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Departamento de Comunicação Social CULTURA JOVEM E NARRATIVA PUBLICITÁRIA: UM ESTUDO SOBRE ANÚNCIOS DE CIGARRO DAS DÉCADAS DE 1960/1970 Aluno: Juliana Cintra Orientador: Everardo Rocha Introdução A publicidade é a principal narrativa sobre o consumo na vida social contemporânea. Seu objetivo explícito é incentivar a venda de produtos e serviços, abrir ou ampliar mercados, fomentar a concorrência, realizando o esforço de fazer do consumo algo imprescindível, necessário, uma aspiração, uma realização do desejo de bem estar e de felicidade. Nesse sentido, a narrativa publicitária irá acionar múltiplos recursos para atingir os fins almejados, transformando os bens de consumo veiculados nas grandes mídias em algo revestido de atributos que, muitas vezes, ultrapassam as suas próprias qualidades intrínsecas e os limites de sua realidade. Para tornarem-se mais persuasivos no projeto de vender produtos e serviços, os anúncios utilizam sistematicamente representações e imagens que fazem parte do imaginário contemporâneo, atingindo desejos de consumo e ideais de vida como o da beleza feminina, da pureza da criança, do homem de sucesso, da família feliz, da alegria de viver, da realização pessoal, entre outras. Os anúncios publicitários se sofisticam e se aperfeiçoam, na busca incessante de formas mais elaboradas de chamar a atenção do consumidor. Nesse processo, procuram criar identificação e empatia, fazendo com que o consumidor, idealmente, não apenas acabe por comprar o produto ou serviço anunciado mas, no mesmo movimento, deseje aderir à própria realidade de consumo elaborada em cada uma e em todas as narrativas publicitárias. Assim, a narrativa publicitária e o consumo são fatores estruturantes para a sociedade na medida em que ditam comportamentos e ideologias para a massa consumidora através das diferentes mídias, influenciando fortemente os indivíduos com sua atuação. A publicidade no sistema industrial, ao visar o convencimento do consumidor, acaba por se tornar uma forma importante de poder social, sendo mesmo considerada um instrumento de controle. Entre as múltiplas representações e imagens utilizadas pela publicidade para atingir seus objetivos concretos de venda e seus objetivos ideológicos de fomentar o consumo em geral, uma das imagens mais importantes é a do jovem e da juventude, tanto como categoria etária concreta quanto como um desejo e um ideal a ser atingido através do consumo. Por tudo isso, acreditamos encontrar na escolha das representações e imagens do jovem e da juventude na publicidade, com foco nos anúncios de cigarros das décadas de 1960/1970, um tema de investigação a partir do qual poderemos chegar a análises e interpretações importantes sobre a complexa relação entre sociedade e narrativa publicitária. O jovem e a juventude, representação tão forte na publicidade atual, começa a ganhar destaque nos anúncios a partir destas décadas, e as marcas de cigarro utilizam constantemente imagens dos jovens nos seus anúncios. O cigarro, naquela época, era também um dos mais fortes anunciantes do mercado publicitário e presente em todas as grandes mídias, tanto no Brasil quanto no exterior.

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Departamento de Comunicação Social

CULTURA JOVEM E NARRATIVA PUBLICITÁRIA: UM ESTUDO SOBRE ANÚNCIOS DE CIGARRO DAS DÉCADAS DE 1960/1970

Aluno: Juliana Cintra

Orientador: Everardo Rocha Introdução

A publicidade é a principal narrativa sobre o consumo na vida social contemporânea. Seu objetivo explícito é incentivar a venda de produtos e serviços, abrir ou ampliar mercados, fomentar a concorrência, realizando o esforço de fazer do consumo algo imprescindível, necessário, uma aspiração, uma realização do desejo de bem estar e de felicidade. Nesse sentido, a narrativa publicitária irá acionar múltiplos recursos para atingir os fins almejados, transformando os bens de consumo veiculados nas grandes mídias em algo revestido de atributos que, muitas vezes, ultrapassam as suas próprias qualidades intrínsecas e os limites de sua realidade.

Para tornarem-se mais persuasivos no projeto de vender produtos e serviços, os anúncios utilizam sistematicamente representações e imagens que fazem parte do imaginário contemporâneo, atingindo desejos de consumo e ideais de vida como o da beleza feminina, da pureza da criança, do homem de sucesso, da família feliz, da alegria de viver, da realização pessoal, entre outras. Os anúncios publicitários se sofisticam e se aperfeiçoam, na busca incessante de formas mais elaboradas de chamar a atenção do consumidor. Nesse processo, procuram criar identificação e empatia, fazendo com que o consumidor, idealmente, não apenas acabe por comprar o produto ou serviço anunciado mas, no mesmo movimento, deseje aderir à própria realidade de consumo elaborada em cada uma e em todas as narrativas publicitárias.

Assim, a narrativa publicitária e o consumo são fatores estruturantes para a sociedade na medida em que ditam comportamentos e ideologias para a massa consumidora através das diferentes mídias, influenciando fortemente os indivíduos com sua atuação. A publicidade no sistema industrial, ao visar o convencimento do consumidor, acaba por se tornar uma forma importante de poder social, sendo mesmo considerada um instrumento de controle. Entre as múltiplas representações e imagens utilizadas pela publicidade para atingir seus objetivos concretos de venda e seus objetivos ideológicos de fomentar o consumo em geral, uma das imagens mais importantes é a do jovem e da juventude, tanto como categoria etária concreta quanto como um desejo e um ideal a ser atingido através do consumo.

Por tudo isso, acreditamos encontrar na escolha das representações e imagens do jovem e da juventude na publicidade, com foco nos anúncios de cigarros das décadas de 1960/1970, um tema de investigação a partir do qual poderemos chegar a análises e interpretações importantes sobre a complexa relação entre sociedade e narrativa publicitária. O jovem e a juventude, representação tão forte na publicidade atual, começa a ganhar destaque nos anúncios a partir destas décadas, e as marcas de cigarro utilizam constantemente imagens dos jovens nos seus anúncios. O cigarro, naquela época, era também um dos mais fortes anunciantes do mercado publicitário e presente em todas as grandes mídias, tanto no Brasil quanto no exterior.

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Objetivos O consumo é um dos eixos centrais da nossa cultura. Não por acaso, é comum nos

referirmos ao mundo contemporâneo, utilizando a expressão “sociedade de consumo”. Dessa forma, o estudo do consumo e da narrativa publicitária pode abrir uma excelente perspectiva para compreender melhor nossas representações, nossas experiências, nossas práticas e nossos estilos de vida. Esta pesquisa, portanto, tem por objetivo realizar a análise das imagens e representações dos jovens e da juventude tal como elaboradas nas propagandas de cigarro das décadas de 1960 e 1970. A escolha desse período como recorte temporal da pesquisa se deve ao fato de que nele, influenciado pelo contexto social, político e econômico no qual o país se encontrava, o jovem e a ideia de juventude passam a ser um dos eixos centrais empregados nos anúncios publicitários como uma representação extremamente propícia para a venda e o consumo de produtos e serviços. Com isso, verifica-se que narrativa publicitária e contexto social dialogam entre si em mão dupla. Tanto a publicidade, ao tornar-se fator estruturante para a sociedade, passa a significar um modelo a ser seguido pelo público consumidor, quanto o modo de vida e características específicas de determinado local e tempo devem ser levados em consideração nos anúncios para que haja identificação e empatia por parte do consumidor.

Metodologia

Na realização desse estudo, foi usado o método qualitativo, com utilização de pesquisa em profundidade e análise do discurso - imagens e textos - dos anúncios do período. Para tanto, foram coletados anúncios publicitários de diversas marcas de cigarro nas décadas de 1960 e 1970, nas principais revistas brasileiras da época, Veja e Realidade. Dentro deste conjunto de anúncios, foi privilegiado o recorte naquelas marcas que dialogavam mais diretamente com o jovem e a juventude, reparando nas diferenças entre estas propagandas e as propagandas direcionadas para o público adulto.

A partir dos anúncios das marcas selecionadas foi feita análise do discurso de forma a comparar textos, imagens, simbologias e características presentes nas propagandas da marca Hollywood, voltada para o público jovem, e nas propagandas de marcas fortemente ligadas ao público adulto, destacando nomes tais como o Minister, Hilton, Carlton e Du Maurier. Foram observadas as associações de poder, os cenários, o simbolismo e o estilo de vida dos personagens presentes nos anúncios, a maneira como se vestem, a luminosidade das fotografias, a angulação, entre outros elementos que ajudam a compor aquele universo.

Figuras 1 e 2. Marcas de cigarro voltadas para o público adulto.

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Foi realizada também uma revisão bibliográfica sobre temas como os aspectos

socioculturais e políticos do período histórico tratado, as relações entre juventude e consumo, além de uma avaliação da narrativa publicitária sobre o cigarro e outros produtos e serviços anunciados na época. Conclusões

Analisando as propagandas das maiores marcas de cigarro das décadas de 1960/1970 presentes nas revistas brasileiras Veja e Realidade, foi feito um recorte nos anúncios que tratavam, particularmente, da juventude. Entre este material, há um evidente destaque para a marca de cigarros Hollywood que, a partir da década de 1970, retratava a juventude de maneira direta em suas propagandas. Esta empresa foi a primeira a se dirigir sistematicamente ao público jovem, através das imagens e textos de seus anúncios.

Figura 3. Exemplo de imagem e texto direcionados ao público jovem. Parte do texto

do anúncio: Ao sucesso com Hollywood. Sucesso. O estímulo. Chegar lá. Na competição esportiva. Na pesquisa. Na faculdade. E acompanhando a ação jovem, Hollywood aceso.

Na década de 1960 as agências de publicidade dos Estados Unidos ditavam as normas

do processo de criação em diversos países, inclusive no Brasil. Elementos da cultura norteamericana foram importados, muitas vezes, sem que houvesse adequação à cultura local, não representando bem o contexto brasileiro da época. Este processo resultou, no entanto, em desenvolvimento e renovação da linguagem e do modo de criar e produzir anúncios no país, aproximando a propaganda do que ela é hoje no Brasil.

Os anúncios desta década foram, portanto, afetados ao não se adequarem ao contexto local. O país, que passava por mudanças importantes através da realização de projetos culturais e ideológicos, com grande representatividade da juventude, não exprimia essa realidade em seus anúncios. A partir da década de 1970, algumas marcas como Hollywood começam a colocar em evidência mais enfaticamente o cenário brasileiro. Associações simbólicas específicas para dialogar com o público jovem são inauguradas por esta marca, tais

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como a relação com a natureza, com a prática de esportes radicais e utilização e valorização de automóveis.

A larga utilização de cenários naturais, florestas, praias, lagos, é notada nos anúncios da Hollywood. O jovem em contato com a natureza fica evidenciado em anúncios nos quais personagens aparecem escalando montanhas ou saltando de asa-delta. Além disso, a associação da juventude com a prática de esportes radicais como o surfe, o rafting, o salto de asa-delta e o snowboard. A maioria das propagandas se passava em cenários diurnos, retratava jovens saudáveis e bem vestidos que quase sempre estavam em grupo. A imagem do casal também era utilizada com frequência. A marca trabalhou fortemente também a relação do jovem e a valorização dos automóveis. Os anúncios, que costumavam retratar jovens passeando em seus carros, sempre mais despojados, como bugres e conversíveis, posteriormente passou a mostrar jovens em carros de Fórmula 1. Portanto, ficam evidenciadas, através dessas associações, a intensa utilização da juventude articulada com representações como velocidade, ousadia, aventura, sedução.

Figuras 4 e 5. As temáticas abordadas nos anúncios da Hollywood.

Verifica-se, contudo, que os anúncios da marca Hollywood não se dirigiam ao jovem

brasileiro revolucionário, hippie e ativista político que estava em evidência no país naquela época. A faixa da juventude a qual a marca se dirigia também era limitada. Hollywood, ao retratar o jovem de classe média alta, bem sucedido e saudável, em busca do sucesso no trabalho e nos estudos e da prática de esportes, conquista também o público adulto. A juventude representada nos anúncios é bem vista pelas outras classes etárias e sociais, ou seja, não foi determinado pela marca um público alvo em detrimento de outro. Os textos encontrados nas propagandas dão forma a esse jovem que é determinado em sua busca pelo sucesso e por aventuras. Palavras chave como “progresso”, “vitória”, “trabalho em equipe”, “faculdade” e “estímulo” são encontradas com frequência nos anúncios da marca.

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Figuras 6. A representação do jovem de classe média alta, em busca do sucesso

profissional e de aventuras, nos anúncios da Hollywood. Ao se apossar deste simbolismo que representava a juventude nas propagandas do

Hollywood, a pesquisa buscou examinar de que maneira os anúncios direcionados ao público adulto se diferenciavam em sua constituição. Para embasar esta análise, foram verificadas as marcas de cigarro mais fortemente direcionadas aos adultos, sobretudo do sexo masculino. Dentre as marcas encontradas podem ser citadas Hilton, Du Maurier, Carlton e Minister. Essas marcas costumavam retratar em seus anúncios o universo adulto com cenários suntuosos, festas sofisticadas, carros luxuosos e pessoas bem vestidas em um simbolismo característico do poder social da faixa etária mais velha à qual se dirigia.

Figuras 7, 8 e 9. Marcas de cigarro voltadas para o público adulto. Referências

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1 - BARTHES, Roland. Mitologias. São Paulo: Difel, 1972. 2 - BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 1981. 3 - BOURDIEU, Pierre. A distinção. São Paulo: Zouk/Edusp. 2007. 4 - DOUGLAS, M. e ISHERWOOD, B. O mundo dos bens. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2004. 5 - LUHMANN, Niklas. A realidade dos meios de comunicação. São Paulo: Paulus, 2005. 6 - MCCRACKEN, David. Cultura e consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003. 7 - ROCHA, Everardo. Magia e capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1985. 8 - _______. A sociedade do sonho. Rio de Janeiro: Mauad, 1995. 9 - _______. As representações do consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2006. 10 - ______ e PEREIRA, Cláudia. Juventude e consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2009