cultura e contracultura - relações entre conformismo e utopia

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  • N211 Semestre de 2009 Revista FACOM

    Resumo Abstract

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    Cultura e Contracultura1

    O conceito polmico de gerao um conceito marxista. Mas no leninista, e sim lennonista. Adeus, Lnin, bem-vindo Lennon! O marxismo-leninismo morreu, viva o marxismo-lennonis-mo!2 E falar em gerao falar em gerao baby-boom. Aquela gerao que nasceu no imediato ps-II Guerra (meados dos anos 1940, incio dos 1950) e que hoje j passou pela experincia do poder em vrias partes do mundo. E como professor baby-boomer, nascido em 1951, sempre digo orgulhoso aos meus alunos, at com certa empfia, que perteno a uma gerao totalmente mais: mais alta, mais bonita, mais ousada, mais inteligente, mais revolucio-nria, mais criativa. E mais mentirosa tambm!...3 A gerao baby-boomer est ultrapassando a maturidade. Cantada nos versos de Pete Tow-shed, do The Who, - em My generation (1967): I hope I die before I get old (espero morrer an-tes de ficar velho), a gerao dos que nasceram e se formaram no contexto da Guerra Fria, da aventura espacial, da revoluo cientfica e tecnolgica, da emergncia do rock, da revoluo

    The sixties counterculture relationship with culture is the same between the germany concept Bildung and Kultur, between the utopy and conformism. .

    Keywords: Counterculture, utopy, cultural policy.

    A relao da contracultura dos anos 1960 com a cultura como a

    mesma relao que se estabelece en-tre os conceitos de cultura em alemo: Bil-

    dung versus Kultur, entre a utopia e o conformismo.

    Palavras-Chave: Contracultura, utopia, poltica cul-tural.

    Martin Cezar Feij

    Para minha filha Beatriz, aquariana.

    I hope I die before I get old- Pete Towshed, The Who,

    My Generation (1967)Se vestem como Tarzan,tm o cabelo de Jane, mas cheiram como a Chita- Ronald Reagan, ento governador da Califrnia, referindo-se aos hippies (1967).

    Relaes entre conformismo e utopia

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    sexual, da luta pelos direitos civis, e que pude-ram testemunhar, ou at participar ativamen-

    te, de transformaes importantssimas, que at hoje assustam conservadores

    de vrios tons e ideologias. E parte desta gerao, no toda,

    nem a maioria, mas a mais barulhen-ta, espalhafatosamente vestida, ou es-

    candalosamente despida, fez parte de um movimento cultural que merece uma

    abordagem histrica sem preconceitos ou comentrios superficiais e tendenciosos. Um

    grupo pequeno que propunha mesmo que te-nha reunido quase meio milho de pessoas em um nico evento, o Festival de Woodstock no ve-ro de 1969, Estado de Nova York, EUA - uma mudana radical de valores e sentimentos e que acreditava num futuro melhor. Revolucionrio, enfim. At j se disse que a diferena entre o conser-vador e o revolucionrio que o conservador pessimista com relao ao futuro e otimista com relao ao passado. O revolucionrio, tambm independentemente do que advoga, e da forma como - se violenta ou pacfica, se no terreno das idias ou da ao -, se caracteriza exatamente por uma profunda confiana (quase sempre de forma exagerada) na capacidade humana em construir a prpria histria. o que est na base de todas as utopias, para o bem e para o mal. Para o conservador, o melhor da histria j ocor-reu. E num passado, preferencialmente remoto, anterior Revoluo Francesa. Normalmente, o conservador um crtico das utopias em nome de uma aparentemente sagrada lucidez.

    No fundo, e nem sempre assumido, um nostlgico da Idade Mdia, quando as mulheres e servos sabiam seu papel social. Para o revolucionrio, por seu lado, a His-tria est por se fazer, o que no tem pro-blema algum, nem se pode dizer ser uma afirmao inconsistente. O problema est em sua crena, a de que a histria de-pende profundamente dele, quando no exclusivamente. Neste sentido, um tanto ampliado, to revolucionrio um Stalin, que tentou fazer histria a machadadas (como a que desabou sobre a cabea de Trotsky, outro revolucionrio, por exemplo) quanto um Henry Ford, para quem a Hist-ria no importava, s o presente.Portanto, os conceitos aqui no so em-pregados com sentido poltico-ideolgico, seja afirmativo ou negativo, mas no sen-tido em que seus agentes o entenderam, mesmo que equivocados. E o papel da ge-rao baby-boom que assumiu um papel social transformador teve uma especifici-dade histrico-cultural.O objetivo deste texto, como parte de uma pesquisa mais ampla, abordar uma uto-pia que esteve presente numa busca a uma alternativa Guerra Fria, a que di-vidia o mundo em dois sistemas poltico-ideolgicos: o capitalista e o comunista. E esta alternativa recebeu vrios nomes, mas pode ser sintetizada e historicamente analisada por um conceito: contracultura. Mas a utopia da contracultura no pode

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    Cena do musical Hair

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    ser compreendida sem a cultura, da qual faz par-te, mesmo que a negando. E utopia aqui entendido em seu sentido original, de u-topos, de no-lugar, o lugar no existente, a ser construdo pela vontade histrica. Mesmo que possa adquirir o sentido em que o senso comum o atribui: como o sonho impossvel de se realizar, como uma perda de tempo de sonhadores, ou fa-nticos, sem noo de realidade, como mito a ser desmistificado. O mesmo que dizem os cticos com relao a qualquer crena, a qualquer reli-gio, a qualquer, em suma, utopia. Utopia vista como sonho, no sentido de John Lennon deu quando respondeu a quem o cha-mava de sonhador no sentido pejorativo em Imagine: but Im not only one (mas eu no sou o nico). Ou como o I have a dream (eu tenho um sonho) de Martin Luther King. H um otimismo na utopia assim como h pes-simismo na distopia. Ambos como parte de uma cultura, seja em que sentido for.

    Conceito de cultura

    O conceito de cultura um conceito polissmico, flexvel e complexo. Cultura pode ser vista tanto do ponto de vista da antropologia cultura como regra -, como do Aufklrung alemo: Bildung - cultura como exceo. Do ponto de vista da an-tropologia Kultur em alemo tem mais um sentido de Civilizao, como algo pronto, defini-do. Tem relao com identidade de um povo, de uma etnia, de uma tribo, de uma classe e seu peso sobre os coraes e mentes decisivo como alertou Marx sobre os mortos governando os vivos. Kultur, tambm em alemo, tem rela-o com o Zeitgeist, o esprito do tempo. Foi este sentido que Freud deu ao seu O mal-estar da civilizao - em alemo, Das Unbeha-gen in der Kultur, (publicado em 1930), e muitas vezes traduzido para o portugus como O Mal-estar na cultura, o que no somente compre-ensvel, como correto, embora impreciso quanto existncia de outro conceito em alemo mais consistente e mais moderno. Freud d um sen-tido ao conceito mais antropolgico, da cultura como norma, costume e regras dominantes, e como se manifestam no mundo moderno, mes-mo que ele distinga com muita preciso os ter-mos Kultur e Zivilization.4

    Bildung: formao intelectual, moral e esttica

    J o conceito de Bildung, surgido no Aufklrung alemo, no Iluminismo da poca de Kant, Goethe e Hegel, implica em uma relao com a cultura no plano mais individual, mais privada, mais sub-jetiva, tendo a ver com educao, mais propriamente formao5: formao inte-lectual, moral e esttica. Um princpio ilu-minista que procura especificar bem trs aspectos decisivos quanto contribuio individual a um quadro cultural.- Formao intelectual quanto a uma cultu-ra obtida formalmente, cultivada, ligada ao papel da escola na transmisso do conhe-cimento. Mas racional e lgica, em suma. - Formao moral, que se aproxima do conceito de Kultur, tendo relao com identidade, com valores que no so ne-cessariamente transmitidos, e nem teria como, pela escola, e sim pela famlia, in-cluindo nisto o papel da religio. - E, por fim, formao esttica, no ape-nas quanto aos critrios artsticos, mas principalmente quanto ao gosto, que no se aprende apenas na escola ou na esfera privada, mas principalmente na experincia de vida fora desses ambientes. Esttica aqui no vista como uma categoria inte-lectual de juzo artstico, mas com relao a sua origem etimolgica do grego aeste-sia: sentir na pele, mobilizar todos os sen-tidos na relao com o prazer do que se v, se ouve, se come, se cheira ou se toca.Na formao intelectual, a cincia; na for-mao moral, os valores; na formao es-ttica, a percepo. Cultura como regra de um lado, como pos-sibilidade de subverso do outro. Era este o verdadeiro sentido, mesmo que assus-tador, que lhe dava o dramaturgo nazista Hans Jhost, ao afirmar que quando ouvia a palavra cultura, logo carregava seu revl-ver, assim como foi este que o banqueiro norte-americano Nelson Rockefeller, paro-diando o nazista aps a II Guerra, quando afirmou que ao ouvir a palavra cultura logo pegava seu talo de cheques!...

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    Embora profundamente diversos; o nazista e o capitalista, e seus peculiares e especficos mo-dos ideolgicos, haviam compreendido bem o significado da palavra cultura. O primeiro em sua truculncia contrria a liberdade que a cultura representa; o segundo ao estabelecer com uma sutil graa que tudo passa a ser determinado pe-las leis do mercado, o que acabou mesmo ocor-rendo no momento que a cultura como Bildung se transformou em cultura como Kultur, a regra vencendo a exceo.

    Contracultura

    Contracultura foi o nome que recebeu a rebelio de jovens na segunda metade da dcada de 60 do sculo XX, principalmente jovens universit-rios norte-americanos de classe mdia que se recusavam a cumprir servio militar em funo da Guerra do Vietn. Buscando uma vida alter-nativa, tambm criavam uma nova msica e ne-gavam uma sociedade de alta tecnologia e so-ciedade de consumo correspondente. O que permitiu a emergncia desta categoria social os jovens foram as transformaes decorrentes do ps-guerra. Eric Hobsbawm cha-ma o perodo de era dourada, pois foi marcada por um desenvolvimento econmico sem pre-cedentes, permitindo no apenas consolidar os Estados Unidos como potncia mundial, mas a reconstruo da Europa e o enfrentamento do subdesenvolvimento na Amrica Latina. No Bra-sil, o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) implantou um Plano de Metas que permi-tiu a instalao da indstria automobilstica e a construo de Braslia, apesar do alto endivida-mento externo. A exploso demogrfica, conhecida como baby-boom, foi fruto de uma euforia decorrente do otimismo, refletido em nmeros, do perodo que sucedeu a grande catstrofe. Foi neste perodo que se consolidou a televiso como utenslio

    domstico, incluindo vrios outros, entre eles a mquina de lavar roupas, tida re-centemente pela Igreja Catlica como a verdadeira responsvel pela emancipa-o da mulher no sculo XX, e no a p-lula anticoncepcional.6 O crescimento econmico permitiu o sur-gimento de uma nova, e ampliada, classe mdia nas reas metropolitanas, e no apenas nos pases desenvolvidos. So os filhos dessa nova classe mdia, to bem estudada por C. Wright Mills (intelectual to importante para a sociologia norte-americana quanto Florestan Fernandes para a brasileira), que vo formar o exr-cito, em que pese a ironia, dos batalhes do flower power. Formados pela televi-so, tiveram acesso a uma informao mais variada e escolaridade ampliada, inclusive com o fim da separao entre sexos nas escolas tanto no ensino mdio quanto no universitrio. Com mais tempo, mais informao e mais dinheiro, passa-ram no s a consumir quanto questionar a sociedade de consumo. Surge assim a categoria social do jovem; consumidor de um lado, sim, mas tam-bm pronto para exigir seus direitos de cidadania. No se trata, portanto, nem de mito, nem de bobagem sociolgica, mas de uma nova configurao histrica com todas suas conseqncias. Uma delas, o protesto contra a cultura de seus pais, do american way of life aos li-mites de um etnocentrismo WASP (bran-co, anglo-saxo, protestante). A contracultura , neste sentido bsico, uma criao norte-americana, considera-se parte de um sonho americano, e in-fluenciou jovens no mundo todo, inclusive no mundo comunista, apesar das restri-es de informaes.

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    Um ato de rebeldia contra as normas vigentes em todos os nveis: intelectuais, morais e estticos. Uma revoluo cultural mais do que poltica, ape-sar das grandes conseqncias polticas. No Brasil, um intelectual teve importncia decisiva na divulgao desta tendncia: Lus Carlos Maciel, inicialmente atravs de uma coluna no semanrio O Pasquim, intitulada Underground, posteriormen-te na tentativa de criar publicaes prprias.7 Nos trs nveis de uma Bildung, os militantes da contracultura refletiam, atuavam e cantavam: no plano intelectual, podiam tanto se dizer inspira-dos em pensadores como Herbert Marcuse ou Nietszche. Escritores da Beat generation, como o On the road de Jack Kerouac (que est viran-do filme dirigido pelo brasileiro Walter Salles), ou o Uivo de Allen Ginsberg, assim como o ingls Aldous Huxley (principalmente o de The doors of perception), tambm tiveram um importante destaque. Podiam ainda se fundamentar nas pesquisas de uma antroploga como Margareth Mead junto s comunidades de Samoa, no Pacfico sul, nos anos 1920,8 que demonstrava a possibilidade antropolgica de uma vida sexual livre, o que fundamentava um novo plano moral para o mo-vimento hippie.9O que demonstra que contracultura no signi-ficava um movimento antiintelectual, a favor da ignorncia, mas contra a cultura dominante, a favor de uma nova cultura, em todos os nveis, uma cultura alternativa. No plano esttico, o importante papel desempenhado pela msica,

    atravs da enorme inventividade e talento de vrias bandas, cantores e guitarristas que se revelavam atravs do rock.10O historiador Eric J. Hobsbawm, em seu j clssico Era dos Extremos, assim defi-niu o contexto em que intitulou de Revo-luo Cultural :

    A cultura jovem tornou-se a matriz da revoluo cultural no sentido mais am-plo de uma revoluo nos modos e cos-tumes, nos meios de gozar o lazer e nas artes comerciais, que formavam cada vez mais a atmosfera respirada por homens e mulheres urbanos. Duas de suas caracte-rsticas so, portanto, relevantes. Foi ao mesmo tempo informal e antinmica, so-bretudo em questes de conduta pessoal. Todo mundo tinha que estar na sua, com o mnimo de restrio externa, embora na prtica a presso dos pares e da moda im-pusesse tanta uniformidade quanto antes, pelo menos dentro dos grupos de pares e subculturas. 11

    Um produto importante da contracultura foi o musical Hair, que est sendo remon-tado na Broadway neste ano de 2009, o que comprova a atualidade ou mesmo a nostalgia daquele movimento. A pea Hair trazia uma novidade aos palcos tra-dicionais: era uma pera-rock. Hair foi um projeto dos atores Gerome Ragni e

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    Cena do musical Hair

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    James Rado, com msica de Galt MacDermot, que teve sua estria off-Broadway em outubro de 1967 no Teatro Pblico de Joseph Papp, em Nova York. Seu sucesso imediato permitiu ir para a Broadway em abril de 1968, ficando quatro anos em cartaz, com sucesso absoluto, com quase duas mil apresentaes em Nova York e com n-meros semelhantes por onde foi montada, como em Londres, por exemplo. No Brasil, Hair foi dirigida por Ademar Guerra (1933-1993) j em 1969, ficando dois anos em cartaz, tambm com sucesso.12 Um mito marcava a pea, o mito que o movi-mento hippie incorporou como utopia, a do incio de uma nova Era, a Era de Aqurio (ver letra de Aquarius no Box), que segundo alguns hippies e astrlogos, amadores ou profissionais, teve seu incio no dia 14 de fevereiro de 2009, ao en-cerramento da Era de Peixes, dos dois mil anos de mensagem crist. A crena na Era de Aqurio vem sendo ridicula-rizada por vrios intelectuais cticos, o que no deve surpreender. Desde Aristteles, passando por Rousseau, sabemos que a diferena entre fico e histria, arte e cincia, est entre a mentira verossmil e o verossmil comprovado. Enquanto a verdade da cincia deve ser confir-mada pela pesquisa emprica, a verdade da poe-sia est na verdade que pode haver na mentira. A Era de Aqurio pode ter sido uma inveno que um picareta do tipo Aleister Crowley (guru que Paulo Coelho esconde e John Lennon co-locou na capa do Sgt. Peppers) promoveu e se autopromoveu, mas sua incorporao na performance coletiva conhecida como movimen-to Hippie foi uma atitude esttica com toda carga de utopia (no sentido exposto acima) que merece respeito como qualquer crena, por mais ingnua que seja, e que se torna problemtica quando vira ideologia, o que no caso da contracultura, seria um contrassenso.

    O fim de um sonho?

    Em 1970, John Lennon concedeu uma entrevista ao editor da revista Rolling Stone, Jann Wen-ner, que lhe perguntou, comentando a letra po-lmica da msica God, onde afirmava o famoso The dream is over (o sonho acabou 13): - Quando soube que estava caminhando para o verso I dont believe in Beatles (eu no acredito nos Beatles)?

    John Lennon respondeu que no sabia quando havia chegado ao fim de todas aquelas coisas em que antes acredita-va, e que os Beatles tambm haviam se transformado em um mito que ele no acreditava mais.14 Mas, curiosamen-te, foi um ano depois daquela entrevista que John Lennon gravou Imagine (1971), onde se declara sonhador, e que deu incio a uma trajetria mais politizada e s encerrada com os tiros que recebeu de um suposto f na porta de seu prdio, o Dakota, em Nova York.15 Vrios outros fatos poderiam ser levanta-dos como indicaes de um fracasso da utopia hippie16:- O massacre comandado pelo guru tido como hippie, Charles Manzon, na casa do cineasta Roman Polanski, onde vrias pessoas foram assassinadas, incluindo sua mulher, a atriz Sharon Tate, grvida;- O festival de Altamont, na Califrnia, numa apresentao da banda Rolling Stones, quando um espectador negro, e armado, foi apunhalado por um Hell Angels, que fazia a segurana do festival por sugesto da prpria banda, em de-zembro de 1969;- A radicalizao armada de alguns gru-pos hippies e o aprofundamento da re-presso no governo Nixon;

    Aquarius

    When the moon is in the Seventh HouseAnd Jpiter aligns with Mars

    Then peace will guide the planetsAnd love will steer the stars

    This is the dawning of the age of AquariusThe age of Aquarius

    Aquarius!Aquarius!

    Harmony and understandingSympathy and trust abounding

    No more falsehoods or derisionsGolding living dreams of visions

    Mysthic crystal revelationAquarius!Aquarius!

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    - A transformao da distribuio de drogas numa indstria global de narcotrfico;- A absoro de um estilo de vida a uma indstria da moda e da sociedade de consumo to criticada pelos hippies, entre outros.17 Mas a questo central do legado da contracultura vai alm da piada do jornalista de que o legado de Woodstock foi o renascimento do piolho.18 Hoje, com a vitria de Barak Hussein Obama para presi-dente dos EUA, s para citar um exemplo represen-tativo, pode-se dizer que as lutas polticas da contra-cultura pelos direitos civis finalmente vm obtendo resultados concretos e realistas, e que mesmo se a contracultura tenha sido absorvida pelo mercado (o que no ?), algumas questes ainda so importan-tes na agenda poltica, como diz o prprio Obama:

    A fria da contracultura pode ter se dissi-pado mais em consumismo, opes de vida e preferncias musicais do que em compro-metimento poltico, mas os debates relativos a questes raciais, guerra, pobreza e as rela-es entre os sexos no avanaram. 19

    Portanto, a relao entre a utopia e o confor-mismo na contracultura implica na diferena entre uma posio aberta s transforma-es scio-culturais estabelecidas na agen-da poltico-cultural dos movimentos juvenis dos anos 1960, menos at do que uma pla-taforma poltica e ideolgica de aspirao ao poder.

    God(John Lennon, 1970)

    God is a concept by which we measure our pain

    God is a concept by which we measure our painYeah, pain yeah, pain

    I dont believe in magicI dont believe in I ChingI dont believe in Bible I dont believe in Tarot I dont believe in HitlerI dont believe in Jesus

    I dont believe in Kennedy I dont believe in Buddha I dont believe in Mantra

    I dont believe in GitaI dont believe in YogaI dont believe in KingsI dont believe in Elvis

    I dont believe in ZimmermanI dont believe in BeatlesI dont believe in Beatles

    I just believe in meYoko and me

    And thats realityThe dream is over, what can I say

    The dream is over yesterdayI was the dream weaver but Im reborn

    I was the walrus but now Im JohnAnd so dear friends

    youll just have to carry onThe dream is over

    Imagine(John Lennon, 1971)

    Imagine theres no heavenIts easy if you tryNo hell below us

    Above us only skyImagine all the people

    Living for todayAha

    Imagine theres no countryIt isnt hard to do

    Nothing to kill or die forAnd no religion too

    Imagine all the peopleLiving life in peace

    Yoo-hooYou may say that Im a dreamer

    But Im not the only oneI hope some day youll join usAnd the world will be as one

    Imagine no possessionsI wonder if you can

    No need for greed or hungerA brotherhood of manImagine all the peopleSharing all the world

    Yoo-hooYou may say that Im a dreamer

    But Im not the only oneI hope some day youll join usAnd the world will live as one

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    E principalmente, no que tange a uma vida mais livre, mais natural e menos preconceituosa. Romntica e utpica. Romntica, mas no sentido que lhe dava o filsofo e naturalista Henry David Thoreau (1817-1862), ao criar o importante concei-to de Desobedincia Civil20; to bem apropriado, com resultados prticos em benefcio da humani-dade, por lderes como Mahatma Gandhi, Martin Luther King e Nelson Mandela. Utpica, nos dois sentidos, mas alternativa, pelo menos existencial e esteticamente, a um conformismo dominante. Uma questo poltico-cultural, portanto. E que os versos do jovem Pete Towshend so-bre a prpria gerao que no queria morrer de velhice, que est fisicamente envelhecendo, mesmo tendo se livrado dos piolhos (at porque muitos cabelos caram), possa significar no a morte do ainda jovem, mas a maturidade alerta e atualizada no sculo XXI, em que ainda, mais do que nunca, preciso estar atento e forte/ No temos tempo de temer a morte/ Tudo divino, maravilhoso, como diz a letra de uma msica histrica, e contracultural, de Caetano Veloso e Gilberto Gil na bela voz da bela Gal Costa, minha paixo juvenil.

    1 Palestra realizada como parte do curso FAAP Humanit, em parceria com IDP (Instituto de Di-reito Pblico Brasiliense), Braslia, 01 de abril de 2009. 2 Marxismo-lennonismo, mas tambm poderia ser groucho-marxismo. Na verdade, uma forma metafrica e bem-humorada de quebrar um pouco a sisudez dos bancos acadmicos. Sobre o groucho-marxismo, ver Bob Black. Groucho-marxismo. Traduo de Michele de Aguiar Vartulli. So Paulo: Conrad do Brasil, 2006.3 Em cincias humanas, no existe uma distino clara entre fatores subjetivos e objetivos nas anlises de processos sociais. O positivismo acreditou na pos-sibilidade de uma cincia pura, mas as contribuies intelectuais mais significativas na modernidade nun-ca esconderam suas principais motivaes ideolgi-cas. Ideolgicos so sempre os outros, uma maneira desonesta de camuflar os prprios interesses. do importante cientista social norte americano C. Wright Mills, que desenvolveu o conceito de imaginao so-ciolgica, a pertinente observao de que condies sociais e intelectuais no excluem uma viso pessoal, sendo este um sentido sobre a fuso de vida pessoal e intelectual (Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios. Traduo de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009, pg. 28).

    4 Sobre este livro de Freud, ver: Jacques Le Rider; Michel Plon e Grard Raulet. Em torno de O mal-estar na cultura de Freud. Tradu-o de Carmen Lcia Montechi Valladares de Oliveira e Caterina Koltai. So Paulo: Escu-ta, 2002. E Jean-Michel Quinodoz. Ler Freud. Guia de leitura da obra de S. Freud. Traduo de Ftima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2007, pp. 257-263. 5 Uma boa introduo ao conceito tal como est trabalhado aqui dada pelo francs Vic-tor Hell: A idia de cultura (So Paulo, Martins Fontes, 1994) e um desenvolvimento mais de-talhado em Dieter Schwanitzer: Cultura geral (So Paulo, Martins Fontes, 2006), Bildung no original. bastante interessante a vida deste professor de histria da cultura na Alemanha que teve de se aposentar para publicar sua obra principal porque quando na ativa ocupa-va seu tempo em preencher relatrios exa-tamente sobre sua produtividade (!). Morreu quando o livro foi publicado na Alemanha e no pode ver o sucesso que se tornou com mais de 2 milhes de livros vendidos. Ironias da academia!!!... Se num pas desenvolvido isto ocorre, imagine num atrasado!...6 Emancipao feminina em trs velocida-des. Revista da Semana. 19 de maro de 2009, pp.10-11.7 No O Pasquim de 08 de janeiro de 1970, Maciel publicou um Manifesto Hippie, em que comenta a diferena de vises de mundo, es-tabelecendo um contraste entre o que chama de velha razo e nova sensibilidade. Uma anlise desta comparao pode ser vista em Cludio Novaes Pinto Coelho. A contracultu-ra: o outro lado da modernizao autoritria. In: Anos 70: trajetrias. So Paulo: Iluminuras/ Ita Cultural, 2005.pp.41-44. 8 Orientanda de Franz Boas na Universidade de Colmbia, Nova York mesma universida-de e mesmo orientador de Gilberto Freyre -, Margareth Mead (1901-1978) escandalizou meios acadmicos e sociais quando sua tese sobre a vida sexual de jovens de Samoa foi publicada em 1928, com o ttulo Coming of age in Samoa. Neste trabalho, que ganhou imediata repercusso, favorvel ou desfavo-rvel, a autora defendia que os jovens de Sa-moa viviam felizes, longe de tabus e repres-ses sexuais. Nos anos 1960 foi lido como possibilidade de uma vida sexual livre, e nos anos 1980 foi violentamente questionado por outro antroplogo, Derek Freeman, em plena Era Reagan, que considerou aquele trabalho um mito a ser destrudo. Sobre esta polmica,

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    de encontro mais famoso dos hippies, foi ce-lebrado A Morte do Hippie, uma grande ma-nifestao que ironizava o fim do movimento. Cf. David Farber. The Intoxicated State/Ille-gal Nation: Drugs in the Sixies Couterculture. In: Peter Braunstein & Michael William Doyle (orgs). Imagine Nation. The american counter-culture of the 1960s & 1970s. New York Rou-tledge, 2002, pg. 36. 17 Sobre isto, ver: Joseph Heath & Andrew Potter. Nation of rebels. Why Counterculture Became Consumer Culture. New York: Harper Collins, 2004.18 V. Ruy Castro. O legado de Woodstock. Opinio. Folha de So Paulo. 06/04/2009, A2.19 Barak Obama. A audcia da esperana. Reflexes sobre a reconquista do sonho ame-ricano. Traduo de Candomb. So Paulo: Larousse do Brasil, 2007, pg. 41. O presi-dente Obama tambm resgatou em incio de seu mandato uma utopia de um mundo sem armas nucleares (Revista Veja. Edio 2108. 15 de abril de 2008, pp. 66-67.), uma agenda tpica da contracultura.20 Sobre uma boa introduo ao conceito de Henry D. Thoureau, ver: Andrew Kirk. Deso-bedincia civil de Thoureau. Traduo de D-bora Landsberg. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008.

    ADORNO, Theodor W. As estrelas descem terra. A coluna de astrologia de Los Angeles Times. Um estudo de superstio secundria. Traduo de Pedro Rocha de Oliveira. So Paulo: Unesp, 2008. BLACK, Bob. Groucho-marxismo. Traduo de Michele de Aguiar Vartuli. So Paulo: Con-rad do Brasil, 2006.BRAUNSTEIN, Peter; DOYLE, Michel William (edtd.). Imagine Nation. The american coun-terculture of the 1960s & 1970s. New York: Routledge, 2002.FEIJ, Martin Cezar. A Fora da Imaginao ou o Blefe do Jogador. Espiritualidade e en-tretenimento na era da globalizao. Revista Facom. Revista da Faculdade de Comunica-o da Fundao Armando lvares Penteado. N 10. www.faap.br/publicaes. _________________. O que poltica cultu-ral. So Paulo: Brasiliense, 1983. (Coleo Primeiros Passos, vol. 107)FRIEDLANDER, Paul. Rock and Roll. Uma histria social. Traduo de A. Costa. Rio de Janeiro: Record, 2002.

    ver: Hal Hellman. Grandes debates da cincia. Tra-duo de Jos Oscar de Almeida Marques, 1999, pp. 227-246.9 Um detalhado relato sobre o comportamento sexual no perodo pode ser encontrado no trabalho do jorna-lista Gay Talese. A mulher do prximo. Uma crnica da permissividade americana antes da era da Aids. Tra-duo de Pedro Maia Soares. So Paulo: Companhia das Letras, 2002.10 Uma histria desta exploso esttica pode ser vis-to em: Paul Friedlander. Rock and Roll. Uma histria social. Traduo de A. Costa. Rio de Janeiro: Record, 2002.11 Eric J. Hobsbawm. Revoluo cultural. In: Era dos extremos. O breve sculo XX. Traduo de Marcos Santarrita. So Paulo: Companhia das Letras, 1995, pg. 323.12 A montagem em So Paulo, apresentada inicial-mente no Teatro Bela Vista, foi depois para o Teatro So Pedro. Com o sucesso, inaugurou o Teatro Aqua-rius, no antigo Cine Rex, (que depois virou Teatro Zccaro, onde era gravado o programa de televiso Perdidos na Noite nos anos 1980., programa de Faus-to Silva, um programa (talvez no intencionalmente) um tanto contracultura que depois virou mainstream na Rede Globo de Televiso). A montagem paulis-ta de Hair foi por mim assistida, com o entusiasmo dos 20 anos, cabelos longos, rebeldia sem causa e calas rasgadas, umas dez vezes, acredito. Pode ter sido menos, mas lembro at das mudanas do elen-co, que tinha Altair Lima, Aracy Balabaniam, Antonio Fagundes, Snia Braga, Ney Latorroca, Helena Igns, entre outros. O elenco mudava quase sempre, mas em todas as vezes que assisti, Armando Bgus estava presente. Lembro-me tambm de ter lido no Pasquim, minha leitura preferida na poca, um comentrio cido de Paulo Francis sobre a idade dos hippies da mon-tagem brasileira, considerados um pouco velhos para o papel de jovens hippies: que eles so hippies da 2 Guerra...13 do brasileiro Gilberto Gil, na mesma poca, os versos musicados: O sonho acabou/Quem no dor-miu num sleep-bag/ nem sequer sonhou...14 Rolling Stone as melhores entrevistas da revis-ta Rolling Stone. Editadas por Jann S. Wenner e Joe Levy. Traduo de Emanuel Mendes Rodrigues. So Paulo: Larousse do Brasil, 2008, pg. 44.15 Sobre esta trajetria de John Lennon nos anos 1970, e a perseguio poltica realizada pelo Estado norte-americano do perodo, ver o filme The U.S. vs. John Lennon, David Leaf & John Schenfield, 2006. E uma biografia completa de Lennon em Philip Norman. John Lennon A vida. Traduo de Roberto Muggiati. So Paulo: Companhia das Letras, 2009.16 Em 06 de outubro de 1967, nas esquinas das ruas Haight-Ashbury, em So Francisco, Califrnia, ponto

  • N21 1 Semestre de 2009Revista FACOM

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    Martin Cezar FeijProfessor de Comunicao Comparada da FACOM-FAAP. Doutor em cincias da comuni-cao pela ECA-USP e historiador formado pela FFLCH-USP. Professor-pesquisador no programa de Ps-Graduao em Educao, Arte e Histria da Cultura na Universidade Presbiteriana Mackenzie (EAHC-UPM). Autor de vrios livros.