “vontade geral” estaria acima de tudo e de todos, menos do Soberano.
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Podemos ter ainda uma visão darwinista da formação do Estado, ou seja, o Estado surge da
imposição dos mais fortes e adaptados sobre os mais fracos. O Estado surgiria de um
processo essencialmente violento numa espécie de “darwinismo político”, os mais fortes
sobrevivem.
Ainda há um importante conjunto de pensadores que atribuem causas essencialmente
econômicas para a origem e formação do Estado. De todas as teorias talvez a que mereça
registro e consideração seja aquela formulada por Karl Marx, que viveu entre 1818 e 1883.
Marx dizia que o Estado é um instrumento de dominação de uma classe – os burgueses e
proprietários das terras e fábricas em geral – sobre as outras classes sociais, sobretudo
trabalhadores urbanos e camponeses. O Estado nasce quando a comunidade primitiva
consegue produzir mais do que suas próprias necessidades de sobrevivência imediata. Isto
começou a acontecer com a primeira revolução agrícola, na pré-história. Este excedente
produtivo liberou alguns indivíduos, geralmente aqueles com alguma função religiosa ou
militar, das tarefas cotidianas da produção. Estes formariam o núcleo de uma elite que vai
dominar os demais e dar origem ao Estado como uma organização que perpetua e reproduz
a dominação, não só econômica, mas social e política também.
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A parte as explicações sociológicas para a origem do Estado, a forma mais comum de criação
dos Estados na modernidade é por fracionamento de Estados maiores. Este foi o caso, por
exemplo, de um dezena de repúblicas formadas pelo fim da antiga União Soviética no final
dos anos oitenta. Entre outros Estados surgiram os Estados da Ucrânia, Letônia e Estônia,
por exemplo. Cada novo Estado tem um território próprio, um ordenamento jurídico próprio
e personalidade institucional independente na diplomacia internacional. Em outros casos,
como foi a unificação da Alemanha Oriental com a Ocidental em 1989, o novo Estado surge
da unificação de entidades pré-existentes.
Independente da teoria que adotarmos o Estado em conceito amplo é um ordenamento,
uma estrutura, um conjunto de organizações e instituições, eventos, processos e indivíduos
que atuam em determinado território, com soberania jurídica, para garantir a estabilidade e
a reprodução da sociedade, nas suas dimensões econômicas, políticas e sociais. O Estado
ainda, segundo o sociólogo Max Weber, tem o monopólio legítimo da violência, isto é, o
Estado seria a única organização capaz de usar e aplicar a violência física para atingir seus
objetivos. O Estado é uma forma específica, que varia ao longo do tempo e dependendo do
lugar, para organizar o poder político e administrar princípios de sua própria manutenção.
O Estado é portanto: poder organizado e soberano, povo, território e, nação.
Devemos cuidar para não confundir Estado com nação ou país. Por exemplo, existe um país
basco, mas não um Estado basco, existe uma nação palestina, mas não um Estado palestino.
A idéia de nação exprime o conceito de uma comunidade política marcada pela tradição,
cultura e história comum, mesma língua, religião ou costumes, mas a noção de Estado
implica imediatamente em soberania ou seja, um poder que não é tutelado por nenhum
outro poder a não ser ele mesmo. Da mesma forma o conceito de “povo” difere de
“população”, o primeiro se refere à uma comunidade política com característica
semelhantes, inclusive étnicas, o segundo ao conjunto de residentes num país, incluindo
imigrantes e turistas de outras nacionalidades.
A trajetória do Estado moderno
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Normalmente adotamos uma visão cronológica para apresentar as diferentes formas como
evoluiu o Estado da antiguidade até os nossos dias. Vamos começar vendo rapidamente
como se formaram os principais Estados na antiguidade.
O primeiro tipo de Estado a se consolidar é o chamado “Estado antigo”, onde as
organizações familiares, religiosas e econômicas se combinavam de forma confusa e
indistinta. A política se misturava com a moral, esta com a religião e a filosofia. Estes estados
eram de natureza unitária, não havendo divisões no seu interior, nem territoriais, nem
funcionais. Outro elemento importante era a união entre Estado e religião, eram verdadeiros
Estados Teocráticos, isto é, organizados e conduzidos sob inspiração divina. O Estado Grego,
baseado na figura da Polis, ou da cidade estado, é uma expressão deste tipo de estado. Um
detalhe importante é que a democracia grega funcionava somente para os cidadãos, sendo
que os escravos não eram considerados cidadãos. Outro tipo clássico de estado antigo foi o
Estado romano. Na origem o Estado romano foi formado pela união de famílias ou tribos,
chamados de “gens”, depois evolui para a forma de cidades-estados e finalmente para o
formato de uma república unitária no seu auge. A decadência do mundo romano cedeu
lugar a diversas formas de organização estatal fragmentária, todas elas baseadas em um
cem número de feudos auto suficientes e famílias nobres muito influenciados pela Igreja
romana e regidas por relações de suserania e vassalagem. O suserano está acima na
hierarquia, garante a proteção e doa terras ao vassalo, que paga impostos e fornece homens
para as guerras, foi a relação, por exemplo, entre os duques, marqueses, condes e barões,
nesta ordem. O Estado medieval foi praticamente mantido e sustentado pelo poder da Igreja
católica, o Papa Leão III, por exemplo, no ano de 800, chegou a coroar Carlos Magno como
Imperador da Cristandade, demonstrando a convergência entre poder civil e poder
eclesiástico durante este período.
Com a evolução econômica e social da sociedade medieval uma ruptura progressiva entre o
poder religoso e civil começa a se estabelecer. O surgimento do Estado Absolutista será
então caracterizado pela concentração de instrumentos de controle, administração e gestão
nas mãos de um único soberano, geralmente um Rei. Antes estes poderes estavam dispersos
no território das cidades-estados pelos vários nobres em cada lugar. Ocorre também uma
centralização do poder, eliminando-se as esferas intermediárias de estamentos, colegiados
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ou corporações. Por fim, começa a sedimentar a idéia da despersonalização do Estado. Ou
seja da passagem das relações de comando e obediência entre indivíduos para relações de
obediência e hierarquia entre instituições, o Estado passa cada vez mais a não se confundir
com a personalidade dos governantes, sejam Reis, Rainhas ou Príncipes. Foi nesta
conjuntura histórica que ocorreu a unificação política de países importantes como a
Alemanha e a Itália em Estados nacionais e unitários.
O Estado como o conhecemos hoje, ou o Estado Moderno, surgiu da evolução do estado
absolutista e de seus corpos intermediários, seja na idéia de um exército profissional e
permanente, na política, na burocracia administrativa em especial a fiscal, no clero e na
magistratura. Ainda no período absolutista por conta da íntima relação entre o Estado e a
economia mercantilista, o Estado tornou-se o ator de maior importância naquele
ordenamento social. O Estado moderno surge sobretudo quando se afirma a idéia de
soberania estatal e diferenciação do Estado e da Sociedade.
Neste marco do Estado moderno vamos encontrar uma variedade muito grande de
manifestações históricas distintas. Temos o Estado liberal, o estado interventor, o estado do
bem estar social, o Estado democrático, etc. Estas categorizações não são mutuamente
excludentes e geralmente são utilizadas para enfatizar uma característica mais marcante ou
dominante de uma época ou conjuntura histórica determinada.
Por exemplo, o chamado Estado Liberal é produto das grandes revoluções burguesas, que
significaram a consolidação das elites comerciais no poder de Estado, derrubando os velhos
estamentos da nobreza absolutista. Entre as mais significativas temos a chamada Revolução
Gloriosa na Inglaterra, em 1688, a Revolução de Independência dos Estados Unidos em 1786
e a Revolução Francesa em 1789. O principal atributo deste momento de transição histórica
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entre dois regimes foi o pacto entre o poder do soberano, que poderia ser um Imperador ou
um Rei, e o colegiado de representantes eleitos ou indicados. Neste período foram
conquistados os primeiros direitos civis como o direito à vida, à propriedade, à
manifestação, de ir e vir, etc., só mais tarde nos séculos XIX e XX que os direitos políticos e
sociais, como o sufrágio universal, o direito a educação, etc., foram conquistados.
As reivindicações da burguesia comercial, como as eleições livres, a separação de poderes ou
a não intervenção do Estado nos negócios eram totalmente coerentes com as necessidades
de expansão do capitalismo comercial no início do século XIX. A cena política refletia mais
uma vez os movimentos estruturantes e poderosos da base econômica da sociedade. O
Estado deveria garantir a liberdade para os cidadãos, liberdade esta de comprar e vender,
inclusive a força de trabalho, as terras e as propriedades em geral. As tarefas do Estado
seriam somente a defesa publica, a diplomacia, a defesa externa, a cobrança de tributos, a
cunhagem da moeda e a administração da justiça. O Estado Liberal clássico não durou muito
tempo, pois gerou imensas massas de excluídos dos benefícios do sistema. A progressiva
organização e pressão destes setores foi alterando durante todo o século XIX e XX a natureza
e a função do Estado.
No início dos anos oitenta vários Estados capitalistas ocidentais começaram a enfrentar
dificuldades econômicas, orçamentárias e fiscais entre eles os Estados Unidos e a Inglaterra.
Como reação a esta situação surgiram governos que mais tarde foram chamados de “neo
liberais” porque retomavam princípios do antigo Estado Liberal. Tais governos, como o de
Ronald Reagan nos Estados Unidos e Margaret Tatcher na Inglaterra implementaram um
programa de redução dos impostos, privatizações de empresas estatais, cortes no
funcionalismo público e redução de investimentos em programas sociais. Estas ações foram
altamente polêmicas e geraram inúmeras tensões sociais, ainda que tivessem contribuído
para superar a crise naquele momento. Este modelo foi recomendado pelos organismos
multilaterais como o FMI e o Banco Mundial para todos os países sub desenvolvidos como o
Brasil, naquilo que ficou mais tarde conhecido como o “Consenso de Washington”, reunião
de economistas em 1989.No Brasil este ideário de governo influenciou a gestão do então
presidente Fernando Henrique Cardoso, quando boa parte do setor produtivo estatal foi
vendido para empresas nacionais e multinacionais. Estas políticas fizeram surgir um novo
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termo, o “Estado Mínimo”, para nomear um tipo de política econômica onde as funções do
estado seriam reduzidas ao mínimo admissível, tal e qual a proposta liberal clássica. No final
dos anos noventa estas práticas de governo são abandonadas em quase todos os lugares e
reiniciou-se um novo ciclo de aumento da presença do Estado.
O estado liberal também é conhecido como Estado Representativo, já que o regime político
da democracia liberal é baseado nas eleições de representantes. Independentemente de
todos os problemas do regime representativo atualmente, nas origens do Estado liberal as
eleições foram um poderoso meio de transformação do Estado estamental do antigo regime.
O chamado “Estado do Bem Estar”, ou em inglês, o “Welfare State”, por exemplo, retrata um
tipo de organização estatal surgido sobretudo após a segunda grande guerra. Sua
característica fundamental é a maior distribuição dos benefícios do crescimento econômico
entre os segmentos antes excluídos, sobretudo as camadas médias e os trabalhadores.
Todos os cidadãos, independente de sua contribuição, teriam direito à proteção contra o
desemprego, ao abandono, a pobreza, a fome a doença. Os governos deste período não
raro se caracterizavam por grande pactos e acordos sociais que incorporavam organizações
dos trabalhadores nos governos. Este tipo de estado só foi possível graças a um período de
grande produtividade industrial e pesados investimentos estatais em infra-estrutura
econômica e social, as custas de um grande endividamento. Este tipo de estado também foi
chamado de “Estado Keynesiano”, em alusão às idéias do economista inglês Keynes, que
defendia fortes despesas públicas para superar os momentos de crise econômica como foi a
Grande Depressão de 1929.
Uma outra denominação importante, sobretudo para nós latino americanos, é o chamado
“Estado Desenvolvimentista”. Este nome decorre do papel que o Estado sobretudo na
América Latina no pós guerra teve para assumir um papel protagonista na liderança do
processo de desenvolvimento econômico e social. Como nestes países as elites econômicas
eram fracas, desorganizadas e com recursos insuficientes, o Estado assumiu a intervenção
direta em muitos setores de base, por exemplo, aço, química, energia, telecomunicações,
transportes e outros setores. O Estado desenvolvimentista atuava, na verdade como um
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grande empresário, criando as condições gerais de produção para que o setor privado, mais
tarde, assumisse os investimentos necessários ao desenvolvimento do país. O padrão
político deste período oscilou entre governos democráticos e ditaduras, com grandes
tensões sociais, várias delas decorrentes do próprio processo de rápida transformação
produtiva, como por exemplo, o rápido crescimento da urbanização e de grandes
metrópoles. No Brasil o auge deste período vai dos anos cinqüenta ao início dos anos
setenta quando fatores como o grande endividamento do Estado, a inflação e as tensões
políticas e sociais acabam enfraquecendo o modelo.
Além deste modelos, tipos ou manifestações do Estado capitalista contemporâneo temos
historicamente a ocorrência de Estados socialistas. Estes Estados surgiram geralmente de
processos revolucionários como foi a Revolução Russa em 1917 ou chinesa em 1949, da
expansão soviética no pós-guerra, como a Polonia ou Alemanha Oriental ou de guerras de
independência de ex-colônias como ocorreu na África nos anos sessenta ou na Coreia do
Norte e Vietnã respectivamente nos anos cinqüenta e setenta. Há muita diversidade de
modelos e regimes, de economias totalmente planificadas como era a soviética até os anos
oitenta até sistemas mistos como é atualmente o chinês. Após o fim da antiga União
Soviética restaram poucos países com Estados socialistas, como Cuba, por exemplo. Nestes
países predomina a centralização dos investimentos no Estado, a existência de um único
partido oficial, restrições à liberdade de organização, expressão e voto.
Atualmente o processo de globalização econômica vem criando novos desafios e limites para
a atuação do Estado. Ocorre uma desnacionalização crescente da produção econômica. Os
ciclos produtivos envolvem as vezes dezenas de países que assim ficam interligados e
dependentes dos mercados, em especial dos mercados financeiros mundiais. Os governos
perderam a influência relativa sobre grandes corporações transnacionais, há mais
dificuldade de barrar a formação de trustes e cartéis e sua influência danosa sobre o
mecanismo de livre concorrência. A interdependência entre Estados aumentou muito e
ressurgiram as tendência para formação de autênticos Estados supra-nacionais com o
alargamento do conceito de soberania, como demonstra a experiência da União Europeia.
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O Estado moderno é dividido em poderes distintos: o Executivo, o Judiciário e o Legislativo.
Foi Montesquieu, na sua obra “O Espírito das Leis”, que definiu pela primeira vez uma
justificativa para a separação de poderes porque este formato traria um maior equilíbrio
entre os diversos poderes. O poder do Estado é um só e do ponto de vista institucional e
abstrato é indivisível e indelegável, porém é como se ele se desdobrasse em poderes
diversos divididos funcionalmente. Cabe ao Executivo o domínio da função administrativa,
cabe ao Legislativo a norma fiscalizadora e cabe ao Judiciário a função jurisdicional, ou seja,
administrar a aplicação da justiça. Em alguns casos estas funções não são exclusivas. Pode o
Executivo, por exemplo, elaborar normas através das medidas provisórias, mas isto deveria
ser uma exceção.
O funcionamento do Estado de Direito
Para conhecer o funcionamento do Estado é necessário conhecer também elementos do
direito público e do direito administrativo. Porque o direito ? Por um motivo bastante
simples, o Estado é no fundo um grande ordenamento social, político e econômico validado
e formalizado por um conjunto de leis e normas de conduta, de procedimentos e de direitos
e deveres. A ciência jurídica nos ajuda a entender qual é a dinâmica de funcionamento desta
grande estrutura.
O direito público, segundo os juristas, tem por objetivo principal a regulação dos interesses
estatais e sociais, só atingindo as condutas individuais de forma indireta. As relações
jurídicas no direito público são sempre caracterizadas pela desigualdade jurídica entre dois
pólos, o privado-individual e o público-coletivo. Isto acontece porque os interesses do
Estado são na verdade os interesses da coletividade que precisam ser tutelados, protegidos
pela estrutura estatal. Quando houver um conflito entre estes dois pólos, acaba
prevalecendo os interesses do Estado, respeitando evidentemente as garantias individuais.
Um exemplo muito comum deste conflito acontece quando um governo precisa construir
uma estrada e para isso tem que utilizar uma propriedade privada. Neste caso o direito
público e coletivo de assegurar o funcionamento do sistema de transporte ou a mobilidade
dos cidadãos fica acima do próprio direito de propriedade. Neste caso pode ocorrer uma
desapropriação, que acontece sempre com a devida e justa indenização ao proprietário.
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No direito privado esta desigualdade entre pólos não existe. Num contrato entre
particulares, por exemplo, os dois pólos são iguais, tem igualdade jurídica. Um contrato
comercial qualquer, a abertura de uma conta bancária, etc., pressupõe que os dois lados
tem as mesmas prerrogativas, isto é, os mesmos direitos e deveres.
Há um conjunto de princípios que estruturam o direito público e que são interessantes e
necessários para o entendimento da própria gestão da coisa pública. Vamos analisar
rapidamente cada um deles.
(a) O primeiro é o princípio da “autoridade pública”. É aquela condição dada por uma
Constituição, por exemplo, que define o Estado como superior ao particular, como
mais relevante na relação com o particular.
(b) Um segundo princípio é o da “submissão do Estado à ordem jurídica”. Isto significa
que todo ato ou comportamento que venha do poder público, para cumprir os
quesitos de validade universal e obrigar os indivíduos, deve ter fundamento e
validade numa norma jurídica superior. O Estado, pois, está obrigado a agir sob o
abrigo de leis, de normas universalmente válidas e aceitas. O Estado que age fora
deste contexto, através de atos abusivos e ilegais de um governo, por exemplo, se
torna o que chamamos de um “Estado de exceção”, como acontece nas ditaduras e
governos autoritários, em geral.
(c) Um terceiro princípio é a “igualdade dos particulares perante o Estado”. Este
princípio é fundamental para uma sociedade democrática. Significa que todos os
indivíduos devem ser tratados de forma isonômica, ou igual, perante o Estado.
Devem ser tratados igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de
sua desigualdade. Isto quer dizer, por exemplo, que quando o Estado obriga através
de uma lei aprovada no Congresso Nacional que parte das frotas de ônibus urbanas
tenham equipamentos especiais para pessoas portadoras de necessidades especiais,
que o Estado está garantindo o princípio da igualdade entre desiguais.
(d) Um quarto princípio nos diz que sempre haverá o “devido processo legal”. O termo
“processo” na linguagem do Estado tem um significado especial. É o modo como o
estado formaliza seus atos, documenta e registra seus procedimentos. É uma
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garantia para todos aqueles que sofrem uma ação do Estado (benéfica ou não para o
particular) e para todos aqueles que acionam a máquina estatal demandando um
serviço ou uma ação de fiscalização, por exemplo.
(e) Um quinto princípio nos fala da “responsabilidade objetiva”. Isto quer dizer que o
Estado deve arcar, deve assumir, a responsabilidade última e obrigatória pelos
prejuízos que sua ação ou omissão possam gerar e provocar. Por exemplo, quando
um funcionário publico dirigindo um automóvel a serviço de um Ministério colidir
com um particular, quem assume a culpa objetiva é o Estado, eventualmente caberá
um procedimento administrativo de responsabilização contra o funcionário. No
direito privado a responsabilidade direta são dos sujeitos envolvidos, por isso se diz
que esta responsabilidade é do tipo “subjetiva”. Em relação ao Estado se diz que a
responsabilidade é objetiva, independe de uma culpa, o Estado responde sempre,
qualquer que seja o dano causado a um particular. Basta que fique claro e provado
um nexo de causalidade entre o dano sofrido e uma ação (ou omissão) do Estado.
Por exemplo, quando uma Prefeitura realiza uma obra de drenagem urbana e para
isso interrompe o comércio de um supermercado, o comerciante teria direito a uma
reparação.
(f) Por fim, um sexto e último princípio declara que há uma “igualdade de pessoas
políticas”. Como o Brasil é um país federativo, isto é, composto por vários entes
políticos, Estados e Municípios com atribuições e competências diferenciadas, há um
estatuto de igualdade entre eles. Não há uma hierarquia, o Governo Federal não é
mais importante que um Município, por exemplo, todos são juridicamente iguais.
Os princípios da administração publica
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Para conduzir a administração pública, para fazer a gestão publica, os agentes políticos,
servidores ocupantes de cargos efetivos ou comissionados, os particulares que prestam
serviços públicos através de permissões ou delegações e toda a sociedade, enfim, são
guiados por princípios. Os princípios não são leis propriamente ditas, mas são diretrizes de
conduta, são orientadores dos atos, eventos e processos no âmbito do Estado. Eles portanto
servem como bússola, como norte a ser seguido.
A maioria deles está na Constituição Federal de 1988, mas há outros que podem ser
inferidos de leis importantes como o Decreto lei 200 de 1967 que cumpriu um papel
importante na modernização do Estado brasileiro.
O primeiro e talvez o mais importante princípio seja o do “Planejamento”. O Estado deve
executar ações planejadas, estudadas previamente, compatibilizadas com os recursos
orçamentários e humanos disponíveis. Este princípio orienta por exemplo, a elaboração dos
Planos Plurianuais a cada quatro anos em todos os níveis administrativos.
Um princípio associado intimamente ao primeiro é o da “Coordenação”. Esta orientação nos
diz que as várias organizações do governo e os milhares de funcionários públicos federais,
estaduais e municipais devem agir coordenadamente, com harmonia, com sincronicidade.
Esta orientação implica que os processos de hierarquia, comunicação, monitoramento e
avaliação das ações deva ser uma constante na gestão pública.
O terceiro princípio nos fala da “Descentralização”. Num país como o Brasil, com mais de
oito milhões de quilômetros quadrados, com quase duzentos milhões de habitantes, perto
de seis mil municípios e vinte e três estados é impossível não pensar que as funções públicas
devam ser descentralizadas. Ela é entendida em vários planos. Há a descentralização da
administração federal para as administrações estaduais e destas para as municipais. Mas
também há descentralização de funções dentro de cada nível administrativo e do setor
público para o setor privado. Por exemplo, quando um município faz uma licitação para um
particular operar uma linha de ônibus ele está descentralizando, ou quando o Governo
Federal faz um convênio com o Estado para repassar recursos para combater a fome, há
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também um processo de descentralização. Este princípio está associado a um outro muito
próximo, é o chamado princípio da “delegação de competência”. Ele segue a máxima de que
as decisões devem se situar o mais próximo possível do contexto em que elas vão ser
executadas. Isto objetiva assegurar mais agilidade, eficiência e eficácia na prestação de
serviços. É por este motivo que a educação superior fica na esfera federal e a educação
básica e fundamental é encargo dos municípios.
É importante não confundir a descentralização com a desconcentração. Esta última significa
apenas uma técnica (não um princípio), pela qual a administração, tanto a direta composta
pelos Ministérios ou Secretarias, como a indireta, composta por empresas, autarquias e
fundações, utiliza para distribuir competências. Mas esta distribuição, ao contrário da
descentralização, fica dentro de sua própria estrutura ou organização. Por exemplo, quando
o Ministério da Agricultura cria representações nos Estados ele está desconcentrando
tarefas, competências e atribuições.
O princípio do “controle”, nosso quinto princípio, orienta para que todas as ações e atos do
poder público sejam devidamente fiscalizados e controlados em todas as suas instâncias. O
controle começa no âmbito da própria organização, em cada departamento, pela chefia
imediata. Cada órgãos público tem um setor especializado em fiscalizar as suas próprias
ações. Por exemplo, em âmbito federal o controle interno é feito pela Controladoria Geral
da União, a CGU, ligada diretamente à Presidência da República. Além do controle externo
há o controle externo exercido pelos Tribunais de Contas dos Estados e da União, que são
ligados aos poderes legislativos respectivos. A existência de controle independente, ágil e
proativo é uma das condições básicas para a transparência do governo, para o combate à
corrupção e portanto para a existência do próprio Estado democrático.
A “legalidade” e a “impessoalidade”, o sexto e o sétimo princípios, são igualmente
importantes. A legalidade nos diz basicamente o seguinte, a administração só poderá agir
conforme o estabelecido em lei. Não basta que a lei não vete ou proíba determinada
conduta, na área pública a lei deve orientar expressamente o que pode ser feito, executado
e realizado. Tudo que a administração publica fizer em desconformidade com a lei pode ser,
por princípio, anulado, revogado e invalidado, pela via administrativa ou pela via judicial. Já
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o princípio da “impessoalidade” nos assegura que o gestor público e a própria
administração pública pratiquem atos de forma imparcial, não promovendo seus gestores e
administradores. Não é lícito, por exemplo, que um administrador use as oportunidades ou
os recursos à sua disposição para sua própria auto-promoção. Também veda qualquer
forma de discriminação na prestação dos serviços. O princípio da “moralidade” anda junto
com a impessoalidade. Sua mensagem é muito simples: os agentes do Estado não podem
agir em desconformidade com padrões éticos, não basta apenas cumprir a lei, é preciso ter o
bom senso para diferenciar sempre o que é honesto daquilo que não é, analisando a
aplicação da lei dentro de cada contexto. O nono princípio, o da “publicidade” está na
mesma linha, ou seja, todo ato administrativo, porque é feito em nome da coletividade deve
ser necessariamente publicado, tornado de conhecimento coletivo. Uma decisão
administrativa, em qualquer nível ou sobre qualquer assunto, que não é devidamente
publicizada pode ser anulada e sem efeitos. Além disso a publicidade dos atos públicos é
condição básica para o controle e a participação popular. Estas três princípios, a legalidade, a
impessoalidade e a publicidade representam o pilar do Estado democrático de direito.
Em seguida um princípio mais moderno, a “eficiência”. Ele orienta para que o agente público
e a administração em geral atuem gastando os recursos públicos da melhor forma possível.
As estruturas administrativas devem ser racionais, uma adequação entre fins e meios é
absolutamente necessárias. Deve-se evitar o desperdício e o gasto sem resultados concretos
e objetivos. A eficiência está relacionada ao modo como os processos de trabalho são
realizados. Um departamento público cheio de funcionários ociosos, sem liderança que
promova o controle e a gestão por resultados é um exemplo notório de falta de
descumprimento do princípio da eficiência.
Estes são os princípios básicos que podem ser lidos na nossa Constituição, mas há outros
que alguns autores acabam incluindo como importantes neste debates. O princípio da
“razoabilidade”, por exemplo, está associado ao princípio do devido processo legal, ele
sempre alerta para que o ato administrativo seja sempre necessário, adequado e
proporcional. Por exemplo um Governador que usasse a tropa de choque da política militar
para reprimir uma festa de carnaval de rua não autorizada estaria em flagrante desrespeito
ao princípio da razoabilidade, da proporcionalidade.
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A “supremacia do interesse público” é outro princípio que reafirma a superioridade do
interesse publico acima dos interesses particulares. A “auto-tutela” é uma outra diretriz que
permite à Administração controlar seus próprios atos, analisando-os quanto ao mérito e
quanto à legalidade. Somente a própria administração pode revogar ou anular
administrativamente (chama-se também “de ofício), um ato que ela mesma produziu.
Associado a este princípio há a idéia da “indisponibilidade do interesse e dos bens públicos”.
Isto significa que os bens da administração não são da administração, muito menos dos
gestores. Eles pertencem à própria coletividade, portanto são indisponíveis, não podem ser
onerados, dados em garantia ou alienados sem o devido procedimento legal. Por fim a um
último princípio mencionado na literatura que é o da “continuidade do serviço público”.
Como os serviços públicos são essenciais ao bem estar coletivo e muitas vezes à própria
manutenção da vida eles não podem sofrer interrupção. Imaginem, por exemplo, se numa
grande cidade o sistema de semáforos parasse de funcionar ou se os médicos de um hospital
publico se recusassem a atender os doentes. É por este motivo que o direito de greve, que é
previsto em lei, sofre uma limitação drástica no setor público, obrigando os sindicatos a
manterem um força de trabalho mínima para evitar o colapso total dos serviços.
Como vimos há muitos princípios, diretrizes e orientações sobre o serviço publico. Todos
eles funcionam para preservar os interesses coletivos, de todo o povo, que é em última
instância a razão de ser do Estado. Os governantes, os gestores públicos, devem fazer o
melhor possível para cumprir esta missão institucional e seguir estes princípios. Isto não
significa, entretanto que o gestor publico seja apenas uma cumpridor de leis, um autômato,
pelo contrário ele deve ter uma atitude inovadora, um comportamento criativo e uma
postura aberta a novos desafios. Só assim ele conseguira interpretar todos estes princípios
de acordo com cada contexto ou situação.
Estado, Governo e aparelho de Estado
Para terminar esta primeira aula devemos ainda fazer uma distinção entre estes conceitos
básicos. Nós vimos que o conceito de Estado se refere em primeiro plano a um ente
abstrato, gigantesco, ramificado por todas as dimensões da vida social, política e econômica.
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Hoje em dia é praticamente impossível viver sem o Estado. Por exemplo, as regras que
disciplinam a existência deste curso e a possibilidade que temos de organizá-lo, são regras
que emanam deste poder, quando você atravessa a rua numa faixa de segurança, você está
sendo beneficiado pelo poder de Estado que lhe assegura, em tese, segurança e proteção
naquele momento. O Estado é uma sociedade política, diferente da sociedade civil que é
privada. Nós dizemos que o Estado tem um “poder extroverso”, o que significa que pode
executar ações e gerar efeitos para além de suas próprias fronteiras, criando obrigações para
todos os cidadãos, extravasando seus limites.
Já o conceito de “Governo” é diferente. Governo é o conjunto de funções, papéis,
atribuições e ações que concretizam, tornam real, este poder político do Estado. Ele se
materializa pela rede de cargos, funções e órgãos públicos federais, estaduais e municipais,
distribuídos nos três poderes. O Governo é submetido periodicamente à vontade dos
cidadãos, se o modelo adotado é uma república democrática representativa, baseada em
eleições gerais. Ou o Governo pode ser uma república religiosa onde os dirigentes são
indicados pela cúpula da igreja. Governos mudam de acordo com o tempo, o contexto, os
valores políticos dominantes e o momento histórico. Podem ser autoritários, participativos,
transparentes, fechados, eleitos ou indicados, eficazes ou ineficazes, enfim, estão sujeitos ao
jogo de pressões e tensões normais das sociedades modernas, complexas e heterogêneas,
com múltiplos interesses convivendo simultaneamente.
Uma outra definição muito comum é a de “aparelho de Estado”. Normalmente seu sentido
traduz uma noção de recursos existentes para fazer o Estado funcionar. Estes recursos não
são financeiros propriamente ditos, mas sobretudo a capacidade de governo instalada,
representada pelas suas instituições, processos de trabalho e burocracia. Todos eles
orientados e regidos pelo direito administrativo e pelo direitos constitucional.
Assim, Estado, Governo e Aparelho de Estado são conceitos semelhantes, entrelaçados, mas
diferentes. Saber fazer a distinção ajuda a compreender melhor como funciona a gestão
pública.
Perguntas:
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1. Tente fazer um definição sua do que é o Estado e qual sua importância para a
sociedade atual. Justifique.
2. Qual a relação entre Estado e Administração ?
3. Na sua opinião há diferença entre a esfera publica e Estado ? Porque ?
Bibliografia comentada:
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. Saraiva: São Paulo,1981.
Este livro traz um novo enfoque sobre os problemas do Estado, vai muito além da mera
exposição de conceitos teóricos para apresentá-lo como realidade viva, concreta e dinâmica.
Examina, em detalhes, a sociedade, a origem e a formação do Estado, sua personalidade
jurídica, o Estado Moderno e a Democracia, a separação de Poderes, as funções do Estado e
os problemas do Estado Contemporâneo. Bem como as relações internacionais, a
intervenção estatal, o socialismo, o capitalismo e o Estado Democrático.
CHIAVENATO, Idalberto. Administração Geral e Pública. Elsevier: Rio de Janeiro,
2006.
Este livro foi elaborado originalmente para auxiliar os estudantes de nível superior nos
concursos públicos relacionados às carreiras federais que são muito exigentes na área da
gestão pública. Na verdade o livro adquiriu uma densidade e abrangência impar na literatura
disponível. Inicia comentando as escolas clássicas da administração para em seguida entrar
nos assuntos típicos da gestão publica: processo administrativo, gestão de pessoas,
comportamento organizacional até as novas abordagens da recente reforma gerencial. É
indispensável para quem quiser se aprofundar no assunto.
BOBBIO, Norberto, Teoria Geral da Política: a Filosofia Política e as Lições Clássicos,
Campus, Rio de Janeiro, 2000
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Esta obra já clássica, reúne 40 ensaios sobre política e Estado. O grande pensador italiano
Norberto Bobbio (Turim, 1909) ensinou Filosofia do Direito nas universidades italianas por
mais de trinta anos. Com 720 páginas ela versa sobre todos os assuntos importantes para
entendimento do Estado e da administração pública, entre os quais a política, a moral o
direito, o problema dos valores e da ideologia entre outros. Todos temas que repercutem
diretamente na gestão publica e proporcionam uma sólida base teórica.
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Aula 2
O surgimento e crise do Modelo Burocrático
Nesta aula vamos estudar e compreender como se formou e se transformou a atual
administração publica conhecida como “administração burocrática” ou “modelo burocrático
de administração”. Este modelo é atualmente muito questionado, particularmente com os
movimentos que aconteceram no mundo todo nos anos oitenta e noventa. Uma das
principais razões é a de que o estilo de administrar da burocracia não tem a flexibilidade e a
versatilidade para se adaptar às inovações do mundo moderno. Por outro lado o modelo
burocrático, também conhecido como “modelo weberiano” de administração representou
no passado um salto enorme de qualidade para a gestão pública na medida em que
profissionalizou seus funcionários e garantiu um padrão de impessoalidade e universalidade
no funcionamento do aparelho de Estado. Vamos analisar este processo a seguir.
Entendendo o aparelho de Estado
A organização estatal funcional de diversas maneiras, normalmente hierárquica e
verticalizada, ainda que haja uma tendência para alguns serviços se organizarem na forma
de redes incluindo o setor privado, como por exemplo, a área de proteção social e
assistência.
Normalmente as várias funções do aparelho de estado são agrupadas em quatro grandes
áreas: o setor do núcleo estratégico, as atividades exclusivas, os serviços não exclusivos e o
setor público não estatal. Vamos ver com um pouco mais de detalhe cada um deles.
O primeiro setor, chamado de “Núcleo Estratégico” representa ao governo em sentido lato,
são os setores centrais no funcionamento do Estado. Eles definem as leis e as políticas
públicas, executam os projetos e garantem os resultados esperados pelos serviços públicos.
No núcleo estratégico as decisões mais importantes são tomadas. Ele corresponde ao
Presidente da Republica, suas organizações de apoio, aos Ministérios, ao Legislativo, ao
poder Judiciário e suas organizações e ao Ministério Público. O padrão de propriedade que
estrutura e embase este setor é o da propriedade do tipo estatal.
Este setor é responsável pelo planejamento do governo e pelo desenho das políticas
públicas. O que pesa aqui são os critérios de eficiência e eficácia na gestão pública. É o lugar
por excelência onde métodos, instrumentos, habilidades e conhecimentos de modernização
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das práticas gerenciais serão aplicados e utilizados. A importância da efetividade dos
projetos impacta diretamente nesta área do aparelho de Estado.
Um segundo setor seria aquele de “atividades exclusivas” do Estado, onde os serviços
públicos são prestados, mas somente os serviços que o Estado pode prestar, que são
exclusivos de suas competências e atribuições. Nesta área o Estado exerce o “poder
extroverso” porque ele fixa, define, fomenta, executa, controla e fiscaliza a execução do
serviço. Por exemplo, a previdência social, a polícia, a defesa nacional, as políticas de
combate ao desemprego, os serviços judiciários, a vigilância sanitária, o controle do tráfego
aéreo, etc., são todos serviços exclusivos do Estado, não podem ser delegados. A forma de
propriedade deste setor também é estatal já que os bens e serviços relacionados á atividade
estatal exclusiva.
Os “serviços não exclusivos”, como o nome já indica, pertencem a um conjunto de bens
públicos que podem ser prestados por organizações públicas porém não estatais ou
privadas. Apesar destas organizações não possuírem o poder de Estado ele se faz presente.
Estes serviços atendem direitos sociais básicos (como a educação ou a saúde) ou produzem
efeitos benéficos para o conjunto da economia (com o fornecimento de iluminação pública
numa cidade ou as estradas). A rigor muitos destes serviços não podem ser produzidos
senão em condição de monopólio, daí a importância das Agências Reguladoras e dos
mecanismos de controle. Os serviços de telecomunicações e de abastecimento de energia,
as universidades federais, etc., são alguns dos melhores exemplos. A propriedade neste
setor também é publica não estatal. As instituições neste setor tem mais autonomia
gerencial e trabalham mais com a lógica de resultados. A eficiência é um critério
fundamental para o processo decisório.
Finalmente temos a “produção de bens e serviços para o mercado”, que é o setor onde
atuam as empresas estatais controladas total ou parcialmente pelo Estado. É onde o Estado
investe diretamente ou porque o setor privado não tem forças para arcar com os custos dos
investimentos ou porque são monopólios naturais. O caso da Petrobrás é um bom exemplo,
além da importância vital do fornecimento de petróleo e da nossa dependência energética
desta fonte fóssil, altíssimos recursos são necessários para a pesquisa, prospecção e
extração de petróleo em águas profundas. O tipo de administração neste caso é puramente
gerencial e o tipo predominante de propriedade é a privada.
O quadro a seguir sintetiza estas relações e funções do aparelho de Estado.
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A administração pública como organização
A administração pública é uma organização como qualquer outra, embora tenha
características especiais que só ela possui, como por exemplo, o dever da publicidade e
impessoalidade dos seus atos. Como organização ela possui “recursos” definidos. Os
recursos são valores reais ou virtuais, intangíveis, que são empregados para realizar tarefas
concretas. Os recursos mais utilizados por uma organização são os bens, equipamentos e
edificações, as instalações em geral, os funcionários, os conhecimentos existentes, etc. Eles
são utilizados para atingir determinados “objetivos” organizacionais, que são os resultados
esperados. No caso das organizações publicas estes objetivos estão definidos em
dispositivos normativos, que são as leis, decretos, portarias, instruções, etc.
Assim uma organização é um sistema estruturado de recursos que tem como finalidade
atingir determinados objetivos. Na vida contemporânea praticamente todas as dimensões
do cotidiano estão afetadas por diversas formas de organização, até a família, a escola, o
clube, podem ser vistos como organizações. As organizações são como que as “regras do
jogo” que definem espaços de poder, autoridade e hierarquia entre os vários agentes e
atores públicos e privados.
A administração pública seria assim uma organização especial, pois sua função é manter o
Estado funcionando da melhor forma possível, atendendo as demandas da sociedade. A
administração em si mesma não é uma ciência tão moderna, se entendermos ela como uma
forma de manter e expandir as organizações podemos considerar que desde a antiguidade
ela existia. Imaginem, por exemplo, o grau de organização e portanto, de administração,
necessário para construir as pirâmides do Egito ou um aqueduto romano.
Entretanto foi com a sociedade industrial a partir do século XIX e com todas as novas
demandas de organização do setor produtivo que começaram a surgir os primeiros
conceitos e técnicas administrativas. Este processo acabou consolidando a administração
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como uma disciplina independente da economia e de outras áreas do saber. A primeira
escola administrativa, por exemplo, surgiu nos Estados Unidos, em 1881. A partir daí
assistimos a uma dezena de escolas administrativas, como a científica, a das relações
humanas, a estruturalista, a comportamental, etc., cada uma delas enfatizando um aspecto
peculiar da vida organizacional.
As organizações podem ter desempenhos diferenciados. Normalmente o desempenho
organizacional é avaliado de acordo com três princípios: a eficácia, a eficiência e a
efetividade. Vamos ver cada um deles com um pouco mais de detalhe.
A Eficácia consiste no grau de atingimento ou alcance das metas que são programadas em
um determinado período de tempo, não se considerando por enquanto, os custos
implicados nesta ação. Quanto maior o grau de realização de uma meta ou objetivo, maior
será a eficácia da organização. Aqui talvez tenhamos que explicar melhor o uso de alguns
conceitos típicos da área de projetos que serão vistos com mais profundidade adiante.
Quando falamos em “diretrizes da administração” estamos falando em princípios, valores e
orientações gerais que valem para toda a organização. Por exemplo, um determinado
governo pode ter a seguinte diretriz: “nosso governo atua de forma democrática e
participativa, envolvendo os cidadãos e os servidores públicos no processo decisório”. Esta
diretriz não é um objetivo concreto, não é uma meta, é uma orientação que deveria inspirar
todas as ações do governo. Porém, a partir desta diretriz o governo pode estabelecer o
seguinte objetivo: “Revisar o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental através
de um processo de consulta permanente com as comunidades da periferia”. Este objetivo
aplica concretamente aquela diretriz inicial, a torna mais concreta e palpável. Agora
poderemos ter uma “meta” relacionada a este objetivo. Por exemplo: “o índice de sub-
habitação será reduzido em 20% a cada ano durante 4 anos”. Agora temos um objetivo que
foi quantificado, há um indicador de resultado e um prazo associado. Então, no dia a dia
confundimos tudo, mas neste debate sobre o desempenho da administração pública
devemos sempre distinguir os conceitos: Diretrizes, Objetivos e Metas.
A eficiência é sempre a relação entre os recursos necessários para executar uma ação e seu
produto imediato. Uma organização é eficiente se utiliza os recursos de uma forma mais
produtiva e econômica possível. A eficiência significa sempre uma forma mais racional de
uso dos recursos, uma relação mais adequada entre meios disponíveis e fins desejáveis. A
eficiência se distingue da eficácia, mas lhe completa o sentido. Imaginemos por exemplo que
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o governo tenha como objetivo a promoção do desenvolvimento econômico de uma região
pouco dinâmica do país, através da construção de um grande sistema intermodal de
transporte de cargas, interligando sistemas rodoviários, aeroportuários, hidroviários e
marítimos, num grande porto. Para isso o governo projeta gastar R$ 500 milhões em 3 anos.
A pergunta sobre a eficácia seria: “o porto foi construído ? a integração com as rodovias e
hidrovias foi concluída ? o aeroporto foi duplicado ?”, etc. Já a pergunta sobre a eficácia
seria: “ o recurso orçamentário gasto foi bem gasto ? Houve um gasto proporcional, razoável
e adequado em relação aos equipamentos modernizados ou implantados?”. Fica evidente
que um projeto ideal é aquele que tem alta eficácia e alta eficiência, o que nem sempre
encontramos nas obras da administração pública.
O conceito de eficiência é muito próximo à idéia de economicidade. A economicidade
implica na minimização dos custos dos recursos utilizados para executar uma atividade sem
que os padrões de controle estejam ou fiquem comprometidos. Não é simplesmente pagar
ou comprar mais barato. É fazer mais barato e manter a qualidade demandada pela
sociedade. Este princípio vem sendo cobrado muito pelas auditorias dos órgãos de controle
externo.
Principais diferenças entre eficiência e eficácia, algumas metáforas.
Mas está faltando um conceito fundamental para avaliar o desempenho da administração. O
conceito de efetividade. Este conceito está focado nos efeitos, nos impactos esperados e
observados na população-alvo do programa, projeto ou planejamento. A efetividade pode
ser entendida também como a união entre a eficácia e a eficiência. No exemplo anterior
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qual seria a efetividade desejada ? Seria o gasto do recurso orçamentário ? Uma terceira
pista para o aeroporto ? Será ? De modo algum. A efetividade seria medida pelo efetivo
desenvolvimento da região estagnada economicamente. Teríamos, então, que ter
instrumentos e técnicas de monitoramento, avaliação e controle para aferirmos de fato se o
gasto público que gerou um produto específico, produziu o resultado esperado, que seria o
maior dinamismo da região. Mas estes indicadores são sempre difíceis de mensurar, porque
a realidade dos projetos públicos é de uma tal complexidade que sempre uma dezena de
outras variáveis estará sempre interferindo nos resultados esperados ou desejados.
Junto com estes princípios de avaliação do desempenho costumamos agregar um quarto
elemento, a equidade. A equidade nos orienta a considerarmos sempre qual foi o balanço
final gerado de justiça social, de compensação entre setores da população de maior e
menor renda, objetivando um maior equilíbrio econômico e social. Por exemplo, um projeto
de uma grande usina hidroelétrica que tenha alta eficiência, alta eficácia, alta efetividade,
pois garantiu o desenvolvimento de uma região carente de energia. Mas o projeto não
previu medida alguma de mitigação, compensação ou neutralização do impacto sócio-
ambiental, que obrigou o deslocamento de centenas de famílias, não é um projeto de
equidade aceitável e deverá ser refeito.
Os diversos modelos de administração pública
Na história da administração publica o primeiro modelo conhecido é chamado de
patrimonialista. Neste modelo o aparelho do Estado funciona como uma extensão do
soberano. É o modelo típico dos antigos Estados estamentais e oligárquicos, dos governos
absolutistas e centralizadores. A elite dirigente utiliza os bens públicos para proveito próprio.
Surgem e se consolidam relações de clientelismo, o poder de estado é utilizado de forma
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discricionária, distribuindo favores em troca de apoio político e lealdade. Os servidores deste
tipo de governo possuem status de nobreza e estão submetidos a uma relação de
vassalagem com o soberano.
No estado patrimonialista os espaços públicos e privados se confundem, não há noção clara
de direitos e deveres, os governantes estão acima da lei e do próprio Estado. Os cargos
públicos são considerados prebendas ou presentes dados em troca de apoio. A “res pública”
ou a coisa pública é confundida com a “res principis” ou o patrimônio do príncipe. Numa
situação como esta o nepotismo, a corrupção e o tráfico de influências são comuns e até
aceitos como processos naturais. No patrimonialismo os patrimônios se confundem, são
interdependentes. Este estado era típico no período pré-capitalista, em especial no estado
medieval e no estado absolutista clássico. O comércio enfrentava grandes dificuldades de
desenvolvimento dada a proliferação de regras e normas diferentes em cada cidade ou
mercado, sem contar os entraves legais, das corporações, a carga de impostos e pedágios. O
capitalismo comercial só começou a florecer quando as Revoluções Burguesas, também
conhecidas como Revoluções liberais, derrubaram a velha ordem e implantaram uma
sociedade de homens livres, ou seja, livres para comprar e vender, baseada na propriedade
privada.
O fato interessante sobre o modelo patrimonialista de Estado é que ele não é só um modelo
histórico, localizado num tempo muito distante. Os países como o Brasil, por exemplo,
viveram práticas muito fortes de um Estado patrimonialista até a chamada Revolução de
Trinta que iniciou um forte processo de modernização do estado brasileiro. Ainda assim,
quando assistimos práticas de nepotismo no Congresso Nacional, por exemplo, estamos
presenciando resquícios do patrimonialismo que ainda persistem na nossa cultura política
moderna.
A superação do modelo patrimonialista ocorre quando o modelo burocrático se torna
dominante. Os princípios que organizam este modelo de administração são muito parecidos
com os princípios da racionalidade produtiva que eram praticados nas grandes plantas
industriais no final do século XIX e início do século XX. Ele representou também uma reação
ao modelo patrimonial que era marcado pela injustiça e pela discriminação.
A melhor definição teórica do modelo burocrático foi deduzida a partir das contribuições do
sociólogo alemão Max Weber, que viveu entre 1864 e 1920, tanto que este modelo também
é conhecido como “modelo weberiano” de administração. Weber estudou muito as
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organizações que se consolidaram numa fase de rápida prosperidade do capitalismo
industrial nascente. Estas organizações, segundo Weber, se baseavam em leis escritas, em
normas documentadas e formais. A autoridade nestas organizações não derivava de um
título de nobreza, do sangue ou da vontade divina, mas do cargo que a pessoa ocupava na
organização. A obediência devida é para leis e normas, regulamentos que são impessoais,
valem para todos, inclusive para os governantes.
Para Weber toda organização que se baseia em leis, normas e códigos formalizados é uma
burocracia. Esta burocracia representava para Weber um “tipo ideal”, ou seja, um conceito
abstrato que serviria como uma ferramenta analítica para compreender a realidade
existente. As características deste “tipo ideal” seriam bem marcadas. Vamos ver com mais
detalhe a seguir.
O primeiro traço de personalidade é a “formalidade”. As organizações são baseadas em
estatutos, normas e regulamentos explícitos, que estipulam direitos e deveres aos ocupantes
em cada cargo e que orientam a conduta e as atividades de todos. Estas normas devem ser
executadas de acordo com as rotinas e procedimentos fixados por regras e normas técnicas.
O problema das comunicações é resolvido através da mensagem escrita, passível de
comprovação adequada. A formalidade iguala todos perante a lei, é a igualdade formal,
típica dos regimes de democracia liberal.
Os governos são impessoais, a impessoalidade orienta as relações hierárquicas. O
relacionamento entre funcionários não é subjetivo, não depende dos caprichos ou do bom
humor entre eles, nem do carisma. A autoridade é baseada na racionalidade. Isto ocorre
porque o relacionamento existe entre cargos e funções, antes que pessoas. As normas se
aplicam universalmente, a todos. A impessoalidade garante que a conduta do funcionário
público será isenta de ódios e paixões.
A seleção de funcionários é feita pelo mérito, não pela troca de favores ou pelo clientelismo.
O treinamento constante assegura que o mérito seja mantido como atributo necessário para
o exercício de uma função e ocupação de um cargo público. Por isso este modelo também é
conhecido como “modelo meritocrático”, a organização do trabalho é baseada nas
qualidades intrínsecas da pessoa, não na sua lealdade política ou ideológica. Este modelo
separa a técnica da política. Os funcionários são profissionalizados e seguem uma carreira
publicamente definida, tem acesso aos cargos públicos não por indicações políticas, mas por
processos seletivos impessoais e igualitários.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 34
Outra característica forte do modelo weberiano é sua ênfase clara na disciplina e na
hierarquia. Weber teria adaptado estes elementos a partir de sua observação de como se
organizava o exército prussiano e as razões de seu sucesso militar. As relações de trabalho
são piramidais, verticalizadas. A cada funcionário corresponde um chefe imediato que se
reporta a um nível hierárquico superior e assim por diante até o topo da pirâmide. Este
sistema só funciona com uma alta divisão do trabalho, isto é, cada um cumpre uma tarefa
especializada que é perfeitamente harmonizada com as demais, o organismo só funciona em
conjunto, como um todo articulado. As competências e responsabilidades estão claramente
definidas, como num formigueiro, cada funcionário sabe quem é e o que faz.
No modelo meritocrático há uma separação total entre propriedade pública e propriedade
privada ou particular. O estado não tem donos, os cargos não tem donos, pelo contrário,
estão acima de todos seus ocupantes. Este tipo de estrutura supõe que tudo seja planejado
nos mínimos detalhes, e que tudo seja previsível, antecipadamente conhecido. Como
podemos deduzir, o mundo weberiano da administração pública é um mundo muito árido de
relações humanas, é quase uma condenação à perfeição.
Resumindo, o conceito ideal de burocracia, para Weber, apresentaria os seguintes
elementos fundamentais:
FORMALIDADE: as organizações são formadas baseadas em estatutos, normas e
regulamentos explícitos, que estipulam direitos e deveres dos ocupantes de cada cargo e
regulam sua conduta e atividades, que devem ser executadas de acordo com as rotinas e
procedimentos fixados pelas regras. As comunicações são sempre feitas por escrito, a fim de
proporcionar comprovação e documentação adequadas. Na burocracia, todos são iguais
perante a lei.
IMPESSOALIDADE: a obediência dos subordinados ao chefe é devida pelo cargo que este
ocupa, não pela tradição ou pelo carisma deste. As normas instituídas racionalmente são
aplicadas a todos. As relações profissionais são isentas de ódios ou paixões, possuindo
caráter impessoal.
PROFISSIONALISMO: as burocracias são formadas por funcionários especializados
remunerados, ocupantes de cargos, e oferecem a estes uma carreira profissional.
MÉRITO: os funcionários são selecionados por suas qualificações, às quais são aperfeiçoadas
por treinamento especializado. A atribuição de responsabilidades e a evolução na carreira
são realizadas por critérios de mérito.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 35
HIERARQUIA e DISCIPLINA: a burocracia é uma organização que tem seus cargos
previamente estabelecidos segundo os princípios da hierarquia. Cada cargo inferior deve
estar sob controle e supervisão de um superior, ou seja, as relações de trabalho possuem
caráter hierárquico.
DIVISÃO DO TRABALHO: a fim de se atingir a eficiência da organização, há uma sistemática
divisão do trabalho, que estabelece as atribuições de cada participante, suas funções
específicas e sua esfera de competência e responsabilidade.
SEPARAÇÃO DA PROPRIEDADE: os administradores da burocracia não necessariamente seus
donos ou proprietários, surgindo a figura do profissional que se especializa em gerenciar a
organização. Os meios de produção não são propriedade dos burocratas, mas estão acima
destes.
Para Weber um dos elementos fundamentais da burocracia é o detalhamento prévio das
atividades. A conseqüência desejada é a previsibilidade do comportamento dos seus
membros, ou seja, os regulamentos garantem que o comportamento futuro dos servidores
será este ou aquele. Este desejo de previsibilidade weberiano e sua conseqüente
padronização do comportamento humano foi .
O modelo burocrático de administração garantiu a estabilidade e a previsibilidade tão
importantes para a expansão do comércio e da indústria. Um Estado eficiente e funcionando
como uma máquina poderia ser muito útil para o liberalismo econômico. Devemos ressaltar,
como já foi assinalado antes, que o modelo burocrático não eliminou o modelo
patrimonialista. Há casos inclusive, como é o do próprio Brasil, onde elementos dos dois
modelos convivem numa contradição aparente, mas reveladora da forma imperfeita como
evolui nossa gestão pública. Um exemplo é a própria gestão de pessoas na administração
pública federal. Ao mesmo tempo que a estruturação de carreiras burocráticas típicas no
núcleo estratégico avançou, há ainda milhares de cargos ocupados por indicações políticas
com pouca preocupação sobre o mérito ou a conveniência destas indicações para a
qualidade do serviço publico.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 36
A crise do modelo burocrático tradicional
Antes de mais nada é preciso reforçar algo que nem sempre é enfatizado na literatura mais
recente sobre a gestão publica: o modelo weberiano representou um tremendo avanço em
relação aos modelos anteriores. Apesar dos vários limites e fragilidades que vamos examinar
com mais detalhe a seguir, o modelo burocrático superou as mazelas do patrimonialismo e
tem méritos próprios inquestionáveis.
Weber, entretanto desenhou um modelo ideal de organização para um contexto histórico
onde a rotina e as mudanças eram pouco significativas. O mundo real é muito mais dinâmico
e as mudanças são muito mais freqüentes e inesperadas que as suposições do modelo
burocrático. A visão weberiana é muito simplificadora ao isolar elementos da política dos
elementos da técnica, é muito mecanicista ao supor que as rotinas possam ser previsíveis.
Normalmente as pessoas levam para dentro das organizações em que estudam, trabalham,
vivem, enfim, os interesses individuais ou dos grupos a que pertecem. A este processo
chamamos de “particularismo”. Além disso o excesso de regras e normas supõe que o
comportamento social e humano, que é imprevisível por natureza, possa ser enquadrado em
todos os seus detalhes através de um “manual de procedimentos”.
A hierarquia excessiva acabaria por gerar uma perda de autonomia e iniciativa dos escalões
subordinados. Isto conduziria a uma perda de eficiência e eficácia da maquia pública. Em
todo os casos, parece que o modelo esquece o peso do fator humano, do comportamento
humano. A valorização exagerada de normas e manuais poderá gerar uma conformidade
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 37
muito grande, uma passividade muito grande. O burocrata weberiano trabalha em função
do regulamento e não dos resultados. Ligado à conformidade está a grande resistência às
mudanças que pode se criar na cultura política interna. Esta resistência cria uma espécie de
blindagem contra a exploração de novas oportunidades, de melhoria de processos e
qualidade.
A rigor a hierarquia não é um problema ou uma disfunção, o problema acontece quando ela
é exagerada e gera distorções. Uma delas é inibir a iniciativa e proatividade dos
subordinados. Uma decorrência quase patológica do excesso de hierarquia e impessoalidade
são os sinais visíveis que demonstram a posição das pessoas na organização. Por exemplo, o
uso de broches, crachás diferenciados, o tamanho das mesas ou outros privilégios podem
gerar um clima organizacional desmotivador para os demais funcionários.
Os relacionamentos despersonalizados acabam desumanizando as relações de trabalho e a
própria relação com os cidadãos. Esta postura acaba criado uma série de patologias de grupo
e sofrimento mental variado que no limite diminui a qualidade do serviço público e debilita
sua própria força de trabalho. O processo decisório no modelo burocrático é baseado na
categorização prévia da realidade e na adoção de soluções prontas, do tipo “recomendadas
pelo manual”. Este aspecto reforça a idéia que temos dos equívocos das soluções
burocráticas e administrativas que não resolvem os problemas reais, e até os agravam. Um
exemplo sarcástico que ilustra este aspecto é a cultura burocrática e cartorial brasileira das
certidões, autenticações e comprovantes. Para tudo ou quase tudo, os cidadãos precisam
comprovar a todo momento quem são, onde moram e o que fazem.
O modelo burocrático começa a entrar em crise com a crise do chamado “Estado do Bem
Estar social” e na nossa realizada quando entra em crise o modelo de “substituições de
exportações”. Vamos ver rapidamente estes dois conceitos. O “Estado do Bem Estar Social”
foi assim denominado por se referir a um sistema onde os governos garantiam políticas
públicas sociais como a educação, a saúde, a previdência social, a habitação para toda a
população ou quase toda. Um traço fundamental deste tipo de sociedade foi a garantia do
pleno emprego com políticas ditas keynesianas e a intervenção do Estado em setores
estratégicos da economia. Este estado foi característico nos Estados Unidos e nos países
europeus e o Japão no pós guerra. Já o modelo de “substituições de importações” foi um
modelo econômico e político adotado por diversos países da América Latina, entre eles o
Brasil para acelerar o processo de industrialização nos anos cinqüenta e sessenta. Nestes
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 38
países a industrialização foi tardia, isto é, enquanto os países mais centrais já estavam com
suas indústrias montadas, aqui a dinâmica econômica girava em torno da exportação de
matérias primas. Os defensores deste modelo propunham que as tarifas alfandegárias para
importar produtos industrializados fossem relativamente altas, estimulando num primeiro
momento e protegendo logo a seguir, o surgimento de indústrias nacionais que
substituíssem as importações dos países mais desenvolvidos. Outro elemento importante
era o investimento publico pesado em infra-estrutura para garantir a economia. Junto com a
industrialização acelerada, este modelo produziu grande nível de endividamento dos
governos e começou a fazer água quando estouraram as crises do petróleo nos anos setenta,
uma das principais matérias-primas. Foi o fim da chamada “era dourada” de crescimento
rápido do capitalismo mundial.
Mas o que isto tudo tem a ver com gestão pública ? Tem muito a ver. Esta falência de um
modelo de Estado nos países ricos e do outro modelo nos países mais pobres atingiu em
cheio o modelo burocrático de administração. Tanto que nos anos oitenta surgiu uma vasta
literatura sobre a “crise do Estado” e todo o debate sobre qual o tamanho do Estado, que
tipo de governo seria melhor para enfrentar estes problemas e outros temas relacionados.
Um primeiro impacto da crise foi a crise fiscal. O grande endividamento do Estado abalou
sua forma de financiamento, seu crédito. As políticas públicas se deterioraram, as carreiras
públicas foram sendo desmanteladas. Pesados cortes de gastos atingiram em cheio o custeio
da máquina pública e seu funcionamento normal. Muitos países neste período – anos
oitenta – tiveram crises de pagamento da dívida externa e foram obrigados a pedir
empréstimos no FMI, pagando altas taxas de juro e comprometendo seu futuro.
O Estado do Bem Estar não pode ser mais sustentado, havia uma rejeição crescente à alta
carga de impostos nos países centrais. Fator que contribui para que no início dos anos
oitenta ressurgisse com força as velhas teorias liberais do Estado “mínimo”. Nos países
periféricos a dívida publica gigantesca, o retorno de surtos inflacionários e a frágil
democracia puseram um fim ao modelo antigo de crescimento. Houve nesta época sérias
crises de governabilidade: os governos eram incapazes de agir e resolver os grandes
problemas de seus países. Além disso, as transformações atingiram o antigo sistema
soviético de economias planificadas.
O cenário estava quase completo: um mundo com rápidas transformações, crise do Estado,
demandas sociais crescentes, redemocratização em muitos países e necessidade de inovar
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 39
na administração pública. O modo formalista e ineficiente do modelo weberiano foi cada vez
mais questionado. Aqui e ali surgiram experiências e idéias sobre como reformar o Estado,
para garantir mais agilidade e flexibilidade, que novo tipo se servidor público seria
necessário formar para esta época conturbada e imprevisível. Um conjunto de propostas foi
progressivamente construídas, mais tarde este movimento ficou conhecido como
“administração pública gerencial”, tema do nosso próximo debate.
Um resumo da crise do modelo burocrático de administração:
• Disseminação das Tecnologias da Informação
• Demandas crescentes por melhores serviços públicos.
• Maior democratização do Estado e da Sociedade.
• Atacado pela “onda” ultra-liberal: Estado Mínimo.
• Pouco eficaz para universalizar serviços públicos com qualidade: enfraquecido
pelo processo privatizante.
• Em crise fiscal profunda, reduzida capacidade de investimentos e manutenção.
• Crise de legitimidade e representatividade.
• Ineficiências gerenciais generalizadas.
• Culturas organizacionais excludentes e não-democráticas.
• Embrutecimento e degeneração dos servidores públicos.
O modelo gerencial na administração pública
Na medida em que o estilo anterior de administração se esgotava, novas experiências foram
surgindo no campo administrativo. Em países como os Estados Unidos, a Inglaterra, a
Austrália e na Nova Zelândia e logo após na Europa e Canadá, surgiram experiências
inovadoras. Todas elas tinham algo em comum e ficaram conhecidas na literatura como
“gerencialismo”, ou em inglês, “managerialism”. O estilo gerencialista foi ganhando
variedades e ramificações dependendo do contexto em que era aplicado mas podemos
identificar com segurança elementos essenciais que estavam na sua base.
Ele foi associado, pelo menos no seu início, a um forte corte de pessoal, de gastos com
recursos humanos. Havia a idéia de que aparelhos do Estado estavam “inchados” de pessoal
com muita ociosidade. Foi retomada uma idéia muito persistente em torno da melhoria da
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 40
eficiência do gasto publico. O debate sobre a produtividade do setor público ganhou
primeiro plano.
Os processos de trabalho foram revistos, o que importava agora não eram os meios, mas os
resultados. A estrutura do governo, em alguns países, foi reorganizada no formato de
“agências”, ao invés de ministérios, com mais autonomia operacional e maior cobrança de
metas e resultados. Uma série de técnicas e ferramentas conceituais foram criadas e
difundidas para melhorar o controle sobre procedimentos e funcionários, monitorar
projetos, avaliar políticas e medir os resultados obtidos. Neste período foram adaptados
programas de “qualidade total” que já eram usados no setor privado, para dentro da esfera
pública, da administração pública. Outras variações do gerencialismo enfatizaram aspectos
singulares. O chamado “consumismo” ou “consumerism” em inglês, por exemplo, focalizava
a satisfação dos cidadãos renomeados de “clientes” na perspectiva do consumo maior e
melhor de bens e serviços. Outra perspectiva gerencial, a “orientação ao serviço público” ou
“Public Service Orientation”, em inglês, já enquadrava o cidadão não mais como simples
consumidor de produtos e serviços, mas como sujeito de direitos, a equidade passou a
importar.
O modelo de Orientação ao Serviço Público (o “Public Service Orientation”), não propõe a
volta ao estado pré-gerencial, ao modelo weberiano. Ele surgiu na Inglaterra como um
debate sobre os impactos da descentralização no setor público. Alguns teóricos ingleses na
época diziam, por exemplo, que os governos locais não são bons para os serviços públicos
porque são pequenos, mas porque estão mais próximos dos cidadão. Isto deveria permitir
maior participação e a decisão próxima da comunidade.
Nesta escola o conceito de cidadão é radicalmente diferente das concepções anteriores,
porque há o conceito de cidadão, que é sempre um conceito coletivo. O termo “cliente” ou
“consumidor” tem uma conotação individualizada, vinculado à tradição liberal. Isto permite
pensar os valores de equidade, justiça e accontabilty, que não são exatamente iguais aos
valores do mercado, do mundo empresarial. O planejamento estratégico, por exemplo, não
pode estar confinado à burocracia, o debate público é valorizado. Outro conceito estratégico
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 41
para esta corrente é a cooperação entre agências publica, tanto quanto o valor da
“competição” como é colocado pelo modo gerencial puro.
Segundo a escola orientada para o serviço público as diferenças fundamentais entre a gestão
pública e privada são muitas e diversificadas
As principais diferenças entre o público e o privado na gestão.
Fonte: Abrúcio, 1997
O modelo gerencial representou um rompimento com a administração burocrática anterior.
Seria um erro, entretanto que todos os princípios do estilo weberiano foram negados. A
idéia mais adequada seria a de que eles foram absorvidos e reorganizados na sua maior
parte. Por exemplo, manteve-se e valorizou-se a idéia de que os processos de seleção e
recrutamento no setor públicos estejam baseados estritamente no mérito das pessoas, a
existência de um sistema racional de remuneração, baseado na avaliação sistemática do
desempenho e assim por diante.
A administração pública gerencial valoriza uma estratégia que define claramente os
objetivos, que confere mais autonomia na gestão de recursos, mas também cobra metas
pactuadas previamente. A organização deve ser mais “enxuta”, com menos níveis
hierárquicos e menos chefes. Mais voltada para os fins, do que para os meios. No novo
estilo o interesse publico não é necessariamente o “interesse do Estado” e de seus
burocratas. Rompe-se com uma tendência dos burocratas públicos se identificarem a tal
ponto com o Estado confundindo interesses. O interesse público é o da coletividade, que
deve ter meios e condições de livre manifestação e controle sobre os aparelhos do Estado.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 42
O novo paradigma descentraliza as funções, estimula processos mais colegiados e
horizontais dentro da gestão pública. O cidadão também é visto como cliente dos serviços.
Perguntas
1. O chamado modelo de gestão racional-legal ou burocrática não atende as demandas
da sociedade moderna, mas cumpriu um papel na história da administração
importante. Você sabe porque ?
2. No modelo gerencialista o cidadão é tratado tambem como cliente. Explique.
3. Quais são as tendência de evolução da escola chamada “nova gestão pública” ?
Bibliografia
ABRUCIO, F. L. (1997). O impacto do modelo gerencial na Administração pública: um breve
estudo sobre a experiência internacional recente. Caderno ENAP, n. 10, Brasília.
Nesta publicação o Professor Abrucio da FGV faz um rápido apanhado das experiências
internacionais tendo como referência a expansão do modelo gerencial puro. Ele destaca a
flexibilidade de gestão, a qualidade dos serviços e as prioridades ao consumidor como
aspectos centrais na tendência dominante nos anos oitenta. Em seguida analisa a
abordagem do “public service oriented” e as transformações da administração norte-
americana. É uma excelente leitura para quem quiser se situar no debate sobre a gestão
pública inovadora.
CÂMARA DA REFORMA DO ESTADO – PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano Diretor da
Reforma do Aparelho do Estado. Brasília, 1995.
O Plano Diretor da Reforma do Estado foi elaborado pelo Ministério da Administração
Federal e da Reforma do Estado e, depois de ampla discussão, aprovado pela Câmara da
Reforma do Estado em sua reunião de 21 de setembro de 1995. Em seguida, foi submetido
ao Presidente da República, que o aprovou. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do
Estado definiu objetivos e estabeleceu diretrizes para a reforma da administração pública
brasileira, instrumento indispensável para consolidar a estabilização e assegurar o
crescimento sustentado da economia. A leitura deste trabalho é fundamental para entender
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 43
a guinada na gestão pública brasileira pós Bresser Pereira e as reformas postas em prática a
partir do primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.
CHIAVENATO, Idalberto. Administração Geral e Pública. Elsevier: Rio de Janeiro, 2006.
Este livro foi elaborado originalmente para auxiliar os estudantes de nível superior nos
concursos públicos relacionados às carreiras federais que são muito exigentes na área da
gestão pública. Na verdade o livro adquiriu uma densidade e abrangência impar na literatura
disponível. Inicia comentando as escolas clássicas da administração para em seguida entrar
nos assuntos típicos da gestão publica: processo administrativo, gestão de pessoas,
comportamento organizacional até as novas abordagens da recente reforma gerencial. É
indispensável para quem quiser se aprofundar no assunto.
Aula 3
A Gestão Pública no Brasil
O modelo patrimonialista de gestão publica vigorou com domínio quase absoluto no Brasil
até a chamada “revolução de trinta”. O Estado era administrado de forma autoritária,
clientelista e verticalizada pelas elites agrário-exportadoras. O aparelho do Estado era objeto
das disputas políticas entre as oligarquias regionais. A Republica Velha foi palco constante de
escândalos e corrupção, as eleições inclusive não eram legitimadas por todas as elites. A
administração pública refletia este contexto, não era profissionalizada, nem havia
mecanismos de seleção pública, impessoal e transparente.
Na Revolução de Trinta novas elites assumem o país. Mais ligadas aos setores médios
urbanos e industriais estas elites estabelecem, através do Governo Vargas, um programa de
reformas e modernização do Estado brasileiro. O modelo patrimonialista vigente não se
ajustava mais aos interesses econômicos que demandavam investimentos públicos em infra-
estrutura, uma burocracia ágil para apoiar o setor privado, um ordenamento legal mais
racionalizado e funcional. Nesta época foram criados os ministérios da Educação, Saúde
Pública, Trabalho e Indústria e Comércio. A Constituição de 1934 foi a primeira a trazer um
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 44
título específico sobre os funcionários públicos. O primeiro governo Vargas é considerado
pioneiro na modernização da gestão pública brasileira.
Este primeiro movimento modernizante foi inspirado nas idéias de dois fundadores da
administração moderna como disciplina: Taylor e Fayol. Ambos desenvolveram esforços para
racionalizar os processos de trabalho. Eles concebiam a organização como um sistema
fechado, sem considerar o ambiente institucional que o cerca. Já em 1936 o governo Vargas
introduziu no país o sistema de mérito, delegando ao diplomata Mauricio Nabuco, no ano de
1936, o texto da proposta ao Congresso Nacional de uma lei que regulamentasse a gestão do
Estado. Esta lei ficou conhecida como a “Lei de Reajustamento”. Foi inspirada no modelo
meritocrático das carreiras do “Civil Service” da Inglaterra, do serviço público Francês e da
“Civil Service Commission” dos Estados Unidos.
A primeira lei a organizar o serviço publico brasileiro, a lei 284, data desta época. Ela criou
um colegiado para coordenar o esforço de modernização pública. Ele se chamava “Conselho
Federal do Serviço Público Civil”, criado em 1936. Entretanto, como fruto da negociação no
Congresso com as bancadas ligadas aos setores mais conservadores manteve-se uma série
de resquícios do estado patrimonialista. Um deles foi a adoção de quadros de cargos
comissionados, de livre nomeação e demissão pelos governantes. Neste momento inciou o
processo de organização e separação de cargos comissionados dos efetivos e a elaboração
da grade de remuneração dos servidores públicos.
Em 1937 o Conselho Federal do Serviço Publico é extinto e no seu lugar surge o DASP,
Departamento Administrativo do Serviço Público. O DASP implementou um conjunto de
reformas muito importantes. É desta época que surgem os primeiros concursos públicos e o
combate ao nepotismo, que era uma prática corriqueira até então. A promoção por mérito e
tempo de serviço, o incentivo à profissionalização dos funcionários e normas mais rigorosos
de organização dos serviços, forma algumas características notáveis deste inicio do DASP.
Neste período passamos a ter no Brasil um conjunto de critérios mais próximos ao modelo
racional-legal para funcionamento da máquina pública. Os princípios da chamada
“organização científica do trabalho” de inspiração tayloristas foram levados ao extremo.
Um resumo destes primeiros trinta anos da gestão pública brasileira.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 45
O processo de redemocratização, após a queda do “Estado Novo”, em 1945, resultou num
debilitamento do ímpeto original do DASP. Por pressões do funcionalismo, a Constituição de
1946 efetivou funcionários interinos e que não haviam sido admitidos por concurso público.
Foi o início dos tristemente conhecidos “trens da alegria” do serviço público. Acordos sem
ética para manutenção de privilégios e mordomias à segmentos da burocracia e
governantes, que são pagos no final por toda a sociedade. Na verdade era o velho estilo
patrimonialista ainda sobrevivendo nas entranhas da cultura política. A gestão pública ainda
era usada como moeda política no jogo nem sempre lícito da jovem democracia brasileira.
Em 1952 houve uma retomada dos princípios originais com promulgação por lei do Estatuto
dos Funcionários Públicos Civis da União. Esta normativa reforçava mais uma vez a exigência
de concurso público como regra geral para admissão. No segundo governo Vargas outras
medidas afetam a gestão pública brasileira. Houve uma maior descentralização, incentivo ao
planejamento administrativo, coordenação das ações e criação de assessorias mais
qualificadas para a Presidência da República e os ministérios.
Na sequência temos as importantes transformações provocadas pelo Governo Juscelino
Kubitschek que ao assumir o poder identificou a incapacidade da máquina pública brasileira
em atender seu ambicioso programa de governo. O “Plano de Metas” exigia muita eficiência
e eficácia da administração pública. Naquela época o funcionalismo público era muito
influenciado pelo jogo dos partidos, isto se refletia na dificuldade de negociação dos projetos
do governo no Congresso. Foi por isso que JK criou uma estrutura executiva quase que
paralela ao Governo, os chamados “Grupos Executivo”. Estes grupos executam os principais
projetos do Plano de Metas, inclusive a criação de Brasília. Mas em relação à reforma
administrativa houve poucos avanços, o DASP estava fragilizado desde 1945 e o governo
limitou-se a produzir estudos e criar comissões. Em 1962 uma lei federal dá estabilidade a
todos os servidores com no mínimo cinco anos de serviço, independente da forma de
contratação. Com isso alguns milhares de servidores sem concurso entraram na
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 46
administração publica. Como podemos ver, de tempos em tempos há uma sobrevida das
práticas da Republica Velha, demonstrando uma espécie de ciclo político onde se revezam
com diferentes ritmos o modelo racional-legal em luta contra o estilo patrimonialista.
A gestão pública nos governos militares
Os governos militares foram caracterizados pelo autoritarismo no plano político, mas pela
modernização gerencial em diversas áreas, inclusive na administração publica. A reforma
administrativa de 1967 foi precursora de várias iniciativas que foram tomadas só vinte anos
depois no movimento gerencialista que culminou na proposta da Reforma de 1995.
Tudo teve início com os estudos e propostas da chamada “Comissão Amaral Peixoto” que
continha um detalhado diagnóstico da administração pública brasileira, porém avançava
pouco em termos de propostas concretas. Entre os principais problemas apontados pela
Comissão estavam a falta de coordenação das ações governamentais, a excessiva
centralização da administração na Presidência da República, o excesso de burocracia e o
engessamento das carreiras públicas provocado pelo antigo estatuto do servidor público que
vinha de 1952.
O próprio presidente Castelo Branco já havia participado na coordenação da comissão pelas
Forças Armadas. Apesar da importância na agenda política do governo militar a proposta em
debate no Congresso era muito tímida. O Governo retirou a proposta e criou mais uma
comissão: a Comissão de Estudos Técnicos para a Reforma Administrativa, a COMESTRA. Um
ilustre ministro do governo militar, Roberto Campos, foi designado para coordenar a
comissão que foi presidida por Hélio Beltrão e contaria com eruditos da área: Simões Lopes,
Carlos Veloso e Jorge Flores. Hélio Beltrão defendia os princípios da descentralização, da
delegação e da desburocratização. Quinze anos depois ele assumiria o Ministério da
Desburocratização no Governo Figueiredo. Um outro expoente da comissão, Teixeira Dias,
vinculado a Roberto Campos, era um quadro experiente com passagem pela Light e
conhecedor de técnicas modernas de orçamento.
No final de 1965 a Comissão começou a trabalhar no que seria mais tarde conhecido como o
“Decreto-Lei 200/67” da Administração Pública federal. Neste ordenamento legal muitas
idéias avançadas para a época já estavam formalizadas. A articulação entre planejamento,
orçamento e execução financeira, a criação de mecanismos de controle interno e
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 47
transformação do controle externo em ex-post ao invés de ex ante, estavam entre elas. Uma
das principais definições era a profissionalização do serviço público, com a definição do
sistema de carreiras e a criação de um órgão central para administrar a reforma
administrativa.
As fundações foram definidas como entidades de direito privado e portanto, não sujeitas ao
controle burocrático da administração direta e autárquica. Elas foram muito utilizadas por JK
no Plano de Metas. No período militar houve também uma grande expansão do Estado
brasileiro. Dezenas de fundações, autarquias, empresas e sociedades de economia mista
foram criadas. A administração federal já podia contratar servidores utilizando a
Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT. Porém, mantendo a tradição nefasta da gestão
pública brasileira, a Constituição de 1967 apesar de valorizar o concurso público, também
deu estabilidade para todos aqueles que tivessem pelo menos cinco anos de serviço publico
em todos os níveis da federação. Ao longo dos anos setenta houve pequenos avanços na
estruturação da administração federal, especialmente. De fato a qualidade e a eficiência da
gestão pública deixaram muito a desejar. Apenas em alguns setores ou instituições se
conformaram verdadeiras “ilhas de excelência” com processos organizados e pessoal mais
qualificado. Geralmente estas “ilhas” se construíram em volta de burocracias que eram
autênticas tecnocracias dentro do governo. As áreas mais sólidas eram a fazendária, a
jurídica, a legislativa, a diplomática e a militar. Em 1970 foi criada a Secretaria de
Modernização – SEMOR, funcionando em paralelo ao DASP, ela tinha a função de avançar
nas propostas do Decreto Lei 200, mas não surtiu resultado.
No início dos anos oitenta surge uma nova tentativa de modernizar o setor público. Foi
criado o “Ministério da Desburocratização” e o “Programa Nacional de desburocratização”.
Helio Beltrão comandava. Houve nesta época centenas de pequenas medidas reduzindo o
peso da burocracia no serviço publico, por exemplo, o estatuto da microempresa e o juizado
de pequenas causas foram criações deste programa. Nos anos em que o ministério
funcionou até o inicio dos anos noventa, mais de cem mil decretos federais superados e
inúteis, foram revogados.
A gestão pública após os governos militares
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 48
O país passa pelo regime militar com altos e baixos na reforma do Estado, mas de um modo
geral a administração pública brasileira se encontrava bastante enfraquecida quando os civis
retornam ao poder. Em 1986 o DASP foi extinto e substituído pela Secretaria de
Administração Pública da Presidência da República, a SEDAP. São criadas novas carreiras
unificando antigas carreiras, na área de controle e orçamento em 1987 e de especialista em
políticas públicas e gestão governamental em 1989.
A Constituição de 1988 aprovou a unificação dos regimes jurídicos dos servidores públicos, o
fortalecimento dos controles e o concurso público como única forma de acesso ao cargo e
emprego público. O Supremo Tribunal Federal baniu a possibilidade de ascensão funcional
interna, até então possível. A Constituição de 1988 apresentou um grande viés
democratizante na vida publica nacional. Criou-se a possibilidade de participação popular,
dos conselhos populares, aumentou-se a descentralização e a municipalização de serviços
públicos, etc. Os direitos e garantias sociais foram ampliados. Tratava-se de reorganizar o
ordenamento jurídico democrático após vinte anos de governos autoritários.
Entretanto alguns problemas relacionados à última e atual constituição merecem ser
analisados para podermos entender melhor os limites e desafios para uma gestão pública
inovadora. A Constituição engessou o aparelho estatal, ao estender para os serviços do
Estado e para as próprias empresas estatais praticamente as mesmas regras burocráticas
adotadas no núcleo estratégico do Estado. Além disso, ela induziu a perda da autonomia do
poder executivo para tratar da estruturação dos órgãos públicos. O regime jurídico único se
tornou obrigatório para todo o serviço público federal, limitando a inovação e a flexibilidade
nas formas de contratação. A administração indireta que se notabilizara pela grande
flexibilidade teve reduzida sua autonomia ao adotar normas de funcionamento idênticas à
administração direta. Por fim, esta Constituição seguindo a tradição patrimonialista das
anteriores, também deu estabilidade funcional para contratos sem concurso e regimes de
aposentadoria desvinculados de tempo de serviço. Isto gerou grandes desequilíbrios nos
regimes de previdência para o futuro.
Em diversos aspectos a Constituição representou um retrocesso burocrático. Alguns autores
entendem que foi uma forma de reação da burocracia pública diante do clientelismo que
dominou o país naqueles anos. De fato a transição para a democracia no Brasil ocorreu
simultaneamente à crise do Estado e do modelo econômico desenvolvimentista. As forças
democráticas identificaram na excessiva descentralização e crescimento da administração
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indireta uma das causas do descontrole administrativo que a Constituição deveria anular e
corrigir.
O saldo final da Constituição foi o reforço da visão burocrática clássica, mas permitindo
ainda uma certa ingerência patrimonialista ao estabelecer privilégios para diversas carreiras.
Entre os quais talvez o mais ilustrativo tenha sido a concessão de aposentadorias
desvinculadas do tempo de contribuição e a incorporação de funções gratificadas sem
relação com avaliação de mérito. Em 1989, no final do governo Sarney, a SEDAP foi extinta e
suas atribuições passaram para a Secretaria de Planejamento e Coordenação da Presidência
da República, a SEPLAN.
No governo Collor a modernização administrativa foi traduzida pela ausência de
planejamento e pelo conjunto de medidas irracionais visando desmantelar sem critérios
órgãos públicos que eram considerados ineficientes. A SEPLAN foi substituída pela Secretaria
de Administração Federal – SAF. A grande maioria dos funcionários públicos demitidos no
governo Collor foi readmitida judicialmente nos anos posteriores, com grande prejuízo à
capacidade gerencial do governo.
Em 1994, no final do Governo Itamar Franco, a campanha presidencial recoloca o tema da
gestão pública na agenda política nacional. Diversas propostas foram apresentadas, entre as
quais a do candidato Fernando Henrique Cardoso que mais tarde ficou conhecida como a
“Reforma Bresser”, em alusão ao Ministro da Administração e Reforma do Estado, o
economista Bresser Pereira.
Vamos a seguir entrar neste contexto que influencia a gestão pública brasileira até nossos
dias.
A reforma gerencial de Bresser Pereira
Originalmente o presidente Cardoso não propunha uma reforma abrangente do setor
publico, apenas intervenções mais cirúrgicas e localizadas. O objetivo seria recuperar a
eficiência do setor público e apoiar o desenvolvimento do setor privado. Foi neste sentido,
por exemplo, que um amplo programa de privatizações foi implementado na época.
Com a entrada de Bresser Pereira, homem de confiança do presidente Fernando Henrique
Cardoso, a antiga SAF criada no Governo Collor, ganha status de Ministério. O MARE, como
ficou conhecido, o Ministério da Administração e Reforma do Estado, deveria liderar uma
estratégia que culminasse com a aprovação de uma emenda constitucional. Estas estratégia
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 50
ao constitucionalizar o tema, colocou o problema não só como mais uma nova reforma
administrativa, mas como a reforma do próprio Estado brasileiro.
Foi criada um colegiado chamado “Câmara da Reforma do Estado” para coordenar o debate
interno no governo. As propostas da Reforma tiravam da zona de conforto muitos dogmas
da cultura política vigente. Bresser encontrou oposição dentro do Palácio do Planalto, tanto
Eduardo Jorge, o Secretário Geral da Presidência, quanto Clovis Carvalho, chefe da Casa Civil,
por motivos diferentes, apostaram contra a proposta.
Mas havia um terceiro foco de resistência, muito mais importante e difícil de transpor: a
área econômica do governo. Bresser era um crítico ferrenho da política macroeconômica,
além disso, muitas medidas da reforma tinham impacto direto sobre as finanças públicas.
Para se contrapor a este bloqueio a estratégia de Bresser foi buscar apoio nos governadores
que viram na proposta uma forma de flexibilizar a gestão publica e superar a paralisia fiscal
em que se encontravam.
A idéia-força da reforma bresseriana era a flexibilização do setor público. Se rejeitava uma
estratégia seqüencial, retomando propostas inacabadas da tradição brasileira. A
flexibilização deveria atingir os regimes de contratação de pessoal, as estruturas, os
processos de trabalho e os processos decisórios. Tudo ou quase tudo dependeria da maior
flexibilidade: a busca da eficiência, a maior autonomia dos gerentes, a delegação e
descentralização, a contratualização de resultados, a valorização de mecanismos de mérito e
avaliação de desempenho, etc.
Do ponto de vista teórico havia uma clara disputa entre duas abordagens da escola
gerencialista. De um lado a visão clássica defendida pelo Ministro, valorizando o
empreendedorismo dos gerentes e sua autonomia decisória. Do outro a abordagem
conhecida como a “escola da escolha pública”, que olhava com desconfiança para o
corporativismo da burocracia e propunha o aumento de controles, defendida por setores do
próprio ministério.
O Congresso Nacional votou a emenda constitucional quase três anos após seu envio pelo
poder Executivo. Algumas decisões de grande impacto, como o fim do regime jurídico único
para os servidores federais foram aprovadas. Neste período também foram criadas novas
formas de organização institucional que inovaram bastante a administração publica. Entre
elas podemos citar as Organizações Sociais, as OS, e as Agências Executivas. A Escola
Nacional de Administração Pública, a ENAP, se tornou o principal pólo irradiador das idéias
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 51
da Nova Gestão Pública, particularmente na formação das carreiras do Ministério do
Planejamento.
Entretanto as propostas não tiveram o apoio esperado dentro do governo Cardoso. Alguns
ministérios importantes como a Casa Civil, a Fazenda, o Planejamento, a Educação e a
Saúde, por motivos diversos, apresentavam sérias restrições ao projeto. No final do primeiro
mandato do presidente Cardoso o então Ministério da Administração e Reforma do Estado,
o MARE, foi unificado com o Ministério do Planejamento, que passou a se denominar
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, MPOG. As primeiras Agências
Reguladoras também foram formadas neste período.
Uma outra inovação deste período foi a experiência do projeto “Avança Brasil”. Este foi o
nome dado para um conjunto de projetos estratégico presentes no Plano Plurianual daquele
período. A importância está na hierarquização de prioridades e no “enforcement”, quer
dizer, no empoderamento que foi dado para os gerentes destes projetos. A sua quase
totalidade era orientada para superar gargalos de infraestrutura e redução do chamado
“custo Brasil”. As técnicas mais modernas de elaboração e execução de projetos foram
adotadas, os gerentes tiveram grande autonomia de execução e eram cobrados por
resultados e metas.
Estas mudanças no PPA 2000-2003 geraram uma grande transformação metodológica no
processo de planejamento federal. Adotou-se a categoria “programa” como unificadora do
planejamento físico com o orçamento previsto e a executar. Antes disto o orçamento era
elaborado e monitorado de forma quase independente do planejamento. Fazendo com que
este último se tornasse uma peça de ficção ou de erudição burocrática. Este PPA em especial
foi beneficiado com um estudo profundo chamado “Eixos de Desenvolvimento” feito por um
pool de consultorias privadas para o Ministério do Planejamento. O estudo estabelecia um
portofólio com centenas de obras necessárias ao desenvolvimento do país. Ele deveria tanto
inspirar o planejamento federal, como atrair investidores externos. Esta última pretensão,
entretanto, ficou eclipsada com a crise cambial internacional no final dos anos noventa. O
fato mais simbólico desta época foi a flexibilização das categorias estáticas de classificação
orçamentária fixadas há mais de trinta anos pela Lei Federal 4.320 de 1964. A partir daí os
organismos de planejamento tiveram mais liberdade e flexibilidade de estruturar a prática
de planejamento integrada ao orçamento.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 52
Apesar da crise internacional, as mudanças nas metodologias de planejamento e orçamento
produziram uma valorização das carreiras de planejamento e gestão do Ministério do
Planejamento em especial os Analistas de Planejamento e Orçamento e os Especialistas em
Políticas Publicas e Gestão Governamental, mais conhecidos como “gestores”. Outro avanço
importante foi a criação de Secretarias de Planejamento, Orçamento e Administração, as
SPOAs, em todos os ministérios finalísticos com a finalidade de modernizar a gestão dos
ministérios e com apoio de quadros concursados qualificados, vindos do planejamento. Para
monitorar o planejamento federal foram criados novos sistemas de informação, como o
SIGPLAN, Sistema de Informações Gerenciais e de Planejamento e sistemas locais em cada
Ministério.
Cabe lembrar que muitos dos avanços do final dos anos noventa tinham inspiração bem
anterior. Já nos anos sessenta havia a prática do chamado “orçamento programa”, também
conhecido pela sigla em inglês, o PPBS. Em alguns estados como o Rio Grande do Sul, desde
aquela época já havia iniciativas pioneiras nesta área. O movimento da nova gestão pública
apenas recuperou o modelo e lhe deu nova embalagem.
Mas a experiência de gestão inovadora no governo Cardoso apresentou também, muitos
problemas. Em relação às práticas de planejamento federal elas não conseguiram se traduzir
por uma efetiva mudança nas práticas de gestão. Por exemplo, os gerentes dos projetos
estratégicos, apesar de formalmente autorizados, não tinham ascendência sobre equipes de
outros ministérios, enfraquecendo sua capacidade executiva. A cultura decisória apesar de
qualificada continuou a ser impregnada pelo pragmatismo e pelo imediatismo do jogo
político. Fator que seria acentuado mais tarde nos governos do Presidente Lula.
Para resumir, podemos dizer que os principais avanços na gestão inovadora durante o
Governo Cardoso foram: a criação de novas estruturas organizacionais, como as OS, as OSCIP
(Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público) e a s Agências Reguladoras; a
revitalização do processo de Planejamento Federal, a configuração de um núcleo estratégico
do Estado com algumas carreiras centrais, o reforço do controle interno com a criação da
Corregedoria Geral da União, a CGU, mais tarde transformada em Ministério no Governo
Lula e a introdução do “pregão eletrônico” que agilizou e baixou o custo das compras
governamentais.
A gestão no Governo Lula
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 53
O governo Lula foi eleito pela primeira vez para o mandato 2003-2006, com expectativas de
mudanças profundas na gestão publica federal, dado seu programa e origem de centro-
esquerda, diferente do governo Cardoso. Entretanto, o Governo Lula rapidamente
incorporou características centrais do governo anterior, como a manutenção e até
aprofundamento da política econômica e de vários programas sociais que foram unificados e
redesenhados.
Não houve no governo Lula, ao contrário do governo anterior, um núcleo articulador e
protagonista de mudanças e modernização da gestão pública. Aliás este tema nunca tinha
recebido muita atenção no programa eleitoral, nem na história dos partidos que lhe davam
suporte. A única exceção importante e digna de nota foi a experiência de participação
popular no orçamento, que diversas prefeituras dirigidas pelo Partido dos Trabalhadores
implementaram nos anos noventa. Contudo, durante o primeiro mandato e até quase o final
do segundo, não observamos iniciativas importantes em relação à democratização da peça
orçamentária.
Os temas de gestão ou modernização administrativa no governo Lula foram iniciativas
isoladas e tomadas diretamente do núcleo de poder do Palácio do Planalto, a margem de
qualquer estratégia mais articulada da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento.
Entre as iniciativas mais importantes e inovadoras na gestão pública podemos registrar:
• A criação de uma mesa de negociações para lidar com as questões trabalhistas do
setor público;
• A realização de conferências setoriais de caráter consultivo sobre políticas públicas;
• O incremento dos mecanismos de controle interno através das auditorias da CGU,
inclusive sobre repasses de verbas federais aos estados e municípios;
• A criação do instrumento regulador para implantar consórcios de entidades públicas,
por exemplo, o manejo conjunto de um aterro sanitário comum à vários municípios;
O fato notável no Governo Lula foi a qualificação e centralização de funções de
planejamento, coordenação e monitoramento próximas ao núcleo presidencial. Foi criada,
inclusive, em 2004 uma Sub-chefia na Casa Civil chamada de “Articulação e Monitoramento”
com funções exclusivas de monitoramento de projetos estratégicos da presidência da
republica. Este movimento gerou algumas distorções. Por um lado a Casa Civil não estava
capacitada para o exercício destas funções, faltavam quadros qualificados e experientes e os
sistemas de informação eram precários. Ao mesmo tempo o Ministério do Planejamento,
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 54
que possuía carreiras qualificadas e ferramentas de coordenação, foi progressivamente
esvaziado. No Governo Lula o Ministério do Planejamento voltou a ter uma função
ritualística e burocrática, sobretudo com o advento do “Programa de Aceleração do
Crescimento”, uma espécie de “Avança Brasil” tardio. Atualmente o MP tem peso decisório
praticamente nas questões de orçamento, e ainda assim subordinado na prática às diretrizes
da Secretaria do Tesouro Nacional, no âmbito do Ministério da Fazenda.
Em relação à política de Recursos Humanos do governo Lula há claros avanços. Por exemplo,
a recomposição da força de trabalho em várias áreas do governo federal como as
Universidades federais e a substituição progressiva de funcionários terceirizados por
quadros efetivos. Entretanto há problemas também. Houve uma expansão muito grande de
cargos de confiança em funções que poderiam ser exercidas por quadros efetivos, as
políticas de capacitação foram muito fracas ou isoladas em “ilhas de excelência” e em
muitos lugares os interesses corporativos de segmentos ou carreiras pautou a política de RH
em benefício próprio.
Perguntas:
1. Os valores predominantes na administração pública, até a Revolução de Trinta, eram
totalmente compatíveis com uma visão patrimonialista do Estado. Justifique.
2. Durante os governos militares houve um impulso modernizador na gestão pública
federal. Quais foram os principais avanços do período.
3. A história da gestão pública brasileira foi marcada por avanços e retrocessos nas
últimas sete décadas. Explique.
Bibliografia:
NUNES, Edson. A gramática política do Brasil, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1997.
Este livro, originado de uma tese de doutorado do autor na Universidade de Berkeley, na
Califorina, aborda os modelos básicos que explicam as relações entre Estado e Sociedade no
Brasil. Seriam quatro as “gramáticas”: o clientelismo, o corporativismo, o insulamento
burocrático e o universalismo de procedimentos. A partir delas o autor analisa a trajetória
do Estado Brasileiro, de Vargas até a o final da ditadura militar. Leitura indispensável para
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entender a influência que os padrões políticos e estilos de governo tem na gestão publica
brasileira.
NOGUEIRA, Marco Aurélio. Um Estado para a Sociedade Civil, Cortez Editora, São Paulo,
2004.
O centro desta obra do professor Marco Aurélio Nogueira são temas relacionados à gestão
do Estado, particularmente aos dilemas e desafios da democracia na sociedade brasileira
contemporânea. Ele combina conceitos da administração, da ciência política e da filosofia
para propor uma nova forma de governança. A coletânea de textos ajuda o leitor a
compreender a realidade brasileira atual. É obra importante para entender a relação entre
governo e gestão no Brasil moderno.
CHIAVENATO, Idalberto. Administração Geral e Pública. Elsevier: Rio de Janeiro,
2006.
Este livro foi elaborado originalmente para auxiliar os estudantes de nível superior nos
concursos públicos relacionados às carreiras federais que são muito exigentes na área da
gestão pública. Na verdade o livro adquiriu uma densidade e abrangência impar na literatura
disponível. Inicia comentando as escolas clássicas da administração para em seguida entrar
nos assuntos típicos da gestão publica: processo administrativo, gestão de pessoas,
comportamento organizacional até as novas abordagens da recente reforma gerencial. É
indispensável para quem quiser se aprofundar no assunto.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 56
Aula 4
Governabilidade e Accountability na Gestão Pública
Governabilidade e Governança
A gestão pública é influenciada diretamente por duas variáveis fundamentais da política e da
institucionalidade: a governabilidade e a governança. Vamos analisar mais um pouco o
significado delas.
A “governança” está relacionada aos supostos institucionais para que ocorra a otimização do
desempenho administrativo. Ela seria o conjunto de instrumentos e ferramentas técnicas de
gestão que assegurariam a eficiência e a democratização das políticas publicas. Alguns
autores encaram a “governança” como a capacidade de ação estatal na implementação de
políticas e projetos, na execução de metas coletivas.
Governança
• Governança: Capacidade do Estado de transformar em realidade, de forma eficiente e efetiva, as decisões tomadas.
• Uma governança forte é resultado de um Estado sadio no plano fiscal e financeiro e competente no plano administrativo.
Há também uma dimensão participativa na governança. Ela pode significar os
procedimentos para lidar com a pluralidade da sociedade, com os múltiplos interesses
sociais. O fator determinante para avaliar a governança de um determinado Estado ou
governo é a competência dos gerentes e administradores públicos no cumprimento das
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 57
metas. E esta avaliação deverá sempre ser feita considerando a complexidade do mundo
atual e a grande heterogeneidade de interesses e posicionamentos da sociedade.
A “governabilidade” por sua vez se refere às condições e ao contexto do ambiente político
em que se efetivam as ações administrativas. Ela se relaciona diretamente à legitimidade e à
credibilidade dos governos. A governabilidade depende muito das condições materiais de
exercício do poder, da sustentação política dos governos para executar seu próprio
programa eleitoral. Uma boa governabilidade implica numa boa capacidade de articulação
política, de formação de coalizões. No fundo ela traduz uma relação entre as variáveis que o
governo controla e as variáveis não controladas.
A reforma do Estado, na medida em que afeta os mecanismos de legitimação e credibilidade
da “coisa pública” implica diretamente em alterar as condições de governabilidade. Já a
reforma do aparelho do Estado, como se relaciona ao modelo organizacional e ao sistema de
planejamento e decisão, se relaciona diretamente com a governança do Estado.
Pode-se ver que os dois conceitos estão intimamente relacionados. Uma boa governança,
uma boa capacidade de governo, ajuda muito na obtenção e manutenção da
governabilidade. Da mesma forma uma boa governabilidade pode ajudar na melhoria da
governança já que teoricamente haveria mais suporte político, por exemplo, para dotar as
ações de modernização administrativa com mais orçamento.
A crise do Estado no Brasil se manifestou como uma crise de governança e como uma crise
de governabilidade. Houve de fato, uma combinção de uma crise fiscal muito grande que
afetou a governança do Estado. A crise da burocracia e da forma burocrática de
administração também contribui para a fragilidade da governança. Esta crise foi associada ao
modo de intervenção do Estado na economia que também afetou os padrões de
governabilidade.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 58
Podemos falar também que a construção de uma governabilidade democrática, pós-
governos militares, também foi uma das bases de mudança do modelo de administração
pública. Esta nova governabilidade, baseada nos regimes eleitorais, na liberdade de
organização e expressão e na ampliação dos processos participativos, exige um novo
processo de governo. O próprio sistema de intermediação de interesses, mais corporativista
ou mais pluralista, vai mudar numa governabilidade mais democrática. A administração
publica será mais demandada e tensionada para atender grupos sociais mais conscientes,
exigentes e diversos.
Um bom padrão de governança estaria associado à objetivos tais como a prevenção das
práticas clientelistas (também chamada, em inglês, de “rent seeking”). Outros objetivos
seriam a redução dos custos de informação, o aumento da produtividade, da flexibilidade e a
maior descentralização. Outro elemento essencial da boa governança, para finalizar, é a
responsabilização dos administradores pelos seus atos e resultados. Na literatura este
processo é chamado pelo seu termo em inglês, “accoutability”, significando mais ou menos
em português: responsabilização e responsividade.
Diferentes autores com diferentes conceitos de governabilidade e governança.
Fonte: Araújo, 2002
Fica evidente para nós que os padrões da boa governança dependem muito do contexto em
que o Estado está inserido e qual as relações que estabelece. Neste sentido, é impossível
dissociar a governança da governabilidade. Não existem técnica ou modelos administrativos
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 59
universais, como receitas genéricas, válidos para todos contextos. O contexto implica em
saber qual é a cultura política, qual o padrão de articulação do Estado com a sociedade,
como os três poderes interagem, qual a capacidade do Estado em resolver os problemas
reais e assim por diante.
Corporativismo, clientelismo e intermediação de interesses
Uma função importante do Estado e da própria administração pública é a intermediação de
interesses. Na gestão pública há vários tipos de intermediação, a clientelista, o
corporativismo, o insulamento burocrático e o universalismo de procedimentos. Cada uma
delas produz um tipo de relacionamento, de postura, conduta e atitude dentro dos
aparelhos do Estado.
O clientelismo é parte da nossa herança patrimonialista que dominava na República Velha,
mas que se perpetua na nossa tradição político-institucional até nossos dias. Se analisarmos
mais a fundo, vamos perceber que estas práticas, esta grande confusão entre o que é
público e de todos e o que é privado e individual, vem lá da tradição absolutista das cortes
portuguesas. Portugal, como sabemos, não passou integralmente pelas transformações por
que passaram os outros países europeus. A revolução industrial e os princípios da razão
iluminista não se completaram na corte portuguesa. Práticas medievais, nobiliárquicas,
ainda persistiram e se transmitiram para a tradição republicana posterior.
Um dos sintomas visíveis do clientelismo é o sistema cartorial. A idéia de que o Estado deve
validar, chancelar ou aprovar previamente todas ou quase todas as relações sociais, sejam
elas públicas ou privadas. Este aspecto sempre representou um grande entrave para a
mobilidade de capitais e a liberdade de comércio. Por conta disto, deste monopólio estatal
das relações privadas, surge uma outra prática perversa: a distribuição de favores ou como
alguns chamam, das prebendas. Ela teve origem nas relações de suserania e vassalagem
medievais, quando o Rei mantinha lealdades dos estamentos da nobreza com base na troca
de favores, presentes e rendas que derivavam deste monopólio. Os cargos públicos e sua
negociação se tornam fonte de renda, rendas perversas é claro, mas que mantinham coeso
os grupos dominantes.
Se olharmos para a própria história do Brasil, vamos identificar desde a época colonial claras
demonstrações de clientelismo. Na época colonial não havia extritamente o conceito de
“serviços público”. Os proprietários de terras administravam a justiça, a defesa e a garantia
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 60
de sobrevivência de seus empregados e agregados. Acontecia uma troca, os proprietários
garantiam os serviços coletivos e em troca as populações locais atribuíam uma “autoridade
política” aos latifundiários. Ainda hoje, em lugares muito afastados dos centros urbanos
estas relações de patronagem e trabalho escravo ainda persistem, infelizmente. A literatura
chamou este fenômeno no Brasil de “coronelismo”. O coronelismo foi – e é ainda em
muitos lugares – um verdadeiro sistema de concentração e distribuição de poder de tipo
piramidal. O “coronel”, geralmente um senhor de terras se liga a uma rede de influências,
devendo obediência a um núcleo de poder central. Ele é ao mesmo tempo uma autoridade
publica e privada, controla os fluxos econômicos e políticos locais, baseado apenas da
autoridade pessoal, sem nenhum respaldo jurídico ou legal.
Podemos dizer que o sistema partidário brasileiro foi muito influenciado pelas práticas
clientelistas. E qual o impacto disto na administração pública? Há muitos efeitos. O mais
drástico deles é a utilização do aparelho do Estado para fins particulares, de grupos restritos,
sejam eles oligarquias econômicas ou partidos políticos.
Uma outra “patologia” política que convive lado a lado com o clintelismo é o corporativismo.
Ele tem origem histórica desde que as primeiras carreiras técnicas começaram a se formar
na década de trinta como já foi debatido. Uma burocracia meritocrática, com especialização
técnica e em maior número se refletiu em maiores demandas de participação e poder. Além
disso, a própria sociedade mais urbana e industrial produziu grupos e segmentos que se
organizaram para demandar seus interesses ao Estado. O modelo totalmente baseado no
clientelismo que atomiza as relações e individualiza os fluxos de poder era totalmente
incapaz de atender estas demandas.
O governo Vargas vai tentar absorver estes novos segmentos, especialmente os
trabalhadores urbano industriais, num novo sistema de organização sindical e ordenamento
jurídico das relações de trabalho. A estrutura sindical, por exemplo, foi concebida como um
sistema verticalizado, altamente hierárquico, dependente e tutelado pelo Estado. O objetivo
final era evitar situações de conflito com o Estado e integrar estes segmentos ao esquema de
dominação. Este sistema passou a ser conhecido na literatura de gestão pública como
“corporativismo”. Na ciência política foi Schmitter quem trabalhou com este tema. Ele
definia o corporativismo como um sistema de representação de interesses em que as
uniddes constitutivas estão organizadas em categorias únicas, obrigatórias e não-
competitivas. Um elemento central é o reconhecimento de sua existência pelo Estado, que
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 61
concedia um monopólio de representação, em troca da seleção e controle da escolha de
seus dirigentes.
Podemos ver que a prática corporativa, assim como a clientelista, o Estado, e portanto a
administração e gestão publica desempenham um papel fundamental. Tudo surge e volta
para o Estado no corporativismo, ele é o início e o final dos fluxos de produção do poder.
Será o Estado quem escolhe seus interlocutores e não o contrário. O corporativismo é uma
forma de relação entre Estado e sociedade tão ou mais autoritária e excludente que o
clientelismo.
Por outro lado o elemento central do corporativismo é uma relação de troca, de negociação
e de conivência mútua. As organizações que representam grupos, dentro e fora do Estado,
podem recusar a participação no esquema de dominação. Assim, deve operar uma troca
política, uma barganha entre interesses organizados e interesses oficiais. A participação no
esquema também cria deveres e obrigações para os dois lados. Assim a cultura
corporativista funciona como um poderosos mecanismo de intermediação de interesses e de
formulação de políticas publicas.
Uma evolução da análise do corporativismo aponta para uma derivação conhecida como
“neocorporativismo”. Esta concepção avança no conceito de que as organizações com
monopólio de representação de um segmento celebrariam um tipo de “compromisso ético”
com as agências estatais. Este compromisso ocorreria sobretudo no âmbito da produção de
políticas públicas setoriais.
No Brasil, por exemplo, as “Camaras Setoriais” foram um exemplo de neocorporativismo,
onde os sindicatos industriais recebiam garantia de emprego em troca, por exemplo, de não
fazer greves e o Estado concedia redução de impostos ao setor automobilístico. Havia
portanto um pacto tripartite, entre Governo, empresários e trabalhadores. Há dezenas de
outros exemplos de práticas neocorporativas como os Conselhos, os colegiados, a atuação
de entidades de classe em políticas específicas como a educação e a saúde.
Diametralmente diferente do corporativismo surge uma outra visão, a pluralista, que atribui
a defesa de interesses não à organizações representativas, mas à existência de “grupos de
interesse”.
Um outro modelo teórico interessante para entender a administração pública é a
abordagem pluralista. Esta escola de pensamento nos diz que a sociedade democrática se
organiza e funciona através de um grande número de grupos de pressão competitivos. Estes
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grupos de pressão, a rigor não participam do processo eleitoral, mas influenciam a gestão do
Estado, a produção de políticas públicas e as decisões administrativas de um modo geral. A
teoria pluralista diz que os grupos de pressão tem igualdade de condições de acesso aos
recursos de poder, fazendo “lobby” de seus interesses. Esta suposta “igualdade” de acesso
tem sido criticada por outros teóricos da gestão publica como um característica ingênua e
não realista.
Quanto maior o número de grupos organizados fazendo pressão pelos interesses, maior
equilíbrio e balanço nas relações de poder, e portanto maior democracia. Esta modelo foi
construído tendo em vista principalmente a sociedade norte-americana. Mas, em sociedades
com grandes desigualdades como a nossa o modelo tem fraca capacidade de análise.
Há momentos em que a intermediação de interesses funciona com menor impacto. Nestes
casos pode ocorrer o que a ciência política que estuda a gestão publica chama de
“insulamento burocrático”. O insulamento, como o nome já diz, é uma política deliberada
para “blindar” e proteger setores administrativos das pressões do mundo político.
Historicamente o governo JK aplicou este princípio em muitas organizações para execução
do seu plano de governo, tentando driblar as ineficiências gerais do governo, na época.
Se o insulamento burocrático representa um contexto em que organizações se protegem de
influências perversas da política poderíamos até achar que isto seria uma solução e não um
problema. O que acontece, entretanto, é algo bem diverso. A prática e a experiência
histórica demonstraram que o isolamento de setores da burocracia do mundo da política
real foi muito negativo. Setores protegidos tendem a fugir de mecanismos de controle e
transparência. Isto favorece o surgimento de comportamentos clientelistas e de corrupção.
A superação das práticas clientelistas, corporativas e do insulamento burocrático devem ser
superadas pelas práticas de universalização de procedimentos. A universalização de
procedimentos está associada à cidadania e ao estatuto da igualdade dos atores sociais. O
grande problemas que esta igualdade é na tradição política liberal uma igualdade somente
política, descolada das profundas desigualdades materiais.
O universalismo de procedimentos está relacionado à administração weberiana ou racional-
legal, com impessoalidade e previsibilidade nas relações. Este tipo de conduta é básico para
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 63
o funcionamento das democracias representativas baseadas no sufrágio universal e nos
ordenamentos jurídicos universalmente aceitos.
Controle e accountability na gestão inovadora
O termo inglês “accountability” é de difícil tradução para o português. Mas seu conceito vem
adquirindo importância cada vez maior na gestão publica desde a redemocratização do país
nos anos oitenta. Ele pode significar desde a simples prestação de contas até a sensibilidade
dos dirigentes para as demandas dos cidadãos. Podem ser um conjunto de instrumentos,
mecanismos e processos institucionais que permitem a responsabilização dos servidores
públicos quando não cumprirem suas responsabilidades e resultados esperados.
O conceito surgiu no final dos anos sessenta nos Estados Unidos. Como uma
responsabilidade objetiva ou obrigação de responder algo, implicando na responsabilização
pessoal ou da organização perante um terceiro. O erro, por ação ou omissão, na falha de um
resultado pactuado implicaria numa irresponsabilidade e seria passível de punição. Podemos
notar que o conceito tem um sentido de obrigatoriedade, um significado de imposição
direta. No caso haveria punição pelo não cumprimento e premiação pelo cumprimento além
das expectativas.
Uma das primeiras questões que surgem quando debatemos este tema é sobre quem seria
responsável por cobrar a responsabilidade na gestão pública. Seriam os chefes superiores, os
eleitores, os clientes do serviço ou mesmo os legisladores e juízes num tribunal ?
Na história da administração pública, a responsabilização dos gestores sempre se situou
dentro do Estado, na prestação de contas que uma administração faz regularmente. Esta
prestação de contas deveria contemplar as necessidades, padrões e exigências dos governos
de plantão e de todos os órgãos de controle, internos e externos. A sociedade, que é em
última instância, o cliente final dos bens e serviços públicos nunca foi consultada. A
burocracia do estado funcionava como se estivesse trabalhando para seus chefes, no fundo
para si mesma, e não para um cliente-cidadão, sujeito de direitos.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 64
O problema da cobrança e da prestação de contas no setor público não diz respeito somente
à Administração mas também à cultura política da sociedade. Anos de apatia política e
autoritarismo deixaram a sociedade inerte e passiva em relação à administração pública. Os
níveis de educação e consciência política são baixíssimos e muito desiguais de região para
região do país. Muitas vezes os representantes da sociedade civil organizada não sabem ou
não desejam ter uma postura mais ativa e rigorosa. As vezes o problema é de comunicação
também.
O próprio comportamento dos servidores públicos contribui para baixos níveis de
“accountability”. Ora desprezados pela sociedade, considerados parasitas e ociosos, ora
temidos como tecnocratas, os servidores públicos quase nunca tiveram uma imagem
positiva. Normalmente associamos a carreira pública a uma espécie de “sorte grande”, como
se fosse uma premiação ou recompensa que garantisse um futuro tranqüilo sem muito
trabalho e responsabilidade. Neste clima a cultura da prestação de contas, da
responsabilidade pessoal, nunca pode prosperar.
Hoje em dia a presença do Estado é sentida e percebida em todas as dimensões da vida
humana, independente da origem, cor, gênero, raça ou posição social. Viver sem o Estado ou
contra o Estado é virtualmente impossível. Neste ambiente a “accountability” torna-se um
valor ainda mais precioso. É preciso criar instrumentos e mecanismos que possam
salvaguardar o cidadão dos eventuais abusos do Estado. Há um risco de concentração do
poder muito grande na mão dos servidores públicos. Imaginemos, por exemplo, as
informações que o Estado possui de cada um de nós, nossas movimentações bancárias,
rendimentos, ocorrências judiciais, etc. E nem cogitamos ainda das informações que o
Estado pode obter através dos organismos de inteligência e segurança nacional.
A gestão pública inovadora deve incorporar a “accountability” como elemento fundante de
seu aperfeiçoamento. O próprio valor da democracia diminui e se enfraquece sem uma
cultura de responsabilidade. A burocracia pública atua verdadeiramente como se fosse um
ator político, influenciando os rumos dos governos legitimamente eleitos pelo povo. A
cidadania precisa ter garantias contra o uso arbitrário do poder e as condutas anti-éticas.
Como o poder no nosso sistema político está muito concentrado no topo da pirâmide,
muitos pensam que a “accountability” só pode ocorrer de baixo para cima. Isto é, os
burocratas só prestam contas para seus superiores imediatos, e estes para os seguintes e
assim por diante. Este mecanismo de fato não pode assegurar que as reivindicações do povo
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 65
sejam atendidas. O poder público, por mais ético que seja, tem evidentes dificuldades de
avaliar-se a si mesmo. O risco de uma avaliação tendenciosa ou não isenta seriam muito
grandes. Não é por outra razão que a “accountability” tem que ocorrer voltada para o
cidadão, é ele que deve tomar contas das ações dos seus governantes.
A única forma de “accountability” é praticamente o processo eleitoral. Na eleição o eleitor
faz implicitamente um juízo de valor sobre o governo. Ele poderá premiar o governante
mantendo-o ou puni-lo não o elegendo. Contudo as eleições são formas altamente
imperfeitas de avaliação dos governos. Nem sempre os cidadãos-eleitores estão bem
informados sobre os resultados do governo, há processos claros de manipulação da opinião
pública com técnicas de marketing e publicidade. Por outro lado o controle é feito sempre
“ex post”, isto é, o cidadão-eleitor só saberá se suas preferências e interesses foram
respeitados depois que os erros ou omissões dos governos aconteceram, nunca antes, nem
durante. Os partidos políticos, por exemplo, deveriam ser verdadeiras escolas de governo,
mas não são. Eles contribuem para o monopólio do poder político, são dominados por
grupos e oligarquias e não tem uma cultura de prestação de contas à sociedade.
Não é por outro motivo que as formas participativas não-eleitorais tem ganhado importância
em todo o mundo democrático. Tenta-se superar a apatia das pessoas que paradoxalmente,
valorizam a democracia, mas não se envolvem muito pouco em processos participativos. As
novas tecnologias de informação e comunicação, como a internet, tem ajudado na
“accountabiliy”, democratizando o acesso à informação sobre o Estado. O crescente
associativismo e formação de comitês de bairros, de bacias hidrográficas, as ONGs que
fiscalizam e o grande número de conselhos existentes ligados às prefeituras tem contribuído
bastante.
Ou seja, entre as condições para o crescimento da “accountability” está a própria
maturidade da democracia. O que implica em consciência política da população, dos direitos
e deveres de cada cidadão. É uma tarefa bastante difícil num país que conta ainda com
desigualdades econômicas e sociais abismais. A consciência gera organização, a organização
gera ainda mais consciência. Se todos os cidadãos fossem de alguma forma organizados em
comitês, grupos de moradores, partidos, sindicatos ou entidades representativas,
poderíamos ter uma verdadeira “rede articulada de interesses” da população, independente
de governos e do próprio Estado. Este “sentimento de comunidade” é outro pré-requisito
para a “accountability”. Não se trata de ir contra o Estado e os Governos, mas de fazer com
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 66
que o controle social impeça os desvios freqüentes na gestão pública: a corrupção, a
ineficiência e a ausência de resultados concretos.
Nas sociedades mais maduras a participação e o controle sobre a gestão pública são valores
consolidados. Na democracia norte americana, por exemplo, desde a tradição dos
federalistas, políticos e pensadores influenciados pelo iluminismo europeu, há uma distinção
clara entre o que é estatal e o que é público. Apesar dos problemas conhecidos de baixa
participação eleitoral e apatia política, o modelo dos Estados Unidos estimula a participação
do cidadão a nível local, sobretudo em torno das comunidades escolares e de vizinhança.
Estas organizações (por bairros, igrejas ou profissionais) acabam servindo de fórum para o
debate de questões públicas. Elas consolidam posições mais coletivas que depois são
direcionadas para os representantes governamentais e legislativos.
Perspectivas da “accountability” na gestão pública brasileira
Já vimos que os regimes políticos influenciam tremendamente o tipo de gestão pública. Será
muito difícil implementar inovações e padrões mais criativos de administração em regimes
autoritários e totalitários. Por outro lado, se a democracia é o regime que mais estimula a
inovação na gestão pública, sua consolidação e amadurecimento depende de fatores muito
complexos e até certo ponto desconhecidos. Sabe-se, por exemplo, que quanto mais
consolidadas as redes de associativismo dos cidadãos, maior será a consciência de direitos e
deveres e o envolvimento participativo.
No Brasil, infelizmente, nossa tradição nunca foi das mais democráticas. Na história da
República e mesmo no período colonial, a democracia foi exceção e não a regra.
Aprendemos a considerar a desigualdade como natural e inevitável e a sermos submissos
diante do Estado. Transferimos sempre a responsabilidade pelas coisas públicas, pelo que
acontece na nossa rua, nas cidades e no país para alguma autoridade política, para um
governo. É verdade que na conjuntura brasileira a presença do Estado é muito desigual. Não
podemos comparar os grandes centros urbanos onde o Estado é visível, presente e atuante
com as imensas regiões no interior do pais onde o Estado é muitas vezes uma tênue
lembrança. A questão relevante para a gestão democrática e inovadora, portanto, não é se o
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 67
Estado deva ser “mínimo” ou “máximo”, mas qual o tamanho do Estado ideal para a
cidadania.
Se um super-Estado implica numa sub-cidadania, um Estado fraco e incapaz de resolver os
problemas coletivos conduz a uma negação da cidadania, pela negação dos direitos do
cidadão. Seria como uma sociedade onde só houvesse deveres, inclusive o de pagar os
impostos, mas muito poucos direitos.
Nossa tradição, além de não-democratica é paternalista. O Estado é visto como um “grande
pai” que deve ajudar o povo, ao contrário de estimular a auto-confiança. O paternalismo é
uma forma disfarçada de autoritarismo e conduz rapidamente ao populismo na política.
Vivemos muitos períodos de populismo no Brasil. Um governo populista é aquele que
estabelece concessões e benefícios para segmentos da população de maneira fácil e
irresponsável, transferindo os custos para outros setores ou para o futuro. Nos governos
populistas até há um desejo de participação da comunidade. Mas é uma participação
controlada, tutelada e dirigida instrumentalmente para apoiar ações do governo. É uma
participação domesticada. Todas estas formas e estilos de governo e política – o
autoritarismo, o paternalismo, o populismo – enfraquecem a sociedade civil, diminuem as
chances da “accountability”.
Para o cidadão a face mais visível disto é o desrespeito. Sobretudo naquilo que a literatura
chama de “burocracia ao nível da rua”, isto é, na prestação de serviços diretos aos cidadãos.
As violações da ética e da moralidade pública acontecem a todo instante. Basta tentar obter
algum serviço de saúde, educação ou informação em uma repartição pública. Certamente
em raras oportunidades você escapará de longas filas, grosserias de todo tipo e informações
incompletas. O desrespeito acontece em todos os níveis, como eleitores, como
contribuintes, como cidadãos. Os políticos eleitos não cumprem o que prometem, os
eleitores tampouco cobram o que foi prometido. É como se o Estado não existisse ao abrigo
da lei e do direito, como se o Estado não tivesse, também ele, obrigações com a cidadania.
Nossa cultura política influenciou um padrão de gestão pública acomodado com a idéia de
sub-cidadania ou de cidadania regulada. Este tipo de conduta enraizado durante mais de
cem anos de República permeia todos os níveis do Estado, do mau atendimento em um
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 68
posto de saúde numa cidadezinha do interior até o clientelismo e nepotismo no Senado
Federal.
Parece que estamos condenados a um tipo de fatalismo político, é mais fácil lutar para estar
entre os incluídos e beneficiados pelo sistema do que transformá-lo por inteiro. Neste
cenário onde há muita fragmentação cívica e interesses difusos o cidadão não pode esperar
muito pelo Estado. Sua burocracia está sujeita aos controles que ela mesma coordena e
implementa. Porém, as perspectivas tem melhorado desde a redemocratização dos anos
oitenta. O Estado brasileiro tem sido cada vez mais alvo de reivindicações organizadas e da
vigilância social ativa. A sociedade vem aprendendo, embora lentamente e com retrocessos,
a se organizar, superando os horizontes meramente corporativos. O cenário atual é muito
mais promissor que há dez ou vinte anos atrás. A liberdade de imprensa, as novas
tecnologias de comunicação, o reforço dos órgãos de controle externo e interno e a
modernização do judiciário tem exposto com maior intensidade os temas da conduta ética e
dos abusos de poder. O próprio aparelho administrativo tem se modernizado introduzindo
novas técnicas gerenciais e as carreiras estratégicas tem se consolidado pela via do concurso
público.
Resumindo, então, a “accountability” é uma variável-chave para modernizar a gestão
pública, sua intensidade depende de vários fatores:
• A intensidade e textura das redes e instituições que se formam na sociedade civil;
• A consolidação de valores (na escola, na família, na comunidade, etc.) democráticos e
de valorização das ações coletivas;
• A história do país, da região ou do município, sua tradição cultural, origem dos
costumes e dos hábitos sociais;
• A consolidação formal dos processos, instrumentos e organizações de controle
interno e externo;
Perguntas:
1. A governabilidade é muito importante nos regimes democráticos. Porque ?
2. Quando os governos tem problema de governança a capacidade de execução das
políticas é reduzida. Você concorda com esta afirmação ? Justifique sua resposta.
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3. A “accountability” é um conceito relativamente novo na gestão pública brasileira.
Este conceito tem relação com a eficiência e a eficácia na gestão inovadora ? Porque
?
Bibliografia
A conceituação de governabilidade e governança, da sua relação entre si e com o conjunto
da reforma do Estado e do seu aparelho, de Vinícius de Carvalho Araújo — Brasília: ENAP,
2002.
O objetivo deste curto, mas significativo trabalho foi introduzir o leitor às principais
abordagens feitas sobre os conceitos de governabilidade e governança. Para isso o autor
tomou como referência a elaboração de importantes autores no campo da gestão publica no
Brasil: Bresser Pereira, Eli Diniz e Caio Marini. O objetivo foi gerar um quadro comparativo
que ilustra bem a interelação entre estes conceitos.
BOBBIO, Norberto, Teoria Geral da Política: a Filosofia Política e as Lições dos Clássicos,
Campus, Rio de Janeiro, 2000
Esta obra já clássica, reúne 40 ensaios sobre política e Estado. O grande pensador italiano
Norberto Bobbio (Turim, 1909) ensinou Filosofia do Direito nas universidades italianas por
mais de trinta anos. Com 720 páginas ela versa sobre todos os assuntos importantes para
entendimento do Estado e da administração pública, entre os quais a política, a moral o
direito, o problema dos valores e da ideologia entre outros. Todos temas que repercutem
diretamente na gestão publica e proporcionam uma sólida base teórica.
NUNES, Edson. A gramática política do Brasil, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1997.
Este livro, originado de uma tese de doutorado do autor na Universidade de Berkeley, na
Califorina, aborda os modelos básicos que explicam as relações entre Estado e Sociedade no
Brasil. Seriam quatro as “gramáticas”: o clientelismo, o corporativismo, o insulamento
burocrático e o universalismo de procedimentos. A partir delas o autor analisa a trajetória
do Estado Brasileiro, de Vargas até a o final da ditadura militar. Leitura indispensável para
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entender a influência que os padrões políticos e estilos de governo tem na gestão publica
brasileira.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 71
AULA 5
A excelência dos serviços públicos
A excelência nos serviços públicos é mais que uma demanda da sociedade moderna, é um
pré-requesito básico para modernização da gestão pública. Não podemos falar em gestão
inovadora se não há padrão de qualidade no serviço publico. A excelência no atendimento e
nas rotinas internas não é contudo uma tarefa fácil de ser conquistada, e mais difícil ainda,
de ser mantida ao longo do tempo. Em primeiro lugar existe a necessidade de uma avaliação
permanente do impacto das ações. Sem esta avaliação constante não como obter
qualidade. Além disso será preciso ter sempre clareza e lucidez sobre qual é o foco de
atenção da administração, qual é a hierarquia de prioridades, quais são os objetivos.
Muitos estudiosos que pesquisam a administração pública vem chamando esta nova
exigência de “administração de resultados”, outros chama de “administração
empreendedora”. O nome importa menos. O que realmente importa é uma organização que
não seja burocrática, que responda as demandas e resolva problemas concretos e que custe
menos para a sociedade. Para alcançar este novo patamar de eficácia, eficiência e
efetividade das ações muitas organizações estão modernizando suas ferramentas de gestão,
o modo como capacitam seus dirigentes, seus sistemas de informação gerencial e assim por
diante.
Entre as várias questões relacionadas a este tema, talvez a primeira seja, que grau de
autonomia tem as organizações públicas para levar adiante um programa de excelência e
qualidade na gestão. Outra pergunta e sobre qual o perfil de gestor publico que se demanda
para liderar este processo. Questões que vamos debater em seguida.
A formação dos gestores é um aspecto vital para a excelência. Possuimos uma tradição não
muito boa nesta área. Como o serviço público padeceu muitos anos pela falta de
profissionalização das carreiras públicas, a capacitação sempre foi negligenciada. Na maioria
das vezes faltam competências e habilidades necessárias em ambientes de alta
complexidade como é a administração pública.
As escolas de governo tem um papel importante na superação destes gaps de formação. Elas
deverão se constituir em verdadeiros centros de excelência para formação de gestores. No
Brasil temos poucas Escolas deste nível, geralmente associadas às carreiras mais prestigiadas
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da área fazendária ou diplomática. As escolas de governo devem ser grandes laboratórios
para novas práticas, centros de reflexão crítica sobre o estado de coisas na gestão pública e
espaço de inovação permanente. Em uma palavra, elas devem ser mais efetivas na sua
missão. Ultrapassar o simples fornecimento de catálogos de formação no varejo, para se
preocuparem com os resultados deste esforço, ou seja, com os impacto concretos da
formação no dia-a-dia da administração.
Algumas tarefas que estariam colocadas para as Escolas de Governo nesta conjuntura
poderiam ser resumidas nos seguintes aspectos:
• Ênfase nos resultados e não nos meios ou produtos, focar na gestão de resultados e
em modelos mais proativos de administração;
• Trabalhar a formação de servidores e gestores públicos com foco no aspecto
gerencial e no manejo de novas ferramentas gerenciais e de planejamento
estratégico no setor público;
• Estarem vinculadas às agendas de governo em cada nível federativo, procurando
formar carreiras adequadas às exigências de qualidade e excelência nos serviços
prestados à população.
Por sua vez a questão da autonomia gerencial está ligada à responsabilização e uso dos
recursos. A Reforma do Estado dos anos noventa criou novas formas de contratualização de
serviços públicos e novas formas de organização. No fundo o que está orientando este
debate é a forma com que os gestores utilizam os recursos disponíveis para executarem sua
missão institucional. Temos consciência de que há muito desperdício de recursos na
administração pública, mas não sabemos muitas vezes como aproveitar os recursos, como
otimizá-los. A tendência da gestão pública moderna é trabalhar cada vez mais em redes e
parcerias público-privadas. Neste contexto a boa gestão de recursos ganha ainda mais
relevância para a excelência no atendimento.
O Programa brasileiro de qualidade e produtividade
O chamado Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade, o PBQP vem se consolidando
como uma importante fonte irradiadora de novos paradigmas na gestão pública inovadora.
Desde 1991 o Programa criado originalmente no governo federal tem inspirado Estados e
Municípios a melhorarem suas práticas e resultados.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 73
O símbolo do programa:
O foco do PBQP é tornar o cidadão o centro da gestão pública. Isto significa que mecanismos
de qualidade devem garantir a satisfação do cidadão como um cliente de serviços. A própria
avaliação institucional passa a incorporar esta visão como parte dos quesitos e requesitos
necessários ao processo de modernização. O programa foi um dos principais instrumentos
de aplicação das reformas gerenciais nos anos noventa, introduzindo progressivamente,
soluções de gestão do campo privado para a esfera publica.
Aqui devemos fazer um parênteses no nosso debate sobre padrões de excelência e tocar
num assunto simples, mas que muitas vezes gera muita polêmica: quais são as diferenças
entre a gestão pública e a gestão privada. Vamos pontuar o debate em alguns aspectos mais
importantes.
• No setor privado a orientação da atividade é o lucro e a
sobrevivência das empresas num ambiente de alta competitividade, no setor público
o objetivo é satisfazer o bem comum, o interesse coletiva da sociedade,
independente da condição financeira ou social das pessoas;
• A motivação essencial do setor privado é satisfazer o cliente, em troca de um
pagamento monetário, já no setor público o objetivo é satisfazer o cidadão -
inclusive como cliente – mas a motivação é o dever, é um ordenamento legal;
• No setor privado há uma simetria entre serviço ou produto recebido e pagamento
efetuado, no setor público esta simetria em quantidade e qualidade, não existe;
• A qualidade no setor privado é pautada pela maior competitividade, expansão dos
mercados, maior lucratividade, menor custos, maior faturamento, etc. Na gestão
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pública a qualidade é pautada pela excelência de atendimento a todos cidadãos ao
menor custo possível, dentro das normas jurídicas e sociais aceitas.
• Por fim há uma série de diferenças contingenciais entre os dois campos. Na
administração pública, por exemplo, há um conjunto de ordenamento legais que
tornam sua atividade mais complexa que o setor privado. Por exemplo, a aquisição
de bens e serviços na área pública deve obedecer às normas de licitações, com regras
bem definidas. Os funcionários na administração publica, se efetivos, adquirem mais
estabilidade que no setor privado e assim por diante.
Entretanto, estas enormes diferenças não impedem que a gestão pública adote cada vez
mais instrumentos e ferramentas de gestão já testadas e aplicadas há anos pelo setor
privado. Boa parte delas é aplicável em qualquer tipo de organização que tenha uma
burocracia, recursos disponíveis e finalidades claras para executar. Neste sentido grandes
corporações privadas tem muita semelhança no plano organizacional, com grandes
organizações públicas. Por exemplo, ferramentas de avaliação de recursos humanos,
técnicas de elaboração de projetos, conceitos de organização de organogramas ou sistemas
de informações gerenciais são muito parecidos nas duas esferas.
O movimento pela qualidade que contagiou o ambiente empresarial nos anos oitenta é
exatamente um destes exemplos. A administração publica lentamente foi adotando suas
ferramentas e conceitos. Seu objetivo é elevar o padrão de serviços prestados ao cidadão e
ao mesmo tempo contribuir para que o cidadão se torne mais exigente em relação aos
serviços a que tem direito. Este é o grande desafio do PBQP.
O espaço privilegiado do programa é aquele em que a organização se relaciona diretamente
com o cidadão, ou seja, nos espaços onde acontecem os serviços. É aqui que percebemos a
qualidade de toda a máquina administrativa que está por trás do balcão, da fila, do guichê.
Um bom serviço, ágil, eficiente e barato, na ponta do processo, diretamente ao cidadão-
cliente, revela todo um processo e uma organização ágil e eficiente que dá sustentação ao
resultado final. É como se a maquina administrativa fosse um “iceberg”, a parte submersa
que não é visível, é a base de tudo.
O programa é articulado sempre em parceria, formando redes entre organizações publicas.
A partir de 1999 ele mudou de nome no governo federal para “Programa de Qualidade no
Serviço Público” e está orientado para a distribuição de uma premiação nacional, à
semelhança das organizações privadas. No início o programa teve uma função mais de
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sensibilização e capacitação com foco em técnicas e ferramentas. Depois evoluiu para o foco
na gestão de resultados e finalmente hoje o programa se estrutura com foco na satisfação
do cidadão, que é um conceito abrangente e estratégico.
Os objetivos do programa são abrangentes e diversificados, vamos apenas comentar alguns
deles:
• O programa visa instrumentalizar, acompanhar e avaliar as ações que visam o
aprimoramento e a melhoria da qualidade na prestação dos serviços públicos. Ele
mesmo deve ser reproduzido em outras unidades administrativas e níveis da
federação;
• Um objetivo central é incorporar o cidadão no processo de definição, implementação
e avaliação da ação publica. Por isso que o programa valoriza a “accountability”, a
transparência e o envolvimento dos cidadãos na gestão;
• O programa promove a gestão de processos na administração publica;
• Um ponto forte é a importância dada à capacitação e formação de servidores voltada
para a inovação e a criatividade, disseminando valores de cooperação e participação;
• O programa iniciou no poder executivo, mas hoje já tem ampla aderência dos demais
poderes, especialmente o poder judiciário.
Os princípios do Programa de qualidade e participação na administração pública foram
estabelecidos para garantir a abrangência necessária ao padrão de excelência buscado.
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Vamos comentá-los a seguir porque eles são a base dos modernos programas de gestão
inovadora.
Satisfação do cliente: os cidadãos são os legítimos destinatários da ação publica, as
organizações devem estabelecer mecanismos que viabilizem a parceria com eles e a
superação de suas expectativas;
Envolvimento de todos os servidores: a alta administração, o corpo gerencial e a base
operacional devem envolver-se com a qualidade, assumindo o compromisso com a melhoria
contínua da administração púbica;
Gestão participativa: a gestão da qualidade deve ser participativa. Pressupõe a convocação
dos servidores para participar na melhoria de seus processos de trabalho, na cooperação
entre gerentes e gerenciados, na disseminação de informações gerenciais e organizacionais,
no compartilhamento de desafios e na união entre o processo decisório e sua execução;
A gerência de processos: o processo é centro prático da gestão da qualidade. Isto significa
que temos que identificar e analisar os processos da organização, estabelecer metas de
melhoria e aperfeiçoamento, avaliar os processos pelos resultados que produzem e frente à
satisfação dos clientes;
Valorização do servidor público: o servidor público é o cliente interno dos processos. É a
garantia de cumprimento da missão da Administração Pública, do atendimento dos quesitos
de qualidade dos clientes externos, os cidadãos. A valorização gera conscientização,
responsabilização e profissionalização;
Constância de propósitos: coerência e efetividade nos projetos e ações. Esta objetivo deriva
da própria condição da administração do seu “poder-dever”. Se relaciona à perenidade na
prestação dos serviços, ao necessário planejamento estratégico de médio e longo prazo;
Melhoria contínua: criatividade e inovação permanente. Se relaciona e complementa o
objetivo anterior. Para manter coerência nos padrões de excelência a administração pública
deve estar em permanente renovação e inovação.
Em 2001 o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade foi extinto e no seu lugar
diversas entidades empresariais e públicas criaram o Movimento Brasil Competitivo, o MBC.
Nesta época o Programa da Qualidade no Serviço Público passou a integrar o Conselho do
MBC, sendo responsável pela medidas aplicadas à área pública. O programa estava situado
na Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 77
Em 2005, já no Governo Lula, o programa se moderniza e muda de nome. Passa a se chamar
agora de “Programa nacional de Gestão Pública e Desburocratização”, conhecido com
“GESPÚBLICA”. Ele amplia o escopo de atuação, agregando à qualidade, outros temas como
a abordagem gerencial, a desburocratização, a profissionalização dos gestores e assim por
diante.
Na prática o GESPUBLICA representou a fusão entre o Programa de Qualidade no Serviço
Público e o Programa Nacional de Desburocratização. Uma das razões que motivaram a
fusão foi o entendimento de que a desburocratização é uma das dimensões essenciais da
qualidade. O programa foi baseado em três princípios fundamentais.
Na essencialidade de uma política pública, formulada com o claro propósito de assumir o
desafio da excelência dos serviços. Isto implica, por exemplo, que a administração pública
brasileira passou a ser comparada com padrões internacionais de benchmarking e
performance.
No foco em resultados, nas “entregas” das ações públicas. Entendido por resultado o
atendimento total ou parcial das demandas sociais. Aqui entram, por exemplo, todo o
debate sobre eficiência e eficácia e a diferenciação entre produtos e resultados. Por
exemplo, um programa educacional não deve ser só avaliado pelo número de vagas que
foram criadas na rede de ensino básico, mas sobretudo, pelos impactos e transformações
sociais e econômicas geradas pelo aumento da escolarização básicas.
No princípio de que a política de gestão deva ter uma natureza federativa. A base conceitual
do GesPública implica que o tema da gestão é universal e ultrapassa as fronteiras
federativas. Ele exige íntima cooperação e solidariedade entre os três níveis federativos.
Portanto não se pode falar em “boas práticas de gestão” no Brasil, até que todos os Estados,
de São Paulo à Roraima, tenham boas práticas de gestão.
A mobilização pela qualidade e desburocratização:
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O modelo de excelência
O modelo de excelência do GesPública foi construído ao longo dos anos noventa e partiu
inicialmente de uma adaptação do modelo de Qualidade Total adotado no setor privado.
Entretanto, o modelo sofreu fortes transformações para dar conta da diversidade
administrativa e sobretudo pelas lógicas diferentes entre o setor público e o privado, ainda
mais na administração direta.
A estratégia foi a adaptação e o ajuste na linguagem e na terminologia utilizada, de forma a
respeitar a natureza distinta das organizações públicas. Este aspecto foi essencial para
diminuir as resistências e dar viabilidade institucional ao modelo.
A adaptação realizada trabalhou com dois aspectos distintos. Em primeiro lugar houve uma
interpretação para o setor público dos conceitos de gestão contidos nos modelos originais.
Em segundo lugar se preservou a natureza pública das organizações que integravam o
aparelho do Estado. Após este movimento inicial todos os anos praticamente o programa
sofre adaptações e prioridades diferentes, mas mantém sua base conceitual constante.
O modelo é representado por um sistema de gerenciamento onde interagem sete partes
integradas, que orientam a adoção de práticas de excelência em gestão com a finalidade de
levar às organizações públicas brasileiras a padrões elevados de desempenho.
Os subsistemas são:
1. Liderança
2. Estratégias e Planos
3. Cidadãos e Sociedade
4. Informação e conhecimento
5. Pessoas
6. Processos e
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7. Resultados
O primeiro bloco, que trata de lideranças, estratégias, planos, cidadãos e sociedade é o
chamado “bloco do Planejamento”. Por meio da liderança da alta administração que focaliza
as necessidades dos cidadãos destinatários da ação da organização, os serviços e produtos e
os processos planejados, conforme os recursos disponíveis.
O segundo bloco, das Pessoas e processos representa a “execução do planejamento”. Nesta
fase concretiza-se a ação planejada, que transforma metas em resultados. As pessoas
motivadas e capacitadas, devem operar processos e garantir as “entregas” projetadas.
O terceiro bloco, o bloco dos resultados representa o controle, pois serve para acompanhar
o atendimento à satisfação dos destinatários finais da ação pública. Aqui entra a adequação
do orçamento, das finanças, da gestão de pessoas, da gestão de suprimentos, das parcerias
institucionais, bem como o desempenho dos serviços e produtos e os processos
organizacionais.
No quarto bloco, da informação e conhecimento, temos o que podemos chamar de “a
inteligência da organização”. Nesta fase são processados e monitorados os dados e os fatos
da organização, tanto no seu ambiente interno, quanto externo. Estes dados geralmente não
estão sob seu controle direto, mas podem certamente condicionar seu desempenho. Neste
quesito o modelo trabalha com a capacidade que a organização tem (ou não) em corrigir e
melhorar suas próprias práticas de gestão e seu desempenho.
O modelo esquematizado:
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Muitos autores organizacionais chamam esta capacidade de “capacidade de resiliência”. A
resiliência é um conceito que vem da física, significa a capacidade de alguns materiais
acumularem energia quando submetidos a algum stress, sofrerem uma deformação
temporária e voltarem ao formato inicial. Nas organizações seria a capacidade de tomar
decisões e vencer dificuldades, sem processos de ruptura organizacional ou institucional.
Estes sete quesitos ou momentos servem como base para estruturar uma avaliação
organizacional, a partir dos quais a organização púbica pode implementar ciclos contínuos
de avaliação e melhoria da sua gestão. Mais adiante vamos apresentar com mais detalhes
cada um deles.
Os fundamentos da excelência
Os fundamentos deste processos são os valores essenciais que distinguem a natureza de
uma boa prática na administração pública. Eles não são normas escritas muitas vezes, ou leis
e decretos para serem cumpridos, nem técnicas, mas antes de tudo valores culturais. Como
valores eles devem ser encarados como orientações do comportamento, como hábitos
mentais e como balizas para a conduta das pessoas, sejam elas dirigentes ou simples
funcionários. Por exemplo, a competição é um valor comum no mundo empresarial. Todos
querem ser competitivos, não só como outros concorrentes, mas no ambiente de trabalho,
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as vezes exagerando e transformando a competição num problema organizacional. Na
gestão pública a competição interna é prejudicial, porque quebra a complementariedade
entre órgãos que precisam estar coordenados num mesmo objetivo e meta.
A primeira observação que cabe fazer neste debate é o registro pela Constituição Federal, no
seu artigo 37, dos valores básicos da administração: a legalidade, a impessoalidade, a
moralidade e a eficiência, por exemplo. Já comentamos estes valores antes. Agora é
importante acrescentar outros valores, fundamentais para a compreensão da boa gestão.
Excelência dirigida ao cidadão. O cidadão é o centro sob o qual gravita o sistema de gestão.
Ele deve ser visto como cidadão, isto é, portador de direitos e deveres e também como
cliente. Por isso as organizações devem ser avaliadas pelos cidadãos-clientes. Mesmo
quando os serviços são executados com exclusividade, o cidadão deve avaliar os serviços
ofertados. O monopólio do Estado não elimina o direito ao bom serviço.
Gestão participativa. A participação é antes de mais nada uma atitude, uma abertura ao
convívio e ao diálogo com cidadãos, clientes e servidores. Na gestão participativa há um
compartilhamento de informações e capacidade de delegação real dos serviços. Ela permite
maior compromisso e responsabilidade de todos os envolvidos, mais autonomia na execução
das tarefas.
Gestão baseada em processos e informações. O centro prático de ação da gestão pública de
excelência é o processo, entendido com num conjunto de atividades relacionadas e
interativas que transforma os insumos em produtos e serviços com alto valor agregado. A
informação permite combater as escleroses das hierarquias burocráticas. Ela torna os
processos mais horizontais e envolventes, é fundamental para o estilo de trabalho em redes
com muitas parcerias.
Valorização das pessoas. As pessoas fazem a diferença na área de serviços, inclusive na
administração pública. Aqui a preocupação central é sobretudo com os funcionários, com os
servidores públicos. Para que se sintam parte do processo, para que seu trabalho faça
sentido num processo mais amplo de cidadania e maturidade institucional.
Visão de futuro. A busca da excelência é diretamente relacionada à capacidade de
estabelecer um cenário-meta, um futuro desejável. Um processo que permita à organização
antecipar-se às novas necessidades e expectativas dos cidadãos e da sociedade. A visão de
futuro impõe a ação persistente, contínua e sistemática, para que todas as tarefas do dia-a-
dia contribuam com a construção do futuro almejado. Este princípio indica que a
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organização tem que ter uma imagem de futuro, um norte a ser perseguido, que sirva de
motivação para o corpo funcional, mensagem para clientes e fornecedores e embase uma
estratégia de ação.
Aprendizado organizacional. Hoje as organizações sobrevivem na medida em que
conseguem gerar e agregar conhecimento ao que fazem. O aprendizado deve ser
internalizado na cultura organizacional, tornando-se parte do trabalho diário em qualquer
atividade. Seja na busca pela causa dos problemas, na busca por soluções e inovações ou na
motivação das pessoas. Este fundamento é transversal na organização. Isto é, ele perpassa
horizontalmente toda a administração. Independente da pratica ou padrão de trabalho o
aprendizado deve ser contínuo. Será preciso transformar os dados e fatos em informações.
Transformar as informações em conhecimento e este em matéria prima para a decisão, para
as escolhas da organização. Este processo além de contínuo é muitas vezes incremental,
misturando inovação e ruptura.
Agilidade. A organização pública precisa antecipar-se às rápidas mudanças no ambiente
tecnológico, político e econômico. A rapidez de resposta no atendimento ao cidadão ou na
execução de um processo se traduz em redução de custos, em agregação de valor.
Foco em resultados. Resultado é o impacto sobre um público alvo, num contexto
determinado. Não se confundo com produtos ou meios. É medido por indicadores, é
mensurável e monitorado constantemente. Pelos resultados podemos medir se a gestão
púbica é vitoriosa ou não.
Inovação. Inovação pode ocorrer em qualquer lugar e em qualquer fase do processo. Pode
ser uma inovação no produto ou serviço final, pode ser uma inovação no modo como as
coisas são feitas. O importante é não ter medo de errar, é usar a criatividade. Inovar muitas
vezes é combinar coisas velhas e conhecidas de um jeito novo, que atende a uma demanda,
que resolve um problema. A inovação não acontece somente na elaboração das grandes
estratégias, dos “Insights” dos gênios, mas no cotidiano, no dia-a-dia. Muitas vezes
processos simples que são inovados, tem grande repercussão.
Controle social. A gestão das organizações publicas deve estimular o cidadão e a própria
sociedade a exercer ativamente seu papel de guardiãs de seus direitos e de seus bens
comuns. A boa gestão supõe a criação de canais efetivos de participação da cidadania no
processo decisório, na avaliação da qualidade do serviço, em sentido amplo.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 83
O programa GesPública, além de adotar estes princípios norteadores, ou melhor, de agregá-
los aos princípios fundamentais da administração pública foi mais além. Na relação de
critérios para avaliar as organizações públicas o GesPública define com precisão cada
critério.
O Critério Liderança aborda como está estruturado o sistema de liderança da organização,
ou seja, sua composição e funcionamento. Discorre sobre o modo como a Alta
Administração, a partir das macroorientações de Governo, atua pessoalmente para definir e
disseminar entre os colaboradores os valores, as políticas e orientações estratégicas,
considerando as necessidades de todas as partes interessadas, orientando-as na busca do
desenvolvimento institucional, do seu desenvolvimento individual, estimulando a iniciativa e
a criatividade e estabelecendo uma cultura da excelência que permeie toda a organização. O
Critério Liderança também aborda como a alta administração analisa criticamente o
desempenho global da organização e como as práticas relativas ao sistema de liderança são
avaliadas e aperfeiçoadas.
O Critério Estratégias e Planos aborda como a organização, a partir de sua visão de futuro,
formula suas estratégias e as desdobra em planos de ação de curto e longo prazos. Versa,
particularmente, sobre o modo como a organização utiliza as informações sobre os usuários
e sobre o seu próprio desempenho para estabelecer as estratégias, de forma a assegurar o
alinhamento e a implementação delas com vistas ao atendimento de sua missão e à
satisfação das partes interessadas. O Critério também aborda como é definido e
implementado o sistema de medição do desempenho global da organização. Aborda, ainda,
como as práticas relativas à formulação, desdobramento/operacionalização das estratégias e
ao planejamento da medição do desempenho são avaliadas e aperfeiçoadas.
O Critério Cidadãos e Sociedade examina como a organização, no cumprimento das suas
competências institucionais, identifica os usuários dos seus serviços/produtos e conhece
suas necessidades, antecipandose a elas, no cumprimento das suas competências
institucionais. Examina, também, como divulga seus serviços/ produtos e ações para reforçar
a sua imagem institucional e como a organização estreita o relacionamento com os seus
usuários, mede e intensifica a satisfação deles. Esse Critério examina, ainda, como a
organização aborda suas responsabilidades perante a sociedade e as comunidades
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 84
diretamente afetadas pelas suas atividades e serviços/produtos e como estimula a
cidadania. Examina, também, como as práticas relativas ao conhecimento mútuo, ao
relacionamento com os usuários e à interação com a sociedade são avaliadas e
aperfeiçoadas.
O Critério Informação e Conhecimento aborda como a organização gerencia as informações
e os indicadores de desempenho mais importantes da organização e dos seus referenciais
comparativos e como é feita a gestão do conhecimento na organização. Aborda, também,
como as práticas relativas à gestão das informações da organização, a gestão das
informações comparativas e a gestão do conhecimento são avaliadas e aperfeiçoadas.
O Critério Pessoas aborda como a organização prepara e estimula as pessoas para
desenvolverem e utilizarem seu pleno potencial em alinhamento com as estratégias da
organização. Também aborda os esforços para criar e manter um ambiente que conduza à
excelência no desempenho, à plena participação e ao crescimento individual e institucional.
Discorre, ainda, sobre a forma como as práticas relativas ao sistema de trabalho, à
capacitação e desenvolvimento e à qualidade de vida são avaliadas e aperfeiçoadas.
O Critério Processos aborda os principais aspectos do funcionamento interno da
organização, entre os quais se inclui a estruturação de seus processos com base em suas
competências legais, a definição dos seus serviços com foco nas necessidades dos cidadãos,
a implementação e a operacionalização de seus processos finalísticos, de apoio,
orçamentários e financeiros e os relativos aos seus fornecedores. Versa, portanto, sobre a
forma como os principais processos da organização são definidos, estruturados,
implementados, gerenciados e aperfeiçoados, para obter melhor desempenho e para
melhor atender às necessidades dos cidadãos. Aborda, ainda, como as práticas relativas à
gestão de processos finalísticos, de apoio, orçamentários e financeiros e relativos aos
fornecedores são avaliadas e aperfeiçoadas.
O Critério Resultados aborda a evolução do desempenho da organização relativamente: à
satisfação de seus cidadãos, considerando o atendimento ao universo potencial de cidadãos;
à melhoria dos seus serviços/produtos e dos processos organizacionais; à satisfação,
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avaliação, bem-estar, educação e capacitação das pessoas; à gestão dos fornecedores; ao
cumprimento das metas e aplicação dos recursos orçamentários e financeiros. Trata,
também, dos níveis de desempenho em relação aos referenciais comparativos pertinentes.
O prêmio Nacional de Gestão Pública
A premiação foi instituída em 1998 como uma das principais estratégias para estimular e
disseminar os padrões de excelência e gestão inovadora na administração pública brasileira.
As organizações que comprovassem um alto desempenho institucional, com qualidade em
gestão poderiam receber o prêmio. Portanto há mais de dez anos o programa vem
contribuindo para mudar a realidade de gestão no Brasil. Progressivamente a premiação foi
se ampliando do poder executivo para todo tipo de organização pública. O prêmio tem dois
grandes degraus, um primeiro que reconhece que a organização está a caminho da
excelência e um segundo degrau que reconhece a adoção de práticas de classe mundial.
Premiações como estas já são utilizadas em mais de 60 países, sobretudo os mais
desenvolvidos.
Os objetivos da premiação são reconhecer formalmente os resultados alcançados pelas
organizações com a implementação de uma gestão pública de qualidade. Se pretende
também estimular os órgãos e entidades da administração pública brasileira a priorizarem
ações voltadas para a melhoria da gestão e do desempenho institucional e disponibilizar
para as organizações informações sobre práticas bem sucedidas de gestão.
As organizações participantes tem diversos benefícios. O primeiro deles e não menos
importante é a oportunidade de avaliar o sistema de gestão. Identificar problemas, avanços
e sobretudo oportunidades de melhoria. O segundo deles é de natureza motivacional. A
participação desperta a organização para o que ela tem de melhor e para seu potencial de
crescimento. Estimula os servidores a repensarem suas práticas e anima o clima
organizacional. Um outro benefício é a própria melhoria da imagem externa junto aos
clientes-usuários do serviço e aos cidadãos em geral. As empresas participantes e as
premiadas tornam-se “vitrines” para as outras organizações.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 86
A evolução da pontuação no prêmio:
A gestão por resultados
A internalização, através do planejamento de princípios organizacionais mais modernos de
gestão, que passam a reestruturar o serviço público, acabam levando a uma nova forma de
pensar a administração dos recursos financeiros e os resultados para a sociedade.
A idéia de que o planejamento deva ser intensivo em gestão e orientado para resultados
concretos foi quase que uma decorrência natural deste processo de reforma. Incorporou-se
experiências de outros países no setor público. A idéia de combinar um planejamento
abrangente que envolvesse o conjunto de bens e serviços do Estado com uma estratégia de
priorização de programas foi implementada. A definição de metas plurianuais de
desempenho teve o propósito de elevar a capacidade do Estado para produzir resultados
crescentes. A seletividade e a focalização foram outras duas iniciativas para reforçar este
propósito.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 87
A introdução da gestão por programas no ambiente atual da administração pública produziu
uma tensão entre as práticas existentes e os novos valores e atitudes empreendedoras. O
governo federal tem lidado com essa tensão de modo que sua intensidade não seja um
obstáculo à modernização, mas tenha um efeito indutor no processo de mudança.
Fundamental para a gestão por resultados foi a adoção do conceito de “programa” como elo
de ligação entre o Plano Plurianual e o Orçamento. Isto aumentou a transparência na
alocação dos recursos e no compromisso com resultados. Entretanto outros passos ainda
devem ser percorridos para isso.
Estas mudanças dependem ainda de aspectos interligados. O primeiro deles é a adoção
efetiva da orgnaização a uma gestão mais matricial e intersetorial. Em resumo, a
administração por resultados implica num modelo de gestão por projetos, ou no caso, por
programas. Como veremos a seguir.
O peso de cada ponto nos diversos critérios:
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 89
Um programa na administração pública tem quase o mesmo sentido que na administração
privada, onde ele é mais conhecido como projeto. Um programa é um conjunto ordenado de
informações que objetiva organizar recursos (humanos, financeiros, organizacionais, etc.),
para produzir um resultado desejado. Assim os programas devem ser inspirados por
diretrizes claras, ter metas objetivas, mensuráveis, ações concretas, estratégias de realização
factíveis, orçamentos definidos e sistemas de informação, por exemplo.
O modelo de gestão por programas, que é necessário para a gestão por resultados, introduz
um conflito entre a estrutura departamental e a performance por objetivos. Vamos explicar
melhor, O que acontece é uma ênfase mais acentuada na contradição entre as visões
setoriais e o objetivo do programa. Isto ocorre porque o objetivo do programa é por
definição composto por uma demanda externa da sociedade.
Por exemplo, imaginem um Programa de Geração de Emprego no Município de São Paulo. O
programa certamente terá um objetivo, várias metas e ações. As ações terão orçamento,
recursos humanos, prazos para serem executadas e responsáveis. Um dos objetivo poderá
ser “atrair investimentos produtivos para a cidade”. Para executar este objetivo, por
exemplo, será necessário alterar a legislação municipal que regula a abertura e
licenciamento de empresas. Entretanto, os interesses setorias da área que cuida deste setor
na Secretaria da Fazenda, podem não contemplar esta ação ou isto não ser importante no
momento para aquele setor. Outra ação poderia ser “implantar infraestrutura de transporte
no distrito industrial da zona leste”. Ora, o departamento municipal que cuida das ruas e do
transporte pode não ter na sua agenda este objetivo. E assim por diante.
É por isso que dissemos que uma gestão voltada para programas deve ser necessariamente
intersetorial, articulada de forma matricial e isto pode gerar tensões internas na
administração pública. Neste caso a habilidade gerencial do gerente inovador será saber
transforma a tensão em ponto de apoio para fazer uma verdadeira gestão da mudança.
Mudando estratégias, valores, estruturas, liderança, sistemas de controle, etc.
Os objetivos do programa devem estar claros e precisos. A tarefa que cabe a cada
Ministério, Secretaria ou Departamento deve estar clara para todas as partes,
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compromissada e pactuada. Isto é condição necessária para mobilização das organizações e
harmonização da direção administrativa.
Um outro passo importante é o fortalecimento e a integração das funções de planejamento,
orçamento e gestão. Em uma perspectiva orientada para resultados é recomendável que se
dê ênfase ao planejamento e à gestão estratégica, à elaboração e execução orçamentária e
financeira orientada pelos resultados dos programas, a um processo contínuo de evolução
organizacional, que tenha o objetivo de agregar à gestão por programas todas as estruturas
formais e os processos decisórios da organização.
O ciclo de gestão do gasto do governo e suas diferentes etapas também deve ter como
referência os programas e seus resultados. Aqui o objetivo é garantir que o programa atua
como elemento integrador do processo. Ele estabelece uma linguagem comum para as
atividades de elaboração, revisão e avaliação do Plano Plurianual, a definição de prioridades
e metas na Lei de Diretrizes Orçamentárias, na elaboração de orçamentos, na programação
financeira e finalmente na auditoria interna e externa.
A gestão por programas também é valida para a melhoria da transparência e fortalecimento
do controle social. Ninguem pode ter opinião sobre aquilo que não conhece, que não
acompanha. Para monitorar as ações do governo a organização de programas claros e
coerentes é fundamental. O programa pode se transformar em referencial para o debate
político e na mídia, tornando-se um instrumento de diálogo e conversação entre o Estado e
a sociedade.
Na gestão por programas o papel do gerente ganha relevância e importância. É ele quem
garante a articulação e tem a liderança para viabilizar a transversalidade entre órgãos e
departamentos diferenciados. O gerente deve ter a um só tempo perfil técnico e político, um
perfil tecno-político. Técnico porque deve entender com profundidade do assunto que vai
gerenciar, suas variáveis, dinâmica e fatores críticos de sucesso. E político porque deve saber
transitar entre as várias esferas de governo e ter legitimidade perante os gestores públicos.
As funções do gerente do programa deve ser múltipla, ele deve ser capaz de:
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• Planejar a execução do programa
• Formar e motivar a equipe
• Negociar os compromissos com as parcerias externas e internas
• Manter um sistema de informações gerenciais para o controle do desempenho e da
gestão de restrições
• Promover a execução das ações para obter os resultados desejados
• Participar da administração orçamentária e financeira
• Comunicar-se com o público-alvo do programa e
• Avaliar e aperfeiçoar continuamente o programa
O gerente é o responsável pela documentação do programa, pelo registro dos avanços e das
lições apreendidas. Ele é também um “gestor do conhecimento” na organização. Os
sistemas de informações gerencias são as ferramentas e instrumentos que ele deve manejar
e administrar. Nunca devemos nos esquecer que o que não é medido e não tem informação
registrada, não pode ser monitorado e controlado. E tomar decisões sem acompanhar as
ações é como navegar no escuro, sem bússola, nem direção.
A importância estratégica da avaliação
Outro elemento importante no modelo de gestão por programas é a avaliação. Ela implica
em controlar os custos, assegurar a conformidade legal de procedimento ou medir a
capacidade de implementação do governo. Mas sobretudo avaliar significa identificar o
quanto houve de adequação entre o esforço realizado e as demandas da sociedade, os
problemas reais da população. Se o processo de avaliação for realizado de forma
participativa e transparente, de forma honesta e responsável, todos tem a ganhar. Os
gestores públicos aumentam seu conhecimento, a sociedade tem mais condições de
controlar os governos e os fornecedores do Estado são regulados de forma mais eficaz.
A avaliação mantém o ciclo de melhorias:
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Normalmente a avaliação é feita com indicadores, o que vamos debater com mais
profundidade adiante. O primeiro bloco de avaliação considera a concepção do programa,
avalia seu desenho: objetivo, indicadores, ações, metas, produtos e serviços. O objetivo aqui
é checar e verificar se estão consistentes entre si e adequados para atender à demanda ou
resolver o problema que deu origem ao programa. Num outro bloco de avaliação o debate
ocorre sobre a dimensão da execução e seu contexto. Verifica-se a suficiência de recursos
alocados, a pertinência da estratégia de implementação, assim como os reflexos do modelo
gerencial e da estrutura organizacional sobre o desempenho do programa.
Resumindo os objetivos da gestão por programas e resultados poderíamos afirmar que este
modelo gerencial deve:
• Prover informações gerenciais: disponibilizar para a alta direção do governo as
informações para o desempenho físico e financeiro das ações de cada programa,
seus resultados e as restrições que enfrentam durante a execução.
• Generalizar a cultura de avaliação e dsempenho: só a avaliação sistemática permite e
garante um aperfeiçoamento contínuo do sistema de gestão. Organizações que não
pedem e não prestam contas, não demandam planejamento estratégico, nem
modernização na gestão. Elas permanecem numa situação de equilíbrio medíocre e
estacionário.
• Maior flexibilidade para procedimentos administrativos e de execução orçamentária:
normalmente os gastos não são executados porque há muita rigidez nas regras e
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procedimentos internos, administrativos. É um erro pensar que a baixa execução dos
orçamentos é causada somente pelas restrições fiscais.
• Estabelecer a comunicação com a sociedade: a interação com o público atingido
pelos programas é normalmente o maior fator de motivação das equipes públicas e
dos gestores. É no contato direto com a população que a energia e a disposição
pessoal do servidor público se renova. A comunicação também é direcionada para o
legislativo, pois o parlamento é parte integrante do sistema democrático para
fiscalizar a ação do executivo e exercer a representação da sociedade.
• Viabilizar parcerias: um programa ajuda a definir responsabilidades e compartilhar
parcerias.
Segundo o GesPública, o Sistema de Avaliação Continuada é um conjunto integrado de
ações, realizadas de modo contínuo, que começa com a decisão da organização de avaliar
continuamente as práticas e os resultados da sua gestão e se mantém ao longo do tempo
mediante repetição cíclica do processo. A avaliação continuada da gestão, em cada ciclo,
compreende as ações identificadas no quadro a seguir.
Na auto-avaliação os servidores da própria organização, liderados pela alta-administração,
realizam a avaliação da gestão da sua organização, tendo por referência os requisitos do
modelo já apresentados. Um momento importante da auto-avaliação é a validação externa
da avaliação realizada pela própria organização. Essa validação é uma ação conjunta do
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Programa com a organização com a finalidade de garantir a qualidade técnica da auto-
avaliação e propiciar o reconhecimento público do nível de gestão atingido naquele
momento pela organização.
Após a auto avaliação deve ser elaborado um Plano de Melhoria da Gestão é elaborado a
partir da priorização das oportunidades de melhoria identificadas na auto-avaliação. Nesse
Plano devem estar as metas de melhoria da gestão que a organização decidiu implementar.
Ação de transformar metas em resultados e resultados em benefícios para a organização e
para os seus usuários. É por meio desta fase que cada organização, efetivamente pode
contribuir para a melhoria da satisfação de seus usuários, para melhorar a imagem do
serviço público junto à sociedade e, principalmente, para promover a cidadania e a
qualidade de vida.
Tão importante quanto fazer é monitorar o que é feito no momento em que está sendo
feito, analisar o andamento da execução do plano, medir a distância entre meta e resultado
e aprender com esse exercício. Todas as diferenças, para mais ou para menos, todos os
cálculos que apontam para o atingimento ou não das metas do plano são objeto, nessa ação,
de intervenção para correção de rumos, seja no planejamento, seja na execução, ou até
mesmo no próprio sistema de acompanhamento. Ao término de cada ciclo uma nova
avaliação e um novo plano são necessários para que a melhoria contínua continue seu
curso, seja internalizada como uma prática de gestão e permita à organização atingir
paulatinamente patamares mais elevados de desempenho.
Concluindo, a auto-avaliação é um diagnóstico interno, feito pela própria organização, tendo
por objetivo quantificar e qualificar os principais fatores relacionados à organização, com
ênfase em suas práticas de gestão e resultados institucionais.
Como funciona a auto-avaliação:
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Essa assistência será feita à distância ou de forma presencial e tem o propósito de transferir
o conhecimento em avaliação da gestão para as organizações participantes; criar um
verdadeiro ambiente de auto-avaliação, sem a presença de pessoas que não pertencem aos
quadros da organização e, por último, otimizar o tempo dos consultores, cujo serviço é
voluntário, solicitando sua atuação apenas nos momentos em que a organização julgar
importante. Para facilitar a realização da auto-avaliação, as organizações têm acesso ao
aplicativo desenvolvido para apoiar a execução dos ciclos de melhoria da gestão.
Uma síntese de todo o programa no seu formato recente:
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Perguntas:
1. Para você o que significa ter excelência na gestão pública ?
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2. Se você é um servidor publico, sua organização poderia participar do GesPública ?
Justifique a resposta.
3. Na sua opinião que adaptações devem ser feitas nos modelos gerenciais empresariais
para que possam ser utilizados na esfera pública ?
Bibliografia:
Excelência em Gestão Pública – A Trajetória e a Estratégia do Gespública de Paulo Daniel
Barreto Lima
O livro é um verdadeiro manual de avaliação do sistema de gestão. Paulo Daniel destaca
alguns aspectos essenciais da proposta do GESPÚBLICA, referentes ao entendimento do
Modelo de Excelência em gestão pública proposto pelo Programa e dos critérios de
avaliação dele desdobrados. Segundo o autor a obra é o primeiro registro do
desenvolvimento de um programa, que tem a intenção de transformar a prática de gestão
do setor público brasileiro. O livro está dividido em 10 capítulos, que explicam desde o qual
é o conceito de GESPÚBLICA, culminando com o desafio da
Gestão Pública por resultados; quando o Estado se Compromete, de Sylvie Trosa
O Estado precisa crescer, oferecer ele próprio mais e melhores serviços à população, ou ao
contrário, está grande demais, gasta demais, tem de definhar? Ele deve atuar diretamente,
com seus ministérios e equipamentos (hospitais, escolas etc.), ou faze-lo através de
empresas privadas contratadas ou subvencionadas, ou seja, terceirizar? Gestão pública por
resultados se insere entre as obras mais inteligentes e úteis para a focalização desse tema. A
autora, Sylvie Trosa, tem larga experiência internacional no assunto: começando na
universidade e no governo da França, seu país natal, ela trabalhou em diversos governos na
Europa e além-mar como assessora em reformas do sistema de administração pública. È um
livro de leitura indispensável para os dirigentes e gerentes do serviço público e para todos os
executivos de empresas privadas que lidam ou planejam lidar com o setor público.
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CÂMARA DA REFORMA DO ESTADO – PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano Diretor da
Reforma do Aparelho do Estado. Brasília, 1995.
O Plano Diretor da Reforma do Estado foi elaborado pelo Ministério da Administração
Federal e da Reforma do Estado e, depois de ampla discussão, aprovado pela Câmara da
Reforma do Estado em sua reunião de 21 de setembro de 1995. Em seguida, foi submetido
ao Presidente da República, que o aprovou. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do
Estado definiu objetivos e estabeleceu diretrizes para a reforma da administração pública
brasileira, instrumento indispensável para consolidar a estabilização e assegurar o
crescimento sustentado da economia. A leitura deste trabalho é fundamental para entender
a guinada na gestão pública brasileira pós Bresser Pereira e as reformas postas em prática a
partir do primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.
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AULA 6
Gestão de Pessoas e a dinâmica das organizações
A administração pública não ficou indiferente às grandes transformações tecnológicas e
institucionais dos últimos dez a quinze anos. A tecnologia da informação mudou
radicalmente o cenário organizacional. Hoje se produz, consome e distribui milhares vezes
mais informações que nossos antecessores sonhavam imaginar. Os processos ganharam
velocidade. O ambiente democrático tornou o cidadão mais exigente em qualidade e
atendimento.
Mudaram as carreiras e o processo de seleção de funcionários. Novas habilidades, novas
competências são necessárias para enfrentar a complexidade do mundo moderno. A gestão
pública não está preparada para enfrentar estes desafios. Aos poucos, lentamente vamos
construindo o que será um nova política de pessoas, uma nova política que dê conta da
qualificação e da competência do servidor publico.
A seguir vamos ver estes temas com maior detalhe. Por exemplo, as questões da liderança,
da gestão de pessoas, da avaliação de competências, da capacitação e desenvolvimento,
enfim da dimensão humana da gestão pública inovadora.
As origens e evolução do “management”
A função de direção na gestão pública tem sido pouco influencia pelas modificações
ocorridas nos estilos de gerenciamento no mundo corporativo. O século XX foi o século do
gerenciamento, do “management”. Nos primeiros anos do século passado a orientação
dominante foi o controle de tempo. Em 1899 o Presidente dos Estados Unidos, McKinley,
nomeou Elihu Root para organizar o caos no exército americano. Root identificou que o
principal problema era a coordenação dos efetivos e o afastamento da hierarquia do que
acontecia em campo. Como resultado de seu estudo foi criada a Academia Militar e o Estado
Maior. Talvez este episódio tenha sido o pioneiro na revolução da gestão no século XX.
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Um outro ícone na sequência da história foi Henry Fayol, um engenheiro de minas francês.
Ele disse que o gerenciamento teria um caráter universal podendo ser aplicado em qualquer
organização, que era uma disciplina independente das demais e definiu 14 princípios para a
boa gestão. Entres os quais, só para ilustrar, podem ser citados na ordem que Fayol propôs:
a divisão do trabalho, a autoridade e responsabilidade, a disciplina, a unidade de comando e
direção, etc.
Para ele as cinco funções de um dirigente são o planejamento, a organização, a autoridades,
a coordenação e o controle. Taylor, outro engenheiro, ficou conhecido pelos princípios do
que se chamou mais tarde de “administração científica”. Ele dizia que a gestão era 75% de
ciência e 25% de senso comum. Sua preocupação era com a cadência e o ritmo de trabalho
dos funcionários. A produtividade era um valor acima de qualquer outro.
Talvez um dos pioneiros mais importantes na gestão de pessoas tenha sido Henry Ford. Ele
viveu entre 1863 e 1947 e ficou na historia por ter sido um dos criadores do conceito
industrial de “linha de montagem”. Sua política de recursos humanos era baseada no medo
e na desconfiança dos empregados. Até 1941 demitia todos que se filiassem a um sindicato.
No Japão, Matsushita copiou o modelo, embora com conceitos morais diferenciados,
relativizando o valor da produtividade e do faturamento.
Outro pensador da área que merece ser citado é Elton Mayo, que viveu entre 1880 e 1949.
Ele era um biólogo australiano que foi em 1926 para a Universidade de Harvard para estudar
a realidade do mundo do trabalho. Neste estudo ele entrevistou vinte mil pessoas, numa
fábrica da Western Eletric, conhecida com Hawthorne, entre os anos de 1927 e 1932.
A pergunta central era sobre quais os fatores que poderiam influenciar a produtividade
conforme diferentes graus de iluminação do ambiente. Mas o grande resultado indireto da
pesquisa foi a descoberta de que os trabalhadores se motivaram simplesmente sabendo que
a direção da empresa de alguma forma se preocupava com seu bem estar. Pela primeira vez
havia a idéia de que os fatores humanos eram importantes para debater os temas de gestão.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 101
No pós guerra o debate sobre gestão foi muito influenciado por Edward Deming. Junto como
outro professor, Joseph Juran, criaram as bases do que foi conhecido mais tarde como
movimento da qualidade total. Eles foram enviados ao Japão como consultores econômicos
para contribuir com a recuperação no pós-guerra. Os princípios e ferramentas da qualidade
mais tarde, já nos anos oitenta foram incorporados pelo movimento de renovação da
administração pública em todo o mundo.
Peter Drucker, um dos maiores gurus da administração corporativa mostrou a importância
da gestão como uma prática sistematizada e passível de um aprendizado. Ele defendia que
os gerentes devem se converter em um grupo estratégico da sociedade industrial, um grupo
privilegiado pelos conhecimentos que detém.
A ênfase dada na necessidade de capacitação e formação para a produtividade foi uma de
suas marcas. Drucker argumentava que as funções básicas do líder seriam a fixação de
objetivos, a organização, a motivação e a comunicação, o controle e o desenvolvimento de
recursos humanos. Caberia ao dirigente assumir os riscos, tomar decisões estratégicas, criar
equipes integradas, comunicar com rapidez e claridade e ter uma visão ampla dos negócios,
entre outras atribuições.
Entre as abordagens mais modernas de gestão estão as de Champy e Hammer com sua
proposta de reengenharia das organizações. Em todas organizações há processos básicos
que devem ser identificados, em detrimento de processos periféricos, que devem ser
descartados. Assim as organizações deveriam passar por uma verdadeira “reengenharia de
processos” e um “downsizing”.
Outro teórico, Tom Peters, propôs o “gerenciamento libertador”, uma organização baseada
em redes, que cultivasse valores como a curiosidade e a iniciativa. Peters faz algumas
recomendações para atingir a excelência na política de recursos humanos, tais como a
proximidade ao cliente, a autonomia, a especialização, a simplicidade das estruturas e o
equilíbrio entre flexibilidade e rigor.
A evolução da administração pública em relação ao tema da liderança e do papel dos
dirigentes pode ser dividida em três etapas distintas. Temos uma primeira etapa até meados
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 102
dos anos setenta que pode ser denominada de “fase administrativa e burocrática”. Uma
segunda fase de meados dos anos setenta até meados dos anos noventa que pode ser
chamada de “fase do gerenciamento ou management”. Finalmente uma terceira fase, que
vivemos atualmente, onde predominam os debates sobre a “boa governança”.
Em outras oportunidades já debatemos o papel e a crise da administração de estilo
burocrático. Vamos agora retomar alguns princípios do estilo mais contemporâneo e atual
porque ele tem muita repercussão sobre as estratégias de gestão de pessoas na perspectiva
inovadora.
A administração publica dita “gerencial”, que coloca o debate da boa governança, pode ser
sintetizada em alguns pontos, a saber:
• A relevância da perspectiva do “cidadão-cliente” ou do “cidadão-usuário de
serviços”.
• Ênfase no controle de resultados, na avaliação de resultados e não de meios.
• Se enfatiza a discricionariedade, ou seja, a capacidade de decisão e autonomia dos
dirigentes e gestores.
• Descentralização na execução das políticas públicas.
• Transferências ao setor privado e terceiro setor, as ONGs, de alguns serviços
públicos.
• Maior terceirização de atividades auxiliares.
No plano gerencial este movimento significou a recolocação da importância da gestão de
pessoas. Porque um dos eixos deste debate é saber exatamente o que se quer gerenciar ?
Como se tomam as decisões na administração pública ? Temas que vamos debater com mais
profundidade adiante.
A gestão de pessoas nas organizações
Os modelos tradicionais de gestão de pessoas são cada vez mais inadequados para enfrentar
as novas necessidades e expectativas das organizações públicas modernas. Aqueles velhos
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princípios da administração científica, baseados no controle e na unidimensionalidade da
pessoa não são mais adequados. A globalização, a complexidade, a imprevisibilidade
levaram à maior flexibilidade e mudança rápida de sistemas e referências.
O perfil das pessoas está mudando rapidamente. As organizações modernas não demandam
mais pessoas que se limitem a repetir tarefas mecânicas. Elas demandas um perfil autônomo
e empreendedor. Mesmo nos setor público onde os processos de recrutamento e seleção
ainda são muito convencionais, há uma lenta mas definitiva mudança nos processos
seletivos. Eles estão mais sofisticados, os processos seletivos incorporam instrumentos de
aferição de atitudes e aspectos comportamentais.
Segundo estudos da União Européia, a moderna Gestão de Recursos Humanos (GRH)
relaciona-se fortemente com a visão, a missão e os objetivos operacionais da organização.
Os seguintes elementos da política e estratégia de GRH são características importantes e a
diferenciam da administração de pessoal tradicional:
1. Os empregados são considerados os recursos mais valiosos da organização.
2. A GRH é uma responsabilidade direta dos gestores de linha e está intimamente
ligada à gestão de desempenho.
3. A GRH baseia-se em valores, fortalecendo o compromisso com a missão e os
valores da organização.
4. A GRH pauta-se por políticas expressas e documentadas.
5. A GRH acredita que os empregados compartilham os mesmos interesses que os
empregadores.
6. A GRH é estratégica, na medida em que busca identificar as áreas críticas para o
desenvolvimento e o sucesso da organização.
7. A GRH é guiada pelos objetivos e seu acompanhamento.
8. A GRH é orientada processualmente.
9. A avaliação do desempenho gera a melhoria contínua.
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O foco da gestão de pessoal não é mais só o controle. Agora é mais importante o
desenvolvimento de posturas ativas e empreendedoras. Além disto, as pessoas ganharam
mais importância na estratégia de negócios. Surgiu inclusive na literatura a expressão
“capital humano”, tão importante quanto as outras formas de capital.
A gestão de pessoas também teve que mudar para acompanhar este esforço. Ela ficou mais
integrada com a estratégia organizacional como um todo. O alinhamento com as diretrizes
da alta direção ficou mais evidente. Os antigos “departamentos de pessoal” estão
começando a dar lugar para centros integrados de gestão, que são ao mesmo tempo suporte
administrativo, órgãos de controle e normatização e centros de desenvolvimento de
pessoas. A gestão integral de pessoal é sempre uma combinação de efetividade
organizacional e qualidade de vida no trabalho.
Atualmente a gestão de pessoas está centrada nas competências essenciais entendidas
como capacidades para realizar e desempenhar as tarefas com eficiência e eficácia. No
início as competências se limitavam a um “estoque de qualidades”. Com a evolução do
conceito a competência é entendida dentro de certo contexto. Conforme mudam os
ambientes, também mudam as competências essenciais.
Assim as competências são a combinação sinérgica de conhecimentos, habilidades e
atitudes, que se desenvolvem no ambiente e contexto organizacional e que agregam valor às
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 105
pessoas e às organizações. Os indivíduos mobilizam recursos e insumos para desenvolver
competências. Ela apresenta três dimensões, vamos analisá-las com mais detalhe a seguir:
• O conhecimento corresponde a informações que, ao serem reconhecidas e
integradas pelo indivíduo em sua memória, causam impacto sobre seu julgamento ou
comportamento. Refere-se ao saber que a pessoa acumulou ao longo de sua vida,
algo relacionado a lembrança de conceitos, idéias ou fenômenos.
• A habilidade está relacionada com a aplicação produtiva do conhecimento, ou seja, a
capacidade da pessoa de instaurar conhecimentos armazenados em sua memória e
utilizá-los em uma ação. Podem ser classificadas como intelectuais - quando
abrangerem essencialmente processos mentais de organização e reorganização de
informações - e como motoras ou manipulativas – quando exigirem principalmente
coordenação neuromuscular.
• Já a atitude refere-se a aspectos sociais e afetivos relacionados ao trabalho, dizendo
respeito a um sentimento ou a predisposição da pessoa, que determina a sua
conduta em relação aos outros, ao trabalho ou a situações. O próprio desempenho
profissional é expresso pelos comportamentos que a pessoa manifesta no trabalho e
pelas suas conseqüências, em termos de realizações e resultados.
As competências podem ser identificadas nos times e nas organizações. As grandes
empresas possuem competências distintas que as caracterizam no mercado. Por exemplo, a
capacidade de miniaturização de componentes dos fabricantes japoneses de eletrônicos ou
o design da indústria do vestuário italiana. Estas competências organizacionais não são o
mero somatório de qualidades individuais.
O ambiente institucional é capaz de produzir e manter novas competências. No setor publico
também temos competências organizacionais ? É claro que sim. É comum reconhecermos
diferentes distinções de desempenho entre órgãos públicos pela demonstração repetida de
sinais positivos.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 106
A competência profissional será sempre uma combinação virtuosa de conhecimentos,
atitudes e habilidades.
A gestão de competências começa alinhando as competências existentes com aqueles
demandadas pela missão e visão de futuro da organização. O “gap” identificado entre um
nível e outro é a base para construção e execução do programa de desenvolvimento de
pessoas. Com o passar do tempo surgem novas competências, porque a missão da
organização muda. Outras se tornam obsoletas.
O desenvolvimento de novas competências precisa ser monitorado constantemente através
de indicadores. É comum a implantação de sistemas de avaliação de desempenho e
remuneração variável acoplados aos sistemas de desenvolvimento de competências.
A avaliação de desempenho moderna é uma avaliação baseada em competências.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 107
A gestão de pessoas por competência influencia outros sistemas da organização. Por
exemplo, uma política de retenção de talentos deve ser elaborada tendo em vista a
preservação dos quadros mais estratégicos para a organização, normalmente aqueles que
reúnem um maior número de competências essenciais.
Os sistemas de educação corporativa devem ser desenhados para corrigir a discrepância
entre competências necessárias e instaladas.
A seguir um quadro-resumo das principais dimensões da gestão de pessoal, todos eles são
de uma forma ou outra influenciados pela gestão de competências.
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As várias dimensões da liderança e do papel do dirigente público
Há várias compreensões do que é o fenômeno da liderança na organização moderna. É a
capacidade de conduzir, de influenciar pessoas, exercida através da comunicação humana.
Pode ser uma liderança autocrática, liberal ou democrática. O fato é que hoje em dia não há
mais espaço para o dirigente público ou o executivo que se limita a dar ordens. O novo líder
que o mundo contemporâneo, complexo e heterogêneo, está a exigir é o líder como
facilitador, como mentor, como desenvolvedor de pessoas.
Ele deve ser capaz de estimular o auto-desenvolvimento dos funcionários e das equipes. Ele
conduz a organização pelo exemplo de conduta e atitudes e não só pelo que fala o diz.
Algumas abordagens atribuem a liderança à fatores natos. Como se alguns tivessem nascido
para serem “grandes homens” ou “grandes mulheres” com dotes e atributos de genialidade.
Estes autores dizem que traços do caráter ou da personalidade poderiam explicar porque
alguns se tornam líderes e outros não. É fato que a personalidade dos indivíduos depende
das normas e regras formais e informais da organização. Um traço de personalidade, por
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exemplo, a capacidade de inovação, pode não ser valorizado numa organização cuja cultura
é aversa a assumir riscos e vice-versa.
De fato não há um estilo único ou melhor de liderança. A abordagem conhecida como
“liderança situacional” nos diz isso. A liderança não nasce com as pessoas, mas se forma na
interação entre o comportamento da pessoa e o relacionamento que tem com os demais e o
nível de maturidade dos subordinados.
E esta interação acontece e muda em cada ambiente específico. Conforme o ambiente o
estilo pode ser do tipo mais determinativo, ou persuasivo, ou de compartilhamento e
delegação. Nesta ótica os fatores importantes para conduzir à uma situação de liderança
seriam:
• características do líder e dos empregados;
• clima organizacional;
• natureza da tarefa a ser executada e
• pressões sobre o grupo de trabalho.
Ou seja, a liderança é uma condição que depende muito mais da interação entre pessoas do
que de habilidades do líder. A disposição dos subordinados para serem liderados é uma das
condições-chave. A situação faz o líder. Ou seja, o principal traço do líder deveria ser a sua
capacidade de adaptação, seja ele orientado para a tarefa ou orientado para o
relacionamento, para as pessoas.
A capacidade de adequação depende do quanto os contextos favorecem a ação de liderança.
Obviamente que fatores como a reação dos funcionários, o grau de estruturação das tarefas
e quanto poder tem o líder – sobretudo o formal – influenciam muito a situação.
A reação dos subordinados, por exemplo, é uma variável complexa. Uma primeira questão é
saber se os subordinados compreendem como atingir os objetivos propostos pelo líder.
Outro problema é a expectativa do líder sobre o desempenho dos liderados. A virtude do
líder seria neste contexto fazer com que sua equipe acredite que os objetivos são viáveis,
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que o esforço não será em vão. Esta abordagem, também conhecida como “caminho-meta”
nos diz que o líder tem que ter quatro tipos de comportamentos, com mais ou menos
ênfase, dependendo da situação.
• Diretivo – O líder fornece diretrizes específicas aos subordinados sobre como eles
realizam suas tarefas. O líder deve fixar padrões de desempenho e dar expectativas
explícitas de desempenho.
• Prestativo – O líder deve demonstrar interesse pelo bem-estar dos subordinados e se
mostrar acessível a eles como indivíduos.
• Participativo – O líder deve solicitar idéias e sugestões dos subordinados e incentivar
sua participação em decisões que os afetam diretamente.
• Orientado para realização – O líder deve fixar objetivos desafiadores, enfatizar
melhoras no desempenho do trabalho e encorajar altos níveis de realização de
objetivos.
As competências da nova liderança
A função de direção exige atualmente muito mais qualificação dos gestores públicos. O
dirigente público é a peça chave do processo de gestão da mudança e modernização da
administração pública.
Podemos resumir as novas competências nos seguintes tópicos:
Instrumentos de direção:
• Planificação estratégica;
• Direção por objetivos.
• Gestão da mudança organizacional;
• Programação e técnica de projetos.
Instrumentos de apoio:
• Gestão de recursos humanos
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• Gestão econômica e financeira
• Gestão de serviços;
• Marketing Público;
• Gestão da informação;
• Gestão da Informação;
• Desenho organizativo;
Habilidades de direção:
• Tomada de decisões;
• Liderança;
• Comunicação;
• Equipes de trabalho;
• Criatividade e inovação;
• Gestão de conflitos;
• Negociação;
• Gestão do tempo;
• Direção de reuniões;
• Técnicas de motivação.
A liderança é a base da função dirigente numa gestão pública inovadora. A liderança define-
se por uma capacidade que gera confiança e persuasão necessárias para o alcance dos
objetivos definidos. Alguns autores sinalizam que a liderança seria relacionada à faculdade
de alguns indivíduos em ter carisma.
Entretanto sabemos que além do carisma há características adquiridas, que podem ser
obtidas por capacitação. Além disso há um componente social importante relacionada ao
prestígio social dos indivíduos, ao reconhecimento que possuem no grupo em que
participam e atuam.
Segundo Marimón, por exemplo, a liderança pode ser definida pelo que efetivamente ela
NÃO representa. Assim a liderança não é:
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 112
• Insensibilidade e atitude intimidatória;
• Distanciamento e arrogância;
• Ambição excessiva;
• Supervisão excessiva, resistência a delegar;
• Incapacidade de formar e unir equipes;
• Selecionar subordinados incompetentes;
• Dificuldade de pensar estratégicamente;
• Carência de flexibilidade para adaptação à mudança;
Há elementos não totalmente racionais que influenciam a liderança como uma competência
essencial. Daniel Goleman, por exemplo, teorizou sobre a importância dos lideres terem
inteligência emocional. Para ele os líderes devem ter uma alta inteligência emocional para
um efetivo exercício da liderança. Este autor analisou 188 grandes empresas e organizações
e agrupou as capacidades em três grandes modelos diferentes:
(a) Habilidades predominantemente técnicas, como a capacidade de planejamento
estratégico e a gestão financeira;
(b) Habilidades cognitivas, como a capacidade de raciocínio analítico;
(c) Habilidades complementadas pela inteligência emocional, entendida como
capacidade de empatia, capacidade de trabalho em grupo, ser eficaz na gestão da
mudança e outras.
Goleman comprovou que 90% das diferenças de desempenho entre os indivíduos se devia a
dotações diferenciadas de inteligência emocional. Ele compactou os traços deste tipo de
inteligência em cinco grandes componentes:
1. Auto-consciência e auto-controle
2. Auto-avaliação
3. Motivação
4. Empatia
5. Atitudes sociais
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A primeira característica diz respeito à capacidade que os líderes tem de auto-aprendizagem,
de conhecimento de seus próprios limites e fraquezas. E limites não só técnicos ou racionais,
mas emocionais e afetivos. O líder que conhece seus limites tem mais honestidade consigo
mesmo, não comete erros por excesso de auto-confiança. É mais tolerante e aberto à críticas
e ao dialogo com subordinados e superiores. O auto-controle é produto do auto-
conhecimento.
Ele representa o componente da liderança que nos ajuda a manejar nossos próprios
sentimentos, sem desconhecê-los ou rejeitá-los. Esta capacidade é especialmente necessária
em momentos de crise, de ambientes com informação incompleta para a tomada de
decisão. O auto-controle ajuda a discernir e dosar a proporção certa entre emoção e razão
nos processo decisórios.
A motivação é um componente relacionado à eficácia do gestor, um líder capaz de se
motivar acaba contagiando a sua equipe como um todo. A motivação faz com que as
próprias expectativas sejam superadas. Ela está associada também ao otimismo, à
capacidade de aprendizagem, à criatividade e à lealdade e compromisso com a organização.
A empatia, por sua vez é atributo de um líder negociador e perspicaz. A empatia permite
reconhecer rapidamente sentimentos e emoções dos demais, o que ajuda a controlar
situações imprevistas. A empatia é condição necessária para dirigir e gerenciar grupos. Ela é
ainda mais importante num mundo globalizado onde se cruzam diferentes culturas,
personalidades e estilos de trabalho. Na administração pública onde o líder é um treinador
permanente, fazendo o que chamamos de “coaching”, a empatia é imprescindível para
estimular e coordenar o processo de aprendizagem.
As atitudes sociais significam um tipo de postura atenta para o que acontece com os
cidadãos e com a sociedade. Também significa uma aptidão para a sociabilidade, para os
relacionamentos mais amplos com grupos, seja de subordinados, colegas ou da sociedade.
Pode ser vista como a habilidade do líder em criar redes de relacionamento.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 114
Um líder efetivo começa por ter idéias. Para isso deve estar atento o tempo inteiro a novas
oportunidades, novas formas de agregar valor ao serviço público, com mais qualidade e
menor custo para a sociedade. Idéia sobre como tornar mais acessível os bens públicos, mais
universal e com mais equidade. As idéias novas podem impactar de forma profunda e
estrutural, quando mudam a forma de pensar sobre um tema. Ou podem ser idéias
incrementais quando melhoram a produção de um serviço ou um processo administrativo.
Os valores que o líder tem devem ser vividos. Valores que devem espelhar a ética e a moral
da organização. Se não vivemos estes valores no cotidiano é porque, na prática, não
acreditamos neles. Energia positiva é outra característica da liderança inovadora. Ela não é
só uma energia emocional, mas também uma energia física. A liderança deve ser capaz de
difundir entusiasmo na equipe com sua energia.
Uma das habilidades mais requeridas para a gestão inovadora é a capacidade de lidar com o
stress. Uma organização pública é uma fonte inesgotável de problemas e temas complexos.
Muitas vezes a falta de um sistema de planejamento e gestão que funcione a contento, pode
sobrecarregar a agenda do dirigente. A situação começa a se tornar grave quando a agenda
fica sobrecarregada de problemas de rotina, impedindo que o dirigente se dedique aos
trabalhos criativos de sua responsabilidade.
A gestão do tempo é um problema crítico de stress na organização. Saber inovar na gestão
implica em tratar o tempo com o máximo de cuidado. O tempo é inelástico, um recurso que
não pode ser substituído por outro. E normalmente quando percebemos que ele está
faltando é porque algo já deu errado antes, ou no planejamento das atividades ou na sua
execução. Quase nunca se trata de aumentar a carga de trabalho, mas de conseguir os
resultados desejados.
Nos anos noventa o governo norte-americano definiu as diretrizes do que foi chamado de
“Competências Executivas Essenciais” (Executive Core Qualifications, ECQ), há muita
semelhança com os atributos debatidos até agora, veja a tabela a seguir.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 115
A primeira coisa a fazer é distinguir o urgente do importante, para se dedicar ao que
realmente faz diferença para obtenção dos resultados e cumprimento das metas acordadas.
Por exemplo, se aplicarmos o princípio de Pareto, que identifica a maioria dos problemas
num conjunto pequeno de causas, veremos que a grosso modo, em 20% do gasto de tempo,
acabamos produzindo 80% dos resultados.
A gestão do tempo numa organização pública deve ser aplicada permanentemente, mas em
algumas situações o gestor deve prestar muita atenção:
1. A realização de reuniões: reuniões que não são preparadas e cujos objetivos são
vagos são verdadeiras “devoradoras de tempo”.
2. Receber visitas também é outro problema, se não adotamos um tom formal e se não
planejadas podem gerar problemas na agenda.
3. Processos internos de comunicação: se somarmos o tempo gasto na comunicação
interna por email, telefone ou pessoalmente veremos que muito tempo é perdido
pela comunicação ineficaz, por ruídos ou mau entendidos desnecessários.
Assim, vemos que as habilidades humanas para os dirigentes e líderes nas organizações
públicas mudaram radicalmente nos últimos dez a quinze anos. A mudança de paradigma
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para um estilo mais gerencial, voltado a resultados e uma maior transparência e cobrança da
sociedade organizada impuseram novas competências, atitudes e conhecimentos.
O redesenho da administração pública criou novas formas organizativas. Estas formas são
marcadas pela descentralização, pelo princípio da complementariedade, da responsabilidade
e pelo controle de processos.
Uma nova governança começa lentamente a ser construída. A maior flexibilidade e
descentralização dos séricos públicos gera novas demandas por universalização do Estado. O
governo criou novas formas de administração em redes e gestões coordenadas por vários
atores simultaneamente. As formas burocráticas do paradigma industrial se combinam com
formas gerenciais de uma fase intensiva em conhecimento e aprendizagem, da era pós-
industrial.
Nesta nova administração e nova fase a gestão de pessoas, e não mais de “recursos
humanos” ganhou nova dimensão. Novas carreiras se estruturaram e se desenvolveram,
processos de recrutamento e seleção no serviço público se tornaram mais complexos e
exigentes. A capacitação superou o mero treinamento, as escolas de governo tendem a se
tornar centros de formação integral, e não só a repetição mecânica das velhas fórmulas
pedagógicas. A educação a distância e os impactos da novas tecnologias de comunicação e
informação mudaram radicalmente esta realidade.
É fundamental fazermos a distinção das pessoas “como recursos” – visão antiga, e das
pessoas como “parceiras” – visão contemporânea:
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 117
Por fim a nova organização pública é mais transparente, exige mais ética pública, há muito
mais participação nos negócios do estado. A democracia consolida-se como o regime mais
adequado ao desenvolvimento da sociedade e do Estado. Longe de ser perfeita, mas
permitindo reinventar-se a cada crise, a cada impasse. E não são poucos os impasses da vida
democrática. Novas disciplinas estão surgindo, como o marketing público, a agregação de
valor público e outras terminologias que tentam capturar as novas mudanças.
No mundo corporativo a velocidade das mudanças é espantosa. A cada 18 meses duplicam-
se a capacidade de processamento dos computadores. Em 2006, por exemplo, havia
informação digital três milhões de vezes superiores a todos os livros escritos até aquele ano.
Equipes virtuais e governo eletrônico são palavras já comuns no nosso vocabulário. Para
enfrentar esta realidade, ainda em grande parte desconhecida, o gestor publico precisa
mudar radicalmente, mais ainda, ele precisa fazer da mudança um hábito permanente e
auto motivado.
A gestão inovadora exige mais do que administradores eficazes, exige líderes com visão.
Visão de futuro é uma imagem desejável e possível para a organização. Uma imagem que
tenha capacidade de mobilização coletiva, de deslocamento da zona de conforto onde as
pessoas normalmente estão. Podemos ter uma visão da organização como um todo ou de
um projeto isolado ou departamento. O que importa é esforçar-se mentalmente e imaginar
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 118
com criatividade como os processos poderiam funcionar melhor, como poderíamos atender
melhor nosso cidadão-usuário de serviços públicos com mais qualidade e menor custo.
Na literatura existem várias abordagens sobre como a liderança se forma e se consolida nas
organizações.
A teoria da atribuição da liderança nos diz, por exemplo, que a liderança é apenas uma
atribuição que as pessoas fazem a respeito de outros indivíduos. As pessoas tendem a
considerar líderes aqueles que possuem certos traços como inteligência, personalidade
forte, habilidades verbais, agressividade, conhecimento e disposição, etc. Já a teoria da
liderança carismática vai nos dizer que os líderes possuem habilidades extraordinárias ou
heróicas. São aquelas pessoas de absoluta autoconfiança , fortes convicções e crenças,
capacidade de comunicação de uma visão clara de futuro. Um líder carismático não forma
equipes, ele tem seguidores.
Uma terceira abordagem diz que há dois tipos de líderes, os transacionais e o
transformacionais. Os primeiros motivam e guiam suas equipes rumo a objetivos
estabelecidos e acordados, com claros papéis e funções, definições objetivas de tarefas. Já
os lideres transformacionais estabelecem um ritmo de trabalho e uma meta que transcende
a definição habitual de papéis e tarefas. Este tipo de líder é do tipo desbravador, ele
conquista novos espaços e poder, mas os riscos de insucesso são bem maiores.
Mais uma vez a questão do poder na organização é parte do processo de liderança. O poder
pode ter várias fontes. Pode ser um poder legítimo, derivado do direito ou da autoridade
estabelecida. Pode ser um poder sobre recompensas que valorizam ou não o trabalho e as
pessoas. Pode ser um poder de coerção que controla e pune os desvios. Pode ser um poder
que vem da admiração, da referência ou estima pessoal que os outros tem pelo líder. Pode
ser um poder que vem da competência técnica e profissional. Enfim o poder pode ter várias
fontes e na prática é uma combinação variável de cada uma delas. O fato é que uma atitude
de liderança implica em acumular recursos de poder sobre as equipes e as organizações.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 119
É por isso que a figura do chefe, nem sempre é a mesma do líder. Infelizmente na gestão
pública as posições de chefia hierárquica nem sempre são ocupadas por líderes. Os chefes
administram recursos humanos, enquanto os líderes conduzem pessoas. Os chefes baseiam
seu poder na autoridade, os líderes na competência e adesão. Os chefes fazem das crises um
risco crescente, os lideres fazem das crises uma oportunidade de mudança e melhoria. Um
chefe tem subordinados, um líder tem parceiros e equipes. A liderança é um tipo especial de
chefia. É o perfil necessário para uma gestão inovadora.
Um estudo da OCDE, Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico que
reúne países desenvolvidos, elencou após exaustiva pesquisa o que seriam as competências
executivas essenciais da lideranças. Elas podem sugerir a base dos programas de formação e
capacitação no setor público. Estão listadas a seuir.
Conduzir a mudança
Aprendizagem contínua - Compreende a essência das novas informações; domina os novos
conhecimentos técnicos e de negócios; reconhece os próprios pontos fortes e fracos; busca
o auto-desenvolvimento; procura obter feedback das pessoas e aproveita as oportunidades
para adquirir novos conhecimentos.
Criatividade e inovação - Considera as situações sob um novo ângulo e aplica soluções
inovadoras para aperfeiçoar a organização; cria um ambiente de trabalho que estimula a
reflexão criativa e a inovação; concebe e implementa novos programas/processos de ponta.
Consciência do mundo exterior - Identifica e mantém-se atualizado acerca das principais
políticas e tendências econômicas, políticas e sociais, nacionais e internacionais, que afetem
as organizações. Compreende planos de curto e longo prazo e determina como estar melhor
posicionado para adquirir uma vantagem competitiva na economia mundial.
Flexibilidade - Sempre aberto a mudanças e a novas informações: adapta seu
comportamento e seus métodos de trabalho em função das informações ou situações novas,
ou de obstáculos imprevistos. Ajusta-se rapidamente a novas situações que demandem
atenção e resolução.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 120
Capacidade de adaptação - Suporta efetivamente a pressão; não se deixa abater e mantém-
se otimista e persistente, mesmo em situações adversas. Recupera-se rapidamente dos
reveses. Equilibra efetivamente a vida privada e profissional.
Motivação para o trabalho - Cria e sustenta uma cultura organizacional que encoraja os
outros a proverem a qualidade de serviço essencial para um alto desempenho. Permite aos
outros adquirirem as ferramentas e o suporte de que necessitam para trabalharem bem.
Demonstra comprometimento com o serviço público. Influencia os outros para que
demonstrem senso de serviço e o desejo de contribuir eficazmente para o cumprimento das
missões.
Reflexão estratégica - Formula estratégias eficazes e consistentes com os negócios e a
estratégia competitiva da organização em uma economia global. Examina questões afetas a
políticas e ao planejamento estratégico, com uma perspectiva de longo prazo. Determina os
objetivos e estabelece prioridades; prevê ameaças potenciais ou oportunidades.
Visão - Demonstra uma visão de longo prazo e age como elemento catalisador para a
mudança organizacional; faz surgir uma visão compartilhada entre sua equipe. Persuade os
outros a traduzirem sua visão em ação.
Conduzir as pessoas
Gestão de conflitos - Identifica e adota as medidas necessárias para evitar confrontos
indesejáveis. Gerencia e soluciona conflitos e desacordos de modo positivo e construtivo, a
fim de reduzir ao mínimo seu impacto negativo.
Consciência cultural - Inicia e gerencia intercâmbios culturais em benefício da organização.
Valoriza a diversidade cultural e outras diferenças individuais na força de trabalho. Assegura
que a organização se beneficie com essas diferenças e que os funcionários sejam tratados de
modo justo e eqüitativo.
Integridade/Honestidade - Instaura a confiança mútua; fomenta uma cultura que estimule
os altos padrões éticos; comporta-se de modo justo e ético com os outros, e demonstra um
senso de responsabilidade corporativa e de comprometimento com o serviço público.
Capacidade de constituir equipes - Inspira, motiva e orienta os outros para o cumprimento
dos objetivos. Desenvolve e mantém de modo consistente relações de trabalho
cooperativas. Encoraja e facilita a cooperação no âmbito da organização e com grupos de
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 121
clientes; fomenta o engajamento, o espírito de equipe, o orgulho, a confiança. Desenvolve a
capacidade de liderança de outras pessoas por meio do aconselhamento,
da tutoria, de recompensas e da orientação de seus funcionários.
Buscar os relutados
Prestação de contas - garante que controles efetivos sejam desenvolvidos e mantidos, de
modo a assegurar a integridade da organização. Assegura sua própria responsabilização e a
dos outros membros da equipe pelas regras e atribuições. Assegura que os projetos em
áreas de responsabilidade específicas sejam concluídos na data esperada e dentro dos
limites orçamentários. Monitora e avalia planos; privilegia os resultados e a mensuração de
sua consecução.
Foco no cliente - Equilibra os interesses de uma variedade de clientes; reajusta prontamente
as prioridades para responder a demandas prementes e mutáveis de seus clientes. Prevê e
satisfaz as necessidades de seus clientes; oferece produtos finais de qualidade; mostra-se
comprometido com o aperfeiçoamento contínuo dos serviços.
Capacidade de tomada de decisão - Exercita uma boa capacidade de julgamento, ao tomar
decisões judiciosas e bem informadas, percebe o impacto e as implicações das decisões;
toma decisões efetivas e convenientes, mesmo quando os dados disponíveis são limitados
ou as soluções produzem conseqüências indesejáveis; demonstra ser pró-ativo e orientado
para realizações.
Espírito empreendedor - Identifica oportunidades a serem desenvolvidas e novos produtos e
serviços no âmbito ou fora da organização. Mostra-se pronto a assumir riscos; empreende
ações que envolvam um risco calculado a fim de alcançar uma vantagem ou benefício
reconhecido.
Capacidade de solucionar problemas - Identifica e analisa os problemas; distingue entre
informações relevantes e irrelevantes para tomar decisões lógicas; fornece soluções para
problemas individuais e organizacionais.
Credibilidade técnica - Compreende e aplica apropriadamente os procedimentos,
exigências, regulamentos e políticas relacionadas com conhecimentos especializados. É
capaz de tomar decisões judiciosas em matéria de recrutamento e de recursos materiais
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 122
para responder às necessidades de formação e desenvolvimento. Compreende as relações
entre competências administrativas e necessidades das missões.
Perspicácia
Gestão financeira - Demonstra uma compreensão ampla acerca dos princípios de gestão
financeira, além do conhecimento de técnicas comerciais necessário para assegurar níveis de
financiamento apropriados. Prepara, justifica e/ou administra o orçamento em seu domínio
programático; estabelece suas prioridades mediante considerações de custo/benefício;
monitora as despesas relacionadas à execução dos programas e políticas. Identifica
abordagens que permitam uma relação custo/ benefício adequada. Gerencia as compras e
os contratos.
Gestão de recursos humanos - Avalia as necessidades correntes e futuras de recursos
humanos com base nos objetivos organizacionais e na realidade orçamentária. Lançando
mão dos princípios de mérito, assegura que os membros da equipe sejam adequadamente
selecionados, formados, utilizados, avaliados e recompensados; adota as medidas corretivas
necessárias.
Gestão de tecnologia - Lança mão de soluções eficientes e dotadas da adequada relação
custo/benefício, a fim de integrar a tecnologia ao ambiente de trabalho, e aperfeiçoa a
eficácia dos programas. Desenvolve estratégias fazendo uso de novas tecnologias que
propiciem a tomada de decisões. Compreende o impacto exercido por mudanças
tecnológicas na organização.
Fomentar coalizões e comunicação
Capacidade de influenciar/negociar - É capaz de persuadir as outras pessoas; estabelece o
consenso por meio de concessões mútuas; conquista a cooperação de outras pessoas para
obter informações e cumprir seus objetivos; facilita situações em que todos ganham.
Habilidades inter-pessoais - Considera e responde apropriadamente às necessidades,
sentimentos e capacidades de diferentes pessoas, em diferentes situações; é dotado de tato,
compreensão e sensibilidade, e trata os outros com respeito.
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Comunicação oral - Profere apresentações orais claras e convincentes para indivíduos ou
grupos; escuta efetivamente e esclarece informações sempre que necessário; facilita um
intercâmbio produtivo de idéias e fomenta uma atmosfera aberta de comunicação.
Parcerias - Desenvolve redes de comunicação e constitui alianças, participa de atividades
trans-funcionais; colabora com agentes externos, e encontra pontos em comum com uma
gama crescente de interlocutores. Utiliza os contatos para edificar e fortalecer bases de
apoio internas.
Refinamento político - Identifica as políticas internas e externas que podem exercer impacto
sobre o trabalho da organização. Aborda cada situação problemática com uma percepção
precisa da realidade organizacional e política; mostra-se consciente do impacto de
diferentes modos de ação possíveis.
Comunicação escrita - Expressa fatos e idéias por escrito de forma clara, convincente e
organizada.
O comportamento na organização
Entender o comportamento da organização é hoje um grande desafio e um grande
problemas na vida das empresas, sejam elas públicas ou privadas. Simplesmente porque a
quantidade de fatores que influenciam as atitudes das pessoas é tão grande, variada e
imprevisível que o trabalho de gestão motivacional se tornou, em parte, um exercício de
tentativa e erro.
A palavra motivação vem do latim “motivus” e “movere”, que significa um deslocamento,
uma movimentação. Daí que a motivação pode ser entendida com a força e o impulso, o
empurrão, que nos faz movimentar, que nos desloca de uma posição para outra.
Há várias teorias e modelos que tentam explicar porque as pessoas se motivam ou perdem
motivação numa organização. Uma abordagem já bem conhecida é aquela do psicólogo
Abraham Maslow. Ele criou a conhecida “hierarquia de necessidades” também chamada de
“pirâmide de Maslow”. Ela tem uma lógica biológica ou natural. A motivação segue uma
linha crescente de realização ou plenitude. Tudo começa com a satisfação das necessidades
fisiológicas, como a alimentação e o abrigo. O segundo passo é a segurança e a busca de
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proteção. O terceiro são necessidades sociais como a participação e a aceitação dentro do
grupo. O quarto degrau são as necessidades de estima, de reconhecimento, aprovação,
status e prestigio.
Por fim o quinto e último grau de motivação é dado pela necessidade de satisfação da auto-
realização. Maslow não explica bem o que vem a ser isso, mas podemos entender como a
realização do potencial de auto-desenvolvimento continuo do ser humano. Diferentes
pessoas podem se sentir motivadas em diferentes degraus da pirâmide, não é
necessariamente um caminho de passagem obrigatória para todos.
Outras abordagens diferentes do enfoque estático de Maslow, identificam a motivação
como resultado de um ciclo de equilíbrio dinâmico. Em momentos alternados e repetitivos o
ser humano apresenta novas necessidades que podem ser individuais ou sociais, estas novas
demandas rompem uma situação de equilíbrio, surge uma fase de conflito e tensão. Quando
a tensão é superada surge uma nova fase de satisfação e equilíbrio e assim por diante. Não
haveria assim, uma pessoa que estivesse permanentemente motivada ou desmotivada.
O conjunto de motivações na organização influencia e determina o clima organizacional, um
dos temas mais controvertidos para uma gestão inovadora. O clima emocional, afetivo ou
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comportamental numa organização reflete a tendência que nós seres humanos temos de
permanente ajustamento às circunstâncias, aos ambientes e aos outros. Este movimento de
ajuste contínuo em um propósito claro: precisamos manter sempre um equilíbrio emocional.
Isto implica num conjunto de sentimentos: sentido de pertencimento, reconhecimento
social, valorização, auto imagem e auto realização. Quando estas necessidades são
frustradas, não são superadas, nem compensadas, surge a desmotivação e a deterioração do
clima organizacional.
Contudo gerenciar uma organização, pública ou privada, de modo a fazer com que as
pessoas sempre estejam bem consigo mesmas, sintam-se bem em relação às outras pessoas
e sejam capazes de enfrentar por si mesmas os problemas da vida, não é tarefa das mais
simples e fáceis. É preciso reconhecer que todas as pessoas tem motivos ou demandas
básicas que podem ser ativados ou não de acordo com a percepção que elas tem do
ambiente em que vivem e trabalham.
Por exemplo, se tenho uma inclinação para o trabalho em grupo e formas cooperativas de
relacionamento, uma organização rigidamente hierárquica e verticalizada provavelmente
resultará numa desmotivação neste aspecto particular. Este efeito desmotivante pode ser
compensando por uma outra motivação, por exemplo, uma remuneração superior às
expectativas, ou não. É deste balanço de fatores que depende a motivação de cada um, e o
clima organizacional é o resultante do balanço de “climas” de cada funcionário. É claro que
quanto maior a posição de autoridade e poder na organização, maior será a influência no
clima como um todo.
Podemos ver que a motivação individual influencia o clima organizacional e o clima por sua
vez influencia a motivação de cada um, numa relação de dependência mútua. Um psicólogo
norte americano, chamado Frederick Herzberg classificou os princípios motivacionais em
duas partes. Primeiro há os fatores higiênicos ou extrínsecos, que são fatores do meio
ambiente, tais como os salários, o relacionamento com os funcionários, as diretrizes da
organização, as condições físicas, etc. Tradicionalmente só estas variáveis eram
consideradas, o trabalho em si era considerado uma atividade desagradável, penosa.
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Os funcionários só seriam motivados por prêmios e supervisão constante e a ameaça de
punição. Herzberg demonstrou que estes fatores apenas evitam a insatisfação. Eles não são
capazes de manter a motivação por muito tempo. Devemos considerá-los como fatores
“mínimos” ou “básicos” que devem ser mantidos para evitar uma deterioração do clima
organizacional.
Uma outra escola muito conhecida, chamada de “comportamentalista”, ou como diz seu
termo em inglês “behaviorista”, foi construída quase que totalmente sobre esta noção: de
que o comportamento humano pode ser modificado por técnicas de condicionamento. Eles
imaginaram um conjunto de mecanismos de estímulo e resposta das pessoas ao longo do
tempo que vão moldando (ou condicionando) seu padrão comportamental. Podemos ver
que estas práticas ainda são muito utilizadas nas empresas privadas, como exemplo, o bônus
salarial.
O comportamentalismo é importante para explicar a motivação, mas insuficiente se
quisermos entendê-la no longo prazo. Um pensador famoso neste foi Skinner. Ele criou a
idéia de que o comportamento pode ser condicionado através de ações de reforço. O
reforço positivo é todo estímulo que mantém uma conduta. Diferente do mero reflexo
condicionado o condicionamento operante seria o resultado da aprendizagem pela repetição
de reforços. O reforço negativo não seria uma punição, mas a remoção de um estimulo que
bloqueia ou impede uma conduta.
A outra parte de fatores motivacionais, Herzberg chamou-os de “fatores intrínsecos” ou
simplesmente “fatores motivacionais”. Estas variáveis estão sob controle do indivíduo pois
estão relacionadas com seu desempenho, com sua performance. Envolvem sentimentos de
crescimento individual, de reconhecimento profissional e auto-realização e dependem quase
que exclusivamente de minha própria vontade e disposição. Herzberg propôs que os
empregadores tivessem uma política de constante desafio e enriquecimento das tarefas
profissionais dos funcionários.
A criatividade e a inovação seriam os remédios para combater a apatia e a indiferença. Uma
série de mecanismos poderiam operar aqui: ampliar a delegação de responsabilidades,
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aumentar a autonomia e a liberdade individuais, estimular o trabalho em equipe,
mecanismos de participação, novas metas e objetivos, etc. A satisfação com o cargo
resultaria em motivação no trabalho.
O oposto de satisfação não seria a insatisfação, mas a não-satisfação, ou seja, os fatores que
provocam a satisfação não se relacionam com os fatores que impedem que ela ocorra. Por
exemplo, tem pouco efeito aumentar a remuneração se o trabalho é rotineiro, repetitivo e
não representa desafio algum. No longo prazo ocorre a desmotivação.
Neste sentido Maslow e Herzberg são compatíveis, pois ambos argumentam que existe uma
lógica, uma maneira melhor de motivar as pessoas, seja por meio do reconhecimento da
“pirâmide” de necessidades humanas, seja através da aplicação de fatores motivacionais e
enriquecimento do cargo, das tarefas e do trabalho. Outros autores como Victor Vroom
imaginaram que a motivação das equipes está ligada a uma avaliação de custo/beneficio, ou
como ele chamou, a uma relação entre objetivos e fins. Para Vroom os indivíduos são
orientados por objetivos pessoais (dinheiro ou segurança), para uma relação percebida entre
satisfação dos objetivos e uma alta produtividade (sua produtividade ajusta-se as
expectativas do grupo em que está) e finalmente, para uma percepção de sua própria
capacidade em influenciar a produtividade (seu empenho será regulado pelo resultado
esperado).
Ele chegou até a fazer uma escala numérica para graduar esta relação entre a percepção do
indivíduo sobre o que a organização espera de seu desempenho e o resultado final do seu
trabalho.
Há ainda muitas explicações para a motivação no trabalho. Algumas teorias enfatizam a
equidade. Se os funcionários perceberem uma relação entre resultados e o que eles
contribuem para sua formação, então estarão motivados. Mas as recompensas devem ser
equânimes entre os empregados, uma disparidade pode gerar desmotivação. Outras
abordagens centram a explicação na expectativa individual. Independente dos fatores
envolvidos (se intrínsecos ou extrínsecos), se o funcionário tiver sua expectativa atendida na
relação desempenho-recompensa e recompensa-metas pessoais, então ele estará motivado.
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Não importando se suas expectativas são altas ou baixas em relação ao seus pares ou a
padrões socialmente aceitos. As expectativas, por sua vez dependem de uma infinidade de
questões, do ciclo de vida, da personalidade, etc.
É importante perceber que há fatores que mantém um bom clima organizacional, como as
condições de trabalho e os fatores relacionados à remuneração. Mas estes fatores não são
capazes de empurrar a motivação para cima. Aqui entram outros fatores mais sutis e
complexos, como a criativiade, a auto-realização e o sentir-se parte de um projeto e de um
ideal que transcende a simples rotina do dia-a-dia. Devemos lembrar que fatores
motivacionais mudam com o tempo, o que motiva hoje, pode não motivar amanhã. Eles
também mudam de acordo com cada personalidade, o que motiva um, pode não motivar o
outro, mesmo fazendo parte da mesma equipe. O que importa é que o trabalho faça sentido
para o trabalhador, que ele se reconheça no produto ou serviço que cria, produz e mantém
para a sociedade.
A cultura organizacional
Um fator intimamente ligado ao clima nas organizações e o tema da cultura organizacional.
Este assunto foi muito valorizado nos anos setenta e oitenta para tentar explicar porque o
Japão, um país pequeno, quase sem recursos naturais e derrotado na última grande guerra,
se tornou uma potência mundial. A cultura depende de muitas variáveis: a história da
organização, os pontos marcantes de sua trajetória, como são socializados os novos
membros, as políticas de recursos humanos, o processo de comunicação e de trabalho, etc.
A cultura, no fundo é o padrão de desenvolvimento que se reflete nos valores, na ideologia,
nos ritos e na auto-imagem da organização. Podemos inclusive adotar metáforas para
entender a cultura. Um pesquisador, chamado Morgan, por exemplo, utilizou este recurso
para entender a cultura organizacional. Haveria organizações como máquinas, como
organismos, como cérebros, como sistemas políticos, por exemplo. Cada uma com
caracterísiticas e ritmos próprios.
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A cultura organizacional seria um sistema simbólico, como é a arte, os mitos ou a linguagem.
É um grande e complexo instrumento de comunicação entre pessoas e grupos que permite a
elaboração de consensos, o nivelamento de expectativas e a homogeneização de valores.
Neste sentido a cultura de uma empresa, organização ou departamento é um poderoso fator
de legitimação da ordem vigente. Não é por outra razão que as mudanças culturais são as
mais prolongadas e difíceis, embora não impossíveis, como demonstram os casos de várias
organizações publicas e privadas.
A cultura organizacional manifesta-se em três níveis:
Artefatos:
• Estruturas e processos organizacionais visíveis, mais fáceis de decifrar e de mudar.
• São todas aquelas coisas que, no seu conjunto, definem uma cultura e revelam como
a cultura dá atenção a elas.
• Fazem parte do primeiro nível da cultura, o mais superficial, visível e perceptível.
• É tudo aquilo que cada pessoa vê, ouve e sente quando se depara com uma
organização.
• São compostos por produtos, serviços e padrões de comportamento dos membros de
uma organização.
Valores Compartilhados:
• São também chamados de valores casados.
• Filosofias, estratégias e objetivos (justificativas aceitas por todos os membros).
• Focaliza a maneira como as situações são tratadas e os problemas são enfrentados na
organização.
• São os valores relevantes que se tornam importantes para as pessoas e que definem
as razões pelas quais elas fazem o que fazem.
• Funcionam como justificativas aceitas por todos os membros.
Pressuposições Básicas:
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• São também chamadas de certezas tácitas compartilhadas.
• Crenças inconscientes, percepções, pensamentos e sentimentos.
• Constituem o terceiro nível, o mais íntimo, profundo e oculto.
• A cultura prescreve a maneira certa de fazer as coisas na organização, muitas vezes,
por meio de pressuposições não-escritas e nem sequer faladas.
A cultura na organização não deve, entretanto, ser concebida com um molde que produz
condutas e comportamento sempre idênticos e uniformes. Devemos entender os processos
culturais como um conjunto de regras do jogo. Estas regras permite que as pessoas atribuam
significados às ações e eventos, em função dos quais infinitas partidas são jogadas.
A cultura é então um sistema de conhecimentos e crenças compartilhadas. Mas também é o
conjunto de signos, de símbolos. Neste sentido os fundadores da organização, aqueles que a
conceberam e a desenvolveram no início tem um papel-chave na explicação dos valores
culturais.
A cultura pode ser vista também como um sistema de valores compartilhados pelos
membros, que diferencia a organização. Ele seria formado por um conjunto de
características-chave que a organização valoriza, que capturam sua essência e natureza mais
profunda. Para Robbins estes fatores seriam:
• Inovação e assunção de riscos: o grau em que os funcionários são estimulados a
inovar e a assumir riscos.
• Atenção aos detalhes: o grau em que se espera que os funcionários demonstrem
precisão, análise e atenção aos detalhes.
• Orientação para os resultados: o grau em que os dirigentes focam mais nos
resultados do que as técnicas e os processos empregados para o seu alcance.
• Orientação para as pessoas: o grau em que as decisões dos dirigentes levam em
consideração o efeito dos resultados sobre as pessoas dentro da organização.
• Orientação para a equipe: o grau em que as atividades de trabalho são mais
organizadas em termos de equipes do que de indivíduos.
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• Agressividade: o grau em que as pessoas são competitivas e agressivas, em vez de
dóceis e acomodadas.
• Estabilidade: o grau em que as atividades organizacionais enfatizam a manutenção
do status quo em contraste com o crescimento.
Outra forma de entender a cultura organizacional é uma classificação pela natureza dos
fatores que a determinam. Os componentes da cultura organizacional distribuem-se em
níveis conforme sua visibilidade. São eles:
• Nível Externo: Artefatos, Linguagem, Hábitos. Os artefatos constituem os
componentes mais visíveis de uma cultura organizacional. Compreendem a
arquitetura, os veículos, as roupas, os produtos que as pessoas usam. São as
estruturas e processos organizacionais visíveis, mais fáceis de decifrar e de mudar
(arquitetura da organização). São todas aquelas coisas que, no seu conjunto, definem
uma cultura e revelam como a cultura dá atenção a elas. Fazem parte do primeiro
nível da cultura, o mais externo, visível e perceptível. É tudo aquilo que cada pessoa
vê, ouve e sente quando se depara com uma organização. São compostos por
produtos, serviços e padrões de comportamento dos membros de uma organização.
• Nível Intermediário: Histórias, Mitos, Heróis. São também chamados de valores
casados ou compartilhados, abrangendo filosofias, estratégias e objetivos
(justificativas aceitas por todos os membros). Focaliza a maneira como as situações
são tratadas e os problemas são enfrentados na organização. São os valores
relevantes que se tornam importantes para as pessoas e que definem as razões pelas
quais elas fazem o que fazem. Funcionam como justificativas aceitas por todos os
membros.
• Nível Interno: Valores, Crenças e Premissas. São também chamadas de certezas
tácitas compartilhadas ou pressuposições básicas. Exemplos: crenças inconscientes,
percepções, pensamentos e sentimentos. Constituem o terceiro nível, o mais íntimo,
profundo e oculto. A cultura prescreve a maneira certa de fazer as coisas na
organização, muitas vezes, por meio de pressuposições não-escritas e nem sequer
faladas.
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Uma cultura forte e bem estruturada é um desafio para a gestão inovadora. Mas em alguns
casos ela pode tornar-se fonte de problemas. Uma cultura que não é permeável ao contato
com outras organizações pode criar dificuldades para a tolerância e aceitação de valores
diferentes. Se ela não for flexível, haverá sempre muita dificuldade e stress para a mudança
que é sempre necessária. Muitas vezes as culturas se fecham sobre si mesmas, não é
incomum no nosso dia a dia entrarmos em contato com pessoas que usam jargões técnicos e
palavras cifradas, os códigos de linguagem são elementos essenciais das culturas. Porém,
seu uso pode denotar arrogância, sentimento de superioridade e prejudicar a interação com
outras organizações.
A cultura no setor publico varia de órgão para órgão, mas em geral é marcada pela
burocracia, pelo autoritarismo centralizador, pelo clientelismo e paternalismo e pela
descontinuidade administrativa e pela baixa legitimidade da ingerência política. Estas
características influenciam o modo como o setor público produz – ou não – os resultados.
Neste ambiente os funcionários são vistos como aéticos e apáticos, precisando de controle a
priori, de forma permanente.
Na cultura gerencial os funcionários ganham mais autonomia e a liberdade de ação. Os
controles focam os processos a partir dos resultados produzidos. Entretanto a gestão da
mudança organizacional não é simples. Nas primeiras escolas de administração a gestão da
mudança da cultura organizacional era mecânica, voltada para a eficiência dos projetos. A
mudança organizacional é tão complexa que há vários modelos explicativos para sua análise
e compreensão.
O primeiro modelo é o de Lewin, conhecido como “modelo das três etapas”. A primeira
etapa é chamada de “descongelamento” do status quo. Neste estado há um equilíbrio que
só é afetado quando surgem pressões dos indivíduos que geram uma desconformidade com
os processos culturais e organizacionais. O segundo passo ou momento é o movimento de
estabilização numa nova condição e o terceiro o recongelamento da mudança e a retomada
de sua posição estável. A mudança é vista como um ciclo, onde combinam-se forças
restritivas e impulsoras num jogo sem fim.
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Um outro autor, Kotter, desdobrou estes três passos em oito etapas para a mudança
organizacional. Seriam eles:
1) Estabelecer um senso de urgência para gerar uma razão motivadora pela qual a
mudança seria necessária.
2) Formar uma coalizão com força suficiente para liderar a mudança.
3) Criar uma nova visão para direcionar a mudança e de estratégias para que ela seja
conquistada.
4) Comunicar a visão em toda a organização.
5) Dar autonomia aos outros para a busca da visão, removendo barreiras e encorajando
as pessoas a assumir riscos e soluções criativas para os problemas.
6) Criar, planejar e recompensar metas de curto prazo que encaminhem a organização
para a nova visão.
7) Consolidar as melhorias, reavaliar as mudanças e fazer os ajustes necessários nos
novos programas.
8) Reforçar as mudanças por meio da demonstração do relacionamento entre os novos
comportamentos e o sucesso da organização.
O planejamento da mudança implicaria em um roteiro que inicia com o diagnóstico da
organização onde são levantadas informações sobre os problemas, preocupações e
necessidades. Em seguida uma análise das informações identifica as ações possíveis. Depois
um processo de feedback com os funcionários compartilha as informações e possíveis cursos
de ação. Há finalmente o momento da ação que se traduz em planos específicos para a
mudança e por fim uma avaliação da eficácia encerra o roteiro.
Trabalhando em Equipes
Um dos aspectos mais distintivos da gestão inovadora de pessoas é o trabalho em equipe.
Com diferentes nomes... times, equipes, comitês ou comissões, não há mais espaço para o
trabalho solitário e individualista. A própria natureza coletiva das equipes parece ser uma
condição necessária para que as qualidades individuais possam se desenvolver na sua
plenitude.
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Os grupos de trabalho se constituem de padrões complexos de relações que são dinâmicas,
entre os seus membros e que tem sempre um propósito em comum. Os grupos criam
identidades, uma auto-imagem que lhes dá coerência interna e consistência, diante de si
mesmos e de outros grupos, dentro e fora da organização. A estabilidade do grupo depende
de quanto suas regras de funcionamento e sua cultura interna conseguem garantir o
equilíbrio frente as mudanças, internas e externas.
Muitos autores diferenciam grupos de equipes. Grupos são pessoas que por algum motivo
externo estão temporariamente juntas. Pode ser um departamento dentro da organização.
Nos grupos o esforço individual é determinante. Já nos grupos o esforço individual só tem
sentido no contexto do esforço coletivo. O Grupo tem objetivos comuns e dura enquanto
estes objetivos durarem.
A responsabilidade é outra diferença entre grupos e equipes. Nos grupos ao contrário das
equipes, a responsabilidade individual só tem sentido e se completa na responsabilidade do
grupo, se o grupo vence, todos vencem. Assim, o esforço do gestor inovador é o de
transformar os grupos em verdadeiras equipes ou times orientados para os resultados
desejados.
Os grupos podem ter natureza diversa, conforme sua missão, seus objetivos, tempo de
duração e lugar na organização. Podem assumir desde a configuração de uma força-tarefa
para enfrentar e resolver um problema temporário. Até o aspecto de um grupo
interdepartamental para gerenciar uma rotina ou um conjunto de tarefas de maior
amplitude e escala.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 135
Os grupos passam por fases ou ciclos de início, consolidação, desenvolvimento, maturidade,
declínio e encerramento. Há várias abordagens sobre o ciclo de vida dos grupos, mas em
quase todas elas vemos as seguintes fases:
• Formação: é o encontro inicial de individualidades e a negociação para formação de
uma identidade grupal, é o reconhecimento mútuo e implica sempre em muita
incerteza e identificação de divergências e convergências;
• Conflito: é a fase dos ajustes individuais ao perfil do grupo e da consolidação de uma
identidade coletiva. Surgem as lideranças e as negociações podem ser cooperativas
ou conflitivas dentro do grupo e com outros grupos;
• Normatização: negociados os conflitos, são criadas regras de funcionamento e
solução de controvérsias, as informações circulam melhor, o conflito diminui;
• Maturidade: é o auge da produtividade e do desempenho, é o pico de entrosamento
interno e obtenção de satisfação e auto-realização;
• Encerramento: os objetivos são atingidos ou algum fator interno ou externo bloqueia
de forma permanente seu alcance. O grupo perde sentido e a identidade se
fragmenta, os conflitos reaparecem. O grupo só sobrevive se tiver capacidade de
recriar sua identidade e se relocalizar no mapa de poder da organização.
É evidente que estes passos não são lineares, os grupos reais vão e voltam nestes passos,
tomam atalhos e muitos mesmos podem desaparecer antes de atingir sua plenitude. As
competências gerenciais mais valorizadas para o trabalho em equipes são a capacidade de
negociação, construção de consensos e liderança coletiva. Um dos elementos essenciais à
vida dos grupos é a comunicação. É por isso que as habilidades de comunicar, de se fazer
entender e de escutar são tão importantes. A capacidade de escuta é sobretudo um traço do
líder. Liderar é saber escutar a equipe.
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As estruturas organizacionais
Uma organização sempre tem estruturas formais e estruturas informais. A estrutura
informal é composta pela rede de relações sociais e pessoais derivadas da estrutura formal.
Ela surge da interação normal das pessoas que surge no dia a dia da organização, com o
contato entre as pessoas. A estrutura formal, por sua vez é aquela que é intencionalmente
planejada e concebida, ela é materializada no organograma.
Na estrutura informal é o ambiente onde surgem e desaparecem líderes e equipes de
trabalho.
Muitas vezes estas relações são mais importantes do que o próprio organograma,
especialmente quando os projetos ou ações continuadas das organizações tiverem um
caráter transversal ou interdepartamental. O grande desafio é a integração das duas
estruturas e harmonização de seu funcionamento.
Uma estrutura organizacional é o conjunto ordenado de responsabilidades, autoridades,
comunicações e decisões das unidades organizacionais. Esta definição vale tanto para uma
empresa quanto para uma organização pública. Nas estruturas os organogramas devem
representar sempre os órgãos componentes, as funções desenvolvidas pelos órgãos, as
vinculações e interdependências entres eles e os vários níveis administrativos e hierárquicos
existentes.
Toda estrutura tem um sistema de responsabilidade definido. Este sistema é o resultado da
alocação de atividades e é constituído pelos diversos departamentos, pelas ações de linha,
isto é, da atividade fim e por funções especializadas. O sistema de autoridade,por sua vez é o
resultado direto da distribuição formal e informal do poder interno na organização.
É determinado por vários fatores, entre os quais a amplitude administrativa, os níveis
hierárquicos e o sistema interno de delegação e descentralização de funções e tarefas. Por
fim um terceiro componente básico da organização seria seu sistema de comunicações, que
resulta da interação entre as diversas unidades organizacionais.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 137
O sistema de responsabilidade, de autoridade e de comunicações devem funcionar de forma
balanceada e harmônica. Qualquer disfunção entre eles provoca certas patologias
organizacionais. Por exemplo, uma organização cujo sistema de responsabilidade não defina
claramente as funções de cada departamento e a relação entre eles certamente terá
problemas de gestão, ainda que a amplitude administrativa e as comunicações estejam
funcionando conforme as expectativas.
Responsabilidade
• Obrigação de uma pessoa fazer algo para alguém;
• Necessidade de prestação de contas pelo trabalho realizado;
• Quanto maior a demanda de prestação de contas, maior será a quantidade de
autoridade delegada.
Autoridade
• O direito de fazer alguma coisa;
• Uma ordem, uma referência, um direito, pode ser qualquer coisa que exerce
influência;
• Varia conforme o nível hierárquico.
Comunicação
• Rede por onde fluem as informações e o conhecimento;
• Pode ser formal se planejada, ou informal se expontânea;
• O fluxo informal pode ser negativo ou positivo para a organização.
Há vários fatores que condicionam o funcionamento da estrutura organizacional. O primeiro
e talvez o mais importante deles seja o fator humano, as pessoas. As organizações devem se
moldar ao tipo de pessoas necessárias para produzir os resultados desejados. Por exemplo,
os sentidos de hierarquia e comando são necessariamente diferentes numa organização
policial se comparada a uma organização de ensino e pesquisa. Nesta última a forte
hierarquia pode estimular um ambiente de baixa inovação e criatividade, necessário ao
ambiente de pesquisa.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 138
O ambiente externo certamente é outro fator importante. Nenhuma organização vive
isolada, sobretudo uma organização pública cuja essência é servir ao público, aos cidadãos.
O próprio sistema de objetivos e estratégias influencia a organização. Metas ambiciosas
exigem organizações eficazes, objetivos complexos exigem organizações complexas. A
organização tem que estar a serviço dos objetivos, e não o contrário. No setor público a
inércia e a resistência para mudar as organizações é muito maior que no setor privado.
Uma série de amarras legais e institucionais, por exemplo, que servem como proteção do
cidadão contra eventuais usos clientelistas do governo, também criam um efeito colateral de
maior rigidez administrativa.
Há vários tipos de estruturas organizacionais. A estrutura linear ou militar do tipo “linha” é
conhecida desde os tempos antigos. Graficamente podemos dizer que é uma estrutura do
tipo “pirâmide”. Há um comando único e centralizado no topo e escalões hierárquicos de
controle até a base. É um tipo de organização que funciona bem para objetivos simples e
pouco complexos. A tendência à burocracia é grande porque não há comunicação
horizontal, todos se comunicam somente através de uma chefia superior do mesmo nível.
A seguir um exemplo de estrutura linear, onde o eixo organizador é o foco em produtos.
Cada funcionário recebe ordens de um só chefe e se reporta somente a ele. Pela facilidade
de transmissão de ordens e comandos é o tipo de organização comum nas forças militares e
policiais, a disciplina é fácil de manter. O problema destas organizações é sua dependência
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 139
de um chefe que deve ser excepcional e saber de tudo. Se ele falha, a organização inteira
falha.
Além disso, é uma organização que não estimula a especialização de seus membros, muito
menos a cooperação entre eles. Apesar de pouco utilizada hoje em dia, ainda vemos nesta
ou naquela organização publica, estruturas como estas, ilustradas no diagrama seguinte.
Uma organização de linha é baseada em departamentos. Os departamentos nada mais são
que formas de aglutinar, de homogeneizar as atividades, agrupando seus componentes em
unidades que podem ser chamadas de departamento de uma forma genérica, mas os
princípios também valem para supervisões, divisões, setores ou outros nomes que possam
surgir. Normalmente os departamentos são organizados por função, por produtos ou
serviços, por localização geográfica ou por processos, situação mais difícil de encontrar.
A organização linear é a forma por excelência da organização do tipo pirâmide, que
concentra responsabilidades e decisões no topo.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 140
Quando a organização aumenta suas competências ou amplia sua missão institucional pode
ocorrer o chamado “processo funcional”. Ou seja, uma expansão horizontal de
departamentos, cada um com funções e tarefas diferenciadas e com o mesmo nível
hierárquico. Quando há um desdobramento de graus de autoridade e responsabilidade
ocorre uma especialização vertical, o organograma cresce para cima, ou para baixo.
Normalmente a especialização vertical e horizontal andam juntas. O tamanho do
organograma de uma organização depende do tamanho da própria organização e da
complexidade dos resultados que ela deve produzir. A departamentalização funcional, a que
predomina, é mais indicada quando as funções da organização mudam muito pouco e suas
tarefas são continuadas e repetitivas. É a mais utilizada no setor público. Quando os
departamentos são organizados por produto ou serviço, há uma facilitação da coordenação
interna e do processo de cooperação entre especialistas.
Conforme a figura seguinte ilustra, na base da organização há um intenso fluxo de
informação e compartilhamento de responsabilidades.
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Um outro tipo de organização é aquela que se forma através de uma combinação da
organização de linha com um staff. Mantem-se a linha de comando e controle, mas cada
órgão em seu nível recebe a assessoria horizontal de um grupo, chamado de staff.
Geralmente estes órgãos de assessoria prestam informação especializada, ajudam no
processo decisório e fazem o planejamento e gestão das determinações superiores.
É um tipo de organização que separa os órgãos operacionais dos órgãos executivos. É um
desenho muito mais flexível que o anterior, permitindo a especialização de funções e a
colaboração entre equipes de assessoria. É mais eficaz porque dilui mais a responsabilidade
do chefe e qualifica o processo de decisão. A seguir um exemplo de estrutura com seus
diversos staffs ou assessorias.
Entretanto ela proporciona uma certa tensão entre o staff e os chefes de linha porque há
uma ampla zona cinzenta entre eles, onde os papéis acabam se misturando no dia a dia. Em
muitos contextos o staff tende a substituir a autoridade do chefe, por isso este tipo de
organização demanda uma constante coordenação e comunicação interna. Este tipo de
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 142
organização é amplamente aplicada tanto no mundo corporativo, quando no setor público.
Talvez seja o modelo dominante.
O quadro a seguir ilustra algumas das principais diferenças entre “staff” e linha.
Uma variação da organização do tipo staff-linha é aquela cuja estrutura de direção é baseada
em um colegiado dirigente. Geralmente é a estrutura de empresas de grande porte, pouco
comum na área pública, exceto nas grandes empresas públicas que tem conselhos
deliberativos.
Neste modelo a decisão é colegiada, isto é, compartilhada por um conjunto de pessoas
hierarquicamente iguais, com mais impessoalidade. Há um estímulo claro para a formação
de um espírito de equipe, ainda que ocorra um fracionamento da responsabilidade e muitas
vezes um processo decisório mais lento e demorado.
Por fim há uma estrutura pouco usual, mas em ampla expansão tanto no setor público
quanto no setor privado. É a estrutura matricial. Este modelo pode ter várias configurações,
mas uma característica básica é a combinação entre a estrutura de linha com seus chefes e
departamentos verticais com processos horizontais. Estes processos podem assumir a forma
de funções, a forma de produtos específicos ou a forma de projetos.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 143
Daí a formação de uma matriz com o eixo vertical – a linha – e o eixo horizontal – os
produtos ou projetos. Os funcionários se reportam aos gerentes da linha e simultaneamente
aos gerentes do projeto ou do produto. Pode-se ver que a equipe ou o time é a principal
unidade neste modelo. O controle vertical é mínimo, o controle horizontal é máximo. É o
modelo mais flexível e adaptado para contextos de alta imprevisibilidade e competição,
onde a organização tem que adaptar rapidamente seu mix de produtos e serviços.
Uma estrutura matricial cria nós onde se encontram uma linha de comando vertical e uma
linha horizontal de projeto ou produto.
A estrutura matricial tem grandes vantagens e grandes desvantagens. Talvez o maior ganho
seja a flexibilidade, gerada pela comunicação informal constante dentro e entre as equipes.
O ambiente de sinergia e aprendizagem é alto, as competências profissionais geralmente são
maximizadas. A grande desvantagem é exatamente sua característica matricial, ou seja, a
tensão constante entre os chefes de linha, por exemplo, o setor de gestão de pessoas,
logística ou financeiro e os gerentes dos projetos. A diluição da hierarquia pode gerar
ambigüidades se não for bem coordenada.
A seguir um quadro-resumo com três tipos de estrutura, a matricial e suas variações, a
funcional e a estrutura por projetos. O quadro compara diferentes características do
gerenciamento de projetos em cada uma delas.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 144
Recentemente tem surgido um novo modelo baseado no conceito de redes. Nos serviços
públicos que são altamente descentralizados e o nível de delegação também é grande há um
conjunto de organizações trabalhando coordenadamente. Se os problemas de coordenação
e transação forem resolvidos a um baixo custo e houver claros incentivos para a cooperação
entre as partes, estas estruturas apresentam muitas vantagens. A principal delas são os
ganhos de flexibilidade e adaptabilidade.
Um debate muito comum na área de gestão é sobre qual orientação deve predominar na
arquitetura organizacional: uma estrutura orientada aos processos ou uma estrutura
orientada à funções ? O que você acha ?
A orientação para processos é uma lógica mais voltada para resultados e projetos, e menos
voltada para hierarquias e departamentos com fronteiras limitadas e funcionários
especializados. Um processo é todo conjunto de eventos que mobilizam recursos e geram
resultados. Assim teríamos o processo de gestão de pessoas, o processo de administração
financeira, o processo de compras e aquisições, etc. Mas os projetos também podem ser
considerados um conjunto harmônico e coerente de processos com início, meio e fim. Assim
tudo o que acontece na organização pode ser visto como um ou mais processos
interdependentes.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 145
É um enfoque mais orgânico, que facilita o engajamento dos funcionários nos resultados,
pois tem a visão dos processos inteiros e não mais das funções que fragmentam. Por
exemplo, ao analisar o processo de aquisições numa organização, temos várias funções no
modelo original. A função vinculada à demanda de um bem ou serviço, geralmente ligada à
área fim da organização, digamos, a compra de material cirúrgico para um hospital. Ainda
temos a função de compras ou licitações que organiza o processo de compra, a função
financeira que libera os recursos, a função de controle patrimonial e assim por diante. Numa
visão de processos teríamos somente o processo de compras e aquisições com seus vários
momentos ou fases interdependentes.
Quando debatemos estes vários modelos é importante perceber que na realidade prática
nenhum modelo acontece de forma pura, o que há são diferentes combinações. E embora
não seja fácil perceber, as organizações mudam ao longo do tempo, com ritmos diferentes,
mas nem sempre com a adequação e senso de oportunidade necessário. O mais comum é o
surgimento de novas demandas e exigências dos cidadãos, de melhoria dos serviços e
produtos prestados pelos governos, aparecerem muito antes que a estrutura organizacional
possa se adaptar para responder melhor e com menos custo.
Esta defasagem, este “gap”, entre o modelo de organização e as demandas da sociedade é
um dos maiores desafios para a gestão inovadora. Quando ele não é resolvido no setor
privado, a empresa geralmente fecha, vai à falência. É claro que os governos não “fecham”
como as empresas, mas o que acontece então ? Uma baixa de qualidade nos serviços, filas
de atendimento, produtos ruins, impostos mais altos, baixa legitimidade dos políticos e
assim por diante.
Criando organizações eficazes
Qual o modelo ideal de organização ? Que diretrizes ou princípios devem nos orientar para
desenhar a melhor organização possível ? Um professor canadense tem dado respostas
interessantes para este dilema, ele se chama Henry Mintzberg. Vamos acompanhar sua
reflexão.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 146
Primeiramente Mintzberg classifica as organizações em vários modelos diferenciados:
estrutura simples, burocracia mecanizada, burocracia profissional, forma divisionada e
adhocracia. Toda a ação humana demanda duas atividades que são complementares mas ao
mesmo tempo contraditórias: a divisão do trabalho e a necessidade de coordenação destas
atividades. As estruturas das organizações são definidas como a soma total destas formas
diversas.
Ele propõe cinco configurações organizacionais básicas que explicam porque as organizações
se estruturam desta ou daquela forma. Além disto, há cinco partes básicas em qualquer
organização:
• O núcleo operacional: é o lugar onde se fabricam produtos e serviços. Aqui estão as
entradas para a produção, os processos de transformação, de suporte e as saídas. É o
centro, o coração da organização. Nas organizações simples a coordenação é
basicamente auto-ajustada pelos seus membros.
• Cúpula estratégica: é a alta direção e suas assessorias diretas. É responsável pela
missão e visão de futuro da organização. Faz as principais interfaces externas da
organização com o meio externo. É a principal responsável pelo planejamento
estratégico.
• Linha intermediária: faz a ligação entre a cúpula e o núcleo operacional. Coordena
através da supervisão direta. São os gerentes de nível médio, faz o planejamento
tático. É o elo mais importante na cadeia de comando.
• Tecnoestrutura: são os analistas, assessores e consultores que exercem as ações de
controle e padronização em todos os níveis da hierarquia organizacional. A função da
tecnoestrutura é tornar o trabalho das outras pessoas mais eficaz com seus planos,
mudanças, treinamentos e projetos. Quanto mais padronizada for uma organização,
maior a confiança na sua tecnoestrutura. Os analistas atuam sobre três formas de
controle: os sistemas e métodos, o planejamento e controle e a gestão de pessoas
(padronização das habilidades).
• Assessoria de apoio: são os prestadores de serviços diversos. Muitos são organizados
em unidades autônomas (terceirizados), sua forma de coordenação depende das
funções que exercem em cada unidade.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 147
O diagrama abaixo, feito a partir da sugestão de Mintzberg, ilustra estas cinco partes.
Os cinco mecanismos de coordenação das tarefas correspondente seriam:
• Ajustamento mútuo: garantido pelo simples processo de comunicação informal;
• Supervisão direta: coordenado por intermédio de uma pessoa tendo a
responsabilidade pelo trabalho dos outros, monitorando suas ações;
• Padronização dos processos de trabalho: especificação e programação das execuções
de trabalho. A padronização é feita antes do trabalho ser realizado. Os operários
sabem o que esperar do trabalho uns dos outros em contextos de normalidade;
• Padronização dos resultados: especificações das saídas, dos resultados, como por
exemplo, as dimensões do produto ou do desempenho e
• Padronização das habilidades dos trabalhadores: especificação do tipo de
treinamento necessário para a execução do trabalho.
Na prática a organização adota uma combinação variada das cinco formas de coordenação.
Conforme aumenta a complexidade do processo de trabalho, ocorre um ajustamento nos
meios de coordenação iniciando com o ajuste mútuo, passando para a supervisão direta e
depois para a padronização. O movimento de padronização, por sua vez, cria elementos para
retomada do ajuste mútuo – agora em outros patamares – em toda a organização.
As cinco formas de configuração possíveis são as seguintes:
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 148
Estruturas simples: possui reduzida divisão de trabalho, diferenciação mínima entre suas
unidades e pequena hierarquia. As relações informais são dominantes, o planejamento é
mínimo e o treinamento é escasso. É considerada uma estrutura orgânica. Seu processo de
coordenção é centralizado nas mãos do principal executivo. O processo decisório é rápido.
Burocracia mecanizada: é próxima do tipo weberiano, padronização de responsabilidades,
qualificações uniformes e canais formais de comunicação. Hierarquia clara e autoridade
definida. Principais parâmetros: especialização vertical e horizontal do trabalho, tarefas
operacionais rotinizadas, proliferação de normas e regulamentos. O trabalho é agrupado por
função em unidades diferenciadas. O poder é hierárquico, centralizado e com clara distinção
entre linha e assessoria. O núcleo operacional executa tarefas simples e com pouco
treinamento. A padronização dominante reduz a autonomia e o poder dos gerentes. A
coordenação é exercida pela supervisão direta. A linha intermediária é altamente
desenvolvida.A tecnoestrutura tende a crescer e assumir um papel dominante em toda a
organização.
Burocracia profissional: é semelhante a anterior, contudo seus padrões profissionais são
determinados externamente por associações profissionais. A autoridade não emana da
hierarquia ou posição no organograma, mas do domínio da perícia técnica. O núcleo
operacional tem grande autonomia porque o trabalho é altamente especializado na
dimensão horizontal. O trabalhador é mais independente e atua próximo aos clientes. O
núcleo operacional é a parte-chave desta organização. Como há baixa necessidade de
planejamento e formalização a tecnoestrutura é pouco desenvolvida.
A forma divisionada: este tipo de organização na verdade é a configuração de um conjunto
de entidades autônomas que estão acopladas a um eixo central. Estas entidades ficam na
linha intermediária, como divisões, que se reportam a um escritório central. As relações são
hierárquicas e verticalizadas. A natureza do mercado determina o tipo e número de
divisões. As divisões atuam com estruturas completas independentes e com autonomia
entre si. O mecanismo de coordenação predominante é a padronização de resultados e o
sistema principal é o controle do desempenho.
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Adhocracia: esta organização é de estrutura basicamente orgânica, agrega especialistas para
projetos ad-hoc, com fim específico. Tem baixa formalização, grande especialização
horizontal e tendência para pequenas unidades de peritos com habilidades semelhantes. É
uma configuração fluida, dinâmica, flexível e ágil, adaptada para buscar inovações e fugir dos
padrões de uma estrutura burocrática. Há muita ênfase nos sistemas de planejamento e
controle. Trabalha com estruturas matriciais e de projeto.
Configuração missionária: seu parâmetro de design é a doutrinação, sua padronização são os
princípios de socialização de seus membros, a ideologia é uma parte-chave da organização.
O sistema de crenças é a força dominante, na missão e visão da empresa. Não é estruturada,
seus membros tem total autonomia, baseada em lealdade irrestrita à organização. Há
rotação de tarefas e quase nenhuma especialização. É o modelo das organizações de
voluntariado, de algumas empresas familiares.
É evidente que estes formatos são apenas modelos teóricos para nos ajudar a compreender
a realidade como de fato ela é. E a realidade geralmente não segue nossos modelos e
teorias. Por isso a intenção de Mintzberg foi fornecer parâmetros para que construíssemos
nossos próprios modelos, baseados na experiência e intuição também.
As configurações surgem como um conjunto de impulsos básicos da organização, em cada
uma delas haveria uma força dominante: da cúpula estratégica, da tecnoestrutura, dos
operadores, da profissionalização, pelos gerentes intermediários e pelas assessorias de
apoio. A organização eficaz pode ser qualquer uma das configurações ou uma combinação
delas. As organizações selecionam os parâmetros de design que as ajustam em cada
situação. Neste ajuste elas podem atingir uma consistência interna entre estes parâmetros.
Perguntas:
1. Porque a chamada “gestão de competências” é mais adequada ao estilo gerencial de
administração ? Justifique sua resposta.
2. Como deve ser a estrutura organizacional nas organizações públicas inovadoras?
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 150
3. Na sua visão a liderança é importante para a gestão inovadora ? Justifique.
Bibliografia:
Marimón, Francisco Borrás (2008). La función directiva pública. Habilidades directivas, 4ª
edición. Fundación Centro de Educación a Distancia para el Desarrollo Económico y
Tecnológico, INAP, Madrid.
Este trabalho é base para os cursos de formação do importante centro de capacitação do
governo Espanhol, o Instituto Nacional de Administração Pública, o INAP. O trabalho nos
conduz por um revisão geral das principais escolas administrativas com ênfase para as
habilidades e competências dos diretivos públicos, dos dirigentes de organizações públicas.
CHIAVENATO, Idalberto. Administração Geral e Pública. Elsevier: Rio de Janeiro,
2006.
Este livro foi elaborado originalmente para auxiliar os estudantes de nível superior nos
concursos públicos relacionados às carreiras federais que são muito exigentes na área da
gestão pública. Na verdade o livro adquiriu uma densidade e abrangência impar na literatura
disponível. Inicia comentando as escolas clássicas da administração para em seguida entrar
nos assuntos típicos da gestão publica: processo administrativo, gestão de pessoas,
comportamento organizacional até as novas abordagens da recente reforma gerencial. É
indispensável para quem quiser se aprofundar no assunto.
CHIAVENATO, Idalberto. Recursos Humanos: o capital humano das organizações. São
Paulo: Atlas, 2006.
Obra moderna e atualizada obra sobre a administração das pessoas nas organizações:
Recursos Humanos, Gestão de Talentos, Capital Humano, Capital Intelectual ou qualquer
outra denominação que receba. Trata-se de um livro inovador que mostra os novos
horizontes e as desafiadoras tendências que se abrem para o novo milênio. Escrito por uma
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 151
das maiores autoridades no assunto, apresenta mais de 500 citações de empresas de
primeira linha para oferecer exemplos de casos bem-sucedidos e aplicações práticas dos
conceitos apresentados.
Organização Para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico. Liderança e Setor
Público no Século 21 : Governança / Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico. - Brasília : MP, SEGES, 2002.
A liderança tem sido crescentemente considerada como um dos elementos essenciais da
boa governança pública. Líderes no setor público precisam saber mobilizar as pessoas por
meio de valores e visões; persuadi-las e fazer convergir seus esforços para uma causa
comum. Disso depende o desenvolvimento de uma administração pública eficiente, com
foco em resultados, orientada para a prestação de serviços de qualidade para o usuário e
bem organizada. Esta publicação tem por objeto explorar as tendências gerais de formação
de líderes que podem ser inferidas a partir das experiências de países membros da OCDE.
Além disso, contém estudos de casos específicos: Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha,
Suécia, Noruega e México, nos quais são apresentados o arcabouço conceitual dos
programas de formação de lideranças em desenvolvimento, bem como informações sobre a
organização do quadro de pessoal desses países.
Introdução à Gestão de Recursos Humanos: texto de referência para a área temática de
gestão de pessoas / Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Secretaria de Recursos Humanos; Björn Bengtson e Göran Järvstrand, Brasília: MP, 2006.
Este texto faz parte de um projeto do Ministério do Planejamento chamado “EU-Brasil” de
intercâmbio com a Comunidade Europeia sobre temas de planejamento e administração
públca. No âmbito da componente “Fortalecimento da Administração Pública” e da área
temática “Gestão de Pessoas” do Projeto, em parceria com a Secretaria de Recursos
Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SRH/MP), o texto subsidiou
a oficina “Tendências Internacionais no Campo da Gestão de Pessoas no Setor Público”. Esta
publicação foi baseada no texto “Introdução à Gestão de Recursos Humanos”, de autoria de
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Björn Bengtson e Göran Järvstrand, precedido de um texto introdutório ao contexto federal
brasileiro de administração de recursos humanos, elaborado pelo corpo técnico da SRH/MP.
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Aula 7
Metodologias de Gestão Inovadora
Esta aula se diferencia das demais pela sua natureza eminentemente prática e aplicada. A
gestão inovadora não acontece sem o uso adequado e pertinente de metodologias,
ferramentas e técnicas de gestão. Das mais simples as mais complexas as técnicas aqui
apresentadas possibilitam a visão de um panorama geral da área. Não há a pretensão de
você se torne um expert em poucas horas, mas é importante que o gestor público, o aluno e
até mesmo o estudioso do assunto tenha clareza de que existem múltiplos instrumentos,
para múltiplos contextos.
Aqui apresentamos técnicas mais amplas de orgnização da gestão como um todo, passando
por métodos de planejamento simples e mais complexos até técnicas mais singelas de
organização de reuniões, por exemplo. Todos os métodos são tijolos ou peças de um
quebra-cabeças que você deve manejar com cuidado, em cada situação, fazendo as
adaptações necessárias.
Nesta aula vamos abordar diversos tópicos e ver as seguintes metodologias ou técnicas de
gestão.
• Plano de Melhoria de Gestão do Ministério do Planejamento;
• A metodologia de planejamento “Método do Quadro Lógico” (MQL);
• A metodologia do Planejamento de Projeto Orientado pelos Objetivos (ZOPP);
• O Método de Análise e Solução de Problemas – MASP e o PDCA;
• A metodologia do “5W2H” e a metodologia “SWOT”;
• Monitoramento e da avaliação das ações de gestão;
• Reengenharia e a análise de processos;
• Facilitação de grupos e técnicas de moderação e
• Organizando reuniões.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 154
Organizando o Planejamento Gerencial
Apresentamos aqui um conjunto de recomendações ou um repertório para a melhoria da
gestão organizacional. Ele é baseado na valiosa contribuição do Ministério do Planejamento,
elaborada em 2004, no âmbito da melhoria da qualidade da gestão das organizações
federais. Como técnica e ferramentas elas tem validade universal, desde que adaptadas em
cada contexto concreto de aplicação. A seguir vamos apresentar a metodolgia como ela foi
originalmente elaborada.
Segundo o Ministério do Planejamento, o Plano de Melhoria da Gestão – PMG é o
instrumento de gestão, constituído de um conjunto de metas e ações estabelecidas a partir
do processo de autoavaliação da gestão da organização, com vistas a transformar a sua ação
gerencial e melhorar o seu desempenho institucional. A avaliação da gestão pode ser
considerada uma visão panorâmica da organização sobre o seu sistema de gestão. Pode ser
comparado a um exame de rotina que permite aos gestores perceberem onde há
problemas, onde há boas práticas e qual o impacto desse conjunto de práticas sobre o
desempenho da organização.
Assim, ao determinar que aspectos da avaliação serão objeto de ação do Plano de Melhoria
da Gestão, possivelmente, as áreas ou funções da organização que serão atingidas pelo
Plano deverão passar por estudos mais aprofundados para que a solução proposta seja ao
mesmo tempo consistente e adequada à organização.
Por ser um instrumento de gestão, o Plano de Melhoria de Gestão, não depende do
planejamento estratégico nem dos planos dele decorrentes, nem os substitui. Por ser um
plano de gestão, pode conter metas de implementação ou de melhoria do próprio sistema
de planejamento estratégico da organização avaliada. Não se deve esquecer que o
planejamento é uma das funções gerenciais, junto com a organização, a direção, a
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 155
coordenação e o controle. Portanto, avaliar e melhorar a gestão são, sob esse enfoque,
muito mais que planejar.
O processo de planejamento da melhoria da gestão pode ser realizado seguindo os
momentos descritos a seguir.
A Priorização das Oportunidades de Melhoria
O objetivo desta etapa é selecionar um conjunto de oportunidades de melhoria, dentre as
identificadas na auto-avaliação, que serão foco das ações do Plano de Melhoria da Gestão,
evitando - se assim a dispersão de recursos. O principal critério de priorização não necessita
de qualquer técnica ou ferramenta, basta responder à pergunta: “há alguma oportunidade
de melhoria identificada que diga respeito a um problema, melhoria, ou inovação que a alta-
administração tem manifestado interesse em resolver ou implementar?”. Se positivo, essa
ou essas oportunidades de melhoria são necessariamente prioritárias.
Outro critério importante de priorização é incluir entre as ações do Plano de Melhoria de
Gestão os projetos já em desenvolvimento que têm relação direta com pelo menos uma das
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 156
oportunidades de melhoria identificadas. Essa ou essas oportunidades de melhoria são
igualmente prioritárias.
É importante que a realização da auto-avaliação e o planejamento para a melhoria não
interrompam as ações e os projetos em desenvolvimento na organização. O Plano de
Melhoria da Gestão deve ser, nesses casos, um instrumento de organização das ações e, de
preferência, que dê velocidade na execução e visibilidade aos resultados.
Identificadas as oportunidades de melhoria que respondam a esses dois critérios, e caso os
planejadores decidam incluir outras oportunidades de melhoria, podese utilizar alguma
ferramenta de priorização que poderá ajudar a dar consistência técnica à escolha, mas, de
forma alguma, substituirá a percepção do que é e não é considerado importante pela
organização naquele momento. Entre uma e outra, deve-se ficar com aquelas oportunidades
de melhoria que representem a preocupação da organização, principalmente da alta
administração.
Dentre essas ferramentas, destacamos a matriz GUT (Gravidade, Urgência e Tendência). O
quadro a seguir apresenta a matriz e seus componentes: a lista de oportunidade de melhoria
a serem priorizadas, os três critérios de análise: gravidade, urgência e tendência; e a
pontuação geral obtida em cada oportunidade de melhoria analisada.
A pontuação de cada oportunidade de melhoria é obtida pela multiplicação dos pontos (1, 3
ou 5) atribuídos à gravidade à urgência e à tendência. A coluna ‘PONTOS’ indicará a
priorização estabelecida, sendo que a oportunidade de melhoria com maior prioridade será
aquela que na opinião dos planejadores atingir a maior pontuação.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 157
A ordem de priorização não determina necessariamente quais oportunidades de melhoria
serão transformadas em metas no Plano. Os planejadores deverão estabelecer um ponto de
corte, cuidando para não definirem um Plano de Melhoria com muitas metas. É bom
lembrar que a organização tem suas metas finalísticas e precisa compartilhar a melhoria da
gestão com vistas ao aumento da capacidade de desempenho.
Vale ressaltar algumas recomendações no momento da priorização das oportunidades de
melhoria:
• Resistir à vontade de considerar todas as oportunidades de melhoria como
prioritárias;
• Priorizar, pelo menos, uma importância, não se deixar seduzir pelas urgências;
• Identificar objetivamente o principal critério de priorização a ser utilizado;
• A melhoria da qualidade dos serviços disponibilizados aos cidadãos deve levar em
consideração a eficiência da ação pública com ênfase na capacidade de fazer o
máximo com os recursos disponíveis;
• As atividades finalísticas da organização são preferenciais como estratégia de atingir
mais rapidamente o cidadão-usuário;
• As ferramentas auxiliam, mas não substituem a percepção da organização sobre si
mesma.
• Considerar os fatores críticos de sucesso na busca da excelência em gestão.
• Fatores críticos para o sucesso são condições fundamentais que precisam
necessariamente ser satisfeitas para que a instituição ou a estratégia tenha sucesso,
tais como: credibilidade; compromisso e aceitação.
Dois pontos importantes devem ser considerados na identificação dos fatores críticos de
sucesso:
i) ser um fator crítico de sucesso não significa ser um problema, pode ser um ponto forte da
organização;
ii) o que é próprio para que uma tarefa seja realizada, dinheiro, pessoas, instalações, por
exemplo, não devem ser consideradas como fator crítico para o sucesso.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 158
Definição das Metas de Melhoria
Selecionadas as oportunidades de melhoria, o passo seguinte é transformá-las em metas. As
metas são objetivos quantificados que estabelecem onde se deseja chegar, o que se quer
implementar ou produzir, em quanto tempo. Nesse contexto, as metas devem se constituir
em verdadeiros desafios para a organização. Não devem ser desafios ‘alucinados’ que a
priori já se sabe que não serão atingidos. Não devem, por outro lado, ser resultados que sem
qualquer esforço, a organização os atingirá. Uma boa meta deve representar um tipo de
esforço adicional, uma ruptura, uma visão ousada, porém atingível, dentro de um tempo
previamente estabelecido.
As metas devem indicar que práticas da sua gestão, avaliadas como oportunidades de
melhoria, a organização deseja transformar em pontos fortes. As metas de um plano de
melhoria de gestão devem ser:
• Formuladas a partir das oportunidades de melhoria (OM);
• Quantificadas, portanto, mensuráveis;
• Desafiadoras, mas exeqüíveis.
Essenciais na definição de uma meta são os indicadores que o gestor da meta vai utilizar
para monitorar a sua execução e, principalmente, os seus resultados. Os indicadores são
dados ou informações, preferencialmente numéricos, que representam um determinado
fenômeno e que são utilizados para medir um processo, nesse caso, uma meta.
As principais características dos indicadores são:
• Seletividade - captação dos aspectos, etapas e resultados essenciais ou
críticos da meta;
• Simplicidade - coleta e a análise de dados simples e direta. Indicadores
expressos através de relações percentuais simples, média aritmética ou
números absolutos.
• Disponibilidade - facilidade de se conseguir dados em tempo hábil.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 159
• Estabilidade - permanência ao longo do tempo e geração com base em
procedimentos rotinizados e incorporados às atividades do órgão. Permite
série histórica.
• Rastreabilidade - passíveis de levantamento regular. Os indicadores
devem ser medidos sistemática e periodicamente e transformados em
gráficos para melhor visualização.
• Confiabilidade - consistência (conceitual e metodológica) com indicadores
da mesma natureza.
• Comparabilidade - permitem comparações com referenciais.
O quadro a seguir apresenta uma tipologia de indicadores, a mais simples possível, cujo
objetivo é garantir aos formuladores a abrangência necessária à medição e
acompanhamento de suas metas.
Elaboração do Plano de Melhoria da Gestão – PMG
O conjunto de metas, formuladas a partir das oportunidades de melhoria (OM) selecionadas,
constitui a base do Plano de Melhoria de Gestão - PMG. O Plano de Melhoria da Gestão é,
portanto, a programação – meta a meta – das ações de melhoria gerencial a serem
implementadas.
Um Plano de Melhoria da Gestão deve abordar, no mínimo, os seguintes itens:
Meta - Resultado que se deseja alcançar, em que prazo.
Indicadores – Informações que permitirão medir e eficiência e eficácia das ações para o
atingimento da meta.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 160
Líder – Cada meta deve ter um líder, alguém que irá gerenciar o conjunto de ação da sua
meta, mobilizar e inspirar as pessoas na direção do sucesso da implementação e dos
resultados da meta.
Para cada meta deve ser identificado:
• As ações que serão executadas para alcançar a meta;
• O nome dos responsáveis pelas ações da meta;
• Onde as ações serão executas;
• Quando as ações serão executadas;
• Como cada uma das ações serão realizadas (estratégia, técnica etc);
• Por que essas ações serão desenvolvidas; (destacando, quando for
necessária, a principal contribuição da ação para a consecução da meta);
• Os recursos necessários para a execução de cada ação (aqui incluído
pessoas, conhecimento, dinheiro, tempo, instalações e, equipamentos).
•
Para facilitar a elaboração da programação de cada meta o Manual sugere a ferramenta
5W2H, apresentada a seguir, pode ser utilizada nesse momento do planejamento.
Definição do Sistema de Acompanhamento do Plano
Esta é a fase do planejamento do controle. A organização deve estabelecer, em conjunto
com os líderes das metas, um mecanismo de acompanhamento das ações/projetos e de
monitoramento do cumprimento parcial das metas, de maneira a possibilitar eventuais
realinhamentos, em tempo hábil e, portanto, em tempo de execução do plano. Devem ser
estabelecidos canais ágeis e eficientes de comunicação entre os diversos níveis de
desdobramento das metas. Importante lembrar a diferença entre “delegar” e “entregar”. A
organização deve delegar às equipes de melhoria a autoridade pela condução das atividades
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 161
e resolução dos eventuais problemas ou dificuldades que possam ocorrer. Mas é vital, para o
sucesso do plano de melhoria, que a alta administração esteja permanentemente informada
do andamento das atividades, podendo interferir para auxiliar ou corrigir o trabalho das
equipes, além de prover assessoria técnica e apoio político, sempre que necessário.
Como sugestão o Ministério do Planejamento apresenta uma forma de painel de controle
do Plano de melhoria.
O significado de cada quesito está na tabela a seguir:
Elaboração do Plano de Comunicação
Um plano de comunicação deve ser elaborado para compartilhar os resultados da avaliação,
o Plano de Melhoria da Gestão e os resultados que advirão da sua execução. Não se pode
falar de gestão participativa e transparente se a prática de planejar a melhoria da gestão não
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 162
começar pelo hábito de envolver, comunicar, de dar a conhecer, de induzir o controle por
parte de todos os servidores. O plano de comunicação é o primeiro passo na implantação de
uma ‘gestão à vista’ que possa ser mais do que mostrada, entendida por todos, ou pelo
menos, pela maioria das partes interessadas.
Como sugestão, é apresentado um roteiro para o plano de comunicação do PMG.
Elaboração do Plano de Capacitação
Diferentemente de uma gestão normativa e burocrática, a gestão orientada para resultados
prepara e capacita as pessoas nas estratégias, métodos e técnicas a serem utilizadas na
execução das ações do plano. Embora as ações de capacitação continuem ao longo do plano
e durante a implementação das novas práticas, é essencial que haja uma capacitação que
preceda o plano que tenha por objeto o próprio plano. Daí a necessidade de definir, em
tempo de planejamento, uma programação consistente para capacitação das pessoas
envolvidas diretamente na execução do Plano, seja no gerenciamento das metas e das
ações, seja nos métodos, ferramentas e técnicas que pretende utilizar para a transformação
gerencial estabelecida pelo conjunto de metas do Plano.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 163
A metodolgia lembra que é importante observar que esse não é o plano de capacitação da
organização: é apenas o plano de capacitação das pessoas para bem executar o Plano de
Melhoria da Gestão – PMG.
A metodologia de planejamento “Método do Quadro Lógico” (MQL)
O Quadro Lógico ou Método do Quadro Lógico (MQL) foi desenvolvido a partir da
experiência de cooperação internacional para o desenvolvimento estabelecida nos anos
sessenta entre as nações desenvolvidas e o terceiro mundo. Sua origem é a United States
Agency for Internationl Development (USAID), uma agência de cooperação norte-americana.
Ela identificou dificuldades no planejamento dos projetos, falta de clareza para a
responsabilização no gerenciamento e ausência de mecanismos para monitorar a
efetividades dos projetos contratados. A USAID então produziu uma metodologia chamada
Logical Framework Approach que foi aprimorada ao longo dos anos de utilização.
Com o tempo uma série de organizações internacionais ligadas às estruturas de cooperação
para o desenvolvimento, fossem elas governamentais ou não-governamentais, foram
adotando o método. Atualmente os bancos internacionais como como o Banco
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Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial (BIRD) adotam esta
metodologia. O ciclo do MQL será detalhado adiante, mas o essencial é um conceito que
ordena meios e fins de maneira lógica através da elaboração de uma matriz onde se
relacionam objetivos do projeto, resultado e atividades planejadas de um lado e do outro
indicadores, fontes de comprovação e suposições importantes. O MQL estabelece, em
essência, um discurso estruturado e plausível entre relações de causa e efeito. Por exemplo,
os resultados previstos pelo Projeto devem contribuir decisivamente para alcançar os
objetivos do projeto e este processo deve ser monitorado por indicadores com suas fontes
de comprovação dentro de determinadas suposições.
Assim a matriz do MQL apresenta uma lógica vertical (a leitura das colunas) baseada na
suposição de que determinados recursos aplicados produzirão resultados que por sua vez
constituirão o objetivo do projeto que contribuirá para o objetivo superior ou último da
organização o do enfrentamento do problema do plano, é uma leitura de baixo para cima.
Há também uma lógica horizontal identificada a partir da relação entre Objetivos (superior
ou do projeto), indicadores, fontes de comprovação e suposições importantes.
Uma versão simplificada da matriz do MQL
Indicadores
objetivos
Indicators
Fontes de
comprovação
Means of verification
Suposições
importantes
assumptions
Objetivo Superior
Goal
Objetivo do
Projeto
purpose
Resultados
products
Atividades Recursos/Insumos necessários
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 165
Abaixo um quadro montado a partir do guia do Banco Interamericano Note-se que a
terminologia muda, por exemplo, “componentes” é um desdobramento das “atividades” no
quadro anterior, os “impactos” são os “objetivos”.
Matriz do Marco Lógico
Descrição Indicadores Meios de verificação Pressupostos
Impactos (objetivos) Os impactos/finalidade do projeto mostram como o projeto contribuirá para a solução de um problema social definido.
Medem o impacto final do projeto. Devem especificar quantidade, qualidade e prazos.
São as fontes de informação que podem ser utilizadas para verificar se os objetivos foram alcançados. Podem incluir publicações, pesquisas, levantamentos etc.
Indicam acontecimentos, condições e decisões importantes necessárias para a sustentabilidade dos benefícios gerados pelo projeto.
Resultados Resultados diretos a serem alcançados com a aplicação dos componentes produzidos durante o projeto. São hipóteses sobre os benefícios que se espera obter a partir dos componentes.
Descrevem os resultados alcançados ao final do projeto. Devem incluir metas que reflitam a situação ao final do projeto.
São as fontes de informação que podem ser utilizadas para verificar se os objetivos estão sendo alcançados. Pode indicar a existência de problemas e/ou a necessidade de ajustes ou mudanças nos componentes do projeto.
Indicam acontecimentos, condições ou decisões que devem ocorrer para que o projeto contribua significativamente para os impactos desejados.
Componentes (atividades) São os serviços e/ou produtos desenvolvidos no âmbito do projeto. Ex.: curso de capacitação, produção de apostila, campanha de vacinação.
São descrições breves e claras sobre quantidade, qualidade dos componentes do projeto e seus prazos de execução.
Onde encontrar informações sobre os componentes produzidos.
Suposições, acontecimentos ou condições que devem ocorrer para que os componentes do projeto levem aos resultados desejados.
Atividades São as tarefas que devem ser executadas para completar cada um dos componentes do projeto. Elas implicam em custos e devem ser organizadas cronologicamente para cada componente.
O orçamento de cada componente do projeto e de suas atividades.
Indica as fontes de informação para acompanhar a execução das atividades (cronograma) e orçamento do projeto.
São acontecimentos, condições ou decisões fora do controle do gerente do projeto que precisam ocorrer para que os componentes sejam completados adequadamente.
O ciclo do projeto no marco lógico
O ciclo do projeto é dividido em (1) identificação , (2) elaboração e (3) execução e
gerenciamento. O ciclo de um projeto representa uma seqüência lógica e progressiva de
construção do projeto, cada etapa deve necessariamente se apoiar nas conclusões e sínteses
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das etapas anteriores. Dentro do contexto do planejamento estratégico a elaboração e
execução do projeto representa um movimento circular, sem fim, porque a reflexão
necessária para desenhar o projeto deve ser confrontada dialeticamente com a ação
resultante da execução do projeto.
Assim, por exemplo, o movimento de monitoramento e avaliação de desempenho do
projeto alimenta criticamente o diagnóstico de problemas ou a análise de recursos
disponíveis porque a execução do projeto sempre acontece em cenários imprevisíveis, em
condições de incerteza incapazes de serem apreendidas pelo planejador no momento de
reflexão inicial na elaboração das ações e atividades do projeto.
É por este motivo que uma organização que estrutura seu modelo de gestão com base na
elaboração e execução de projetos deve estimular permanentemente a flexibilidade crítica
de seus gestores, a criatividade diante da incerteza e a capacidade de reação nos cenários
monitorados. Estas habilidades gerenciais compõe uma nova cultura gerencial que no caso
do setor público, deve ser construída contrapondo-se ao clientelismo e autoritarismo
comuns na tradição governamental.
Os passos lógicos a seguir são baseados na metodologia do Quadro Lógico com algumas
adaptações.
(1) Identificação
Esta é a fase para preparação do projeto quando são checadas as condições de possibilidade
para sua elaboração e execução. O planejador deve fazer uma primeira abordagem da
situação problemática, investigar os limites institucionais de atuação, saber se o âmbito de
solução do problema está dentro ou fora da governabilidade imediata do ator que planeja.
O resultado imediato da fase de identificação do projeto é saber se há viabilidade para o
projeto diante da problemática trabalhada no início do planejamento. O processo de
planejamento – no qual o projeto se insere como peça fundamental – já indicou a
identificação de uma situação problemática, descortinando um fluxograma explicativo para
cada problema analisado. A identificação do projeto é o primeiro “descobrimento” das
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grandes linhas de ação para enfrentar o problema, cabe perguntar portanto, até que ponto o
projeto tem sustentabilidade política, institucional, financeira, etc... Trata-se, pois, de uma
“identificação inicial” de grandes linhas e oportunidades de ação.
Uma última tarefa relevante na fase de identificação é a reflexão do planejador sobre as
condições de elaboração e execução do projeto, condições estas referentes à capacidade de
gestão ou à capacidade de governo da organização que planeja: há condições de
enfrentamento da situação problemática ? A vontade política da direção é suficiente para o
compromisso necessário com o projeto ? As condições técnicas de elaboração do projeto
estão viabilizadas, isto é, o conhecimento técnico necessário está sistematizado, disponível e
assimilado pelos planejadores ?
A identificação inicial do projeto é na verdade um primeiro exame de consistência sobre a
viabilidade das idéias e insights que o grupo de planejamento tem para resolver os
problemas da organização. Funciona como um primeiro filtro para peneirar e separar idéias
com e sem viabilidade.
(2) Elaboração
1º Passo: Identificar os objetivos do projeto
Uma das maiores fontes de fracassos dos projetos está a possibilidade de leituras
contraditórias sobre os objetivos que o projeto quer alcançar, feitas as vezes por setores
diferentes da mesma organização ou empresa. A precisão e exatidão das formulações,
portando deve ser a mais rigorosa possível. Um projeto sem objetivos fica sem foco de
atuação, dificulta qualquer processo de monitoramento ou avaliação de desempenho, não
há como medir o grau de sucesso ou fracasso, nem responsabilizar os responsáveis pela sua
execução. Recomenda-se por isso definir os objetivos descrevendo-os como se já estivessem
materializados, por exemplo, “trinta casas construídas” ou “cem famílias beneficiadas com
renda mínima”.
O objetivo superior (a primeira célula da primeira coluna) tem a função de orientação mais
estratégica ou geral ao projeto e à equipe de elaboração/execução. Normalmente está
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relacionado à missão da organização ou a sua visão de futuro, ou seja, o objetivo superior
sempre será uma derivação ou um sumário das Declarações Estratégicas da organização que
planeja.
O objetivo do projeto deve ser visto como o resultado esperado da atuação das pessoas e
organizações para mudança de uma situação problemática e indesejável previamente
explicada e analisada na atividade de planejamento estratégico. Só há sentido na definição
de objetivos do projeto se sabemos quais os problemas ou aspectos críticos dos problemas,
os nós críticos, a serem enfrentados. Os cuidados metodológicos mais importantes na
definição dos objetivos são:
(a) Desenhar os objetivos do projeto pensando sempre na mudança da natureza
negativa de um problema ou de suas causas, no planejamento estratégico
geralmente cada causa identificada do problema (na árvore explicativa ou
fluxograma explicativo) é suficientemente complexa para demandar um projeto de
ação com várias atividades e ações previstas. O objetivo sempre será o efeito
esperado de nossa intervenção.
(b) Desenhar os objetivos do projeto sempre mantendo coerência e acumulando poder
para realização do Objetivo Superior do Projeto, ou dito de outra forma, o resultado
do projeto deve nos aproximar sempre das declarações estratégicas. Se isto não ficar
claro entre os participantes provavelmente os problemas identificados não ajudam a
entender a situação inicial da organização (má escolha ou explicação de problemas)
ou as declarações estratégicas (Missão, visão de futuro e diretrizes) estão
desproporcionais em relação à governabilidade do ator (abstratas e utópicas em
demasia ou pouco ambiciosas).
(c) Desenhar os objetivos do projeto como resultado do mais amplo acordo político-
administrativo interno na organização, capaz de superar eventuais divergências
individuais sobre o rumo ou procedimentos da instituição. Não se quer eliminar
divergências ou olhares individuais o que é impossível, mas elaborar uma síntese
coletiva e acordar um modo sistemático de solução das divergências. Nas
organizações públicas cuja direção espelha a diversidade política da própria
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sociedade, saber construir consensos é uma tarefa relacionada à própria
governabilidade institucional.
(d) Desenhar os objetivos do projeto sempre que possível envolvendo os beneficiários
das ações. Isto é possível quando os projetos de ação visam resolver nós críticos ou
causas dos problemas relacionadas à dinâmica interna da organização (por exemplo
“implantar novo sistema de controle das licitações” ou “modernizar o setor de
concursos e RH”). Em projetos de desenvolvimento local ou setorial, financiados ou
não por bancos de desenvolvimento, também é possível envolver beneficiários de
forma participativa. Outros projetos cuja natureza ou escala inviabiliza a participação
direta dos beneficiários (por exemplo, “Execução de novo sistema de fiscalização
tributária” ou “Implantação de posto de saúde”) pode-se criativamente utilizar
outros meios como pesquisas de opinião, entrevistas, etc...
2º Passo: definir os resultados do projeto
Enquanto o objetivo do projeto é um efeito desejado pelo grupo, mas implica em variáveis
fora da governabilidade imediata do grupo que planeja, os resultados são obras, serviços,
enfim, situações produzidas diretamente pelo esforço e mobilização de recursos da
organização. Os resultados devem contribuir com coerência e consistência lógica para o
alcance dos resultados. Assim após o debate e a redação final dos resultados esperados o
grupo de planejamento deve ser perguntar se estes resultados são suficiente e necessários
para atingir os objetivos, deve se perguntar se a ocorrência das suposições importantes, os
pressupostos são de fato realizáveis. Da mesma forma a relação para baixo, isto é, das
atividades a serem desenvolvidas deve-se inquirir sobre a relação lógica para alcance dos
resultados formando uma cadeia coerente de ações.
3º Passo: definir as atividades e ações necessárias
Assim como os resultados são situações factíveis de monitoramento e controle por parte da
organização, as atividades representam um conjunto de ações, que podem implicar em
custos financeiros ou não, diretamente relacionadas à produção dos resultados. Um dos
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objetivos do trabalho com matrizes, como a matriz de planejamento do projeto, inspirada no
MQL, é viabilizar a participação dos envolvidos, para que isso aconteça realmente o
processo de comunicação é variável estratégica. Por isso as atividades não devem ser
detalhadas em seus aspectos mais operacionais, isto sobrecarregaria de informações a
matriz inviabilizando sua leitura e apropriação coletiva. O detalhamento operacional de cada
atividade (quem ? quando ? onde ? quanto custa ? etc...) deverá ser feito numa etapa
posterior e possivelmente descentralizada de planejamento tático ou operacional.
4º Passo: identificar os insumos e recursos necessários
A identificação inicial de recursos e insumos necessários à execução das atividades
programadas deve ser desdobrada no detalhamento operacional. Ela está presente nesta
etapa porque talvez, entre todos os quesitos mais operacionais, esta pergunta, “que
recursos ou insumos são necessários para executar a atividade ?” , seja aquela que mais
possibilita um exame realista e auto-crítico sobre os níveis de capacidade de governo e
governabilidade da organização que planeja.
5º Passo: definir os indicadores e as fontes de comprovação
Na Segunda coluna da matriz de planejamento os indicadores tem uma única função:
permitir o monitoramento do planejamento, da forma mais eficiente e eficaz possível. Isto
significa que dificilmente pode-se controlar o desenrolar do planejamento e eventualmente
efetuar correções de percurso se não houver – previamente – identificação das
desconformidades, da efetividade de atividades, resultados ou objetivos previstos. É por isso
que os indicadores (relações entre variáveis, quantidades ou outra informação) devem ser
objetivamente verificáveis, independentes, o que não é medido não pode ser controlado. Os
resultados devem ter indicadores de acompanhamento ou desempenho, relacionando o
quanto se está progredindo na execução do planejamento em relação aos recursos e
atividades executadas.
Já os objetivos do projeto e objetivo superior exigem indicadores de efeito e de impacto no
caso do objetivo geral, devendo mensurar aquelas mudanças desejadas pelo projeto. As
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atividades planejadas no projeto são acompanhadas por indicadores operacionais. Os
indicadores devem demonstrar claramente o que se pretende com os objetivos, resultados e
atividades, induzem o grupo a precisar e focalizar melhor a descrição do planejamento.
Por isso devem ser plausíveis (coerência com o alcance das medidas), independentes e
substanciais. Normalmente o acompanhamento e os efeitos de um projeto são avaliados
pela análise combinada de vários indicadores simultaneamente. O julgamento sobre o grau
de relevância ou sucesso do projeto é mais ou menos possível conforme a qualidade dos
indicadores selecionados.
Cada indicador deve possuir sua “fonte de comprovação” (terceira coluna), para indicar
onde se encontram as informações que sustentam os indicadores, suas fontes ou meios,
indicam o custo de obtenção e manutenção das informações e o grau de realismo dos
indicadores. Custo e confiabilidade das fontes são importantes para a montagem de um
sistema de informações gerenciais sobre o projeto, bem como a documentação do mesmo.
Indicadores operacionais
São usados para monitoramento dos recursos necessários para executar as atividades e das próprias atividades(1ª linha). Medem a quantidade, disponibilidade, tempo, custo, produto de cada atividade, etc...
Indicadores de desempenho e acompanhamento
Monitoram o desempenho dos resultados da matriz operacional (2ª linha). Contribuem para diferenciar o conceito de produto (ligado à atividade) de resultado.
Indicadores de efetividade
Monitoram o grau de sucesso, a performance dos objetivos do projeto. Indicam mudanças mais abrangentes e complexas na situação da organização, ou do público-alvo do projeto.
Indicadores de Impacto
Monitoram o impacto de mais longo prazo e abrangência, tentando acompanhar o grau de contribuição do projeto ao objetivo geral da organização o do planejamento estratégico. Muitas vezes são indiretos evidenciando resultados conjuntos de outros projetos na mesma área ou setor.
6º Passo: Identificar os pressupostos importantes do projeto
Finalmente o último passo na elaboração do MQL é a identificação dos fatores importantes
para o planejamento, considerados fatores verdadeiros e reais. Esta etapa, portanto, deve
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considerar todos os riscos fora da governabilidade do grupo capazes de atingir os objetivos e
resultados esperados. A idéia é que determinadas suposições devem ocorrer para que cada
etapa do projeto seja bem sucedida.
Portanto, somente as suposições realmente importantes e necessárias são consideradas e
somente se houver algum risco de que elas não ocorram ou se concretizem. Se uma
suposição externa é importante para alcançar os resultados ou os objetivos do projeto, mas
ao mesmo tempo é improvável que ocorra, então há uma quebra da lógica do projeto (o
planejamento foi mal feito) ou de fato há um risco externo não perceptível inicialmente que
inviabiliza a execução do projeto.
O objetivo primordial da análise de pressupostos é diminuir a vulnerabilidade do projeto
diante de eventuais erros de avaliação ou inconsistência, relacionada por exemplo, à
percepção das forças sociais, à conjuntura na qual o projeto será desenvolvido ou às
próprias forças e fraquezas da organização que planeja. Na lógica horizontal do MQL as
atividades e as respectivas suposições devem conduzir aos resultados esperados, assim
como, os resultados e suas suposições (ou pressupostos) devem conduzir aos objetivos
desejados.
Execução e Gerenciamento do Projeto
A matriz de planejamento no ciclo do projeto a partir do enfoque do MQL não é uma
construção estática, acabada ou preenchida mecanicamente, ela evolui na medida em que o
próprio projeto é executado e replanejado. Neste sentido a execução e o gerenciamento do
projeto se confundem com o momento da gestão do plano, pois vários projetos são
executados simultaneamente gerando sinergias positivas (ou pontualmente negativas),
situações novas e imprevistas para o gesto público.
É no momento da ação onde tudo se decide e para isso o método do quadro lógico é uma
ferramenta potente de trabalho para monitorar e gerenciar o projeto, mas é insuficiente
para responder a todos desafios da gestão pública ou de projetos sociais. O primeiro passo
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após a elaboração da matriz geral do projeto é a decomposição das atividades no seu
desdobramento natural em sub-atividades, sub-ações, etc...
As considerações sobre a gestão do plano e das ações comentadas no Capítulo 03 são válidas
para a reflexão sobre o gerenciamento dos projetos, particularmente nos temas que
abordam as mudanças organizacionais e administrativas necessárias para assumir o modelo
de gerenciamento por projetos.
Um projeto de desenvolvimento, uma política de assistência social ou algum projeto de
modernização administrativa (da área de Recursos Humanos, por exemplo) podem ser
organizados a partir da aplicação do Método do Quadro Lógico, a mudança de escala não
altera o conceito básico do processo. Entretanto a simplicidade operacional do método não
deve gerar ilusões sobre o grau de precisão e rigor conceitual necessário para preencher
cada campo da matriz.
Sempre que possível deve-se contar com ajuda especializada na metodologia e
particularmente com profissionais habilitados em moderação de grupos pois o processo
participativo exige constante síntese e mediação das várias posições em debate.
A seguir um exemplo de quadro resumo no formato mais convencional e tradicional do
marco lógico com os principais conceitos utilizados para construir a matriz de planejamento.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 174
Quadro-resumo conceitual do Método do Quadro Lógico
Descrição
Indicadores objetivamente comprováveis
Fontes de comprovação (verificação)
Pressupostos
Objetivo Superior (OS) Para o qual o projeto deverá contribuir
Como vamos medir o conteúdo do Objetivo Superior? Qualidade, quantidade, duração, local, grupo destinatário
Que documentos, elaborados no projeto ou provenientes de outras fontes, podem ser utilizados para comprovar os indicadores a serem medidos?
Que fatores externos têm que ocorrer, para que o Objetivo do Superior seja mantido no longo prazo
Objetivo do Projeto (OP) Com que contribuímos essencialmente para alcançar o Objetivo Superior
Como vamos medir o conteúdo do Objetivo do Projeto? Idem
Idem
Que pressupostos têm que ocorrer, para que o Objetivo Superior seja alcançado
Resultados Que têm que ser obtidos (quantidade e qualidade), para alcançar o efeito esperado (OP)
Como vamos medir o conteúdo dos Resultados? Idem
Idem
Que pressupostos – em relação aos Resultados – têm que ocorrer, para que o Objetivo do Projeto seja alcançado
Atividades Pacote de medidas do projeto visando alcançar os resultados pretendidos
Quanto custa ou quais os insumos requeridos (incluindo pessoal) para executar cada uma das atividades?
Que documentos comprovam os indicadores a serem medidos?
Que pressupostos - definidos como fatores externos, em relação às Atividades – têm que ocorrer, para que os Resultados sejam alcançados
Pré-requisitos Condições prévias e requisitos para implementar as atividades
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 175
A metodologia do Planejamento de Projeto Orientado pelos Objetivos (ZOPP)
Em alemão Zielorientierte Projektplanung o ZOPP surgiu de uma adaptação feita em meados
dos anos setenta pelo Ministério Federal da Alemanha, responsável pela cooperação
internacional. A Agência Alemã de Coorperação Técnica, a GTZ, conservou o coração da
metodologia original e fez inovações importantes especialmente aquelas baseadas no maior
grau de participação e envolvimento dos beneficiários nos projetos de desenvolvimento.
O ZOPP é composto de três elementos básicos, (1) o processo de planeamento baseado no
diagnóstico de problemas, (2) a elaboração de uma matriz lógica semelhante ao MQL que o
ZOPP chama de “Marco Lógico” e (3) técnicas participativas de trabalho que possibilitam o
envolvimento dos beneficiários e participantes do projeto (em inglês, os stakeholders).
Segundo Brose (2001) o método ZOPP não é um fim em si mesmo, deve ser visto como parte
de um sistema de gestão onde o que realmente importa é a execução do projeto, ou seja, o
constante replanejamento diante dos imprevistos e incertezas da realidade.
Os gestores não devem esquecer que a simplicidade e a elegância do método não garante,
por si só, a qualidade daquilo que é feito e implementado. Talvez um dos maiores resultados
do método seja a construção de um nível de consenso e acordo entre os participantes.
A seguir um exemplo de “arvore do Problema” no caso “Mortalidade Infantil”. A árvore do
problema é uma técnica utilizada no ZOPP para identificar problemas. A maior vantagem da
técnica é identificar causas do problema, separadas dos seus efeitos. Somente identificando
as causas pode-se ter uma ação efetiva e eficaz.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 176
A seguir o mesmo problema, transformado agora na “Arvore de Objetivos”, isto é, num
conjunto coerente e racional de objetivos interdependentes que configuram o norte, os
alvos do projeto. Explicar o problema e desenhar os objetivos são passos essenciais para a
lógica do ZOPP. O desenho dos objetivos deve ser sempre uma poderação entre a vontade
política do grupo que planeja, o contexto no qual está inserido (as relações de poder com
outros atores) e os recursos de que dispõe ou pode mobilizar (financeiros, cognitivos,
materiais, etc.).
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 177
O Método de Análise e Solução de Problemas – MASP e o PDCA
A origem do MASP é um conjunto de procedimentos para resolução de problemas que foi
elaborado como parte do conjunto de técnicas de gestão empresarial baseadas no modelo
japonês conhecido como Total Quality Control, ou TQC. O procedimento metodológico é
baseado na aplicação seqüencial de sete passos: (1) identificação do problema, (2)
observação sobre as características do problema, (3) Análise das causas fundamentais do
problema,(4) elaboração de um Plano de Ação para eliminar as causas do problema, (5)
verificação da efetividade da ação executada, (6) padronização da solução e eliminação
definitiva das causas e por fim (7) a conclusão do processo com a revisão de todos os
procedimentos com planejamento das ações futuras.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 178
A seguir um diagrama ilustra os principais passos do MASP.
Em cada passo várias ferramentas quantitativas e não-qualitativas são utilizadas para
hierarquizar processos, estratificar estatisticamente ocorrência de eventos, classificar
procedimentos, etc... O roteiro metodológico também pode ser organizado a partir do
chamado “ciclo do PDCA” (em inglês, Plan, Do, Check e Action).
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 179
Estes métodos foram pensados originalmente para auxiliar a gestão de processos produtivos
industriais e não para a gestão pública, apesar disso é interessante observarmos algumas
idéias comuns como a importância atribuída à análise e explicação de problemas, ao
processo de planejamento, execução e monitoramento como momentos indissociáveis, à
circularidade do planejamento como processo permanente, etc...
O métdodo do Balanced Scorecard
Nos últimos anos tem proliferado a divulgação de novas metodologias de gestão e
planejamento com aspectos realmente inovadores. Uma delas foi criada no setor privado,
mas logo foi expandida para a gestão publica com muito sucesso, é o Balance Scorecard,
como é o termo em inglês, ou traduzindo, seria um quadro de indicadores balanceados. Ele
surgiu originalmente a partir da constatação que os métodos de avaliação do desempenho
das empresas não estavam respondendo satisfatoriamente.
Originalmente formulada por dois autores norte-americanos da área de gestão, Norton e
Kaplan, o BSC é uma ferramenta que traduz uma visão estratégica da organização num
conjunto coerente de objetivos, medidas e indicadores de desempenho. Estas dimensões
são organizadas conforme vários aspectos: financeiro, do cliente, dos processos internos e
do aprendizado. O quadro de indicadores propriamente dito (o scorecard) cria não só uma
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 180
estrutura, mas uma linguagem para comunicar a missão e a estratégia a todos os
funcionários.
Ao integrar os resultados desejados pela empresa com os indicadores, a direção tem a
expectativa de canalizar as energias, as habilidades e os conhecimentos específicos das
pessoas no conjunto da organização para alcançar as metas de longo prazo.
As quatro perspectivas do BSC devem ser equilibradas, são elas, conforme a elaboração
proposta por Marinho:
a) Perspectiva Financeira: Os objetivos financeiros representam a meta de longo prazo
da empresa : gerar retornos superiores a partir do capital investido na unidade de
negócios. O uso do Balanced Scorecard não conflita com essa meta vital. Na realidade
, o Balanced Scorecard permite tornar os objetivos financeiros, como lucratividade,
retorno dobre os ativos e aumento de receita, explícitos , e ajustá-los às unidades de
negócios nas diferentes fases de seus ciclos de vida e crescimento.
b) Perspectiva do Cliente: Identifica os seguimentos de clientes e mercados nos quais a
unidade de negócios competirá e as medidas do desempenho da unidade nesses
segmento salvo. Entre as medidas essenciais de resultado estão a satisfação do
cliente, a retenção de clientes, a aquisição de novos clientes, a lucratividade dos
clientes e a participação em contas ( clientes ) nos segmentos-alvo.
c) Perspectiva dos Processos Internos : Identifica os processos internos críticos nos
quais a empresa deve alcançar a excelência. Esses processos permitem que a unidade
de negócios ofereça as propostas de valor capazes de atrair e reter clientes em
segmentos-alvo de mercado e satisfaça às expectativas que os acionistas têm de
excelentes retornos financeiros.
d) Perspectivas de Aprendizado e Crescimento : Identifica a infra-estrutura que a
empresa deve construir para gerar crescimento e melhoria a longo prazo. As
perspectivas do cliente e dos processos internos identificam os fatores mais críticos
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 181
para o sucesso atual e futuro. É improvável que as empresas sejam capazes de atingir
sua metas de longo prazo para clientes e processos internos utilizando as tecnologias
e capacidades atuais. Além disso, a intensa competição global exige que as empresas
melhorem continuamente sua capacidade de oferecer valor a clientes e acionistas.
O BSC tem no equilíbrio das várias dimensões de resultados da empresa sua idéia-força. Ele
articula conceitualmente meios e fins, conforme a figura a seguir demonstra como exemplo
para o mundo corporativo:
Para o setor público ou qualquer outro tipo de organização poderíamos adaptar a lógica do
BSC conforme o diagrama a seguir. O importante é seguir a articulação entre os vários
componentes.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 182
A estratégia para o BSC é um conjunto de hipóteses de causa e efeito, a implementação
depende da compreensão desta relação, do alinhamento dos recursos disponíveis e do
engajamento de toda a organização. Kaplan e Norton sugerem os seguintes passos para
implantar o BSC e viabilizar o processo de implementação da estratégia:
1- Esclarecer e traduzir a visão e a estratégia;
2- Comunicar e associar objetivos e medidas estratégicas;
3- Planejar, estabelecer metas e alinhar iniciativas estratégicas;
4- Melhorar o feedback e o aprendizado estratégico.
A primeira etapa objetiva construir o consenso embasado na visão e na estratégia da
organização através de um conjunto integrado de objetivos e medidas, visando os
resultados. O segundo passo deve mobilizar os funcionários para os alvos a serem atingidos.
A compreensão da estratégia é condição-chave para o estabelecimento de metas. O terceiro
passo fixa as metas para os vários processos internos de aprendizado e crescimento, a
prioridade aqui é gerar caixa, faturamento. Numa organização pública este objetivo não é
importante, sendo substituído pela meta de redução de custos e aumento da satisfação dos
cidadãos.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 183
O quarto passo é considerado a inovação do BSC. Ele indica que a organização deve
aprender com os desvios e as falhas de percurso, corrigindo rotas e o prumo. Isto implica
que novas estratégias poderão surgir, inclusive não previstas na formulação original do
plano. Este processo de feedback de aprendizagem foi incorporado a partir de outras teorias
de gestão.
O BSC organiza estas informações no chamado “mapa estratégico”. O mapa correlaciona os
objetivos nas várias dimensões com a visão e a missão da organização. Segundo os criadores
do BSC o mapa estratégico tem várias funções, entre as quais:
1. Mostrar o destino estratégico: O mapa estratégico possibilita que uma organização
descreva
e ilustre, em linguagem clara e geral, seus objetivos, iniciativas e alvos; os indicadores
utilizados
para avaliar seu despenho e as conexões, que são o fundamento da direção estratégica.
2. Destacar o valor do capital intelectual: O mapa estratégico, ajustado à estratégia
específica da organização, descreve como os ativos intangíveis impulsionam melhorias de
desempenho dos processo internos da organização, que exercem o máximo de alavancagem
no fornecimento de valor para os clientes, os acionistas e as comunidades.
3. Representar visualmente a estratégia; O mapa estratégico é a representação visual da
estratégia, mostrando numa única página como os objetivos nas quatro perspectivas se
integram e combinam para descrever a estratégia.
4. Ligar o trabalho individual à estratégia: Com o mapa estratégico, os empregados têm
uma representação visual de como suas funções se conectam com os objetivos gerais da
empresa, ao mesmo tempo em que os gerentes compreendem com mais clareza a estratégia
e identificam os meios para detectar e corrigir os desvios de rumo.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 184
5. Demonstrar o fluxo de valor: Os objetivos nas quatro perspectivas são conectados uns
aos outros por relações de causa e efeito. A partir do topo, parte-se da hipótese de que os
resultados financeiros só serão alcançados se os clientes-alvo estiverem satisfeitos.
6. Reforçar a importância do conhecimento: O fundamento de qualquer mapa estratégico é
a perspectiva de aprendizado e crescimento, que define as competências e habilidades
essenciais, as tecnologias e a cultura organizacional necessárias para suportar a estratégia da
empresa.
A estratégia é um processo contínuo na orgnização, não deve ser algo distante reservado
somente às salas luxuosas dos altos dirigentes. Este desdobramento para toda entidade é
feito através de processos de comunicação e educação permanentes, do desenvolvimento
de competências e sistemas de avaliação. Daí porque muitas organizações fazem o Mapa
Estratégico para subsidiar os programas de capacitação e formação de pessoal. Além disto,
um sistema de incentivos e recompensas deve mostrar a conexão da performance individual
com a performance de toda a organização.
Algumas críticas tem sido feita ao BSC pela sua unidirecionalidade aos resultados
financeiros. Ele por si só não contemplaria os fatores complexos de uma organização como a
análise do ambiente externo ou restrições mais estruturais. Ele seria pouco dinâmico e suas
relações de causa e efeito muito simplificadoras. A relação entre planejamento e execução
permanece fragmentada no esquema do mapa estratégico. Apesar disto, ele tem se tornado
muito usual em organizações publicas e privadas.
No setor público a dimensão financeira não tem o mesmo enfoque que no setor privado. Os
órgãos fazendários por exemplo, adotam a perspectiva fiduciária, outros adotam a
perspectiva da execução orçamentária. A perspectiva dos cliente pode ser substituída pela
perspectiva dos cidadãos e/ou contribuintes. A perspectiva do aprendizado no setor público
é ainda mais importante que no setor privado. Como a estabilidade de emprego, sem um
potente sistema de motivação funcional e avaliação de desempenho, funciona como fator
de acomodação e queda de produtividade.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 185
A metodologia do “5W2H”
Esta metodologia, na verdade é uma técnica muito simples e efetiva de organizar reuniões,
assuntos, preparar processos de planejamento de forma rápida e direta. Ela surgiu na área
de comunicação social como uma orientação aos jornalistas para elaboração das matérias,
procurando identificar rapidamente todos os pontos que seriam importantes para relatar
um evento ou caso.
O método é um check-list de várias perguntas formuladas originalmente em ingles como
segue:
• What? O quê? Qual?
• Who? Quem?
• Where? Onde?
• When? Quando?
• Why? Por quê?
• How? Como?
• How much? Quanto custa? Qual será o investimento necessário?
Ele pode ser utilizado também para mapear e identificar processos. Como não requer maior
fundamentação teórica ou assessoria externa é de emprego universal. A idéia é que sua
aplicação de origem a um “plano de ação” para enfrentar uma situação problemática ou
aproveitar uma oportunidade. Como segue;
PLANO DE AÇÃO
1. O que fazer?
2. Por que faze-lo?
3. Quem o fará?
4. Quando será feito?
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 186
5. Onde será feito?
6. Como será feito (método)?
7. Quanto custará a ação?
Na figura a seguir ssão resumdas as principais perguntas do “5W2H”:
A Análise de SWOT
Esta é outra metodologia ou mais corretamente falando, outra técnica de pronto emprego
para uso em reuniões, processos de planejamento rápido ou mapeamento de processos. A
implementação do SOWT, que quer dizer forças, fraquezas, oportunidades e ameaças
depende do detalhamento destes quatro pontos, como segue:
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 187
a) Forças : Determine os pontos fortes de sua organização. Isto deveria ser de ambos seus
clientes internos e externos. Não seja humilde; seja tão pragmático quanto possível.
Questões básicas :
• Há qualquer vantagem sem igual ou distinta que faz sua organização se destacar?
• O que faz com que os clientes escolham sua organização ao invés da concorrente?
• Há qualquer produto ou serviços que o concorrente não pode imitar (agora e no futuro)?
b) Fraquezas : Determine as fraquezas de sua organização, não somente de seu ponto de
vista, mas também, o mais importante, de seus clientes. Embora possa ser difícil para a
organização reconhecer suas fraquezas, é melhor encarar a realidade , sem procrastinar.
Questões básicas :
• Existem operações ou procedimentos que podem ser melhorados?
• No que ou por que seus concorrentes operam melhor que a sua organização?
• Existe algo inoperante da qual sua empresa deveria estar ciente?
• Seus concorrentes tem um certo segmento de mercado conquistado?
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 188
c) Oportunidades : Outro fator importante é determinar como sua organização pode
continuar a crescer dentro de seu mercado. Afinal, oportunidades estão em todo lugar, tais
como mudanças na tecnologia, política governamental, padrões sociais.
Questões básicas :
• Onde e quais são as oportunidades atrativas dentro do seu mercado?
• Existe alguma nova tendência surgindo dentro do mercado?
• Quais as perspectivas futuras da sua empresa que possam vir a descrever novas
oportunidades?
d) Ameaças : Ninguém gosta de pensar em ameaças, mas nós ainda temos de enfrentá-las,
apesar do fato que elas são fatores externos que estão fora de nosso controle. É vital estar
preparado e enfrentar as ameaças durante situações de turbulência.
Questões básicas :
• O que seu concorrente está fazendo que está suprimindo seu desenvolvimento
organizacional?
• Existe alguma mudança na demanda do consumidor, que pede por novas exigências de
seus produtos e serviços?
• As mudanças tecnológicas estão afetando sua posição dentro do mercado?
A análise SOWT acontece quando os quatro quadrantes estão preenchidos, veja a figura a
seguir. Em cada quadrante há uma configuração específica e uma indicação que ajuda o
planejador a determinar o que fazer. Por exemplo, no quadrante onde estão combinadas as
forças (internas) com as oportunidades (externas) há claramente uma indicação das
prioridades da organização, do seu foco de ação, daquilo que a distingue das demais e que é
sua força. Já o oposto, no quadrante de confluência das ameaças (externas) com as
fraquezas (internas) há um sinal de alerta, uma indicação de estratégia defensiva ou de
sobrevivência num cenário hostil.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 189
A análise SWOT pode ser muito útil como ferramenta auxiliar para fomentar um
brainstorming no início de um debate sobre cenários futuros para a organização ou
seminários de planejamento estratégico. O SWOT é especialmente útil para a gestão de
riscos porque permite visualizar num mesmo quadro fontes internas e externas de riscos
para os projetos e ações.
Deve-se ter o cuidado para não congelar a análise, a realidade é dinâmica e os pontos mais
importantes devem ser monitorados o tempo todo. Ainda mais porque boa parte das
informações dependem de eventos externos, muitos fora da governabilidade da
organização.
Debatendo o tema do monitoramento e da avaliação das ações de gestão
Uma das características da gestão inovadora é a crescente difusão de técnicas de avaliação.
Sabemos que o que não pode ser medido, não pode ser avaliado nem melhorado de forma
eficaz. A primeira dificuldade na avaliação de um projeto (ou uma política pública) é
encontrar arquiteturas metodológicas ou desenhos de projetos que não foram feitos para
serem avaliados. Se o projeto não resulta de uma metodologia consistente de planejamento
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 190
estratégico, ou seja, não avalia a situação inicial com a devida profundidade é impossível
avaliar impactos ou resultados de forma conclusiva.
Pode-se também fazer uma avaliação geral do desempenho institucional, como suger o
quadro a seguir. Neste caso os principais indicadores seriam:
• Indicadores de resultados: apresentam os resultados da ação, tais como Taxa de
mortalidade infantil, número de idosos vacinados, etc;
• Indicadores de eficácia: descrevem a eficácia da administração, ou o alcance das
ações e dos objetivos propostos, tais como: Redução da taxa de mortalidade infantil,
redução da criminalidade, etc;
• Indicadores de funcionamento: descrevem a eficiência dos processos de trabalho,
tais como: tempo de atendimento no posto de saúde, custo da vacinação por criança
vacinada, etc; Indicadores de recursos: estão relacionados à alocação e à gestão dos
recursos orçamentários-finaceiros destinados à organização;
• Indicadores sócio-econômicos: descrevem o ambiente econômico em que a
organização atua: Renda per capita, taxa de crescimento do produto interno bruto;
• Descritores: mostram a administração do ponto de vista da sua organização interna.
Número de servidores, servidores por escolaridade, nível de informatização, etc.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 191
Entretanto, vamos focar nossa atenção no nível dos projetos e ações. Compreender um
projeto é antes de tudo apreender a complexidade do problema que o determinou,
complexidade entendida como uma situação onde não é possível separar saberes de forma
independente (o econômico, o político, o psicológico, por exemplo), o recorte acadêmico
das disciplinas especializadas torna a complexidade dos problemas um ente abstrato,
desprovido de concretude e conexão com outros elementos. Assim a avaliação deve
enfrentar este primeiro desafio, apreender a multidimensionalidade dos fenômenos, recusar
a formalização arbitrária que separa saberes.
Os processos de avaliação podem apresentar sintomas de fracasso antecipado como: muitas
vezes a avaliação é dispensada quando é possível, gera ansiedade e reações defensivas ao
invés de receptividade, dificuldade de definir critérios justos para realizar avaliações, o
processo avaliativo não gera informações úteis para a decisão dos gestores, não há definição
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 192
compartilhada entre avaliados e avaliadores sobre os objetivos da avaliação, muitos
processos reais de decisão são ocultos e não-transparentes, objetos avaliados com mesmos
procedimentos apesar de níveis de complexidades diferenciados, falta de pessoal treinado,
etc.
A avaliação é base do aprendizado, suporta a tomada de decisão e viabiliza o controle social.
O maior problema apontado é a desconexão existente entre o processo de monitoramento
(que é pré-condição para a avaliação) e o processo propriamente dito de avaliação com os
procedimentos decisórios reais da organização. Uma das causas desta ritualização e
burocratização dos processos avaliativos é a pretensão ilusória de produzir informação
completa, aparentemente neutra e objetiva, sobre problemas do tipo quase-estruturados,
cuja natureza é difusa e leitura dependente do universo ideológico-cognitivo do observador.
Segundo os princípios metodológicos de planejamento aqui apresentados a avaliação de
projetos ou de políticas só adquire capacidade de impulsionar a cultura de planejamento,
isto é, funciona como um “motor” para ampliar os níveis de planejamento sistêmico se, e
somente se, for conectada aos processos de tomada de decisão, ao modo como o “governo
se governa”.
A atividade mesma de avaliar é compreendida de diferentes maneiras. Não é raro que
pessoas ligadas a instituições, programas e projetos, na posição de objeto da avaliação,
considerem-se a caminho do cadafalso. Muitos avaliadores, por outro lado, sentem-se mais
realistas do que os reis, mais poderosos e oniscientes que os deuses do Olimpo. Entre os que
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 193
se dedicam ao tema, há razoável consenso de que o processo avaliativo exitoso possui
quatro características fundamentais: (i) deve ser útil para as partes envolvidas no processo;
(ii) tem que ser oportuno, ou seja, realizado em tempo hábil para auxiliar a tomada de
decisão, que é um processo incessante; (iii) tem que ser ético, isto é, conduzido de maneira a
respeitar os valores das pessoas e instituições envolvidas, em um processo de negociação e
de entendimento sobre os critérios e medidas mais justas e apropriadas; (iv) tem que ser
preciso, bem feito, adotando-se os cuidados necessários e os procedimentos adequados
para se ganhar legitimidade.
Será tentando sempre fazer esta conexão – que confere legitimidade e por isso, aceitação e
compartilhamento da avaliação – que esta metodologia foi desenvolvida. A qualidade de
avaliação e monitoramento de um projeto depende diretamente da qualidade do desenho
global do projeto. Por exemplo, se a identificação do problema, suas causas, sintomas e
efeitos na fase inicial do planejamento estratégico foi incompleta, parcial ou insatisfatória,
provavelmente será muito difícil obter eficácia no monitoramento do projeto simplesmente
porque não se sabe o que está sendo resolvido, não há como saber se o problema está
diminuindo ou aumentando no decorrer da gestão. Outra condição necessária para a
avaliação é a elaboração de um bom projeto no seu aspecto operacional.
A Matriz do Quadro Lógico fornece, se bem elaborada, um pré-desenho estrutural do
projeto, mas há informações adicionais que devem ser detalhadas. Na literatura sobre
projetos há vários nomes para esta etapa: “projeto operacional” ou “projeto executivo”, o
que merece toda atenção agora é o detalhamento operacional da MQL. Além dos
indicadores para os vários níveis que já devem estar prontos (assim como suas fontes de
verificação) serão necessários para cada atividade estabelecer - no mínimo - as seguintes
informações: (a) quais recursos serão necessários (já previamente debatidos na etapa da
MQL), (b) quais produtos serão gerados pela execução destas atividades, (c) precisar os
resultados previstos em cada uma delas (já previamente debatidos na MQL) e (d) quais os
participantes do grupo de planejamento serão responsabilizados pela coordenação de sua
execução.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 194
Outras informações adicionais são necessárias como o cronograma previsto de execução, as
interfaces internas e externas necessárias para obtenção dos produtos e resultados
previstos. O detalhamento de um projeto pode (e deve) ser feito detalhadamente
respeitando sempre o princípio de envolver diretamente no planejamento das atividades os
grupos ou pessoas envolvidas na sua execução. O grau de agregação de atividades em um
projeto, ou de combinação de vários projetos para formar um programa depende de vários
fatores, complexidade do problema que se quer resolver e correspondente complexidade do
quadro-lógico elaborado, tamanho e abrangência da organização, grau de conflito ou
interesses divergentes no público alvo do projeto, etc...
A avaliação do projeto será sempre uma avaliação situacional, isto é, será sempre um juízo
técnico e político na conjuntura de execução do projeto, que permite captar e avaliar a
realidade, analisar o desenvolvimento inicial de novos problemas e avaliar a direcionalidade
geral do planejamento estratégico. Só faz sentido avaliar a eficácia, eficiência e efetividade
de um projeto dentro do contexto mais complexo de avaliação do planejamento estratégico,
da conjuntura presente e futura (cenários) e da própria evolução da organização que
planeja.
Portanto deve-se recusar totalmente padrões de conduta e procedimentos burocráticos e
formalistas, comuns em algumas áreas do setor público, que costumam avaliar projetos
ignorando a complexidade do sistema social e a cultura organizacional. A avaliação
situacional é aquela que, a partir do ponto de referência teórico e ético-moral daquele que
faz a avaliação, é capaz de apreender esta realidade complexa e contraditória. Neste sentido
a avaliação de um projeto é feita previamente quando é analisada a viabilidade do projeto,
se as suposições são verdadeiras, o projeto é localizado dentro dos vários cenários do
planejamento estratégico, as opções estratégicas em relação aos demais atores são
revisadas, etc..., e a avaliação a posteriori quando o projeto está em execução ou já produziu
os resultados esperados.
É esta segunda avaliação que demanda um bom desenho operacional e um conjunto de
indicadores, inclusive indicadores associado à evolução do problema inicial que estimulou a
criação do projeto. Normalmente indicadores que monitoram a situação problemática inicial
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 195
estão associados ao objetivo do projeto ou ao objetivo superior da organização porque há
sempre uma relação lógica entre objetivo da organização e a seleção do problema. Por
exemplo, um problema declarado da seguinte forma “o sistema de transporte urbano é
ineficiente” está obviamente associado ao objetivo do órgão público, gestor do sistema, em
garantir eficiência, eficácia, qualidade,..., ao sistema de transporte urbano.
As características básicas do sistema de avaliação devem ser:
• Objetividade: entendida como capacidade de apreender a realidade a partir de
determinada referência situacional, explicitada por quem observa e faz a análise. Ser
objetivo não é “ser neutro” ou “imparcial”, mas analisar a realidade com a máxima
consciência possível dos próprios viéses e distorções de foco (admitir uma certa
“cegueira situacional”).
• Completa: significa uma negociação permanente entre o que é viável e factível e o que é
ideal e perfeito, dados coletados à exaustão geralmente tornam o processo avaliativo
nebuloso e difuso, há necessidade de focalização é permanente.
• Validade e confiabilidade: exige coerência entre os instrumentos e conceitos usados pela
medição e o que se pretende medir. Depende da estabilidade e qualidade dos dados
coletados.
• Qualidade: é a adequação entre a informação obtida e o uso que se quer, é uma
condição necessária para a boa avaliação.
• Estabilidade: desde que sejam adotados os mesmo métodos e conceitos, os resultados
da avaliação não devem variar com o avaliador.
As avaliação podem ser classificadas de acordo com o momento em que se realizam, em
função de quem realiza a avaliação, em função da escala do projeto e ainda em função dos
destinatários da avaliação.
A primeira tipologia diz respeito à avaliação (a) ex-ante e (b) avaliação ex-post. Como o nome
sinaliza na avaliação anterior à realização do projeto o objetivo fundamental é definir se o
projeto deve ou não ser implementado. Em alguns casos é possível aplicar o método da
Análise Custo-Benefício (ACB) e a Análise Custo-Efetividade (ACE) para hierarquização entre
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 196
vários projetos alternativos. O primeiro método para avaliação de projetos econômicos e o
segundo para projetos sociais. Na avaliação posterior (b) a dimensão temporal permite dois
níveis de análise:
(a) Avaliação de processos: realizada durante a execução do projeto para determinar o grau
de compatibilização entre os objetivos do projeto e os componentes do projeto, de
forma periódica, com foco na eficiência da operação do projeto.
(b) Avaliação de impacto: procura determinar se o projeto está alcançando seus objetivos e
quais os efeitos secundários.
A avaliação de processo “olha para frente” , enquanto a avaliação de impacto “olha para
trás”, verificando se o projeto funcionou ou não. No primeiro caso os “clientes” da avaliação
são os responsáveis diretos pelo projeto, no segundo caso são os gestores públicos ou a
agências financiadoras.
Em função de quem realiza a avaliação pode-se desenvolver a (a) avaliação externa, com
mais ênfase na metodologia, (b) avaliação interna, com provável ênfase no conteúdo do
projeto (c) avaliação mista, combinando os dois processos e (d) avaliação participativa. Esta
última adquire especial importância nos processos avaliativos porque introduz na cena
institucional um elemento estratégico para a natureza participativa do planejamento
público: a oportunidade de participação e protagonismo do público-alvo, dos beneficiários
das políticas e projetos públicos.
A criação de mecanismos e instrumentos de uma avaliação participativa (que depende
muito do tamanho e natureza do projeto) cria os elementos essenciais de adesão da
população ao processo de planejamento e com efeito de compromisso coletivo sobre o
balanço crítico, as eventuais correções de rumo e os ajustes a fazer. A estratégia da
avaliação participativa cria uma espécie de compartilhamento entre os gestores e a
finalidade do projeto.
Em relação á escala dos projetos a avaliação as estratégias são diferenciadas, projetos
grandes demandam uma avaliação mais analítica e objetiva enquanto os pequenos a ênfase
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 197
é mais qualitativa. A lógica da avaliação de grandes projetos é mais dedutiva, exigindo a
construção de variáveis, indicadores, desagregando partes e depois reconstruindo um
conceito mais geral. Nos pequenos projetos a lógica é mais indutiva, o avaliador julga o
projeto como um todo mais facilmente.
As técnicas de avaliação dos grandes projetos são mais quantitativas, já nos projetos de
menor escala pode-se aplicar mais facilmente técnicas relacionadas aos métodos
qualitativos relacionados, por exemplo, à antropologia cultural, à etnografia, pesquisa
participante, histórias de vida, etc...O próprio avaliador em projetos pequenos tem mais
interações com os gestores e o público-alvo, os resultados são quase colocados em
perspectiva pessoal, fato quase impossível em projetos de maior porte.
As avaliações podem variar também conforme for a resposta a uma pergunta simples e
direta: para quem avaliar ? Toda avaliação prepara um momento de transição para a
tomada de decisão, mesmo que a decisão seja manter o que está sendo feito ou projetado
conforme a idéia original. A complexidade da avaliação depende, assim, dos destinatários
finais do relatório, quem deverá decidir sobre o processo final, dirigentes da alta direção da
organização, quadros intermediários ou responsáveis executivos e operacionais. Neste
sentido mesmo que haja uma base comum para a produção do relatório de avaliação, o seu
uso é obviamente seletivo dentro da organização.
Uma síntese geral sobre os procedimentos gerais de avaliação pode ser a seguinte:
• a avaliação não é um elemento agregado ao design organizacional de instituições do
setor público, mas é parte integrante da função de aprendizado institucional;
• a distinção entre avaliação cumulativa e formativa é ilusória: avaliações cumulativas
visam à melhoria da administração do setor público, exatamente como a avaliação
formativa. Uma avaliação cumulativa que não seja formativa (isto é, que não contribua
para a tomada de decisão aprimorada) é irrelevante e constitui uma perda de recursos;
• a responsabilidade é uma condição que permite governar melhor e a avaliação é um dos
instrumentos mais importantes para a melhoria do setor público, pois possibilita a
tomada e a prestação de contas pela atribuição de responsabilidade;
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 198
• para ser eficiente a avaliação precisa ser sustentada por uma cultura de aprendizado:
sem esta, corre o risco de se tornar um exercício irrelevante, ou pior, uma restrição
burocrática sufocante;
• como parte integrante do aprendizado organizacional, a avaliação é um processo
contínuo e interativo – uma conversa ou um discurso crítico com as pessoas envolvidas
na execução ou atingidas pelas políticas, programas, projetos avaliados e,
principalmente, com os que podem tomar decisões pertinentes;
• no setor público, a avaliação é ao mesmo tempo um medidor de eficácia e um veículo de
responsabilidade. Nesse sentido, é um instrumento indispensável ao governo.
Abaixo visualiza-se um exemplo baseado em aplicação real de uso do Marco Lógico em
projeto de geração de renda no contexto de sustentabilidade ecológica, reserva de biosfera
de cinturão verde. Observe o encadeamento da lógica horizontal (resultados decorrentes
das atividades e pressupostos) e da lógica vertical (relação entre impacto esperado, efeitos,
resultados e atividades).
Os indicadores possuem uma natureza qualitativa distinta relacionada a cada nível do
quadro (impacto, efeito e resultado), note-se ainda que a cada resultado previsto estão
associadas atividades e que entre os pressupostos das mesmas está o acesso às fontes de
financiamento e a disposição dos participantes para interagirem proativamente no processo
de elaboração/implementação do planejamento.
gestão pública inovadora – jackson de toni – dezembro de 2010 199
IMPACTO Melhoria da qualidade de vida de famílias pobres na região X, através de novos modelos de ação pública, tanto governamental como do terceiro setor.
INDICADORES IMPACTO 1) Ao menos 30 famílias/ano dispõem de segurança alimentar e habitação adequada. 2) Ações iniciadas servem de referência para projetos similares.
PRESSUPOSTO P/ SUSTENTABILIDADE 1) Fortalecimento das organizações da sociedade civil. 2) Consolidação da subprefeitura como indutor do desenvolvimento local.
INDICADORES 1) Atuação integrada e c/ continuidade 2) Subprefeitura tem capacidade para elaborar e executar novos projetos
EFEITO Desempregados, em especial jovens e adolescentes em situação de risco, dispõem de acesso a postos de trabalho na própria região e novas fontes de renda.
INDICADORES EFEITO 1) Ao final de cada ano, 30 jovens e/ou adultos dispõe de nova fonte de renda 2) Ampliação do volume de compra no crediário nas Casas Bahia.
PRESSUPOSTO P/ IMPACTO 1) Interrupção da expansão de loteamentos clandestinos. 2) Regularização fundiária. 3) Fim das obras públicas de grande degradação ambiental. 4) Melhoria da educação pública
INDICADORES 1) Estabilização da taxa de crescimento populacional. 2) Término do mercado imobiliário clandestino. 3) Vegetação intacta cobre todas áreas de manancial.
RESULTADOS 1) Criada, através de articulação entre diferentes organizações, uma incubadora de cooperativas. 2) Empreendimentos, individuais e cooperativados, de produção e comercialização de produtos agroecológicos são assessorados. 3) Empreendimentos, individuais e cooperativados, de ecoturismo e turismo histórico/cultural são assessorados. 4) Fórum de Desenvolvimento Regional congrega os principais atores e consolida identidade regional própria. 5) Gerência regional da ...... inserida ativamente como catalisadora de processos inovadores de desenvolvimento com foco na geração de trabalho e renda.
INDICADORES RESULTADO 1) Anualmente são aprovadas ao menos duas propostas de crédito pelo PROGER. 2) Anualmente criada ao menos uma cooperativa que sobrevive aos cinco primeiros anos. 3) Região X passa a figurar em guias e revistas de ecoturismo. 4) Região X registra segurança alimentar.
PRESSUPOSTO P/ EFEITO 1) Conselhos Gestores capazes de garantir uma política continuada de proteção e uso racional dos parques 2) Parceiros locais se envolvem ativamente no projeto ao longo do tempo. 3) Programas e projetos setoriais da Prefeitura de São Paulo são estendidos até a região X 4) Famílias apoiam processo de mudança iniciados através da empregabilidade. 5) Compras públicas são redirecionadas
INDICADORES 1) Continuidade das ações, mesmo após eleições 2) Disponibilidade de crédito e assessoria pela Prefeitura
ATIVIDADES 1.1) Articular parceria local 1.2) Articular assistência técnica e assessoria 1.3) Formatar currículo de capacitação 1.4) Fazer estudos de mercado (lixo; habitação popular; serviços p/ órgãos públicos; produção alimentos) 2.1) Fazer levantamento dos potenciais 2.2) Elaborar um plano de negócio piloto 2.3) Assessorar projeto piloto
3.1) Fazer levantamento 3.2) Articular parcerias 3.3) Assessorar projeto piloto 4.1) Assessorar reuniões regulares 4.2) Montar projeto de marketing regional 4.3) Formar banco de dados e projetos
PRESSUPOSTOS P/ RESULTADOS 1) Acesso a fontes de financiamento e assessoria técnica em manejo na Mata Atlântica. 2) Atores locais dispostos ao diálogo e crítica construtiva no âmbito do Fórum
INDICADORES 1) ONGs atuantes na Mata Atlântica prestam assessoria 2) Fundação de Meio Ambiente do Estado e Governo são acessados 3) Baixa rotatividade dos membros do Fórum
200
Uma palavra sobre a reengenharia e a análise de processos
O termo surgiu a partir de um livro de Michael Hammer no início dos anos noventa. A
reengenharia, como o nome diz, implicava num corte com a organização tradicional, um
processo agressivo de ruptura em direção ao modelo gerencial de flexibilidade, orientação
para os resultados e redefinição de processos decisórios, organogramas e chefias. Um dos
meios para isso era a aplicação intensiva das novas tecnologias de informação, em especial
os recuros da informatização e comunicação digital.
Uma das características principais da reengenharia é a identificação e o redesenho de
processos. Um processo é qualquer conjunto de decisões, estratégias, escolhas que
acontecem através de um fluxo de informação e decisão e que gera um resultado. Os
processos são formas de comunicação interna, mas também são formas de conexão da
organização com o meio exterior. Todos os produtos da organização podem ser
decompostos em processos maiores ou menores que se encaixam formando um mosaico,
uma paisagem dinâmica que envolve pessoas, recursos e tempo.
O detalhamento dos processos obedece a uma lógica precisa: quais atividades devem ser
realizadas para se obter o melhor resultado, que conhecimentos são necessários, que
informações devem ser disponibilizadas, que tipos de equipes serão capazes de assumir o
processo e liderá-lo ? Tudo o mais, que for excedente, obsoleto, desenecessário e peso
morto será cortado ou reduzido. Por isso a reengenharia foi muitas vezes confundida com
um movimento indiscriminado de cortes de pessoal e processos.
O redesenho de processos é o ponto alto da reengenharia. A intenção é otimizar os
procedimentos, se concentrar naquilo que o centro do negócio, a razão de existência da
organização. Neste trabalho os processos devem passar a ter objetivos e indicadores
mensuráveis e estarem vinculados intimamente á estratégia maior. A melhoria de processos
pode ser conduzida por consultores externos, mas deve ser protagonizada pelo pessoal da
organização, pelos próprios funcionários que vivem e se responsabilizam pelos processos.
201
Outro ponto importante é a prioridade na implantação do novo processo, mais do que seu
redesenho, de fato. Um novo processo implica em novas relações de poder, novas
competências. Isto afeta as relações interpessoais e tira muitos funcionários da sua zona de
conforto. Cria tensões e divergências que precisam ser trabalhadas para não deteriorar o
clima organizacional. A gestão da mudança nos processos é seu ponto mais crítico
Assim a reengenharia constitui-se num esforço organizado, que envolve toda a empresa com
o objetivo de mapear e redesenhar todos os processos. Se for necessários reformulando-os
completamente para aumentar a produtividade, a qualidade dos serviços, reduzir custos e
satisfazer os clientes.
Facilitação de grupos e técnicas de moderação
A aplicação de metodologias de planejamento exige sempre e em todos os casos um
processo de interação entre pessoas, este processo é fundamentalmente um momento de
aprendizagem coletiva. A moderação ou facilitação deve a um só tempo promover a
organização e coordenação necessária no processo de planejamento, estimular a
participação de todos envolvidos (isto é crucial em metodologias participativas) e motivar o
grupo para construir soluções de compromisso, sínteses político-administrativas capazes de
coesionar o grupo (da direção à base) em direção aos objetivos estratégicos da organização.
Portanto, aqui tem-se um primeiro alerta: moderar grupos não é tarefa fácil, especialmente
se os grupos apresentam algum grau de conflito interno ou disputas políticas mal
processadas e resolvidas, eventos comuns no cotidiano da administração pública. A
aprendizagem é muito mais do que a mera transferência de conhecimentos, o processo de
construção congnitiva da realidade é essencialmente subjetivo, racionalidade, não-
racionalidade, conhecimento e intuição, ciência, lógica e arte se misturam inexoravelmente.
A moderação de grupos deve saber potencializar virtudes e trabalhar as debilidades do
grupo para que o produto seja resultado desta permanente interação, por isso, a
importância da metodologia capaz de garantir a expressão comunicativa do grupo entre si.
202
As técnicas e dinâmicas de grupo – muitas vezes utilizadas de forma automática e
burocrática – servem basicamente a este propósito, viabilizar formas de expressão, de
contato, de aproximação com “o outro” utilizando processos não-verbais, trabalhando a
carga afetiva, o universo de sentimentos e as competências interpessoais. Resumindo, a
moderação de grupo requer toda uma “dramaturgia” que envolve desde as adequadas
condições físicas e materiais até a perícia pessoal de quem está protagonizando este
importante papel.
Em síntese as principais variáveis que afetam este processo são: (a) a interação provocada
entre elementos cognitivos, afetivos e psicomotores (atitudinais), (b) a experiência pessoal
vivenciada por cada elemento do grupo e sua identidade coletiva prévia, (c) os diversos
estilos de aprendizagem dos participantes, (d) a capacidade do moderador em manter e
conduzir o processo de aprendizagem de forma aberta e flexível e (e) a correta combinação
de técnicas de trabalho e aprendizagem com instrumentos metodológicos adequados
(dinâmicas, jogos, simulações, etc...).
A dinâmica de evolução do grupo
Um grupo pode ser considerado como um campo de forças onde elementos bem definidos
estão presentes. Segundo Moscovici estes elementos são: (1) Objetivos: até que ponto o
objetivo do grupo é suficientemente claro e aceito por todos? Há convergência entre
objetivos individuais e do grupo ? (2) Motivação: qual o nível de envolvimento real nos
problemas do grupo ? Quanto tempo e energia é efetivamente devotada ao grupo ? (3)
Comunicação: há espontaneidade ou distorção na recepção das mensagens ? Há troca de
feedback ? (4) Processo decisório: o grupo decide por imposição de quem tem o poder, por
votação ou consenso ? (5) Relacionamento: são de competição, cooperação ou conflitivas ?
Como o grupo resolve relacionamentos conflitivos ? (6) Liderança: como é exercida e quais
seus estilos ? Como o poder se distribui no grupo ? e (7) Inovação: como o grupo recebe
idéias novas ? De que forma os procedimentos são modificados ? Estes sete elementos
definem a dinâmica do grupo, isto é, seu modo de funcionamento.
203
No processo de planejamento o grupo é desafiado a olhar criticamente para a trajetória da
organização de que faz parte, sua situação atual e conformação de uma situação objetivo no
futuro. Este momento mobiliza forças variáveis que afetam diferenciadamente estes sete
componentes, momentos de otimismo e euforia podem dar lugar à frustração e decepção na
medida em que o processo de planejamento não atingir seus objetivos.
Deve-se lembrar que a elaboração de um plano ou projeto é apenas parte do processo de
planejamento, na verdade, o processo que envolve o amadurecimento coletivo de uma
equipe dirigente ou um setor qualquer é tão ou mais importante que o resultado final
desejado por todos, de qualquer forma, o planejamento é um traço cultural e uma prática
permanente de gestão estratégica.
Se a dinâmica de um grupo não reproduz os movimentos ritmados de uma máquina que
pode ser previamente programada, também não é verdade que toda experiência grupal é o
conflito permanente. Na verdade todo grupo evolui num processo constante de adaptação,
luta por seus objetivos, integração entre as partes e manutenção de um padrão
comportamental, até que fatores internos ou externos estimulem novos processos
adaptativos, ou seja, a dinâmica de um grupo no processo de planejamento é sempre uma
oscilação entre padrões de conflito e equilíbrio precário. O moderador deve ter a
capacidade de distinguir tais movimentos, considerando os aspectos da personalidade de
cada participante, promovendo inclusive integração emocional e afetiva.
O conflito de opiniões na dinâmica do grupo é normal, desejável e inevitável. A natureza
legítima do conflito decorre de posicionamentos situacionais diferenciados entre os
membros do grupo (fontes de informação, objetivos pessoais, crenças, sentimentos, etc...) e
não deve ser bloqueada ou tratada com fugas e evasivas pelo grupo. Será preciso identificar
a natureza das diferenças, as condições subjacentes ou o contexto e o seu estágio de
evolução, dos primeiros sintomas até a radicalização e disputa aberta dentro do grupo.
Nos processos de planejamento é impossível evitar conflitos através da escolha prévia dos
participantes a partir de uma mesma posição ou referência política pois nos processos
participativos de fato há sempre uma parte do grupo de planejamento que representa
204
posições eleitas ou delegadas de setores da organização, nem sempre em estrito acordo
com os princípios da direção. De qualquer forma a pior opção no enfrentamento das
diferenças internas é deixar que a lealdade baseada unicamente na hierarquia ou o medo de
reprovação e punição do chefe reprimam a criatividade que só se desenvolve quando as
diferenças afloram livremente.
A superação das divergências passa também pela criação de uma atmosfera organizacional
(ou clima) que deixe as pessoas à vontade para se exporem sem medo ou ameaças (veladas
ou diretas). A ameaça de um chefe que levanta a voz ou assume uma postura corporal
agressiva e hostil, por exemplo, gera um reflexo defensivo por parte dos funcionários, reduz
a tolerância recíproca às diferenças e ambigüidades, à incerteza do novo e não-familiar.
Liberdade para expressar-se sem censura ou possibilidade de retaliação são fundamentais
para aprender a conviver com as diferenças. A saída mais adequada nestes casos é criar as
condições para transformar diferenças em soluções de problemas:
“esta abordagem de resolução de problemas ajuda a lidar com sentimentos que
acompanham discordâncias, tais como frustração, ressentimentos, hostilidade. Através
de aceitação e colocação aberta de sentimentos, o líder ajuda a evitar a repressão de
sentimentos que explodiriam em ocasiões inoportunas. Auxilia também a canalizar
energia gerada por sentimentos para atividades construtivas ao invés de destrutivas. O
conflito em si tende a fazer com que o indivíduo procure meios de enfraquecer e minar
os que discordam dele, ao passo que a abordagem de resolução de problemas leva o
indivíduo a aceitar as discordâncias como sendo potencialmente vantajosas e
enriquecedoras a seus próprios objetivos, idéias e procedimentos” (Moscovici, 2001, p.
151)
É óbvio que esta opção exige mais tempo, dedicação e método, sob pena de aguçar ainda
mais o conflito para posições irreconciliáveis o que comprometeria a existência do grupo
enquanto grupo, o mais cômodo seria acomodar ou conformar-se com as diferenças.
Toda diferença gera conflito, todo conflito deve ser superado positivamente, uma nova
síntese deve surgir e isto representa mudança no comportamento e na dinâmica do grupo.
205
Toda mudança implica em resistência que pode ser - caso seja uma reação normal e sadia –
um processo de adaptação transitória, de instabilidade passageira diante de um novo padrão
que ameaça costume e prática familiares. Há várias formas de reação à mudança: bloqueios,
fuga, mecanismos de defesa, seletividade perceptiva, esquecimentos seletivos,
racionalizações, etc... Cabe ao moderador ou facilitador do grupo ajudar a transformar
progressivamente a insegurança diante da necessidade de mudança em níveis maiores de
autonomia e previsibiliade.
As fases de evolução psico-social dos grupos podem assumir durações variadas, o
moderador deve estar alerta para manter os objetivo do seminário de planejamento, para
isso deve manter sempre um argumento de autoridade em relação ao grupo, evitando
reproduzir relações autoritárias presentes eventualmente na organização:
(1) Aquecimento ou
quebra-gelo
A dependência do moderador é grande, os participantes testam o
moderador e definem os espaços de poder de cada um, fase tensa e
fundamental para começar bem o trablho de moderação.
(2) Disputa interna e
definição de papéis
O moderador estabelece as regras do jogo do grupo, objetivos e
organização interna, os participantes assumem diversos papéis, a
liderança interna se consolida, há mais segurança e confiança no
trabalho do moderador, os bloqueios diminuem.
(3) Surge um padrão de
relacionamento
Os participantes estabelecem um padrão de comunicação, a
conversa flui com mais clareza e objetividade, os sentimentos são
manifestados com mais sinceridade e solidariedade interna. Os
conflitos tornam-se mais explícitos e sistematizados.
(4) Diferenciação e
criatividade
Os participantes adquirem mais autonomia e eficiência. Os conflitos
começam a ser processados positivamente, novas identidades dentro
do grupo são recriadas, a dependência do moderador diminui.
(5) Integração e
maturidade
O grupo atinge o momento de maior coesão interna sobre pontos
importantes de divergências, os conteúdos emocionais e afetivos são
manifestados naturalmente e aceitos pelo grupo.
206
(6) Autonomia
É a fase de “terminação” da experiência de grupo, de retorno às
funções rotineiras, agora iluminadas sob a inspiração pessoal e
coletiva vivida no grupo. Cada participante se sente desafiado a
reproduzir no seu cotidiano o aprendizado do grupo.
Nos grupos os pontos mais críticos são como as pessoas lidam com o conflito, uma forma
esquemática de representar a evolução do conflito no grupo está mostrada a seguir.
Técnicas e dinâmica para o trabalho com grupos
Os jogos dramáticos e as dinâmicas de grupo tem demonstrado enorme utilidade no
processo de moderação de grupos de planejamento estratégico por razões evidentes: o jogo
estabelece uma “ordem lúdica” que ao interromper temporariamente a rotina de trabalho,
possibilitando a um só tempo estimular a criatividade, a espontaneidade e o convívio
democrático (por exemplo, entre pessoas de relação hierárquica subordinada), além de
ajudar no processo de maturidade do grupo na medida em que o processo de planejamento
avança e gera tensões.
207
O simples domínio de uma ferramenta específica, por exemplo, a aplicação de um “júri
simulado” para aprofundar determinado tema, não faz do moderador um especialista em
dinâmicas de grupo, muito menos em metodologia de planejamento. O idealmente
recomendável é planejar processos de planejamento estratégico participativos com a co-
moderação de especialistas neste temas, geralmente psicólogos organizacionais e outros
profissionais.
Então estes são os principais alertas sobre o uso indiscriminado ou amador de técnicas: (a) o
domínio de algumas técnicas não faz seu aplicador um mestre em dinâmicas de grupos,
quando se trata de mobilizar sentimentos todo cuidado é pouco e só a experiência
proporciona a sensibilidade para tratar com dinâmicas de grupo de forma produtiva, (b) não
confundir jogos e simulações com pirotecnia ou representações cênicas que se esgotam em
si mesmo, tudo deve fazer algum sentido para o grupo, para cada participante, para o
moderador, (c) cada situação demanda uma adaptação específica, não há receita universal
aplicada em todos os grupos, em todos os momentos, o moderador deve estar atento os
aspectos particulares de cada grupo e sua história.
A aplicação de técnicas de grupo sempre apresenta algum grau de resistência, os motivos
são diversos e complexos: o medo de exposição pública de deficiências ou falhas, o receio de
enfrentar situações que questionam papéis, funções e o status de cada um dentro do grupo,
a acomodação e o conformismo com vivências, sentimentos e problemas da rotina, etc... O
planejamento da atividade deve analisar detidamente o perfil do público envolvido, o
contexto em que os seminários ou oficinas de planejamento (ou projeto) estão se
realizando, as expectativas dos gestores ou direção das organizações, o grau de formação
escolar dos participantes, suas funções na organização e outras informações que ajudem na
concepção de cada dinâmica ou técnica a ser empregada em cada fase do processo de
planejamento ou elaboração do projeto de forma participativa, com menor resistência.
Situações limites que podem desencadear manifestações de angústia, depressão, raiva ou
agressividade devem ser encaminhadas com ajuda psicológica especializada. A experiência
da comunicação é fundamental na dinâmica de evolução do grupo e no trabalho do
moderador. A linguagem que usamos não só descreve uma realidade pré-existente como é
208
fonte geradora de novas realidades porque realizamos verdadeiros “atos de fala”:
prometemos, pedimos, ofertamos, afirmamos ou declaramos coisas, processos, pessoas,
realidades, etc... Assim a linguagem cria e recria constantemente o mundo e as pessoas, o
modo como as coisas são depende de como elas são ditas, as interpretações sobre o
mundo, portanto são fundamentais para a convivência entre pessoas, grupos, sociedades.
No grupo a comunicação ocorre sempre referenciada em dois processos distintos: uma fala
ou origem e uma escuta ou destino. Saber escutar as diferentes mensagens é fundamental,
entender qual sua história, origem, contexto cultural, ânimo,..., escutar é recriar uma
identidade com o interlocutor reinterpretando sua fala para fazer ou criar um novo sentido.
A técnica de moderação deve sempre considerar este processo de conversação. A técnica ou
dinâmica a ser utilizada é na essência uma processo de “conversação” do grupo entre si e
com o moderador. Cada processo de conversação tem uma natureza distinta, pode servir
para definir ações, possibilidades, justificativas ou simplesmente manter o processo de
conversação em aberto.
A moderação de grupos utiliza freqüentemente uma técnica básica para conduzir, motivar e
estimular processos comunicativos (conversações) no grupo: a pergunta com um fio
condutor do processo. A técnica de perguntar ao grupo pode ser uma das mais eficazes
ferramentas de moderação, na medida em que provoca, desafia, demanda uma resposta.
Toda pergunta do moderador deve almejar um objetivo preciso: o que, quem, quando,
como. Alguns elementos para utilizar corretamente esta técnica:
(a) perguntar com simplicidade e sem rodeios: perguntas diretas e ousadas tem o mérito de
despertar o grupo para ângulos ou ênfases de abordagem da temática (seja ela a
descrição das metas de um projeto ou a identificação de uma operação estratégica) até
então ocultas pelo senso comum. Saber ousar na formulação da pergunta, desafiando o
grupo e enfrentar seus limites implica em descortinar novas possibilidades de ação e
posicionamento no processo de planejamento. Enfim, a boa técnica de moderação faz
perguntas “que ninguém quer fazer”, isto é, a natureza das perguntas deve
209
“desacomodar” o grupo e não raramente, despertá-lo para o óbvio, nem sempre tão
evidente.
(b) Cada fase de evolução do grupo exige perguntas diferentes. Por exemplo, todo encontro
ou seminário de planejamento possui uma fase inicial de aquecimento, quebra-gelo e
reconhecimento mútuo entre os participantes, nesta etapa é completamente inócuo e
pode estressar prematuramente a relação com o moderador caso o mesmo insiste em
direcionar o ritmo do trabalho através de perguntas relacionadas às fases finais do
planejamento. Fazer a mesma pergunta num dependendo do grau de consolidação de
uma identidade básica e amadurecimento tem uma efeito completamente diferente.
(c) As perguntas podem ser abertas ou fechadas. As primeiras permitem iniciar um processo
de conversação mais espontâneo e livre, são mais adequadas para despertar a
criatividade e o aprofundamento de idéias do grupo, elencar a diversidade de opiniões,
checar a variedade de opções ou possibilidades que determinado assunto provoca ou
mobiliza. Geralmente começam com pronomes interrogativos: qual, o que, quando,
quem, etc...As perguntas fechadas embutem na própria sentença as opções de resposta,
direcionando mais o campo de possibilidades que provocam. Normalmente o
moderador utiliza este tipo de pergunta para valorizar, priorizar ou estabelecer
hierarquia entre opções disponíveis para o grupo em momentos de síntese de um
debate ou decisão. Entre a natureza “aberta” e a “fechada” das perguntas há outros
formatos que implicam, por exemplo, em perguntas que demandam uma escala ou
graduação da resposta (“Entre 1 e 10 qual a nota que você daria sobre....?”).
(d) Saber perguntar só adquire sentido se as perguntas estiverem organizadas numa
seqüência lógica. Alguns passos são indispensáveis: o que se quer com a pergunta, qual
o produto final esperado com a mesma e como a pergunta se relaciona com as demais,
tanto as precedentes como as seguintes. O seminário de planejamento pode assim ser
estruturado pelo moderador através de um verdadeiro “fio condutor” de
perguntas/conversações adequadas a cada fase de evolução do grupo e a cada
momento da metodologia de planejamento estratégico proposto.
210
Um quadro síntese deste processo das perguntas como fio-condutor:
Modalidade de
Perguntas
Modalidade de
Respostas
Procedimentos do moderador Características
Abertas
Fechadas
ou mistas (em
escala)
Em tarjetas
Lê a pergunta, define a tarjeta
para resposta, recebe e lê cada
tarjeta, provoca o debate no
grupo e monta um painel (ou
matriz)
Favorece maior
participação de todos,
exige menos tempo e
estimula capacidade de
síntese e objetividade
Verbal
Lê a pergunta, participantes
falam, moderador faz a síntese
em tarjeta ou próprio
participante, confirma o
argumento no grupo e monta o
painel negociando com todos
participantes.
Estimula maior
espontaneidade e
interação entre o grupo,
exige mais tempo, valoriza
o protagonista, quem está
falando.
Não-verbal
Lê a pergunta e define as
regras, participantes fazem
colagens ou desenhos ,são
apresentados e interpretados
pelo grupo. Moderador
sistematiza painel final.
Trabalha mais estados de
ânimo e o discurso não-
racional, ajuda a resolver
impasses prolongados,
estimula criatividade.
Outros aspectos relevantes para o uso e aplicação de dinâmicas de grupo:
(a) a formação de subgrupos: é um recurso muito utilizado para aprofundar temas
específicos simultaneamente e portanto, produzem economia de tempo, no máximo
oito participantes, criam um ambiente “menos hostil” para participação daqueles com
maior dificuldade de expressão ou timidez. Os subgrupos não devem diminuir ou
subtrair o poder deliberativo conclusivo da plenária, ao contrário, sua função é qualificar
o processo decisório. Podem ser agrupados por afinidade (tendência a reproduzir grupos
211
de interesses prévios ao seminário), de forma aleatória (facilita o entrosamento entre
cargos e funções hierárquicas distintas), para trabalhar temas particulares, etc...
(b) o momento inicial da apresentação: a fase mais tensa e importante da dinâmica do
grupo, é o momento de conter a ansiedade, demonstrar segurança e confiança no
trabalho que vai ser realizado. O processo deve começar pela apresentação dos
objetivos do evento e em seguida pela apresentação do próprio moderador, todos os
sinais (verbais ou não) são captados (escutados) pelos participantes. Em seguida a
apresentação dos próprios participantes deve ser desenhada de tal modo (uso de
técnicas e ferramentas) para que todos sintam-se à vontade para exporem suas
expectativas, medos e desejos em relação ao evento de planejamento. Os demais
elementos deste momento inicial são a apresentação sucinta da metodologia, das regras
de funcionamento do seminário e por fim o “contrato” que simboliza o compromisso
coletivo com o ambiente de debates e o sucesso do evento.
(c) Aspectos organizativos e ambientais: a moderação de grupos num seminário típico de
planejamento estratégico exige previamente a constituição de uma equipe de apoio
capaz de viabilizar e garantir durante o seminário a infra-estrutura de apoio (intervalos,
materiais gráficos, equipamentos didáticos e pedagógicos, salas de trabalho, etc...). Para
elaboração de planos estratégicos cujo horizonte é no mínimo um ou dois anos
recomenda-se no mínimo dois a três dias de seminário (para problemas ou organizações
mais complexas o seminário principal tem em média 40 horas), isto exige preocupações
adicionais com hospedagem, transporte, alimentação e lazer que o moderador não pode
e não deve assumir. Todos estes aspectos devem ser definidos previamente nas reuniões
de sensibilização e contrato com a organização. Não é recomendável tentar realizar os
encontros de planejamento estratégico mais críticos e importantes – nos moldes em que
esta metodologia se propõe – tentando combinar o ambiente das rotinas do dia-a-dia
dos participantes com reuniões tipo “meio turno” no próprio ambiente de trabalho.
A importância da visualização dos processos
212
A variável-chave para o processo de construção coletiva no grupo de planejamento chama-
se comunicação, é a interação verbal e não-verbal entre os vários membros do grupo que se
estende – antes e depois dos seminários de planejamento – entre a direção da organização e
o conjunto dos funcionários, colaboradores, clientes e fornecedores.
A concentração e a atenção dos participantes aumentam significativamente através da
comunicação visual, a associação entre a comunicação verbal e a visualização se
complementam. O uso de cartelas (tarjetas) ou papel são exemplos típicos de instrumentos
de baixo custo e bons resultados, principalmente porque viabilizam a participação individual
de cada membro do grupo.
O uso de pequenos retângulos de papel-cartolina (cartões) onde se pode escrever uma frase
ou algumas palavras (com pincel atômico) para facilitar a visualização é o recomendado. As
tarjetas de cartolina (papel gramatura 120g. e 22x12 cm.) podem ter formatos (retângulo,
oval, redondo) e cores diferentes (no máximo três de tons claros) para expressar diferentes
assuntos, estimular estados de ânimo e gerar emoções diferenciadas, criar associações,
etc...É importante lembrar que as frases escritas devem ser auto-explicativas, argumentos
completos”, deve-se tratar a tarjeta com o mesmo cuidado e respeito que a opinião de um
participante. As cartelas podem ser afixadas em painéis móveis, papel “kraft” ou pardo, com
alfinetes ou fita adesiva apropriada.
As vantagens da visualização como técnica de moderação de grupos:
(1) concentra a atenção do grupo e ajuda fixar conceitos importantes do planejamento. Facilita
o proceso de comunicação na medida em que cria uma “versão” comum e aceita por todos
sobre processos, argumentos ou conceitos.
(2) registra e permite a sistematização de contribuições individuais contribuindo para criar
“visualmente” um resultado coletivo que ajuda na formação da identidade. Ajuda o grupo a se
auto-reconhecer e amadurecer.
(3) facilita a retomada ou reconstrução de processos anteriores da metodologia, a hierarquia
entre conceitos e a construção de cadeias causais. Ajuda a aprofundar a discussão na medida
em que conceitos e argumentos são facilmente comparados e modificados pelo debate.
(4) é fundamental para assegurar processos participativos e democráticos, na medida em que o
moderador assegura a transparência dos argumentos em debate. Permite e respeita a igualdade
213
de opinião: “todas as cartelas escritas tem a mesma importância”.
(5) pode garantir mais objetividade ao processo de debates e discussões na medida em que a
linguagem escrita exige mais rigor e formalismo.
(6) os instrumentos de comunicação são de baixo custo e acesso universal (exigindo no mínimo,
domínio da escrita pelos participantes).
(7) facilita processos de avaliação do projeto ou planejamento, elaboração e difusão de
relatórios. Facilita o processo de síntese e objetividade dos debates e reuniões. Permite a
reconstituição rápida da trajetória do seminário até o momento atual.
Na medida em que o seminário de planejamento progride vários painéis ou mosaicos com
tarjetas vão sendo formados, as declarações estratégicas, a explicação do problema, o
desenho dos projetos, e assim por diante. A estética da visualização não é menos
importante, painéis confusos, mal escritos ou desorganizados acabam prejudicando o
diálogo e a comunicação entre o grupo e o próprio moderador, além de refletirem
esteticamente o estado de ânimo do debate.
O uso de outros instrumentos de apoio para exposições orais com o flipchart, papelógrafo
ou transparências requer cuidadoso planejamento em relação ao tipo de público que vai
participar, à clareza e não saturação de informações, ao ritmo da exposição e dinâmica.
O papel do moderador
O trabalho em grupos na atividade de planejamento estratégico com enfoque participativo
requer procedimentos especiais. Do ponto-de-vista técnico o moderador deve ter e saber
utilizar técnicas para despertar o interesse e a curiosidade dos participantes, manejar
técnicas de visualização, conhecer princípios e dinâmicas de grupos (jogos dramáticos),
saber aplicar em cada caso procedimentos para superar e resolver os conflitos.
Deve entretanto, saber usar sua sensibilidade e intuição, sua própria carga afetiva e
emocional para gerar e sustentar processos de aprendizagem. A combinação adequada
214
destes dois elementos distingue a boa da má moderação. Saber moderar é muito mais do
que memorizar um conjunto de técnicas de grupo ou um repertório de perguntas.
O papel do moderador é o de proporcionar um processo de autêntica “catálise” de idéias
entre os participantes, seu dever é viabilizar o processo comunicativo, nunca deve manipular
ou conduzir o grupo para determinada conclusão, deve fazer com que o grupo tenha níveis
crescentes de auto-consciência sobre suas virtudes e fraquezas para construir objetivos
coletivamente. A atividade de moderação não pode ser feita seguindo rigorosamente um
“manual de conduta” ou com regras fixas, saber moderar exige maleabilidade
comportamental, flexibilidade metodológica, adaptação sistemática ao padrão do próprio
grupo.
Sua imparcialidade diante dos temas em debate é fundamental para assumir o papel de
facilitador e portanto de mediador confiável dos processos comunicativos, sua credibilidade
reside nesta capacidade, seu profissionalismo também.
Resumindo as funções do moderador:
(1) Estimula o trabalho do grupo: promove o início e a continuidade do trabalho em grupo,
distribui tarefas, coordena atividades, atribui papéis, estrutura o conteúdo de trabalho,
motiva e conduz a atenção para temas relevantes, é o “guardião” do método, o método
é um “roteiro de viagem”, não o manual, propõe objetivos conquistáveis no andamento
do trabalho, assegura o registro e a documentação da trajetória do grupo;
(2) Observa e intervém nos processos grupais: assegura o prosseguimento e a acumulação
positiva no trabalho do grupo evitando, para isso, toda forma de interrupção, quebra de
ritmo ou desvio que implique formas abertas ou veladas de resistência, bloqueio, dúvida
ou divergências, fazendo com que estes processos sejam evidenciados coletivamente; o
conflito é a oportunidade para avançar na unidade e coesão do grupo;
(3) Adota postura que desafie o grupo a tomar decisões participativas: sugere e propõe
regras para os procedimentos de trabalho em grupo, estimular a participação de todos
independente de sua função ou cargo, esclarece as tarefas e papéis, promove a
215
socialização de conhecimentos, experiências e sentimentos dentro do grupo, mobiliza os
pontos positivos e viabiliza maior integração entre seus membros.
Para o processo de facilitação o moderador deve:
(1) Trabalhar para que haja condições no processo grupal de tranqüilidade, prazer e eficiência
dos participantes.
(2) Facilitar o processo de decisão do grupo na solução positiva dos conflitos e diferenças e nos
processos adaptativos de mudanças.
(3) Estimular o convívio democrático, a tolerância recíproca e o diálogo permanente
privilegiando sempre a pluralidade de opiniões e pontos-de-vista como método para
enriquecimento do conhecimento coletivo.
(4) Fomentar processos comunicativos a partir das trajetórias e experiências singulares de cada
participante através do uso consciente da linguagem verbal e não-verbal.
(5) Aplicar com conhecimento e sensibilidade um conjunto de ferramentas para fomentar a
participação e a criatividade (as dinâmicas de grupo).
(6) Ajuda o grupo a compreender de forma comum um conceito, processo ou situação,
independente da concordância ou não que deve ser trabalhada. Estimulando a capacidade de
síntese, a fundamentação dos argumentos e a clareza e consciência da comunicação
(conversações) interna.
Assim o processo de moderação não é totalmente isento ou inocente, só a prática contínua
cria no moderador a sensibilidade para saber até onde vão os limites da participação
individual, até onde os participantes estão dispostos a expor publicamente seus sentimentos
e estados de ânimo.
Só a experiência acumulada permite ao moderador saber separar sempre suas convicções
pessoais e a necessária isenção na facilitação do trabalho de grupo, tarefa sempre muito
difícil se a origem ou relação do moderador é muito próxima do grupo envolvido. É
fundamental sempre o respeito às pessoas, a transparência do processo (objetivos,
métodos, regras do jogo no grupo acertados e definidos previamente) e a garantia de
igualdade no processo de participação.
216
Um outro ponto importante é a autenticidade como uma característica natural e necessária
da moderação. Em processos de convívio intenso onde a autoridade combina-se com
crescente intimidade entre os participantes, qualquer sinal de não-sinceridade do
moderador abala a confiança e a credibilidade. Sem estas duas coisas não há identidade
necessária entre grupo e moderador, entretanto deve-se lembrar que o moderador tem
limites (que deve conhecer), também erra como qualquer outra pessoa e também está
sujeito à variações comportamentais e de humor que influenciam seu trabalho.
A identificação do moderador com o grupo não depende de uma eventual concordância com
as diretrizes estratégicas da organização que planeja ou uma identidade cultural ou política
prévia, depende mais da sua postura pessoal no relacionamento com o grupo. Neste sentido
alguns atributos são importantes para garantir uma boa moderação: olhar diretamente para
as pessoas, falar com convicção e firmeza, estar atento para a postura corporal, utilizar o
corpo e o espaço adequadamente no processo, observar os códigos de convivência do grupo
(modo de falar, vestir, p. ex.).
A moderação, enfim, é uma arte que cria suas próprias regras, o bom moderador não segue
manuais, a cada experiência inventa um novo script, em cada estréia escreve um novo
roteiro.
Atitudes que facilitam a Comunicação em Grupo
(1) Faça a reunião em forma de círculo de modo que todos se vejam face a face. Círculo é o
símbolo da “equilibração”. No círculo são todos iguais.
(2) Diga “Nós”. Evite o Eles, o Vocês. Envolva-se profundamente no grupo. Dirija-se a todos
mesmo referindo apenas a um. Não se exclua ao falar.
(3) Não faça “panelinhas”. Jogue com todos. Procure sentar-se junto a quem você conhece
menos. Dê chance aos demais de conhece-lo(a).
(4) Mantenha-se atento (a). Olhe para quem fala. Não se alheie do grupo pensando no que
você vai dizer. Espere sua vez de falar. Quando a bola vier, chute. Ouça! Olhe para quem
fala!
217
(5) Não fale baixinho com o(a) companheiro(a) ao lado. Podem pensar que critica algum
membro do grupo. Fale alto dirigindo-se a todos. O grupo é seu feedback.
(6) Faça como um jogador que recebe o passe. Sua contribuição deve encadear-se com a
anterior. Opere em conjunto! Seja como um elo de uma corrente! Coopere!
(7) Explique o “Porque” das suas afirmações. Se você não souber explicar os “porquês” (o
significado) está chutando fora do campo....
(8) No seu grupo podem existir pessoas tímidas, sem muita experiência. Valorize suas
contribuições. Jogue o jogo delas!
(9) Manifeste sua discordância com argumentos ou fatos e não simplesmente dizendo “Não
concordo”. Assim, as invés de criar barreiras, será percebida sua discordância tranqüila e
todos terão condições de prosseguir na “operação mental em conjunto” (Cooperação).
(10) Quando você estiver de acordo, procure expressar sua concordância, ainda que por um
pequeno gesto. Isto cria coesão e faz o grupo.
Organizando reuniões
As reuniões tomam muito tempo em qualquer sistema de gestão, seja público ou privado.
São centenas ou milhares todos os anos. Você já parou para contar quantas horas você passa
participando em reuniões durante uma semana, um mês, um ano ? O problema não são as
reuniões, pelo contrário, elas são os meios mais eficazes de comunicação direta, pessoal e
são necessárias para o desenvovlimento do nosso coeficiente emocional. O problema são as
reuniões que resultam em pouca produtividade, são desnecessárias e fazem-nos perder um
tempo que nunca mais poderá ser recuperado.
O fundamental antes de uma reunião é saber planejá-la, para isso três perguntas devem ser
respondidas sempre: (1) Para que devemos fazer a reunião ? Qual seu objetivo ?, (2) Em
função disto, que assuntos ela deverá tratar ? e finalmente (3) Como deverá ser realizada ?
Quais as questões logísticas envolvidas ?
Nestas perguntas estão contidos uma série de tópicos importantes, na primeira:
218
• Objetivos da reunião;
• Saber se a reunião é o melhor meio de alcançar os objetivos;
• Quem deverá participar da reunião;
• Qual a agenda;
• Quais informações os participantes devem ter ANTES da reunião;
• Quem deve ser responsável para sistematizar e distribuir estas informações;
• Qual a melhor data, horário e local para realizar a reunião.
•
Na segunda pergunta:
• Qual é o objetivo específico de cada item da agenda;
• Como ele deverá ser desenvolvido durante a reunião;
• Quais são as técnicas mais adequacadas para desenvolver cada ponto;
• Quanto tempo se demanda para cada tema;
• Que materiais didáticos devem subsidiar os participantes na reunião;
• Quem deve apresentar cada tema, como deve ser apresentado e que
encaminhamentos serão necessários em cada um.
Na parte logística todos os detalhes devem ser pensados, inclusive aqueles que
normalmente passam desapercebidos como o conforto ambiental e a qualidade dos
materiais utilizados, os problemas de transporte e deslocamento para chegar e retornar da
reunião, a importância de feedback aos participantes, etc.
As qualidades para conduzir uma reunião dependem do tipo e circunstâncias em que ela
ocorre, mas é sempre interessante que haja bom umor, segurança de si mesmo, intuição,
criatividade e flexibilidade. Sobretudo deve-se ter capacidade para improvisar, em se desviar
dos resultados planejados.
Outra habilidade é muito importante, saber animar e estimular a reflexão coletiva. Para isso
deve-se ter capacidade de moderação e facilitação de grupos, coordenar a superação de
divergências e ajudar o grupo a pensar como equipe. Para exercer estas competências deve-
219
se ter um outro conjunto de habiilidades: confiança e entusiasmo, tolerância, auto-estima,
capacidade de aprendizagem e auto-controle.
A literatura e a pesquisa mostra que o passo fundamental é motivar os participantes fazendo
com que sua percepção sobre a ocorrência da reunião seja proativa. Isto é, eles devem
perceber e acreditar que a reunião é importante e faz sentido para sua rotina profissional e
o cumprimento de suas tarefas, que sua presença faz diferença.
Infelizmente a maioria das reuniões são um fracasso. Não são preparadas, não há processo
de comunicação produtivo e seus encaminhamentos são inúteis ou inexistentes. A
participação das pessoas só ocorre por conta de uma ordem burocrática, ela acontece
envolta em apatia. Um chefe fala, os demais escutam. No final todos vão embora sem saber
porque vieram.
As pesquisas internacionais tem apontado causas variadas para o fracasso das reuniões.
Algumas são de fácil identificação: dispersão da atenção e do foco, falta de objetivos na
agenda, duração excessiva, preparação insuficiente, indecisão sobre os temas,
desorganização, falta de eficácia ou controle da liderança, temas irrelevantes, sensação de
perda de tempo, atrasos, interrupções externas freqüentes, falta de continuidade,
informação incompleta, assuntos repetidos e já decididos, etc.
Parece-nos que o papel fundamental para garantir uma boa reunião é o desempenho do
líder, do responsável pela reunião. Neste sentido ele deve cumprir algumas funções
indelegáveis:
1. criar um clima de confiança, para que os participantes se sintam importantes e
valorizados;
2. adotar e seguir um plano de trabalho (objetivos, metas, técnicas de apresentação,
documentação, etc.);
3. fazer as sínteses necessárias em cada ponto, na medida em que o debate avança,
para que se consolidem progressivamente conclusões coletivas;
220
4. atuar para elucidar dúvidas, superar ambigüidades e identificar eventuais
divergências, evitando trabalhar com generalizações;
5. zelar e proteger as opiniões minoritárias;
6. atuar para produzir um conclusão, ainda que provisória, que conduza o grupo a um
estágio superior de decisão e deliberação.
Uma reunião breve e de alta produtividade depende muitas vezes de coisas singelas e
simples. Por exemplo, o envio de um brainstorming breve, com posições diferenciadas sobre
o tema, para os participantes antes da reunião, pode abreviar longas horas de debate. A
experiência mostra que na ampla maioria das diverêngias o que ocorre são problemas de
comunicação, ruídos que impedem o entendimento. Saber escutar é tão importante quanto
saber se expressar.
Algumas regras práticas:
1. prepara sempre a reunião ANTES que ela aconteça;
2. na preparação municie os participantes com informação breve, focada e relevante;
3. se for dirigir a reunião, evite que sua opinião paute o resultado dos debates, se for
necessário, convide um moderador externo;
4. comece e termine a reunião no horário marcado, não faça reuniões freqüentes sem
que haja tempo para que as decisões tomadas amadureçam e se desenvolvam,
produzindo novos elementos e fatos a ponderar;
5. limite o tempo de cada intervenção individual, sem limitar o direito de expressão;
6. documente todo o processo;
7. nunca deixe de enviar aos participantes um registro dos principais temas debatidos e
sobretudo das decisões, prazos e responsáveis.
Uma palavra final sobre métodos, técnicas e ferramentas de gestão
Após analisarmos este conjunto de técnicas e ferramentas de gestão cabe uma reflexão final
sobre o tema. A gestão pública como vimos não é mais a mesma. Um sociedade que
221
caminha para uma fase de maturidade democrática é uma sociedade que exige muito mais
dos seus governos. Mais qualidade, mais atenção, serviços mais universais, menos impostos
e menos custos. Para isso não há mágica a não ser um longo e as vezes penoso processo de
mudança comportamental, cultural e política.
Os métodos são meios para isso, mas não são o objetivo final. Ele apenas servem para
caminharmos nesta estratada. É importante perceber esta diferença para não cairmos nas
armadilhas dos “metodologismos” e dos modismos passageiros que o mercado de
managment cria a cada ano com seus novos gurus e teorias mirabolantes. Muitas vezes o
método mais eficaz é aquele baseado no bom senso, para isso a mente deve estar aberta à
recombinações, fórmulas novas e processos de invovação, de tentativa e erro. Vale a pena
correr o risco ? Acreditamos que sim, a ferramenta que conseguimos criar certamente será
sempre a mais adequada para resolvermos nossos próprios problemas.
Perguntas
1. Porque utilizar uma metodologia na gestão inovadora é importante ? Justifique.
2. Na sua opinião existe um método ideal para resolver problemas da organizão ?
Justifique.
3. Num plano de melhoria gerencial qual seria a importância do plano de capacitação.
Bibliografia utilizada
Marinho, Sidnei. Uma Proposta de sistemática para operacionaliação da estratégia
utilizando o Balance Scorecard. Tese de Doutorado no Programa de Pos Graduação em
Engenharia da Produção da UFSC, 2006.
O objetivo deste excelente trabalho de pesquisa (disponível na web) foi o de de aprofundar
os princípios e práticas da utilização da medição de desempenho, o trabalho busca
222
consolidar uma sistemática para operacionalização da estratégia utilizando o Balanced
Scorecard por meio de análise crítica da pesquisa bibliográfica e da utilização do Método
Delphi para consultar especialistas da área. O autor utiliza técnicas como o SWOT, o Método
da Global Business Network para enriquecer a aplicação prática do BSC.
CHIAVENATO, Idalberto. Administração Geral e Pública. Elsevier: Rio de Janeiro,
2006.
Este livro foi elaborado originalmente para auxiliar os estudantes de nível superior nos
concursos públicos relacionados às carreiras federais que são muito exigentes na área da
gestão pública. Na verdade o livro adquiriu uma densidade e abrangência impar na literatura
disponível. Inicia comentando as escolas clássicas da administração para em seguida entrar
nos assuntos típicos da gestão publica: processo administrativo, gestão de pessoas,
comportamento organizacional até as novas abordagens da recente reforma gerencial. É
indispensável para quem quiser se aprofundar no assunto.
BROSE, M. Metodologia Participativa. Tomo Editorial, Porto Alegre, 2001.
Esta publicação é essencial para quem quiser conhecer métodos de planejamento e desenho
de projetos que podem ser aplicados no setor publico de forma participativa. São 29
metodologias mapeadas e identificadas. As metodologias estão divididas em grandes
agrupamentos segundo sua natureza: para trabalhos em grupo, para capacitação, para
diagnóstico participativo, para planejamento, etc. É uma obra importante na perspectiva de
maior democratização da gestão pública e envolvimento dos cidadãos nas questões
coletivas.
CLEMENTE, Ademir (organizador). Projetos Empresariais e Públicos, Atlas, São Paulo, 2002.
223
Esta obra se insere no contexto da retomada da importância do planejamento publico. O
autor organiza um conjunto de métodos e temas relacionados à elaboração de projetos, de
uso comum no setor público e privado. Entre os quais há técnicas de análise e previsão,
localização de investimentos, análise econômica e financeira, o problema da escala,
financiamento de proejtos, etc. A obra é um manual de referência indispensável para
entender metodologias inovadoras na gestão publica.
ALECIAN, S. e FOUCHER, D. Guia de Gerenciamento no Setor Publico. Editora RENAVAN e
ENAP, 2001.
Como o nome já diz esta obra é um guia, uma referência, não se trata de obra acadêmica ou
meramente teórica. Os autores são consultores franceses renomados na área e tem visitado
frequentemente o Brasil. O livro resultou de um programa de desenvolvimento gerencial
para a burocracia francesa e parte da tese de que o bom gerenciamento é antes de tudo
uma questão de boas práticas. É essencial pra entender o que é inovar em gestão pública.
VALERIANO, Dalton. Gerenciamento Estratégico e administração por projetos, Makron
Books, São Paulo, 2001
Este livro debate o tema da estratégia vinculado à formulação de projetos. O autor utiliza a
metodologia do PMI, Project Management Institute, que é mundialmente reconhecida para
elaboração de projetos. Apesar de não ser focado na esfera pública, os ensinamentos do
livro são essenciais para entender o processo de elaboração de projetos. Fundamental para
uma perspectiva gerencial da administração pública.
Brasil. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Gestão. Avaliação
Continuada da Gestão Pública: Repertório / Secretaria de Gestão. – Brasília: MP, SEGES,
2004.
Esta obra coletiva do Ministério do Planejamento constitue-se num repertório que reúne
informações, conceitos, fundamentos, métodos e técnicas para orientar as organizações
224
públicas brasileiras nos processos de avaliação e melhoria da gestão e de elaboração e
implementação de planos de melhoria da gestão. O trabalho pode servir a organizações com
vários ciclos de gestão realizados, que utilizam diretamente o Instrumento para Avaliação da
Gestão Pública, mas atende, principalmente, àquelas organizações públicas que estão
iniciando seu primeiro ciclo de avaliação e melhoria, utilizando o Manual para Avaliação da
Gestão Pública. A obra representa o “estado da arte” de metodologias de gestão inovadora,
de consulta e referência indispensável a todos os estudiosos, dirigentes públicos e
pesquisadores da área.
Mosocvici, Fela. Desenvolvimento Interpessoal: treianamento em grupo. José Olympio,
2001
Esta obra é um guia para treinamento em grupo – um verdadeiro clássico do gênero.
Destina-se a educadores e profissionais de organizações públicas ou privadas, como
dirigentes, executivos, gerentes ou assessores. É uma coletânea de textos de
fundamentação conceitual e de sugestões de atividades de aplicação para treinamento e
desenvolvimento em grupo. É uma obra ‘multiuso’, sem rigidez de seqüência obrigatória
tanto para os textos quanto para os exercícios. Server de referência básica para entender o
processo grupal, a evolução e as principais técnicas para coordenação dos grupos.
225
Aula 08
Planejamento e Gestão Inovadora
“(...) a capacidade de governo somente se
desenvolve quando é exigida pelas regras do jogo
político mediante práticas sistemáticas que exijam
cobrança e prestação de contas por desempenho.
Por trás da baixa capacidade de governo encontra-se
a fragilidade da crítica social profunda e a crise do
estilo de fazer política, que confere ao cidadão a
capacidade de eleger seus governantes mas lhe nega
a capacidade para avaliá-los periodicamente e
participar da gestão do governo”. C. Matus, “O Líder
sem Estado-Maior”.
As ferramentas de planejamento estratégico talvez sejam aquelas que mais representem as
habilidades e ferramentas de uma gestão verdadeiramente inovadora. Os desafios de
modernização da gestão pública, o padrão crescente de qualidade exigida pelos cidadãos-
usuários dos serviços e a imprevisibilidade das sociedades complexas exigem uma
verdadeira revolução nas metodologias e técnicas de planejamento estratégico.
Nesta aula vamos apresentar não só uma concepção nova de planejamento, profundamente
adequada ao enfoque da gestão publica inovadora, mas também um roteiro prático de
apresentação. Este roteiro envolve tanto o “como fazer” com templates e dicas de
moderação de grupos, como o sentido de cada momento da metodologia.
Um dos maiores desafios de qualquer governo é enfrentar sua baixa capacidade de gestão
para mudar a realidade, aplicar seu programa e resolver problemas estruturais que estão
fazendo parte da “paisagem”. Quando o projeto político é transformador e ambicioso este
226
problema ganha maior importância ainda, pois é preciso lutar contra a baixa governabilidade
e o isolamento imposto pelos adversários. A valorização das técnicas e ferramentas de
gestão e de planejamento estratégico fazem parte assim de um amplo e longo esforço para
retomar o sentido mais profundo do termo política: a arte de governar.
A transparência da gestão pública, a participação democrática dos servidores na condução
dos seus organismos, a reconstrução do setor público passam necessariamente pela ação
intensiva na formação de recursos humanos. Tenta-se aqui propor uma técnica de
Planejamento Estratégico fundamentada em três fontes: a primeira está baseada no
enfoque metodológico proposto pelo Planejamento Estratégico situacional de Carlos Matus,
economista chileno, para o setor público. A segunda é a experiência teórico-prática em
diversos níveis da administração pública. A terceira é a argumentação em favor da
centralidade da participação e da democracia deliberativa como método de governar e
construir um paradigma mais democrático na gestão pública.
A efetiva participação dos envolvidos no processo de planejamento além de ser um
preceito metodológico - planeja quem executa - e uma técnica para aumento da eficácia
e controle sobre a aplicação de verbas, é uma síntese político-ideológica que fundamenta
o compromisso democrático com uma visão de futuro concretamente vinculada à
cidadania e a sua identidade social e individual.
Em que consiste a efetiva participação? Não pode ser considerada como ‘método’ da
transmissão de informações das direções e não deve se constituir como subproduto, quer
como ‘benesse’ política, quer ‘simples conquista de espaço político’. Na verdade como
dizia o francês Michel Crozier nos anos setenta a participação é o princípio fundamental de
toda a participação não é a comunicação ou simples informação, nem somente o diálogo
sobre os grandes objetivos e os pequenos meios, mas a negociação, portanto o confronto
gerador de acordo sobre os elementos mais práticos da vida de todos os dias.
Deste modo, pode-se dizer que o segredo da natureza desta participação nos processos
decisórios, está no conteúdo de exposição consciente que as altas direções farão em relação
227
aos servidores. Desta maneira, abrindo e discutindo, concreta e democraticamente, suas
visões e noções sobre o curso das ações e a direcionalidade estratégica de suas instituições.
Antes, porém, de efetivamente discutir-se o Planejamento Estratégico com enfoque
participativo deve-se esclarecer o papel dos participantes deste processo. Considera-se que,
para efeitos desta metodologia, as organizações públicas necessitem de profissionais
qualificados com características de facilitadores internos.
Entende-se, aqui, portanto facilitador como a pessoa que, tendo sido capacitada através de
atividades formativas específicas, poderá desenvolver junto à sua organização, o processo
de Assessorar, Moderar e Facilitar a implantação do modelo, seguindo a dinâmica e os
pressupostos indicados. A característica desejável mais marcante deste consultor é o perfil
de “facilitador de processos”, porque é aquela pessoa que irá desenvolver um conhecimento
multi-disciplinar da organização, conhecendo de forma ampla as atividades, seus principais
fatores de êxito e limitação.
Tais características serão necessárias para que consiga ‘processar’ suas tarefas de facilitação,
auxiliando a sua organização na elaboração de suas perspectivas técnico-políticas. O
Planejamento Estratégico com enfoque participativo, objetiva consolidar-se como um
instrumento gerencial, uma ferramenta de construção coletiva de identidades democráticas
no setor público. Significa uma aposta, fundamentada e legitimada no projeto de governo e
talvez o embrião de uma cultura fundante de uma nova escola de gestão pública que mude
radicalmente a visão do gestor sobre seu papel e seu compromisso social.
Possibilita capacitar quadros técnico-políticos das organizações públicas e do terceiro setor
para desempenhar as atividades de elaboração, gestão e monitoramento de programas de
complexa governabilidade, sempre numa perspectiva inovadora. Através do domínio de
ferramentas e instrumentos participativos pretende-se incidir na melhoria da capacidade de
governo e, por efeito, na melhoria geral das técnicas de governo.
228
O que é o Planejamento Estratégico com enfoque participativo ?
� É uma construção metodológica derivada da proposta de Carlos Matus, da centralidade
da participação e a da experiência concreta de planejamentos estratégicos concretos em
gestões públicas em diversos níveis, de movimentos sociais e entidades de classe.
� É a defesa de uma concepção democrática e participativa de Estado e gestão pública,
que associa a eficiência e eficácia das políticas públicas com a inclusão social e política
dos trabalhadores públicos e das populações beneficiadas.
� É uma construção metodológica para moderação de grupos e solução de problemas
relacionados aos atos de governar, à direção de organizações, problemas de alta
complexidade e baixa governabilidade.
� É um movimento teórico-prático para reconstrução da capacidade de planejamento
governamental como capacidade de governo, não restrita à formulação de políticas
macro-econômicas ou de desenvolvimento regional.
� É tributário de uma concepção de planejamento geradora de conteúdos para formação
gerencial dos gestores públicos, ou seja, para o acúmulo de capital humano, articuladora
básica de curriculos e conteúdos para Escolas de Governo que formem quadros gestores
para administração pública brasileira.
Nas próximas seções será abordada uma proposta metodológica na forma de um “roteiro de
aplicação” do planejamento em organizações, particularmente aquelas em que as relações
de poder entre gestores/ofertantes e cidadãos/demandantes, ou seja, a variável política não
é desprezível.
Isto não significa que relações de poder não existam em organizações privadas de mera
natureza mercantil, nestas a incerteza futura de mercados globalizados, a disputa
permanente com concorrentes em estruturas de monopólio e oligopólio ou as relações
sempre tensas entre políticas públicas regulatórias e clientes cada vez mais organizados e
conscientes já justificaria o emprego e uso de planejamento estratégico.
229
1. O marco referencial
O Planejamento Estratégico diz respeito à gestão de governo, à arte de governar. Quando
perguntamos se o governo está caminhando para onde se quer ir, se está fazendo o
necessário para atingir seus objetivos, se está começando a debater o problema do
planejamento. A grande questão consiste em saber se a organização é arrastada pelo ritmo
dos acontecimentos do dia-a-dia, como a força da correnteza de um rio, ou se ela sabe onde
chegar e concentra suas forças em uma direção definida.
O planejamento, visto estrategicamente, não é outra coisa senão a ciência e a arte de
acrescentar maior governabilidade aos nossos destinos, enquanto pessoas, organizações ou
países. O processo de planejamento, portanto, diz respeito a um conjunto de princípios
teóricos, procedimentos metodológicos e técnicas de grupo que podem ser aplicados a
qualquer tipo de organização social que demanda um objetivo, que persegue uma mudança
situacional futura. O planejamento não trata apenas das decisões sobre o futuro, mas
questiona principalmente qual é o futuro de nossas decisões. O Planejamento ao “ver” (e
simular) o futuro amplia o exame do presente, alterando-lhe as condições, o que promove o
futuro desejável e possível.
Se tentamos submeter o ritmo do desenvolvimento dos acontecimentos à vontade humana
devemos imediatamente pensar que governar em situações complexas exige exercer a
prática do planejamento estratégico até seu último grau. Para atingir este objetivo será
necessário entender e ultrapassar muitos pré-conceitos em relação à atividade de
planejamento no setor público.
A incorporação do paradigma da participação ao processo do planejamento é pré-condição
para integração metodológica e articulação de conceitos com os processos de participação
preexistentes (por exemplo: orçamento participativo, consultas populares, conselhos
representativos, etc...). Enquanto este último radicaliza e amplifica a decisão sobre a
destinação dos recursos públicos, o planejamento estratégico, pode organizar a intervenção
governamental a nível local, regional ou nacional e o processo de definição das diretrizes no
230
processo participativo. Ou seja, a participação é um processo que exige planejamento prévio
e o planejamento de governo pode ser feito de forma participativa.
Revisando o enfoque normativo e tradicional
Os métodos mais tradicionais de planejamento são extremamente normativos, impessoais e
se dizem neutros, pois se pretendem amparados na “boa técnica de planejamento”. Este é o
caso, por exemplo, de toda a tradição do planejamento macroeconômico que se organizou
em torno do uso de modelos econométricos para projeção de taxas de crescimento e outras
variáveis.
Retomamos sinteticamente como se estruturam teoricamente tais visões:
• Há sempre um ator que planeja e os demais são considerados simples agentes
econômicos com reações completamente previsíveis. O planejamento pressupõe um
“sujeito” que planeja, o Estado, e um “objeto” que é a realidade econômica e social. O
primeiro pode controlar o segundo.
• As reações dos demais agentes ou atores são previsíveis porque seguem leis e obedecem
a prognósticos de teorias sociais bem conhecidas. O Diagnóstico é pré-condição para o
planejamento, ele é verdadeiro e objetivo (segue do comportamento social) , portanto,
único possível, não há explicações alternativas dos demais atores.
• O sistema gera incertezas, porém são numeráveis, previsíveis enquanto tais, não há
possibilidade de surpresas não-imagináveis.
• O ator social que planeja não controla todas variáveis. Estas são consideradas não
importantes ou determinantes; têm um comportamento previsível ou não são
controladas por outros atores.
• Há nesta visão, uma aparente governabilidade, gerada pela ilusão de que as variáveis
não controladas simplesmente não são importantes. A governabilidade e a capacidade
de governar são reduzidas e absorvidas, em última instância, pela aparente pujança do
projeto político (que é “verdadeiro” per si e portanto, auto-legitimado). Neste cenário,
só há uma teoria e técnica de planejamento. Além do mais, suas deficiências não
aparecem como problema a ser resolvido, os dirigentes se concentram mais nas relações
231
de mando e hierarquia e no tempo gasto na tentativa de corrigir a ineficácia dos projetos
(gestados convencionalmente).
Uma síntese do modelo tradicional de planejamento na esfera pública
• Há um sujeito que planeja um objeto: materialismo vulgar.
• Há uma explicação verdadeira, se verdadeira é objetiva: recusa a “visão situacional”
(ontologia dialética).
• Explicar é descobrir as leis que regem o sistema: ação se confunde com
comportamento (economicismo).
• O Poder não é um recurso escasso (não há resistência criativa dos “outros”): o poder
não é relacional.
• É possível predizer o futuro e calcular as probabilidades de êxito e risco: ignora a
natureza do sistema social.
• É discursivo, oficialista e sempre “de médio prazo”.
• Planejar é uma coisa, fazer é outra: plano e gestão se compensam negativamente.
• Os núcleos dirigentes improvisam no dia-a-dia, sem estratégia, sistemas de
informações vulneráveis e ferramentas de gestão ineficazes, são governados pelas
circunstâncias.
Uma concepção mais estratégica de planejamento
Uma concepção estratégica de planejamento parte de outros postulados. A eficácia do
plano depende da eficácia das estratégias dos oponentes e dos aliados. Não há uma única
explicação para os problemas, tampouco uma única técnica de planejamento e monopólio
do Estado. Neste modelo de poder compartilhado a teoria normativa e tradicional do
planejamento perde quase toda sua validade.
Normalmente pensamos que se nada deve mudar é porque o planejamento é muito eficaz,
embora desnecessário. Por outro lado, se tudo está rapidamente mudando o planejamento
é pouco eficaz, embora muito necessário. Este paradoxo aparente se dissolve quando
232
abandonamos a idéia equivocada que associa o planejamento ao exercício inconseqüente da
pura futurologia. Pensar estrategicamente neste novo enfoque pressupõe colocar as
relações iniciativa-resposta de agentes criativos no lugar das relações causa-efeito, típica dos
sistemas naturais.
O cálculo de planejamento é sempre interativo porque, sendo a eficácia do nosso plano
dependente da eficácia do plano dos outros atores, há um componente de incerteza
primordial, que é diferente de processos sociais repetitivos ou das relações das ciências
naturais. Há, portanto, uma carga intensiva em formulação de estratégias e recursos de
gestão, o oposto ao “plano-livro” estático e tradicional.
O ator que planeja está inserido num jogo de final aberto, onde o próprio tempo já tem
conceitos diferenciados conforme a percepção de múltiplos agentes em situação de poder
compartilhado. Isto não quer dizer, entretanto que se rejeitem instrumentos e ferramentas
metodológicas comumente utilizadas no planejamento normativo, ao contrário, tais
ferramentas adquirem uma utilização ainda mais pragmática e eficaz.
Pode-se resumir os postulados teóricos deste enfoque metodológico nos seguintes
argumentos:
• O sujeito que planeja está incluído no objeto planejado. Este por sua vez é constituído
por outros sujeitos/atores que também fazem planos e desenvolvem estratégias. Deste
contexto surge o componente de incerteza permanente e o cálculo interativo que exige
intensa elaboração estratégica e um rigoroso sistema de gestão. O caráter modular do
enfoque estratégico deriva desta necessidade de redimensionar, agregar, combinar
diferentes operações em diferentes estratégias.
• O “diagnóstico” tradicional, único e objetivo, já não existe mais, no lugar surgem várias
explicações situacionais. Como os demais atores possuem capacidades diferenciadas de
planejamento, a explicação da realidade implica em diferentes graus de governabilidade
sobre o sistema social.
• Não há mais comportamentos sociais previsíveis e relações de causa-efeito
estabelecidas. O “juízo estratégico” de cada ator determina a complexidade do jogo
233
aberto e sem fim. A realidade social não pode mais ser explicada por modelos
totalmente analíticos, a simulação estratégica assume nesse contexto uma relevância
destacada.
• O planejamento deve centrar sua atenção na conjuntura, no jogo imediato dos atores
sociais, o contexto conjuntural do plano representa uma permanente passagem entre o
conflito, a negociação e o consenso, é onde tudo se decide. Na conjuntura concreta
acumula-se ou não recursos de poder relacionados ao balanço político global das ações
de governo. É por isso que “planeja quem governa”. Quem tem capacidade de decisão e
responsabilidade de conduzir as políticas públicas deve obrigatoriamente envolver-se no
planejamento. A atividade de coordenação, assim, é indissociável do planejamento, que
é também, uma opção por um tipo de organização para a ação, que se refere a
oportunidades e problemas reais.
• Os problemas sociais são mal-estruturados, no sentido de que, não dominamos,
controlamos e sequer conhecemos um conjunto de variáveis que influenciam os juízos
estratégicos dos demais agentes sociais envolvidos. Não há portanto como determinar
com exatidão as possibilidades de eficácia do plano ou os resultados esperados em cada
ação. Governar com plano estratégico mais do que resolver problemas significa
promover um intercâmbio de problemas quando nosso objetivo é que problemas mais
complexos e de menor governabilidade cedam lugar a outros menos complexos e de
maior governabilidade.
• O planejamento não é monopólio do Estado, nem de uma força social situacionalmente
dominante. O planejamento sempre é possível e seu cumprimento não depende de
variáveis exclusivamente econômicas, qualquer ator, agente ou força social tem maior
ou menor capacidade de planejamento e habilidades institucionais.
A visão normativa e a visão estratégica não existem em “estado puro” na prática do
planejamento e nas técnicas de governo, embora a maioria dos órgãos públicos trabalhe
sobre influência predominante da primeira.
Esta concepção, portanto, recoloca o planejamento como um amplo processo de
reorganização administrativa, intensivo em gestão, capaz de apoiar o redesenho
organizativo e otimizar a produção dos serviços públicos.
234
O Planejamento Estratégico na perspectiva participativa
O Planejamento Estratégico e Participativo assume as suposições do planejamento
situacional baseando-se nos seguintes fundamentos:
• É uma Mediação entre o Presente e o Futuro. Todas as decisões que tomamos hoje tem
múltiplos efeitos sobre o futuro porque dependem não só da minha avaliação sobre
fatos presentes, mas da evolução futura de processos que não controlamos, fatos que
ainda não conhecemos. Portanto, os critérios que utilizamos para decidir as ações na
atualidade serão mais ou menos eficazes se antecipadamente pudermos analisar sua
eficácia futura, para nós mesmos e para os outros. Qual o custo da postergação de
problemas complexos? Que tipo de efeitos futuros determinada política pública
resultará? Estes impactos futuros aumentarão ou diminuirão a eficácia do nosso projeto
de governo? Tais perguntas dizem respeito ao necessário exercício de simulação e
previsão sobre o futuro, quando devemos adotar múltiplos critérios de avaliação e
decisão.
• É necessário prever possibilidades quando a predição é impossível: na produção de
fatos sociais, que envolvem múltiplos atores criativos que também planejam, a
capacidade de previsão situacional e suas técnicas devem substituir a previsão
determinística, normativa e tradicional que observa o futuro como mera conseqüência
do passado. Decorre desta percepção a necessidade de elaborar estratégias e desenhar
operações para cenários alternativos e para surpresas, muitas vezes, não imagináveis.
• Capacidade para lidar com surpresas: o futuro sempre será incerto e nebuloso, não
existe a hipótese de governabilidade absoluta sobre sistemas sociais, mesmo próximo
desta condição há sempre um componente imponderável no planejamento. Devemos
então, através de técnicas de governo apropriadas, preparar-nos para enfrentar
surpresas com planos de contingência, com rapidez e eficácia, desenvolvendo
habilidades institucionais capazes de diminuir a vulnerabilidade do plano.
• Mediação entre o Passado e o Futuro: o processo de planejamento estratégico se
alimenta da experiência prática e do aprendizado institucional relacionados aos erros
235
cometidos. Portanto será preciso desenvolver meios de gestão capazes de aprender com
os erros do passado e colocar este conhecimento a serviço do planejamento.
• Mediação entre o Conhecimento e a Ação: o processo de planejamento pode ser
comparado a um grande cálculo que não só deve preceder a ação, mas presidi-la. Este
cálculo não é óbvio ou simples, é influenciado e dependente das múltiplas explicações e
perspectivas sobre a realidade, só acontece, em última instância, quando surge a síntese
entre a apropriação do saber técnico acumulado e da expertise política. É um cálculo
técnico-político, pois nem sempre a decisão puramente técnica é mais racional que a
política, e vice-versa. O cálculo estratégico dissociado da ação, será completamente
supérfluo e formal. Por sua vez, se a ação não for precedida e presidida pelo cálculo
estratégico, a organização permanecerá submetida à improvisação e ao ritmo da
conjuntura.
• É qualificador da participação: Como a ninguém é dado o monopólio do cálculo
estratégico, a participação passa a ser um condicionante do método. Ver a organização e
suas interações políticas e institucionais não é exclusivo das direções e é até mesmo
necessário que as partes tenham sua visão particular do todo, organizada e
sistematizada pelas mediações necessárias e próprias das suas atividades. Assim, a
capacidade de realização da organização decorre da capacidade também de suas áreas
internas compreenderem o papel que desempenham como parte indissociada do
conjunto, bem como, de suas capacidades executivas. Assim, as áreas da organização e
suas respectivas equipes, através da sua visão singular, são indispensáveis para
conformar o todo, disso resultando que o imperativo da participação não é apenas um
momento político de diálogo simultâneo das partes entre si com a direção, mas
momento instituinte da capacidade mais universal da organização. Desta maneira, a
participação não é apenas bem vinda por promover a integração e harmonia na
organização, mas porque permite apreender a realidade situacional com muito maior
capacidade e bom senso, garantindo a execução desejável aos projetos planejados.
Participar, neste sentido, é instituir uma prática social na qual os interlocutores possuem
conhecimentos sob pontos referenciais diferentes, mas podem ser integrados
produzindo novas sínteses mais consensuais. Participar é repensar o saber em confronto
com outros saberes, é fazer “com” e não “para”.
236
O enfoque proposto de planejamento, portanto, não é um rito burocrático ou um
conhecimento que possa ser revelado a alguns e não a outros, mas uma capacidade pessoal
e institucional de governar, de fazer política no sentido mais original deste termo. O
processo de planejamento não substitui a perícia dos dirigentes, nem o carisma da liderança,
ao contrário, aumenta sua eficácia porque coloca estes aspectos a serviço de um projeto
político coletivo.
Neste modo de ver a política, o governo e o planejamento ninguém detém o monopólio
sobre o cálculo estratégico e sistemático sobre o futuro, há uma profunda diferença em
relação ao antigo “planejamento do desenvolvimento econômico e social” tão comuns nos
órgãos de planejamento de toda América Latina e particularmente na tradição brasileira.
2. A metodologia proposta
A Metodologia do Planejamento Estratégico com enfoque Participativo – tem sua principal
inspiração no Planejamento Estratégico Situacional - PES, originalmente elaborado por
Carlos Matus e com as adaptações produzidas pela trajetória de aplicação deste e outros
métodos em inúmeros governos, organizações públicas e do terceiro setor (ONGs,
associações de classe, cooperativas, etc...).
Duas adaptações, entretanto, foram introduzidas no método original a fim de harmonizar o
método às finalidades do planejamento de estruturas administrativas governamentais,
distintas do conceito original e amplo de Governo, concebida pelo modelo inspirador de
Matus.
A fim de adaptar metodologicamente o propósito original do PES às condições de
planejamento de um Governo que, por conseguinte, possui já suas Diretrizes Políticas Gerais
(derivadas de um programa debatido eleitoralmente) – o que inclui a diretividade dos seus
órgãos e instituições subordinadas – tornou-se necessário redefinir o desenho da
‘identificação de problema’, introduzindo tais diretividades no método como passo inicial.
Essa operação de alteração e adaptação, resultou em admitir-se que a contextualização
237
somente pode ter sentido político estratégico, se condicionada à diretividade do Programa
de Governo equivalente nos seus órgãos e instituições.
Isto significa que enfrentar os problemas implica em identificá-los respondendo
propositivamente, em função da direcionalidade imposta pela Programa de Governo. Vale
dizer de modo reduzido que, identificar e enfrentar os problemas, no planejamento
estratégico, consiste em responder a pergunta: “quais os problemas reais que impedem ou
dificultam a realização das metas inscritas no Programa Político do Governo do órgão,
instituição, programa, agente, etc..., a ele relacionado e subordinado politicamente?”
Adota-se, portanto, a suposição de que um “programa de governo,” constituído como tal, já
é por si só uma primeira síntese direcional face aos macro problemas de conjuntura, prévia a
declaração de problemas original. Aqui o conceito de “programa” deve ser tomado em
sentido amplo, ou seja, vale para explicar, por exemplo, as diretrizes gerais dos programas
eleitorais debatidos em processos eletivos, como também se aplica para toda e qualquer
direcionalidade (diretriz, objetivos, metas estratégicas) que orientam uma gestão
determinada qualquer, numa empresa pública, numa organização prestadora de serviços,
numa entidade da administração direta ou grupos executivos formados para cumprir tarefas
específicas.
As noções intrínsecas de ‘problema’, desenvolvidas no método original, permanecem
intactas, pois pressupõe-se no planejamento estratégico que a colocação e identificação dos
problemas implica numa estrutura lógica, numa estruturação sistêmica entre aparência e
essência de eventos, estruturando causa e resultado, identificando causa e efeito, tendo
como eixos avaliativos da situação problematizada: quem está envolvido, onde, quando e
como...
Assim, para o planejamento estratégico, o ‘problema’ assume a mesma dimensão que no
PES, pois tanto neste como naquele, ‘problema’ será sempre a causa de uma
impossibilidade, de uma fragilidade ou de uma inexistência. Portanto, a caracterização dos
‘problemas’ centrais, também chamados nós-críticos que devemos atacar com o
planejamento ou ação estratégica, em nada se afeta partindo-se do modelo adotado pelo
planejamento estratégico, com enfoque participativo. Dir-se-ia que ao contrário, aguça-se a
238
noção descritiva da realidade a ser enfrentada e planejada, pois fundamentalmente
desejamos que o Programa de Governo - democraticamente eleito - seja realizado com a
máxima eficiência e eficácia possíveis.
A segunda alteração/adaptação metodológica de fundo, a partir do original PES, consiste na
introdução da categoria ‘participação’ como ontológica do método de planejamento. O
pressuposto da participação decorre da raiz do método de governar democrático, que
assume no plano social macro essa identidade intrínseca. Um Governo “democrático”
governa através da participação democrática da cidadania.
A materialização da teoria se dá quando ela é produto da práxis. Como se tem por certo que
a teoria somente se torna realidade material, se for assumida na prática por quem a
implementa, a força das idéias do planejamento desejado serão as idéias das forças políticas
que as materializam. Disso resulta que, aquele que executa deve planejar, mas também que
é absolutamente pertinente que a atividade prática seja uma atividade prático-crítica.
Para atender o pressuposto necessário e orgânico da função governar – a necessidade
executiva – o planejamento estratégico com enfoque participativo estabelece a participação
democrática numa forma de regime de ‘escala’, ou por momentos de representatividade.
Permite-se assim, a ação executiva sobre as deliberações do plano, sem comprometer a
sondagem constante e o monitoramento contínuo da própria execução dos planos,
possibilitando incorporar as movimentações situacionais dos atores e processos. Tal
característica não somente confere versatilidade ao estilo democrático, como potencializa os
escassos recursos de tempo, em especial dos gestores que, como condição do planejamento,
precisam participar de todas suas etapas - condição promotora da efetiva governabilidade
interna do planejamento.
A qualidade desta metodologia é a de amplificar o potencial resolutivo do Programa de
Governo e ao mesmo tempo incluir a participação como categoria central. A idéia geral de
participação no planejamento estratégico associa o envolvimento consciente dos servidores
públicos com os compromissos de gestão resultantes do próprio processo que os coloca
como protagonistas centrais.
239
Sua realização impõe um corpus pedagógico que lhe corresponda em forma e conteúdo.
Exige uma dinâmica que empregue, na transmissão e capacitação das habilidades aplicativas
do método, as mesmas categorias sob as quais se estrutura. Disso deriva seu poder
pedagógico intrínseco, pois o próprio domínio da metodologia implica na realização crítica
da prática que inspira. Considera-se que não é possível apreender o método, sem fazê-lo de
modo prático, aplicando sua técnica sobre um modelo real capaz de permear concreticidade
e crítica ao amadurecimento do próprio aprendizado.
Aspectos e procedimentos Planejamento tradicional Planejamento Estratégico
Participativo
(1) Objeto do
Planejamento
Situação passiva Situação ativa e complexa
(2) Explicação da realidade Baseada em diagnósticos e leis Apreciação situacional
(3) Concepção de Plano Normativo e prescritivo Jogadas sucessivas e apostas
(4) Análise estratégica Consulta de especialistas Análise de viabilidade técno-
política
(5) Atores Sociais Genéricos Específicos e com trajetórias
definidas
(6) Conceito de Operação Ação isolada do plano Medição entre plano e ação
(7) Papel da Gestão Não é um problema do plano É onde tudo se decide,
momento central do plano.
(8) Agenda da direção Domínio das urgências e
improvisação
Domínio das importâncias e do
planejamento estratégico
(9) Prestação de Contas Não há ou tem função ritual. É sistemática e orienta a
qualificação da gestão.
(10) Gerenciamento do
Plano
Gerência por setores ou
departamentos, domínio da
rotina
Gerência por Operações,
domínio da criatividade,
intensivo em gestão.
Momentos e método
240
Algumas advertências metodológicas prévias e cautelares são necessários para o
encadeamento do roteiro proposto:
• Mais do que um conjunto de técnicas, o que pretende-se é construir e disponibilizar
coletivamente um enfoque metodológico baseado na visão estratégica e situacional que
incorpore radicalmente elementos de emancipação, liberdade e participação das
pessoas. Neste sentido cada processo de planejamento, seja institucional (numa
secretaria, empresa pública, autarquia ou fundação, por exemplo) ou por Projeto/Tema
específico, deve ser pensado particularmente com as devidas adaptações metodológicas.
Os princípios teóricos e postulados metodológicos necessariamente devem sofrer
mediações a partir da trajetória e clima interno da organização, da conjuntura do
planejamento, do momento em que ele se realiza e do projeto político-institucional da
direção.
• Nada adianta adotar a linguagem e as palavras do planejamento estratégico e
participativo se não houver vontade política para disponibilizar os meios necessários na
organização para garantir que haverá acompanhamento permanente dos fatos da
conjuntura, cotejamento com o plano elaborado, redesenho das ações e busca dos
objetivos planejados. É no cotidiano, no dia-a-dia, que o plano prova ou não sua eficácia,
para isso, as práticas de trabalho e as culturas organizacionais departamentalizadas e
verticalizadas tem que ser duramente combatidas. Afinal, a participação, como categoria
organizadora do Estado, não é só uma questão ideológica, mas também gerencial e
administrativa.
• As ferramentas e técnicas metodológicas propostas (matrizes, diagramas, técnicas de
priorização de idéias) são apenas instrumentos a serviço de uma concepção
metodológica determinada. Este método, por seu turno, está impregnado de concepções
teóricas sobre a sociedade, o Estado, a ação humana e a produção de fatos sociais. Um
erro comum acontece quando inadvertidamente tomamos as técnicas pelos métodos ou
os métodos pelas sínteses teórico-ideológicas que os informam. O fundamental para a
eficácia do processo de planejamento é a plena consciência do grupo de planejamento
sobre quais são os marcos teóricos e os princípios que estão orientando o uso dos
241
métodos e a aplicação desta ou daquelas técnicas que, de resto, são adaptadas de
acordo com as circunstâncias concretas.
• A “tecnologia” de aplicação do método implica em visualização permanente de todos os
passos constituídos pelo grupo. Para cumprir este objetivo são sugeridas várias matrizes
(em anexo) que sistematizam os passos e guardam coerência com o roteiro proposto.
A seguir um quadro-resumo entre o planejamento convencional e o planejamento
situacional:
A coerência interna do enfoque participativo e estratégico do planejamento, no plano geral,
decorre de quatro grandes momentos, que podem ser recursivos e não-lineares, mas que
representam um sequenciamento lógico da elaboração teórica do planejamento. A seguir as
características básicas dos quatro grandes momentos.
Momento Explicativo (explicar posicionanando-se)
O momento explicativo tem como categoria central a noção de problema. No planejamento
tradicional a realidade é dividida em setores e o método dos planejadores é tão
242
fragmentado quanto são os departamentos dos órgãos de planejamento. O conceito de
setor, além de muito genérico e pouco prático, é uma imposição analítica. O planejamento
estratégico situacional propõe trabalhar com o conceito de problemas. A realidade é
composto de problemas, oportunidades e ameaças. Esta categoria permite sintetizar a
noção de explicação da realidade em suas múltiplas dimensões (inter-disciplinar) com a
noção de direcionalidade do ator: saber selecionar e identificar problemas reais (atuais ou
potenciais) e distinguir causas de sintomas e conseqüências já é mudar radicalmente a
prática tradicional dos “diagnósticos” convencionais. Explicar a realidade por problemas
também permite o diálogo e a participação com setores populares que afinal sofrem
problemas concretos e não “setores” de planejamento, além de facilitar a aproximação
entre “técnicos” e “políticos”. Na explicação da realidade temos que admitir e processar a
informação relativa a outras explicações de outros atores sobre os mesmos problemas, isto
é, a abordagem deve ser sempre situacional, posicionada no contexto. Em resumo,
“explicar” é dialogar com a situação.
Momento Normativo (definir o que se quer fazer)
É a instância onde se desenha o plano. Após a identificação, seleção e priorização de
problemas, bem como o debate sobre as causas, sintomas e efeitos estamos prontos para
desenhar o conjunto de ações ou operação necessárias e suficientes para atacar as causas
fundamentais dos problemas (também chamadas de Nós Críticos). Esta é a hora de definir o
conteúdo propositivo do plano. O central neste processo de planejamento é discutir a
eficácia de cada ação e qual a “situação - objetivo” esperada. Isso só pode ser feito
relacionando-se os resultados desejados com os recursos necessários e os produtos de cada
ação. Os planos normativos normalmente terminam aqui, onde o planejamento situacional
apenas começa, para que ações tenham impacto efetivo e real na causa dos problemas há
ainda dois passos ou momentos fundamentais, o estratégico e o tático-operacional.
Momento Estratégico (construir viabilidade política)
É a criação de possibilidades, a construção da viabilidade do plano. Se a realidade social não
pode ser fragmentada em diferentes “setores”, se outros “jogadores” existem e tem seus
243
próprios planos, se o indeterminismo e as surpresas fazem parte do cotidiano, então o
debate sobre a viabilidade estratégia das ações planejadas não é só necessário como
indispensável. Toda estratégia é uma exploração consciente do futuro, ela resulta da
situação diferenciada dos vários atores em relação à problemas, oportunidades e ameaças. A
parte a grande quantidade de conceitos envolvendo o termo “estratégia” aqui vamos adotá-
la com um conjunto de procedimentos práticos e teóricos para construir viabilidade para o
plano, para garantir sua realização com máxima eficácia. Dois instrumentos-processos
cabem aqui: a análise de cenários e a análise criteriosa dos demais atores sociais ou agentes.
Os cenários representam distintas reflexões, limitadas pela qualidade da informação
disponível, sobre possíveis “arranjos” econômicos, institucionais, políticos, sociais, etc.,
capazes de influenciar positiva ou negativamente a execução das ações planejadas no
futuro. Ao permitir a simulação sobre as condições futuras os cenários permitem a
antecipação das possíveis vulnerabilidades do plano e a elaboração de planos de
contingência necessários para minimizar os impactos negativos. Já a análise dos demais
agentes envolvidos no espaço do problema-alvo do plano é imprescindível para identificar o
possível interesse e motivação de cada um e o tipo de pressão que é (ou será) exercida em
relação às ações planejadas. É obvio dizer que a elaboração de cenários e o “estudo do
outro” só tem um grande objetivo: desenhar as melhores estratégias para viabilizar a
máxima eficácia ao plano.
Momento Tático – Operacional (atuar na conjuntura)
É o momento de fazer, de decidir as coisas, de finalmente agir sobre a realidade concreta. É
quando tudo se decide e por isso do ponto-de-vista do impacto do plano é o momento mais
importante. Neste momento é importante debater o sistema de gestão da organização e até
que ponto ele está pronto para sustentar o plano e executar as estratégias propostas. Para
garantir uma resposta positiva será preciso acompanhar a conjuntura detalhadamente e
monitorar não só o andamento das ações propostas, mas também a situação dos problemas
originais. Deve-se reavaliar criticamente todo o processo interno de tomada de decisões, o
sistema de suporte à direção, como os sistemas de informações, devem ser revistos e
reformulados. Outros temas vitais neste momento são a estrutura organizacional, o fluxo
interno de informações, a coordenação e avaliação do plano, o sistema de prestação de
244
contas, as ferramentas gerenciais existentes e necessárias e finalmente a forma, dinâmica e
conteúdo da participação democrática na condução do plano. Não podemos esquecer que o
planejamento estratégico só termina quando é executado, é o oposto à visão tradicional do
“plano-livro” que, separando planejadores dos executores, estabelecia uma dicotomia
insuperável entre o conhecer e o agir.
Um resumo dos quatro momentos do PES:
3. A construção do método: um roteiro de aplicação
As Declarações Estratégicas – o início
Este momento é o equivalente a um Planejamento Institucional, realizado pela direção da
organização, que estabelece o norte estratégico, os grandes macro-objetivos institucionais
propostos pelo jogo social. A teoria matusiana de planejamento usa com frequência a
metáfora do “jogo” para explicar o posicionamento histórico dos atores sociais, o jogo é
245
composto de “situações” no sentido hermenêutico, isto é, é impossível saber-se plenamente
onde se está e como vão agir os demais. Estes conceitos são muito próximos aos conceitos
do sociólogo francês Pierre Bourdieu de habitus – estruturas mentais e sociais que
condicionam a ação e o espaço de sociabilidade e campo – espaços sociais onde os atores
medem relações de força e cujas regras de funcionamento derivam desta própria disputa.
Ele será o ponto de partida do seminário de Planejamento Estratégico mais amplo. Neste
passo será definida a missão, uma imagem de futuro, os valores e as diretrizes estratégicas
da organização.
A missão: o que é ?
É a atividade essencial da finalidade e razão da existência de uma organização. Esta
definição serve para qualquer instituição pública, seja da Administração Direta ou da
Indireta ou organizações sociais e sem fins lucrativos.
Contudo há uma distinção que se deve adotar na caracterização deste conceito,em relação a
como é entendido pelo setor privado ou mercantil. Esta caracterização é importante em
razão da reduzida produção teórica desse conceito, vinculando-o à atividade pública.
No setor privado, pode-se escolher livremente a missão que se desejar, desde que atenda
ao reclame de seu público alvo, a um determinado foco, uma certa qualificação ou
excelência e se incorpore á imagem via missão de valores dignificantes apontando em
direção a aceitação social – e sobretudo mercadológica - da empresa pela relevância da
atividade. Em última instância, no setor privado a “razão de existência” da empresa é
sancionada ou não pelo mercado, é a perspectiva de demanda presente ou expectativa
futura de realização que justifica a existência da entidade.
Planejamento Institucional
Planejamento Estratégico
Planejamento Operacional
246
No setor público, a missão de qualquer de suas instituições deriva de um permissivo
legislativo. Ela está condicionada às regras de responsabilidade do jogo macroinstitucional,
não há liberdade imediata de arbítrio por parte do gestor na definição da “razão de
existência” de uma organização pública. Uma disfunção de tal natureza geraria tensões
entre a conduta do governo e a legalidade pré-constituída, o que pode inclusive, ser uma
opção consciente que forma parte da direcionalidade do governo.
Note-se que o empreendimento privado necessita de aprovação social, de uma imagem que
o público em geral e o alvo mercantil, em particular, perceba no empreendimento, como
inserida nos valores sociais amplamente aceitos e os dignifique.
Em outra posição estão as organizações de natureza estatal, criadas pelo poder público
através de processos legislativos genuínos e pelo poder constituinte de Governo. Nestas, o
caráter e essência de sua missão são previamente definidos pelo poder que as criou. Neste
caso, a definição da missão da organização deve coincidir com suas finalidades expressas no
ato constituinte.
Qualquer alteração nesse princípio supõe uma alteração da sua criação. Isto não significa
que sua ‘missão’ não possa ser alterada. Todavia, a complexidade social que impõe tal
escolha - modificar a missão de uma instituição pública, implica numa estratégia de
caráter e essência derivadas da construção da hegemonia política e social.
É nesta perspectiva política que um órgão de Estado é sistematicamente tensionado pelo
projeto de governo. Este tensionamento é que constitui a matéria prima da
governabilidade, isto é, pergunta-se sempre até que ponto (e qual o limite?) em que os
formatos e desenhos institucionais prévios devam se adaptar (ou não) aos programas
eleitos ? Sob esta perspectiva faz sentido diferenciar o que seria uma “missão
institucional”, que “independe” da vontade política do gestor, do seu próprio programa
de governo legitimamente constituído.
A missão de uma organização possui uma certa estabilidade, assim como a visão de
futuro de sua direção, alguns fatores devem estar presentes na sua constituição: (a) as
necessidades que a instituição procurará satisfazer em relação às expectativas da
247
sociedade, (b) os serviços que irá oferecer, (c) os públicos ou grupos sociais beneficiários
e por fim (d) a maneira como atenderá seu público-alvo, o que está relacionado aos
valores que adotará no seu dia-a-dia. É por isso que a missão deve sempre que possível
responder as perguntas: O que a organização faz ? Para quem ela faz o que faz ? Como
ela faz o que faz ?
A visão de futuro: o que é?
É o sentido da direcionalidade da instituição. É aquele estágio que desejamos alcançar,
dentro de um parâmetro de realidade, em um determinado espaço temporal. Corresponde a
um futuro desejado e possível de ser alcançado, para o qual serão fixados objetivos
estratégicos. Cuida a visão de dotar a organização de um ‘sonho possível’ e tangível, para o
qual as energias devem ser dedicadas.
O debate em torno da “visão de futuro” deve habilitar a construção de uma imagem capaz
de polarizar atenções e mobilizar “corações e mentes” da organização. Tal imagem não se
confunde com a “Missão”, mas a completa e atualiza em um plano superior.
A visão deve materializar uma “ambição coletiva”, capaz de criar um clima de envolvimento
e comprometimento compartilhado, seu enunciado deve ser claro e objetivo, desafiador,
irradiador de otimismo e positividade.
Os valores da organização: o que são?
São os princípios que orientam a prática organizacional. Mediatizados pela definição que
melhor caracteriza o sentido de sua realização. Toda organização, pública ou privada, possui
valores que busca realizar. Tais valores exigem evidenciação para que todos os envolvidos
possam analisar sua efetivação prática. O debate coletivo sobre os valores prezados e
cultivados pela organização permite elucidar e declarar – muitas vezes com tensionamentos
necessários – as condições efetivas de clima organizacional, das relações interpessoais, do
processo decisório interno e das práticas organizativas mais dominantes.
248
Assim os valores de uma organização representam sempre as idéias fundamentais em torno
das quais se organiza a instituição, são as convicções dominantes, as crenças básicas. Devem
servir sempre como fonte de orientação e inspiração no local de trabalho, são
fundamentalmente idéias e simbologias motivadoras que dão coerência e unidade de
trabalho.
Os valores de uma organização pública, por exemplo, podem se referir à qualidade dos seus
serviços, a democratização e transparência, à eqüidade, à ética na função pública e
responsabilização social, etc...
As diretrizes estratégicas : o que são?
São os rumos-direções-sentidos que devem ser perseguidos para a escolha de objetivos,
projetos e metas, conformados por políticas, deduzidos da Missão e Visão da Instituição,
mas sobretudo, do programa de governo. É uma linha-guia, norteada pelos próprios
objetivos, ou pela interpretação das políticas.
As Diretrizes Estratégicas definidas pela Direção política do órgão constituem-se em
“input” para a fase seguinte, devendo, portanto, serem apresentadas para todos os
servidores e em especial aos participantes dos diferentes fases do Planejamento
Estratégico com enfoque participativo.
Ao estabelecerem uma direcionalidade para o órgão, as Diretrizes Estratégicas devem ser
intensivas e focalizadas, ou seja “poucas e boas”, pois elas irão condicionar todas as etapas
seguintes.
As diretrizes devem constituir materialidade e significância para a missão, assegurar
coerência com a “visão de futuro” e compatibilidade plena com os valores institucionais.
Quem participa?
249
É o momento instituinte da Direção do Órgão, indelegável e indispensável para desencadear
todo o processo de planejamento e gestão estratégica. Não se pode delegar a outras
instâncias da organização uma possível “interpretação” das diretrizes da direção, ela mesma
deve traduzir sua leitura do programa de governo para o processo de planejamento.
Como fazer?
Deve decorrer da adaptação reflexiva, sobre a instituição a ser planejada, deduzindo das
diretivas fundantes, a Missão, uma Visão de Futuro, as Diretrizes Políticas do Programa de
Governo. Tais diretivas, para se constituírem num corpus político que agregue e potencialize
a organização devem ser compartilhadas de forma clara e consolidada pela alta direção do
Órgão.
Quadro 1: Matriz das Declarações Estratégicas
Missão Porque a organização existe ?
Visão de Futuro Onde queremos chegar no futuro ?
Valores institucionais O que valorizamos no nosso convívio ?
Diretrizes estratégicas Quais os caminhos a percorrer para chegar ?
250
Quadro 1: Matriz das Declarações Estratégicas
MISSÃO
AMEAÇAS
(Limites)
OPORTUNIDADES
(Potencialidades)
VISÃO de futuro
VALORES
INSTITUCIONAIS
DIRETRIZES ESTRATÉGICAS
Nota Explicativa:
A informação mais importante registrada neste quadro é uma avaliação preliminar do grupo
sobre o grau de vulnerabilidade e potencialidade que representa na conjuntura presente o
desafio proposto pela Missão, Visão , Valores e Diretrizes Estratégicas da organização,
especialmente este último elemento. As afirmações devem ser claras e objetivas para
auxiliar depois no desenho de operações e na análise de cenários. A análise de “ameaças &
oportunidades” – relativas à missão e visão de futuro – pode ser feita pelo grupo dirigente
ou no início do seminário de planejamento estratégico como tática para envolvimento dos
participantes e nivelamento teórico.
Decidindo coletivamente o plano estratégico – o passo seguinte
A constituição de um Comitê de Planejamento ou Grupo de Planejamento dentro da
organização é o primeiro passo para desencadear o planejamento estratégico no âmbito do
conjunto da organização. Sua tarefa será organizar e sistematizar as Declarações
Estratégicas da alta Direção, de modo a torná-las acessíveis à toda organização e preparar a
ampliação participativa do processo.
251
A constituição desse Comitê é de exclusiva responsabilidade da Direção do órgão que
indicará sua composição e coordenação. Sua existência culmina com a definição, já no
âmbito do Seminário Geral, de novos componentes que irão, então, constituir, o Comitê de
Gestão, junto aos originários do Comitê de Planejamento, com a coordenação indicada pela
Direção do órgão. Resumindo, sugere-se que após tomada a decisão política-institucional de
fazer o planejamento, a direção delegue a uma força-tarefa (um grupo de trabalho ou
comissão) a incumbência pela organização e preparação do processo amplo, ou seja, dos
seminários de planejamento até a elaboração do documento final.
Durante o seminário este grupo deve transformar-se num coletivo de gestão do plano
elaborado incorporando a representação do próprio grupo de planejamento que desenhou
o plano durante os seminários.
Há três boas razões para este formato:
(a) o planejamento é sempre um processo constituinte da organização em que a própria
direção deve submeter-se aos seus resultados, daí a importância política e operacional em
delegar a um grupo externo a preparação do processo com maior isenção,
(b) o GT de planejamento além de assumir todas as tarefas materiais de organização do
processo (preparação do evento, logística, agendas, etc...), organiza e garante a eleição dos
representantes dos funcionários para os seminários de planejamento, isto é essencial para
garantir a natureza participativa do método e não pode ser resumido ao cumprimento de
uma tarefa meramente técnica, por fim
(c) o GT é o embrião de uma comissão que vai acompanhar a execução do plano
funcionando como subsídio permanente à direção da organização. Em algumas experiências
de maior radicalidade democrática o “comitê de gestão do plano” praticamente absorveu a
direção da organização, porque “executar o plano” implica, de fato, em dirigir e governar.
A análise situacional da organização – iniciando o seminário de planejamento
252
O que é ?
É a análise coletiva da situação em que se encontra a organização que planeja, no contexto
da conjuntura, consideradas as declarações estratégicas propostas pela direção política do
órgão. É o momento de introdução do seminário geral.
Qual objetivo ?
O objetivo deste passo é crucial para viabilizar o processo do planejamento estratégico, com
enfoque participativo. Em primeiro lugar é preciso reconhecer que a proposição de diretrizes
estratégicas para o órgão é específica da função de governo exercida pela direção.
Este atributo está legitimado pelo processo de escolha eleitoral democrática e fundante do
início do processo de planejamento. Nesta fase a direção “submete” à reflexão conjunta do
grupo de planejamento a Missão, os Valores norteadores, a Visão de futuro, e as Diretrizes
Estratégicas. Os objetivos são:
(1) Tornar clara e transparente para todo o grupo “onde a direção quer
chegar”, quais as grandes estratégias da organização e quais as ameaças
e oportunidades que ela visualiza para o condicionamento destas
diretrizes.
(2) Garantir ao conjunto dos participantes (staff, gerentes e representantes
dos funcionários) a crítica às orientações gerais da direção.
(3) Criar situação de assimilação/reflexão por parte dos funcionários, em
relação às diretrizes. Mesmo que haja discordância ou antagonismos
aparentemente irreconciliáveis entre os participantes do seminário (os
funcionários eleitos, por exemplo) é vital que todos tenham a mesma
compreensão das diretrizes, ou seja, “falem a mesma língua”.
(4) Construir uma solução de compromisso com o grupo de participantes
(especialmente aqueles não vinculados à direção) em relação às diretrizes
253
propostas. Ou seja, exercitar a prática do convencimento pela
racionalidade argumentativa, pelo livre debate de idéias.
Como fazer ?
O facilitador - consultor externo, moderador ou coordendor - (não é aconselhável a
apresentação por membro da direção) deve apresentar o Planejamento Institucional que
contém as principais informações sobre a avaliação situacional do órgão. A seguir deve-se
debater a partir da missão, visão de futuro, valores, análise de oportunidades e ameaças até
chegar nas diretrizes estratégicas.
É importante deixar claro que as Diretrizes são prerrogativas da direção, porém elas não
estão acima, nem abaixo, da crítica do coletivo presente ao seminário. Este deve, se for o
caso, propor formulações alternativas com leituras diversas para convergência de
expectativas e acordos internos.
O debate técno-político direto, sincero e aberto define até onde as mediações serão
necessárias. O importante é assegurar o maior grau de realidade para o debate.
Normalmente avaliações situacionais auto-complacentes ou triunfalistas provocam uma
“falsa auto-imagem” que resultará em planos ineficazes ou estratégias equivocadas.
As oportunidades representam as forças impulsoras ou os “fatores críticos de sucesso” e
podem estar relacionados a aspectos econômicos ou financeiros, oportunidades da
conjuntura, características organizacionais ou de recursos humanos, potencialidades futuras
do ambiente interno e externo da organização, clima organizacional, imagem externa,
cultura de planejamento, liderança, qualidade dos serviços prestados, experiência, etc.
A chamada “análise SWOT” (já debatida no curso) serve como um “aquecimento” do grupo
para identificar a situação atual da organização, particularmente os grandes gargalos e
problemas relacionados aos seus objetivos estratégicos.
As ameaças ou pontos fracos, também chamadas de debilidades, constituem tudo que a
organização faz ou deixa de fazer tornando-se distante da missão, valores e imagem de
254
futuro. Neste momento podem constar os mesmos processos e análises da etapa anterior,
porém agora com conteúdo negativo.
A análise de ameaças/pontos fracos e oportunidades/pontos fortes deve ser feita
relativamente ao desejo de cumprir a Missão, construir os valores e uma visão de futuro.
Análise do ambiente interno:
(a) forças ou pontos fortes: aquilo que a organização deveria estar fazendo e já está fazendo
bem. São variáveis que a organização controla e executa bem. Exemplos: boa imagem
junto aos clientes; existência de bom sistema de informações gerenciais, colaboradores
comprometidos, liderança forte e atuante, cultura de planejamento, qualidade dos
serviços prestados, experiência acumulada, etc...
(b) fraquezas ou pontos fracos: aquilo que a organização deveria estar fazendo e não está
fazendo, ou está fazendo mal. São variáveis que a organização controla, mas executa
mal. Exemplos: ausência de objetivos e metas claras, desmotivação dos colaboradores,
clima de desconfiança, liderança fraca, serviços de má qualidade, etc...
Análise do ambiente externo:
(a) oportunidades: forças externas à organização (políticas, econômicas, sociais,
tecnológicas, legais) que, se conhecidas a tempo podem ser melhor aproveitadas
enquanto perduram, dependendo das condições internas da organização. Exemplos:
facilidade de acesso a novas tecnologias, disponibilidade de maior volume de recursos
por conta de linhas de crédito especiais, incentivos governamentais à cultura do
planejamento e avaliação de resultados, etc...
(b) Ameaças ou riscos: forças externas à organização, que se conhecidas a tempo podem
Ter o seu impacto minimizado. As ameaças podem concretizar-se ou não e seus
impactos podem afetar ou não a organização, dependendo de suas condições internas
de neutralização. Exemplos: instabilidade política dos dirigentes, falta de autonomia
gerencial, greves, etc...
255
As diretrizes serão revisitadas após esta análise, no sentido de fixar as grandes marcas
estratégicas que, superando as ameaças e aproveitando as oportunidades, nos aproximam
da missão e da imagem da organização.
Ou seja, pressupõe-se que após um exaustivo diagnóstico global da situação da organização
feito pelos participantes do seminário as condições para hierarquização e priorização das
diretrizes estarão postas. Algumas experiências realizadas concluem esta parte inicial do
evento com a definição das grandes “marcas” e símbolos que deverão marcar a gestão.
Quem faz ?
O Grupo de Planejamento em plenária, a princípio. Pode-se conforme as circunstâncias (para
ganhar tempo, por exemplo) dividir o grande grupo em grupos menores para análise de
oportunidades e ameaças. É vital para o planejamento que a direção política do organismo
esteja totalmente envolvida desde este primeiro debate.
Identificando, selecionando e explicando problemas – o momento explicativo
O que é ?
É a identificação, seleção e priorização de problemas que se constituem nos principais
obstáculos para o cumprimento das diretrizes estratégicas da organização, considerada a
análise de ameaças e oportunidades.
Qual objetivo ?
IDENTIFICAÇÃO Tema de Insatisfação
(sintomas)
ANÁLISE E DESCRIÇÃO (descrição e formulação de problemas), limpeza e
descarte
SELEÇÃO DE PROBLEMAS
(compromisso de execução)
256
O problema é fundamentalmente uma situação desconfortável para o ator que pode ser
evitada. Isto é, o problema deve tornar-se um centro prático de ação, mesmo que existam
variáveis ligadas à explicação do mesmo, sobre as quais possuímos baixa governabilidade. A
identificação, seleção e explicação do problema (através do fluxograma explicativo ou
“árvore do problema”) é passo fundamental porque dele deriva toda a construção posterior
da metodologia.
Na percepção de Matus:
“Existe uma tendência a crer que as soluções são previamente conhecidas e que a
explicação do problema deve acomodar-se às soluções pré-concebidas. Existe também
uma tendência, em cada ator, a crer que sua solução e sua explicação são as corretas.
Esses vícios de irreflexão opõem-se ao planejamento como processo criativo e
penetrante. “
Resumo das principais vantagens metodológicas na “análise do problema”:
(1) demonstra claramente que os problemas têm causas relacionadas umas às outras.
(2) permite construir uma visão mais sistêmica e holística sobre possíveis estratégias.
(3) contribui para hierarquizar recursos escassos e focalizar as energias de gestão.
(4) ajuda pedagogicamente nos processos de aprendizagem e participação internos.
Os problemas que predominam no universos social, na gestão pública em especial, são
aqueles ditos “quase-estruturados” que exigem metodologias de planejamento de
qualidade diferenciada.
Identificar problemas não é tarefa simples. Vemos o mundo de acordo com os óculos que
estamos usando. Cada pessoa tem sua cultura, suas referências e valores. O que é problema
para uns pode ser a solução para outros. Nossa percepção e intuição são importantes, mas
podem enganar.
257
Uma quadro-resumo que mostra a diferenças entre problemas bem estruturados (fáceis de
resolver) e problemas quase-estruturados (difíceis de resolver).
Problema Estruturado Problema Quase-Estruturado
1. As regras do sistema que o produz são precisas, claras,
invariáveis e predeterminadas. Elas existem antes da
solução do problema e permanecem iguais após a
solução.
1. O problema está determinado por regras, mas estas não
são precisas, nem invariáveis e nem iguais para todos. Os
atores sociais criam as regras, e às vezes as mudam para
poder solucionar os problemas.
2. O homem está fora do problema e se relaciona com
ele somente para tentar resolvê-lo conforme regras
predeterminadas; e, se o problema é solucionado,
ninguém terá dúvidas quanto à eficácia da solução.
2. O homem (ou ator social) está dentro do problema e é
aí que o conhece e o explica, mesmo que não tente
solucioná-lo. A eficácia de uma solução é discutível e
relativa aos problemas que seguem.
Veja, por exemplo, o que você vê na figura a seguir, uma jovem senhora olhando para o lado ou o rosto de uma velha ?
Tente explicar a “lógica” deste cubo !
258
3. As fronteiras do problema e do sistema que o gera
estão perfeitamente definidas. Não há dúvidas sobre
onde começa e onde acaba cada coisa.
3. As fronteiras do problema e do sistema que o
gera são difusas.
4. As regras do sistema tornam explícitos ou contêm
implicitamente os conceitos (possibilidades e restrições)
pertinentes à resolução do problema.
4. Os atores sociais (ou os homens) criam possibilidades de
solução, que não existem previamente. Os conceitos para
compreender as possibilidades de solução e suas
restrições não são dados necessariamente previamente.
5. O problema está isolado de outros problemas e,
havendo uma seqüência com outros, a solução de cada
um não afeta a solução dos seguintes.
5. O problema está sincrônica e diacronicamente
entrelaçado a outros; a solução de um problema facilita ou
dificulta a solução de outros.
6. O espaço e o tempo pertinentes ao problema são
definidos nas regras como fixos, ou tornam-se fixos para
quem se relaciona com ele.
6. O espaço e o tempo são relativos a quem se relaciona
com o problema a partir de diferentes posições.
7. As variáveis que constituem o problema são dadas,
enumeráveis, conhecidas e finitas.
7. O sistema é criativo e suas variáveis não são dadas, não
são todas enumeráveis, nem conhecidas e nem finitas.
8. Qualidade e quantidade não se combinam, o problema
se move em um ou outro âmbito.
8. Qualidade e quantidade combinam-se
inseparavelmente.
9. As possibilidades de solução do problema estão
contidas nas suas premissas e são finitas em número. As
soluções são conhecidas ou conhecíveis mesmo não
sendo evidentes.
9. As possibilidades de solução do problema são criadas
pelo homem e são potencialmente infinitas em número.
10. O problema coloca um desafio científico ou técnico,
podendo supostamente ser tratado com objetividade.
10. O problema coloca um desafio múltiplo que abrange
sempre o âmbito sociopolítico, mesmo tendo uma
dimensão técnica. A objetividade não é possível, mas
deve-se procurar o rigor.
Como fazer ?
A identificação do problema segue, normalmente, uma seqüência onde:
• O grupo define uma listagem de problemas com liberdade total de critérios. Pode-se
estimular o debate a partir da análise do “triângulo de governo” que relaciona nos
vértices as categorias “Projeto de Governo”, “Governabilidade” e “Capacidade para
Governar”. Normalmente o debate sobre estes três pontos enseja um “chuva de idéias”
sobre os problemas da organização. Abaixo um diagrama que ilustra esta relação:
259
• O facilitador ou monitor promove a “limpeza” de problemas mal-formulados ou
confusos, inquirindo o grupo e provocando a reflexão sistemática sobre os resultados da
produção coletiva.
• O uso de tarjetas (pedaços retangulares de cartolina colorida onde os participantes
escrevem seus argumentos) ou outro método de visualização é fundamental pois
garante a participação de todos. Aqui cada palavra ou frase pode ter múltiplos
significados.
• A descrição ou redação de um problema deve ser feita de forma negativa, isto é,
expressando um sentido de negatividade de não-conformidade, etc.
• Tradicionalmente iniciamos por definir soluções mesmo sem saber qual problemas elas
supostamente estão tentando resolver. No planejamento estratégico, com enfoque
participativo ocorre o contrário da reflexão convencional.
• É fundamental colocar um só problema por tarjeta, facilitando a recomposição visual das
idéias durante o processo de seleção. Na medida em que os problemas de redação são
filtrados e corrigidos, o entendimento e validação das declarações e o processo de
seleção ou priorização pode iniciar.
260
• Devemos passar, em todas as fases ou passos, de uma situação de reflexão extensiva
para outra de priorização e seleção intensiva, ou seja, de focalização permanente naquilo
que é sempre prioritário, que é anterior.
• O grupo deve separar três categorias analíticas que envolvem a identificação de
problemas: as causas, os efeitos e os sintomas do problema. Deve-se começar pela
descrição do problema, como ele aparece, como se torna visível e só depois explicar
causas e efeitos. A descrição de um problema pode ser a base para formular indicadores
que permitirão, mais adiante, montar um sistema de monitoramento.
• O grupo seleciona vinte, trinta ou quarenta problemas que estão “no caminho” das
diretrizes estratégicas. Quanto maior o número de problemas, mais tempo será
necessário para processar o debate seguinte (seleção e explicação).
• O grupo deve selecionar no máximo dois ou três grandes problemas em cada estratégia
(ou no máximo cinco problemas, para o conjunto das estratégias). Lembramos que para
cada problema selecionado todo um “plano de ataque” deverá ser elaborado, suas
estratégias, instrumentos de gestão, etc.
• O consultor deve agrega-las por âmbito temático (administração, finanças, atividades
finalísticas, etc.) pois isto facilita a leitura e interpretação do conjunto de problemas do
grupo. Sugerimos a seguir algumas perguntas-orientadoras como fio condutor dos
debates, por exemplo: Quais problemas são centrais para atingir as diretrizes?
Considerando a análise situacional - quem nós somos e para onde queremos ir, onde
devemos concentrar nossos recursos estratégicos? Quais problemas estão totalmente
fora da nossa governabilidade e portanto, exigem que se adote estratégias
diferenciadas?
CR
ITÈR
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P
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NA
R
PR
OB
LEM
AS
(1) Qual a natureza e a intensidade do impacto do problema nas Declarações Estratégicas
definidas no Planejamento Institucional (diretrizes).
(2) Qual o valor Político atribuído ao problema.
(3) Período de maturação dos sintomas e efeitos do problema (mandato).
(4) Recursos dominantes necessários para seu enfrentamento e solução.
(5) Grau de governabilidade e eficácia exigida do governo ou organização.
(6) Qual a reação dos outros atores diante dos problemas selecionados.
(7) Quais os custos (financeiros ou não) do adiamento de seu enfrentamento.
261
(8) O ataque aos problemas exige padrões de inovação ou continuidade.
(9) Quais os impactos (ou abrangência) do problema a nível regional.
Explicar bem o problema é fundamental para desenhar operações e ações no momento
seguinte. Muitos problemas iniciais, que foram descartados pelo grupo, surgem novamente
como causas ou conseqüências dos problemas escolhidos, este “entrelaçamento” de
problemas é um indicador importante da pertinência situacional do método.
Outra finalidade deste “debulhamento” do problema é concentrar as atenções nas causas e
não nos efeitos ou sintomas do problema. A identificação das causas dos problemas é
fundamental e ainda podemos descrevê-las segundo os diferentes graus de governabilidade
que temos sobre elas. Por exemplo, existem regras jurídicas ou condicionamentos
estruturais (ou históricos) que ajudam a conformar determinados problemas, porém não são
centros práticos de ação, pelo menos da ação direta do ator social que está planejando.
Para Matus o ator social é definido a partir das seguintes caracterísiticas:
a) sua ação é criativa, não segue leis, é singular e único como ente com sentidos, cognição,
memória, motivações e força, é produtor e produto do sistema social;
b) tem um projeto que orienta sua ação, mesmo que seja inconsciente, errático ou parcial;
c) controla uma parte relevante do vetor de recursos críticos do jogo, tem força e
capacidade para acumular ou desacumular forças e, portanto, tem capacidade para produzir
fatos no jogo social; d) participa de um jogo parcial ou do grande jogo social, não é um
analista ou simples observador;
e) tem organização estável, que lhe permite atuar como peso de um coletivo razoavelmente
coerente; ou, tratando-se da exceção aplicável a uma personalidade, tem presença forte e
estável, o que lhe permite atrair, com suas idéias, uma coletividade social,
f) poder ser uma ator-pessoa ou um ator-grupo, no caso de que se trate de um líder ou de
uma direção de uma organização; é um jogador real que acumula perícia e emite
julgamentos, não uma ficção analítica; é um produtor de atos de fala e de jogadas.
262
No PES original o ator que planeja escolhe um ou dois problemas centrais e monta uma
árvore explicativa (em sentido horizontal, com as relações causais da esquerda para a
direita), no método ZOPP – já debatido no curso - a árvore explicativa é montada com as
causas na base, como as “raízes do problema”. Como normalmente possuímos várias
diretrizes estratégicas na organização e a identificação de problemas (no âmbito de cada
diretriz) é fundamental para o sentido do método, optamos aqui por selecionar vários
problemas com causas agregadas do que construir exaustivamente as árvores explicativas de
apenas um ou dois problemas centrais.
Caso haja disponibilidade de tempo no seminário, a montagem das árvores explicativas e o
fluxograma situacional (árvore só com causas fundamentais) para cada um dos problemas
selecionados, é sempre a melhor opção. Um olhar atento para uma árvore de um problema
qualquer rapidamente identificará os nós críticos como verdadeiros “nós” de uma rede
explicativa mais ampla. Nosso universo cognitivo deve ser sempre tensionado para
apreender as “redes explicativas” mais amplas que compõe o cenário e pano de fundo de
explicações parciais e incompletas.
O central na explicação de um problema é concentrar as atenções nas suas causas – por isso
devem ser sempre separadas de sintomas e efeitos. Quanto mais clareza e evidência coletiva
das causas de um problema, maiores as chances de desenhar a operação certa para
enfrentá-lo e buscar a diretriz estratégica pré-definida. As causas mais fundamentais são
verdadeiros nós críticos que precisam ser “desatados”. O método propõe neste sentido o
desdobramento das causas em três tipos ou níveis classificatórios:
Regras
• São determinadas por jogos anteriores, é a história passada do jogo.
• São leis, normas, condicionantes que definem o jogo.
• Os atores sociais que as defendem são os dominantes e tem hegemonia.
• São normas estruturais, exigem muito poder sua modificação.
Acumulações
• São as potencialidades, as capacidades acumuladas dos jogadores.
• São estoques de poder que sedimentam as jogadas, causas influentes na
conjuntura
• São as causas mais imediatas do problema, mais próximas da conjuntura.
263
Fluxos • Tem influência sobre as acumulações e regras, mas podem ser resultado
imediato das mesmas.
Algumas analogias ilustram as diferenças entre estes três tipos de causas dos problemas
ditos “quase-estruturados”. Na hidráulica as regras seriam o regime de chuvas, as
acumulações a água dos rios e os fluxos a correnteza; nas finanças as regras seriam os
regulamentos do mercado de capitais, a acumulação o capital financeiro e o fluxo a
aplicação do capital, que pode gerar novas acumulações ou não.
Exemplos de problemas quase-estruturados na administração pública: “Ineficiência dos
Serviços de Transporte Coletivo”, “Excessiva concentração da renda”, “Baixa produtividade
do funcionário público”, “Inviabilidade do modelo previdenciário atual”, “Inexistência de
mecanismos participativos na gestão”, “Baixo desenvolvimento econômico regional”,
“Poucos recursos tributários próprios do Município”, “Baixa consciência política da
população”, “Sistema de Monitoramento do Governo é precário”, “Relação desqualificada
entre Administração e Sindicatos”, “Planejamento burocrático e normativo é dominante”.
A explicação situacional de um problema gera um conjunto de causas interligadas
(fluxograma situacional), se selecionarmos, por exemplo, dois problemas centrais para cada
diretriz estratégica, dependendo do número de diretrizes haverá dezenas de causas a serem
resolvidas. É aqui que operamos mais uma vez com o conceito de seletividade e hierarquia
do método, devemos escolher as causas mais fundamentais – chamadas de nós críticos –
que sejam centros práticos de ação e estruturem as cadeias causais.
Um recurso de visualização gráfica que pode ser utilizado é a elaboração da Matriz de
relacionamento Diretrizes Estratégicas X Problemas. Ela ajuda a perceber os níveis de
sensibilidade cruzada entre o conjunto das diretrizes e o conjunto de problemas.
O facilitador deve estimular o grupo a responder qual é o grau de impacto do problema na
Diretriz - alto, médio ou baixo.
264
Na análise horizontal – Diretriz, pode-se verificar o balanço do conjunto de impactos dos
problemas e o nível relativo de exigência de recursos para sua conquista.
Na análise vertical – Problema, pode-se identificar o balanço de impactos de um único
problema no conjunto de diretrizes e assim, a noção relativa da importância de cada
problema em relação aos demais.
Quadro 2: Descrição de problemas – analítico
DIRETRIZ ESTRATÉGICA
PROBLEMA(s) SELECIONADO (s)
(CAUSAS DO PROBLEMA)
regras – acumulações - fluxos
(DESCRITORES DO
PROBLEMA)
(EFEITOS DO
PROBLEMA)
Quadro 3: Descrição de problemas - sintético
DIRETRIZES
PROBLEMAS
DESCRITORES
Nota Explicativa:
Este quadro (em ambas formas) deve registrar com precisão quais são os problemas
escolhidos para enfrentamento. A sinalização dos descritores ajuda no momento de
debater indicadores e monitoramento enquanto que a precisão das causas é fundamental
para o desenho normativo do plano. Um problema central para cada diretriz ou dois a três
265
problemas para o conjunto de diretrizes. O quadro 2 apresenta um desenho da “arvore do
problema” na horizontal, as causas na esquerda, no centro a descrição do problema e na
extrema direita os efeitos do problema. Pode-se entretanto adotar uma representação
usando a metáfora da “arvore”, de baixo para cima.
Agora temos vários problemas, todos verdadeiros, bem redigidos, compreensivos e de
enfrentamento necessário para atingir ou aproximar-nos das diretrizes. Apesar do
pressuposto metodológico de que os debates e construção de consenso de grupo são
objetivos permanentes, estes dependem do tempo disponível e do grau de divergência que
se apresente no momento e de qual é a maturidade do grupo para processá-la. O consultor
deve priorizar os problemas, o ideal é um ou dois problemas em cada diretriz. Para isto
utiliza-se técnicas de priorização, por exemplo como aquelas baseadas em pontuação livre
dos participantes, em um sistema de apostas, com valor máximo e mínimo.
A “árvore do problema” pode ser desenhada conforme o formato abaixo, isto é, o problema
central constitui o “tronco” da árvore com as cadeias causais como “raízes” e os efeitos
como os “galhos”.
266
A seguir uma outra forma de descrever o problema, horizontalmente:
Quadro 4: Matriz de relacionamento Diretrizes Estratégicas x Problemas
PROBLEMAS
P1
P2
P3
P4
DIRETRIZ
D1
267
D2
D3
Nota Explicativa:
Este quadro é útil quando houver um grande número de diretrizes estratégicas a serem
atingidas e/ou um grande número de problemas a serem enfrentados. Deve registrar a
análise das relações de mútua influência entre a solução dos vários problemas selecionados
e as diretrizes estratégicas da organização. Sua utilidade fica evidente no auxílio à decisão
sobre quais problemas tem maior impacto negativo nas diretrizes. As noções de
governabilidade, capacidade de governo e projeto político surgem com intensidade neste
tipo de debate, pois a valorização dos problemas é sempre situacional e distinta entre os
membros da organização. A natureza do problema selecionado determina em grande
medida a qualidade do processo de planejamento e do modelo de gestão.
Quem faz a análise de problema?
O Grupo de Planejamento, conforme o tempo disponível e o tamanho do grupo pode ter
uma divisão em grupos menores por diretriz. O fundamental é que todos se envolvam na
seleção e explicação dos problemas.
Definindo as operações do plano - o momento normativo
O que é ?
É o momento onde definimos o desenho das operações para incidir na realidade concreta. É
o momento mais normativo do método. O que fazer para resolver as causas essenciais dos
nossos problemas? Qual deve ser o rumo a tomar para atingir as diretrizes estratégicas?
268
Quais as grandes ações ou operações necessárias? Estas questões dizem respeito à aplicação
de variados recursos para produzir resultados determinados. Tudo que demandar recursos,
gerar um produto específico e produzir resultados pode ser chamado de ação.
Usamos neste texto as palavras “projeto” e “operação” e “ação” como equivalentes. Uma
taxionomia mais rigorosa definiria “projeto” como um conjunto lógico de operações e
“ações” (e sub-ações) como desmembramentos lógicos das operações, os projetos podem
ainda ser agrupados em programas conforme identidades temáticas: administração, infra-
estrutura, econômico, etc. As operações do plano na verdade é a denominação genérica de
uma categoria de planejamento que traduz fundamentalmente a iniciativa, a vontade de
fazer de um ator social, sua direcionalidade, ela assume formas diferenciadas de acordo com
a escala e o escopo do projeto, pode significar as atividades, as ações, os projetos ou os
programas. Na definição precisa de Matus:
“(...) o programa direcional de um ator social [o conjunto coerente de operações e
ações] é o conjunto de meios ou atos de intervenção social capazes de gestar uma
dinâmica causal de mudança situacional na direção e velocidade necessárias e
suficientes para alcançar, com boa aproximação qualitativa e quantitativa, a situação-
objetivo assumida como compromisso. Em outras palavras, o programa direcional é
um compromisso de ação e resultados; é uma proposta normativa. Através dele o
dirigente procura estabelecer um novo eixo direcional que aponte para a situação-
objetivo e permita alcançá-la num determinado tempo. Chamamos projeto de ação ao
conjunto de operações que enfrentam a situação de uma área problemática. O
programa direcional não é uma estratégia e tampouco é uma política. Não é uma
estratégia porque não indica a forma de construir a viabilidade do plano. Não é uma
política porque, em nossa concepção, uma política é o modo de fazer ou desenvolver
uma estratégia na prática. Nesta divisão de tarefas, a estratégia é um modo de pensar
a política, e a política um modo de fazer uma estratégia...”
Recomendamos utilizar como base metodológica para o desenho e gestão de projetos e/ou
operações, aquela proposta pela metodologia do PMI (“Project Managment Institute”),
sistematizada pelo livro “Guia de Conhecimentos em Gerenciamento de Projetos PMBOK”.
269
Esta metodologia oferece uma técnica efetiva de projetos distribuída por áreas de
conhecimentos, cada uma com seus processos, distribuídas por cinco fases: iniciação,
planejamento, execução, monitoramento e controle e encerramento. Há vários softwares no
mercado que auxiliam a elaboração de projetos, entre os quais podemos citar o MS Project,
o WBS Chart Pro, o PERT Chart Expert, o Mind Manager, etc.
No diagrama a seguir apresentamos uma síntese da metodologia PMI, com as áreas de
conhecimento, os processos e as fases do projeto:
Qual objetivo do desenho das operações?
Aqui devemos construir coletivamente, direção e funcionários do órgão, uma solução
democrática e de compromisso sobre os rumos da organização, os principais projetos,
programas , ações, etc., rumo ao cumprimento das diretrizes, à construção da imagem de
futuro dentro do horizonte de planejamento determinado.
270
Como fazer operações?
O facilitador ou consultor deve promover o grupo de modo a estimular a participação de
todos, facilitar o processo de exposição de idéias, independente do cargo, função ou salário
de cada participante. Algumas dinâmicas e técnicas de grupo podem ser utilizadas para
facilitar a criatividade do grupo.
Uma ação ou operação, projeto, atividade, etc. representa, fundamentalmente, uma
intenção materializada num compromisso de mudança da realidade que é declarado pelo
ator ou agente que está planejando.
Desenhar uma ação implica em determinar uma relação entre recursos, produto e geração
de um resultado e não pode ser confundida como uma recomendação, simples intenção
genérica ou enunciado de um desejo vago e nebuloso.
A elaboração de um programa de ação deve sempre levar em conta os critérios de coerência
com a imagem de futuro declarada, consistência com a análise situacional - grau de realismo
na relação entre meios e fins, e viabilidade técnica e política.
O repertório de ações para conquistar as diretrizes propostas é sempre uma convocação
para a ação, para a qual se deseja adesão da base social ou dos atores parceiros, um
compromisso público e um guia para ação prática.
Alguns cuidados devem ser observados quando desenhamos operações no planejamento
estratégico:
• Evitar a “síndrome da auto-suficiência”, cegar-se pelo voluntarismo ou falsa percepção
dos limites, propor-se a fazer “mais do que os recursos disponíveis permitem”.
• evitar deixar fora do foco de atenção variáveis importantes ou avaliações necessárias.
• evitar a má apreciação das oportunidades da conjuntura.
• superestimar a própria força ou subestimar as forças adversárias ou concorrentes.
271
• perder eficácia por insuficiência de conhecimento técnico, científico ou cultural para
elaborar os projetos (operações) necessários ou
• perder eficiência por incapacidade ou debilidade de gestão e organização.
Quem faz as operações e ações?
Normalmente o desenho de operações exige reflexão e debate multi-disciplinar e inter-
setorial, o que rompe com a segmentação convencional das organizações públicas. Pode-se
reorganizar o grupo todo por diretrizes ou problemas com similaridade temática, formar
grupos parciais para elaborar a Matriz Operacional e realizar a análise de eficiência, eficácia
e impactos nas diretrizes.
É fundamental o conjunto do coletivo de planejamento aprovar o resultado final desta
etapa. A parte normativa importante é o detalhamento operacional (analisada adiante)
destas ações na fase do Planejamento com ênfase mais Operacional. Em muitos casos o
desenho de operações exige domínio de competências técnicas específicas. Por exemplo, no
planejamento de um serviço de “pregão eletrônico” para compras públicas haverá
necessidade de apoio especializado em informática ou no planejamento de um sistema de
indicadores sociais certamente haverá que se contar com o apoio de especialistas setoriais
em educação, saúde pública, saneamento básico e assim por diante.
A Matriz Operacional ou Desenho das Operações
A idéia de uma Matriz Operacional consiste em elaborar um instrumento de visualização
gráfica, que contenha o conjunto das informações mais importantes do desenho normativo
do plano. A matriz consiste na disposição do conjunto de operações definidas na primeira
coluna e deve levar em consideração os seguintes itens:
• Detalhamento: conforme a complexidade das causas do problema ou da diretriz
estratégica será necessário detalhar a Operação em ações ou os Programas em Projetos
ou ações e assim por diante, o grau de detalhamento deve obedecer critérios de
praticidade e operacionalidade do plano.
272
• Recursos necessários: deve-se estimular uma reflexão sobre o grau de
comprometimento de recursos necessários para executar a operação. Os recursos
sempre são multifuncionais, podendo ser classificados em econômicos ou financeiros,
tempo, humanos e políticos. Pode-se atribuir uma graduação -alto, médio, baixo - em
operações mais complexas. A análise de recursos necessários é fundamental para avaliar
a eficiência da ação proposta a partir do balanço geral de recursos. A análise dos
recursos financeiros é a base para construção da proposta orçamentária nas fases
posteriores.
• Produto gerado: é o efeito imediato e direto da execução da ação ou operação. Por
exemplo, se a ação proposta for: “Elaborar projeto de implantação de controladoria
interna,” o produto gerado será provavelmente um “Projeto de Implantação da
Controladoria” e os resultados “melhoria da qualidade do gasto público”.
• Resultado esperado: é crucial distinguir resultado de produto, para que se analise a
eficácia da ação, isto equivale a responder a seguinte pergunta: o produto esperado
desta operação realmente garante o resultado desejado? No exemplo anterior um dos
resultados mais prováveis seria a redução do desperdício ou melhoria da gestão. Há
sempre uma pré-intencionalidade ao definir resultados, já que uma operação pode
produzir muitos resultados. Resultados imprevistos ou negativos, dependendo das
estratégias de viabilidade e dos cenários futuros. Pode-se debater aqui indicadores
quantitativos e qualitativos de resultado que, junto com os indicadores do problema,
podem ajudar para montar o sistema de monitoramento.
• Responsável: recomenda-se definir junto ao grupo de planejamento a pessoa
responsável pela execução da operação e que vai se responsabilizar perante o grupo por
esta tarefa ou pelo seu detalhamento técnico. Esta definição pode ficar “em aberto” e
ser retomada no final do processo de planejamento quando debate–se o problema da
gestão do plano e o conjunto de responsabilizações institucionais que ele demanda.
RECURSOS PRODUTOS
RESULTADOS eficiência
eficácia
273
Estes elementos conformam o padrão mínimo da Matriz Operacional. Algumas metodologias
utilizam outras ferramentas como o “5W2H” (Quem ? Onde ? Como ? Porque? Quando ?
Quanto ? ver glossário), metodologias de controle de qualidade no ciclo PDCA (planejar,
fazer, corrigir e atuar corretivamente) ou o Método do Quadro Lógico, por exemplo. Todas
formas e arranjos descritivos possíveis são válidos desde que haja sempre coerência
metodológica entre os princípios teóricos do método, a metodologia utilizadas, as
ferramentas empregadas e os valores da organização que protagoniza o processo de
planejamento.
Quadro 5: Matriz Operacional
PROGRAMA
PROJETO:
Operações
Ações
RECURSOS
PRODUTO
RESULTADO
RESPON-
SÁVEL
PRAZOS
APOIO
P1
P2
P3
Nota Explicativa:
Esta matriz ou quadro procura resumira etapa ou fase normativa do planejamento quando
desenhamos o “dever ser” do plano. Evidentemente que o quadro representa mais uma
274
ilustração do que um dispositivo operacional para trabalho a nível tático ou operacional. Os
elementos constantes da matriz são mínimos para o desenho normativo de um projeto que
podem ser agrupados e articulados em programas específicos. Posteriormente, nos
seminários operacionais os projetos e operações serão formatados em detalhe para
execução.
Pode-se acrescentar outras tarefas ao Seminário de Planejamento Estratégico –
dependendo do tempo disponível ou da necessidade da direção da organização - outros
elementos tais como: cronograma de execução, metas quantitativas, pessoal de apoio,
departamentos responsáveis pela execução, indicadores de resultado, etc.
O método ZOPP, por exemplo, contempla a montagem de uma “matriz de planejamento
do projeto”, derivada da metodologia do quadro lógico, com vários outros aspectos
interessantes como por exemplo a “análise dos pressupostos” ou “fontes de verificação”
dos indicares que aumentam a confiabilidade do desenho normativo como se verá mais
adiante.
Um bom teste de vulnerabilidade das ações previstas e do caráter sistêmico e situacional do
planejamento é a elaboração de uma matriz “Diretrizes Estratégicas/Problemas X
Projetos/Ações”. Na análise horizontal pode-se refletir sobre o grau de impacto combinado
de todo o desenho normativo, sobre uma única diretriz. Cada diretriz deve ter no mínimo
um impacto alto, de no mínimo uma ou mais ações, caso contrário deve-se redesenhar o
plano e rever a eficácia das ações propostas. Na análise vertical verifica-se o conjunto de
impactos cruzados das ações sobre as diretrizes. Isto nos permite visualizar que algumas
operações/ações distribuem altos impactos sobre um número maior de
diretrizes/problemas, outras produzem baixos impactos.
Não deve-se esquecer que desenhamos ações para resolver problemas que, se resolvidos,
nos aproximam mais das diretrizes estratégicas. A conquista destas diretrizes, considerando
uma analise situacional dada, nos aproximará da nossa missão e imagem de futuro proposta.
Podemos ver que há um encadeamento lógico não-linear entre os momentos. Uma seleção
275
equivocada de problemas, por outro lado, certamente induzirá o desenho de ações com
baixa eficiência ou baixa eficácia.
O desenho das operações pode ser aproveitado como um momento para aprofundar o
caráter participativo do planejamento combinando a autoridade tecno-política dos
dirigentes e da equipe técnica do projeto ou da instituição com a manifestação expontânea e
autêntica da base da organização – funcionários em geral.
Por fim cabe lembrar que o momento normativo (o desenho das operações do plano) não
pode – durante o seminário de planejamento – detalhar e aprofundar cada elemento da
operação prevista. Imagine-se por exemplo que num seminário da área de segurança pública
surja a operação “Implantar sistema de vigilância eletrônica nas áreas de maior
periculosidade”. Evidentemente o detalhamento de tal operação demandaria muitas
informações adicionais, entre as quais a definição precisa do conceito de periculosidade, a
viabilidade jurídica de tal sistema, custos e tecnologia disponível, manutenção após
implantação, etc...este detalhamento deve ser feito no planejamento operacional após o
seminário geral de planejamento e sob coordenação da “comissão de gestão do plano”.
Quadro 6: Matriz Diretrizes Estratégicas/Problemas x Ações Propostas
AÇÕES OU
PROJETOS
Projeto 1
Ação...
Projeto 2
Ação...
Projeto 3
Ação...
DIRETRIZES PROBLEMAS
DIRETRIZ 1
PROBLEMAS
DIRETRIZ 2
PROBLEMAS
276
Nota Explicativa:
Este quadro retrata uma relação muitas vezes difícil de perceber ou esclarecer: a relação
entre as ações adotadas pelo grupo e sua relação de impacto sobre os problemas que
objetivam resolver, organizados por diretrizes estratégicas. Cabe lembrar que a cada diretriz
estratégica proposta pela equipe dirigente um conjunto de problemas foram identificados,
selecionados e explicados. Se o grupo ou a organização adotou um único macro-problema
para resolver então na primeira coluna poderão ser listadas as principais causas do problema
(os nós-críticos).
A elaboração de cenários – o momento estratégico
Desenhar projetos, ações, operações, pressupõe algum juízo sobre o resultado futuro do
nosso esforço, da mobilização de recursos. Esta direcionalidade do programa depende,
contudo, de muitas outras variáveis que são controladas por diversos atores em contextos
específicos, que sempre são nebulosos e impossíveis de predizer. Por isso, é preciso
aprender com o passado, simular o futuro e diminuir as chances da improvisação.
A elaboração de cenários é relativamente complexa, depende do grau de informação
disponível pelo grupo e da complexidade do problema a ser enfrentado. Quanto maior o
âmbito temático do problema e menor, por efeito, a governabilidade do ator que planeja,
mais difícil fazer o cenário sem cair na armadilha da “futurologia especulativa”. Imaginar
cenários é como fazer análise de conjuntura, só que para situações prováveis no futuro,
tentando criativamente projetar prováveis comportamentos.
Como fazer cenários?
Elenca-se descritivamente todas variáveis importantes para o cenário, de acordo com o
âmbito do problema, a abrangência das operações e as diretrizes da organização.
277
Lembramos que as variáveis podem ser subdivididas de acordo com o grau de
governabilidade que temos sobre elas para facilitar a análise posterior.
Construímos três hipóteses básicas sobre o cenário:
♦ um cenário provável,
♦ uma variação otimista do cenário provável
♦ uma variação pessimista do cenário provável.
É evidente que o conceito de “provável” depende de uma série de fatores entre os quais a
quantidade de informação disponível sobre o comportamento passado de determinados
agentes sociais e processos, os juízos de valor de cada um sobre o que pode acontecer, uma
boa dose de “intuição cognitiva”, de sensibilidade e aprendizado, etc...
Mesmo com todas dificuldades porque é importante tentar elaborar cenários futuros? Por
que saber identificar prováveis ameaças e oportunidades com antecipação permite-nos
adquirir uma vantagem estratégica, além de melhorar a eficácia das operações pensadas na
atualidade. Desenhar cenários permite simular a viabilidade futura das ações do plano.
Em cada cenário revisamos os resultados esperados de cada ação/operação e identificamos
as vulnerabilidades existentes. Estas fragilidades serão fonte inspiradora para redesenhar as
ações ou elaborar outros projetos capazes de manter o resultado original.
Os cenários servem, afinal, para testar a consistência da Matriz Operacional num quadro de
incerteza sobre o futuro. Permitindo simular e antecipar as oportunidades e ameaças
conjunturais e aumentar a viabilidade do plano, pois melhoram o desenho normativo, o
“deve ser” do planejamento.
Recomendações no desenho de cenários:
• Ter uma visão situacional da realidade como construção social.
• O futuro não é só a extrapolação de padrões comportamentais do passado.
• Distinguir tendências conjunturais daquelas estruturais: estabilidade X ruptura de padrão de
278
conduta ou comportamento.
• Construir hipóteses alternativas com plausibilidade e factibilidade: possuir a noção de
restrição.
• Imaginar as surpresas como rupturas dos padrões observados: atenção para focalizar
detalhes aparentemente “não-importantes”.
• Nunca “congelar” os cenários, nem indicadores quantitativos
É evidente que cabe ao grupo de planejamento monitorar a evolução dos cenários e suas
principais variáveis para fornecer informações de gestão e execução do plano. Se não
houver viabilidade para acompanhar e monitorar cenários ao longo da execução do
plano, não vale a pena gastar energias na sua elaboração durante o seminário geral. Esta
tarefa poderá ser atribuída ao Comitê de Gestão (ver anexo).
Quadro 7: Desenho de cenários
OTIMISTA (B)
PROVÁVEL (A)
PESSIMISTA (C)
VARIÁVEIS
SELECIONADAS
1....................
2....................
3....................
VARIÁVEIS FORA
GOVERNABILIDADE
VARIÁVEIS FORA
GOVERNABILIDADE
VARIÁVEIS FORA
GOVERNABILIDADE
Nota Explicativa:
279
Um dos protocolos mais importantes para processar o quadro de incerteza futura do plano
é fixar sempre a idéia de que – ao desenhar criativamente operações, projetos e
programas – não o fazemos em condições abstratas e ideais, nem sozinhos. Esta matriz
procura sistematizar o debate sobre este contextos e estas condições políticas onde a
governabilidade é sempre uma variável limitada e dinâmica. É importante que o cenário
provável seja o mais realista possível, quanto maior for o conhecimento acumulado pelo
grupo e seu domínio sobre o jogo, mais confiáveis tenderão ser os cenários. O
gerenciamento do plano exigirá um acompanhamento preciso da evolução de cada
variável do cenário e seu monitoramento para redesenho das operações em cada caso ou
situação.
Como tratar com as incertezas? O planejamento situacional concebe as consciência sobre a
inevitabilidade de incertezas como uma noção determinante para a elaboração do plano.
Não há como ignorar ou esconder as incertezas de modo permanente, a menos que
estejamos trabalhando de forma convencional e determinística.
O cálculo estratégico nunca pode ser congelado, é um processo cujo formato deve mudar
continuamente, na medida em que as condições do jogo social são elas mesmas modificadas
e produzidas. A organização social que planeja, por sua vez, deve estar sempre preparada
para reagir rapidamente, aprendendo com o passado recente, acompanhando cenários,
aguçando a imaginação e a intuição criativa.
Ou seja, o planejamento deve de alguma forma preparar a organização para estar em
prontidão permanente, pronta para rápida reação diante de imprevistos. Quando
aparentemente não houver alternativas políticas, cabe ao ator criar as próprias opções das
trajetórias futuras. Sugere-se trabalhar com planos de contingência para as surpresas de alta
probabilidade de ocorrência, com significativo impacto sobre as diretrizes ou problemas do
plano e cujo custo seja adequado às condições da organização.
O preparo de planos de contingência e sua condição stand by não podem, em absoluto,
diminuir a prontidão diante das surpresas inevitáveis dos cenários futuros.
280
Quadro 8: Impacto dos cenários nas ações
CENÁRIOS
Projetos Operações
MANTIDAS
Projetos Operações
REJEITADAS
Projetos Operações
REDESENHADAS
CENÁRIO
otimista
CENÁRIO
provável
CENÁRIO
pessimista
Nota Explicativa:
Esta matriz está vinculada à anterior na medida em que após análise de cada cenário muitas
operações que anteriormente foram pensadas e desenhadas sem esta reflexão, agora serão
modificadas com mais ciência e precisão a partir dos cenários colocados. Conforme o
balanço entre os três cenários e principalmente o cenário provável, o grupo de
planejamento terá teoricamente uma noção maior da vulnerabilidade do plano diante da
provável conjuntura futura do jogo. Por exemplo, ações de alto impacto no problema que
são rejeitas no cenário provável estão demandando nova reflexão sobre produtos, recursos
ou resultados esperados.
Construção das estratégias de viabilidade do plano
281
O que é o momento estratégico ?
É o momento ou etapa que devemos refletir e formular o que deveremos fazer para criar as
condições nas quais as ações ou operação ganharão viabilidade. A questão estratégica
portanto pode ser sintetizada no gasto de recursos para gerar um único resultado:
conquistar viabilidade política (poder) para execução do plano. A estratégia faz parte do
planejamento e é um dos elementos que diferenciam radicalmente este enfoque das
concepções normativas e tradicionais.
A formulação estratégica é necessária porque a visão situacional do “jogo social” implica na
aceitação de outros jogadores e do futuro como resultado nebuloso, aberto e permanente.
O centro do memento estratégico é a análise de viabilidade política do plano. Conforme
Matus é um cálculo necessário ao processo de governo, sujeito a fortes elementos de
incerteza. A análise não é um mero exercício de predição, mas um a incursão simulada no
futuro, expressa também nossa vontade de fazer, tentando criar situações favoráveis e
antecipando o pré-desenho do projetos viáveis, com potencial para aproveitar as
oportunidades abertas e alterar o curso da mudança situacional, num movimento de
aproximação da situação-objetivo.
Qual objetivo do cálculo estratégico?
Os resultados previstos em cada operação do momento anterior só ganham materialidade a
partir do cálculo estratégico. Quanto maior for a mobilização de recursos ou a ambição do
projeto político do gestor público, maior a necessidade do cálculo estratégico, que depende
muito das habilidades e perícias organizacionais e institucionais, da capacidade de governar.
Embora possam existir alguns protocolos metodológicos para elaborar estratégias, grande
parte do sucesso depende da perícia individual e institucional, do “pensar” estrategicamente
que é construído também pela experiência que ensina. A categoria central que organiza este
momento do método é o “poder”, que é o resultado das pressões que a força aplicada de
cada “jogador” (ator ou agente social) produz. Aumenta-se a viabilidade do plano quando se
acumula mais poder, perde-se poder quando projetos e ações tornam-se inviáveis.
282
Mas o que é o poder ? O conceito de “poder” talvez seja um dos mais complexos na ciência
política, Matus responde com uma série de perguntas...
“O que é poder? É um complexo de recursos de aplicação potencial? É uma
acumulação que sintetiza todas as acumulações sociais possíveis para uma força
social? É ao mesmo tempo uma relação social e uma acumulação? De onde emana o
poder? Como se cria e se perde poder? Quais são os insumos sociais da produção de
poder? As forças sociais apropriam-se de um poder pré-existente ou o poder só existe
como atributo das forças sociais? Como o poder relaciona-se com outros conceitos
como dominação, autoridade, habilidade para conduzir, etc.? Como se relaciona o
poder de uma força social com o uso do poder que ela faz numa situação? Liberdade
de ação é poder? A variedade do possível para um ator expressa seu poder na
situação? Quanto vale o poder? Seu valor é absoluto ou é relativo ao âmbito de seu
uso? O poder é sempre relativo a outros? Qualquer acumulação social é redutível a
poder? Então, o que não é poder? A informação, o domínio das ciências, o carisma, a
simpatia, a organização,os recursos econômicos, a ideologia assimilável, os meios de
comunicação, os meios de repressão, a adesão popular, os deputados e senadores no
Congresso Nacional e o controle do aparelho de Estado são poder? Tudo isto, tão vago
e tão complexo, pode ser expresso em categorias operacionais que sejam úteis para
uma análise de viabilidade política?”
Respondendo parcialmente suas próprias perguntas o autor propõe um conceito
multidimensional de poder (tudo é poder), entretanto o poder só existe como capacidade de
fazer ou influir sobre o que os outros fazem, ou seja, está relacionado ao agir e à ação social
ou à expectativa de ação (a mera demonstração de poder). Portanto o poder é uma relação
social que sempre se refere ao nosso projeto vis a vis o projeto dos demais agentes, é
passível de acumulação (estoque de poder) ou perda na arena social quando “compra-se”
poder (no conflito) de outros atores.
Como fazer o desenho das estratégias?
283
No momento normativo, quando desenhamos um conjunto de ações estamos debatendo e
construindo uma análise de direcionalidade para o Plano, agora devemos nos propor o
desafio de construir a análise de viabilidade que tem outros pressupostos e
condicionamentos.
Normalmente a viabilidade de um plano está condicionada à viabilidade política, econômica,
técnica e institucional. Destas a viabilidade política é a mais complexa porque diz respeito
imediato às relações que estabeleço com outros atores, aos recursos que domino e às
motivações e interesses pelos problemas concretos. Em resumo, a viabilidade política
implica em acumular poder “no jogo” e através deste processo ser capaz de materializar os
resultados do plano e atingir as diretrizes.
Só há debate estratégico se reconhecemos nossas limitações, nossas restrições de qualquer
ordem. Embora a passividade e conformidade diante das restrições possam configurar uma
estratégia deliberada (não há como neutralizar o adversário), a limitação ao que é viável
hoje não constitui uma opção estratégica, antes disso traduz a renúncia ao um projeto
próprio ou completa adesão ao projeto de outro ator (perda de autonomia).
Comumente se colocam três grandes opções estratégicas:
• de cooperação, que supõe negociação e acordo onde cada parte cede em troca de
benefícios mútuos (jogo com resultado diferente de zero);
• de cooptação, implicando que uma parte ganhe a adesão da vontade de outros
atores seja pelo peso, domínio de recursos ou força do projeto ideológico, ou
• de conflito com outros atores sociais.
A escolha da melhor estratégia em cada caso concreto varia de acordo com a direcionalidade
de cada projeto, fatores ideológicos, culturais, emocionais e não raras vezes absolutamente
circunstanciais e imprevisíveis. A definição depende basicamente da intensidade da vontade
política em cumprir determinado plano, apesar dos conflitos prováveis que isto pode
implicar.
284
Numa situação de definição estratégica concreta (cooperação, convencimento ou conflito)
haverá sempre uma concorrência entre processos alternativos e mutuamente excludentes:
eficácia relativa à probabilidade de êxito, economia de tempo como velocidade para obter
resultados, eficiência do custo político e econômico em relação aos resultados esperados,
segurança para evitar os riscos desnecessários e a redução de alternativas futuras, etc..
A formulação estratégica, como já estamos percebendo, não é tarefa de simples solução e
requer muita reflexão e tempo do grupo de planejamento. Muitas vezes as circunstâncias
exigem ceder diante das restrições, buscar aliados, fazer rodeios táticos, atacar pelo ponto
de menor resistência, dissimular o objetivo de maior valor, esperar uma conjuntura mais
favorável, etc.
O importante é nunca perder o sentido da direcionalidade do projeto político (o repertório
de operações e as diretrizes). O êxito não deve ser alcançado pela simples adaptação dos
objetivos, mas pela criação de condições de possibilidade para viabilidade do plano.
Se a imagem de futuro ou as diretrizes estratégicas indicam uma situação-objetivo no futuro,
que atualmente não se mostra viável então será preciso planejar estrategicamente,
aproveitando oportunidades e agindo planejadamente.
Para ilustrar a complexidade deste debate imaginemos por um instante como seria a análise
estratégica, no Brasil contemporâneo, do “jogo da Reforma Agrária” com atores sociais
como o INCRA, o MST, entidades de grandes proprietários,etc..., o “jogo da política
econômica” com os “jogadores” Banco Central, CUT, Federação dos bancos, Congresso
Nacional, FMI, etc... ou “jogo da municipalização da saúde” com o Ministério da Saúde, os
Planos privados, as Prefeituras, as entidades de usuários, etc...
Diferentes domínios da viabilidade estratégica
• Viabilidade Política: refere-se à administração de recursos de poder para aplicação na
consecução dos objetivos possíveis. Trata-se de produzir ações que acrescentem
recursos de poder no relacionamento com os demais atores.
285
• Viabilidade Econômica: refere-se à disponibilidade de recursos econômicos e financeiros
necessários para desenhar as operações. Trata-se de produzir ações que ajustem os
resultados aos recursos disponíveis ou elevar os recursos às necessidades das operações.
Aqui entra o tema da eficácia e eficiência meramente econômica, os critérios de
produtividade, rentabilidade, as metas das taxas de crescimento, viabilidade micro ou
macroeconômica, etc.
• Viabilidade Técnica: consiste em disponibilizar a capacidade técnica existente na forma
de tecnologia que viabilize as operações, sejam elas mobilizadoras de recursos na área
das ciências naturais (projetos de engenharia, p. ex.), ou na tecnologia organizacional e
administrativa.
• Viabilidade Organizacional: refere-se às capacidades institucionais do sistema como um
todo e às capacidade pessoais e de liderança dos gestores envolvidos no processo de
planejamento. Ao nos perguntarmos se nosso plano é viável organizacionalmente, qual
é nossa real capacidade operativa e se a rigidez burocrática é uma ameaça ao êxito do
plano, avaliamos este tipo de viabilidade. Isto implica na imensa maioria dos casos, em
colocar em cheque o modo como dirigimos, organizamos nossos departamentos e
tomamos nossas decisões.
A viabilidade organizacional do plano depende da capacidade da liderança política dos
gestores em conduzir as estratégias de transformação dos organismos. Capacidade de
planejamento estratégico, flexibilidade e descentralização gerencial, responsabilização
coletiva, alto desenvolvimento de recursos humanos, avaliação permanente de resultados,
sistemas democráticos de direção, processo decisório participativo, alto capital intelectual e
capacidade de aprendizagem são características necessárias para o aumento da viabilidade
organizacional do plano.
Estas “viabilidades situacionais” conformam um conjunto de “testes” independentes pelos
quais deve passar o plano elaborado. Cada uma delas tem implicações sobre as demais,
entretanto a existência isolada de uma delas não compensa a ausência de outras.
Para a análise estratégica o que se requer é uma análise de síntese e balanço entre todos os
tipos de viabilidade simultaneamente. É a capacidade de antecipação da provável reação dos
286
demais atores sociais (aliados e adversários) aos resultados desejados dos nossos Projetos e
Operações.
A análise de viabilidade política, por exemplo, é o cálculo sobre os processos de governo,
sujeito à fortes elementos de incerteza. Este cálculo deve expressar também nossa vontade
de fazer, criando situações favoráveis para alterar o curso dos acontecimentos, nos cenários
de nossas simulações.
A Análise dos Atores Sociais
O comportamento dos demais atores ou entidades que estão no espaço dos nossos
problemas é determinante para a eficácia dos nossos planos, em todos os domínios da
viabilidade estratégica.
Conhecer profundamente os adversários ou concorrentes, como também os aliados, é
condição para formulação da estratégica mais adequada. Identificar suas posições, seus
interesses diante dos problemas e projetos, simular sua provável reação no tempo,
identificar sua capacidade de resposta, conhecer os recursos críticos que controla, enfim, a
viabilidade política de uma estratégia é proporcional ao grau de conhecimento que
possuímos sobre o outro, embora não devamos esquecer que este conhecimento não é
definitivo e que os comportamentos são sempre criativos e imprevisíveis. A viabilidade
política é assim, referente sempre às relações de poder e só no momento da interação
criativa com os demais é que podemos acumular ou não poder.
Uma técnica gráfica recomendável para análise dos demais atores pode ser seguida através
dos seguintes passos:
• Define-se ator como uma organização social que mobiliza recursos, sustenta com certa
estabilidade um projeto político, enfim, “joga” na conjuntura. A partir daí deve-se listar
todos atores sociais relevantes para a solução do problema já analisado.
• Devemos produzir uma matriz chamada “Matriz de Interesse dos Atores Sociais” que
consiste em relacionar o conjunto dos atores selecionados com o conjunto das
287
operações ou ações projetadas no momento normativo. O valor que um ator atribui para
uma ação pode ser alto, médio ou baixo e o interesse pode ser positivo, caso ele apoie
ou negativo, caso ele rejeite a operação. Assim os atores sociais com alto valor e
interesse negativo constituem a base dos prováveis oponentes ou adversários enquanto
os de alto valor e interesse positivo os aliados e apoiadores. O valor e o interesse juntos
sinalizam a motivação ou a intenção dos atores, porém esta identificação isolada da
capacidade real não nos diz muita coisa.
O que é a “força de um Ator social” enquanto poder?
• É multidimensional, não é sua natureza que define mas a circunstância do uso.
• Só tem valor relativo ao propósito do Ator, é situacional.
• É produto da acumulação social, é capacidade ganha ou perdida no jogo.
• É um conceito que permite comparação, é mensurável, existe quando está em movimento.
É poder aplicado.
• Pode produzir resultados sem ser usada, poder de dissuasão.
• Na política se expressa pelo controle de “centros de poder”.
• É um recurso permutável, pode ser intercambiado no jogo social.
• A acumulação é condicionada pelas regras de poder, a institucionalidade fixa as
possibilidades-limite.
Será necessário analisar a capacidade real “de jogo” dos atores, pois ela confere poder real
(ou não) às suas motivações e intenções. A motivação e a capacidade de um ator conformam
sua capacidade de pressão no jogo social, isto é, um ponto de aplicação da força do ator.
• Deve-se proceder uma análise dos recursos controlados por cada ator já analisado. Os
recursos no campo do debate estratégico podem ser de múltipla natureza, por exemplo,
recursos econômicos, adesão popular, controle dos meios de comunicação, controle de
bancadas parlamentares, etc. Uma técnica de visualização gráfica simples consiste em
montar uma matriz de dupla entrada com os recursos relevantes na primeira coluna e os
atores na primeira linha, as casas são preenchidas com alguma graduação que pode ser
quantitativa (percentual, p.ex.) ou qualitativa (alto, médio e baixo). Os atores mais
288
críticos para o problema estratégico são os que representam a um só tempo os maiores
graus de motivação, contra e a favor, com as maiores capacidades expressas como
controle de recursos críticos.
Quadro 9: Matriz de Controle de Recursos
AÇÕES
A1
A2
A3
A4
A5 RECURSOS
FINANCEIROS
COGNITIVOS
POLÍTICOS
Outros...
Nota Explicativa:
Esta matriz identifica quais são os principais tipos de recursos importantes para o
planejamento em curso e qual o grau de controle de cada ator sobre o mesmo, ela é uma
Motivação
Força
Pressão
Controle de recursos – qual o peso ?
Valor (+,-) Interesse (A,M,B)
Ação
289
matriz de informações básicas para ser utilizada mais adiante no aprofundamento da análise
estratégica e na interação entre atores sociais que estão ora em conflito, ora em
cooperação.
290
Quadro 10: Matriz de Interesse dos Atores
ATORES
SELECIONADOS
ATOR
1
ATOR
2
ATOR
3
ATOR
4
ATOR
5
ATOR
6 Projetos e
Operações
AÇÃO 1
AÇÃO 2
AÇÃO 3
Analisar em cada
cenário ou no cenário
mais provável
VALOR INTERESSE Máxima adesão
ALTO APOIA (+) A+
MEDIO REJEITA (-) Máxima rejeição
BAIXO Indiferente A-
Nota Explicativa:
Este quadro expressa teoricamente as motivações dos atores sociais. Um quadro básico
para análise estratégica, que é sempre uma questão de força e poder, relação entre forças e
pressões. O valor agregado ao interesse produz uma motivação concreta de cada ator sobre
cada ação, projeto ou operação do jogo. A força de cada ator (elemento crítico para
estabelecer a estratégia) depende de vários fatores além da motivação, como a perícia, a
personalidade, o suporte cognitivo e o controle de recursos de cada jogador.
291
Mapeada a correlação de forças relativas ao espaço do problema já há condições mínimas
de avançar na análise estratégica. Sabemos que os comportamentos institucionais não
dependem só das motivações ou do poder acumulado por cada agente social, o jogo de
pressões se realiza em conjunturas concretas, em determinadas cenas ou cenários, portanto,
devemos retomar os cenários elaborados no momento anterior e construir nosso plano
estratégico que consiste na elaboração de ações de viabilidade para o plano.
Em algumas experiências o grupo de planejamento define as linhas gerais das estratégias ou
as marcas centrais da mesma e delega para um grupo menor, que pode ser a direção da
organização ou parte do Comitê de Gestão para detalhar as operações de estratégia. Em
problemas complexos e de alto potencial conflitivo, o planejamento de uma nova matriz
tributária, ou operações financeiras de alto risco, p. ex. - o caráter reservado ou mesmo
sigiloso da estratégia pode ser necessário para preservar sua eficácia, pois o conhecimento
prévio anteciparia eventuais comportamentos hostis dos atores adversários.
Princípios para formulação de estratégias.
1º Aprecie eficazmente a situação: dissolva o problema em espaços maiores.
2º Compatibilize a relação recursos-objetivos: proponha-se objetivos ao alcance da sua
capacidade de criar recursos.
3º Mantenha a concentração: evitar a “distração tática” imposta pela agenda do dia-a-
dia ou pelo ritualismo da burocracia (paisagem das urgências).
4º Use o rodeio tático: evitar a “síndrome do touro”, não confundir o tático com a
negociação do doutrinário.
5º Economia de recursos: não abusar do poder, não “ganhar” oponentes sem
necessidade.
6º Valorize os demais Atores: conheça os recursos que controlam e suas motivações,
seu código operacional, o padrão de comportamento institucional.
7º Encadeamento estratégico: não há vácuo em política, simule os efeitos dos
movimentos táticos, projetando a seqüência de estratégias.
8º Evitar o pior é sempre prioridade: impedir o retrocesso ou desacumulo de poder é
sempre prioridade.
292
9º Evite trabalhar com certezas: não faça predições, prepare-se para surpresas através
da análise de cenários.
A melhor estratégia será sempre aquela que aumenta o campo de possibilidades futuras
para atingir as diretrizes estratégicas da organização. É por isso que o centro estratégico
concreto é a ampliação da governabilidade do ator social que planeja. No setor público o
debate estratégico é crucial para enfrentar a crise do Estado e a fragilização das funções
governamentais, a própria despolitização da gestão pública.
Novamente é crucial ter uma atitude mental aberta a compreender o mundo e os agentes
de uma forma situacional, isto é relativa ao posicionamento de cada um no tabuleiro do
jogo. Gadamer, o filósofo alemão da hermeneutica, coloca assim a imposssibilidade de
clarividência absoluta sobre a circunstâncias do jogo social ou a necessária consciência sobre
os limites e os horizontes, pois estamos “imersos” na própria história que descrevemos:
"(...) tornar-se consciente de uma situação é uma tarefa que em cada caso reveste uma
dificuldade própria. O conceito de situação se caracteriza pelo fato de não nos
encontrarmos diante dela e, portanto, não podemos ter um saber objetivo dela. Nós
estamos nela, já que nos encontramos sempre numa situação, cuja iluminação é a
nossa tarefa, e esta nunca pode se cumprir por completo. E isso vale também para a
situação hermenêutica, isto é, para a situação em que nos encontramos face à tradição
que queremos compreender. Também a iluminação dessa situação, isto é, a reflexão
da história efeitual, não pode ser plenamente realizada, esta impossibilidade não é
defeito da reflexão, mas encontra-se na essência mesma do ser histórico que somos.
Ser histórico quer dizer não se esgotar nunca no saber-se."
Neste cenário ampliar a governabilidade no setor público sinaliza uma efetiva recuperação
da capacidade de governo, pressuposto imprescindível para realização de projetos
transformadores e contra-hegemônicos. Um recurso intelectual bastante útil, embora pouco
utilizado, é a análise e o estudo de casos e as experiências históricas ou mais recentes do
ponto-de-vista do embate e de conflitos estratégicos. Tente, para ilustrar e exercitar
mentalmente, lembrar de um caso público e concreto e responder metodicamente a estas
293
perguntas: Quem acumulou poder? Porque? Quais as estratégias adotadas? O que estava
realmente em jogo?
A seguir algumas perguntas-orientadoras que o facilitador ou consultor pode desenvolver
junto ao grupo para estimular a reflexão sobre o debate de estratégias:
1. Quais as motivações dos nossos oponentes ou concorrentes ?
2. Qual os motivos dos nossos aliados ou parceiros ?
3. Quais Projetos ou ações nossas tem maior oposição ou concorrência? Porque?
4. Quais estratégias possíveis viabilizarão as operações mais críticas (que mobilizam mais
oposição e recursos) ?
5. Quais recursos os demais atores controlam e que são importantes para o êxito do nosso
plano?
6. Como podemos usar/neutralizar suas capacidades ?
7. Devemos redesenhar as Operações e Projetos? Repensar os cenários ? Como se
comportam nos cenários?
8. Estamos preparados para adotar a melhor estratégia?
Quem faz a análise estratégica?
O debate sobre estratégia exige intensa reflexão política e dependendo do grau de coesão
do grupo pode mobilizar grande debate. O facilitador (moderador) deve ter a sensibilidade
apropriada para identificar se o grau de stress mental do grupo não compromete a qualidade
do debate. A matriz de interesse dos atores pode ser debatida no grande grupo, mas o
detalhamento mais sofisticado das operações tipicamente estratégicas (aumento da
viabilidade) devem ser delegadas para grupos menores.
Definição do sistema de gestão – o momento tático e operacional
O que é ?
294
No seminário de planejamento, o momento final focaliza o sistema de gestão do plano, onde
serão desenvolvidos os seguintes debates a partir do fio condutor posto pelos seguintes
questionamentos:
• como este será coordenado ?
• quais procedimentos serão implementados para redesenhar a organização ?
• como será montado o sistema de informações ?
• quais estruturas serão responsáveis pela avaliação permanente de resultados e as
correções necessárias ?
Estes processos não poderão ser vivenciados totalmente no seminário de planejamento,
apenas simulados. Um sistema de planejamento só é valorizado e demandado pelo gestor
público, na medida em que se constitui como um suporte para a decisão cotidiana. A
improvisação complementa criativamente o plano, se a cultura de planejamento
predomina.
Qual objetivo deste momento?
Sumariamente, os passos percorridos até agora foram os seguintes: elaborou-se as
Declarações Estratégicas e a avaliação situacional da organização, identificou-se, selecionou-
se e explicou-se os problemas centrais para cumprir as diretrizes estratégicas, desenhou-se
um plano de “apostas bem fundamentadas” - as ações planejadas, fez-se a matriz
operacional, elaborou-se cenários e revisou-se a consistência dos projetos planejados.
Identificou-se a motivação e a capacidade dos demais atores, refletiu-se sobre as principais
estratégias em cada caso e cenário.
Nada disso terá sentido, porém, sem o momento operacional, quando coloca-se em prática
o planejamento, é onde tudo se decide. O objetivo deste momento é pensar como
funcionará o sistema de gestão do plano, quais habilidades organizacionais deverão ser
desenvolvidas para executar o plano, obter resultados e mantê-los ao longo do tempo.
A execução no dia a dia do planejamento é o momento mais crucial de todo processo, é
onde tudo se decide.
295
Os princípios organizadores deste momento resultam na convergência de dois critérios:
(a) a concentração estratégica, que é dominante, significa evitar a dispersão de recursos
em elementos “da paisagem”, fatores sociais, econômicos ou políticos não essenciais
ao sucesso do plano e
(b) a flexibilidade tática, subordinada ao primeiro princípio, ela significa a capacidade de
improvisar criativamente, no espaço de liberdade permitido pela estratégia, até que
a própria estratégia seja alterada diante das impossibilidades táticas.
Segundo Matus:
“O segundo critério é a flexibilidade tática, mas sem esquecer que a tática não é eficaz
por si própria, mas em relação à estratégia perseguida. O planejamento no presente é
planejamento tático; exige uma avaliação permanente da evolução da mudança
situacional e dos resultados reais alcançados após cada ato de intervenção social, ou
depois que algum evento não planejado ou exógeno ao sistema considerado altere as
características da situação ou de seu movimento. Esse acompanhamento visa, por um
lado, aprender com a praxis , comparando simulação e realidade a fim de melhorar a
qualidade dos cálculos seguintes; por outro revisar constantemente o plano, a fim de
adaptá-lo com flexibilidade sempre que a situação se altere. Neste processo de
avaliação permanente é preciso comparar o planejado e o alcançável com o obtido em
cada situação, e examinar se o curso seguinte do movimento planejado segue na
direção correta. Este último aspecto da avaliação supõe uma comparação permanente
entre o arco conjuntural do plano, o arco direcional e o arco da utopia perseguida.”
A execução do plano então é o exato momento em que as fases do planejamento são
articuladas numa síntese dialética: a explicação da realidade é atualizada pela análise
situacional sistemática (momento explicativo), a direcionalidade do plano é materializada
em ações que modificam a realidade (momento normativo) e a viabilidade do planejado, do
desejado, sofre seu teste definitivo pelo exame da praxis (momento estratégico).
296
Como fazer o debate operacional?
Nesta parte do seminário o processo caminha para sua conclusão e por isso é importante a
sensibilidade do facilitador ou consultor em “amarrar” as decisões e encaminhar os temas
pendentes.
O debate de gestão pode ser dividido ou encaminhado por partes, tendo clareza que as
formas organizativas ou os processos internos de tomada de decisão devem viabilizar o
plano e suas estratégias.
A gestão do planejamento, neste enfoque, é parte inseparável do próprio plano, aliás ela é o
próprio planejamento em processo permanente de elabor(ação). A natureza metodológica e
os pressupostos teóricos que adotamos, entretanto, exigem um outro tipo de gestão, muito
diferente do desenho organizacional tradicional do setor público. O acompanhamento dos
resultados a partir do monitoramento do problema exige uma gestão mais sistêmica e
descentralizada, menos departamentalizada e fragmentada.
Gerenciar problemas não é o mesmo que gerenciar setores ou projetos isolados. As ações e
operações constituídas no enfoque situacional e participativo têm, por exemplo, sempre um
caráter multifuncional e inter-disciplinar. Os gerentes e a gestão destes tipos de projetos
necessariamente ultrapassarão as fronteiras departamentais ou setoriais.
Para o cálculo estratégico ser efetivo há uma necessidade permanente de mediação entre o
conhecimento e a ação, que se trava na prática da conjuntura presente, por isso, o plano
deve preceder e conduzir a ação concreta.
Finalmente, é importante lembrar que cabe ao grupo definir coletivamente um cronograma
mínimo e procedimentos gerais necessários ao replanejamento, isto é, a revisão global do
plano como um todo, no mesmo nível de sua elaboração original. Geralmente este período
tem sido de seis meses ou um ano, a depender do ritmo e da evolução das ações e da
situação do problema.
297
A trajetória das ações ou projetos
O tempo e o modo como se encaixam as ações ou projetos do planejamento é uma das
principais questões estratégicas por dois motivos, a saber. A execução das ações ou projetos
criam resultados que alteram a situação do problema, provocando reação nos demais
atores e a expectativa do tempo assume distintas percepções durante a gestão - a noção do
“tempo político” se relaciona à maturação dos resultados do plano mais do que ao tempo
físico.
É evidente que este aspecto não é indiferente ao gerenciamento do plano. Saber o que deve
ser feito e o que deve ser feito depois é tarefa complexa, depende não só da importância
que atribuímos a determinado problema, mas também ao comportamento de eventuais
adversários e aliados.
Uma das técnicas de visualização gráfica que ajudam a definir a trajetória mais adequada é
aquela que analisa este problema do ponto de vista específico da relação entre os resultados
do plano sobre ele mesmo, isto é, qual é o possível impacto multi-setorial entre todos os
projetos entre si?
A matriz que sugerimos denomina-se “Matriz de Apoios” das operações. Esta é uma matriz
quadrada, de dupla entrada, com a relação de operações ou projetos na primeira coluna e
na primeira linha, simetricamente.
O facilitador deve estimular a reflexão do grupo para simular o impacto que o resultado do
“Projeto 1”, p. ex., teria sobre cada um dos demais projetos. A gradação poderia ser dada
por alto (A), médio (M) e baixo (B) impacto e positivo (+), se o resultado contribui para a
obtenção do resultado do projeto e negativo (-) se representa uma dificuldade ou obstáculo
para este alcance.
Algumas vezes as operações criam dificuldades para execução de outras, como é comum
quando há concorrência pelos mesmos recursos. A análise horizontal desta matriz poderia
298
nos apontar quais são as ações ou projetos mais importantes sob o enfoque da viabilidade
do conjunto do plano, a conclusão parece óbvia, existem ações e projetos que tem pela sua
natureza mais variabilidade de impactos positivos que outros, estes devem vir antes, devem
ser prioritários. A leitura vertical desta matriz sugere uma visão do conjunto de
dependências de cada projeto em relação aos demais (teste de coerência interna).
O problema fundamental do gestor na estratégia situacional é desenvolver a perícia técno-
política necessária para conduzir e calcular a conjuntura, tendo em vista, o conjunto de
análises elaboradas sobre o impacto das Ações ou Projetos.
Como nos diz mais uma vez Matus:
“ ...deve-se evitar que a prática da ação dissocie-se da estratégia e que a estratégia
limite-se a elocubrações, sem contacto contato com a ação tática. No plano da gestão
institucional isso significa evitar que o sistema informal de planejamento afaste o
sistema formal, e que o pragmatismo imediatista e simplista choque-se com o cálculo
sistemático sobre as decisões. Num sistema de planejamento maduro a experiência, o
pragmatismo e a criatividade imediatista combinam-se com o domínio teórico, o
cálculo formal e a persistência no cumprimento do plano. Estas práticas devem
enriquecer-se mutuamente, em vez de se oporem como extremos. Do contrário o
planejamento formal não passaria de um discurso normativo sem repercussão
prática...o que conta afinal é o que se faz na conjuntura; daí o centro do planejamento
não ser o futuro, mas o presente”
Sugere-se observar conjuntamente as matrizes que envolvem os Projetos ou Ações,
relacionadas ao impacto de cada cenário, impacto nos problemas e Diretrizes, interesses dos
demais Atores Sociais, análise de eficiência e eficácia (Matriz Operacional) e finalmente
impactos cruzados entre si. Nem sempre os projetos ou operações com maior capacidade de
resolver problemas ou impactos positivos sobre as diretrizes estratégicas são executados
primeiro ou antes das demais.
Quadro 11: Matriz de apoio das operações ou ações
299
Operações Op. 1 Op. 2 Op. 3
Op. 1
Op. 2
Op. 3
Nota Explicativa:
Este quadro é útil para ajudar a estabelecer um conceito de hierarquia entre as várias ações
previstas no plano a partir das relações de precedência entre as mesmas. A idéia aqui é
considerar os resultados previstos de cada ação e questionar se os mesmos não ajudam,
apoiam ou constróem viabilidade para executar outras ações. Teoricamente as ações com
maiores apoios guardam uma relação de maior importância no conjunto das operações.
300
Monitoramento do plano e das estratégias
A função de um sistema de pedido e prestação de contas é tornar efetiva a responsabilidade
do governante perante sua base social. Este aspecto se expressa no fato de que nenhum
gestor, em qualquer nível, está desresponsabilizado de prestar ou demandar resultados de
outros níveis. Para que o sistema funcione com eficácia são necessários alguns requisitos:
• o processo tem que ser público e transparente, interna e externamente, para que os
resultados do planejamento sejam plenamente conhecidos,
• tem que ser sistemático e os critérios de avaliação devem ser conhecidos antes do
processo,
• os métodos de avaliação institucional e individual devem ser baseados no
monitoramento dos resultados e
• não deve estar limitado apenas à avaliação de recursos orçamentários.
O sistema de monitoramento do plano deve viabilizar um alto nível de responsabilidade e
compromisso interno na organização. Ele se fundamenta, em última instância, no programa
eleitoral das forças políticas vencedoras e nos compromissos de campanha.
As seguintes perguntas são típicas do monitoramento do plano:
O monitoramento do plano é feito através do uso de indicadores que são informações
objetivas, qualitativas ou quantitativas, dadas a partir da evolução do problema, isto é,
sinalizam a situação do problema ou a partir dos resultados das ações e projetos previstos.
Em que medida estamos resolvendo os problemas identificados e atingindo as diretrizes estratégicas? Novos problemas estão surgindo? Como submetê-los ao cálculo estratégico? Que correções sobre a matriz operacional devem ser processadas? Quais são as vulnerabilidades da organização diante dos
acontecimentos não previstos?
301
Conforme o tipo de problema proposto pelo planejamento estratégico e seu grau de
complexidade e mobilização de recursos, os indicadores podem variar em natureza, grau e
profundidade. Podemos construir indicadores econômicos, políticos, sociais, etc.
Em cada situação concreta, o importante é compatibilizar o sistema de acompanhamento
com a agenda da direção. Existe atualmente abundante literatura sobre a construção, uso e
manutenção de indicadores de desempenho e avaliação de projetos, tanto para projetos
sociais como econômicos. Há inúmeras estratégias informacionais que contemplam as novas
tecnologias de informação e comunicação, sistemas de monitoramento, ouvidorias, pontos
de acesso às redes, etc.
Quem faz o debate sobre a gestão?
A gestão do plano pode ser feita coletivamente com todo o grupo. Em cada caso poderão
surgir necessidades concretas e diferenciadas. Uma organização, por exemplo, resolve que
para executar o plano será necessário um redesenho de sua estrutura organizativa ou uma
mudança do fluxo interno de processos e informações. Neste caso um grupo de trabalho a
parte pode formular as linhas gerais deste redesenho (identificando problemas e operações,
p.ex.) para ganhar tempo.
É importante que a direção assuma com os demais participantes os encargos de gestão do
plano. Sugere-se que o gerenciamento do plano seja feito pelo Comitê de Gestão eleito no
Seminário, do qual a direção participa.
Outros temas, como por exemplo, compatibilização do plano com o orçamento anual, a
criação de instrumentos e ferramentas informacionais necessárias para a gestão e
monitoramento, etc. podem ser trabalhados em grupo, simultaneamente, delegados para a
direção ou grupos específicos .
O jogo macroorganizacional e a mudança organizacional
302
A estrutura organizacional de um governo pode ser comparada a um jogo, o jogo
macroorganizacional. Nele os jogadores são representados pelas organizações que se
relacionam com base na autonomia de cada uma, fundamentada na construção jurídico-
administrativa do sistema político e na capacidade de governo específica a cada órgão.
Assim temos os vários poderes e níveis de governo compondo um “aparelho” administrativo
amplo e complexo, sujeito a regras de funcionamento. Esta “convivência de atores
desiguais” configura o grande jogo da institucionalidade de um país, entre seus vários níveis,
poderes e competências.
As regras deste jogo determinam o espaço de possibilidades em cada organização. A
necessidade de planejamento, por exemplo, só se converte em demanda concreta se as
“regras de responsabilidade” assim determinam – existência de sistema de pedido e
prestação de contas, gerência por operações, etc. Se as “regras do jogo” institucional não
exigem avaliação por desempenho e existe como função ritual a alternativa ao planejamento
surge na improvisação, dominada pelo pragmatismo, pela centralização e pela baixa
responsabilidade.
A improvisação – neste contexto institucional – neutraliza a demanda por planejamento
estratégico porque é sempre prática, acontece no tempo certo, é situacional e neste sentido,
muito mais eficaz que o planejamento tradicional, lento, burocratizado e ineficaz. Romper
com este círculo vicioso onde o domínio da improvisação subordina a qualidade da gestão
pública a um menu de decisões diárias sem propósito definido, sob pressão das
circunstâncias e das urgências é maior desfio colocado.
A capacidade de um sistema organizativo para evoluir está condicionada pela dinâmica do
capital social da organização. Matus define este capital como síntese do capital humano –
formado pelos valores, conhecimentos, ciência, tecnologia, arte e cultura, pelo capital
material – os meios materiais e o capital organizativo - a tradição e valores das práticas de
trabalho, as ciências organizativas, as regras do jogo institucional.
O mais estratégico e importante é o investimento em capital humano (ou capital cognitivo),
pois é ele que pode aumentar o capital organizativo, incidir na mudança da cultura da
303
organização e de suas práticas de trabalho. Estas mudanças são pré-condição para
modernização dos sistemas de gestão. Há sempre uma correlação estrita entre formas
organizativas, práticas de trabalho e estruturas mentais, estas últimas indicam o quanto de
capital humano a organização tem acumulado e qual o alcance possível do processo de
mudança cultural.
As regras fundamentais que determinam o espaço de variedade dos graus de liberdade
permitidos ao re-desenho organizativo são as seguintes:
(1) Direcionalidade
distribuem e selecionam as funções e missões das várias
organizações. Estas regras respondem pelo padrão
político-ideológico vigente.
(2) Macroinstitucionhalização
Definem e precisam os modelos-tipo de administração e
organização pública, por exemplo, administração direta,
fundacional, empresas públicas, organizações semi-
públicas, etc...
(3) Departamentalização
São as regras que determinam as estruturas
administrativas concretas e reais dentro de cada modelo-
tipo. Um extremo de redundância é a existência de vários
órgãos para cumprir uma única missão, no outro um órgão
centraliza várias missões diferenciadas. São específicas e
peculiares a cada órgão, fixam a divisão de trabalho entre
vários órgãos com função intermediária e finalística.
(4) Governabilidade
Determinam o nível de controle sobre as variáveis de
gestão governamental. Estabelecem a proporção entre a
missão assumida e a competência para cumpri-la. Definem
o grau de centralização e descentralização no
processamento de problemas.
(5) Responsabilidade
Estas regras se expressam na intensidade de três processos
interligados: a gerência por operações, o funcionamento da
agenda da liderança e o sistema de petição e prestação de
304
contas. Há dois extremos, os sistemas de baixa
responsabilidade, dominados pelo improviso que não
demandam planejamento e os sistemas de alta
responsabilidade que demandam planejamento e capital
social.
Uma organização não pode ser melhor que a cultura institucional que possui, esta cultura é
formada pela combinação específica de estruturas mentais dominantes no interior da
organização, reforçadas por culturas institucionais, práticas de trabalho e formas
organizativas – organogramas, regulamentos administrativos, fluxos de informação e
manuais de procedimento.
Uma organização muda verdadeiramente somente quando mudam suas práticas de
trabalho, estas só mudam quando as estruturas mentais – condicionadas pela cultura
institucional – também se modificam. Portanto, o centro da intervenção deve ser sempre a
mudança da cultura institucional. Colocada desta forma o problema assume uma
complexidade maior e exige uma estratégia mais abrangente de enfrentamento.
As regras básicas do espaço de possibilidades institucionais funcionam, segundo Matus, sob
um “triângulo de ferro”. Este triângulo tem em seus vértices os seguintes sistemas:
(a) formação da agenda do dirigente: distribui o tempo, fixa o foco de atenção,
seleciona entre as emergências e as importâncias. A disputa entre direção
planificada e domínio da improvisação se reflete no menu diário de decisões do
dirigente, no uso dos recursos mais escassos: o tempo e o foco de atenção.
(b) Petição e prestação de contas por desempenho: avalia, valora, estimula e corrige os
resultados da gestão e o esforço para obtê-los. Induz à prática da inovação, da
criatividade e do planejamento estratégico, divide as organizações entre as de alta
e baixa responsabilidade.
(c) Gerência por operações (ou projetos): determina se o estilo será criativo ou
rotineiro de gestão entre os extremos da inovação e da decadência organizacional.
305
É o sistema de prestação de contas, de monitoramento e avaliação que domina o triângulo
de ferro. A qualidade da avaliação determina as demandas por práticas de trabalho
inovadoras e mudança da cultura institucional.
A partir destas reflexões o método sugere um conjunto de princípios (e encaminhamentos)
para conceber um sistema de direção estratégica e elevar o desempenho institucional das
organizações.
(1) atuar na cabeça da organização: toda reforma deve começar como iniciativa
política e protagonismo da alta direção. A implantação de sistemas de
planejamento, prestação de contas, monitoramento de desempenho e
democratização da gestão só se efetivam com o envolvimento da alta direção.
(2) Mudar as regras de responsabilidade: quando todos estão envolvidos no
sistema de prestação de contas sistemáticas, avaliação do desempenho real com
as missões assumidas, sistema de monitoramento, mecanismos de participação
consolidados a organização passa a ter alta responsabilidade e demanda
planejamento sistemático.
(3) Concentração em problemas relevantes: nenhum problema é óbvio para ser
processado técno-políticamente, deve-se operar uma seleção sistemática de
problemas e ele deve ser processado em níveis diferenciados onde assumir
maior valor e importância.
(4) Reformular primeiro o conteúdo, depois a forma: As estruturas formais da
organização (organogramas e carreiras funcionais, p. exemplo), só tem sentido
na sua mudança se decorrem de efetivas transformações nas práticas de
trabalho e estas nas estruturas mentais e na cultura institucional que lhe
sustenta e legitima. É por isso que o investimento em capital humano, em
Regras de responsabilidade
Prestação de contas
Qualidade da Gestão
306
treinamento e capacitação é absolutamente estratégico para reformar as
organizações públicas.
(5) Promover estratégias descentralizadas: todo problemas deve ser processado no
nível hierárquico onde possuir maior valor. Fora do seu espaço institucional de
governabilidade o problema tende a ser tratado de forma rotineira, superficial e
burocrática.
(6) Centralização: problemas complexos, cuja solução exige um espaço maior de
governabilidade não devem ser processados nos espaços originais onde
surgiram, sob pena de um déficit de responsabilidade, visão estratégica ou
domínio de variáveis mais amplas. Este princípio deve ser combinado com o
anterior.
Cultura Institucional
Estruturas Mentais
Práticas de trabalho
Estruturas Formais
307
(7) Normatizar problemas bem-estruturados: problemas complexos, mas bem-
estruturados, isto é, com certa previsibilidade e conhecimento de lógica interna
devem ser processados e monitorados por níveis inferiores, liberando a alta
direção para problemas complexos de gestão.
(8) Modular problemas repetitivos: há um conjunto de problemas rotineiros cuja
solução é pré-processada modularmente, através de modelos, manuais de
procedimentos e outras formas mais simples e menos custosas.
(9) Reformar órgãos é mais efetivo que reformar sistemas: há muitas reformas no
setor público que são focadas em sistemas específicos (compras, orçamento,
pessoal, etc.), passando por vários órgãos simultaneamente. Uma desvantagem
básica disto é a coexistência dentro da mesma organização de sistemas com
lógicas diferentes e às vezes opostas. A falta de continuidade administrativa e as
resistências dos sistemas não-reformados acaba inviabilizando esta estratégia
“horizontal” de reforma. Este princípio sugere a prioridade por reformar um
órgão verticalmente, atacando todos seus sistemas simultaneamente,
envolvendo todo o “triângulo de ferro”.
4. Como organizar o planejamento – síntese dos procedimentos
Passo 1 (planejamento institucional)
A direção da organização – já convencida sobre a necessidade do planejamento estratégico
participativo – organiza e executa o Planejamento Institucional para definir as Declarações
Estratégicas (Diretrizes, Missão, Visão de Futuro e Valores) e indica o Comitê de
Planejamento encarregado de preparar o processo até o Seminário Geral.
Lembrando mais uma vez: se a direção não estiver definitivamente sensibilizada técnica e
politicamente sobre a necessidade de planejamento participativo e democrático, com a
decisão de envolvimento pessoal de seus componentes, o processo está totalmente
comprometido. Isto significa que as condições materiais e objetivas para executar as
atividades necessárias devem estar asseguradas.
308
Composição e funcionamento do Comitê de Planejamento
Como vimos é condição para o desenvolvimento do processo a Constituição prévia do
Comitê de Planejamento no órgão, sua composição deve incluir sempre funcionários do
quadro permanente da instituição. Ele é responsável pela elaboração das regras
metodológicas de cada órgão, setor ou área no processo de preparação do Seminário Geral
(debate das declarações estratégicas e escolha dos participantes/delegados); pelo
acompanhamento e sistematização dos seminários de planejamento das áreas; pela
coordenação do processo de planejamento até a realização do Seminário; pelo
desenvolvimento de um Seminário de Planejamento Institucional, com a alta direção do
órgão para formulação das Declarações Estratégicas (Missão, Visão, Valores e Diretrizes
Estratégicas); divulgação das Declarações Estratégicas para o conjunto do Órgão, em evento
que constituirá o início do processo de planejamento; realização de seminários por área
(deptºs/divisões), orientados pelas Declarações Estratégicas que devem: (a) eleger
representantes para participação no Seminário Geral de Planejamento Estratégico
Participativo, (b) selecionar e identificar problemas, cuja superação seja considerada
indispensável à consecução das Declarações Estratégicas. Este material, sistematizado pelo
Comitê de Planejamento, servirá de insumo à parte inicial do Seminário Geral de
Planejamento, realização de Seminário Geral de Planejamento Estratégico com participação
dos: (a) dirigentes da instituição, são os representantes naturais, (b) representantes
proporcionais dos quadros de chefias, (c) representantes eleitos dos servidores, por área, e
participação proporcional de estagiários, com direito apenas à voz.
Passo 2 (eventos preparatórios)
Os seminários preparativos: desenvolvimento da metodologia nas áreas ou setores
operacionais
Pressupostos:
309
• As áreas devem realizar seminários preparatórios, acompanhadas por monitoria e
moderação designada pelo Comitê de Planejamento e seguindo as regras gerais por ele
fixadas, a fim de guardar direta relação com a metodologia que será aplicada nas demais
áreas e para garantir o sentido democrático e um padrão de procedimentos comuns a
toda organização.
• A discussão nas áreas deve ser balizada pela escolha do(s) representante(s) que irá
participar, em regime de delegação universal, do Seminário Geral do planejamento
estratégico, com enfoque participativo. O nº de representantes por área será
estabelecido em cada organização pelo Comitê de Planejamento, resguardados os
princípios de proporcionalidade.
• O Comitê de Planejamento distribuirá para as reuniões preparatórias do planejamento
(os seminários setoriais), o material bibliográfico (relatórios) resultante do Seminário
Institucional, servindo de orientação aos temas a serem debatidos por todos. Todos os
funcionários devem ter assegurado o direito de conhecer, refletir e se posicionar diante
das declarações estratégicas construídas pela direção da organização, sobretudo
manifestando sua divergência, se assim desejar.
• Todos os servidores e estagiários devem participar nas reuniões preparatórias do
planejamento nas áreas. Os estagiários, dado a natureza de seu vínculo institucional,
somente terão direito à voz.
A dinâmica dos seminários setoriais preparatórios
Partindo do resultado da fase Planejamento Institucional, sob a forma de seminários, as
áreas devem debater e propor os problemas segundo método previamente definido. Este
processo servirá, também, de balizamento para a escolha dos representantes para o
Seminário Geral (Planejamento Estratégico).
A eleição de representantes para as etapas seguintes de planejamento é um momento-chave
no conceito de planejamento participativo. A qualidade da delegação nas áreas e setores de
uma organização pública depende de muitos fatores entre os quais a cultura institucional
pré-existente, a complexidade e natureza da organização ou o grau de qualificação da força
de trabalho. É certo que quanto maior ou mais complexa for a organização mais criativo,
310
cuidadoso e monitorado deverá ser o processo de delegação e eleição de representantes.
Um dos riscos envolvidos nestas situações é a eleição “automática e natural” de
representantes sindicais – sinalizando uma provável confusão entre o momento de
planejamento e o espaço de negociação reivindicativa – ou o oposto, através da eleição de
representantes “alinhados” com a direção do órgão (como os cargos comissionados). É por
isso que o elemento qualificador fundamental do processo deva ser o debate sobre as
diretrizes estratégicas e o posicionamento – reflexivo e crítico - individual e as sínteses
coletivas em cada setor.
A arquitetura de evolução do planejamento baseada num sistema de delegações sucessivas
e articuladas, especialmente em órgãos públicos muito grandes ou territorialmente
dispersos, não invalida o uso de instrumentos pontuais de diálogo direto da direção do
órgão com o conjunto dos funcionários como as Assembléias Gerais, plebiscitos internos,
audiências públicas, agendas sistemáticas com as entidades sindicais representativas,
consultas, ou outros mecanismos de consulta/deliberação auto-regulamentados.
O problema da escala: metodologias participativas são inviáveis em organizações públicas
com centenas ou milhares de servidores? A democracia direta se inviabiliza com a escala da
participação? Acreditamos que não. Pode-se dizer que de um modo geral quanto maior é a
organização pública mais evidente é a necessidade de mecanismos não convencionais de
gestão e planejamento estratégico (usando modernos recursos de telecomunicações, por
exemplo). Imagine-se, por exemplo, as organizações na área da educação, saúde ou
segurança pública que possuem milhares de servidores, territorialmente dispersos e
envolvidos em vários níveis de administração. Nestes casos a maior diferença é a elevação
dos recursos necessários para a preparação, execução e manutenção de um sistema de
planejamento e gestão.
Alguns pontos críticos devem ser observados com especial atenção:
(a) A importância de um sistema de delegações e representações, da base até a
direção, deve ser meticulosamente pensada, para evitar a reprodução dos vícios da
311
representação formal e burocrática e da perda de legitimidade entre representantes
e representados.
(b) Os instrumentos, meios e processos comunicativos adquirem papel estratégico já
que o acesso e o processamento de informações é um dos melhores anticorpos para
o gerenciamento autoritário.
(c) O processo de capacitação preparatória é crucial na medida em que a padronização
metodológica depende de uma extensa rede de multiplicadores ou de “formadores
de formadores” capazes de replicar o método simultaneamente em toda a
organização. Decisão qualificada é decisão informada.
Passo 3: (organizar o seminário de planejamento estratégico)
O seminário de planejamento pode ser organizado em etapas, recomenda-se fazer todo o
processo sem dispersão em ambiente adequado com ajuda profissional para organização do
evento, evitando qualquer possibilidade de ruído externo e interferência perturbadora.
Um dos resultados do seminário para montagem participativa da gestão do plano é a eleição
de um Comitê de Gestão, responsável pelo monitoramento dos cenários, organização da
prestação de contas, acompanhamento de indicadores, elaboração e processamento das
informações necessárias para o processo decisório, entre outras possíveis competências. Os
eventuais seminários de replanejamento – as atualizações gerais do plano quando muda a
direção de um setor ou surge fato novo na conjuntura, por exemplo, também podem ser
organizados pelo Comitê.
Parte do comitê de gestão do plano é indicada e confirmada pela direção e parte é eleita
pelos funcionários, a proporção entre as partes depende do grau de qualidade do processo
de planejamento e da maturidade política-institucional existente. A experiência tem
recomendado que a direção da organização estabeleça claramente a natureza e o caráter
deste grupo de trabalho – normalmente consultivo – em relação às demais instâncias
hierárquicas para evitar futuros conflitos funcionais.
312
Alerta-se para que a conduta da direção em seus diversos níveis assegure sempre
respeitabilidade pela comissão e pelo processo eletivo de seus membros que evidentemente
podem ter seus mandatos revogados, devem prestar contas à sua base e todos os demais
regulamentos democráticos.
Composição e funcionamento do Comitê de Gestão:
No seminário geral o comitê de Planejamento transforma-se em Comitê de Gestão, a partir
da incorporação de tarefas relacionadas à execução e detalhamento do planejamento. O
próprio seminário deve indicar e definir a forma de incorporação dos funcionários
(representantes) no comitê. A participação dos servidores e a natureza gerencial desta
instância são vitais para a manutenção do caráter participativo do planejamento. Não se
trata apenas de mudar o nome e incorporar funcionários do quadro permanente num
comitê que vai detalhar o plano geral nas áreas e fazer relatórios para a direção. A inflexão
para a gestão sinaliza e inaugura uma fase do planejamento que é intensiva em gestão e
onde realmente a capacidade de governo é testada decisivamente. Note-se bem que o
Comitê Gestão não substitui, nem se contrapõe, ou mesmo diminui o papel da Direção do
órgão, mas a complementa como instância estratégica de encaminhamento e deliberação
no nível planejado. Muitas experiências indicam que os comitês de gestão do Plano
313
Estratégico acabam assumindo várias outras funções de suporte e apoio à alta direção da
organização tais como processos formativos a nível gerencial, elaboração de projetos
especiais ou coordenação de atividades inter-disciplinares com um ou mais órgãos
públicos. Síntese das atribuições do Comitê de Gestão: (a) coordenação futura de todo o
trabalho de planejamento e seu monitoramento, (b) permanecer até o advento do próximo
momento de planejamento que coincidirá com o final de cada ano ou outro período
definido pelo Seminário Geral, (c) ser instância de recurso e harmonização dos processos
de interseção e interação entre as áreas, (d) auxiliar na elaboração de indicadores de
resultados e homologá-los, (e) elaborar e executar o plano de monitoramento, (f) resolver
divergências na execução de planos, sejam setoriais ou excepcionais, (g)
divulgação/devolução do resultado do planejamento do Seminário Geral às áreas e, para o
conjunto do órgão, através dos meios de comunicação disponíveis - por exemplo, Intranet,
distribuição de documentos aos setores, e assim por diante e (h) sistematiza o documento
final do planejamento e apresenta ao conjunto do órgão para início de sua execução. Sua
função não é suprimir ou resolver os conflitos sindicais, funcionais ou inter-departamentais,
mas criar condições institucionais para processar os conflitos de forma propositiva,
encaminhando sínteses, acordos e pactos de governabilidade interna do órgão. Ou seja,
sua função-síntese é manter e aprofundar a responsabilização geral da organização,
produzindo insumos sistemáticos e permanentes para qualificar o processo decisório da
interno.
Passo 4: (o planejamento operacional)
Elaboração do planejamento operacional.
É o detalhamento das operações, projetos e ações, de atividades, do orçamento detalhado,
da definição dos responsáveis e equipes de apoio, dos indicadores de resultado, enfim, de
todos detalhes necessários a partir das operações do seminário para completar a matriz de
planejamento e permitir o monitoramento e avaliação do planejamento na medida em que
for implementado. Este detalhamento é necessário pois no seminário geral de Planejamento
os projetos são desenhados genericamente, proporcionando às áreas e departamentos, a
posteriori o seu desenvolvimento integral.
314
A determinação detalhada das metas a serem atingidas no período, para os indicadores de
desempenho da instituição, só pode ser feita a nível operacional. As metas devem ser
factíveis devendo considerar o histórico do indicador. Também devem ser contempladas
metas que envolvam um processo de avaliação dos serviços prestados pela organização,
com participação direta dos usuários, por exemplo, as pesquisas de satisfação, mecanismos
de ouvidoria, cadastro de usuários, técnicas de entrevistas, etc.
5. A dimensão pedagógica do processo de planejamento à guisa de conclusão
O planejamento estratégico, com enfoque participativo se fundamenta na Participação
democrática, na autonomia do indivíduo, na democratização do conhecimento e na práxis
técno-política. Com tais pressupostos, o planejamento inicia um processo de Inversão do
padrão histórico da capacitação dos servidores e agentes políticos, tornando-os
solidariamente partícipes da discussão dos temas da gestão pública, num quadro de
democratização das relações sociais e de poder.
Destacam-se neste processo de capacitação:
• a integração e articulação entre as habilidades básicas, específicas e de gestão;
• conteúdos extraídos da realidade contextualizada;
• temáticas abrangendo as dimensões técnico-profissional, política e comportamental;
• conteúdos atualizados e abrangentes, abordados de modo diverso do tradicional;
• integração entre as atividades teóricas e práticas.
As formas de capacitação que utilizam metodologias participativas permitem:
• a dinamização e interação institucional dos conteúdos temáticos da organização;
• a troca de informações e experiência entre os participantes, juntamente à possibilidade
individual de incidir no rumo da organização, rompendo com a estrutura taylorista da
atividade burocrática;
• a valorização da experiência individual e a integração horizontal entre as dimensões,
política, técnica e administrativa;
315
• a construção coletiva de conhecimento com base na crítica, racionalidade e
interatividade.
A capacitação provocada, pelo planejamento estratégico, com enfoque participativo, desta
forma opõe-se ao continuísmo, ao instituído, por ser um processo permanente, instituinte
que valoriza o compromisso com padrões éticos, de respeito aos direitos humanos e aos
direitos do cidadão e porque estabelece uma ruptura com os processos de ação
fragmentada, típicas do serviço público.
Sob o ângulo democrático do conhecimento, a capacitação desejada é aquela que, além de
incorporar saber, incorpora também poder e realiza a integração e articulação de saberes. O
planejamento não trabalha estes princípios e valores de modo genérico. Antes, equaciona-os
na realidade concreta da cultura e das relações organizacionais. A democracia se associa
assim, à eficiência, e a racionalização do serviços, fundados em padrões crescentes de
melhoria nas condições civilizatórias.
A assimilação deste novo procedimento de planejamento, inaugura uma forma nova de
expressar e arranjar o poder da base (dos servidores administrativos e técnicos, servidores e
agentes), porque articula (sob um sistema de triângulo de relações) o enfrentamento de
situações problemáticas, a cultura da organização, seu processo instituinte e seus códigos
instituídos. Não se percebe mais a organização apenas como código, como norma, mas
como força, como projeto (imaginário até, na Visão de futuro que expressa), como valor e
como cultura. Não se vê ao funcionário/servidor apenas como um executor de ordens, mas
como um sujeito que tem auto-realização, que tem direitos, que tem um coletivo ao qual
pertence e se inscreve numa relação a serviço da cidadania, da democracia e da ética.
O processo de enfrentamento conjunto - do poder político, poder técnico e poder
administrativo - de problemáticas compartilhadas e contextualizadas de forma histórica,
econômica e política, multidimensional portanto, potencializando uma abordagem crítica da
realidade, implica numa desmistificação (e desmitificação) das próprias situações
problematizadas, também porque estabelece processos de mudança centrados em uma
316
metodologia que visa a mudança real das situações, através da compreensão e construção
coletivas dos objetivos da organização.
Portanto, mesmo correndo o risco de algum exagero, o planejamento estratégico, com
enfoque participativo é instrumento que planeja a organização, ao mesmo tempo que
desenvolve seus participantes numa pedagogia que institui uma nova forma de compartilhar
a direção e sentido das organizações pública
317
FLUXO-RESUMO do processo de planejamento
Sensibilização da alta direção
Formação do Comitê de
Planejamento
Planejamento Institucional
Seminários Operacionais
Comitê de Gestão
Capacitação de Multiplicadores
Seminários preparatórios
Redesenho dos Projetos Seminário Geral
de Planejamento
Avalia desempenho
Monitora Cenários internos e externos
Alta direção política-
institucional
Assessora a direção no dia-a-
dia
318
Perguntas:
1. O planejamento estratégico é uma das funções mais complexas e importantes na
gestão inovadora. Você concorda ? Justifique sua resposta.
2. A identificação de uma situação problemática ou uma oportunidade nunca é um
processo neutro ou apático, no PES a “análise situacional” procura mudar esta
perspectiva. Você sabe porque ?
3. O momento da execução do planejado é onde tudo se decide, por isso ele implica em
refletir sobre os sistemas de gestão e sobre o desenho organizacional. Quais
ferramentas ou técnicas poderiam ser utilizadas nesta fase pelo gestor ?
Bibliografia:
Obras de Carlos Matus:
Política, Planejamento e Governo, Tomo I e II, IPEA, Brasília, 1993.
Esta é a obra fundamental de Carlos Matus, traduzida e publicada pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada do Ministério do Planejamento em 1993. Matus expõe
sistematicamente o que ficou conhecido como Planejamento Estratégico e Situacional. Mais
do que um método o PES é uma metalinguagem sobre planejamento, é filosofia de
planejamento. O Autor se propõe a uma critica demolidora do estilo de planejamento
governamental dos governos da América Latina e propõe uma visão mais contingencial ou
situacional, baseada na complexidade da administração publica e na imprevisibilidade dos
cenários sociais, políticos e econômicos.
Chipanzé, Maquiavel e Ghandi, Estratégias Políticas, Ed. FUNDAP, São Paulo, 1996.
319
Nesta obra o pensador chileno Carlos Matus discute o tema das estratégias. Uma das
inovações da metodología de planejamento estratégico proposta é exatamente a
compreensão de que qualquer planejamento implica em lidar com relações de poder. Estas
relações existem dentro da empresa privada ou do setor público. As pessoas estabelecem
processos de autoridade, obediencia, resistência ou passividade, aceitação e conformidade
conforme cada contexto. Matus adota as metáforas de Maquiavel, do chipanzé e de Ghandi
para sistematizar diferentes estilos estratégicos. Livro fundamental para entender o proceso
estratégico no planejamento.
O Líder Sem Estado Maior, FUNDAP, São Paulo, 2000.
Neste livro o já falecido economista chileno Carlos Matus elabora com maestria e
brilhantismo uma profunda crítica ao funcionamento dos governos na América Latina. Ele
desenvolve a tese de que a democracia se enfraquece quando os governos são incapazes de
resolver os problemas concretos dos cidadãos. Para isso três variáveis são fundamentais: a
governabilidade, a capacidade de governo e o projeto de governo. Matus analisa também o
funconamento do Gabinete Presidencial, mas sua reflexão vale para todas estruturas de
direção pública. É de leitura obrigatória para quem trabalha ou quer conhecer a função
publica, especialmente se desempenhar funções de liderança e direção.
Chiavenato, I. e Sapiro, A. (2003) Planejamento Estratégico, Elsevier, Rio De Janeiro
Nesta obra Chiavenato e Sapiro realiza um trabalho de pesquisa importante reunindo
diversas técnicas e ferramentas de planejamento voltadas especificamente para o setor
privado, mas que podem ser utilizadas com alguma adaptação ao setor público. Além da
revisão conceitual a obra tem um sentido de aplicação prática. Cabe especial menção a
parte III com importante contribuição para a formulação da estratégia como política de
negócios, modelos de cooperação e concorrência e desempenho organizacional. É uma
leitura complementar indispensável para manejar os instrumentos do planejamento
estratégico público.
320
Aula 09
Temas emergentes na gestão pública inovadora
O período que estamos vivendo no Brasil desde os anos noventa é uma período de reformas
e de ajuste do Estado. Muitos temas emergem neste debate, as idéias ainda não estão
consolidadas e as conclusões ainda padecem de um saber provisório.
Entre estes temas selecionamos alguns de especial relevância, para ajudar a compor este
mosaico de novos insights e potencialidades para a gestão pública inovadora.
Nesta aula vamos abordar os seguintes temas:
• O impacto das novas tecnologias, em especial os temas do governo eletrônico;
• A gestão do conhecimento no setor público ;
• Os processos de participação social e parceria e
• Os novos formatos organizacionais criados pelo movimento de reforma do Estado
nos anos noventa.
Novas tecnologias e o governo eletrônico
A revolução causada nos sistemas produtivos pelo emprego maciço de novas tecnologias de
comunicação e informação foi gigantesca. Ao ponto de muitos autores chamarem este
período do capitalismo em que estamos vivendo de “era do conhecimento”, “capitalismo
pós-industrial” ou simplesmente “sociedade da informação”.
Na administração pública as coisas não foram diferentes. Surgiu uma organização pública
eletrônica ou governo eletrônico melhorando a informação e a prestação de serviços aos
cidadãos, aumentando em eficiência (os custos foram reduzidos) e a eficácia aumentada.
Além disso, a transparência foi aumentada radicalmente. A base do processo foi a
universalização das redes, criando condições para conexão de todos com tudo, a qualquer
hora.
• A administração eletrônica ou o governo eletrônico é caracterizado por:
• Ênfase no fluxo de informações e prestação de serviços;
• Transformações na organização e funcionamento da administração pública;
321
• Uso intensivo das TICs e processos de convergência, integração e sofisticação dos
serviços públicos;
A administração eletrônica é um estágio superior ao governo eletrônico, pois a
administração pública é composta por sistemas perenes de gestão que ultrapassam o
horizonte contingente dos governos. Ela pode se desdobrar em várias dimensões: o e-
Serviços, a e-Democracia, a e-Gestão ou o e-Comércio, ou qualquer outra forma de
configuração.
No futuro os funcionários públicos deixarão de usar canetas pois passarão a autenticar seus
documentos e notas técnicas através de assinaturas eletrônicas. O fluxo de informações
ligara o serviço visível na linha da rua (o front Office) com a retaguarda da administração (o
back office). Serão verdadeiros “despachantes eletrônicos”. O ambiente de trabalho será o
Portal, através dele o funcionário fará gestão do seu tempo produtivo, das suas tarefas e
metas de desempenho.
As ações de coordenação são impactadas pelas novas tecnologias. Elas permitem a
desterritorialização de muitos serviços, que podem ser conectados a lugares muito distantes,
sem prejuízo da sua qualidade. Imagine por exemplo, no benefício da educação e da
disseminação de conhecimentos através do ensino à distancia. Ainda mais num país com
milhões de habitantes e dimensões continentais como é o Brasil.
Devemos centralizar os serviços em portais, por exemplo, mas descentralizar o poder por
meio da difusão de informações. Há perdas ao não descentralizar que devem ser
contrabalançadas.
A governança no ambiente informacional passa por sete dimensões diferentes:
conhecimento, autoridade, partilha, controle interno e externo, capacidade de
implementação e indução legislativa e regulatória.
Um grupo de consultoria, o Gartner Group, criou as quatro fases mais divulgadas de
maturidade da administração pública eletrônica. Segundo Vidigal as fases são:
322
• Fase 1 – Presença: Esta fase de desenvolvimento da Administração Pública Eletrônica
é caracterizada pela pressa que todos os órgãos da administração pública têm para
ter uma página na Internet. A meta primária é publicar informação, tal como a
missão do organismo, endereços, horários e, possivelmente, alguns documentos
oficiais de relevância para o público;
• Fase 2 – Interação: Esta fase é caracterizada por sítios da Web que disponibilizam
capacidades de procura básica, formulários para download e ligações a outros sítios
pertinentes, assim como e-mail dos organismos e, em alguns casos, dos funcionários
públicos. Nesta fase é fornecida informação crítica para o cidadão, bem como
formulários que, de outro, modo exigiam a deslocação ao serviço;
• Fase 3 – Transação: Esta fase é caracterizada por permitir algumas componentes
para administrar e resolver tarefas completas on-line. O foco desta fase é construir
aplicações de auto-serviço para o público acessar on-line, mas também usar a Web
como um complemento para outros canais de entrega. Os serviços típicos que são
migrados para esta fase de desenvolvimento incluem recolha de declarações e
pagamento de impostos, renovação da carta de condução e pagamento de multas e
licenças. Adicionalmente, muitos governos colocaram anúncios e regulamentos on-
line para concursos, como uma forma precursora de e-Procurement. Esta é a fase
atual em que se encontram alguns dos países mais evoluídos na Administração
Pública Eletrônica e é o objetivo mais imediato para a maioria dos países. Não só
realça os benefícios a disponibilidade de serviços “24x7”, mas também cria
oportunidades para desenvolver serviços compartilhados de forma
interdepartamental;
• Fase 4 – Transformação: Esta fase é a meta em longo prazo de quase todas as
iniciativas de Administração Pública Eletrônica ao nível nacional e local. É
caracterizada por meio da redefinição dos processos de fornecimento de serviços
públicos, provendo um único ponto de contato, tornando a organização da
administração pública muito mais transparente para os cidadãos. Esta fase baseia-se
em ferramentas robustas de relacionamento com o cidadão (CRM) e novos métodos
de fornecimento dos serviços, que melhoram significativamente as relações dos
cidadãos e das empresas com a administração pública. Também aumentam as
facilidades para os cidadãos participarem mais diretamente nas atividades do
323
governo (por exemplo, referendos e votações eletrônicas). Exemplos de
transformação incluem sítios na Web muito sofisticados ou “serviços virtuais” onde a
administração pública fornece informação e serviços de forma proativa e onde se
podem obter diversos serviços em um só lugar, com interfaces automáticas e
integradas com os diversos departamentos envolvidos nas transações. Esta fase
também incluirá o desenvolvimento de intranets e extranets, ligando os funcionários
públicos de departamentos diferentes de forma a participarem nos processos
decisórios e no respectivo fluxo de informações e serviços.
Os valores atuais que orientam as experiências de administração eletrônica são a
maturidade dos serviços, dada pela desmaterialização progressiva dos mesmos. Pela
democratização das informações com os cidadãos influenciando o governo através das
ferramentas em rede. E da integração e interoperabilidade, enquanto requisito para os
valores anteriores.
Para o Gartner Group, as prioridades de serviços eletrônicos para os cidadãos seriam:
1. Mudança de endereço
2. Marcação de consultas médicas
3. Documentos sobre automóveis
4. Votação eletrônica
5. Acesso aos políticos eleitos
6. Pagamento de multas
7. Licenças e autorizações
8. Declarações de Impostos
9. Acesso aos registros de saúde
Os cidadãos teriam as seguintes expectativas:
• Ter o direito de escolher qual o canal de atendimento que preferem na sua
relação com o Estado (Intermediação presencial, Contact center, Quiosques,
Internet, etc.);
• Evitar ter de dialogar com várias entidades para completar uma simples tarefa;
324
• Ver os vários órgãos da administração pública dialogando entre si, para cumprir
processos básicos que digam respeito aos cidadãos e às empresas;
• Evitar custos sociais incomportáveis relacionados com tarefas de certificação,
licenciamento e transporte de dados e informações, que competiriam ao Estado
garantir no seu interior (em back office);
• Fornecer apenas uma só vez dados à Administração Pública, dando cumprimento
a um dos princípios atualmente mais relevantes nas estratégias de modernização
administrativa – “Pedir uma vez e usar muitas vezes” (Ask once, use many).
Esta é exatamente a lógica dos portais onde o cidadão, em tese, tem uma oferta integrada
de serviços de acordo com suas demandas e não de acordo com as divisões administrativas e
departamentais. Atualmente as tecnologias ainda são usadas de forma verticalizada, cada
organização pública tem seu site, seus serviços, seus contact centers. O problema não é
somente colocar todos os serviços juntos virtualmente, é fazer com que troquem
informações.
Quase não há compartilhamento de cadastros ou informações complementares, serviços
prestados com base na residência por exemplo, o que obriga o cidadão a percorrer labirintos
virtuais e uma verdadeira burocracia eletrônica. É como se cada órgão tivesse um silo de
informações do cidadão, independente dos demais órgãos. Será de muito pouca eficácia
substituir certidões e atestados em papel pelos seus equivalentes eletrônicos, estes
documentos não deveria passar de simples pontos automatizados em um workflow
interdepartamental.
Neste contexto surge um novo conceito, o de “governança informacional”. Ela compreende
a capacidade do Estado em estabelecer uma política de gestão da informação voltada pra a
accountability e para a transparência. A governança informacional refere-se à
implementação de estruturas e fluxos de informação, mediante processos decisórios
horizontais e descentralizados.
O maior desafio da governança informacional é a articulação política e a coordenação
administrativa das ações do governo. Estes dois movimentos são pré condição para a
comutabilidade digital dos meios e mensagens, ou seja, para a interoperabilidade entre os
diferentes recursos e serviços públicos.
325
Uma política pública de informação pode se manifestar através do governo eletrônico, da
gestão integrada das unidades de informação (os próprios órgãos públicos) e da ouvidoria
pública. A tecnologia em si mesma não é a política pública, nem a governança informacional,
a tecnologia é apenas um meio, um instrumento. Este alerta é importante para evitarmos o
surgimento de uma nova “tecnocracia informacional” que pretenda substituir o processo
político de governo na definição destas políticas.
O governo eletrônico não se resume a um site publico para pagar impostos ou emitir
certidões. A “lógica do guichê” não deveria ser reproduzida por meio eletrônico, a tecnologia
disponível permite criar uma nova relação com os cidadãos, mais dialógica, de mão dupla,
com interatividade. Estas facilidades viabilizam algumas diretrizes da administração
gerencial, inclusive a maior participação dos cidadãos.
Segundo a CEPAL ainda é baixo o investimento em governos eletrônicos, conforme o gráfico
a seguir.
Em qualquer cenário futuro a presença da administração eletrônica será uma constante. A
virtualidade, a portabilidade, a miniaturização, os processos em tempo real e os serviços
públicos on-line serão expressões cada vez mais naturalizadas e incorporadas no dia a dia. A
conectividade ajudará a romper as fronteiras do organograma, tornando as organizações
mais flexíveis e permeáveis hierarquicamente. Grupos e redes se formarão com maior
fluidez, teremos tele-trabalho e tele-reuniões com maior freqüência.
326
Para resumir o impacto das novas tecnologias nas organizações, inclusive no setor público
vamos apresentar os pontos colocados por Chiavenato:
• Cadeias de comando mais curtas: a antiga cadeia escalar e linear de comando está
terminando. Os níveis hierárquicos mais enxutos e flexíveis serão dominantes. As
estruturas serão mais achatadas, flexíveis e fluidas, proporcionando maior
capacidade de adaptação das organizações à conjuntura;
• Menos unidades de comando: a autonomia das equipes nas relações horizontais ou
diretamente com os clientes está reduzindo a quantidade de chefes e as unidades no
topo da pirâmide;
• Amplitude de controle mais ampla;
• Mais empowerment e participação: com a transferência de responsabilidades e
maior delegação viabilizada pelos fluxos instantâneos de informação (que ajudam no
controle, supervisão a distância e prestação de contas), haverá maior
responsabilização na base das organizações;
• Ênfase nas equipes de trabalho: estruturas matriciais e por projetos ficam mais
viáveis nas novas tecnologias;
• Os antigos departamentos se tornam unidades independentes de ação ou execução
de serviços e produtos. As funções de coordenação estão facilitadas pelo apoio dos
sistemas gerenciais, como os de Business Inteligence (BI) e outros;
• Menos rigor no controle externo sobre as pessoas: transferência do controle sobre os
meios (horário de trabalho, por exemplo) para o controle sobre os fins (contratos
flexíveis, salários variáveis, avaliação de desempenho, etc.).
Gestão do Conhecimento no setor público
É absolutamente normal e esperado que a capacidade de aprendizagem e o conhecimento
sejam valorizados na época atual. Sempre que o mundo passou por grandes e aceleradas
transformações, especialmente durante as crises ou logo após eventos traumáticos como
guerras e conflitos a sociedade e o Estado tiveram que se reinventar para uma nova fase de
estabilidade e crescimento. Não é por acaso que a gestão do conhecimento passou a ser tão
valorizada no setor público e privado nos últimos anos.
Segundo Batista o papel da gestão do conhecimento na área pública é:
327
i) tratar de maneira adequada e com rapidez desafios inesperados e desastres;
ii) preparar cidadãos, organizações não-governamentais e outros atores sociais para
atuar como parceiros do Estado na elaboração e na implementação de políticas
públicas;
iii) promover a inserção social, a redução das desigualdades sociais e um nível aceitável
de qualidade de vida para a população por meio de construção, manutenção e
ampliação do capital social e do capital intelectual das empresas;
iv) criar uma sociedade competitiva na economia regional e global por meio da
educação dos cidadãos para que eles se tornem trabalhadores competentes do
conhecimento, e mediante o desenvolvimento das organizações para que estas
se tornem competitivas em todas as áreas do conhecimento.
Novas tecnologias, novos processos de trabalho, novos perfis de cidadãos-consumidores,
novas variáveis da “era da informação” estão provocando mudanças cada vez mais
profundas e rápidas. No sistema produtivo um dos eixos centrais passa a ser a agregação de
valor aos produtos e serviços pela agregação de conhecimento, seja ele incorporado como
novas tecnologias de produto ou processo ou novos arranjos produtivos.
No setor público a gestão do conhecimento passou a ser uma das variáveis explicativas
centrais do desempenho organizacional, da avaliação institucional e do aumento da
produtividade dos funcionários.
O ciclo da gestão do conhecimento:
328
Um dos primeiros autores nesta área, Peter Senge, afirmava que as organizações tem
capacidade de aprender, dese que dominem cinco disciplinas distintas. Cada uma destas
disciplinas implica uma estrutura de desenvolvimento com capacidade para realizar
resultados específicos.
Todo aprendizado organizacional começa no plano individual. As pessoas armazenam
experiências e informação, reelaboram novos conteúdos em confronto com os já
consolidados e produzem novos mapas mentais. Estes mapas são roteiros para a ação, para
a produção de novas informações e experiências no mundo real. Este ciclo é alimentado
continuamente se o ambiente institucional favorece a aprendizagem, mas é empobrecido e
diminuído se o ambiente não estimula a inovação, a criação e a aprendizagem.
As disciplinas propostas por Senge são as seguintes:
Domínio Pessoal: é uma disciplina que depende da aspiração pessoal, ela implica em
questionamento criativo da visão pessoal das pessoas e sua realidade fática, empírica e
existencial. Os resultados desta tensão, se bem elaborados, podem viabilizar melhores
escolhas e o alcance dos resultados almejados;
Modelos Mentais: é a disciplina da reflexão e do questionamento. As pessoas precisam
ajustar suas imagens internas do mundo (que são base de suas percepções) para melhorar
seu processo decisório;
Visão compartilhada: é a disciplina coletiva que visa estabelecer objetivos comuns, o senso
de compromisso possibilita a criação de imagens de futuro com capacidade de mobilização;
Aprendizado em equipe: é a disciplina de interação do grupo, o aprendizado é
essencialmente complementado pela ação coletiva, pela discussão e debate. O objetivo é
desenvolver um tipo de inteligência capaz de ser maior que simples soma dos talentos
individuais;
Raciocínio Sistêmico: é a disciplina da aprendizagem e busca de uma visão com globalidade.
As pessoas precisam ter uma visão holística, global do sistema e suas partes e componentes
para terem a possibilidade de mudar sistemas com coerência e sinergia.
O ciclo de aprendizagem individual se completa no ciclo de aprendizagem coletiva e um
alimenta o outro. A aprendizagem que falamos aqui está longe daquela visão convencional
de “armazenagem de conteúdos prontos”, da escola tradicional. Aprender significa mais do
que identificar, coletar e sistematizar informações, significa criar novos conhecimentos com
base na práxis diária e fazer isto coletivamente.
329
O aprofundamento do conhecimento depende de alguns fatores:
Arquitetura organizacional: a organização precisa de empowerment, isto é, precisa ser
gerenciada com flexibilidade, participação, autonomia dos escalões intermediários,
comunicação horizontal e estruturas mais matriciais.
Cultura organizacional: já debatemos o tema da cultura nas organizações, vimos o quanto é
difícil sua mudança e quanto são complexos os fatores que a formam e a dinamizam. O
fundamental é estimular uma cultura participativa, democrática e envolvente, baseada em
relacionamento humanos e não em cargos e hierárquicas verticalizadas. O fundamental é
criar um senso de comunidade, de comunhão de interesses. Isto não significa abolir a
autoridade, o comando e o controle, mas organizá-los de uma forma legítima, natural e
transparente.
Compartilhamento da informação: a informação deve ser cuidadosamente gerenciada de
modo a ser pertinente, eficaz e acessível a todos os funcionários e escalões de autoridade.
Não basta o funcionamento de sistemas sofisticados de inteligência artificial e bancos de
dados super potentes, se não há, previamente, uma disposição da alta direção em socializar
informações críticas, em confiar nos seus funcionários.
Liderança Estratégica: a visão compartilhada do futuro surge na alta direção e se enriquece e
ganha vida em todas as áreas da empresa. O envolvimento dos dirigentes não se limita ao
compromisso verbal, deve ocorrer o testemunho vivencial, o compromisso emocional
através de atitudes e comportamentos autênticos e não-manipulatórios.
As características do conhecimento
O conhecimento é tácito. Na maioria das vezes o conhecimento não está sistematizado,
estruturado e documentado em textos ou formatos digitais. Ele está nas experiências
pessoais, na cabeça das pessoas. Se relaciona intimamente com o meio no qual nos
construímos com pessoas, com identidades próprias. Por isso, é de difícil transmissão,
precisa de ambientes informais que viabilizem o contato face a face, só a intimidade da
comunicação direta pode compartilhar este tipo de conhecimento. O conhecimento tácito é
a expertise do funcionário sobre uma tarefa específica ou sobre o modo de vida na
organização.
330
O conhecimento tácito se converte em parte em conhecimento explícito através de
iniciativas como a socialização, a externalização, a internalização e a combinação entre os
dois tipos de conhecimento, conforme a figura a seguir está ilustrando.
O conhecimento é orientado para a ação. Polanyi, que pesquisou o conhecimento, dizia que
o processo de saber é a tentativa de juntar pistas fragmentadas a partir das lembranças que
são agrupadas em categorias que criamos de acordo com nossa percepção da realidade. Isto
quer dizer que o contato com o mundo real testa nosso saber de forma automática e
instantânea, quando refletimos, questionamos esta automaticidade, problematizamos o
saber, criamos novos saberes. A linguagem expressa este saber através dos verbos:
aprender, fazer, esquecer, lembrar, compreender.
O conhecimento é sustentado por regras. O processo de sobrevivência cria rotinas e atalhos
mentais como esquemas simplificados de compreensão que interpretam eventos, símbolos
e informações que se repetem. Estas “regras” poupam esforço e nos permitem agir com
eficácia, imagine se tivéssemos que refletir sobre o sentido da vida cada vez que ouvíssemos
a palavra “respirar”. Todos sabemos de uma forma ou outra, o que significa e quais
implicações tem este verbo. Todo evento em que participamos testamos esta regra, que fica
armazenada em nosso esquema mental. Sabemos por exemplo, que respirar não é possível
sob a água e não precisamos testar esta informação para saber que ela é válida, é útil para
nossa sobrevivência. Estas regras embasam o conhecimento tácito também, uma regra serve
como padrão para correção, como filtro para novas experiências. Nossos pré-conceitos
funcionam como regras, só enxergamos o que queremos ver. Estas regras moldam nossa
331
identidade, por isso são de difícil mudança. O conhecimento novo só pode surgir num
ambiente sem pré-conceitos, onde as “regras mentais” podem ser testadas sem medo.
O conhecimento muda constantemente. Exatamente porque o conhecimento resulta do
eterno confronto entre nossos mapas mentais e a realidade viva, ele está sempre em
mutação. Se vivêssemos num mundo que por hipótese sempre fosse igual a ele mesmo, isto
é, nunca mudasse, então o conhecimento seria impossível.
Uma organização com capacidade de aprendizagem deve sempre combinar o conhecimento
tácito e o conhecimento explícito que já foi codificado e internalizado. Ela deve criar
instrumentos de compartilhamento, de socialização entre as pessoas para possibilitar a
aprendizagem. A internalização só acontesse quando o conhecimento tácito se formaliza em
novos procedimentos e regras de conduta.
A gestão do conhecimento é a função responsável pelo processamento destas questões na
organização. Ela demanda um planejamento estratégico para definir como agregar valor á
organização, que informações devem ser identificadas, coletadas, armazenadas,
estruturadas e divulgadas para que se transformem em conhecimento para a ação. O
primeiro passo é identificar:
• Quais categorias de conhecimento são necessárias para subsidiar o planejamento
estratégico da organização;
• Qual é a situação atual do conhecimento na organização, quais são suas fontes, onde
ele está e como se manifesta;
• Quais as atividades necessárias para criar uma base de conhecimentos;
• Quais os benefícios que o uso deste conhecimento trará para a organização;
• Como criar condições para que o conhecimento tácito seja compartilhado e se torne
conhecimento explícito;
• Como monitorar informações ambientais, de organizações parceiras e/ou
competidoras, dos cenários estratégicos e de variáveis-chave para o planejamento;
• Quais e como implantar os instrumentos, técnicas e competências necessárias para
operar os sistemas de informação necessários à gestão do conhecimento (sitemas de
BI – business inteligence, SIGs, sistemas de informação gerenciais, etc.).
Não devemos esquecer que informação não significa conhecimento. Saber, por exemplo,
qual é o déficit habitacional de um município não significa conhecer por exemplo quais as
relações entre o número de sub-habitações e os padrões de renda familiar. Da mesma forma
332
o conhecimento não é ainda inteligência. Ele precisa ser reelaborado, reestruturado,
combinado com outros conhecimentos e submetido a um propósito, um objetivo. Assim se
sabemos o que é o déficit habitacional, quais são suas causas e conseqüências, e se temos o
propósito de diminuí-lo 20% a cada ano podemos elaborar um plano estratégico para isso. A
elaboração deste plano requer então “inteligência”, que é o conhecimento aplicado.
Os sistemas de informação são a base da gestão do conhecimento. Eles devem representar
sempre a combinação entre aquilo que os dirigentes e gerentes da organização pensam que
precisam saber e conhecer com aquilo que eles realmente precisam saber para tomar
decisões. Um sistema deve prover informações no tempo certo, com simplicidade e
confiabilidade necessárias. As perguntas universais que devem ser respondidas são quase
sempre as seguintes:
• Quais decisões os dirigentes tomam regularmente ?
• Que informações são necessárias para tomar estas decisões ?
• Que estudos especiais e não-rotineiros são solicitados com alguma regularidade?
• Quais informações dispomos hoje e quais ainda não temos ?
• Como vamos obter, armazenar, processar e compreender as novas informações e
combiná-las com as já disponíveis ?
• Quais atributos as novas informações devem ter: formato, profundidade, tipo de
relatório, periodicidade, design, etc.
Muitos se esquecem que a própria organização é uma fonte riquíssima e inesgotável de
informações. Imaginem, por exemplo, se todos os contatos importantes dos funcionários
com clientes e fornecedores fossem cuidadosamente identificados, estruturados e
sistematizados para consulta, quanta informação poderia se transformar em conhecimento
estratégico. Hoje existem no mercado inúmeros sistemas de CRM – “Customer Relationship
Management” e de ERP – “Enterprise Resource Planning”, disponíveis, o problema;
entretanto, não é de ordem tecnológica, mas de natureza política e institucional.
A seguir o esquema ideal da cadeia de valor no setor público. A gestão do conhecimento
deverá garantir o funcionamento dos processos de trabalho, dos produtos e dos impacto, ou
seja, da eficiência, eficácia e efetividade organizacional.
333
Um sistema de suporte à decisão na maioria das nossas organizações públicas não passa de
uma montanha de estatísticas impressas que são colocadas na mesa do chefe regularmente.
Na maioria dos órgãos nem isso existe. Estamos muito longe do estado ideal nesta área.
Infelizmente pouquíssimas organizações públicas possuem áreas ou funções de inteligência.
Muitas vezes o trabalho de inteligência é confundido com espionagem ou qualquer coisa à
beira da legalidade. Não se trata disso evidentemente. A gestão do conhecimento é digamos
uma forma profissional e mais sofisticada de gerenciar o conhecimento institucional, é disto
que se trata.
Exemplos de projetos de Gestão do Conhecimento em âmbito federal, em 2004.
Processos participativos e parcerias na gestão inovadora
A Constituição Federal de 1988 estimulou a existência de mecanismos participativos. A Lei
de Responsabilidade Fiscal, do início desta década, em seu artigo 67, por exemplo, prevê a
criação de conselhos de gestão fiscal. Estes conselhos segundo a própria definição, deverão
buscar cumprir as metas através da disseminação de técnicas eficientes de gestão da receita
e da despesa pública, padronizando procedimentos, relatórios e prestações de contas.
A lei prevê que este conselho tenha uma natureza de deliberação coletiva. A nível federal o
conselho deveria ter a seguinte composição:
• seis representantes da União, sendo três do Poder Executivo, um do Poder
Legislativo, um do Poder Judiciário e um do Ministério Público da União;
334
• quatro representantes dos Estados, sendo um do Poder Executivo, um do
Poder Legislativo, um do Poder Judiciário e um do Ministério Público;
• dois representantes dos Municípios, sendo um do Poder Executivo e um do
Poder Legislativo; e
• um representante de cada uma das seguintes entidades:
− Conselho Federal de Contabilidade;
− Conselho Federal de Economia; e
− Conselho Federal de Administração.
Este dispositivo não foi regulamentado, quando o for representará um enorme avanço na
participação da sociedade civil numa das áreas mais restritas e fechadas do governo que é
justamente a área fazendária.
A CF de 1988 criou vários conselhos de representação descentralizada, alguns de
composição paritária entre membros do governo e não. Estes conselhos acabaram por se
reproduzir na esfera municipal e na esfera estadual.
No Brasil o processo de participação política vem crescendo na medida em que se consolida
a democracia no país. Apesar dos grandes níveis de desigualdade social e econômica e dos
períodos autoritários (1937-45, a ditadura civil de Vargas e 1964-85, a ditadura militar) a
democracia tem avançado no país.
A evolução do sistema eleitoral, por exemplo, do voto ao analfabeto em 1985 à
universalização da urna eletrônica em 2002, colocou o país entre as maiores taxas de
comparecimento eleitoral entre os regimes de voto obrigatório.
Nogueira classifica a participação em quatro grandes modalidades de acordo com os
diferentes graus de consciência política coletiva, relacionada à maior ou menor maturidade,
homogeneidade e organicidade dos grupos sociais. A participação assistencialista (1),
filantrópica ou solidária se revela com freqüência entre os grupos mais pobres e
marginalizados como estratégia de sobrevivência, especialmente nos momentos de maior
crise social.
É a forma mais comum e primitiva de participação, é a de menor grau de consciência política
coletiva, visa atender requerimentos imediatos de manutenção da vida ou do bem estar de
grupos ou segmentos sociais, freqüentemente relacionada a atividades religiosas,
comunitárias e políticas de assistência social estatais.
335
Um outro grau pode ser chamado de participação corporativa (2) quando o objetivo do
movimento está conscrito aos interesses de um segmento ou categoria social específica.
Esta forma de associativismo está na base do sindicalismo moderno e se relaciona
diretamente com a forma assistencial de participação motivada por lutas econômicas
geralmente.
Em casos excepcionais pela natureza das reivindicações a participação corporativa pode
ampliar sua esfera de representação ganhando terreno mais amplo que categorias
específicas. Assim como a primeira forma esta também pode ser considerada pré-política.
A participação eleitoral (3) se situa no plano direto da ação política do cidadão na sua
relação com o Estado, além dos direitos civis aqui ganha relevo os direitos políticos e o
problema da governabilidade. Esta modalidade de participação deriva historicamente do
contratualismo liberal e portanto da liberdade individual e da livre iniciativa.
Esta forma de participação sofre, entretanto, um conjunto de limitações típicas daquelas
existentes em regimes democráticos representativos: distorções das preferências pessoais,
igualdade formal anulada pela desigualdade real, falhas do processo eleitoral, mecanismos
frágeis de controle dos eleitos, etc.
Por fim a modalidade de participação com maior grau de consciência política seria, segundo
o autor, a participação política (4). Ela se relaciona diretamente com o Estado e dialoga com
as formas de organização da vida em sociedade e sua reprodução. Alimenta-se da
participação corporativa e eleitoral, mas vai além delas porque questiona e formula novos
consensos sociais, formaliza conquistas de direitos universais que afetam o conjunto de uma
população, sociedade, nação.
O que distingue os cidadãos nesta modalidade participativa não é seu lugar na estrutura
social, sua origem de classe ou estoque de riqueza mas as diferentes visões globalizantes dos
problemas comuns a todos e das soluções e estratégias propostas, portanto, da essência do
próprio debate político democrático ou da gestão coletiva dos conflitos.
O campo da participação política é portanto a arena da declaração e competição de projetos
de sociedade ou nação. A modalidade “política” da participação é aquela claramente
identificada como manifestação de poder político, não como simples expressão de direito
público subjetivo.
A dimensão política da participação cidadã nos remete ao tema do controle social sobre o
Estado, realizado de modo absolutamente imperfeito e insuficiente pelas eleições
336
periódicas. Mesmo quando são eleições limpas, competitivas, livres, igualitárias, decisivas e
inclusivas, o controle social pode ser meramente formal ou burocrático. Com a onda de
reformas do Estado no mundo e na América Latina durante os anos oitenta e noventa o
controle social foi associado ao termo accountability, que a abordagem da New Public
Management presumia ser melhor realizada pelos mecanismos de mercado (oferta e
procura), melhor que os mecanismos políticos, permitindo assim o verdadeiro controle e
identificação das preferências dos cidadãos.
Neste paradigma a participação é qualidade do indivíduo isolado, relegada a micro-espaços
(escola, igreja, etc...), recaindo quase totalmente sobre a dimensão técnica dos projetos,
despolitizando os cidadãos que serão vistos agora como clientes e consumidores. A onda de
reformas não só deixou de enfrentar uma atuação auto-referenciada da administração
pública burocrática, como aumentou o déficit de participação e controle social ao substituir
o condenável clientelismo da política tradicional pelo controle das leis do mercado.
Além de modalidades distintas o processo participativo pode ser considerado conforme os
vários estágios de implantação. Ricci sugere uma tipologia de três fases, no contexto da
participação local:
• fase de legitimação: fase inicial que supõe a legitimação do processo da participação
como um processo decisório de governo e como lócus de apresentação de demandas
sociais e deliberação participativa de ações públicas. Conquista-se a legitimidade no
interior dos governos, o reconhecimento e a incorporação dos ritos participativos na
dinâmica gerencial das organizações públicas assim como o reconhecimento externo
que se revela na capacidade mobilizatória e na representatividade de conselheiros e
delegados;
• fase de efetividade: consolidada a legitimação junto ao governo e á sociedade as
pautas se unificam e se ampliam, além das demandas imediatas inicia-se o debate
sobre modelos de desenvolvimento e políticas mais universais. Nesta fase começam
a surgir programas e agendas intersetoriais que abrangem a totalidade do território e
ultrapassam os limites dos organogramas governamentais, o debate do
planejamento se faz presente e inicia-se processo de maior empoderamento das
organizações sociais em redes e na descentralização de políticas e serviços;
337
• fase de institucionalização: criam-se novas estruturas de gestão, monitoramento e
avaliação das ações de governo, internalizando formas, instrumentos e processos
participativos (consultas, conselhos, comunicação,...).
O conceito de “participação política” resulta, ele mesmo, de um processo de evolução da
compreensão da teoria política sobre a América Latina. O paradigma clássico da análise da
ação coletiva na América Latina consistiu no predomínio de uma concepção que concebia a
sociedade como articulação de diversas estruturas interelacionadas (econômica, social,
política, etc...), seguindo leis que determinavam o comportamento dos atores sociais.
As sociedades podiam ser classificadas de acordo com “fatores estruturais” determinantes
em desenvolvidas ou subdesenvolvidas, democráticas ou autoritárias, modernas ou
tradicionais e assim por diante. A mudança de padrões sociais ao longo da história ocorreria
através de etapas sucessivas de modernização. Nesta concepção os atores sociais são
definidos a partir de parâmetros externos a si próprios ou às suas circunstâncias, são
portadores a priori de algum papel ou missão histórica.
Nos anos oitenta este paradigma cedeu cada vez mais terreno para um outro tipo de análise
que abandonava a visão monolítica e determinística da sociedade, o que implicou na adoção
de várias hipóteses explicativas.
Em comum a todas elas a noção de que as relações entre economia, política, cultura e
sociedade são definidas por esquemas flexíveis, sem uma determinação universal, mas
sujeitas aos momentos históricos e contextos específicos de cada região ou país.
Os processos sociais por sua vez começam a ser vistos com mais autonomia em relação à sua
“base estrutural”. Assim determinada sociedade possui uma “matriz sócio-política” única e
definida, sintetizando um modo específico de configuração entre Estado, sociedade, partidos
políticos, sociedade civil e base social.
Nesta concepção analítica o papel do ator social que atua politicamente assume importância
chave porque ele não é mais tributário de um estrutura fixa, ao contrário, cria suas próprias
circunstâncias históricas, possui densidade, identidade e alteridade. Não há mais um único
sujeito da ação histórica, predestinado a cumprir um papel modernizador, seja ele um
partido político ou movimento social. Há vários sujeitos, assim como há vários sistemas de
dominação produzidos pela crescente autonomização da esfera política, social e econômica.
Neste embate teórico e prático surgiram novos eixos para a ação coletiva na América Latina.
O primeiro e mais importante foi à democratização política implicando no retorno da
338
dinâmica conflitiva de sujeitos sociais novos como movimentos sociais, populares, étnicos,
etc, junto com partidos políticos – que ganham maior protagonismo - e a reconstrução de
organizações estatais. Implica em reconhecer que a sociedade moderna é plural,
heterogênea e composta por um conjunto de identidades diferenciadas. Nem sempre a
lógica da democracia representativa consegue fazer com que todos sejam representados.
Entretanto, nossa democracia é débil e os sistemas de representação são frágeis, há uma
infinidade de pontos na agenda de transição que não foram completados. Há um
desencanto crescente de parcela significativa da população com as a ineficácia dos
mecanismos clássicos de representação para mudar o modo de vida.
Duas décadas de democracia em muitos países não mudaram substancialmente o quadro de
injustiça social, concentração de renda e atraso econômico. Um segundo eixo são as lutas
pela democratização social e pelos direitos da cidadania, assumindo a forma dos direitos
políticos, econômicos ou sociais.
A incorporação de minorias, as lutas étnicas ou de gênero, o direito à informação, ao
ambiente, etc. Movimentos da juventude, periferias urbanas e uma gama enorme de lutas
específicas e pontuais entram nesta agenda. Um terceiro eixo mobilizador poderia ser
chamado de “a disputa pelo modelo de desenvolvimento”, no contexto da globalização.
Neste último caso a ação coletiva é pautada ou pela defesa de condições ameaçadas, por
exemplo, na privatização de serviços públicos gratuitos ou pela proposição de novas agendas
capazes de recompor a intervenção estatal em setores estratégicos.
Na esfera não estatal ou associativa o Brasil transformou-se radicalmente nos últimos quinze
anos. Entre 2002 e 1996 o número de fundações privadas e associações sem fins lucrativos
cresceu 157%. Mais de 70% das ONGs atuais foram criadas na década de noventa. As
organizações ligadas às lutas ambientais e à defesa de direitos foram multiplicadas por
quatro no mesmo período. Este tipo de organização representava 17% do universo
associativo não-estatal brasileiro em 2002, num universo de 276 mil organizações.
O fenômeno ainda é mais presente nas regiões mais ricas e urbanizadas do país, o sudoeste
concentrava 44% e a região Sul 23% das associações sem fins lucrativos, mostrando forte
correlação entre nível de desenvolvimento e grau de associativismo. Outro sintoma claro de
expansão do processo participativo no Brasil foi o rápido crescimento dos conselhos de
políticas públicas pós-Constituição de 1988.
339
Na maioria dos casos os conselhos têm composição bipartite, metade governo e metade
sociedade civil como são os Conselhos de Assistência Social ou Desenvolvimento Rural
Sustentável. No caso da saúde metade são organizações de usuários, 25% de instituições
prestadoras de serviços e o governo tem somente os 25% restantes. Segundo o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada, o IPEA, vinculado ao Ministério do Planejamento, o Brasil
tinha em 2005 aproximadamente 6.000 conselhos na área da saúde, 3.000 na área da
criança e adolescente e 4.671 conselhos no setor de assistência social.
Para estes autores o Brasil possui hoje todas as características de uma sociedade com
estatuto democrático: liberdade de opinião, de ir e vir, de crença, iniciativa econômica, etc.
O problema central está na incapacidade do Estado em garantir a efetividade deste
estatuto, atribuindo-lhe a necessária universalidade e concretude para crescentes parcelas
da população.
Outra experiência notável de inovação no aspecto participativo foi a elaboração do
orçamento feita por diversos municípios ao longo das últimas duas décadas. Os casos mais
conhecidos foram os de Lajes (SC) e Boa Esperança (ES) – adotadas entre 1978 e 1982 – e,
posteriormente, Diadema (SP), iniciada em 1983 e Vila Velha (ES), ocorrida entre 1986 e
1989. Mas foi a experiência de Porto Alegre, dada sua longevidade e repercussão
internacional, a mais conhecida. Até 2004 havia 195 municípios brasileiros onde o
orçamento participativo estava em funcionando, incluindo algumas capitais importantes
como Porto Alegre, São Paulo, Recife e Belo Horizonte, reunindo anualmente só nestas
cidades em torno de 200 mil participantes.
O processo do orçamento participativo é basicamente um sistema de consultas organizadas
por temas, regiões geográfica ou rubricas orçamentárias abertas à participação individual
dos eleitores e organizados por órgãos estatais, normalmente as Prefeituras. Em algumas
experiências mais consistentes a população elege delegados que compõe comissões de
controle e monitoramento ad hoc de obras e serviços públicos.
Durante o governo do Presidente Lula (2003/2006 e 2007/10) houve muita ênfase na
realização de conferências temáticas nacionais. Até 2008 haviam sido realizadas 51
conferências nacionais abrangendo 32 temas diferentes, dos quais 20 temas pela primeira
vez. Segundo o governo federal estas conferências mobilizaram diretamente 3,4 milhões de
pessoas nas três esferas administrativas. Além disto, foram reforçados os conselhos de
340
políticas públicas. A Secretaria Geral da Presidência da República identificou 130 Conselhos
existentes, 19 dos quais criados no atual governo.
O processo de participação apesar de desejável e necessário para uma gestão inovadora não
acontece gratuitamente. Uma abordagem já tradicional da ciência política, nas reflexões de
Mancur Olson, já apontou os chamados “limites da ação coletiva”. Pode-se listar as
principais:
(a) não-percepção: há inúmeras situações na vida cotidiana de não convergência entre a
ação imediata do indivíduo e seu interesse próprio ou legítimo. Por ignorância das
alternativas possíveis ou conseqüências futuras de determinadas escolhas os indivíduos
podem inclusive agir contra seus interesses, dificultando ações coletivas onde esta não-
percepção tem mais chance de acontecer. Além disso, há sempre o problema da informação
assimétrica entre os vários atores sociais, o foco muda conforme o posicionamento no
tabuleiro do “jogo social”.
(b) defecção: ocorre quando o cidadão abandona a ação coletiva em função de uma
avaliação custo/benefício mais favorável à ação individual. Por apatia, descrença,
acomodação ou inércia os benefícios da ação coletiva são diminuídos ou seus custos
aumentados. A opção da classe média brasileira pela escola privada e o abandono das
mobilizações pela escola pública gratuita e de qualidade é usado como exemplo desta
limitação.
(c) tamanho do grupo latente: quanto maior é o grupo e mais complexo o mosaico e a
composição de interesses de sub-grupos, mais marginal será a contribuição individual. Se um
grupo é muito pequeno, por outro lado, os custos individuais de participação aumentam e os
resultados do processo tendem a diminuir. Exemplos desta restrição: o grande número de
abstenções eleitorais nos países onde o voto é facultativo, a não participação em
movimentos de massa, etc... A figura do free rider ou “carona” surge pois há um desestimulo
a participação individual se os benefícios da ação coletiva atingirão todos igualmente,
participantes e não-participantes, eles não podem ser individualizados. Custos individuais,
benefícios coletivos.
(d) custos altos: o primeiro deles é a busca e manutenção de informação, indispensável para
qualificar a participação, sacrifícios pessoais, alto grau de exposição individual,
disponibilidade para travar conflitos e conviver em ambientes hostis são alguns exemplos
básicos.
341
(e) lógica temporal: nos processos de participação política geralmente os custos são
imediatos e os benefícios de longo prazo, às vezes inter geracionais, o exemplo da luta pela
escola pública de qualidade vale também neste caso: não seria razoável participar de fóruns,
reuniões, grupos de trabalho pensando somente na educação dos próprios filhos.
Os processos participativos são extremamente complexos. Eles se prestam muitas vezes à
ação demagógica e à manipulação dos governos. Nestes casos o que acontece é um
simulacro de participação, algo que vale mais como publicidade oficial e marketing dos
governantes do que um processo efetivo de cidadania e aprendizagem. É importante
envolver as pessoas desde o início dos processos e não apenas no final onde as soluções já
estão prontas e encerradas. Por isso o processo de participação deve começar no próprio
planejamento das políticas públicas.
Não há fórmulas nem receitas de bolo, o fundamental é manter algumas diretrizes, três
delas são comentadas a seguir:
• Empoderamento dos participantes e das arenas de disputa e pactuação: a
“participação” aparece na agenda do debate sobre governo e Estado “só” porque há
uma distribuição não equitativa do poder. Não precisamos fazer um debate sobre a
origem e reprodução do sistema capitalista para saber que os processos de produção
de políticas públicas e de governo em geral são profundamente concentradores do
poder político, desiguais e não equitativos. Assim, processos de planejamento que
não resultem de situações prévias de empoderamento de seus participantes, não
são, de fato, participativos. Ou melhor, serão participativos tanto quanto maior for o
grau de empoderamento, de autonomia, de capacidade de valer suas decisões e
quiça de institucionalização da vontade dos participantes. Neste sentido, o tema da
“participação” é um problema que a rigor, se resolve antes da aplicação de técnicas,
ferramentas ou instrumentos de planejamento, não durante, muito menos depois.
Planejar sem poder é deixar-se manipular, participar de um simulacro democrático.
Se não é “para valer”, então não é participativo.
• Comunicação e transparência de procedimentos: todo processo participativo é um
processo comunicativo. Sem livre fluxo das informações e a possibilidade do
encontro entre as diferenças de visões de mundo, posicionamento, atitudes e
posturas, que a socialização da informação proporciona, não há participação. Esta é
342
uma condição necessária para equalizar o saber e o conhecimento, anular a diferença
de poder representada pela posse do saber acadêmico ou intelectual. Todo processo
participativo pressupõe ambientes, regras e instituições que favoreçam a negociação,
a formação de pactos e consensos – o que obriga a exposição pública e
processamento público de conflitos e divergências. Para que a negociação aconteça a
comunicação qualificada é imperativo básico, a capacidade de expressão, a
capacidade de escuta, a retórica acessível ao homem comum.
• Mecanismos de monitoramento e avaliação de resultados auto constituídos e
regulados: Se os participantes não tiverem mecanismos de responsabilização pelos
resultados esperados do planejamento, não há participação, no máximo o que ocorre
é uma “encenação participativa”, um engodo. Se não como cobrar e prestar contas, a
própria necessidade do planejamento – como método de governo – se desvanece e
torna-se desnecessária. Seria melhor administrar conforme as circunstâncias, um dia
depois do outro. O processo participativo não garante, per si, eficácia da ação
coletiva (pública ou não). Seria uma ilusão substituir o “planejamento sem
participação” pela “participação sem planejamento”, isto é, sem domínio da “boa
técnica” que se requer para avaliar os outcomes e os outputs planejados, decidir o
que fazer para corrigir desvios, mudanças de cenários e estratégia de stakeholders,
por exemplo.
As parcerias entre Estado e Sociedade
Outro movimento importante de ampliação da participação na gestão pública é a ocorrência
cada vez maior de parcerias entre o estado e a sociedade. Com a crise do estado e a
insuficiência de recursos para atender as demandas crescentes, começaram a surgir
alternativas de compartilhamento destas responsabilidades com entidades da sociedade
civil. Com o tempo as parcerias ganharam uma natureza política e institucional, conferindo
mais eficiência e eficácia, sobretudo aquelas ações descentralizadas na área da assistência e
proteção social.
Na administração pública alguns movimentos começaram a se consolidar em torno da idéia
de parceria:
343
• transparência, para designar o velho princípio da publicidade e afastar a atuação
sigilosa;
• privatização, para designar a transferência de ações das empresas estatais para o
setor privado;
• parceria entre o poder público e o privado, para designar fórmulas antigas, como a
concessão e a permissão de serviços públicos e, mais recentemente, as Parcerias
Público-Privadas (PPP);
• flexibilização, quando se quer descentralizar mais, diversificar o Regime Jurídico dos
servidores, simplificar os procedimentos licitatórios e os procedimentos de controle.
As parcerias adquirem vários sentidos. Podem significar um diálogo permanente entre o
Estado que contrata serviços e um fornecedor privado. Pode significar um nova
personalidade jurídica que compartilhe a gestão de determinado serviço público,
compartilhando riscos, lucros e perdas.
A forma mais comum de parceria é a delegação para execução de serviços através dos
instrumentos de concessão e permissão, ambos previstos e regulados pelo direito
administrativo. Entretanto, esta forma de parceria não pode ser aplicada para aquelas
atividades que são exclusivas do Estado e indelegáveis pela sua natureza (a segurança
pública, por exemplo). Através de convênios e contratos de gestão o Estado pode
estabelecer parcerias para prestação de serviços não exclusivos, como por exemplo a ação
de promoção das exportações brasileiras que é executada por uma Agência de natureza
privada vinculada o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, através
de contrato de gestão.
Uma foram recente de parceria que inovou as relações entre o Estado e os agentes privado
foi a chamada “parceria público-privada” ou PPPs. Elas foram criadas por lei federal em
2004. O objetivo é atrair o setor privado, nacional ou estrangeiro para investimentos em
projetos de infra-estrutura de grande vulto, ou em caráter de urgência para o
desenvolvimento do país.
O Estado garante ao agente e investidor privado um retorno mínimo sobre o capital
investido, por exemplo, uma tarifa de pedágio que cubra os custos de implantação e
remunere o capital do investidor.
Novas organizações na administração publica
344
No movimento de reforma gerencial do Estado brasileiro dos anos noventa foram criados
novos formatos e arranjos administrativos, entre os quais as organizações sociais, as
agências executivas e as agências reguladoras. A intenção foi adaptar o aparelho do Estado
às diferentes formas de organização e prestação dos serviços não exclusivos. Vamos analisar
as configurações básicas.
As organizações sociais
As Organizações Sociais, ou simplesmente OS, como ficaram conhecidas são um dos modelos
de organização pública não-estatal destinada a absorver as atividades passíveis de
publicização, ou seja, de se converteram em atividades públicas, embora não estatais. Trata-
se de uma propriedade pública não-estatal, constituída por associações civis sem fins
lucrativos, que não são propriedade de um indivíduo ou grupo e estão orientadas
prioritariamente para o atendimento de um interesse público.
No fundo as OS são um modelo de parceria entre o Estado e segmentos da sociedade. O
Estado emite as diretrizes e faz o controle, repassa recursos públicos e em troca tem
demandas sociais atendidas com menores custos coletivos e maior qualidade dos serviços.
As OS tem autonomia administrativa bem maior que os órgãos da admininstração direta ou
indireta como as empresas, fundações ou autarquias públicas. Em compensação elas
contratualizam metas e resultados com o poder publico, através de um Contrato de Gestão
que estabelece objetivos, formas de incentivo ou penalidades aos seus dirigentes.
Juridicamente elas são associações sem fins lucrativos, com pessoa jurídica de direito
privado. Normalmente sua qualificação como OS acontece mediante decreto do poder
executivo, após o atendimento de uma série de quesitos.
O modelo das OS não é um simples convênio de transferência de recursos públicos para o
setor privado não-lucrativo. Os conselhos administrativos devem ter representantes do
Estado e da sociedade e a gestão, ainda que privada, deve atender os princípios da
administração pública, além da orientação para os resultados contratados.
A princípio o modelo das OS tem a agilidade de uma empresa privada, na gestão dos
recursos, aquisições e política de pessoal, por exemplo, sem perder a natureza de uma
função pública.
345
Os passos previstos para implantação e gestão de uma OS são os seguintes:
• Divulgação da proposta de criação pelo Governo ou por entidade da sociedade:
divulgação institucional, reuniões técnicas e articulação institucional;
• Protocolo de intenções: plano de trabalho e comissão coordenadora;
• Preparação organizacional das atividades a serem publicizadas: capacitação para a
mudança, planejamento estratégico e operacional;
• Criação e composição da entidade não-estatal: estatuto registrado, Conselho e
regulamentos aprovados, composição organizacional;
• Preparação e negociação do contrato de gestão: objetivos, sistema de avaliação e
acompanhamento, metas, indicadores e recursos;
• Atos legais (extinção e qualificação): lei, decreto e abertura de crédito especial,
inventário;
• Gestão da OS: foco no cidadão, ênfase nos resultados, controle social e flexibilidade,
relatório de avaliação, acompanhamento e ações corretivas.
As Organizações Sociais ainda são em número reduzido, no governo federal elas
predominam na área de ciência e tecnologia: o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos
(CGEE); o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA); o Instituto de Desenvolvimento
Sustentável Mamirauá (IDSM); a Associação Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) e a
Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron, que gere o Laboratório Nacional de
Luz Síncrotron (LNLS).
Em 2005 um decreto federal obrigou as Organizações Sociais a seguirem as normas de
licitações públicas para aquisições de bens e serviços.
Além das OS foram criadas as Organizações da Sociedade civil de Interesse Público, as OSCIP.
Através de um Termo de Parceria a organização não governamental estabelece um processo
de cooperação com o governo para realização de projetos específicos. Ao contrário das OS,
onde é reservado ao Estado a concessão da qualificação, a lei das OSCIP tornou sua
qualificação automática, já que é um ato vinculado ao cumprimento de exigências
específicas. Este dispositivo visava impedir o clientelismo e diminuir os custos
procedimentais.
346
Para obter a qualificação de OSCIP, a associação deve apresentar diversos documentos ao
Ministério da justiça que deferirá ou não o processo em trinta dias de acordo com o
interesse público.
Para ser uma OSCIP a organização não deve ter fins lucrativos e deve desenvolver atividades
de interesse social como a assistência social, a promoção da cultura, a defesa do patrimônio
histórico e artístico, a promoção gratuita da educação, a promoção da segurança alimentar,
o voluntariado, o combate à pobreza, à experimentação de modelos socioprodutivos e de
sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito, etc. Além disso o regime
de funcionamento deve incluir nos seus estatutos os preceitos da esfera pública que a torne
viável e transpartente com a devida responsabilização pelos atos praticados.
Assim como as OS as OSCIP podem receber verbas da União, através de destinações
específicas no orçamento geral da União. Diferente das OS, as OSCIP não exigem a
participação do poder público no conselho de administração. Além disso não existe a
possibilidade, ao contrário das OS, de cessão de servidores públicos para as OSCIP.
Atualmente há centenas de OSCIPs já qualificadas atuando em inúmeras áreas.
O contrato de gestão
O contrato de gestão é um instrumento utilizado pelo poder público e pelas entidades não
estatais, mas com funções públicas para prestação de serviços, como as OS e as Agências
Executivas. O contrato deve ser assinado entre a organização e um Ministério da
administração direta que funciona como órgão supervisor das metas, resultados e
desempenho previstos.
No contrato de gestão deve constar:
• Obrigação da organização especificada através de um programa de trabalho
contendo as metas a serem atingidas e os prazos de execução;
• Previsão expressa de critérios, objetivos de avaliação de desempenho a serem
utilizados, mediante indicadores de qualidade e produtividade;
• Limites e critérios para as despesas com remuneração e vantagens de qualquer
natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados das OS, no exercício das
suas funções;
347
Os resultados do contrato são aferidos periodicamente através de relatórios e comissões
conjuntas que publicam os resultados. Os órgãos de controle interno e externo também
auditam os resultados do Contrato.
As agências
Este formato institucional também precisa de uma qualificação por decreto do executivo,
criando uma autarquia especial para prestação de serviços exclusivos do Estado. Elas foram
uma das maiores inovações do plano de reforma do estado, foram inspiradas no modelo
britânico conhecido como “Next Steps”. Elas seriam autônomas, flexíveis e teriam as
condições institucionais para viabilizar a nova cultura gerencial proposta pelo Plano Diretor
da reforma do Estado. Deveriam ter contratos de gestão e um tipo de administração voltado
para obtenção de resultados.
Na gestão do Presidente Fernando Henrique, quando foram criadas, apenas o INMETRO foi
qualificado como agência executiva. No modelo original concebido pelo Plano Diretor as
agências executivas tem:
• Flexibilidade de gestão dos seus recursos humanos;
• Reordenamento de sua estrutura organizacional, respeitando os limites quantitativso
autorizados para cargos comissionados;
• Gestão orçamentária e financeira agregando os recursos em apenas um projetos
e/ou atividade, observando os demais grupos de despesa de pessoal e outros
custeios e capital.
Sua institucionalização legal ocorreu em 1997. Houve muita resistência da administração
direta em transformar parte de suas funções no novo modelo pelo temor da perda de
atribuições, cargos e poder.
Além destas agências outro modelo previsto no Plano Diretor foi as agências de fomento
como a ADENE, Agência de Desenvolvimento do Nordeste e a ADA, Agência de
Desenvolvimento da Amazônia, ambas só regulamentadas recentemente. Além disso há
outro tipo de agências, com a ABIN, agência de inteligência e a AEB, agência espacial que
imitam o modelo norte-americano.
348
Já as agências reguladoras tem outro papel. Cabe a elas regular os serviços públicos
concedidos ou permitidos. As primeiras a serem criadas a nível nacional foram a ANEEL, para
regular o sistema de energia elétrica, a ANATEL, para os serviços de comunicação e a ANP,
para o mercado do petróleo. Ao contrário as demais agências que sofrem com a não
regularidade de transferências financeiras, as agências reguladoras tem base independente
de arrecadação baseada em taxas pagas pelos serviços regulados.
Originalmente as características que nortearam a criação as agências se pautaram pela:
• Total autonomia e independência decisória do ente regulador, com o
estabelecimento de mandatos para seus dirigentes, nomeados pelo Presidente da
República, após aprovação do Senado federal;
• Autonomia administrativa para regular mediante a adoção de novos critérios e
formatos mais democráticos e menos intervencionistas e burocráticos. Imprimindo
agilidade processual e simplificação das relações mantidas pelos atores envolvidos,
agência, usuários e investidores;
• Participação dos usuários e investidores no processo de elaboração das regulações,
com a realização de audiências públicas;
• Imitação da intervenção do Estado ao limite indispensável à prestação de serviços.
O marco legal da função regulatória foi regulamentado recentemente pelo Congresso
Nacional está sendo debatido pelo Congresso desde 2004. Os grandes pontos polêmicos são
o tema da independência das agências, da fragilidade dos controles democráticos e das
dificuldades em sua gestão.
O modelo das agências foi criado para revitalizar a administração direta, modernizar a
prestação de serviços e evitar a monopolização de empresas concessionárias. Entretanto,
ainda persistem muitos pontos de conflito. A heterogeneidade e fragmentação do setor
público, com milhares de organizações, ainda impõe um pesado custo e ônus de
coordenação. O tema da autonomia e da independência das agências também não está
pacificado. Há um conflito latente entre o poder executivo e as agências reguladoras em
relação a uma série de funções de regulação, por exemplo, a política de tarifas e a política de
concessões.
Uma sínteses dos principais arranjos organizacionais recentes na administração pública
brasileira:
Agências Executivas
349
• Natureza jurídica de direito público
• Personalidade jurídica própria
• Sujeição aos princípios e regras da administração pública: licitação, concurso,
orçamento, controle interno e externo
• Qualificação: processo e requisitos
• Contrato de gestão - relação hierárquica x relação contratual
• Flexibilidades: Autonomia financeira, limites de licitação, contratação de
servidores, controles de resultado
• Receitas próprias e flexibilidade salarial
Organizações Sociais
• Entidades criadas por “indução” e sob controle do Estado
• Natureza jurídica de direito privado
• Personalidade jurídica própria, não integra a administração
• Sujeição parcial aos princípios da administração pública
• Administração privada do patrimônio público
• Redução do aparelho estatal: substituição de entes estatais
• Qualificação: processo e requisitos
• Contrato de gestão
• Flexibilidades: dotação global, licitações, contratação de pessoal (CLT), controles
“ex post” (de resultados)
• Desqualificação e sucessão, em caso de descumprimento do contrato ou gestão
irregular
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
• Orientação estratégica do PPA 2000/2003 : “o novo padrão de relacionamento
entre Estado e sociedade impõe a participação, a formação de parcerias e o senso
de responsabilidade social”
• Lei do 3º Setor: Lei Federal 9.790, de 23 de março de 1999
• Natureza jurídica de direito privado, reconhecida como de utilidade pública, não
integra a administração
• Atuação substitutiva ou complementar à Estatal
• Sustentadas por recursos públicos e receitas próprias
• Sujeição estatutária e parcial aos princípios da administração pública
350
• Prestação de Contas ao TCU
• Termo de Parceria, firmado entre a OSCIP e o Poder Público, precedido de
consulta aos conselhos de políticas públicas setoriais;
• Fiscalização e acompanhamento pelo Poder Público e Conselhos
• Flexibilidades: não sujeição ao regime jurídico administrativo
• Premissa: maior eficiência e agilidade na prestação de serviços.
OSCIPs – áreas de atuação
• promoção da assistência social;
• promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;
• promoção gratuita da educação;
• promoção gratuita da saúde, de forma complementar;
• promoção da segurança alimentar e nutricional;
• defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do
desenvolvimento sustentável;
• promoção do voluntariado;
• promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;
• experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas
alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;
• promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria
jurídica gratuita de interesse suplementar;
• promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e
de outros valores universais;
• promoção de estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas,
produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos nas
áreas de atuação.
Fundação Pública de Direito Privado
• Este é um novo formato proposto em 2007 pelo Executivo federal sobretudo
para o setor de saúde ainda tem muitos oponentes, especialmente das entidades
de trabalhadores que temem a precarização das relações de trabalho no regime
celetista.
351
• Requisito: Lei Complementar definido áreas de atuação das fundações,
permitindo a instituição de dois tipos de fundação: Fundação Pública de Direito
Público e Fundação Pública de Direito Privado
• Objetivo: permitir a utilização criteriosa de modelo jurídico-institucional
adequado para as entidades públicas responsáveis pela execução de atividades
em que o Estado não detém a exclusividade (áreas de saúde, educação, cultura,
proteção ao meio ambiente, assistência social, tecnologia etc.)
• Forma de propriedade pública – integra a Administração Pública Federal
• Regida pelo Direito Civil
• Sem fins lucrativos - Patrimônio próprio
• Autonomia administrativa, orçamentária e financeira
• Estrutura de governança participativa – Governo + Sociedade
• Regime de emprego celetista
• Sujeita ao controle do TCU e tutela do Ministério Público
• Firma Contrato de Gestão
Perguntas:
1. O processo de inovação na gestão publico passa pelo uso das novas tecnologias de
informação na área de gestão. Você poderia citar e comentar alguns exemplos desta
utilização que você conhece ?
2. No processo de modernização do Estado surge com muita força a importância da
gestão do conhecimento. Um dos pilares desta gestão é a transformação de
conhecimento tácito em conhecimento explícito. Que estratégias podem viabilizar
este processo ?
3. A participação dos cidadãos deixou de ser uma bandeira ideológica ou política para
tornar-se um dispositivo desejável e normal de gestão eficiente e eficaz. Você
concorda com esta afirmação ? Justifique a resposta.
Bibliografia:
352
Nogueira, M. A. (2004) Um Estado para a Sociedade Civil: temas éticos e políticos da
gestão democrática, Cortez, São Paulo.
O estado, atualmente, está em crise: tem desafetos à direita e à esquerda. marco aurélio,
porém, adverte contra os riscos de um "estado sem sociedade civil" e também contra os
riscos de uma "sociedade civil sem estado". nas condições em que nos encontramos,
arrastados num processo de mundialização que não corresponde às nossas aspirações,
temos, entretanto, a chance de aproveitar importantíssimos avanços técnico-científicos, de
promover uma desprovincianização.
Por tudo isso, mesmo em plena globalização neoliberal, Marco Aurélio Nogueira recusa a
sedução de uma perspectiva catastrofista ou apocalíptica e busca delinear um reformismo
democrático radical, para que possamos vir a ter acesso a formas de vida mais justas e mais
inteligentes.
Ricci, R. (2004) Contradições na Implementação das Ações de Participação, Revista Espaço
Acadêmico, n. 36
Neste artigo o sociólogo Rudá Ricci faz uma abordagem sobre a fragilidade dos processos de
participação no Brasil, com especial menção à nossa ambivalência em relação à cultura
democrática. O artigo sugere uma institucionalização maior dos valores participativos
através de uma rede de “escolas da cidadania” que pudessem funcionar como centros
irradiadores desta nova cultura.
Chiavenato, I. e Sapiro, A. (2003) Planejamento Estratégico, Elsevier, Rio De Janeiro
Nesta obra Chiavenato e Sapiro realiza um trabalho de pesquisa importante reunindo
diversas técnicas e ferramentas de planejamento voltadas especificamente para o setor
privado, mas que podem ser utilizadas com alguma adaptação ao setor público. Além da
revisão conceitual a obra tem um sentido de aplicação prática. Cabe especial menção a parte
III com importante contribuição para a formulação da estratégia como política de negócios,
modelos de cooperação e concorrência e desempenho organizacional. É uma leitura
353
complementar indispensável para manejar os instrumentos do planejamento estratégico
público.
CHIAVENATO, Idalberto. Administração Geral e Pública. Elsevier: Rio de Janeiro, 2006.
Este livro foi elaborado originalmente para auxiliar os estudantes de nível superior nos
concursos públicos relacionados às carreiras federais que são muito exigentes na área da
gestão pública. Na verdade o livro adquiriu uma densidade e abrangência impar na literatura
disponível. Inicia comentando as escolas clássicas da administração para em seguida entrar
nos assuntos típicos da gestão publica: processo administrativo, gestão de pessoas,
comportamento organizacional até as novas abordagens da recente reforma gerencial. É
indispensável para quem quiser se aprofundar no assunto.
Batista, Fábio. Governo que aprende: gestão do conhecimento em organizações do
executivo federal, Texto para discussão 1022, IPEA, Brasília, 2004
Neste trabalho o autor discute o conceito da Gestão do Conhecimento (GCO) e a sua
importância para a Administração Pública, além de identificar o estágio de implementação
da GCO em que se encontram seis organizações do executivo federal – Banco do Brasil,
Banco Central do Brasil, Caixa Econômica Federal, Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa), Serviço de Processamento de Dados (Serpro), e Petróleo Brasileiro
(Petrobras) –, com base no método da American Productivity and Quality Center (APQC):
“Road Map to Knowledge Management Results”. O estudo destaca algumas práticas de
sucesso, situa o tema GCO nas organizações públicas no campo de estudo da Gestão Pública
e defende a tese de que a finalidade da GCO em tais organizações deve ser vista de forma
mais ampla que em empresas do setor produtivo.
354
Aula 10
Experiências na gestão inovadora
1º CASO:
Sistema inovador de Gestão e Planejamento na esfera nacional
Vamos relatar o caso da criação e implantação do SIMEC, o Sistema de Planejamento,
Orçamento e Finanças do Ministério da Educação do Governo Federal. Esta experiência
conquistou o 1º lugar no Concurso de Inovação na Gestão Pública Federal, na sua 13ª
edição, realizada em 2008.
O SIMEC é um sistema baseado em software livre que integra os processos de planejamento,
gestão e orçamento do MEC e que está rapidamente se disseminando através da cessão do
sistema a outros órgãos federais e estaduais. Entre 2003 e 2007 o orçamento do MEC passou
de R$ 18,1 bilhões para R$ 28,7 bilhões, um aumento de 58,5%. Tal volume de recursos
impunha um sistema mais sofisticado de controle que nasceu como um sistema para
monitorar as ações do MEC no PPA federal, o que antes era feito através do SIGPLAN (ver
glossário). Em 2003 o Ministério iniciou a elaboração do sistema utilizando um sistema de
sinalização cromática para o status das ações e projetos e a construção dos planos de
trabalho como instrumentos de programação das atividades. Uma parceria como programa
PNUD da ONU e a agência ABC do Ministério de Realções Exteriores permitiu a primeira
plataforma do sistema em 2005.
Atualmente o sistema possui dez módulos que se integram com outros sistemas do governo
federal como o SIGPLAN, o SIDOR e o SIAFI. Entre os módulos encontram-se, como exemplo:
monitoramento e avaliação do PPA, programação orçamentária, elaboração e revisão do
PPA, orçamentário e financeiro, etc.
355
Em 2007 o MEC elaborou o PDE, Plano de Desenvolvimento da Educação, o que ensejou a
elaboração de uma 4ª versão do sistema. Foram criados o módulo de monitoramento do
PDE, o módulo de reestruturação e expansão das universidades federais e o Plano de Metas,
o módulo “Brasil Profissionalizado” e o módulo “Plano de Ações Articuladas” (PAR). Este
último módulo permite a captação do diagnóstico da situação educacional e a definição de
um Plano de Ações Articuladas de estados e municípios. O módulo permite subsidiar as
metas para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) das escolas e das redes
municipais e estaduais e tornou mais transparente a política de assistência técnica e apoio às
demais unidades da federação.
No atual estágio de implantação o sistema possui 20 mil usuários cadastrados, incluindo
governos de estados e municípios, as 175 unidades orçamentárias do MEC, a Presidência da
República e o Ministério do Planejamento. O sistema demandou o investimento de R$ 2,2
milhões considerando inclusive os recursos humanos envolvidos. A equipe responsável é
composta por 9 consultores de organismos multilaterais e 9 programadores terceirizados.
Os benefícios mais diretos do sistema são os ganhos de processamento interno de
informações e a melhor qualificação do processo de gestão estratégica do ministério.
Indiretamente o sistema qualifica o processo decisório na medida em que viabiliza acesso à
informações estruturadas, integrando ferramentas de planejamento, gestão e orçamento e
redefinindo o padrão de relacionamento entre as esferas de governo.
Tela inicial do SIMEC na web.
356
2º CASO:
Modernização da função de Planejamento na esfera sub-nacional
Vamos descrever o processo de modernização administrativa nas funções de gestão e
planejamento. O caso que será descrito é o processo acontecido nos últimos anos no Estado
de Minas Gerais. O Estado tem 583 mil Km2, 853 municípios e uma população de 18,6
milhões de pessoas, com um PIB de R$ 166 bilhões. É um dos três maiores estados
brasileiros.
O processo iniciou com medidas de reestruturação das funções e do organograma do
governo:
• O colegiado de gestão governamental foi criado;
• Criação das câmaras temáticas;
• As áreas de planejamento, gestão e finanças de cada órgão e entidade foram
integradas;
• A função de gerente executivo de projetos foi criada;
• Foi criado o comitê de governança eletrônica;
357
• Foi adotado o modelo das OSCIP como estratégia de parceria para promoção dos
serviços não exclusivos do Estado.
A iniciativa marcante e inovadora foi a integração entre o processo de orçamento e o
processo de planejamento. Medida que já havia sido tomada no governo federal com a
flexibilização das categorias orçamentárias da Lei 4.320/64 e com a definição metodológica
da categoria “Programa” como elo de ligação entre a peça orçamentária e o planejamento.
O Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (o PMDI), como é denominado o plano
plurianual naquele Estado foi elaborado com base numa matriz SWOT divulgada e debatida
em todo o Estado. Com base no plano foram definidos um conjunto de 30 projetos
estruturante que compuseram a “gestão estratégica dos recursos e ações do Estado”, a
GERAES.
No debate popular do plano foi acrescentado um 31º projeto estruturador denominado
“inclusão social das famílias vulnerabilizadas”. Fator importante também foi a negociação de
quotas orçamentárias para incidência das emendas dos deputados estaduais. Foi implantada
também a gestão publica voltada a resultados com a contratualização de metas de
desempenho pelos diversos órgãos com a Secretaria de Planejamento e Gestão. O acordo de
resultados previu maior autonomia das entidades pactuadas na definição do seu modelo de
gestão (processos, estruturas, pessoas e informação).
A experiência recente do governo de Minas Gerais aliou duas dimensões: o ajuste a
realidade e a inovação. As principais medidas de saneamento financeiro e organização da
máquina administrativa foram:
• regulamentação de registro de preços para ganhos em escala com compras comuns
aos diversos órgãos e entidades;
• obrigatoriedade do pregão para compras e contratações de bens e serviços comuns;
• instituição de cotação eletrônica de preços (para compras por dispensa – baixo
valor); o Integração com o Sistema Integrado de Administração Financeira - SIAFI –
com a adoção do empenho prévio automático;
• vedação de reconhecimento de dívida por via administrativa;
• Melhoria do Portal de Compras e diversas outras Leis, Decretos e Resoluções.
358
A inovação foi representada pelo novo Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado e pelo
Plano Plurianual de Ação Governamental – PPAG, ilustrados abaixo.
Síntese dos aspectos mais importantes da reforma gerencial:
• Reorganização da estrutura do governo: redução de 59 para 6 Secretarias de Estado,
extinção de três mil cargos e funções comissionadas. 15 secretarias, 2 Secretarias
Extraordinárias, 6 órgãos autônomos com status de Secretaria de Estado e
subordinação ao Governador, 18 Autarquias, 15 Fundações, 17 empresas públicas, 6
órgãos autônomos e 51 conselhos de políticas públicas. Foram criadas a Ouvidoria
Geral do Estado, a Advocacia Geral e a Auditoria Geral, reforçando os instrumentos de
controle e transparência; criação da Secretaria de Planejamento e Gestão, unificando a
função orçamentária com a de planejamento.
• Metodologias inovadoras no planejamento: baseado em câmaras temáticas e
colegiados que viabilizam a transversalidade necessária das políticas públicas foram
elaborados os planos (PMDI e PPAG) utilizando a técnica de cenários exploratórios e
prospectiva.
• Modernização da gestão de pessoas: avaliação de Desempenho Institucional (Acordo
de Resultados); adoção de novo modelo de parceria para a implementação de políticas
359
públicas (OSCIP); avaliação de Desempenho Individual; desenvolvimento e
Implementação de Políticas de Recursos Humanos, e formação, qualificação e
capacitação de Recursos humanos pela Escola de Governo (da Fundação João
Pinheiro); Redução do número de carreiras, implanação de remuneração variável e
intensificação da capacitação (curso de graduação permanente na Escola de Governo);
• Sistemas de avaliação de desempenho e acordos de resultado, conforme ilustrado a
seguir. As setas azuis representam os ganhos se os resultados são alcançados e as
vermelhas as perdas se as metas não forem atingidas. Foi implantado um sistema de
autonomias nas instituições conforme o desempenho, inclusive com censura pública
para reincidência de resultados insatisfatórios (3 em 5 avaliações).
360
• Foi criado uma premiação chamada “adicional de desempenho” distribuído em 40%
vinculado ao desempenho institucional, 50% ao desempenho individual e 10%
vinculado à formação acadêmica; O montante do prêmio era definido conforme a
economia de despesas correntes, posteriormente ampliado para o limite de 10%
das receitas diretas, vedadas as receitas decorrentes do poder fiscalizatório;
• Modelo matricial de gestão: cada linha horizontal corresponde a um programa ou
projeto com resultados contratualizados com os gerentes responsáveis e o
Governador do Estado. Acordos verticais com os órgãos também foram feitos com
a mediação e coordenação da área de planejamento (SEPLAG), conforme
demonstrado a seguir;
Relação das autonomias negociadas e vinculadas ao desempenho institucional:
Abertura de créditos suplementares em custeio e capital, mediante cancelamentos até o
limite de 10% (o previsto na LDO-LOA é 7% para o geral);
• Alteração do quantitativo e da distribuição de cargos comissionados e de funções
gratificadas, sem aumento de despesa;
• Aprovação ou readequação de estruturas ou estatuto do acordado;
361
• Reversão de no mínimo 50% da receita diretamente arrecadada que superar o
efetivamente realizado no exercício de 2003;
• Limites de dispensa de licitação em dobro;
• Modalida de licitação de consulta;
• Além de diversas outras flexibilidades em relação à gestão de recursos logísticos,
benefícios indiretos, estagiários, ...
Uma dos efeitos de médio prazo foi a redução da dependência de transferências da União e
o aumento da arrecadação própria do Estado, como demonstram os gráficos a seguir.
Uma síntese da experiência mineira pode ser visualizada a seguir, com os principais
componentes da estratégia adotada para o período 2003 / 2007:
362
3º CASO:
Aplicação do Balance Score Card na gestão municipal.
Aqui vamos descrever o caso da Prefeitura de Porto Alegre que vem aplicando nos últimos
anos um modelo de gestão inovador, baseado na preservação dos mecanismos de
participação popular do Orçamento Participativo implantado nos anos noventa com
ferramentas modernas de gestão como é caso do Balance Score Card.
Porto Alegre é capital mais meridional do Brasil, no Estado do Rio Grande do Sul, possui 1,4
milhão de habitantes, um IDH de 0,865, alto para os padrões brasileiros. O produto interno
bruto da cidade é de R$ 30,1 bilhões, com uma renda per capita de R$ 20 mil. A cidade é
predominantemente um centro de serviços com 37% dos estabelecimentos vinculados ao
comércio e 51 % a serviços diversos que detém 66% dos postos de trabalho.
Segundo a empresa de consultoria Symetics que apoiou a execução do projeto a Prefeitura
de Porto Alegre elaborou, com o apoio do Programa Gaúcho da Qualidade e Produtividade
(PGQP), um novo modelo de gestão, o que tornou Porto Alegre a primeira capital brasileira a
363
utilizar ferramentas como o Balanced Scorecard (BSC), que permite o acompanhamento
através de programas, utilizando indicadores e metas de desempenho a médio e longo
prazo.
A adoção da ferramenta BSC permitiu ainda a comunicação e a visualização da estratégia em
todos os níveis da organização. A gestão por programas estratégicos gera a integração entre
diferentes órgãos, a otimização de recursos e o trabalho conjunto para vencer desafios. A
direção do trabalho foi dada por objetivos estratégicos, indicadores e pela constante
perseguição de metas através dos 21 programas que integraram o Plano Plurianual 2006-
2009 e visavam a garantia de uma cidade ambientalmente responsável, empreendedora,
capaz de atender à população, sem deixar de lado a responsabilidade financeira e fiscal. A
governança propõe-se a estimular o capital social, envolvendo a comunidade em favor de
um projeto comum. Cabe ao governo identificar e respeitar as diferenças de cada território
que compõe a Capital.
Os programas de governo:
Os programas foram gerenciados por servidores, que são funcionários de carreira,
escolhidos por sua experiência e dedicação à administração do município. Dessa forma, as
ações e os programas não sofreram descontinuidade e as informações foram mantidas ao
364
longo do tempo. Com esse trabalho, a administração municipal buscou desenvolver ações
que aumentaram a qualidade de vida dos cidadãos, atendendo às demandas e prestando
serviços com qualidade. De forma geral, o modelo de gestão envolveu duas frentes de
trabalho, sendo uma estrutural e outra emergencial. A primeira inclui explicitar a alinhar a
visão de futuro, desenhar e implementar o modelo de gestão, desenvolver ferramentas de
acompanhamento e gestão (através do BSC e de um Portal na Internet), definir os principais
programas e implementar a gestão de programas. A segunda frente de trabalho implica em
aumentar a receita, reduzir despesas e aprimorar processos na saúde.
O modelo concebia uma visão sistêmica de governo, conforme diagrama a seguir.
As informações obtidas a partir do sitio da prefeitura (www.portoalegre.rs.gov.br), indicam
que o modelo de gestão combina, de forma integrada, a gestão da estratégia, a gestão de
processos e a gestão de conhecimento, o que permite o alinhamento de esforços para
alcance da visão de futuro, compartilhando a estratégia para todos os níveis da organização.
O Modelo adota como premissas o conceito de participação cidadã (Governança Solidária
365
Local), a estruturação da organização por eixos de atuação (Visão sistêmica), e a contínua
avaliação de resultados.
O modelo é gerenciado pelo Portal de Gestão e sustentado por diferentes ferramentas como
Mapa Estratégico (gestão da estratégia), Programas de Governo - PPA (execução da
estratégia) e Gestão de Processos. Os aspectos contemplados pelo Modelo de Gestão estão
colocados a seguir:
• Criação de Valor na relação Governo e Sociedade: O conceito de criação de valor
baseia-se na percepção dos benefícios gerados pela prefeitura frente ao principal
público-alvo: a Sociedade. A proposta é trabalhar para que os esforços maximizem a
satisfação dos usuários de serviços prestados pela Prefeitura. O papel da Prefeitura é
o de maximizar o potencial do capital social existente na sociedade, promovendo
condições para que seus ativos possam construir, de forma conjunta, o
desenvolvimento dos cidadãos. O principal conceito que sustenta este esforço é a
Governança Solidária Local.
• Governança Solidária Local: É uma rede intersetorial e multidisciplinar que se
organiza territorialmente para promover espaços de convivência capazes de
potencializar a cultura da solidariedade e cooperação entre governo e sociedade
local.
• Gestão da Estratégia: Para atender aos desafios colocados, a prefeitura se organiza a
partir da Visão Sistêmica, que divide a atuação das secretarias e órgãos em eixos de
atuação e propõe a criação de estruturas coletivas para discussão das estratégias nos
respectivos eixos. Para explicitar a estratégia, avaliar o desempenho da organização
em relação aos respectivos eixos e estabelecer os níveis desejados de desempenho a
Prefeitura utiliza o Mapa Estratégico.
A Prefeitura assumiu o objetivo de implantar um Modelo de Gestão que garantisse a
integração e unidade do governo, na busca da qualidade na execução e monitoramento dos
programas, no alcance das diretrizes estratégicas definidas e nos compromissos de
366
campanha assumidos. Para tanto, foi desenvolvida uma estrutura organizacional que
sustentasse a gestão da estratégia visando o estabelecimento de um padrão gerencial que
organiza e racionaliza o funcionamento da instituição.
Um dos alicerces desta estrutura para a gestão da estratégia esteve na organização coletiva
e descentralizada do trabalho. Daí a importância da implantação de estruturas coletivas de
gestão permitindo que as áreas atuem de forma integrada, racionalizando o orçamento
público, evitando retrabalho e duplicidade de atividades e potencializando o resultado das
políticas públicas.
A estratégia pode ser entendida como a descrição daquilo que a organização pretende
atingir no longo prazo e pode ser expressa na forma de objetivos estratégicos integrados. A
estratégia da Prefeitura partiu de uma visão de futuro definida - onde queremos chegar - e
das diretrizes estratégicas - como a prefeitura quer chegar - e "traduziu" essas diretrizes e
visão em objetivos estratégicos. Esses objetivos foram comunicados a todos para que
possam direcionar seus esforços para o mesmo foco.
A seguir o Mapa Estratégico que traduz a aplicação da metodolgia BSC:
367
• Gestão de Processos: Alguns Programas de Governo utilizam a gestão de processos
como ferramenta de melhoria contínua. A implementação desta ferramenta
compreende o Gerenciamento Matricial de Despesas e de Receita, utilizado para o
planejamento e acompanhamento do orçamento anual, e na área da Saúde visa a
melhoria dos processos a fim de qualificar o atendimento à população.
• Gestão de Conhecimento: O modelo de gestão está baseado na gestão do
conhecimento com ênfase na gestão da mudança, focada na capacitação e na
comunicação. Este processo é fundamental, pois dissemina o conhecimento para
todos os níveis da organização, estimula a participação no planejamento e execução
de ações governamentais, promovendo a efetividade e a continuidade das políticas
públicas.
368
O diagrama a seguir ilustra as relações entre a governança, os objetivos e os processos
estabelecidos.
A ferramenta de um portal na web foi fundamental para coordenar, comunicar e dar
transparência aos procedimentos de monitoramento e controle dos programas:
A experiência de Porto Alegre com o BSC além de inédita trouxe lições importantes para a
gestão inovadora. Podemos por exemplo considerar as dimensões que o próprio BSC sugere
para uma organização orientada para a estratégia: (1) traduzir a estratégia em termos
369
operacionais, (2) alinhar a organização para criar sinergia, (3) transformar a estratégia em
tarefa de todos, (3) transformar a estratégia em processo contínuo e (4) mobilizar a
mudança por meio da liderança executiva. O primeiro aspecto foi confirmado pela
experiência, o programa de governo foi base para a montagem do Mapa Estratégico, ainda
que os indicadores estratégicos não tenham sido formulados, o que é foi uma lacuna
importante. O alinhamento da organização apresentou problemas decorrentes das tensões
entre a estrutura verticalizada da burocracia tradicional e a lógica transversal do modelo.
O modelo enfrentou problemas de disseminação dado o linguajar técnico e as dificuldades
de capacitação para os 17 mil servidores. Um ponto positivo foi o reconhecimento de
desempenho dos gerentes, a remuneração variável não foi implantada, mas houve
premiação na forma de cursos no exterior. Outros pontos vulneráveis da experiência foram a
pouca integração entre estratégia e orçamento, a complexidade do processo decisório
interno e a não contratualização de resultados.
Bibliografia
Planejamento estratégico e gestão pública por resultados no processo de reforma
administrativa do estado de Minas Gerais Izabela Moreira Corrêa RAP Rio de Janeiro
41(3):487-504, Maio/Jun. 2007
Reformar uma organização já é, administrativamente, uma tarefa árdua. Reformar uma
organização como o Estado pode ser ainda mais complicado. Essa tarefa pode tornar-se
menos complexa quando o governo é capaz de estabelecer estratégias claras de intervenção
no modelo de administração pública e negociação com o Legislativo. Neste artigo o autor
desenvolve o argumento de que o processo de reforma do Estado em Minas Gerais foi
viabilizado pelo desenvolvimento do planejamento estratégico e facilitado pela política de
gestão pública por resultados — acordo de resultados — que garantiu o alinhamento
estratégico dos órgãos, entidades e servidores às metas do governo.
370
O governo matricial em Minas Gerais: implantando o choque de gestão. Luiz Arnaldo
Pereira da Cunha Junior, IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y
de la Administración Pública, Madrid, Espanha, 2 - 5 Nov. 2004 .
Neste artigo o autor analise as mudanças de gestão ocorridas no Governo de Minas Gerais
no último período, conhecidas como “choque de gestão” e aponta perspectivas de
continuidade futura das melhorias e avanços alcançados.
Limites e desafios do uso do BSC em organizações públicas: o caso da Prefeitura de Porto
Alegre, Priscilla Perdicaris, Aurelio Formoso Junior e José Marcelo Maia Nogueira II
Congresso Consad de Gestão Pública – Painel 13, Brasilia, 2009.