andrade - conformismo e consumismo

29
CONFORMISMO E CONSUMISMO À LUZ DE HANNAH ARENDT: NA ÓTICA DOS ELEMENTOS TOTALITÁRIOS Flávio Rovani de Andrade Universidade Federal do Piauí Resumo: Este artigo analisa os conceitos de conformismo e consumismo na perspectiva do pensamento de Hannah Arendt, ressaltando que esses conceitos aparecem, em sua obra, alinhados às suas análises do totalitarismo e desdobrados deste, na medida em que são formas de lançar os seres humanos ao ciclo sempre-recorrente do trabalho e do consumo, no metabolismo com a natureza, numa forma de existência fora do mundo comum. Destaca, após análise do potencial de organização das massas do conformismo e do caráter de movimento do consumo, os ricos de uma sociedade de trabalhadores, empregados e consumidores, no sentido da possibilidade de se perder o mundo, pois o trabalho e o consumo são atividades que devoram sua permanência, pois são do âmbito da necessidade e da natureza. A natureza, ao se espraiar em todas as atividades humanas na forma do ciclo sempre-recorrente do trabalho e do consumo, bem como colocando no âmbito da necessidade tudo o que é feito por mãos humanas, também pode, ao menos potencialmente, atentar contra a liberdade pela ausência do mundo comum onde ela possa aparecer. Palavras-chave: totalitarismo, consumismo, conformismo, movimento, logicidade. Abstract: This paper examines the concepts of conformity and consumerism from the perspective of the thought of Hannah Arendt, noting that these concepts appear in his work, aligned with its analyses of totalitarianism and deployed in this, in that they are ways of launching humans the ever-recurring cycle of work and consumption, in the metabolism with nature, a form of existence outside the common world. Highlights after consideration of potential organization of the masses of conformism and character of movement in consumption, the wealthy of a society of workers, consumers and employees, in the sense of the possibility of losing the world, because the work and consumption are activities that devour their permanence because they are outside the scope of the need and nature. The nature, when overspread all human activities in the form of ever-recurring cycle of work and consumption, as well as putting in the context of need all that is done by human hands, can also, at least potentially, extirpate freedom the absence of the common world where it might appear. Keywords: totalitarianism, consumerism, conformism, movement, logicality. © Dissertatio [38] 217 – 245 verão de 2013

Upload: venisemelo

Post on 24-Nov-2015

45 views

Category:

Documents


23 download

TRANSCRIPT

  • CONFORMISMO E CONSUMISMO LUZ DE HANNAH ARENDT: NA TICA DOS ELEMENTOS TOTALITRIOS

    Flvio Rovani de Andrade Universidade Federal do Piau

    Resumo: Este artigo analisa os conceitos de conformismo e consumismo na perspectiva do pensamento de Hannah Arendt, ressaltando que esses conceitos aparecem, em sua obra, alinhados s suas anlises do totalitarismo e desdobrados deste, na medida em que so formas de lanar os seres humanos ao ciclo sempre-recorrente do trabalho e do consumo, no metabolismo com a natureza, numa forma de existncia fora do mundo comum. Destaca, aps anlise do potencial de organizao das massas do conformismo e do carter de movimento do consumo, os ricos de uma sociedade de trabalhadores, empregados e consumidores, no sentido da possibilidade de se perder o mundo, pois o trabalho e o consumo so atividades que devoram sua permanncia, pois so do mbito da necessidade e da natureza. A natureza, ao se espraiar em todas as atividades humanas na forma do ciclo sempre-recorrente do trabalho e do consumo, bem como colocando no mbito da necessidade tudo o que feito por mos humanas, tambm pode, ao menos potencialmente, atentar contra a liberdade pela ausncia do mundo comum onde ela possa aparecer. Palavras-chave: totalitarismo, consumismo, conformismo, movimento, logicidade. Abstract: This paper examines the concepts of conformity and consumerism from the perspective of the thought of Hannah Arendt, noting that these concepts appear in his work, aligned with its analyses of totalitarianism and deployed in this, in that they are ways of launching humans the ever-recurring cycle of work and consumption, in the metabolism with nature, a form of existence outside the common world. Highlights after consideration of potential organization of the masses of conformism and character of movement in consumption, the wealthy of a society of workers, consumers and employees, in the sense of the possibility of losing the world, because the work and consumption are activities that devour their permanence because they are outside the scope of the need and nature. The nature, when overspread all human activities in the form of ever-recurring cycle of work and consumption, as well as putting in the context of need all that is done by human hands, can also, at least potentially, extirpate freedom the absence of the common world where it might appear. Keywords: totalitarianism, consumerism, conformism, movement, logicality.

    Dissertatio [38] 217 245 vero de 2013

  • Flvio Rovani de Andrade

    218

    A ao seria um luxo desnecessrio, uma caprichosa interferncia nas leis gerais do comportamento, se os homens fossem repeties interminavelmente reproduzveis do mesmo modelo, cuja natureza ou essncia fosse a mesma para todos e to previsvel quanto a natureza ou essncia de qualquer outra coisa.

    (Hannah Arendt)

    Introduo

    O pensamento e a obra de Hannah Arendt so marcados pela ressonncia do fenmeno totalitrio, ao qual a autora tentou compreender sem alij-lo dos acontecimentos polticos da modernidade. Para ela, o mundo moderno chegara, no sculo XX, ruptura como o passado e com a tradio. As perplexidades e opinies de massas se cristalizaram em uma forma de governo totalmente nova e sem precedentes, o totalitarismo. Seu ineditismo no se d pela quantidade de mortos nem pela violncia, mas por se impor sobre uma massa de homens tornados suprfluos pela fruio entre terror, ideologia e logicidade. Dito de outro modo, a ruptura totalitria equivale incapacidade de o totalitarismo ser compreendido nos moldes das formas de governo tradicionais, nem de ser medido conforme padres tradicionais de julgamento moral.

    Adriano Correia (2001) aponta, em seu artigo O desafio moderno: Hannah Arendt e a sociedade de consumo, que para Arendt ocorre na modernidade

    o predomnio de um modelo de sociedade que impe conformi-dade e isolamento, o cumprimento de comportamentos previs-veis e o estabelecimento de uma forma burocrtica de governo: a sociedade de massas. Uma caracterstica fundamental desta sociedade, e que representa uma novidade no mbito poltico, o fato de que as pessoas no mais vivem juntas por partilharem interesses ou para construir um espao pblico onde a liberdade pode aparecer. As pessoas no possuem nada em comum alm da circunstncia de serem membros de uma mesma espcie e partilharem necessidades biolgicas diretamente relacionadas sobrevivncia da espcie (CORREIA, 2001, p. 239, grifo nosso).

  • Dissertatio, UFPel [38, 2013] 217 - 245

    219

    Vejamos que esta conformidade, ou conformismo, assim como a acelerada produo de bens de consumo, colocam o homem de massa em uma situao muitssimo complicada, pois prendem-no no ciclo sempre-recorrente da necessidade. Conformismo e consumismo so dois fenmenos de forte teor totalitrio, pois associados, servem tanto como forma de organizao das massas, quanto colocam a massa em movimento.

    Reverberando as reflexes de Adriano Correia, busca-se, neste artigo, justapor conformismo e consumismo limitao totalitria da liberdade. Para tanto, passar-se- pelos seguintes momentos: na primeira seo, analisa-se-o totalitarismo como limitao da liberdade, passando pela relao entre vita activa e natalidade, assim como pelo conceito de liberdade e espontaneidade, para que se possa examinar a ideologia, a logicidade e as leis do movimento da Natureza e da Histria enquanto meios de limitao da liberdade, medida que encaram-na como contrafao mera coerncia; na segunda seo, explana-se sobre a possvel diferenciao entre elementos do totalitarismo e elementos totalitrios, sendo os ltimos aqueles que permanecem no mundo no totalitrio aps as quedas dos regimes; na terceira seo, discorre-se sobre o conceito de conformismo, seja como exigncia de padronizao do comportamento, isto , enquanto componente da esfera social, seja como potencial elemento organizador das massas, pelo seu inerente condicionamento dos indivduos; por fim, a quarta seo discute o processo de trabalho e consumo, demonstrando sua estreita vinculao lgica totalitria do movimento, segundo Arendt.

    Cabe uma prvia observao metodolgica. Dada a importncia de se relacionar no apenas os conceitos, mas as obras de Hannah Arendt, suas referncias far-se-o por abreviaturas, que seguem listadas ao final.

    1. Totalitarismo como negao radical da liberdade

    Arendt define: o totalitarismo a negao mais radical da liberdade (EU, p. 347, grifo nosso)*. Sua natureza composta por sua essncia de

    * Abreviaturas: CH: A condio humana; EPF: Entre o Passado e o Futuro; EU: Compreender: formao, exlio e totalitarismo (ensaios 1930-1954). [abreviao do ttulo original: Essays in Understanding 1930-1954]; HTS: Homens em tempos sombrios; LFPK: Lies sobre a filosofia poltica de Kant OT: Origens do totalitarismo; PP: A Promessa da Poltica; QP: O que poltica; RJ: Responsabilidade e julgamento; SR: Sobre a Revoluo; SV: Sobre a violncia; TOA: Trabalho, Obra, Ao; Tot: Totalitarismo; VE: A vida do esprito.

  • Flvio Rovani de Andrade

    220

    terror e seu princpio de logicidade (logicality) (EU, p. 375). Isso significa que o totalitarismo desenvolve meios extremos para eliminar a espontaneidade humana e tornar os homens suprfluos, apontando para o fato de que esses meios, embora externos, tm a capacidade de dominar o homem internamente.

    1.1. Vita activa e natalidade Arendt concebe basicamente trs atividades que caracterizam a vita

    activa: o trabalho, a obra e a ao1. A vita activa no apenas aquela em que a maioria dos homens est engajada, mas ainda aquela de que nenhum homem pode escapar completamente (TOA, p. 176). Ela se define, ento, como a vida humana na medida em que est ativamente empenhada em fazer algo (CH, p. 26), isto , trabalhar, fabricar e agir. Arendt, em uma disposio incomum, diferencia fenomnica e conceitualmente trabalho e obra. Segundo ela, h pouqussimas manifestaes claras sobre essa distino na histria, salvo algumas referncias acidentais. Mas insiste nela, pois considera a diferena fenomnica marcante. Ela infere preliminarmente a diferenciao de uma observao um tanto casual de Locke, que fala do trabalho de nosso corpo e da obra de nossas mos (TOA, p. 179). Cada uma das trs atividades corresponde a uma condio humana especfica, respectivamente, a vida, a mundanidade e a pluralidade. Essas condies, por sua vez, refletem uma condio humana mais geral, que a natalidade.

    O trabalho a atividade que tem por objetivo a manuteno da vida, entendida como vida biolgica, ou seja, corresponde ao processo biolgico do corpo humano, cujo crescimento espontneo, metabolismo e resultante declnio esto ligados s necessidades vitais (CH, p. 08). O trabalho produz coisas para o consumo, que so to imediatamente consumidas quanto as necessidades novamente se impem to logo satisfeitas. So [coisas] produzidas e consumidas de acordo com o sempre-recorrente movimento

    1 Deve-se fazer um breve esclarecimento sobre a traduo dos termos labor, work e action. O vocabulrio lusfono acostumou-se, at recentemente, a traduzir labor por labor, work por trabalho e action por ao. Ao tem sentido inequivocamente poltico em Arendt, o que elimina dificuldades. J Adriano Correia, ao rever A condio humana, ou j antes, ao traduzir o ensaio Trabalho, obra, ao, considerando tradues para outras lnguas, resolve acertadamente traduzir labor por trabalho (quando cuidamos da manuteno da vida, em um ciclo sempre-recorrente), e work por obra ou fabricao (quando se faz objetos do mundo, os quais lhe emprestam durabilidade e permanncia). Segue-se, aqui, a traduo recomendada por Adriano Correia.

  • Dissertatio, UFPel [38, 2013] 217 - 245

    221

    cclico da natureza (CH, p. 119), o movimento da vida e da morte. A condio humana do trabalho a prpria vida, que por sua vez consome a durabilidade de tudo que produzido pelo trabalho. Do ponto de vista de sua durao, por estar inserido no ciclo orgnico da vida, o trabalho igualmente cclico, sempre-recorrente, possuindo apenas pausas, intervalos entre a exausto e a regenerao (TOA, p. 185), no possuindo comeo nem fim.

    A obra, ou fabricao, atividade que condiz com a artificialidade humana, isto , corresponde no-naturalidade (unnaturalness) da existncia humana (CH, p. 08). A obra, ento, no est presa ao sempre-recorrente ciclo da natureza, mas pelo contrrio, produz um mundo de coisas artificiais claramente diferentes de qualquer ambiente natural (CH, p. 08). Sua condio humana a mundanidade, na medida em que a obra implica a construo do mundo. O processo da fabricao inteiramente determinado pelas categorias dos meios e do fim (TOA, p. 185), sendo medida por critrios de utilidade. Seu resultado, o artefato, pode ser entendido como resultado final em dois sentidos: por um lado, o produto chega ao fim no momento de sua fabricao; por outro, um meio para a produo desse fim. Diferentemente do trabalho, por no estar subjugada s necessidades da vida, a obra no produz coisas efmeras para o consumo, mas objetos de uso. O uso, ao invs do consumo, no fugaz e imediatista. O uso correto de objetos da obra no os consome, no causa desaparecimento, embora os desgaste. Os artefatos produzidos pelo processo de fabricao, em infinita variedade, do ao mundo a estabilidade e a solidez sem as quais no se poderia contar com ele para abrigar a criatura mortal e instvel que o homem (TOA, p. 183).

    Nesse sentido, fica clara a necessidade de diferenciao entre mundo e natureza, para Arendt. O mundo uma construo humana, sendo que quando a autora utiliza o termo em sentido forte ela se refere ao mundo humano, na relao recproca entre o homem que fabrica coisas e essas coisas que condicionam o homem. no mundo de coisas feitas como obra de suas mos que a vita activa, os assuntos humanos, se desenrolam. Ao ciclo vital inerente a no-permanncia, o fluxo constante, e na pura realidade natural o homem seria reduzido ao seu metabolismo com a natureza, ao mnimo denominador comum que possui com quaisquer outras espcies de seres vivos. Enquanto construtor do mundo, homo faber, o ser humano acrescenta sua condio os objetos da obra que no o condicionam apenas no sentido primrio de transformar o mundo (que por sua vez transforma o homem),

  • Flvio Rovani de Andrade

    222

    mas tambm no sentido de no estarem destinados ao consumo, uma vez que os objetos da fabricao infundem durabilidade no ciclo dos efmeros, tornando o mundo algo estvel (mas no esttico), no qual os homens podem se sentir em casa. Assim, ao assumir uma duradoura relao com o homem, o artefato adentra ao seu mundo e torna-se condio de sua existncia. O impacto da realidade do mundo sobre a existncia humana sentido e recebido como fora condicionante (CH, p. 11). Esse carter condicionante das coisas do mundo e essa existncia condicionada do homem no mundo so complementares, pois sem tais coisas no haveria existncia eminentemente humana, assim como as coisas seriam aglomerados de artefatos desconexos. Entregues a si, os objetos de uso se desintegrariam e deixariam de ser mundanos, retornando ao ciclo da natureza. Nesse sentido, para que se possa ter no mundo um lar, preciso que ele seja minimamente confivel, ou seja, possua maior ou menor permanncia (cf. CH, p. 118). O mundo confivel na medida em que nos vemos cercados de coisas cuja durabilidade e permanncia so maiores que a atividade que as produziu isto , mais permanentes que os objetos oriundos do trabalho , e possivelmente mais longos que o perodo de vida de quem as fez. Assim as coisas do mundo, para que sejam de fato mundanas, so relativamente independentes daqueles que as fazem e usam. Ou seja, a durabilidade confere-lhes a objetividade que as faz resistir, se opor e suportar, ao menos por um tempo, as necessidades e carncias vorazes de seus usurios vivos (TOA, p. 184; CH, p. 170). O mundo, nesse aspecto, estabilizante da vida, e os homens podem recorrer ao mundo e restituir sua permanncia na objetividade mundana. (...) contra a subjetividade dos homens afirma-se a objetividade do mundo feito pelo homem (CH, p. 171; TOA, p. 184), em vez de uma natureza que lhe indiferente e que o faria tornar ao centro vital. Conclui Arendt: Somente porque erigimos um mundo de objetos a partir do que a natureza nos d e construmos um ambiente artificial na natureza, protegendo-nos assim dela, podemos considerar a natureza como algo objetivo (TOA, p. 184; CH, p. 171). Em sntese, as coisas do mundo, provenientes da atividade da obra, ao proporcionarem ao homem a estabilidade de um mundo objetivo, asseguram-lhe existncia entre as coisas mais ou menos permanentes, sem as quais a catstrofe seria inevitvel se ficasse entregue ao sempre-recorrente ciclo biolgico; seria o homem reduzido ao mnimo denominador comum que guarda com as demais

  • Dissertatio, UFPel [38, 2013] 217 - 245

    223

    espcies vivas, que seria o ciclo ininterrupto do trabalho voltado a um eu inumano e sem mundo.

    A ao definida por Arendt como a nica dentre as atividades que ocorrem apenas entre os homens, sem mediao das coisas ou da matria (CH, p. 08), e se empenha em formar corpos polticos, isto , espaos comuns nos quais se possam gestar significaes compartilhadas, alm de ser o espao para que se empreenda algo novo. O trabalho cclico, sem comeo nem fim; a obra tem comeo e fim determinados no objeto produzido; a ao tem comeo definido, mas seu fim no pode ser previsto. A manifestao da ao a fala. pela qualidade discursiva que incidimos, quando de forma legtima, sobre os outros, sem uso de meios de violncia. Ao contrrio tanto do trabalho do corpo quanto da obra das mos, em que os indivduos podem afastar-se uns dos outros para que sejam realizados, a ao s pode acontecer diante dos outros, nunca no isolamento. Estar isolado estar privado da capacidade de agir (CH, p. 235). A fabricao precisa estar circundada pela natureza, de onde extrai sua matria-prima, e pelo mundo em que introduz seus artefatos. O agir e o discurso no produzem coisas permanentes e durveis; a rigor, nem mesmo chegam a produzir algo, mas so to fteis quanto a vida (CH, p. 117). Da, para que possa firmar-se como mundana, a ao, por meio da fala, precisa ser vista, ouvida e lembrada; sem isso, simplesmente passam, no ganham materialidade e no se reificam; apenas na medida em que sua futilidade se impe com fora dignificante aos outros, que tornam-se feitos, fatos, eventos e modelos de pensamentos e ideias (CH, p. 117). Assim, oriunda do pensamento a atividade mais livre do esprito, da vita contemplativa , a ao, que se insere no mundo pela fala corresponde condio humana da pluralidade, ao fato de que os homens, e no o Homem, vivem na Terra [no sentido de planeta, natureza da qual pertencem e pela qual trabalham] e habitam o mundo [dos artefatos humanos] (CH, p. 08).

    Todas as trs atividades e suas condies correspondentes esto intimamente relacionadas com a condio mais geral da existncia humana: o nascimento e a morte, a natalidade e a mortalidade. O trabalho assegura no apenas a sobrevivncia do indivduo, mas a vida da espcie. A obra e seu produto, o artefato humano, conferem uma medida de permanncia e durabilidade futilidade da vida mortal e ao carter efmero do tempo humano. A ao, na medida em que se empenha em fundar e preservar corpos polticos, cria a condio para a lembrana (remembrance), ou seja, para a

  • Flvio Rovani de Andrade

    224

    histria. O trabalho e a obra, bem como a ao, esto tambm enraizados na natalidade, na medida em que tm a tarefa de prover e preservar o mundo para o constante influxo de recm-chegados que nascem no mundo como estranhos, alm de prev-los e lev-los em conta. Entretanto, das trs atividades, a ao tem a relao mais estreita com a condio humana da natalidade; o novo comeo inerente ao nascimento pode fazer-se sentir no mundo somente porque o recm-chegado possui a capacidade de iniciar algo novo, isto , de agir. Nesse sentido de iniciativa, a todas as atividades humanas inerente um elemento de ao e, portanto, de natalidade (CH, p. 10).

    1.2. Initium O conceito de liberdade ocupa lugar central na obra de Hannah

    Arendt, no s por sua fecundidade terica, mas por sua condio propriamente fenomnica. Em um mundo em crise, que segue o curso da runa que lhe inerente, a liberdade passa a ser a faculdade humana que nas poucas vezes em que se evidencia capaz da salvar o mundo, pois somente a salvao, no a runa, vem do inesperado, pois a salvao, e no a runa, que depende da liberdade e da vontade dos homens (EU, p. 101). Para tratar o tema da liberdade, Arendt usa de elementos da linguagem religiosa, embora o teor no o seja. Essa linguagem poltica revestida de elementos religiosos marcante no sentido de indicar, no as influncias religiosas, mas o ponto no qual foi necessrio transcender inevitavelmente os sentidos impostos pelas teorias polticas de cunho filosfico e cientfico. Tambm indicativo do exato ponto em que se deve manter o otimismo em relao s atividades humanas. Ao lado da salvao, Arendt utiliza a ideia de milagre para compor sua compreenso sobre o fato da liberdade.

    Para a autora, o termo milagre no deve ser entendido como de uso exclusivamente religioso. Para desmistific-lo, ela lana mo da ideia de infinita improbabilidade (QP, p. 42; EPF, p. 218-220) no campo fsico e biolgico. No campo do desenvolvimento natural, ela lembra que haver um planeta Terra no universo era uma infinita improbabilidade, tal como disso surgir a vida orgnica e, desta, o ser humano. Nesse sentido, sim prprio falar de milagres da natureza, isto , quando acontece algo novo de maneira inesperada, incalculvel e por fim inexplicvel em sua causa, (...) justamente como um milagre dentro do contexto de cursos calculveis (QP, p. 42). Ou seja, o milagre ocorre na interrupo inesperada de uma sequncia de acontecimentos. No caso do milagre da liberdade (QP, p. 43), ocorre nos

  • Dissertatio, UFPel [38, 2013] 217 - 245

    225

    eventos histricos. Eventos, por definio, so ocorrncias que interrompem processos e procedimentos de rotina (SV, p. 22). Mas a histria to contingente quanto a capacidade humana de produzir eventos, isto , de promover milagres polticos. Os homens realizam o milagre da liberdade na ao, e por terem recebido o dplice dom da liberdade e da ao (EPF, p. 220), podem estabelecer a sua prpria realidade.

    Portanto, a liberdade, enquanto milagre, tem a ver com a capacidade sempre presente de o homem iniciar algo novo. Nesse ponto, Hannah Arendt recorre concepo de criao de Santo Agostinho, em A Cidade de Deus, naquela que a citao mais aludida de toda a obra da autora: [Initium] ergo ut esset, creatus est homo, ante quem nullus fuit (para que houvesse um incio, o homem foi criado, sem que antes dele ningum o fosse) (CH, p. 222). Aqui, a leitura arendtiana vai liberdade como carter de existncia humana no mundo (EPF, p. 216), em vez de consider-la uma disposio ntima. Essa existncia consiste em ser um incio e um iniciador (EPF, p. 220). A liberdade no pensada em sentido fsico ou jurdico, tampouco em liberdade para se fazer apenas o que se quiser. Trata-se de uma noo de liberdade ontologicamente fundada e fundamentada na natalidade. Cada homem ele prprio um comeo, por isso pode comear, e a cada nascimento ratifica-se a liberdade no mundo. Nesse sentido, ser humano e ser livre so uma nica e mesma coisa (EPF, p. 216). A concepo de liberdade aceita por Arendt , por assim dizer, a derivao mais imediata da natalidade, sendo esta tanto fundamento ontolgico quanto factual2.

    1.3. Ideologia, logicidade e as leis do movimento: meios de limitao da liberdade. A autora define ideologia como sistemas baseados numa opinio

    suficientemente forte para atrair e persuadir um grupo de pessoas e bastante

    2 Hannah Arendt traa correspondncia entre o conceito de liberdade e o de espontaneidade. A capacidade de comear algo novo entendida como o initium em Agostinho, e como espontaneidade em Kant. (cf. VE, p. 290-295). Ressalte-se que para Arendt o initium no tem como pano de fundo o Agostinho primordialmente cristo, mas o Agostinho que traz a perspectiva romana, por ser ele, intelectualmente, um romano (cf. EPF , p. 215-216). J discutindo o conceito agostiniano de liberum arbitrium, Arendt demonstra que a liberdade de escolha se faz sobre opes previamente dadas, por assim dizer, o pecado e a santidade, havendo a um descompasso conceitual entre o initium e liberum arbitrium. Da, Arendt opta em no fazer correspondncia entre liberdade e livre escolha. Mas sim, entre initium e o poder de comear espontaneamente uma srie de coisas ou estados sucessivos [Kant] (VE, p. 290, grifo de Arendt).

  • Flvio Rovani de Andrade

    226

    ampla para orient-las nas experincias e situaes da vida moderna (OT, p. 189), sendo que na vida moderna a condio do homem de massificao e perda de autonomia. No caso das ideologias totalitrias, elas sempre se dirigem histria, com a pretenso de esclarecer todos os acontecimentos, detendo como capacidade a explanao total do passado, o conhecimento total do presente e a previso segura do futuro (OT, p. 523). Mesmo quando parte de premissas da natureza, como o caso da sobreposio racial dos arianos, est direcionada histria, pois o dado da natureza serve apenas para explicar as questes histricas e reduzi-las a elementos da natureza (OT, p. 523). As ideologias totalitrias so formas de adeso ininterrupta s leis do movimento da Natureza e da Histria. A ideologia do racismo, propagada pelo totalitarismo nazista, e a do comunismo, propagada pela vertente totalitria comunista, assimilam, respectivamente, a Natureza e a Histria como foras motrizes, desencadeando o terror como forma de paralisar os indivduos e destitu-los de toda espontaneidade e se entregarem logicidade ideolgica. apenas quando os movimentos totalitrios impem a deduo coercitiva baseada em uma nica premissa, que o fio da tradio comea a ser realmente rompido (...). Olhando essa ruptura (...) podemos dizer que ela ocorreu no momento em que no a ideia, mas a lgica desencadeada pela ideia, se apoderou das massas (PP, p. 124). Dito de outro modo, a ruptura ocorreu quando, por meio da ideologia e do terror, os movimentos totalitrios cristalizaram as perplexidades de massa no palco poltico e as opinies de massa na esfera espiritual (EPF, p. 53) em uma nova forma de governo e dominao: o domnio totalitrio.

    Em situao totalitria, a realidade submetida pura coerncia, isto , logicidade. A tentativa do totalitarismo era negar radicalmente a liberdade, pondo fim espontaneidade e singularidade, fazendo com que todos os homens seguissem as leis do movimento da Natureza e da Histria, tornando cada indivduo suprfluo. Baseando-se na experincia da solido (loneliness), o terror comprimia os indivduos solitrios para que marchassem a um s ritmo nos desgnios do movimento sempre-recorrente. Na solido, submetido a uma ideologia que forja toda realidade ao seu redor, sem que possa se guiar pelo senso comum3 e no podendo estar seguro de

    3 Arendt no atrela a ideia de senso comum de conhecimento vulgar, em nvel mais baixo que os conhecimentos elaborados, tais como filosficos ou cientficos. Ao contrrio, em termos polticos o senso comum de maior valor que qualquer orientao epistemolgica. Ela elabora o conceito de senso

  • Dissertatio, UFPel [38, 2013] 217 - 245

    227

    seus prprios pensamentos, o indivduo agarra-se logicidade (nica coisa

    comum basicamente a partir de duas fontes: sua anlise sobre a situao do senso comum entre os romanos e seu significado na filosofia poltica de Kant. Acerca desse ltimo, ao responder questo do julgamento, ou mais especificamente, pergunta de como escolher aprovar ou desaprovar, Arendt afirma ser o critrio a comunicabilidade, ou seja, o julgamento realizado com base no mundo comum, e a regra de sua deciso o senso comum (LFPK, p. 89). Portanto, para se exercer a faculdade do juzo, julgamos como membros de uma comunidade (LFPK, p. 93), sendo o senso comum, por consequncia, um senso comunitrio. O senso comum (sensus comunis) e cada sentido individual (sensus privatus) so complementares, e embora o sensus privatus parea totalmente incomunicvel, ele est enraizado nesse senso comunitrio e, portanto, aberto comunicao uma vez que tenha sido transformado pela reflexo (LFPK, p. 93). A prpria terminologia kantiana, que usa as expresses em latim, especialmente notada por Arendt. O termo latino sensus vinculado aos sentidos, na expresso sensus privatus. Nesse mbito, enquanto os sentidos so prprios de todos os seres que esto aparelhados pelos respectivos rgos, o sensus comunis especificamente humano: um sentido extra como uma capacidade extra do esprito (...) que nos ajusta a uma comunidade, sendo que nele se manifesta a prpria humanidade do homem (LFPK, p. 90). Arendt carrega esse significado kantiano de senso comum por toda sua obra, como um sexto sentido que ajusta os demais sentidos ao mundo comum. Politicamente falando, o senso comum a base da troca de opinies e da ao pelo discurso. O discurso depende do senso comum, pois no meramente expresso, mas comunicao das opinies, pois para exprimir dor ou fome no necessrio o discurso, o que, entretanto, indispensvel a qualquer perspectiva de mundo. A realidade no pode ser compreendida sem o senso comum, pois as propriedades sensoriais no so suficientes para apreend-la. O senso comum o sexto sentido que certifica-nos da realidade e se impe ao sensorialmente percebido. Ao comentar as anlises de Arendt sobre filosofia poltica de Kant, Andr Duarte deixa sobremaneira claro o significado do senso comum ante a dominao totalitria: Para Arendt, Kant teria percebido que a arte do pensamento crtico sempre traz implicaes polticas, isto , que a crtica tambm um modo de pensamento apto interrogao do presente e de suas vicissitudes, sendo, por princpio anti-autoritrio. Por trs da preocupao kantiana de alargar os limites do pblico leitor a quem se dirige, ultrapassar o mbito limitado das escolas a fim de alcanar a opinio pblica, Arendt entrev a relevncia atribuda pelo filsofo aos conceitos de publicidade e comunicao, concebidos como condies sine qua non do questionamento filosfico e do pensamento em geral. Para Kant, ressalta Hannah Arendt, no pode haver pensamento se no podemos divulg-lo e discuti-lo livre e abertamente, visto que a razo humana no infalvel e, portanto, no pode prescindir da comunicao com os outros. Proposio fundamental tambm para o prprio pensamento arendtiano que, desde suas primeiras anlises sobre o fenmeno totalitrio e o absurdo dos campos de concentrao, (...) pde perceber a implicao do conceito de comunicao intersubjetiva na efetivao do pensamento e do prprio sentido de realidade do homem, designado sob o conceito de senso comum (common sense) (DUARTE, 1993, p. 115). Acerca do significado de senso comum entre os romanos, Arendt atribui a eles o seu desenvolvimento no nvel de parmetro mais elevado na administrao dos assuntos pblico-polticos (PP, p. 87). Isso porque para os romanos o corpo poltico estabelecido pela fundao, e, por isso, o senso comum alimentado pela tradio, que a transmisso do ato da fundao s sucessivas geraes. H, ento, ntima ligao entre senso comum e rememorao. Os juzos do senso comum impostos pela tradio extraram e preservaram do passado tudo que foi conceptualizado pela tradio e era ainda aplicvel s presentes questes (PP, p. 87-88). Ou seja, o senso comum, enquanto rememorao, realiza-se sobre o legado do mundo comum. A expresso em lngua inglesa, common sense, frequentemente traduzida por bom senso. Mas isso no se constitui num erro de traduo, somente que os tradutores possam ter optado por traduzi-la por aproximao com o francs, como sugere a prpria Arendt em A vida do esprito: (...) que deriva do sexto sentido (...) denominado pelos franceses (...) de le bon sens, o bom senso (VE , p. 70, grifo nosso).

  • Flvio Rovani de Andrade

    228

    que pode compartilhar sem a experincia de um mundo comum), a qualquer discurso pautado na pura coerncia consigo mesmo, ainda que sem nenhum vnculo com a realidade. Dessa forma, a logicidade a ltima etapa a conferir eficcia ao totalitarismo, passando por dois estgios anteriores: o primeiro o de opinies que podem ser vazias, violentas e irresponsveis, como a do racismo, ou ter uma forte sustentao terica e pregar a justia a ser alcanada pela revoluo, como no caso do socialismo. O segundo estgio no percurso da logicidade o da ideologia, que em si no totalitria, mas uma ideia forte que se arroga o privilgio de desvelar os enigmas da histria: depois que a ideologia ensinou as pessoas a se libertarem da experincia do choque da realidade, o prximo estgio seria desencaminh-las ainda mais no ermo das puras dedues e concluses lgicas abstratas (EU, p. 375). A logicidade, sendo o fim do caminho, aquela que perverte a ideia na premissa lgica que d origem a todo o movimento, sem nenhum apego factualidade. A ideologia, nesse sentido, no reflexo, mas mero raciocnio lgico; a mera lgica est para o homem sem mundo como os instintos esto para os animais. Arendt descobre, ento, que no a ideologia com o seu contedo coerentemente demonstrvel que mobiliza as pessoas no domnio totalitrio, mas a prpria logicidade. como se o indivduo, aps ter sido posto, pelo terror, no mximo estado possvel de solido, fosse treinado pela ideologia a afastar-se com coerncia da realidade, ficando pronto para tornar a logicidade sua guia, e ficasse a ela to afeito a ponto de no mais aceitar a contingncia dos fatos. Ao estar submetido tirania da lgica, no so mais os fatos que persuadem, mas a coerncia imposta por ela.

    Portanto, a logicidade um meio de compulso nas mos dos governantes totalitrios, colocando as pessoas a marchar. Essa tirania da lgica tem seu incio quando se submete a mente lgica, contra a qual a espontaneidade se insurge fora do domnio total. Do mesmo modo como a coero externa da tortura ou da constante ameaa da violncia impe aos indivduos que renunciem liberdade poltica isto , deixe de exercer a capacidade de agir, a mais alta faculdade da vita activa , a submisso da mente tirania da lgica resulta na renncia liberdade interna do pensamento, a mais livre das atividades da vita contemplativa. O terror necessrio extirpao da espontaneidade para que o novo no possa surgir; do mesmo modo, a fora autocoercitiva da lgica mobilizada para que ningum jamais comece a pensar (OT, p. 525-526), pois sendo a logicidade

  • Dissertatio, UFPel [38, 2013] 217 - 245

    229

    uma compulso pela deduo, pode at ser o mesmo que raciocnio, mas, definitivamente, no o mesmo que pensamento.

    Nas palavras de Arendt:

    Esse ltimo ponto fundamental. Essa emancipao arrogante da realidade e da experincia, mais do que qualquer contedo concreto, prefigura a ligao entre ideologia e terror. Essa ligao converte o terror numa caracterstica abrangente do domnio totalitrio, no sentido de que se dirige por igual contra todos os indivduos da populao, a despeito de culpa ou inocncia, e constitui a prpria condio de sua permanncia. Na medida em que no depende da realidade existente, o pensamento ideolgico considera todo o campo factual como mera contrafao, e assim deixa de ter qualquer critrio confivel para distinguir entre verdade e falsidade. Se no verdade, dizia por exemplo a revista Das Schwarze Korps, que todos os judeus so mendigos sem passaporte, mudaremos os fatos para tornar essa afirmativa verdadeira. Quando os bolcheviques tiverem o poder global de mudar todos os textos de histria, deixar de ser verdade que algum dia um homem de nome Trtski foi comandante do Exrcito Vermelho e assim por diante. O importante aqui que a coerncia ideolgica, ao reduzir tudo a um nico fator que a tudo domina, sempre est em conflito, de um lado, com a incoerncia do mundo e, de outro, com a imprevisibilidade das aes humanas. O terror necessrio para tornar e manter o mundo coerente, para dominar os seres humanos at que percam a espontaneidade e, com ela, a imprevisibilidade especificamente humana do pensamento e da ao (EU, p. 369, grifo nosso).

    2. Dos elementos do totalitarismo aos elementos totalitrios

    Vale ressaltar que Arendt distingue claramente os elementos do totalitarismo de elementos totalitrios. Os primeiros so tratados em Origens do totalitarismo, sendo a gama de fenmenos que se cristalizaram nos governos totalitrios, ainda que tenha havido um claro desequilbrio metodolgico em favor das anlises dos elementos do totalitarismo de vertente nazista. Isso porque o prprio termo origem aparece de forma equvoca, pois Arendt no o utiliza

  • Flvio Rovani de Andrade

    230

    no sentido de causalidade histrica (cf. DUARTE, 2000, p. 36-43), mas tem forte convico de que os eventos totalitrios extrapolam em significao o conjunto de seus elementos pregressos. Segundo Andr Duarte (2000, p. 36), independentemente de se na vertente nazista ou estalinista, razovel a descrio analtica do totalitarismo enquanto tal, sendo importante perceber que com a cristalizao totalitria operou-se uma ruptura que trouxe ao mundo um fenmeno poltico sem precedentes. J os elementos totalitrios so os verdadeiros transes do nosso tempo (OT, p. 512), tanto cristalizados nos regimes, quanto aqueles que no lhes so exclusivos, tendendo a manter-se no mundo, mesmo com a queda dos regimes.

    Nos regimes totalitrios, a autoridade substituda pelo terror e o senso comum pela ideologia (cf. Tot, p. 232). Mas Arendt concebe que o totalitarismo possui elementos tais que permanecem aps os regimes totalitrios. Pois, por um lado, as tiranias posteriores tiveram a escola totalitria para aprender formas sistemticas de dominao. Mas no s isso: por outro lado, Arendt entende que para alm dos elementos do totalitarismo cristalizados nos regimes, h uma enorme variedade de elementos totalitrios que dispensam o terror e permanecem no mundo no totalitrio. Mais precisamente, o totalitarismo surge da crise ou dos transes prprios da era de massas, basicamente o desarraigamento, a superfluidade e a solido, traos do homem de massa. A solido, estado em que indivduos no esto somente isolados, mas abandonados de si prprios, prepara o domnio totalitrio em um mundo no totalitrio. Em Ideologia e Terror, Arendt enuncia a possibilidade de que os verdadeiros transes de seu tempo somente venham a assumir a sua forma autntica embora no necessariamente a mais cruel quando o totalitarismo pertencer ao passado (OT, p. 512, grifo nosso). Da mesma forma que os regimes totalitrios, por meio do terror, destruram a singularidade por atentar contra o mundo comum e contra a interioridade, buscando ao mximo extirpar o mais leve trao de espontaneidade, a sociedade de massas, ainda que de forma menos extrema e violenta, tambm atenta tanto contra o domnio pblico, quanto o domnio privado, medida que este se alarga e absorve a essas duas esferas da vida4. O que o totalitarismo mostra de forma to completa o ponto a que se pode chegar quando as massas so levadas ao extremo em suas principais caractersticas cotidianas.

    A sociedade de massas significa a derrocada do mundo e do senso comuns. Em circunstncias de massa, o indivduo vive no singular, e esse singular 4 No item 3.1 sero tratadas as esferas privada, pblica e social, segundo Arendt.

  • Dissertatio, UFPel [38, 2013] 217 - 245

    231

    se repete inmeras vezes, pois desaparecem os elementos de distino. Quando visto sob uma nica perspectiva, desdobrada em uma enormidade de pessoas, sem ter o que as distinga ou as una, o mundo comum acaba. Nesse sentido, em Ideologia e terror, Arendt apresenta sua preocupao quanto ao novo e, por consequncia, ao fato da natalidade. Ela constata que o totalitarismo, por meio da ideologia e do terror (por sua vez baseado na solido), mais perigoso que a tirania, por fundamentar-se num tipo de solido organizada. Alis, esse um ponto central que no pode passar sem uma considerao: Arendt se coloca a questo de haver algum tipo de experincia bsica que os homens vivam em comum no totalitarismo. Em havendo, essa experincia precisa ser vivida em comunidade e, sendo o domnio total indito, deve ser uma experincia coletiva que nunca tenha fundamentado quaisquer outras formas de governo. Tal experincia fundamental na qual o totalitarismo ganha terreno a solido (loneliness), sendo que essa experincia torna o indivduo, seja isolado, seja em massa, disponvel s leis da coerncia: Ento o seu perigo [da solido organizada] que ameaa devastar o mundo que conhecemos um mundo que, em toda parte, parece ter chegado ao fim antes que um novo comeo, surgido desse fim, tenha tido tempo de firmar-se (OT, p. 531).

    3. Conformismo

    3.1 Conformismo e sociedade Conformismo, para Arendt, tem significado bastante especfico: de

    substituir a ao pelo comportamento, de modo a tornar o homem previsvel e calculvel por instrumentos tcnicos. Segundo a autora, na Idade Moderna eclode a esfera social como uma esfera que no nem privada nem pblica, sendo o Estado nacional sua forma poltica. O surgimento da esfera social ocorre em termos da sociedade, no sentido de boa sociedade. Arendt no desenvolve sistematicamente seu surgimento, mas para ela a sociedade surge nos sculos XVIII e XIX provavelmente das cortes europeias do perodo absolutista (EPF, p. 251), a exemplo da Corte de Lus XIV, que ao reunir a nobreza francesa no palcio de Versalhes a transformou em cortes, reduzindo-a a insignificncia poltica (EPF, p. 251), pelo envolvimento de seus membros em mesquinhas contendas privadas.

    Essa caricatura originria, entretanto, embora ilustrativa, no encerra o significado poltico do que Arendt chama de sociedade. Por trs das linhas

  • Flvio Rovani de Andrade

    232

    caricaturais, ela percebe a emergncia de um complexo cruzamento de novos formatos organizacionais e comportamentais, alinhados a um novo fundamento epistemolgico. Ela v que o formato do Estado-nao tornou-se uma proto-famlia, em que o campo poltico se desfigurou em administrao de problemas que outrora eram exclusivos da esfera privada. Assim, o termo sociedade aufere o significado de conjunto de famlias economicamente organizadas de modo a constiturem o fac-smile de uma nica famlia sobre-humana (CH, p. 34)5. Sua forma poltica a nao, e seu fundamento epistemolgico (ou, nas palavras de Arendt, seu pensamento cientfico) a economia nacional, ou economia poltica, o que j demonstra o nvel de assimilao de esferas antes contraditrias. Isso significa que a sociedade opera uma profunda transformao nas tradicionais esferas privada (oikos, casa, lar) e pblica (plis, cidade, espao pblico), de modo a promover o alargamento do privado, o que, em vez de elevar o privado dignidade do domnio pblico, retira a dignidade do pblico, pois este se v minguado. Com tal alargamento, a grandeza [da esfera pblica] cedeu lugar ao encanto (CH, p. 64), uma vez que o domnio pblico no pode ser encantador, pois em sua vastido o irrelevante no pode ser abrigado. No plano do governo, este foi substitudo pela burocracia, o governo de ningum, que supostamente (des)encarna a opinio nica da sociedade educada dos sales (CH, p. 49). A poltica tornou-se uma funo na sociedade.

    Mas o que para Arendt decisivo para a vitria da sociedade tanto sobre a poltica quanto sobre o lar, que ela exclui ao em todos os nveis, substituindo-a pelo comportamento. A ao espontnea ou a faanha extraordinria (CH, p. 49) so substitudas pelo comportamento padronizado por regras normalizadoras, o que equivale a uma substancial mudana tambm na concepo de igualdade. Enquanto a igualdade poltica estava atrelada possibilidade do empreendimento imprevisvel, portanto, na distino, a igualdade da sociedade transps a diferena para o domnio

    5 Arendt relaciona a questo do surgimento da sociedade como grande famlia ao concomitante declnio da famlia, nos seguintes termos: Nesse particular, pouco importa se uma nao se compe de iguais ou desiguais, pois a sociedade exige sempre que os seus membros ajam como se fossem membros de uma enorme famlia que tem apenas uma opinio e um nico interesse. Antes da moderna desintegrao da famlia, esse interesse comum e essa opinio nica eram representados pelo chefe do lar, que comandava segundo essa opinio e esse interesse, e evitava uma possvel desunio entre os membros da famlia. A notvel coincidncia da ascenso da sociedade com o declnio da famlia indica claramente que o que ocorreu, na verdade, foi a absoro da unidade familiar por grupos sociais correspondentes (CH , p. 48).

  • Dissertatio, UFPel [38, 2013] 217 - 245

    233

    unicamente privado e criou um falso domnio pblico no qual impera o comportamento segundo a normalidade. O que importa esse equacionamento com a posio social, e irrelevante se se trata da efetiva posio na sociedade semifeudal do sculo XVIII, do ttulo na sociedade de classes do sculo XIX, ou da mera funo na atual sociedade de massas (CH, p. 49). A esse comportamento social que prescinde do senso de ao, Arendt d o nome de conformismo. Ele est tanto na base da ideia moderna de igualdade como na base da cincia da economia, que surgiu concomitante sociedade e se tornou a cincia social por excelncia (CH, p. 51), medida que os homens tornaram-se seres sociais e passaram a seguir unanimemente certos padres de comportamento (CH, p. 51), ao ponto de serem passveis de medio pela estatstica, maior instrumento tcnico da economia. Isto , somente quando a sociedade fez do homem um ser de comportamento em grande medida previsvel ou conformista, que a economia como cincia conseguiu se firmar sobre a esfera pblica normatizando-a como uma grande casa.

    Arendt concebe que a sociedade, ou melhor, a esfera social, passa ao menos por trs estgios: sociedade semifeudal (sculo XVIII), sociedade de classes (sculo XIX) e sociedade de massas (sculo XX). No ltimo, a cincia da economia sucedida por outro modelo cientfico que Arendt chama de cincias do comportamento. Para a filsofa, a economia tem alcance limitado na imposio de padres de comportamento, tendo tal poder sobretudo frente queles estratos mais abastados da populao, que formam a boa sociedade (cf. EPF, p. 251). Com o surgimento da sociedade de massas, vrios grupos sociais so condensados em uma nica sociedade; na era de massas, aps trs sculos de desenvolvimento, a sociedade alcanou o ponto em que abrange e controla, igualmente e com igual fora, todos os membros de uma determinada comunidade (CH, p. 50). O surgimento e o estabelecimento das cincias do comportamento, da pretenso oniabrangente das cincias sociais (...) [de] reduzir o homem como um todo, em todas as suas atividades, ao nvel de um animal comportado e condicionado (CH, p. 55), demonstram que a fase final dos desdobramentos da sociedade de massas se d quando ela atinge todas as camadas da nao e o comportamento social atingiu o status de referncia a todos os setores da vida, incluindo os mbitos da vita activa. Na passagem da sociedade sociedade de massas, o comportamento social se impe com maior fora aos indivduos, pois no h vias de escape para outro estrato da populao que

  • Flvio Rovani de Andrade

    234

    no seja massificado, tornando o conformismo um trao caracterstico da psicologia do homem de massa. O mundo moderno assistiu inverso da hierarquia no mbito da vita activa em favor do trabalho, o que fez desse mundo uma sociedade de trabalhadores. O comportamento social generalizado o trabalho, sendo que o homem de massa aliena-se do mundo. Arendt caracteriza a psicologia do homem de massa da seguinte forma: sua solido, sua estabilidade e falta de padres (que se resume ao trabalho e ao consumo), sua capacidade de consumo aliada inabilidade para julgar, seu egocentrismo e alienao do mundo (cf. EPF, p. 150-151).

    3.2 A ameaa do conformismo O fenmeno totalitrio, nas vertentes em que se manifestou, encontra

    seus elementos basicamente espalhados na experincia europeia. No seria isso um fator preponderante para invalidar a tese de que as anlises arendtianas sobre o totalitarismo so restritas? Alm do que j foi exposto, pode-se responder negativamente a essa questo, tambm, quando tomamos suas anlises dos elementos totalitrios nos EUA. No mesmo ano de 1954, em que Arendt ministra uma palestra sobre o totalitarismo (Tot.), ela publica, em trs ensaios, uma conferncia ministrada na Princeton University, acerca da imagem dos EUA no exterior. Os trs curtos ensaios so: Sonho e pesadelo (EU, p. 425-433), A Europa e a bomba atmica (EU, p. 434-438) e A ameaa do conformismo (EU, p. 439-443). Dar-se- destaque ao ltimo, pois o fenmeno do conformismo um dos que melhor correspondem conexo entre o totalitarismo dos regimes os seus elementos fora do mundo totalitrio, por um lado, e entre as conjunturas de massas europeia e americana, por outro.

    Ao escrever A ameaa do conformismo, Arendt se deparava com um processo denominado macartismo6. Esse foi um movimento iniciado pelo

    6 Celso Lafer (2008, p. 309) refere-se relao entre Arendt e os Estados Unidos, o que inclui suas anlises sobre o macartismo, da seguinte forma: Hannah Arendt foi grata aos EUA, que a receberam como refugiada e cuja cidadania posteriormente assumiu com seriedade. (...) Isso no a impediu de manifestar-se, com coragem, em plena poca de McCarthy, quando corria o risco de desnaturalizao, contra os mtodos totalitrios utilizados para combater o comunismo. Nem atrapalhou a lucidez com a qual, ao examinar os documentos do Pentgono e a mentira poltica, criticou os policy-makers de Washington, que na poca da Guerra do Vietn, embora livres do pecado da ideologia, tratavam hipteses como realidades e teorias como fatos estabelecidos, com as lamentveis consequncias de todos conhecidas. Sobre o episdio do macartismo na vida de Arendt, ver Elizabeth Young Bruehl (1997), especialmente entre as pginas 261 e 264.

  • Dissertatio, UFPel [38, 2013] 217 - 245

    235

    senador Joseph McCarthy, tendo seu perodo forte entre o fim dos anos de 1940 e meados dos de 1950. Trata-se de um extremismo anticomunista, que dentre outras coisas afirmava ser impossvel acontecer algo parecido com o totalitarismo nos EUA. A querela que Arendt analisa de uma relao exterior, pela qual os EUA, ao mesmo tempo que negam a possibilidade de um totalitarismo americano, devido suposta proteo dada por suas instituies e por sua formao poltica, atribuem histria europeia a responsabilidade pelo surgimento dos regimes totalitrios, gerando uma tenso, uma espcie de ressentimento, entre o Velho Continente e o Novo Mundo. Essa discusso se insere em um embate mais amplo entre europesmo e americanismo, sendo duas ideologias se enfrentando, lutando e, sobretudo, se assemelhando como se assemelham todas as ideologias aparentemente opostas (EU, p. 433). Para os europeus, o macartismo representaria, poca, no uma opinio individual de cidados estadunidenses, mas uma opinio geral, na expectativa de encontrar uma espcie de conformismo que dispensa violncia ou ameaas, e que brota espontaneamente numa sociedade que condiciona a tal perfeio os cidados (EU, p. 440) ao ponto de ningum perceber-se condicionado. Aos olhos europeus, o macartismo expressaria um comportamento anticomunista to generalizado que poderia ser facilmente identificado com uma forma de conformismo enraizado no condicionamento.

    Arendt considera como um trao caracterstico da democracia americana (EU, p. 440) o condicionamento dos indivduos a suas exigncias. Para ela, tal querela se enraza na diferena com a qual os Estados-naes europeus e a Repblica norte-americana se fundamentam politicamente. A forma do Estado-nao se fundamenta numa lgica contratual em que as liberdades individuais so transferidas ao Estado; assim, o conflito europeu entre Estado e indivduo foi amide resolvido em detrimento da liberdade individual (EU, p. 440). Os EUA surgem de fundaes7 de novos corpos

    7 Em Sobre a Revoluo, a autora explica a fundao dos Estados Unidos nos seguintes termos: Em outras palavras, o que aconteceu na Amrica colonial antes da revoluo (e que no havia acontecido em nenhuma outra parte do mundo, nem nos velhos pases, nem nas novas colnias) foi, em termos tericos, que a ao levou formao do poder e a existncia desse poder foi preservada pelos meios recm-descobertos da promessa e do pacto. A fora desse poder, gerado pela ao e mantido por promessa, veio a se demonstrar quando para a grande surpresa de todas as grandes potncias as colnias, isto , os municpios e as provncias, os condados e as cidades, a despeito das inmeras diferenas entre si, venceram a guerra contra a Inglaterra. Mas essa vitria foi uma surpresa somente para o Velho Mundo; os colonizadores, com uma bagagem de 150 anos de pactos, erguendo-se num

  • Flvio Rovani de Andrade

    236

    polticos, mas a eficincia do condicionamento do povo americano no deixa claras suas salvaguardas ao europeu.

    Em uma palestra proferida em 1948, na Rand School, Arendt j falava sobre esse assunto. Diz ela:

    De um ponto de vista europeu, a principal dificuldade em entender os Estados Unidos reside na peculiar relao entre suas foras sociais e polticas, entre a sociedade e o corpo poltico. O visitante europeu simplesmente no consegue perceber realidades polticas nos Estados Unidos, porque esto to ocultas sob a superfcie de uma sociedade em que a publicidade e as relaes pblicas multiplicam todos os fatores sociais, como um espelho multiplica a luz, que a fachada brilhante parece ser a realidade dominante. Ele no consegue imaginar que o Sr. Fulano de Tal, que em matrias sociais obviamente o maior conformista do mundo e quase nunca fala de poltica, mesmo assim , em assuntos polticos, uma criatura de extrema independncia e com um profundo senso de responsabilidade como cidado. Para esse visitante, inconcebvel que, sob a superfcie composta de todos os piores elementos culturais de uma sociedade de massas, exista um sistema muito complexo de inter-relaes sociais determinadas por grupos sempre mais e mais heterogneos do que em um sistema de classes. O visitante, mais ou menos doutrinado por teorias marxistas a considerar a sociedade como a realidade tangvel da qual se deduz o funcionamento das foras polticas, nunca foi preparado para um estado de coisas em que as foras sociais e polticas simplesmente no combinam e muitas vezes at se contradizem, ou em que as crenas e tradies polticas so muito mais estveis e

    pas que era articulado de cima a baixo de provncias ou estados a cidades e distritos, municpios, povoados e condados em corpos devidamente constitudos, cada qual como uma comunidade em si, com representantes livremente escolhidos pelo consentimento de vizinhos e amigos afetuosos, cada qual, alm disso, concebido para crescer na medida em que se baseava nas promessas mtuas daqueles coabitantes que, quando se constituram para ser um s estado pblico ou comunidade, haviam concebido aquele corpo no s para os sucessores mas tambm para os que se adicionarem a ns a qualquer momento a partir de agora , os homens que pela fora ininterrupta dessa tradio deram um adeus final Gr-Bretanha sabiam de suas chances desde o incio; sabiam do enorme poder potencial que surge quando os homens mutuamente empenham [suas] vidas, [suas] fortunas e sua honra sagrada (SR, p. 228-229).

  • Dissertatio, UFPel [38, 2013] 217 - 245

    237

    permanentes do que sugerem as aparncias sociais. Quem poderia supor que um indivduo cuja vida pessoal est totalmente concentrada no sucesso e totalmente imbuda do medo de ser um fracasso no alimente nenhuma idolatria pelo sucesso poltico, nutrida pelos cultuadores europeus da histria? O visitante, em outras palavras, no entende que uma sociedade do sculo XX (e, em alguns aspectos, do sculo XIX) viva e prospere sobre a slida base de uma filosofia poltica do sculo XVIII (EU, p. 253).

    Essa passagem ilustrativa da interpretao de Arendt sobre os europeus no enxergarem diferenas entre Estado e sociedade nos Estados Unidos. Nos termos dos europeus, que viam em seu formato de Estado a vantagem de poder se refugiar na sociedade privada onde a liberdade individual fica intacta, o risco que os EUA representam o de que em um eventual governo majoritrio a sociedade ser mais opressora, inviabilizando a liberdade individual. Embora nunca tivesse havido algo do tipo na sociedade ocidental, a apreenso da Europa est relacionada com a ideia de que a liberdade pode definhar devido a alguma espcie de acordo geral, a algum processo quase intangvel de adaptao mtua (EU, p. 441). No fundo, o temor europeu de que o terror e a violncia pudessem se tornar desnecessrios para que se promovesse o desaparecimento da liberdade.

    Arendt, todavia, extrapola o objetivo inicial de mostrar a imagem dos Estados Unidos da perspectiva europeia, e procura compreender o risco do conformismo em larga escala, que se confunde com o modo de vida estadunidense. Para ela, o conformismo uma ameaa por seu potencial de organizar massas (cf. EU, p. 442).

    Acerca do conformismo norte-americano, a autora elabora o raciocnio de que sua percepo ofuscada pelos horrores do terror, combinados com a propaganda ideolgica (EU, p. 441), os mtodos propriamente totalitrios para cingir massas amorfas. Em A ameaa do conformismo, respaldada em Tocqueville, a autora conclui que o condicionamento da democracia estadunidense exerce uma enorme presso sobre os indivduos, ao ponto de no haver necessidade de a maioria obrig-los a nada, pois a prpria presso os convence: a coero no violenta da desaprovao pblica to forte que o dissidente no tem para onde se voltar

  • Flvio Rovani de Andrade

    238

    em sua solido (solitude)8 e impotncia, e ao final ser levado ao conformismo ou ao desespero (EU, p. 441).

    Hannah Arendt tem uma preocupao constante de no isolar a vida poltica estadunidense e sua sociedade de massas do universo dos transes e das crises modernos; suas anlises se desdobram, no na forma de uma metodologia cientfica histrica ou social, mas na forma da narrativa compreensiva9 propriamente arendtiana. De uma forma to evidente quanto difcil de reconstituir sistematicamente, seno pelo possvel entendimento de uma interpretao narrativa, o fenmeno do conformismo estadunidense emerge como principal elemento totalitrio a conectar a crise mais geral do mundo moderno aos problemas especficos de um pas onde o totalitarismo no vigorou. Isso, seja porque para a autora indubitvel que os Estados Unidos tm uma experincia muito maior com o conformismo do que a Europa (EU, p. 442), seja pelo potencial de o conformismo organizar as massas. No caso europeu, as sociedades em que as massas desorganizadas foram estruturadas pelo terror e pela propaganda e onde elas j se encontram num grau elevado de adeso a comportamentos sociais, isto , ao conformismo, este pode ser um fator de limitao, decerto no to radical, mas igualmente eficiente, da liberdade e da espontaneidade, ou de dissimulao da singularidade.

    Nesse sentido, diz Arendt:

    No caso de uma sociedade de massas j existente diferena da desintegrao de classe num processo acelerado pelos movimentos totalitrios , no inconcebvel que os elementos totalitrios possam, por algum tempo, se basear no conformismo ou na ativao de um conformismo latente, para seus prprios fins. Nos estgios iniciais, o conformismo poderia ser usado para diminuir a violncia do terror e a insistncia da ideologia; com isso, a transio de um ambiente livre para a fase de uma atmosfera pr-totalitria seria menos perceptvel (EU, p. 441).

    8 Nesse caso, deve-se entender solitude no como solido, mas como isolamento. 9 Sobre o aspecto narrativo da obra arendtiana, ver AGUIAR (2001). Sobre o conceito hermenutico de compreenso, ver o ensaio Compreenso e Poltica, na coletnea Compreender.

  • Dissertatio, UFPel [38, 2013] 217 - 245

    239

    O excerto acima, de A ameaa do conformismo (1954), ressoa em afirmaes de Arendt em Ideologia e terror (publicado inicialmente em 1953 e acrescido a Origens do totalitarismo em 1958). No primeiro texto, afirma que o conformismo pode muito bem ser to fatal quanto outras formas mais cruentas de organizao de massas moderna (EU, p. 442). No ltimo, reconhece a possibilidade de os verdadeiros transes do mundo moderno revelarem sua forma mais autntica, sem que seja necessariamente mais cruel, quando os regimes totalitrios no mais viessem a existir (cf. OT, p. 512); como se a experincia humana bsica do totalitarismo, que a solido, a qual dispe os indivduos para a superfluidade e a logicidade, pudesse tornar os homens suprfluos sem mat-los ou tortur-los fisicamente, a partir de um expediente ainda mais sutil e generalizado (na medida em que, ao contrrio do terror, no causa repugnncia) de limitao da liberdade. O perigo do conformismo neste pas um perigo quase to velho quanto a Repblica que, por causa da extraordinria heterogeneidade da sua populao, o conformismo social tende a se tornar um valor absoluto e um substituto para a homogeneidade nacional (RJ, p. 274). A publicidade forja um falso mundo de coerncias, as massas se movimentam no ritmo do trabalho e do consumo, o virtuosismo da ao substitudo pelo comportamento social previsvel, vive-se em meio a coisas, ideias, opinies etc. fludas, sem durabilidade, destinadas unicamente ao consumo. Sendo a liberdade e a ao to fteis quanto a vida, as massas se convencem de que o trabalho e o comportamento esto no mesmo nvel da obra e da ao.

    4. Trabalho e consumo: vitria do Animal laborans A questo do conformismo, da elevao do comportamento ao nvel

    da ao, est acompanhada pela ascenso da sociedade de massas, que em muitos aspectos condiz com o estabelecimento de uma sociedade de trabalhadores e de consumo, e uma das principais caractersticas da poca moderna, que a crescente alienao do mundo (EPF, p. 126). Essa alienao se d em um duplo sentido: fuga da Terra para o universo e do mundo para si mesmo (self) (CH, p. 07). Tal alienao chega ao pice no sculo XX, quando o homem encontra apenas a si mesmo, onde quer que v. A sociedade de massas expressa justamente o ponto alto desse processo de alienao, em que os homens perdem o mundo comum, ou melhor, os espaos nos quais podem dirigir ao mundo o interesse comum, vivendo ou

  • Flvio Rovani de Andrade

    240

    numa forma de vida solitria, separados dos outros, ou comprimidos numa massa, como no caso extremo dos movimentos que se desenrolaram no totalitarismo. Mas haveria, para a autora, algum elemento de compresso da massa ao movimento que no estivesse ligado a movimentos tipicamente totalitrios?

    Para Arendt, a era moderna surgiu com a sobreposio do homo faber ao animal rationale. O homo faber caracteriza-se pela atividade da obra, pela fabricao de coisas durveis que emprestam durabilidade efemeridade da existncia humana. A partir de Marx, o homem passa a ser definido como animal laborans, que no mais est vinculado ao ideal de durabilidade, mas de abundncia, sendo que o animal laborans investe toda sua energia na atividade do trabalho, mantenedor da vida, enquanto vida biolgica. Mas isso no se deve teoria marxista, mas transformao factual de uma sociedade antes produtora numa sociedade de consumo (RJ, p. 332). O trabalho e o consumo so processos em que nada se fixa, pois tudo devorado. A vitria do animal laborans sobre o homo faber equivalente sobreposio do trabalho e do consumo aos objetos da obra, que se d sob a gide do progresso, que por sua vez alimenta-se do consumo. interessante notar que Arendt, ao buscar uma referncia que pudesse caracterizar o binmio progresso-consumo, no o faz pela via de conceitos tais como crescimento, acmulo, avano, desenvolvimento, contradio ou luta de classes; mas justamente por aquilo que se prestou categorizao das ideologias totalitrias, tanto nazista quanto comunista, que o movimento: O movimento a meta [Lewis Mumford] (RJ, p. 332, grifo do original).

    A inverso hierrquica entre trabalho e obra equivale inverso dos fins das coisas produzidas correspondentes: o uso e o consumo. Poderia parecer um falso paradoxo, uma falsa dicotomia, se vista com o olhar desabituado linguagem arendtiana e impregnado da linguagem cotidiana, que nos sugere consumirmos o que fabricamos. Arendt analisa a diferena entre uso e consumo e, por consequncia, dos resultados do trabalho e da obra, demonstrando que os bens de consumo derivam seu carter-de-coisa (thing-character) dos objetos de uso (cf. CH, p. 116)10. So os produtos da obra, e no do trabalho, que garantem a permanncia e a durabilidade

    10 Dada a inerente futilidade, tanto o trabalho quanto a ao precisam do mundo de coisas durveis para que possam adquirir qualquer carter de permanncia. O trabalho e seus objetos dependem do mundo para obter carter-de-coisa. A ao depende de um mundo, enquanto espao-entre homens de ao.

  • Dissertatio, UFPel [38, 2013] 217 - 245

    241

    sem as quais um mundo absolutamente no seria possvel (CH, p. 116). A essas coisas, usamos, mas no consumimos. Na medida em que so objetos de uso, elas se desgastam, mas em um ritmo lento, e sua permanncia faz com que nos acostumemos a esses objetos. em meio a eles, dentro do mundo feito dessas coisas durveis, que encontramos os bens de consumo com os quais a vida assegura seus meios de sobrevivncia. Os bens de consumo esto em relao vida assim como os objetos de uso esto em relao ao mundo: uma relao de necessidade. Mas da natureza dos bens de consumo ser sem estabilidade prpria (CH, p. 116), pois aparecem e desaparecem constantemente em meio a coisas que no so consumidas, a exemplo do po sobre a mesa: (...) nem mesmo saberamos o que uma coisa se no tivssemos diante de ns a obra de nossas mos (CH, p. 116-117). Isto , na ausncia do mundo durvel, entregue ao processo sem fim das necessidades da vida, haveria to somente o movimento do trabalho e do consumo, coisas que apareceriam e sumiriam, sem que se reificassem no carter-de-coisa.

    A sociedade de consumo o estgio no qual assumimos uma atitude de consumo sobre todos os tipos de coisas, no mais nos permitindo usar nada exausto. No prprio ato de produo, j se prev a suposta vida til, a qual cada vez mais raramente ultrapassa o tempo da vida de seu produtor. Isso quer dizer que no mais se leva em considerao a durabilidade das coisas, como se no fosse mais necessrio habituar-se a mundo algum, o que nos autoriza a devorar at mesmo coisas tidas como durveis, tais como casas, carros, moblias, antes que se tornem coisas obsoletas. A oposio entre vida e mundo perde sentido, medida que as fronteiras que protegiam o mundo da fora destrutiva da natureza foram derrubadas, permitindo que a lgica da natureza, enquanto processos fsicos e biolgicos, assimilasse o mundo e o artifcio humanos, ameaando, assim, sua estabilidade. Dessa maneira, permanncia, durabilidade e estabilidade, os ideais do homo faber, so substitudos pelo ideal de abundncia do animal laborans.

    Sendo o trabalho a nica atividade capaz de atender ao ideal da abundncia, o tipo social ideal o de uma sociedade de trabalhadores, que no mais que a outra faceta da sociedade de consumidores, pois o trabalho e o consumo so apenas dois estgios do mesmo processo (CH, p. 156) imposto pela vida. Estar em uma sociedade de trabalhadores o estgio da modernidade resultante da confluncia de dois fatores: o acesso dos trabalhadores esfera pblica, o que um avano, mas que foi precedido

  • Flvio Rovani de Andrade

    242

    pelo estgio da emancipao do prprio trabalho. como se o avano da emancipao dos trabalhadores fosse contrabalanado pelo fato de ter se reduzido quase todas as atividades humanas ao mbito do trabalho, isto , ao denominador comum de assegurar as coisas necessrias vida e de produzi-las em abundncia (CH, p. 157), manifesto sobretudo no fato de se buscar que qualquer atividade, intelectual ou braal, tcnico-cientfica ou humanstica, em qualquer rea do conhecimento humano, sirva para o provimento do prprio sustento (Cf. CH, p. 05-06; 156-159). E o tempo que no est destinado ao trabalho, em vez de liberar as energias do trabalho para realizar atividades superiores, acaba se destinando ao consumo, para atender aos apetites do animal laborans. O refinamento de tais apetites, o qual poderia dar a impresso de diferenciao no nvel do consumo para o nvel de uso, reflete na verdade a sofisticao das necessidades; elas no esto mais restritas ao crculo da natureza, mas passaram a concentrar-se principalmente nas superfluidades da vida (CH, p. 166), fato que no altera o carter da sociedade de consumo.

    Arendt concebe como sinal do perigo da vitria definitiva do animal laborans o grau em que a economia do incio da segunda metade do sculo XX j havia se tornado uma economia do desperdcio, demonstrando a voraz acelerao de seu movimento. O processo trabalho-consumo, elevando-se e impondo-se sobre todas as esferas da vida, coloca em xeque a durabilidade do mundo, sendo o homem lanado em uma vida sem mundo. O mundo se torna inumano, inspito para as necessidades humanas que so as necessidades de mortais , quando violentamente lanado num movimento onde no existe mais nenhuma espcie de permanncia (HTS, p. 18). Mas a sociedade de trabalhadores tem ainda um ltimo estgio, que a sociedade de empregados. Nela, o conformismo se coloca com sua maior fora:

    O ltimo estgio da sociedade de trabalhadores, o qual a sociedade de empregados, requer de seus membros um funcionamento puramente automtico, como se a vida individual realmente houvesse sido submersa no processo vital global da espcie e a nica deciso ativa exigida do indivduo fosse deixar-se levar, por assim dizer, abandonar a sua individualidade, as dores e as penas de viver ainda sentidas individualmente, e aquiescer a um tipo funcional, entorpecido e tranquilizado de comportamento. O problema com as modernas teorias do comportamentalismo no que estejam erradas, mas sim que

  • Dissertatio, UFPel [38, 2013] 217 - 245

    243

    possam tornar-se verdadeiras, que realmente constituam a melhor conceituao possvel de certas tendncias bvias da sociedade moderna (CH, p. 403).

    Consideraes finais

    Com base no que foi exposto, conformismo e consumismo, na perspectiva do pensamento de Hannah Arendt, alinham-se questo do totalitarismo por algumas vias: a primeira, pela lgica do movimento, por englobar tudo no ciclo sempre-recorrente do trabalho e do consumo; a segunda, pela capacidade de mobilizao das massas; a terceira, pela ameaa do mundo comum e ao senso comum. Essas vias passam pela perda da estabilidade do mundo, deixando ele de ser espao-entre no qual a ao, expresso da liberdade e da espontaneidade, possam brotar.

    Desse modo, so fenmenos de fora totalitria, na medida em que abalam o mundo comum e limitam a liberdade num estado de coisas em que qualquer coerncia pode facilmente tornar-se fato e verdade, substituindo a memria, ditando comportamentos e travestindo a ao... Dissimulando nosso carter de novidade.

    Hannah Arendt faz formulaes a respeito dos perigos da consolidao de uma sociedade de trabalhadores, empregados e consumidores, em suma, da sociedade de massa do sculo XX. Uma delas o risco de que nenhum objeto mundano esteja a salvo do consumo e da aniquilao por meio do consumo (CH, p. 166). Outra a de que a sociedade, deslumbrada pela abundncia de sua crescente fertilidade e presa ao suave funcionamento de um processo interminvel, j no seria capaz de reconhecer sua prpria futilidade (CH, p. 168). Uma ltima formulao diz respeito possibilidade do paradoxal fim da era moderna, que tendo se iniciado de modo to arrojado na cincia, na filosofia, nas artes, na poltica, na tica, enfim, a partir de um surto promissor e sem igual em todos os setores da vida, venha a terminar na passividade mais mortal e estril que a histria jamais conheceu (CH, p. 403).

    Assim, as formulaes de Hannah Arendt acerca dos perigos da sociedade de consumo vo no sentido da possibilidade de se perder o mundo, pois o trabalho e o consumo so atividades que devoram a permanncia. Esse o pano de fundo da necessidade de se preservar o mundo: a possibilidade de a massa se envolver num conformismo de modo tal que no mais consiga ver a existncia humana por olhos humanos. Analogamente aos sistemas totalitrios, nos quais as

  • Flvio Rovani de Andrade

    244

    massas entregavam-se s ideologias do movimento da Natureza ou da Histria a ponto de indivduos solitrios serem cingidos numa massa em que no havia espao para a liberdade, o movimento da natureza, ao espraiar-se em todas as atividades na forma do ciclo sempre-recorrente do trabalho e do consumo e colocando no mbito da necessidade tudo o que feito, tambm pode, ao menos potencialmente, atentar contra a liberdade pela ausncia do mundo comum onde ela possa aparecer.

    Referncias

    AGUIAR, O. A. Pensamento e narrao em Hannah Arendt. In: BIGNOTTO, N.; MORAES, E. J. (org.). Hannah Arendt: dilogos, reflexes, memrias. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. ARENDT, H. A condio humana. Trad. Roberto Raposo. Reviso tcnica: Adriano Correia. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense Univesitria, 2010. _________. Entre o Passado e o Futuro. Traduo Mauro W. Barbosa. 6. Ed. So Paulo: Perspectiva, 2009. _________. Compreender: formao, exlio e totalitarismo (ensaios 1930-1954). Trad. Denise Bottman. So Paulo: Companhia das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2008. _________. Homens em tempos sombrios. Trad. Denise Bottmann. So Paulo: Cia. das Letras, 2008. _________. Lies sobre a filosofia poltica de Kant. Trad. Andr Duarte. Rio de Janeiro: Relume-Dumar, 1993. _________. Origens do totalitarismo. Trad. Roberto Raposo. So Paulo: Companhia das Letras: 1989. _________. A Promessa da Poltica. Trad. Pedro Jorgensen Jr. Rio de Janeiro: Difel, 2008. _________. O que poltica. Compilao de Ursula Ludz. Trad. Reinaldo Guarany. 5. Ed. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2004a. _________. Responsabilidade e julgamento. Trad. Rosaura Einchenberg. Reviso tcnica: Bethnia Assy e Andr Duarte. So Paulo: Cia. das Letras, 2004b. _________. Sobre a Revoluo. Trad. Denise Bottmann. So Paulo: Cia. das Letras, 2011. _________. Sobre a violncia. Trad. Andr Duarte. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2010.

  • Dissertatio, UFPel [38, 2013] 217 - 245

    245

    _________. Totalitarismo. Trad. Adriano Correia. In: Inquietude. Goinia. vol. 2, n 2, p. 229-237, ago/dez 2011. _________. Trabalho, obra, ao. Trad. Adriano Correia. In: Cadernos de tica e Filosofia Poltica. n 7, p. 175-201, 2/2005. _________. A vida do esprito. Trad. Cesar A. Almeida, Antnio Abranches, Helena Martins. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2010. DUARTE, A. O pensamento sombra da ruptura: Filosofia e Poltica em Hannah Arendt. So Paulo: Paz e Terra, 2000. _________. A dimenso poltica da filosofia kantiana segundo Hannah Arendt. In: ARENDT, H. Lies sobre a filosofia poltica de Kant. Trad. Andr Duarte. Rio de Janeiro: Relume-Dumar, 1993. CORREIA, A. O desafio moderno: Hannah Arendt e a sociedade de consumo. In: BIGNOTTO, N.; MORAES, E. J. (org.). Hannah Arendt: dilogos, reflexes, memrias. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. KOHN, J. Introduo. In: ARENDT, H. Compreender: formao, exlio e totalitarismo (ensaios 1930-1954). Trad. Denise Bottman. So Paulo: Companhia das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2008. LAFER, C. Hannah Arendt: vida e obra (Posfcio). In: ARENDT, H. Homens em tempos sombrios. Trad. Denise Bottmann. So Paulo: Cia. das Letras, 2008. YOUNG-BRUEHL, E. Hannah Arendt: por amor ao mundo. Rio de Janeiro: Relume Dumar, 1997.

    Email: [email protected]

    RECEBIDO: Janeiro/2013 APROVADO: Maro/2013