curral da morte
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS – UFAL
INSTITUTO DE GEOGRAFIA, DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE –
IGDEMA
CAMILA COSTA CAVALCANTE
LICENCIATURA EM GEOGRAFIA
SÍNTESE DO LIVRO “CURRAL DA MORTE”, DE JORGE OLIVEIRA
MACEIÓ – AL
JANEIRO DE 2014
Introdução
No ano de 1957 o Estado de Alagoas foi palco de um dos dias mais
sangrentos de toda sua história política. Houve aqui o lendário embate de 35
deputados dentro da Assembleia Legislativa. Conta-se, que mais de mil tiros de
metralhadora e revólver foram disparados e, desde então, Alagoas nunca mais foi
a mesma. Famílias digladiaram-se num processo que perdurou mais de trinta
anos, sendo, algumas delas, quase extintas, como é o caso da família Mendes,
por pistoleiros a serviço de políticos gananciosos. Dentre os 35 deputados
envolvidos somente um está vivo: Geraldo Sampaio.
Esta tragédia não se restringiu, porém ao cenário político da
Assembleia Legislativa. Arrastou-se em mais de vinte anos, depois que os
Mendes, inconformados com a morte do patriarca Humberto, passaram a
perseguir seus inimigos. Diante de todo esse clima de terror, Alagoas carimbava
páginas policiais do país inteiro, quase como uma cadência.
Fotografias do acontecido, dos deputados que chegavam à casa
portando metralhadoras sob suas capas, rodaram o mundo, bem como dos
deputados feridos, que ainda empunhavam suas armas.
O grande gargalo de Alagoas, no entanto, está na política, na
disputa por terras e no grande latifúndio. Os políticos não modificam nada;
preferem a manutenção dos velhos feudos eleitorais do que um estado aberto,
saudável e economicamente competitivo. E os latifúndios, nas mãos dos
usineiros, não permitem que Alagoas se modernize, sendo o principal produto de
sua economia, a cana-de-açúcar. Produto esse que pouco ou quase nada
contribui para a modernização do estado.
Cicerone da morte
Viver em Alagoas é mesmo perigoso? É. Lá o verbo viver se conjuga com
morrer. Era o que confirmava o jornalista Zito Cabral, profundo conhecedor dos
emaranhados do Sindicato do Crime, isento e respeitado no seu trabalho
profissional. Em um rápido passeio pelo centro de Maceió, sempre apinhado de
gente, à medida em que se avança pelas ruas, Zito enumerava, como cicerone da
morte. Em cada rua do centro, havia uma história, uma morte, um morto:
- Só aí nesse bar que você está vendo, o Bar do Chope, já teve umas dez
mortes. A última faz poucos dias, quando um policial, o Aguiar, morreu em um
tiroteio. Caiu ali, tentando se agarrar à mesa do bar. Continua: - Quer saber de
uma coisa? Se você colocar uma cruz no local de cada crime ocorrido no centro
da cidade, ninguém caminha. Virá cemitério.
Teatro de guerra
Naquela sexta-feira, 13 de setembro de 1957, quatro meses depois de
aprovado o relatório do deputado Teotônio Vilela pedindo impeachment de Muniz
Falcão, o dia amanheceu ensolarado. A movimentação intensa em Maceió era
incomum para uma véspera de fim de semana. A cidade acordara nervosa.
Na praça D. Pedro II, onde se localiza a Assembleia, aos poucos iam
chegando os partidários do governador Muniz Falcão, os “turistas”, como eram
chamados os jagunços na época, os comunistas, e os policiais militares que
apoiavam os capangas oficiais, protegidos pelos deputados governistas.
No local havia muitos policiais militares e do Exército, mesmo assim, não
foi possível evitar que os deputados aliados Abrahão Moura, Antônio Moreira,
Claudenor Lima, Luiz Malta Gaia e o vice-líder Humberto Mendes, que tinha a
companhia de seu filho Valter, cruzassem a praça rumo à Casa.
Os simpatizantes de Muniz chegaram cedo e se dispuseram em posição
estratégica na praça. Alguns resguardaram-se na Catedral Metropolitana de
Maceió, localizada ao lado da Assembleia, acompanhados de Dom Adelmo
Machado, o então arcebispo da cidade, que envolveu a igreja nas negociações,
procurando uma saída pacífica para o impasse.
Para provar que falavam sério, dois deputados, Humberto Mendes e Oséas
Cardoso, adversários ferrenhos, deram demonstrações do que aconteceria dali
em diante.
O pai de Oseas era João Cardoso Paes, da cidade de Viçosa, terra de
Teotônio Vilela. Vivia da agropecuária até ir para Maceió, com seu filho ainda
jovem, onde passou a trabalhar com hospedagem. Deixou para trás algumas
intrigas, intrigas essas que já as tinha como encerradas. Porém, em 1949 alguém
o fez lembrar que suas dívidas provenientes da política, em Viçosa, ainda não
haviam sido saldadas e, assassinado foi, em seu próprio estabelecimento.
Oseas Cardoso foi um homem muito admirado no estado graças à sua
bravura e coragem pessoal com que enfrentava as adversidades. Conquistou o
respeito da população e dos aliados político. Em seu cargo de deputado estadual,
vingou a morte de seu pai, matando a tiros Luiz Campos Teixeira, provável
articulador do crime, então chefe da Casa Civil, no governo de Silvestre Péricles.
Durante as investigações ocorridas em sessões na Assembleia Legislativa,
Oseas foi ovacionado pelos admiradores de sua bravura, que aplaudiam o
deputado que fez justiça pelas próprias mãos. O processo foi arquivado e Oseas
ficou com fama de valentão.
Aos seus 93 anos, disse a jornalistas para uma edição especial dos 50
anos do impeachment: - O governador (Muniz Falcão) e os deputados governistas
afirmavam que o impeachment só passaria por cima dos seus cadáveres... e que
o sangue derramado “daria no meio da perna”.
Uma viagem no tempo
Sempre que sai de casa, Roberto Mendes corre os olhos pela vizinhança,
pois sabe que, para ser assassinado, não é difícil. Hoje, é um pacato pai de
família, mas guarda na memória, fortes lembranças de vinte anos de guerra. No
centro dessa trama está o poder político e econômico de uma família, os Mendes,
quase dizimados pelas balas dos pistoleiros, muitos dos quais seus assalariados.
O pai de Roberto era o deputado estadual Humberto Mendes, morto
no famigerado confronto na Assembleia Legislativa, em 1957; o irmão Robson, foi
emboscado em Palmeira dos Índios, por Zé Gago e Zé Crispim, seus pistoleiros;
Valter, o outro irmão, morto a tiros no centro de Maceió; e, ainda, D. Eurídice, a
mãe, vítima de um atentado na varanda de casa que, por pouco, escapou.
O cenário sangrento dessa história é a Alagoas das décadas de 1950 e
1970. Se olharmos com atenção o mapa de Alagoas, veremos que tem o formato
exato de uma pistola. A coronha ao norte, onde fica a capital, Maceió; o cano
aponta para o sertão pernambucano; e o gatilho fica em Palmeira dos Índios.
Essa história de dor, luto e extrema violência começou, ironicamente, na região
com forma de gatilho.
Palmeira dos Índios começou com uma capelinha de tijolo e taipa,
construída por Frei Domingos na Serra da Boa Vista em 1773. Sempre foi uma
terra de valentes, e Humberto Mendes, o pai de Roberto, era um deles. Era bem
sucedido. Os filhos estudavam na melhor escol, o Educandário Sete de Setembro,
na Praça da Independência.
Década de 1950. Os irmãos Mendes foram estudar no Recife.
Roberto ficou em Palmeira dos Índios acompanhando o pai na campanha de
Arnon de Mello para o governo do estado. Arnon de Mello foi eleito pela União
Democrática Nacional (UDN).
Grupos e famílias rivais aproximavam-se
perigosamente da política. A UDN parece pequena demais para conter tantas
inimizades. Humberto Mendes filiou-se ao Partido Trabalhista Nacional (PTN),
criado por Arnon de Mello, que funcionava como uma espécie de linha auxiliar da
UDN. – Em Alagoas, toda família tem um
assassino ou um assassinado. Naquela terra, quem não morreu, já matou – dizia
o alagoano Tenório Cavalcanti, conhecido, também, por si fazer acompanhar de
sua inseparável “Lurdinha”, metralhadora que conduzia sob sua capa de chuva.
Antônio, pai de Tenório, fora
assassinado quando esse ainda era menino. E assumiu a família para que não
tivessem o mesmo fim. Deixou o povoado onde nasceu até conseguir se mudar
para o Rio de Janeiro, onde fixou residência até morrer, em 7 de maio de 1987.
O assistencialismo e
fisiologismo na região pobre de Duque de Caxias popularizaram Cavalcanti,
conduzindo-o à política. Elegeu-se vereador em 1936 em Nova Iguaçu,
representando o distrito de Duque de Caxias, e deputado estadual em 1946. Foi
eleito deputado federal por três vezes, até se candidatar a governador pelo Rio de
Janeiro em 1960, obtendo 220.000 votos, 23% dos votos válidos. A com a
ditadura militar, em 1964, encabeçou a lista das pessoas que tiveram seus
direitos políticos suspensos, encerrando assim, sua carreira política.
Quando a cadeia de matança e vingança entrou na família Mendes,
Roberto era pouco mais que uma criança. No trajeto de Palmeira dos Índios até
Quebrangulo, um carro levava cerca de 30 minutos. O motorista que conduz um
passageiro por essas bandas do interior leva sempre um acompanhante, mas, por
via das dúvidas, não larga não de uma peixeira.
Em Quebrangulo, na vila São Francisco, há Antônio Fernandes de Amorim,
beato franciscano, que beirava os 35 anos de idade, ergueu primeiro uma
igrejinha. O romeiro ficou com fama de santo após uma romaria até a cidade de
Batalha, onde os fiéis fincariam enorme cruz que carregavam. O candidato que
ganhasse a proteção do beato milagreiro garantiria, no mínimo, mil votos.
Humberto Mendes batizou uma das crianças do beato e ganhou seu apoio ao
candidatar-se a deputado estadual em 1954.
– O beato começou a misturar religião com política – revela
Valdemar de Souza Lima, historiador, aliado de Remi Maia e do prefeito Juca
Sampaio. Um dia, ao voltar da roça, à noitinha, o beato viu um luz piscando em
um poste. Foi buscar uma escada para trocar a lâmpada e, ao subir, levou um tiro
só. Humberto Mendes financiou as buscas para a polícia, e o assassino
do beato, um pernambucano conhecido como Catucá, foi preso em São Paulo. No
processo, figuram como mandantes Juca Sampaio, Remi Maia e seu irmão Ari
Tenório, e Rubens Amorim, cunhado e Valdemar de Souza Lima.
O então deputado Humberto Mendes leva a família para Maceió. Roberto
faz o ginasial enquanto Valter se prepara para a faculdade de Direito. Apenas
Robson permanece em Palmeira dos Índios, para cuidar dos negócios. Em
Maceió, a irmã mais velha, Alba Mendes é apresentada ao governador Muniz
Falcão. Inicia-se então o namoro e, em janeiro de 1957, o casamento.
Casou-se, porém, num momento delicado, quando havia perdido o
apoio de nove deputados, para a oposição. Seus adeptos diziam que ele
começou a perder forças ao apresentar um projeto de lei que criava uma taxa de
educação que incidiria sobre a produção do açúcar. O presidente da Assembleia
Legislativa na época, o fornecedor de cana-de-açúcar Lamenha Filho, seu
adversário político, reconhece que os produtores de cana não gostaram. A
campanha de Muniz acirrou-se quando, em fevereiro de 1957, foi assassinado a
tiros, em Arapiraca, o deputado udenista e médico Marques da Silva. O suposto
mandante seria Claudenor Lima, aliado dos Mendes.
Adorado pelos pobres e pelos funcionários
públicos, Muniz Falcão era odiado pela elite, que resistia em pagar o novo
imposto. Essa nova taxa a ser paga pelos usineiros provocou grande revolta em
meio à classe produtora que, através de um processo na justiça, derrubou o
decreto do governador. Iniciou-se, assim, a campanha que precedeu a queda de
Muniz. Todo projeto por ele enviado era rejeitado.
Humberto Mendes aderiu ao partido de genro, o
Partido Social progressista (PSP), fundado por Adhemar de Barros, formou-se
então, um novo arranjo político. O prefeito de Palmeira dos Índios era o médico
Remi Maia, que tinha como aliado Valdemar de Souza Lima, historiador da
cidade, que passou a ser ameaçado por Humberto Mendes, novamente forte na
política. – Diziam que muitos homens iam
desaparecer aqui na cidade. A verdade é que os Mendes pegaram o poder e se
empolgaram, pensaram que podiam conquistar o mundo com o dedo no gatilho.
Disse Valdemar.
Quando a morte manda recado
No nordeste é comum as pessoas anunciarem suas mortes com
antecedência, diante dos boatos e das ameaças que lhes chegam como um aviso
prévio macabro. É praxe também o Sindicato do Crime encarregar-se da fazer
chegar à “encomenda” a triste notícia de sua eliminação.
O deputado estadual Marques da Silva, médico de Arapiraca, o segundo
maior município de Alagoas, vivia esse drama: estava marcado para morrer.
Depois que a organização criminosa eliminou o vereador Benício Alves Oliveira, já
carregava a certeza dolorosa de que já o tinham na mira da pistola. No dia 04 de
dezembro de 1956, Marques da Silva enviou uma “carta-denúncia” para a sede do
partido no Rio de Janeiro.
[...] para situar bem o problema político de Alagoas e, em particular, a situação do
município de Arapiraca, devo recuar no tempo e fazer um pouco de história
pessoal [...] fui eleito deputado estadual com a votação pessoal mais expressiva
obtida até hoje por um candidato à Assembleia Legislativa. Chegou agora o
momento crucial de falar sobre recentes acontecimentos que justificam minha
presença no Rio de Janeiro. Como é de conhecimento da direção central do
partido, perdemos em Alagoas as eleições para governo no pleito de 1955. [...]
como resultado do nosso insucesso, foi eleito governador de Alagoas um homem
inescrupuloso, insensível e com evidentes marcas criminosas, que infelicita e
degrada um povo. [...]
[...] fiz um relato circunstanciado diante do Diretório Nacional da UDN sobre as
lamentáveis ocorrências de Alagoas, denunciando, inclusive, a trama criminosa
que se organizava para o extermínio da minha vida e de outros correligionário.
Esse vaticínio já foi confirmado pela trágica realidade dos fatos. O vereador
udenista Benício Alves de Oliveira foi barbaramente assassinado. [...] fui à
Arapiraca, cidade que continua infestada de bandidos, a serviço das famílias
Pereira e Barbosa. O deputado Claudenor Lima, seus irmãos Cláudio e
Claudisbel, em automóveis e caminhões, passaram várias vezes em frente de
minha residência, com evidentes propósitos de intimidação. [...] não ignoro
portanto, a trama que está arquitetada contra minha vida. A impunidade de um
crime gera outros crimes. Essa regra não poderia ser exceção em Alagoas.
Prefiro morrer com honra viver sem ela. Não deixarei meu estado, nem
abandonarei minha família e o povo que me elegeu, para que meus filhos não
tenham vergonha de ouvirem falar em meu nome. Estou convencido de que meus
sofrimentos só terminarão quando meus adversários consumarem seus intentos
criminosos. [...] se o ponto final dessa verdadeira tragédia for, como tudo indica,
minha eliminação pessoal, desejo apenas que minha família sofra com resignação
e cuide de meus três filhinhos, afim de que, mais tarde, eles possam fazer, por
Alagoas e pelo Brasil, o que não me foi possível realizar. [...] esta, Sr. Presidente,
é a confissão que me senti com o dever de transmitir à Direção Central do meu
partido, pedindo a V. Exa. que, consumado meu assassinato, encaminhe este
relatório à Justiça.
Em fevereiro de 1957, dois meses depois, o deputado foi morto.
Confronto com os usineiros
O governo do populista Muniz Falcão estava com os dias contados depois
da morte de Marques da Silva, que em sua carta-testamento o acusava de
cumplicidade na trama para mata-lo.
Sebastião Marinho Muniz Falcão nasceu na pequena cidade de Araripina,
em Pernambuco, aos 6 de janeiro de 1915. Chegou a Alagoas ainda jovem, com
pouco mais de 30 anos, para dirigir a Delegacia Regional do Trabalho.
Pressionado por sua posição intransigente na fiscalização das ilegalidades
cometidas pelos grandes empresários do açúcar, foi transferido para a Bahia,
regressando ao estado logo depois pelas mãos então governador Silvestre
Péricles. Estudou no Crato, no Ceará, fez Direito no Recife porém foi
em Maceió que concluiu seu curso. Desde cedo notava-se suas aptidões para a
política. Com uma campanha franciscana, sem o apoio das oligarquias elegeu-se
deputado federal pelo Partido Social Trabalhista, em 1951. Ano este em que o
jornalista Arnon de Mello elegeu-se governador do estado de Alagoas.
Muniz logo se identificou com a população mais carente e
passou a conviver de maneira informal e simples com os mais humildes.
Sucedeu, no governo do estado, Arnon de Mello, tido como zebra eleitoral,
derrotou Afrânio Lages, que tinha o apoio dos usineiros e de poderosos
empresários. Porém não pode comparecer à posse no Palácio dos Martírios, pois
Silvestre Péricles, inimigo mortal de Arnon de Mello, na condição de aliado,
impediu que Falcão fosse à cerimônia. Silvestre Péricles, da
lendária família dos Góes Monteiro, nasceu em São Luiz do Quitunde. Nutria um
ódio mortal contra Arnon de Mello, seu sucessor no governo do estado. Antes de
deixar o palácio, onde chegou em 1947, Péricles, além de não passar o cargo,
recepcionou seu adversário de um modo nada convencional. Encheu de merda
algumas meias e, à noite, sozinho, de pijama, transtornado e enfurecido coma
vitória do rival, cagou as paredes do palácio, rodando em parafuso as meias,
salpicando as dependências do casarão centenário.
Arnon de Mello nasceu em Rio Largo,
mas foi criado no Rio de Janeiro, onde se tornou jornalista, dono de jornal e sócio
de outro jornalista, Roberto Marinho. Ao terminar o mandato de governador,
elegeu-se senador em 1962, sendo a outra vaga, ocupada por Silvestre Péricles,
que não cansava de insultar e desafiar seu inimigo.
Em 4 de dezembro, o udenista Arnon de
Melo usou o microfone para denunciar as ameaças que vinha sofrendo. Ao
chegar ao senado foi alertado de que Silvestre Péricles estava armado e disposto
a tudo. E exibia sua arma presa à cintura. Arnon ocupou a tribuna e iniciou seu
discurso respondendo às acusações de Péricles que, dias antes havia ocupado a
tribuna para ofendê-lo. E, claro, Péricles não aceitaria nada que partisse de seu
rival. E partiu com a arma em riste rumo a seu inimigo. Arnon, ao se ver
ameaçado, sacou também o revólver e começou a atirar quando seu algoz já
estava a menos de 2 metros dele. Péricles, porém conseguiu sair ileso, deixando
o tiro para José de Kairala. Coube ao senador João Agripino evitar que a tragédia
se prolongasse, atracando-se a Silvestre Péricles e desarmando-o.
Já desarmados, os dois
senadores foram levados para a custódia militar: Péricles para o quartel-general
do Exército e Arnon para o da Aeronáutica, enquanto Kairala morria no hospital
distrital, depois de perder quase todo sangue do corpo.
O proprietário do jornal O
Globo, Roberto Marinho, posicionou-se a favor de Mello, seu sócio, e contra
Péricles. No dia 7 de dezembro três dias após o incidente, Arnon falou, do quartel
da Aeronáutica, onde era mantido sob custódia, ao jornal Diário Carioca. Disse
estar profundamente consternado com os acontecimentos que roubaram a vida
do senador José Kairala e agradeceu a João Agripino o fato de seus filhos – um
dos quais, de 10 anos, estava a seu lado – não serem, agora, órfãos.
Sem o apoio das
oligarquias, mas amparado pela maioria popular, que apoiava seu governo
direcionado para as questões sociais, Muniz Falcão passou a ser vítima de
calúnias e difamações e alvo de insistente campanha de desestabilização por
parte da oposição inconformada com o apoio da camada mais pobre. Seus
adversários temiam que ele se eternizasse no poder que em pouco tempo tirou
dos políticos tradicionais do estado, que sempre trabalharam a serviço dos
usineiros e que temiam a infiltração de comunistas no governo. O secretário de
Segurança Pública fora indicação do PCB, partido de ideias pró-soviéticas que
assustava as classes dominantes por defender abertamente a reforma agrária em
um estado ocupado predominantemente por latifundiários.
Muniz não se intimidou diante de seus 22 oposicionistas na Assembleia
Legislativa, muitos deles a soldo da indústria do açúcar, eterna financiadora das
campanhas políticas. E partiu para o confronto.
Anunciou que o governo mexeria nos bolsos dos usineiros e grandes
empresários, que pouco contribuíam para o desenvolvimento econômico e social
do estado. Comunicou a criação de um novo imposto que passou a ser chamado
“taxa pró-educação, economia e saúde”: um tributo de 2% sobre a produção de
açúcar, álcool, tecidos, fumo e arroz, que seria reinvestido nos programas sociais
e educacionais, na tentativa de reduzir os bolsões de pobreza e a desigualdade
social alarmante de Alagoas. A medida contrariou os interesses da classe
produtora do estado e foi um prato cheio para a oposição – que já acusava o
governo de ser conivente com o crime organizado e de manter laços estreitos
com o Partido Comunista Brasileiro.
Não demorou muito para os usineiros se movimentarem nos
bastidores políticos a fim de frear a ganância do governador. Escalaram o
deputado Oséas Cardoso, um dos políticos da “bancada do açúcar” na
Assembleia Legislativa, para brecar o atrevimento do governador. E Oséas logo
encontrou a saída: o pedido de impeachment de Muniz Falcão.
[...] pelo senhor deputado Oséas Cardoso Paes foi oferecida, no dia 9 de
fevereiro de 1957, à Assembleia Legislativa do estado de Alagoas, denúncia
contra o Dr. Sebastião Marinho Muniz Falcão, governador do estado, como
incurso em crime de responsabilidade [...]
Assim começava o parecer da comissão legislativa que analisou o pedido
do deputado:
Os fatos erguidos na denúncia contra o senhor governador do estado
podem ser assim resumidos:
1) Atentado contra o livre funcionamento da Assembleia Legislativa;
2) Emprego de ameaças para constranger Juiz de Direito a deixar de
exercer atos do seu ofício;
3) Emprego de ameaças e violências contra deputados estaduais, a fim de
afastá-los da Assembleia e de coagi-los no exercício de seus mandatos;
4) Infração de lei federal de Ordem Pública; e
5) Realização de despesas não autorizadas por lei.
Assinaram o parecer os seguintes deputados, integrantes da comissão:
Hermann Almeida(presidente), Teotônio Vilela (relator), Edson Lins, José
Onias, José Bezerra e Jorge Assunção (os dois últimos vencidos, de
acordo com a declaração de voto).
Teotônio Vilela nasceu no dia 28 de maio de 1917, na cidade de
Viçosa. Depois de passar pelo Rio de Janeiro em 1937 e abandonar os
cursos de Direito e de Engenharia, o senador voltou para o sertão
alagoano, onde instalou uma usina. Em 1948 filiou-se à UDN, alcançando
os cargos de deputado estadual e vice-governador. Ligado quase durante
toda a sua vida política a partidos conservadores, o senador Teotônio Vilela
só viria a se bandear para o lado da esquerda em 1979, ao ingressar no
MDB e assumir a comissão parlamentar que discutiria a anistia aos presos
políticos e exilados, cujos direitos civis foram cassados pela ditadura
militar. Em 1975 confrontou de vez a ditadura ao cobrar da
tribuna do Senado Federal a redemocratização do país. No Projeto de
Emergência – que primeiro entregou ao general Ernesto Geisel – o senador
alagoano cobrava do governo a moratória da dívida externa, reformas
sociais e eleições diretas para o país, questões que engatinhavam no
repertório político, até então intocáveis e indiscutíveis no Brasil dos
militares. Teotônio Vilela morreu de câncer em 27
de novembro de 1983.
CORAÇÕES DOS INIMIGOS
O clima era tenso quando, na porta da Assembleia, um comunista,
líder partidário de Muniz falcão, inicia seu discurso: “estamos aqui em paz
para prestar apoio ao governador...!”
Dentro do prédio a discussão se acirra. A oposição brada pelo
impeachment, e os políticos da situação tentam evitar que a votação
comece. Para a oposição, o crime contra o deputado Marques da Silva foi a
gota de sangue que fez extravasar as paixões contra a governador. Para
Humberto Mendes o impeachment é algo que jamais seria tolerado: - Só
votam esse impeachment se passarem por cima do meu cadáver.
O caso já era nacional. Da Baixada Fluminense, onde mantinha uma
espécie de sucursal do sindicato do Crime de Alagoas, o então deputado
Tenório Cavalcanti voou para Maceió. Justificava sua presença dizendo
que estava ali para dissuadir Humberto de comparecer à Assembleia no dia
da votação do impeachment.
- Mentira! – disse Roberto Mendes, tempos depois. – Ele foi levar
metralhadoras para a oposição, tudo combinado com o senador Juracy
Magalhães, que acompanharia, como observador da UDN, a votação do
impeachment.
O senador Juracy Magalhães nasceu em Fortaleza, em agosto de
1904, fez carreira militar no Rio de janeiro, onde chegou ao posto máximo
de general de brigada. Foi governador da Bahia entre 1959 e 1963, mas
chegou ao estado como interventor nomeado por Getúlio Vargas; ali
permaneceu e seguiu carreira de político até morrer, aos 95 anos. Foi
deputado estadual, deputado federal, senador, embaixador, ministro da
Justiça, presidente da UDN, da Arena, da Petrobras, da Vale do Rio Doce e
de outras grandes empresas públicas e privadas brasileiras.
Líder da Revolução de 1930, o senador exerceu todos os cargos
importantes no Brasil e no exterior. É atribuída a ele a célebre frase: “Tudo
que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”.
Mas se todos sabiam que ia correr sangue, por que não se fez nada
para evitar? Lamenha Filho, o deputado que presidiu o tiroteio na
Assembleia Legislativa, acha que o governo Kubitschek não escapa ao
julgamento da História nesse episódio.
- O assessor do Ministério da Justiça chegou a ver os sacos de areia
que mandamos colocar na Assembleia para proteger a mesa diretora. Mas
o que fez? Esperou o tiroteio! – conta Edson Lins.
A tensão chegou ao clímax. A sessão estava marcada para às 15h.
o Exército chegara sorrateiramente, posicionara-se na ladeira ao lado da
catedral, ocupando alguns pontos estratégicos.
Quase 15h o deputado estadual Claudenor Lima, suspeito de matar
o udenista Marques da Silva no começo do ano, entrou na Assembleia
vestindo uma capa de chuva, sem disfarçar a metralhadora. Humberto
Mendes também chegou com uma capa, onde camuflava uma
metralhadora e um revólver calibre 38.
O deputado Edson Lins conta que o primeiro tiro foi disparado por
Luiz Malta Gaia, “como uma sinal de alerta”. O certo é que Humberto foi
atingindo por dois tiros logo no começo do tiroteio; um de raspão na nuca,
outro fatal, no coração.
Por alguns minutos, um silêncio sepulcral. Em meio aos sacos de
areia que rodeavam a mesa da Assembleia, a fumaça de pólvora criava
uma densa nuvem no recinto. No chão, o saldo: nove corpos – o governista
Humberto Mendes, morto; e feridos, os deputados oposicionistas José
Onias, Virgílio Barbosa, Carlos Gomes de Barros, Antônio Malta e José
Afonso de Mello, o sargento Jorge José Araújo, o funcionário José Dâmaso
e o jornalista carioca Márcio Moreira Alves.
Carlos Lacerda viveu intensamente a política brasileira. Dotado de
uma sagacidade política sem igual, sempre foi implacável com seus
adversários. Jornalista panfletário, incendiário, despertava paixão e ódio,
mas era admirado até por seus inimigos políticos, que o respeitavam e
temiam.
De uma família de políticos, nasceu no Rio de Janeiro como Carlos
Frederico Werneck de Lacerda, cursou Direito na Universidade do Rio de
Janeiro, onde ingressou no Partido Comunista Brasileiro. Em 1939 rompeu
com o partidão e em 1945 entrou para a UDN, da qual viria a ser deputado
federal e um dos principais ideológicos.
Carlos Lacerda protagonizou um dos episódios mais marcantes do
Brasil. Em 5 de agosto de 1954 foi ferido com um tiro no pé quando
chegava em casa. O policial que o protegia morreu baleado e as
investigações chegaram ao palácio do Catete, quando se descobriu que
seguranças do presidente Getúlio Vargas estavam envolvidos no atentado.
Mesmo acusado de induzir Getúlio ao suicídio, ocorrido 19 dias
depois do atentado que sofreu, Lacerda foi eleito deputado federal no
mesmo ano, e governador do antigo estado da Guanabara em 1960.
“AÍ VÊM ELES!
VAMOS SER METRALHADOS!”
Os jornais alagoanos não noticiaram o tiroteio na Assembleia
Legislativa devido ao boicote que deixou Maceió sem água e energia
elétrica durante 17 horas.
No dia 14 de setembro, o jornal o Globo publicou a matéria:
“Controla o Governo Federal a grave situação em Alagoas”. “Metralham-se
os deputados dentro da Assembleia Legislativa alagoana”. “Foram para o
recinto conduzindo, sob capas de chuva, armas de diversos calibres”.
“Morto o sogro do governador Muniz Falcão, deputado Humberto Mendes,
que teria iniciado o tiroteio”. “Por pouco não foram atingidos pelas balas os
senadores Juracy Magalhães e Freitas Cavalcanti”. “Ameaçados de Morte
os enviados especiais de O Globo”.
O ÚLTIMO SOBREVIVENTE
Passaram-se dois anos entre o primeiro contato e a decisão de Geraldo
Sampaio nos receber. Ele é o último sobrevivente dentre os 35 ex-deputados
daquela tarde fatídica e sangrenta no plenário da Assembleia Legislativa de
Alagoas. Sampaio, udenista, era um dos 22 oposicionistas que pediam o
impeachment do governador Muniz Falcão.
Geraldo Sampaio é natural de Palmeira dos Índios. A índole pacífica do ex-
deputado nesse últimos 50 anos é a prova de aversão que ele tem à violência. O
caso da Assembleia Legislativa foi atípico para esse homem sem inimigos,
procurado até hoje para alianças políticas.
Mas ninguém escapa da afirmação feita por Tenório Cavalcanti, o “homem
da capa preta”, de que, em alagoas, quem não morreu, já matou.
Geraldo Sampaio é reticente ao falar da morte do beato, cabo eleitoral do
ex-deputado Humberto Mendes: - A morte do franciscano não tem nada a ver
com o impeachment do Muniz Falcão. Realmente meu pai respondeu pela morte
do beato, mas foi absolvido.
O envolvimento de Sampaio no tiroteio da Assembleia não se resume
apenas às divergências políticas e partidárias entre ele e Muniz Falcão. Vai além
disso. A disputa por uma mulher, que conhecera ainda na infância em Palmeira
dos Índios, teria guiado os instintos de Sampaio à tragédia, motivado também
pelo ciúme. Ele ainda se emociona quando fala em Alba Mendes, a bela mulher
palmeirense, filha de Humberto, que se casou com Muniz Falcão, frustrando suas
pretensões.
UM TIRO NA HISTÓRIA
Em 1982, o jornalista Denis Agra entrevistou Rubens Jambo, um dos
repórteres que acompanharam o tiroteio dentro da Assembleia. Pela primeira vez
que alguém confessava, com todas as letras o nome do deputado que matara
Humberto Mendes: “As balas saíram do revólver do deputado Virgílio Barbosa”,
garantiu ele a Denis Agra.
Três dia depois do tiroteio, o impeachment foi finalmente votado, desta vez
no Instituto de Educação, protegido pelo Exército. Sem a presença dos deputados
governistas e dos oposicionistas feridos, Muniz Falcão foi afastado do governo,
assumindo seu vice, Sizenando Nabuco, do PTB.
“(...) precisando afastar-me por alguns dias do governo, pois terei possivelmente
necessidade de deslocar- me do estado durante curto prazo, transmito, nesta
data, o exercício do cargo de governador a V. Exa., na qualidade de meu
substituto legal.”
Por decisão do Tribunal Misto, formado por desembargadores e deputados
estaduais sorteados, Muniz foi reintegrado ao cargo de governador, um ano
depois. Voltaria ao governo de Alagoas na ensolarada tarde de 24 de janeiro de
1958, carregado por uma multidão que se acotovelava, procurando espaço na
porta do Palácio dos Martírios para assistir seu retorno triunfal.
No dia 19 de setembro, sob o título “A história falará”, o Diário de Alagoas
publicava o seguinte editorial, no alto da primeira página:
Desde que se implantou em Alagoas o governo do nefasto Sr. Arnon de
Mello, Alagoas nunca mais teve paz.
A vitória udenista iniciou uma série imensa e crescente de calamidades que
cobriram o estão de desolação e horror.
Com a vitória de Muniz Falcão raiou uma esperança de dias melhores. (...)
A Gazeta de Alagoas, do udenista Arnon de Mello, preferiu disfarçar sua
oposição radical a Muniz Falcão e sua torcida pelo impeachment, condenando a
sabotagem que a cidade sofreu com o corte de energia em um editorial sob o
título “Fé e sentimento”, publicado em 13 de setembro de 1957:
[...] Alagoas precisa de um rumo Alagoas quer uma estrada.
Além dos generosos editoriais, o Diário de Alagoas virou também uma
espécie de porta-voz de Muniz Falcão. Por meio dele, o governador deposto
publicou na quinta-feira, dia 19 de setembro, um dia depois de afastado do
governo por força do impeachment, sua posição sobre o episódio:
Taxa, o ponto de partida
Em 1956, em face das dificuldades do tesouro estadual, enviei ao Legislativo alagoano um projeto de lei criando a taxa pró-economia, educação e saúde, tributo esse que incidia exclusivamente sobre os produtores básicos da economia do estado: açúcar, tecidos, coco, fumo e arroz.
Destinava-se o produto da arrecadação respectiva ao atendimento do programa governamental no setor de construção de estradas e no reaparelhamento dos órgãos destinados à assistência médico-hospitalar e educativa das populações pobres. [...]
Os que não perdoam
É evidente que deputados sejam usineiros, proprietários de fábrica de tecidos, latifundiários, não perdoam nenhum governo que, em benefício da coletividade, procure reduzir, embora de modo suave, os lucros da empresa. [...]
Aumento de vencimentos
Em dezembro de 1956 a Assembleia Legislativa concedeu aumento de vencimentos a seu funcionalismo, me bases, aliás, consentâneas com as necessidades decorrentes da ascensão do custo de vida. Os servidores do Poder Executivo encontravam-se nas mesmas condições de remuneração e o meu governo já fazia estudos a fim de possibilitar o equilíbrio de seus orçamentos, aumentando-lhes a remuneração. [...]
Lutar contra imposto
Para atender ás despesas do aumento proposto, e depois de rigorosos cálculos da Contadoria Geral do estado, era mister elevar em 0,75% o imposto de vendas e consignações, que vinha sendo cobrado na base de 3, 25%. Quando da criação da taxa pró-economia, educação e saúde, resisti tenazmente às propostas que me foram feitas por deputados que hoje estão na oposição ao governo, notadamente o presidente da Assembleia Legislativa (deputado Lamenha Filho), e que propunham a transformação da taxa em aumento de imposto de vendas e consignações. [...]
O governador reclama
Nesse processo de mandato de segurança, o desembargador relator concedeu a medida liminar, o que importou em suspensão provisória da decretação do impeachment. No dia 20 de agosto, foi encaminhada pelo presidente ao desembargador Laverene Machado, relator designado para relatar o acórdão do mandado de segurança, uma reclamação minha que deu entrada na mesma data em virtude de não ter o presidente proferido o seu voto no julgamento à matéria, o que se impunha por estar em discussão a
inconstitucionalidade da Lei 1.079. Até o dia 16 de setembro não foi publicado o acórdão dessa reclamação.
“ – NÃO PODE, SOU MACHO!
IR EMBORA POR QUÊ?”
O representante da família Mendes na Assembleia ficou sendo o primo de
Humberto, Luiz Gonzaga de Barros, de 23 anos, que viera do Recife, onde
estudava Direito, para se eleger deputado estadual em 1958. Nessa eleição, o
prefeito e médico Remi Maia, de Palmeira dos Índios, também foi eleito deputado
estadual. Muniz Falcão indicou Robson Mendes para completar os dois anos de
mandato de Remi, indicação aprovada pela Câmara dos Vereadores.
Palmeira do Índios, onde o escritor Graciliano Ramos ensaiou os primeiros
textos de Caetés e Vidas Secas, era na época uma cidade às escuras. O povo
imaginava coisas, soltava boatos de que a casa de Robson havia uma cacimba
cheia de cadáveres. Até Roberto Mendes reconhece que, para sobreviver,
Robson deve mesmo ter matado muita gente. Mas nenhum lhe terá sido tão
prejudicial quanto o assassinato de sargento do Exército Fernando Ferreira da
Costa, comandante do destacamento do 20° Batalhão de Caçadores em Palmeira
dos Índios, em dezembro de 1959.
O sargento protegia uma jovem prostituta ameaçada de prisão pela polícia
de Robson. Um dia, ao fazer compras, a mulher foi vista por Robson, que mandou
prendê-la imediatamente. O sargento veio em sua direção e discutiu com os
jagunços. Foi morto com três tiros por João Vital, inspetor de quarteirão da
prefeitura.
O caldo engrossou. A briga agora era com o Exército. E, além de tudo,
Robson perdeu o cargo de prefeito nas eleições de outubro de 1960.
A situação só explodiu porque Robson, com prisão preventiva decretada
pelo Conselho Permanente da Justiça Militar, acusado de mandante da morte do
sargento, fugiu para o Recife. Só votou quinze dias antes das eleições de 1962
(nesses quinze dias, de acordo com a legislação eleitoral, não podia ser preso).
Fez uma campanha-relâmpago, elegeu-se deputado estadual. Muniz falcão, que
em 1960 tinha passado o governo ao major Luiz Cavalcanti, foi eleito deputado
federal. A família voltava ao poder.
Mas a coleção de inimigos se multiplicava. No domingo de carnaval de
1965, Robson saía do seu sítio, de carro, quando um pistoleiro lhe acertou dois
tiros, na clavícula e na mão esquerda.
O regime militar que se instalou no país fez prevalecer seu poder de força e
extinguiu os direitos políticos de Robson Mendes, deixando-o vulnerável à ação
da Justiça e da polícia locais. Em 1966, o ex-deputado teve seu mandato cassado
no processo que o apontava como mentor intelectual da morte do sargento
Fernando Ferreira da Costa.
O delegado de Palmeira dos Índios na época era Aurino, um militar durão,
“macho mesmo”, segundo Roberto Mendes. Tinha sido nomeado com o objetivo
de perseguir Robson.
(...) Ao abrir a porta para repreender o desconhecido, Aurino foi fuzilado à
queima-roupa.
Robson foi apontado como mandante.
Apesar de cassado, sua família mantinha um deputado na Assembleia:
Roberto. O sobrevivente dessa história foi eleito em 1966, ano em que Muniz
Falcão morreu de câncer, em Recife. Com a morte de Muniz, o general João
Batista Tubino assumiu como interventor até a realização de eleições indiretas,
que apontaram o primeiro governador após o golpe militar: Lamenha Filho, que
era o presidente da Assembleia na época do tiroteio.
Acuado, com pouco dinheiro, cassado, processado e cheio de inimigos,
Robson nem saía mais à noite. Ficava no sítio, com um vigia caso fosse
necessário chamar os pistoleiros Zé Crispim e Zé Gago. Ambos já haviam
assassinado nove pessoas por encomenda de Robson, como contou Zé Crispim à
polícia, mais tarde.
Robson prometeu aos pistoleiros três mil cruzeiros para matarem o
vereador José Fernandes. Este, já sabia disso e, pelo intermediário Enéas
Boiadeiro, em contrapartida, ofereceu quatro mil cruzeiros a Zé Crispim pelo
assassinato de Robson – Adeildo Nepomuceno, inimigo mortal de Robson,
ofereceu mais quatro mil pela empreitada. Adeildo tinha uma fama: só se sabia
que alguém era seu inimigo quando se aparecesse morto.
Em 8 de março de 1967, Zé Crispim e Zé Gago liquidaram o vigia do sítio
e, com a ajuda de Robson, levaram o corpo para Pernambuco, para queimá-lo.
Na volta, num lugarejo à estrada, pararam o carro para colocar água no radiador.
Ouviram-se disparos. Robson tombou com vários tiros, fulminado por Zé Crispim
e Zé Gago.
A família Mendes, porém não acreditaram nessa versão. Roberto tem
certeza de que havia, no mínimo, quinze homens de tocaia.
Zé Crispim e Zé Gago foram presos na Bahia e narraram detalhadamente a
trama para executar Robson Mendes.
PISTOLEIROS MATAM E VÃO AVISAR A MULHER DE ROBSON
Madrugada de 1967, 9 de março. Palmeira dos Índios. Dona Yane Araújo
Mendes é desperta por batidas violentas na porta. São três homens que vieram
contar que seu marido, Robson Mendes, acaba de ser vítima de uma emboscada.
ZÉ CRISPIM CONFESSA A TRAMA PARA MATAR ROBSON
Dia 14 de abril, Salvador, Bahia. Depoimento de Zé Crispim, transmitido
por telefone, da rádio Gazeta de Alagoas:
Delegado: Qual é o seu nome? Zé Crispim: José Rocha, mas vulgo Zé Crispim
[...]
Delegado: O ex-deputado Robson Mendes foi assassinado no dia 8 de março. Foi o senhor que o matou?
Zé Crispim: Fui eu sim, senhor. Matei para não morrer. Sabia que o homem ia me matar.
[...]
Delegado: Quem fez o convite para matar Robson Mendes? Zé Crispim: Quem fez o convite foi Adelmo, compadre de Adeildo,
mas mandado por ele. Foi me achar na casa de Clarindo, no Cajueiro. Recebi 2 mil e não vi mais o homem, o que mandou.
Delegado: O nome do contratante? Zé Crispim: Foi João Clarindo, mas Adeildo estava no dia.
[...]
Delegado: o que aconteceu com Robson? Zé Crispim: ... eu vinha dirigindo na caminhonete e parei. Ele desceu
de um lado, eu desci do outro. Ele me deu um revólver dele, um “Smith Weston”, e ele levava um Taurus. A gente ia com essas pistolas e dois mosquetões dentro da caminhonete. [...] ele entrou primeiro do que eu, e quando fui entrando já acompanhei ele na boca do revólver. Seu robes recebeu o tiro, bateu a mão no revólver, eu soltei o meu e fechei ele. [...] o Gago veio e atirou no seu Robes por cima da porta. Ali mesmo onde morreu, nós o deixamos, dentro da boleia.
“UM DE NÓS SERIA MORTO; ENTÃO, MELHOR O OUTRO.”
O fazendeiro José Fernandes, cuja inimizade com Robson Mendes era
conhecida de todos, confessou sua participação no crime, lembrando: “um de nós
dois seria morto; então melhor o outro.”
O único que não reconhece participação no crime é Adeildo Nepomuceno,
prefeito de Santana do Ipanema. Apontado por Zé Crispim como um dos
mandantes, jurou inocência e foi impronunciado na Justiça.
Na acareação com Zé Crispim, disse que era homem honrado, de bem, e
que não podia estar sujeito às infâmias de um bandido. Ao ouvir isso, Zé Crispim
ergueu-se:
- Bandido? Sou sim. Mas você é muito mais do que eu porque paga pra
mandar matar! E olhe: você contratou a morte de seu robes por 3 mil cruzeiros.
Foi de noite, no quintal da casa de João Clarindo, por trás da casa de farinha,
debaixo de um cajueiro. Foi sim, senhor. Não negue! E depois só me mandou 2
mil pelo João Clarindo. Além de bandido, você também é caloteiro.
João Clarindo confirmou essa versão na polícia, mas depois negou na
justiça. Por isso Adeildo foi inocentado.
O pistoleiro zé Gago foi batizado como José Marcelino da Silva. Tinha
grande dificuldade de se expressar. Aprendeu cedo o ofício de matar, influenciado
por Zé Crispim, seu porta-voz. Acusado da morte de 22 pessoas, Zé Gago não se
conformava em estar atrás das grades, já condenado a 148 anos.
Em 1968, Zé Crispim e Zé Gago fugiram da cadeia em Maceió, mas só Zé
Gago foi preso com vida. Zé Crispim não escapou ao confronto na Serra do Gorgi
com o coronel Osman Lins. Dois anos depois, Zé Gago fugiu pela última vez.
Desta vez, teve em seu encalço o temido delegado Rubens Quintela. O pistoleiro
apareceu morto em Marechal Deodoro, município vizinho a Maceió, com a versão
policial de que cometera suicídio. Foi sua quarta fuga. A última.
VALTER MENDES SOFRE O PRIMEIRO ATENTADO