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Curso de Direito Tribunal do Júri O Quesito: “O Jurado absolve o acusado?” Jury Court The Question: “The Jury acquits the accused?” Guilherme Vasconcelos Muniz 1 , Fernanda Passos Jovanelli de Oliveira 2 1 Aluno do Curso de Direito 2 Professora do Curso de Direito RESUMO O presente trabalho trata sobre o Tribunal do Júri, dando ênfase ao quesito “o jurado absolve o acusado?”, introduzido pela Lei 11.689/2008, quesito este que se trata de nova oportunidade para absolvição do réu, independentemente de qualquer vinculação das teses das partes. Para melhor compreende o trabalho é dada uma noção sobre como o júri surgiu no mundo, no Brasil e como evoluiu na Constituição Federal, também é dada a sua forma de organização e então falarmos no tocante aos quesitos com todas as suas peculiaridades, objetivando mostrar o quesito “o jurado absolve o acusado?”. O artigo foi feito com base na pesquisa de diversos autores e utilização jurisprudencial. Por fim, conclui-se como é interpretado atualmente o quesito “o jurado absolve o acusado?”, indagando a questão: Constitui nulidade no processo, a decisão não vinculada à tese das partes configurando “decisão” contrária as provas dos autos podendo o júri ser anulado?. Entendendo alguns que o júri não pode ser anulado, pela sua característica de ser soberano e julgar pela íntima convicção, em contraponto da outra interpretação, entendendo outros que o júri deve ser anulado. Palavras-chave: Tribunal do Júri. Quesito. Lei 11.689/2008. Réu. Constituição Federal. Nulidade.Tese das partes.Decisão.Provas.Soberano. ABSTRACT This paper deals with a jury, emphasizing the question "juror absolve the accused?", Introduced by Law 11.689 / 2008, this item it is new opportunity for acquittal of the accused, regardless of any linkage of the thesis parts. To better understand the work is given a sense of how the jury came into the world, in Brazil and how it evolved in the Constitution, is also given to their organization and then talk to regarding questions, with all its peculiarities, aiming to show question "the jury acquits the accused?". The article was based on research from various authors and jurisprudential use. Finally, it appears as it is currently interpreted the question "the jury acquits the accused?", Asking the question: It is nullity in the process, the decision is not linked to the thesis of the parties setting "decision" contrary evidence from the documents the jury may be canceled ?. Understanding some of the jury can not be canceled, due to its characteristic of being sovereign and judging by inner conviction, in counterpoint to another interpretation, understanding others that the jury should be set aside. Keywords: Jury Trial. Question.Law 11.689/2008.Defendant.Federal Constitution.

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Curso de Direito

Tribunal do Júri O Quesito: “O Jurado absolve o acusado?”

Jury Court The Question: “The Jury acquits the accused?” Guilherme Vasconcelos Muniz1, Fernanda Passos Jovanelli de Oliveira2 1 Aluno do Curso de Direito 2 Professora do Curso de Direito

RESUMO

O presente trabalho trata sobre o Tribunal do Júri, dando ênfase ao quesito “o jurado absolve o

acusado?”, introduzido pela Lei 11.689/2008, quesito este que se trata de nova oportunidade

para absolvição do réu, independentemente de qualquer vinculação das teses das partes. Para

melhor compreende o trabalho é dada uma noção sobre como o júri surgiu no mundo, no Brasil

e como evoluiu na Constituição Federal, também é dada a sua forma de organização e então

falarmos no tocante aos quesitos com todas as suas peculiaridades, objetivando mostrar o

quesito “o jurado absolve o acusado?”. O artigo foi feito com base na pesquisa de diversos

autores e utilização jurisprudencial. Por fim, conclui-se como é interpretado atualmente o

quesito “o jurado absolve o acusado?”, indagando a questão: Constitui nulidade no processo, a

decisão não vinculada à tese das partes configurando “decisão” contrária as provas dos autos

podendo o júri ser anulado?. Entendendo alguns que o júri não pode ser anulado, pela sua

característica de ser soberano e julgar pela íntima convicção, em contraponto da outra

interpretação, entendendo outros que o júri deve ser anulado.

Palavras-chave: Tribunal do Júri. Quesito. Lei 11.689/2008. Réu. Constituição Federal. Nulidade.Tese das partes.Decisão.Provas.Soberano. ABSTRACT This paper deals with a jury, emphasizing the question "juror absolve the accused?", Introduced by Law 11.689 / 2008, this item it is new opportunity for acquittal of the accused, regardless of any linkage of the thesis parts. To better understand the work is given a sense of how the jury came into the world, in Brazil and how it evolved in the Constitution, is also given to their organization and then talk to regarding questions, with all its peculiarities, aiming to show question "the jury acquits the accused?". The article was based on research from various authors and jurisprudential use. Finally, it appears as it is currently interpreted the question "the jury acquits the accused?", Asking the question: It is nullity in the process, the decision is not linked to the thesis of the parties setting "decision" contrary evidence from the documents the jury may be canceled ?. Understanding some of the jury can not be canceled, due to its characteristic of being sovereign and judging by inner conviction, in counterpoint to another interpretation, understanding others that the jury should be set aside. Keywords: Jury Trial. Question.Law 11.689/2008.Defendant.Federal Constitution.

INTRODUÇÃO O tribunal do júri é um instituto com competência para o julgamento dos crimes dolosos contra à vida, consumados ou tentados. Tem sua previsão legal prevista na Constituição Federal de 88 em seu art. 5º, XXXVIII, e no Código de Processo Penal descrito no art. 74, §1º. Dentro deste, há vários procedimentos que venham a viabilizar o objetivo da sentença final. O presente artigo abordará o instituto do tribunal do júri de forma histórica, a organização do júri de forma superficial, e também à parte no tocante ao questionário, com enfoque principal no tocante ao novo quesito, advindo da reforma do Código de Processo Penal, quesito que diz: “o jurado absolve o acusado?”. Trata o quesito de nova oportunidade para a absolvição do réu, independentemente de qualquer vinculação das teses das partes. O objetivo desse artigo é mostrar a importância do tribunal do júri, analisando suas origens, a organização do júri e os questionários de acordo com a nova reforma do Código de Processo Penal, em especial, na parte tocante a formulação dos quesitos, se “o jurado absolve o acusado?”.

E por final chegando ao ponto chave e questionamento do seguinte artigo, verificando se a decisão não vinculada à tese das partes configura “decisão” contrária aos autos podendo o júri ser anulado. O artigo está dividido em três capítulos. O primeiro capítulo discorre sobre as origens históricas do tribunal do júri, mostrando o longo caminho de evolução percorrido para chegar ao Brasil. Diante disso, passaremos para sua inserção na Constituição Federal. Indo além, mostraremos alguns de seus princípios norteadores, destacando por último, a soberania dos veredictos. No segundo capítulo, falaremos sobre a organização do tribunal do júri, conforme as mudanças recentes do Código, fazendo um comparativo entre a legislação anteriormente dada e a nova, analisando-o de forma superficial no intuito apenas de ilustrar a importância que estes trazem para o funcionamento do instituto. Adiante, no terceiro capítulo, entrando no ponto chave do artigo, falaremos sobre os questionários, destacando as mudanças da reforma. Para por fim, entrar no assunto destaque deste trabalho, tratando sobre o quesito se “o jurado absolve o acusado?”. Metodologia de Pesquisa As metodologias utilizadas no presente artigo, foram: a) pesquisa bibliográfica; b) pesquisa de opinião; c) estudo de caso; e d) pesquisa documental.

1. ORIGEM DO TRIBUNAL DO JÚRI

O júri popular com participação nos julgamentos criminais tem sido destacada como a melhor das formas de estruturação da justiça penal. No começo, questões de ordem política serviam de base aos argumentos de seus defensores. Para depois, por motivos relacionados ao sentimento da sociedade, fantasiados com a indumentária da política criminal, foram desenvolvidos e expostos para justificar o julgamento popular.

A instituição do Tribunal do Júri, conforme suas características conceituais e estruturais altamente polêmicas, viu-se contestando o seu funcionamento através dos séculos, remanescendo a discussão até os dias atuais. Seus incontáveis e fiéis defensores, em contraposição com um sem-número de opositores, relevam o significado de salutar batalha jurídico-política sobre o aperfeiçoamento da causa democrática. (TUBENCHLAK, José Frederico. A instituição do Júri. Campinas: Bookseller, 1997.p. 19.)

Na visão moderna, a sua origem, encontra-se na Magna Carta, da Inglaterra, de 1215. Entretanto, a expansão do Tribunal Popular pelo mundo ocidental teve início, perdurando até hoje, em 1215, nas palavras de Guilherme de Souza Nucci,

“ninguém poderá ser detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e liberdades, senão em virtude de julgamento de seus pares, segundo as leis do país”. (Manual de Processo Penal e Execução Penal, p. 687).

Após a Revolução Francesa, de 1789, Tendo por finalidade o combate ao método aplicado pelos magistrados do regime monárquico, estabeleceu-se o júri na França, daí propagando-se, como ideal de liberdade e democracia, para os demais países da Europa. Lembramos que o Poder Judiciário não era independente, motivo pelo qual o julgamento do júri impunha-se como justo e imparcial, porque produzido pelo povo, sem a participação de magistrados corruptos e vinculados aos interesses do soberano. (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.687.)

Partindo daí, de uma premissa que já garantia aos jurados à sua soberania. 2. TRIBUNAL DO JÚRI NO BRASIL

A iniciativa da criação do Tribunal do Júri em nosso país, coube ao Senado da Câmara do Rio de Janeiro, dirigindo-se, em 4.2.1822, ao Príncipe Regente D. Pedro, para sugerir-lhe a criação de um “juízo de jurados”. A sugestão, atendida em 18 de junho, por legislação que criou os “Juízes de Fato”, tinha a competência restrita aos delitos de imprensa. Era inicialmente

um tribunal composto por 24 cidadãos “bons, honrados, inteligentes e patriotas”, prontos a julgar os delitos de abuso da liberdade de imprensa, sendo suas decisões passíveis de revisão somente pelo regente. (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.687.)

Promulgada a Constituição Política do Império, em 25.3.1824, veio o Tribunal do Júri a ser novamente consagrado, na parte relativa do Poder Judiciário (arts. 151 e 152), ganhando competência para todas as infrações penais e ainda para fatos civis. Posteriormente, a Lei de 20.9.1830 organizou o júri de forma mais específica, prevendo o “Júri de Acusação” e o “Júri de Julgação”.(TUBENCHLAK, James. Tribunal do Júri: contradições e soluções. São Paulo: Saraiva, 1997. pp. 5-6.)

O Código de Processo Criminal do Império, nascido em 1832 pelas mãos do Senador Alves Branco, estabeleceu em vinte e três Jurados o número do “Júri de Acusação” e em doze, o do “Júri de Sentença”.

De 6 em 6 meses, o Jury de accusação se reunia, na sede da comarca, sob a presidência do Juiz de Direito, para acolher, ou não, as decisões de pronúncia proferidas nos distritos e termos. Se esse grande Júri “encontrasse matéria para acusação”, era o réu levado a julgamento pelo pequeno Júri, ou Jury de Sentença, constituído de 12 jurados. (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 674.)

Em 3.12.1841, com a promulgação da lei n. 261, seguida pelo Regulamento n. 120, de 31.1.1842, modificou-se bastante a instituição do Júri, sendo extinto, entre outras providências, o “Júri de Acusação”. Seus caracteres intrínsecos, todavia, mantiveram-se inalterados. (TUBENCHLAK, James. Tribunal do Júri: contradições e soluções. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 6.)

Com a proclamação da República, manteve-se o júri no Brasil, sendo criado, ainda, o júri federal, através do decreto 848, de 1890. Sob influência da Constituição americana, por ocasião da inclusão do júri na Constituição Republicana, transferiu-se a instituição para o contexto dos direitos e garantias individuais (art. 72, § 31, da Seção II, do Título IV). (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.688.)

A Constituição Federal outorgada em junho 1934, pelo estado novo, tendo como presidente na época Getúlio Vargas, acarretou um grande retrocesso para o tribunal do júri deixando o Art. 72 da Constituição, de forma bastante vaga a sua instituição. Já com um grande atraso, ainda foi tirado do júri a soberania dos veredictos, essência da instituição, com o decreto-lei nº 167 de 38.

A Constituição de 1946 ressuscitou o Tribunal Popular no seu texto, reinserindo-o no capítulo dos direitos e garantias individuais, como se fosse uma autêntica bandeira na luta contra o autoritarismo, embora as razões

tenham sido outras, segundo narra Victor Nunes Leal, ou seja, por conta do poder de pressão do coronelismo, interessado e, garantir a subsistência de um órgão judiciário que pudesse absolver seus capangas (Coronelismo, enxada e

voto, p. 231-236). Não se estudou com a merecida atenção a permanência ou a extinção do júri no Brasil, mas buscou-se somente reerguer as bases das Constituições anteriores (1890 e 1934), como ensina Marcelo Caetano (Direito

Constitucional, v.1). (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.688.)

A Constituição de 1967 manteve a instituição no capítulo dos direitos e garantias individuais (art. 150, §18), fazendo o mesmo a Emenda Constitucional de 1969 (art. 153, §18).

Em 1988, visualizando-se o retorno da democracia no cenário brasileiro, novamente previu-se o júri no capítulo dos direitos e garantias individuais, trazendo de volta os princípios da Carta de 1946: soberania dos veredictos, sigilo das votações e plenitude de defesa. A competência tornou-se mínima para os crimes dolosos contra a vida. (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.688.) 2.2. O Júri na Constituição Federal de 88

Nos termos da Constituição Federal, “é Reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida” (art. 5º, XXXVIII).

A defesa ampla assegurada ao réu no processo do tribunal do júri, tem amparo constitucional, que se denomina “a plenitude de defesa”, ou seja, o réu pode utilizar de todos os meios inerentes para se defender em um processo, com observação quanto a algumas restrições. É através do contraditório e da ampla defesa que se terá um autentico devido processo legal (art. 5º, LIV, CF).

Outro princípio constitucional que rege o tribunal do júri é o sigilo das votações, em que depois de terminados os procedimentos passando-se a leitura dos quesitos os jurados possam proferir seu voto de modo seguro e com imparcialidade, livre de interferências, podendo se dar de duas formas conforme o Código de Processo Penal, “o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial a fim de ser procedida a votação” (art. 485, caput, CPP) ou “na falta de sala especial, o juiz presidente determinará que o público se retire, permanecendo somente as pessoas mencionadas no caput deste artigo” (art. 485, §1º, CPP). Resumidamente o julgamento pelos jurados se dará em plenário, esvaziado, ou em sala especial, longe das vistas do público.

A soberania dos veredictos é o princípio constitucional do tribunal do júri

de maior importância, visto que proferido o veredicto popular, sua decisão não poderá ser contestada quanto ao seu mérito, por nenhum tribunal togado, respeitado o princípio do duplo grau de jurisdição, no caso sendo interposto apelação ou uma revisão, remetendo-o a um novo julgamento pelo tribunal popular e formando um novo conselho de sentença.

Quanto à competência, a Constituição assegurou ao júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, entendendo-se como tais os do capítulo próprio do Código Penal, quais sejam o homicídio, o infanticídio, o auxílio ou instigação ao suicídio e o aborto.

É comum dizer-se que os jurados julgam o fato e o juiz-presidente aplica a lei segundo o que foi decidido. Essa afirmação, porém, não é correta, porque os jurados também decidem sobre conceitos normativos, como por exemplo quando afirmam, na legítima defesa, que a agressão “é injusta”. Manifestamente, o conceito de agressão injusta é dado pela ordem jurídica, devendo os jurados decidirem sobre a existência do crime e autoria, e o juiz-presidente aplica a pena ou medida de segurança ou proclama a absolvição. (GRECO FILHO, Vicente, Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1999. pp. 413-414.)

Guilherme de Souza Nucci entende ser o Tribunal do Júri uma garantia individual, nas seguintes palavras:

Entendemos, também, ser o Tribunal do Júri, primordialmente, uma garantia individual. Mas, pergunta-se: garantia a quê? Muitos têm sustentado, a nosso ver equivocadamente, ser uma garantia ao direito de liberdade. Fosse assim e teríamos que admitir ser o júri um escudo protetor do criminoso, que atenta contra a vida humana, o que não poderia ser admissível. Além disso, é preciso destacar ser o direito à vida igualmente protegido na Constituição – tanto quanto o direito à liberdade -, de forma que o júri não poderia proteger um, em prejuízo do outro. Á vida da vítima foi eliminado pelo réu e o Tribunal Popular não tem por fim proteger ou garantir que fique o acusado em liberdade.(NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. pp. 689.)

Trata-se de uma garantia ao devido processo legal, este sim, uma garantia ao direito de liberdade. Assim, temos a instituição do júri, no Brasil, para constituir o meio adequado de, em sendo o caso, retirar a liberdade do homicida. Nada impede a existência de garantia da garantia, o que é perfeitamente admissível, bastando ver, a título de exemplo, que o contraditório é também garantia do devido processo legal. Insista-se: não é garantia direta da liberdade do indivíduo acusado de crime doloso contra a vida, mas sim do devido processo legal. Logo, se o júri condenar ou absolver está cumprindo, igualmente, sua função. E mesmo assim, cuida-se de garantia formal, mas não

material. O não é considerado nos documentos internacionais de direitos humanos um direito autenticamente fundamental, como se fizesse parte dos chamados direitos supraestatais, na expressão de Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1946, p. 9.) (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. pp. 689.)

Por outro lado, não deixamos de visualizar no júri, em segundo plano, mas não menos importante, um direito individual, consistente na possibilidade que o cidadão de bem possui de participar, diretamente, dos julgamentos do Poder Judiciário. Em síntese: o júri é uma garantia individual, precipuamente, mas também um direito individual. Constitui cláusula pétrea na Constituição Federal (cf. art. 60, § 4º, IV). (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. pp. 689.)

Inserido no texto constitucional entre às clausulas pétreas, ao júri é assegurado com efetividade, como um direito humano fundamental, não podendo o legislador alterar a sua literatura jurídica, por ter uma característica de imutabilidade.

2.3. Soberania dos Veredictos

A expressão soberania é algo que esta intimamente ligada ao poder, a soberania dos veredictos confere à decisão proferida pelo conselho de sentença um caráter de imodificável, não podendo ser mudada pelo tribunal togado. Esse princípio é condição absolutamente necessária para a existência e o bom funcionamento do júri em sua integralidade.

O veredicto é composto de respostas monossilábicas que afirmam ou negam os quesitos que são formulados. Dizia, por isso, o jurista Paulo de Lacerda, que “na razõespelas quais o Júri responde aos quesitos consiste da sua consciência”(Nota in COSTA CRUZ, Curso elementar de prática do processo criminal, revisto pelo Dr. PAULO M. de LACERDA, 1930, P. 198). (MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Campinas: Bookseller, 1997. PP. 74-75.)

“Soberania dos veredictos” é uma expressão técnico-jurídica que deve ser definido segundo a ciência dogmática do processo penal, e não de acordo com uma exegese de lastro filológico, alimentada em esclarecimentos vagos de dicionários. (MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Campinas: Bookseller, 1997. PP. 79.)

A expressão “soberania” foi empregada no sentido de que nenhum Órgão Jurisdicional pode sobrepor-se às decisões do Júri para exercer, simultaneamente, o judicium rescindens e o judicium rescissorium, ou, como diz Frederico Marques,

“a expressão traduz a impossibilidade de uma decisão calcada em veredicto dos jurados ser substituída por outra sentença sem esta base”(cf. A instituição do júri, São Paulo, Saraiva, 1963, p. 40).

Daí porque o § 3º do art. 593 do CPP permite que a instância superior, ante uma decisão manifestamente contrária às provas dos autos, determine se proceda a novo julgamento. Há quem entenda que das decisões do Júri não se pode recorrer, posto que soberanas. (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 676.)

O fato é que apenas respeita o princípio do duplo grau de jurisdição, podendo a decisão ser revista por uma instância superior, devido a essa justificativa muitos atribuem também ao júri ser ele relativamente soberano.

Baseado no § 3º do art. 593 do CPP, talvez seja esta a razão de os nossos Tribunais, nomeadamente o STF, desde a vigência da Lei n. 263/48, e o STJ, de 1988 para cá, jamais terem proclamado a inconstitucionalidade da letra d do inc. III do art. 593 do CPP.

De forma diferente, entende Fernando da Costa Tourinho Filho dizendo que:

(...) dever-se-á revogar a alínea d inc. III do art. 593 do CPP. Se o réu for absolvido, não poderá a Acusação apelar alegando que a decisão foi manifestamente contrária à prova dos autos. A decisão é soberana. Da mesma forma se condenado for. Neste último caso, entretanto, não haverá prejuízo para o réu. Tão logo transite em julgado a decisão condenatória, poderá ele ingressar no juízo revisional, que lhe devolverá a liberdade. Poder-se-ia, também, reservar a apelação, nesse caso, exclusivamente à defesa, em face da posição topográfica do Júri. (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 676.)

Os veredictos são soberanos, porque são os veredictos que emanam a palavra final, se é procedente ou não a pretensão punitiva. Aos tribunais superiores, o objeto do juízo, na sua competência funcional, se restringe à apreciação sobre a regularidade do veredicto, sem o substituir, mas pronunciando ou não pronunciando o sententia rescindenda sit. No tocante à decisão do juiz togado, a competência funcional será de grau, podendo assim a jurisdição superior retificá-la (art. 593, § 1º.) (MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Campinas: Bookseller, 1997. P. 80.) O Tribunal, portanto, não decide sobre a pretensão punitiva, mas apenas sobre a regularidade do veredicto. A soberania dos veredictos dos jurados, afirmada pela Carta Política, não exclui a recorribilidade de suas decisões, sendo assegurada com a devolução dos autos ao Tribunal do Júri para que profira novo julgamento, se

cassada a decisão recorrida pelo principio do duplo grau de jurisdição. Também não fere o referido princípio a possibilidade da revisão criminal do julgado do júri, a comutação de penas etc. Ainda que se altere a decisão sobre o mérito da causa, é admissível que se o faça em favor do condenado, mesmo porque a soberania dos veredictos é uma “garantia constitucional individual” e a reforma ou alteração da decisão em benefício do condenado não lhe lesa qualquer direito, ao contrário, o beneficia. (MIRABETE, Julio Fabbrini, Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2006. p. 496.) 3. ORGANIZAÇÃO DO JÚRI 3.1. Partes em plenário

Na funcionalidade do júri atuam como partes em plenário o Ministério Público, assistente de acusação, acusado, defesa e juiz presidente.

3.1.1. Ministério Público

O Ministério Público é um órgão essencial do tribunal do júri,

considerando que júri é competente para julgar os crimes dolosos contra à vida, envolvendo assim, em regra, crimes de ação pública incondicionada, cujo titular para a propositura da ação penal é o Ministério Público.

O Ministério Público é tido como órgão acusador, atuando no polo ativo. Apesar de possuir essa qualidade, deve ser imparcial, de modo que não defenda interesses próprios, mas sim os interesses da Sociedade. Deve também velar pela justiça, de tal forma que se entender pela absolvição ou aplicação de reduções de penas, ao caso, deve fazê-lo de maneira fundamentada a sua posição.

A sua intenção não é prejudicar o acusado, sua intenção é agir, aplicando a justiça no caso concreto. Poderá pedir a condenação do réu a uma pena elevada, fazendo sempre de maneira fundamentada a sua posição, para que o conselho de sentença tenha dados suficientes e claros para julgar o réu, podendo depois expressar sua opinião. No julgamento em plenário, não deve expor o réu a situações vexatórias e nem atacar demasiadamente a defesa, assim como, deve tratar todos em plenário com urbanidade.

3.1.2. Assistente de acusação

É a posição ocupada pelo ofendido, quando ingressa na ação penal promovida pelo Ministério Público. Atua no polo ativo, em autêntico litisconsórcio, ainda que seja considerado como parte secundária na relação

processual. (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.145.)

O assistente dispõe de algumas faculdades, quando atua nessa qualidade, de acordo com o art. 271 do Código de Processo Penal:

Art. 271: Ao assistente será permitido propor meios de prova, requerer perguntas às testemunhas, aditar o libelo e os articulados, participar do debate oral e arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público, ou por ele próprio, nos casos dos artigos 584, §1º, e 598.

O assistente deveria dispor de mais faculdades, como bem explicita Guilherme de Souza Nucci neste sentido

“deva-se ampliá-la, como por exemplo, ter o assistente de acusação o direito autônomo de arrolar testemunhas que desejasse ouvir- e não somente fazer reperguntas às existentes”. (Tribunal do Júri, p. 145.)

O assistente não precisa atuar com imparcialidade. A ausência no plenário não configura nulidade, vez que não é o titular da ação penal. E a sua admissão, para configurar junto ao plenário, tem que ser requerida até cinco dias antes da data da sessão no qual pretende atuar (art.430, CPP).

3.1.3. Acusado

O acusado é uma das partes tribunal do júri e atua no polo passivo da relação processual. Sua defesa pode ser feita através de defensor constituído ou dativo, que faz a sua defesa técnica em juízo ou ainda pode fazer a sua autodefesa, consistente na sua defesa através de interrogatório feito em plenário, devendo ter o juiz presidente o dever de cuidado, com os atos relativos a sua autodefesa, visando assegurar ao acusado a garantia constitucional à plenitude de defesa.

O art. 5, XXXVIII, alínea “a”, assegura ao réu a plenitude de defesa, sendo válido produzir todos os meios de provas admissíveis no processo, podendo sereservar ao direito de ficar em silêncio, ter direito ao interrogatório em plenário, fornecendo esclarecimentos sobre os fatos, entre outros atos de fundamental importância à sua defesa.

3.1.4. Defesa

Antes de falar sobre a defesa, deve-se fazer uma leve ponderação entre a

ampla defesa e a plenitude de defesa assegurada na Constituição. Existe uma grande diferença entre “ampla defesa” e “plenitude de defesa”,

sendo a última muito mais ampla e complexa.

A plenitude de defesa é admitida no Tribunal do Júri, pois é usada para conscientizar os jurados. Os juízes leigos não decidem por livre convicção, e, sim, por íntima convicção, sem fundamentar de forma secreta e respondendo somente perante a consciência de cada um. É por causa disso que existe, só no júri, plenitude de defesa, pois o defensor poderá usar de todos os argumentos lícitos para convencer os jurados.

Existe uma diferença considerável entre “plenitude de defesa” e “ampla defesa”, a plenitude de defesa como já foi exposto é quando a defesa usa todos os meios possíveis no tribunal para convencer os jurados, inclusive argumentos não jurídicos, como argumentos políticos, sociológicos, morais, religiosos e etc, já na ampla defesa entende-se pela defesa técnica, relativa aos aspectos jurídicos, sendo: o direito de trazer ao processo todos os elementos necessários a esclarecer a verdade, o direito de omitir-se, calar-se, produzir provas, recorrer de decisões, contraditar testemunhas, conhecer de todos atos e documentos do processo etc.

A defesa do réu pode ser feita de forma constituída ou não tendo recursos suficientes para constituir um advogado a sua defesa, o juiz nomeia um advogado dativo, ocupante do cargo de defensor público, provido através de concurso público.

O defensor, no Tribunal do Júri, deve ter em mente que, ao lado de todas as prerrogativas que possui como advogado, detém um status constitucionalmente diferenciado, para que atue em nome do acusado, isto é, possui o instrumento de plena defesa. Fazer valer essa força normativa é um desafio, pois implica, muitas vezes, em confrontar com o órgão acusatório, de modo veemente, porém respeitoso, além de buscar, com insistência, formar o convencimento do juiz presidente. (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 149.)

Com isso, o defensor, tem entre outros: 1) o direito de se comunicar com acusado reservadamente, assegurado

pelo estatuto da OAB no art. 7º, III, Lei 8906/94, fazendo sua linha de defesa de acordo com que o acusado expor;

2) orientar o acusado para a melhor defesa possível, fazendo que não cometa equívocos, explicando o que pode acontecer ou não em consequência aos seus atos;

3) conhecer os autos do processo e as provas nelas constantes, produzindo à plenitude de defesa em benefício do réu;

4) arrolar testemunhas para à defesa em favor do acusado; 5) fazer a defesa técnica pré e pós pronuncia; 6) interpor recursos quando averiguar sua necessidade; 7) estar presente em todos os momentos do processo, sendo que sua

ausência poderá prejudicar o réu, pelo fato de não praticar algum ato em momento oportuno;

8) levantar todas as teses possíveis para a defesa do réu;

9) rebater as teses levantadas pela acusação; Todos esses atos postulatórios são necessários a uma boa defesa, mas não se limita somente a isto, a linha de defesa é vastamente ampla, sendo imparcial ao atuar no tribunal.

3.1.5. Juiz Presidente

O juiz presidente do júri conduz as sessões além dos vinte e cinco jurados que são convocados para as sessões de julgamento. Atuar como presidente, no Tribunal do Júri, ao contrário do que muitos pensam, é tarefa árdua e depende de um conhecimento apurado, não somente das leis e da jurisprudência vigente, mas também de aspectos ligados ao trato com o ser humano. (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 152.) Como bem exposto, muitos pensam que o juiz presidente nada faz, mas na verdade é o contrário deste pensamento, trabalha intensamente para que haja um julgamento de qualidade sem que haja ilegalidades. Sua função não é julgar o acusado, essa tarefa cabe aos jurados, considerados juízes leigos, sendo que depois da condenação surge a figura do juiz togado, aplicando a pena correspondente ao acusado. Possui várias atribuições, não se restringindo somente a aplicar a pena ao réu, mas detém o poder de polícia dentro das sessões, dirige os debates, intervindo sempre que necessário, nomeia defensor ao acusado, quando o achar que está indefeso, mandar retirar da sala acusado que estiver atrapalhando o curso do julgamento, suspende a sessão pelo tempo indispensável à realização das diligências requeridas ou entendidas necessárias, entre outras atribuições, todas prevista no artigo 497 e incisos do Código de Processo Penal. 3.2. Alistamento dos jurados O tribunal do Júri é composto por um juiz togado, que é seu presidente e por vinte e cinco jurados que serão sorteados dentre os alistados, dentre os quais sete deles formarão o Conselho de Sentença.

Alteração significativa, ampliou os números de jurados do tribunal do júri, que antes da reforma era de vinte e um jurados, passando a vigorar com vinte e cinco de acordo com a seguinte redação do artigo 447 do Código de Processo Penal:

Art. 447: O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento.

Alistados são todos os selecionados pelo juiz presidente, no decorrer de

um ano, para servirem no seguinte, nos termos estipulados pelo art. 425 do Código de Processo Penal. As pessoas alistadas como juradas podem servir ou não, dependendo do sorteio realizado para a composição dos grupos das sessões. Não se constitui efetivo exercício da função o simples alistamento. (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 117.)

O artigo 425 caput, da nova reforma do Código de Processo Penal ampliou o número de jurados a serem alistados e o §1º do referido artigo autorizou nas comarcas onde a demanda exigir, aumentar o número de jurados e, ainda organizada lista de suplentes, depositar as cédulas em urnas especiais, o texto anterior previa somente no caso das comarcas ou nos termos onde for necessário, a organização da lista de suplentes, depositando em urna especial.

O corpo de jurados deve ser substituído todo ano, pois, do contrário, não haveria sentido em existir o art. 425 do Código de Processo Penal, bastando que o magistrado fizesse a seleção uma única vez, prorrogando-a indefinitivamente. Entretanto, na prática, muitos juízes preferiam reeditar a lista dos jurados, ano após ano, terminando por estabelecer a figura do jurado profissional. Atualmente tal prática fica vedada, pois “o jurado que tiver integrado o Conselho de Sentença nos doze meses que antecederem à publicação da lista geral fica dela excluído” (art. 426, § 4º, CPP), completando-se, obrigatoriamente, a lista geral (art. 426, § 5º, CPP). (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 118-119.)

Com o dispositivo mencionado acaba com a figura do “jurado profissional”, pois era muito comum antes dessa modificação legislativa, uma mesma pessoa participar por anos do tribunal do júri.

Por outro lado, a responsabilidade pela convocação dos jurados é do juiz presidente do Tribunal do Júri. A acusação e a defesa podem acompanhar o processo e possuem meios de solicitar a exclusão de pessoas não recomendáveis a servir o júri, mas não podem influir decisivamente na sua escolha. (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 118-119.)

Em virtude da grande demanda de processos, o juiz não dispõe de tempo para fazer um processo seletivo e fazer a sua escolha a dedo. Para que não haja duvidas quanto às pessoas escolhidas em processo aleatório a acusação e a defesa dispõem de mecanismos de controle sobre a escolha dos jurados, sendo publicada em diário oficial ou por editais, colocados à porta do fórum, a lista dos jurados, com a indicação das respectivas profissões.

A lista de jurados suplentes também se fazia necessária na maioria das Comarcas (antigo art. 441, CPP). Eram escolhidos nos mesmos moldes dos titulares. Muitas Varas do Júri organizavam a lista dos jurados suplentes,

convocando-os, também, para a sessão, quando ficava evidenciado que somente com os titulares não seria possível completar o número mínimo para instalar os trabalhos. Em julgamentos particularmente complexos, ou com vários réus, a cautela impunha que o magistrado convocasse os 21 titulares (número anterior) e já procedesse à convocação de suplentes. Impedimento não havia, pois a lista dos suplentes devia ser igualmente publicada e era de conhecimento geral, não surpreendendo as partes. (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 120.)

Com a reforma, não mais existe a lista dos suplentes. Convocam-se os 25 titulares. Se não houver quórum mínimo (15), na abertura dos trabalhos, o juiz presidente sorteará tantos suplentes quantos forem necessários, designando nova data para julgamento (art. 464, CPP). Consignam-se os nomes dos suplentes sorteados na ata, remetendo-se o expediente de convocação, observando o disposto pelos arts. 434 e 435 do CPP (art. 465, CPP). (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 120.)

Subtende-se assim, que para a existência de suplentes, não haja no começo dos trabalhos o quórum mínimo legal de quinze jurados para que se instale a sessão. 3.3 Dos jurados

3.3.1. Dos requisitos e escusas

O alistamento dos jurados compreende os cidadãos maiores de dezoito anos de notória idoneidade (art. 436, caput, CPP). Esses jurados aptos a atuar no tribunal do júri é o que se denominam de jurado virtual, sendo aquele que preenche todos os requisitos para ser alistado.

Outra inovação do Código, vigendo anteriormente a idade de vinte anos de idade para figurar no corpo de jurados, passando a dezoito anos agora o mínimo legal para o cidadão brasileiro figurar na função de juiz leigo, integrando o Tribunal do Júri. Há alguns doutrinadores que não concordam com a alteração introduzida no Código, como nas palavras de Guilherme de Souza Nucci:

Embora a pessoa possa ser considerada civil e penalmente capaz para vários atos, é preciso maior maturidade para atingir a posição de magistrado. Registremos que, após a edição da Emenda Constitucional 45/2004, passou-se a demandar os candidatos à carreira da magistratura o mínimo de três anos de atividade jurídica, após se sagrar bacharel em direito (art. 93, I, CF). Significa, pois, que o juiz necessitaria ter, como regra, em torno de 25 anos para assumir o cargo. Da mesma forma, um Ministro do Supremo Tribunal Federal necessita ter, pelo menos, 35

anos de idade (art. 101, caput, CF). (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 122.)

Com a obrigatoriedade dos maiores de dezoito anos alistados servirem o júri (art. 436, caput, CPP), existem também casos em que estão isentos de figurar no tribunal conforme dispõe o art. 437 do Código de Processo Penal: Art. 437: Estão isentos do serviço do júri:

I- o Presidente da República e os Ministros de Estado; II- os Governadores e seus respectivos Secretários; III- os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras Distrital e Municipais; IV- os Prefeitos Municipais; V- os Magistrados e membros do Ministério Público e da Defensoria Pública; VI- os servidores do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública; VII- as autoridades e os servidores da polícia e da segurança pública; VIII- os militares em serviço ativo; IX- os cidadãos maiores de 70 (setenta) anos que requeiram sua dispensa; X- aqueles que o requererem, demonstrando justo

impedimento.

Em relação a notória idoneidade, na prática é uma ilusão, uma vez que é muito complicado atribuir ao juiz a tarefa de fazer uma seleção, conhecendo os dados pessoais de cada um dos jurados, nas grades comarcas em que se demande elevados números de julgamentos, salvo as pequenas cidades, onde o juiz dispõe de tempo hábil para analisar o alistamento das pessoas notórias que irão servir ao tribunal do Júri. O que se tem na prática é a seleção aleatória em cartórios eleitorais, verificando com a devida cautela, como forma de controle, o nome do jurado perante aos órgãos competentes, e a averiguação se ele não possui antecedentes criminais. (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 124.) Outros casos, devem também ser analisados, como por exemplo, o jurado possuir saúde mental para analisar os autos com a devida compreensão, o caso que seria impossível um analfabeto atuar como jurado e o caso dos surdos-mudos, em que necessariamente haverá uma intervenção de terceiros para tradução do que esta se passando, quebrando assim a incomunicabilidade. O exercício efetivo da função de jurado conferiu prerrogativas de direitos e deveres, tais direitos como, na igualdades de condições, terá preferência nas licitações públicas, concurso públicos (art. 440, CPP), a lei assegurará prisão especial, no caso de crime comum, ato o julgamento definitivo (art. 439, CPP),

no concernente aos deveres impostos aos jurados, a legislação estabeleceu que os jurados são responsáveis criminalmente nos mesmo termos em que são os juízes togados (art. 445, CPP).

3.3.2. Nível Cultural dos jurados

O Tribunal do Júri estrutura-se, basicamente, pela meta de ser o réu julgado por seus pares, vale dizer, por pessoas do povo, sem a investidura no cargo de juiz. Costuma-se levantar o seguinte ponto, que se torna controverso: o grau de cultura e formação intelectual do jurado. Alguns sustentam dever o jurado ser escolhido dentre pessoas de qualquer camada social, inclusive dos que não possuem instrução elevada, apesar de alfabetizados. Outros se manifestam no sentido de preservar o melhor grau de conhecimento possível, extraindo os jurados das camadas intelectualmente mais favorecidas da sociedade. (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 124.)

Em conformidade com o artigo 5º, caput, da Constituição Federal, invocando o princípio da igualdade em que “todos são iguais perante a lei”, não subsistem motivos de escolha de qualquer pessoa do povo para participar do júri, mesmo que estes não possuam um grau de conhecimento elevado.

Os juízes leigos não tem a obrigatoriedade de conhecer a lei, julgam de acordo com a sua consciência. Esse livre arbítrio que os jurados tem de julgar segundo sua consciência, pode ficar bastante perigoso, a medida que os jurados com menos grau de instrução, abstraem às tese e julgam tão somente pela emoção. Enquanto os jurados mais preparados intelectualmente, realizam julgamentos mais próximos à letra da lei.

O ideal seria a possibilidade de se convocar jurados de todas as camadas sociais, de diversos níveis econômicos e culturais, porém assegurando-se um grau de conhecimento mínimo para que o próprio réu não termine prejudicado. Lembremos que a incompreensão de determinadas teses, por mais didáticas que sejam as partes durante a exposição, pode levar a condenações injustificadas ou, também, a absolvições ilógicas. (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 127.)

Para que tal nível ideal fosse alcançado, tornar-se-ia indispensável ser a sociedade brasileira melhor estruturada e preparada, ao menos no campo educacional, o que não é realidade. (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 127.)

3.3.3. Das recusas e proibições de exclusão

O art. 438 do Código de Processo Penal estabelece que “a recusa ao serviço, fundada em convicção religiosa, filosófica ou política, importará no

dever de prestar serviço alternativo, sob pena de perda ou suspensão de direitos políticos, enquanto não prestar o serviço imposto”. Assegura a Constituição Federal no seu art. 5º, VIII, que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se da obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”, e também nos termos do art. 15, IV, que “é vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de (...) IV- recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, fixada em lei”. (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. P. 129.)

O texto da legislação anterior falava em perda dos direitos políticos diretamente, na recusa de exercer a função, invocando um dos motivos citados acima. Com o novo texto que o artigo recebeu, inova-se, dando oportunidade a pessoa para a prestação de serviço alternativo, evitando a perda dos direitos políticos automaticamente.

Tratando-se da proibição de exclusão do serviço do júri a Lei 11.689/2008 introduziu um rol de elementos concernentes, em relação à qualidade da pessoa para vedar a sua exclusão. Dispondo que “nenhum cidadão poderá ser excluído dos trabalhos do júri ou deixar de ser alistado em razão de cor ou etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social ou econômica, origem ou grau de instrução” (art. 436, §1º, CPP). 4. DOS QUESITOS 4.1. Conceito de questionário e quesito O questionário é a peça elaborada pelo juiz presidente, contendo os quesitos, correspondentes às questões de fato e de direito expostas pelas partes em plenário, além de dizer respeito ao conteúdo da pronúncia, destinados aos jurados para a realização do julgamento em sala especial. (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. P. 217.) O quesito é uma indagação objetiva, espelhando uma questão de fato, embora possa conter aspecto jurídico, destinado aos jurados, durante a votação, para atingir o veredicto, a ser respondida de maneira sintética, na forma afirmativa ou negativa (art. 482, parágrafo único, CPP). (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. P. 217.) 4.2. Teses apresentadas em plenário pelas partes Com a reforma do Código de Processo Penal, o questionário foi bastante simplificado, em relação às teses de defesa, inovação introduzida pela Lei

11.689/2008. Quando o defensor sustentar, por exemplo, a legítima defesa, não é mais imprescindível que o juiz elabore vários quesitos a esse respeito, que por vezes poderia ocorrer uma votação despercebida dos jurados em relação a algum dos quesitos desdobrados, devido ao desgaste dos juízes leigos, por consequência de um longo processo, bastando atualmente que o juiz formule apenas um quesito “o jurado absolve o acusado?”. O defensor em plenário como já exposto, dispõe de todos os meios lícitos à defesa do acusado, que é a denominada plenitude de defesa. Não deve simplesmente em plenário sustentar uma única tese, em relação à negativa ao fato principal. Deve-se ter ao menos uma tese subsidiária de defesa. Ao fato de que na prática, após o magistrado formular o quesito sobre a autoria crime e os jurados responderem afirmativamente, em seguida o juiz perguntará se o réu deve ser absolvido. Entretanto, as teses levantadas devem estar em consonância com os autos do processo, caso em que não estiver em consonância, poderá o órgão acusatório interpor recurso de apelação, estando assim, a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos (art. 593, III, d, CPP). A alteração do quadro relativo ao questionário cuida de simplificação, mas não de modificação da essência do que se alega em plenário. Por isso, para que se faça a pergunta “o jurado absolve o acusado?”, depende-se da apresentação de tese condizente durante os debates. (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. P. 226.) Tanto na autodefesa (feita pelo próprio acusado em seu interrogatório) quanto na defesa técnica (feita pelo defensor) pode-se levantar teses de defesa ao caso concreto. No entanto, não pode deixar o juiz presidente de incluir a tese levantada pelo acusado, transformando-o em quesito, incluindo somente as teses levantadas pela defensor. Razão pelo qual os jurados são leigos e julgam de acordo com a sua consciência, independentemente da técnica alegada, tendo com isso, o acusado, o direito de ser ouvido. O juiz não pode fazer a inclusão no quesito, de uma tese sustentada, de ofício, deve agir com imparcialidade dentro do Tribunal do Júri, ainda que a tese seja em benefício do réu, deve haver o requerimento pelo defensor ou alegação pelo acusado, neste caso o juiz tem que incluir necessariamente, sob pena de nulidade absoluta do julgamento, ferindo a plenitude de defesa assegurada ao réu. 4.3. Forma de redação dos quesitos

O artigo 482, parágrafo único, do Código de Processo Penal dispõe: Art. 482. [...] Parágrafo único. Os quesitos serão redigidos em

proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão. Na sua elaboração, o presidente levará em conta os termos da pronúncia ou decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, do interrogatório e das alegações das partes.

O magistrado deve estar atento ao fazer as perguntas, não deixando obscuridades ou ensejando dúvidas aos jurados, na forma da pergunta colocada, fazendo-o de modo bastante claro para que os juízes leigos possam entender o quesito e possam dar o veredicto.

Deve-se, ainda, evitar qualquer tipo de indagação na forma negativa. Apenas para ilustrar: “O réu não possuía outra conduta a não ser a que adotou?”. As respostas dadas pelos jurados (“sim ou não”) sempre seriam duvidosas. Ao responder afirmativamente, não se sabe se o Conselho de Sentença está considerando que o réu tinha outra conduta ou se está ratificando que não possuía outra conduta. O mesmo se dá ao responder negativamente. Pode sinalizar que não havia outra conduta, mas também que havia outra ação a desenvolver. Melhor seria a seguinte forma: “A conduta adotada pelo réu era a única possível?”. (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 19P. 232-233.)

Conforme entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: Na redação dos quesitos são preferíveis as proposições afirmativas em detrimento das negativas, já que estas geram maior confusão na cabeça dos jurados. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS, AP 1.0518.01.002747-3/01, rel. Jane Silva, 3ª C., 11.04.2006, v.u.)

A forma de elaboração dos quesitos deve ser feita de forma escalonada pelo juiz presidente do júri. A intenção do legislador foi a de simplificar bastante o questionário, sendo os quesitos formulados na seguinte ordem: a) materialidade do fato; b) autoria e participação; c) se o acusado deve ser absolvido; d) se existe causa de diminuição da pena alegada pela defesa; e) se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. (Art. 483, I, II, III, IV e V, do CPP).

Respeitada a ordem imposta pelo art. 483 do CPP o juiz primeiramente formulará o quesito relativo a materialidade do fato, que obtendo a resposta negativa, de mais de três jurados encerra a votação e implica a absolvição do acusado (Art. 483, §1º, CPP), inexistindo com isso, a negação da existência do fato, mas se os jurados responderem afirmativamente, reconhecendo a materialidade, passa-se ao quesito referente a autoria e participação. Se for negativa, a maioria dos votos dos jurados, encerra a votação e o acusado é absolvido (Art. 483, §1º, CPP), e se for respondido afirmativamente por mais de

três jurados o quesito, será formulado um terceiro quesito, decidindo se o réu deve ser absolvido ou condenado.

Considerada como a grande inovação trazida pela Lei nº 11.689/2008, na parte tocante aos quesitos, esse terceiro quesito com a seguinte redação: “O jurado absolve o acusado?”, facilitou os trabalhos do juiz presidente, simplificando as teses de defesa alegadas em plenário à somente um quesito, não necessitando mais de fazer um desdobramento de quesitos, conforme as teses sustentadas, como se fazia em procedimento posterior. Este quesito ainda será objeto de estudo, conforme veremos adiante.

Portanto, se o quesito exposto for respondido afirmativamente, por maioria dos jurados, o réu estará absolvido. Se for respondido negativamente, o réu estará condenado.

Sobrevindo a condenação do acusado, o juiz formulará um quesito referente a diminuição da pena alegada pela defesa, em tantos quesitos quantas causas forem alegadas. Se a defesa não fizer alegações, logicamente não haverá formulação do quesito em comento.

Prosseguindo nas votações, o questionário encerra-se com o juiz formulando o quinto quesito, verificando se há circunstâncias qualificadoras ou causas de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.

4.4. O quesito: “o jurado absolve o acusado?”

Como determina o art. 483, caput do Código de Processo Penal, o juiz presidente deve respeitar a ordem dos quesitos, sob pena de nulidade do processo. Entretanto apresentada em plenário os dois primeiros quesitos sobre a materialidade do fato e a autoria ou a participação do acusado, obtendo cada quesito a resposta afirmativa da maioria dos jurados que compõem o Conselho de Sentença, o juiz presidente formulará um quesito “genérico” de forma objetiva e clara com a seguinte redação: “o jurado absolve o acusado?”.

As teses levantadas em plenário pela defesa são incluídas dentro do quesito em comento, por exemplo, se a defesa sustentar a legítima própria, legítima defesa de terceiro, legítima putativa, estrito cumprimento do dever legal, todas essas teses serão incluídas em um quesito único se “o jurado absolve o acusado?”, não tendo uma necessidade de serem votadas separadamente pelos jurados, como era feito em procedimento anterior, em que as teses de defesa eram desmembradas, em tantas quanto fossem, sendo votadas cada uma separadamente, agora com o novo procedimento, sendo votadas em um único quesito.

Toda e qualquer tese absolutória de defesa se resolve na resposta a esse quesito. Podem ser excludentes de ilicitude, de culpabilidade, de dolo, ou mesmo, razões metajurídicas que justificariam a absolvição do acusado. Deixou de existir, portanto, o desmembramento da tese absolutória em dois ou

mais quesitos. A lei peca na técnica, porque quem absolve (ou condena) o acusado não é o jurado, mas o juiz; o jurado com seu voto, apenas declara inocente ou culpado o réu para, em razão disso, o magistrado absolvê-lo ou condená-lo. (CAMPOS, Walfredo Cunha. O Novo Júri Brasileiro. São Paulo: Primeira Impressão, 2008. p. 228.)

Os juízes leigos ao votar o quesito absolutório, acolhe uma ou outra tese de defesa, dando o veredicto. No caso de os jurados por maioria, responderem afirmativamente (sim) ao quesito, o acusado estará absolvido, e se os jurados responderem negativamente (não) ao quesito, o julgamento prosseguirá com o juiz formulando outros quesitos. 4.5. Decisão não vinculada à tese das partes configura “decisão” contrária aos autos podendo o júri ser anulado?

Com o arcabouço jurídico apresentado, passa-se a discussão sobre se a decisão não vinculada à tese das partes configura “decisão” contrária aos autos podendo o júri ser anulado, no que tange a divergência de posicionamentos encontrados na doutrina e em artigos publicados.

Esta é uma questão que apesar de ser nova, devido à inovação introduzida pela lei 11.689/2008, já vem suscitando grande divergência entre doutrinadores. Entendendo alguns que o júri pode ser anulado e outros seguindo a corrente de que o júri não pode ser anulado. Entre os vários recursos cabíveis da decisão do júri, o recurso que era ser interposto por decisão dos jurados não vinculada à tese das partes será a apelação, que está prevista no Artigo 593, III, alínea d, do Código de Processo Penal, que dispõe:

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.

É de se verificar a grande dificuldade que terão os tribunais, diante da nova lei, dando novo regime jurídico ao júri, fazendo uma analise se os juízes leigos deram o veredicto de maneira manifestamente contrária à prova dos autos, na hipótese de o advogado do réu ter sustentado mais de uma tese defensiva. Os jurados, pelo novo rito, absolvem o réu de maneira genérica, sem que haja um questionário especifico que fundamente por qual motivo decidiram, se for mais de uma tese apresentada sustentada pelo defensor em plenário, como por exemplo, legítima defesa e coação moral irresistível, não se saberá especificamente qual delas foi acolhida pelo Conselho de Sentença. Havendo duas ou mais teses de defesa ancoradas no processo, ou mais teses de defesa forem manifestamente contrária à prova nos autos, a questão se resolverá facilmente, mandando o réu a novo julgamento, motivo pelo qual os

jurados decidiram ignorando o que está descrito nos autos do processo.O problema surgirá na hipótese de uma das teses estar totalmente divorciada da prova dos autos e a outra ou outras estiverem arrimadas nos elementos de convicção do processo e o réu for absolvido. Entende Walfredo Cunha Campos na hipótese que:

Como saber qual das teses foi aceita pelos jurados, se aquela compatível com a prova, ou se manifestamente contrária a ela? Este é o dilema jurídico que passará a ter o tribunal: como controlar a legalidade das decisões dos jurados, anulando ou não seus veredictos, sendo desconhecida a razão de terem considerado o réu inocente? Como não é possível aos membros do tribunal perscrutar os refolhos do intelecto dos membros do Conselho de Sentença, o único caminho prático a se seguir é o seguinte: manter o veredicto, se uma das teses de defesa, pelo menos, deitar raízes na prova; invalidá-lo se a postulação da defesa, em sua totalidade, ignorar os elementos de convicção carreados aos autos. (CAMPOS, Walfredo Cunha. O Novo Júri Brasileiro. São Paulo: Primeira Impressão, 2008. p. 277.)

Na mesma linha de pensamento o Procurador de Justiça Delmar Pacheco da Luz, em seu artigo “Tribunal do Júri: a nova quesitação” expõe que:

Independentemente das teses defensivas sustentadas durante o debate (seja uma única ou várias), o julgamento de mérito se dará em um único quesito. Significa dizer que, por exemplo, se a defesa sustentar nos debates legítima defesa própria e de terceiro, legítima defesa real e putativa ou legítima defesa própria e estrito cumprimento do dever legal, independentemente do fundamento pelo qual o jurado formou a sua convicção, ele aqui irá externá-la, absolvendo ou não o acusado. Importa concluir que se somarão os votos de todos os jurados que pretendam absolver o réu, sem levar em conta o fundamento pelo qual decidiram fazê-lo. Este é o ponto positivo do novo sistema: somar os votos de todos os jurados que entenderem justa absolvição, independentemente da consideração do fundamento pelo qual chegaram a essa decisão. Evita-se, com isso, que as teses defensivas possam ser individualmente afastadas e em consequência o réu condenado por divergência dos jurados quanto à causa de exclusão de ilicitude ou de culpabilidade aplicável ao caso concreto. (LUZ, Delmar Pacheco da. Tribunal do Júri: a nova quesitação. 12 jul. 2008. Disponível em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080711145006244.)

No mesmo sentido Guilherme de Souza Nucci:

Em suma, não cabe a anulação do julgamento, quando os jurados optam por uma das correntes de interpretação da prova possíveis de surgir. Não trata de decisão manifestamente contrária à prova, mas se situa no campo da interpretação da prova, o que é bem diferente. (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 396.)

Contudo, considerados os posicionamentos dos autores de que o júri não pode ser anulado na questão em exposição, tem-se por base que os jurados são livres para julgar e suas decisões são soberanas como nas palavras de Guilherme de Souza Nucci,

“Jurados decidem de acordo com a sua consciência e não segundo a lei. Aliás, esse é o juramento que fazem, em que há a promessa de seguir a consciência e a justiça, mas não as normas escritas e muito menos os julgados do País”. (Tribunal do Júri, p. 32).

Discorda, com a devida vênia, Luis Lopes de Souza Jr. e Luma Gomides da Silva de tal entendimento, nas seguintes palavras:

[...] o terceiro quesito parece não distinguir as teses defensivas. Assim, o que ocorreria em caso de legítima defesa com excesso culposo? Como se quesitaria a tese de lesão corporal seguida de morte? Mesmo com relação à tese de legítima defesa pura, haveria problemas, posto que o instituto é cercado de inúmeras nuances que devem ser analisadas de forma aprofundada, pois no atual sistema, sua quesitação se divide em inúmeros questionamentos. Acreditamos que a mudança em relação ao terceiro quesito não forçaria o jurado a pensar sobre o tema que se discute. Facilita, sem dúvida, seu trabalho. Mas a que custo? Enfim, em que pese dinamismo das mentes que elaboraram referido projeto e aprovaram de forma definitiva a lei, acreditamos que as mudanças, em grande parte, somente servirão para abarrotar ainda mais os Tribunais de Justiça e Superiores, com recursos arguindo nulidade e inconstitucionalidade. (Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, Ano V, Nº 25 – Ago-Set/2008 pp. 93-94.)

O Código de Processo Penal, lei ordinária, tem de obedecer aos princípios implícitos na Constituição Federal, que confere ao Tribunal do Júri.

Infelizmente, esse quadro mínimo constitucional conferido ao júri, foi desrespeitado pelo legislador na Lei 11.689/2008, especialmente no inciso III e no § 2º do artigo 483 do Código de Processo Penal.

Esses dispositivos criam uma probabilidade da falsa maioria. Matematicamente, os jurados votando isoladamente, em minoria, podem se

tornar em dois, três, ou quatros votos, maioria, no resultado final do julgamento. Sendo dado um exemplo para melhor entendimento.

João, num caso fictício, policial militar, foi denunciado e pronunciado por ter no dia 09.06.08 efetuado dois disparos contra a civil Maria, levando-a ao óbito. Submetido a julgamento, a defesa sustentou quatro teses em plenário: a) Legítima Defesa Real Própria, b) Legítima Defesa Real de Terceiro, c) Estrito Cumprimento do Dever Legal e d) Obediência Hierárquica. Colhida a manifestação do Senhores Jurados e depois de confirmadas autoria e materialidade delitiva, passou-se para votação das teses defensivas. O jurado nº 1 foi favorável à primeira tese de defesa e todos os demais a rejeitaram. Na segunda tese, o Jurado nº 2 acolheu o argumento defensivo, não sendo seguido pelos demais. Na terceira, o Jurado nº 3 entendeu estarem presentes os requisitos do estrito cumprimento do dever legal, não sendo seguido pelos demais. Na quarta tese, só o Jurado nº 4 acatou o argumento de que o policial atuou segundo ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico, os demais a refutaram.

Qual o resultado? Colhendo-se os votos na metodologia anterior, na qual a matemática continua a ser ciência exata, todas as teses de defesa teriam sido rejeitadas por maioria de seis votos contra minoria de um voto em cada uma delas. O réu teria sido portanto, condenado. A soberania da manifestação dos Senhores Jurados teria sido respeitada, tudo conforme apregoa a Constituição.

E agora? Com a metodologia do recém editado art. 483 do CPP ocorreria o mesmo? A resposta é não. Tal artigo, em relação ao exemplo apresentado e que é possível ocorrer com muita frequência, criou-se uma falsa

maioria. A junção de todas as teses de defesa em um único quesito, qual seja, o jurado absolve o acusado? Estando no contexto do inciso III do artigo 483 do Código de Processo Penal, o acusado seria absolvido pela falsa maioria de

quatro votos, contra a igualdade falsa minoria de três votos. (LUZ, Marcos Caíres, A falsa maioria do inciso III e do § 2º do art. 483 do Código de Processo Penal. Lei 11.689/2008, Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1839, 14 jul. 2008. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11484.)

Em conformidade com o exposto e ainda na mesma linha de pensamento de Luis Lopes de Souza Jr. e Luma Gomides da Silva, o juiz de direito do Paraná Marcos Caires Luz, em um artigo publicado, diz que:

[...] percebe-se que a metodologia adotada pelo legislador no art. 483 do CPP, com a redação dada pela Lei nº 11.689/08, é matematicamente falha, atentando contra a exigência constitucional da absoluta eficiência na aferição da vontade manifestada pelos Senhores Jurados, bem como, atentando contra a determinação de que a decisão dos jurados será tomada por uma verdadeira maioria, conforme o art. 488 do vigente CPP reproduzido no art. 489 do texto trazido pela Lei nº 11.689/08.

Ao prevalecer redação atual, talvez num futuro breve, dezenas, centenas ou milhares de julgamentos do Júri Popular tenham de ser anulados e realizados novamente. Tudo absolutamente contra o princípio constitucional da otimização dos trabalhos judiciários inserido no direito fundamental à duração razoável dos processos previsto no inciso LXXVIII do art. 5º da CF/88. (LUZ, Marcos Caíres, A falsa maioria do inciso III e do § 2º do art. 483 do Código de Processo Penal. Lei 11.689/2008, Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1839, 14 jul. 2008. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11484.)

Portanto, segundo os autores, em seus artigos publicados, deve-se ter um controle de legalidade sobre os jurados, que em seus entendimentos, os jurados não são absolutamente soberanos, com poderes ilimitados sobre seus veredictos, sem que se possa recorrer ao segundo grau de jurisdição.

O Supremo Tribunal Federal, já se pronunciou a respeito do assunto, estatuindo que:

A soberania dos veredictos do Júri – não obstante a sua extração constitucional –ostenta valor meramente relativo, pois as decisões emanadas do Conselho de Sentença não se revestem de intangibilidade jurídico-processual. A competência do Tribunal do Júri, embora definida no texto da Lei Fundamental da República, não confere, a esse órgão especial da Justiça comum, o exercício de um poder incontrastável e ilimitado. As decisões que dele emanam expõem-se, em consequência, ao controle recursal do próprio Poder Judiciário, a cujos Tribunais compete pronunciar-se sobre a regularidade dos veredictos. A apelabilidade das decisões emanadas do Júri, nas hipóteses de conflito evidente com a prova dos autos, não ofende o postulado constitucional que assegura a soberania dos veredictos do Tribunal Popular. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 70.193-1-RS, rel. min. Celso de Mello, 1º T,. DJU 06.11.2006, p. 37.)

Se for o caso de anulação do júri não se pode falar em nulidade relativa, trata-se de nulidade absoluta, uma vez que o ato é insanável e tem que ser refeito, em relação a nulidade relativa o ato é sanável e não exige o seu refazimento, podendo prosseguir no processo normalmente após sanar o vício. Entendemos que o sistema norte americano, trazido para o Brasil pela nova reforma do Código de Processo Penal, na parte relativa ao quesito “o jurado absolve o acusado?”, é incompatível com o nosso sistema brasileiro, que tem como base o modelo de júri Frances.

Há vários aspectos incompatíveis, que confrontam com a Constituição Federal, sendo que no sistema norte americano, os jurados depois de terem ouvidos as partes e antes de darem seu veredicto, pelo sistema “condena ou

absolve”, comunicam-se entre si antes de externar o veredicto final, podendo discutir ponto a ponto do que foi alegado em plenário. Solução ideal para este tipo de procedimento, o que seria impossível no sistema brasileiro, tendo como um dos seus princípios o sigilo das votações, assegurada na Constituição entre seus clausulas pétreas, sendo que em hipótese alguma pode ser modificada.

Portanto, ao nosso ver, a decisão não vinculada à tese das partes configura “decisão” contrária aos autos e pode o júri ser anulado, pelo motivo de não se saber em qual tese o jurado tomou sua decisão, quando várias são as teses sustentadas pela defesa.

O problema maior na prática será visto quando estiver em confronto os interesses da sociedade clamando por justiça, em que poderá haver decisões injustas, absolvendo réus, envolvidos em crimes bárbaros. Tentando os legisladores, através de um projeto de lei, dar celeridade ao processo e diminuir os que estão empilhados a espera de um julgamento; estando o quesito absolutório dentro do contexto da nova reforma, visando simplificar os trabalhos, dando eficiência ao julgamento, solução que ao nosso ver não seria o ideal.

No nosso entender, como não se pode modificar por projeto de lei as clausulas pétreas, no qual esta inserido os princípios básicos do Tribunal do Júri, especificamente o sigilo das votações, o ideal seria o legislador inserir na lei 11.689/2008, na parte tocante ao quesito absolutório, que quando a defesa sustentar mais de uma tese em plenário, como por exemplo, legitima defesa própria e estrito cumprimento do dever, seriam formulados quesitos individualmente relativo a cada tese defesa, e quando a defesa sustentar apenas uma tese de defesa, como por exemplo, legítima defesa de terceiro, permaneceria o quesito atual, indagando diretamente aos jurados se absolvem ou condenam o réu. Sabendo assim, qual foi à tese que o jurado acolheu ao absolver o acusado, sem o risco de ter absolvições injustas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Pode-se concluir então que o Tribunal do Júri é um exercício de democracia onde quem detém o poder de julgar são os juízes leigos e não os juízes togados A Lei 11.689/2008 trouxe grandes alterações no procedimento do Júri, mas principalmente na parte da formulação dos quesitos, e especificamente no Art. 483, inciso III dessa Lei, o legislador pecou. Ao editar a Lei 11.689/2008 o legislador foi equivocado, pois introduziu parcialmente o sistema norte americano no sistema brasileiro, devido a incompatibilidade a alguns princípios inerentes ao Tribunal do Júri, assegurados constitucionalmente, como o sigilo das votações, em que não há quebra de comunicabilidade dos jurados, para depois proferirem o voto final. A melhor opção para essa questão problema seria o legislador acrescentar na Lei 11.689/2008, especificamente no artigo 483, inciso III do Código de Processo Penal, relativo ao quesito “genérico, que quando a defesa sustentar mais de uma tese em plenário, como por exemplo legitima defesa própria e estrito cumprimento do dever, seriam formulados quesitos individualmente relativo a casa tese de defesa, e quando a defesa sustentar apenas uma tese de defesa, como por exemplo, legítima defesa de terceiro, permaneceria o quesito atual, indagando diretamente aos jurados se absolvem ou condenam o réu, evitando-se assim a formulação da “falsa maioria” nos votos dos jurados e o réu tendo assim uma absolvição fundada em elementos ancorados no processo, sem dúvidas quanto ao motivo pelo qual os jurados levaram a absolver o acusado.

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