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CULTURA CORPORAL E LAZER: uma proposta metodológica

para o ensino da Educação Física no Ensino Médio.

Autor: Dirce Ferreira Gameiro1

Orientador: Antonio Geraldo Magalhães Gomes Pires2

Resumo

Na prática pedagógica cotidiana observou-se a dificuldade dos estudantes do Ensino Médio noturno principalmente de perceberem a importância de se apropriarem dos conhecimentos pertinentes à cultura corporal. Enquanto educadora perpassava por momentos de angústias e reflexões sobre estes estudantes trabalhadores que chegam à escola após sua jornada de trabalho diária, na qual ora despendem força física, ora intelectual e que apresentam dificuldades em acompanhar o desenvolvimento das atividades propostas. Na busca de integrar e interligar as práticas corporais de forma reflexiva e contextualizada é que objetivamos apresentar uma proposta metodológica para o ensino da Educação Física focada no diálogo e que tivesse como aspecto norteador a apropriação de conhecimentos referentes às práticas de lazer e qualidade de vida. Este projeto teve o intuito de desenvolver um planejamento participativo tomando como referencial primário a metodologia estabelecida nas Diretrizes Curriculares da SEED. Por meio das aulas de Educação Física poder-se-ia construir coletivamente uma proposta da utilização do uso de seu tempo livre para o lazer. Sendo assim, propusemos articulações entre os conteúdos da cultura corporal com o mundo do trabalho e lazer. Desta forma, trabalhamos com os estudantes do 3º ano do Ensino Médio noturno tendo como ponto central criar condições para que eles pudessem ampliar os conhecimentos que detinham sobre a realidade onde produziam sua existência, procurando assim, estabelecer relações e nexos entre os fenômenos sociais e culturais, garantindo então acesso aos conhecimentos que lhe permita produzir reflexões críticas sobre as manifestações ou práticas corporais historicamente produzidas pela humanidade, reconhecendo-se

1 Pós – Graduações, em nível Lato – Sensu, nas áreas Educação Física Escolar; Base Científica da

Preparação Integral da Natação e Administração, Supervisão e Orientação Escolar na Universidade Norte do Paraná – UNOPAR. Professora do Colégio Estadual Vicente Rijo - Ensino Fundamental, Médio e Profissional. E-mail: [email protected]

2 Doutorado em Educação Física e Cultura pela Universidade Gama Filho - Rio de Janeiro, Professor

do Departamento de Estudos do Movimento Humano do Centro de Educação Física e Esporte da Universidade Estadual de Londrina.

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como produto, mas também como agente político, social e cultural e assim contribuir na melhora em sua qualidade de vida.

Palavras – chave: Educação Física. Lazer. Cultura Corporal. Ensino Médio.

Este trabalho refere-se a uma viagem promovida pela Secretaria de Estado

da Educação - SEED, aos professores da rede estadual com direito a muita aventura

e descobertas, enquanto desenvolvíamos um projeto de intervenção em nossa

escola. Aconteceu no segundo semestre de 2011, numa Escola Pública do

município de Londrina/PR, que teve por objetivo apresentar uma proposta

metodológica diferenciada para o ensino da Educação Física no Ensino Médio

Noturno.

Para começarmos a falar da proposta, é importante deixarmos claro que o

passo primeiro do projeto foi conversarmos com os estudantes sobre o projeto

propriamente dito e a relevância do papel que as práticas de lazer exercem quando

falamos em qualidade de vida e que a apropriação destes conhecimentos

possibilitará a eles uma melhor compreensão das relações existentes entre os

conteúdos de suas aulas de Educação Física e sua vida cotidiana.

A opção foi pelo desenvolvimento de um projeto de intervenção na escola,

com o conteúdo esporte proposto nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica –

Educação Física da rede estadual de ensino do Paraná, sob os princípios teóricos e

metodológicos da Pedagogia Histórico-Crítica, fundamentada em Gasparin (2011)

onde são priorizadas situações pedagógicas que são desencadeadas a partir do

envolvimento dos estudante na busca de estratégias para solucionar a temática

problematizadora apresentada pelo professor, relacionando os conteúdos

ministrados em sala de aula com o cotidiano e o ensino escolar.

Propomos o agir participativo neste processo de ensino-aprendizagem que

esteve focado no diálogo, na explicação constante dos interesses e no entendimento

mútuo dos envolvidos. E também na sua realização, fazendo uso dos princípios

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norteadores do planejamento que considera “o fato de terem suas contribuições

aceitas sem julgamento incentiva os estudantes a participarem da busca de

soluções para os problemas” (GASPARIN, 2011, p. 27).

Numa abordagem inicial esclarecemos nossos estudantes sobre: o

Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná – PDE/PR, a

Educação Física, o Projeto de Intervenção com suas etapas: sensibilização; fase

diagnóstica (problematização); programação, instrumentalização; elaboração teórica

da nova síntese.

Nossa proposta de Intervenção Pedagógica objetivou instrumentalizar e

capacitar os estudantes para que fossem capazes e autônomos no processo de,

coletivamente, resignificar os sentidos instituídos em seus imaginários de tempo

livre, bem como o modo de ocupá-lo com atividades de lazer. Propomos em seu

desenvolvimento articulações entre os conteúdos da cultura corporal com o mundo

do trabalho e lazer, criando condições para que os estudantes pudessem ampliar e

resignificar os conhecimentos já apropriados historicamente sobre a realidade onde

produzem sua existência, procurando assim, estabelecer relações e nexos entre os

fenômenos históricos, políticos, sociais e culturais.

Diante dos princípios norteadores da proposta pedagógica, colocamos como

desafios a serem perseguidos:

1. Tornar as aulas de Educação Física, a escola e o ato de aprender em atos

relevantes para os estudantes.

2. A partir de uma prática pedagógica orientada pela teoria do conflito

propiciar aos estudantes as condições determinantes para que pudessem

compreender os sentidos e significados da cultura corporal e lazer para

uma melhor qualidade de vida.

3. Fazer com que os estudantes a partir de atividades referenciadas pelas

práticas corporais desenvolvessem um código moral (ético), dentro de

vivências da responsabilidade de ação diante do outro e da realidade

social como um todo.

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4. Propiciar aos estudantes conhecimentos e vivências pedagógicas que lhes

possibilitassem produzir uma proposta coletiva do uso do tempo livre com

lazer dentro e fora da escola.

Acompanhando as significativas transformações porque vem passando a

sociedade brasileira, podemos dizer que a educação no país, e em especial, o

Ensino Médio, também passam por relevantes transformações no que diz respeito

às suas políticas, projetos, programas e ações objetivando acompanhar as

transformações da sociedade, o que pode ser identificado no discurso dos

Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio (PCNEM) onde é dito que:

A consolidação do Estado democrático, as novas tecnologias e as mudanças na produção de bens, serviços e conhecimentos exigem que a escola possibilite aos alunos integrarem-se ao mundo contemporâneo nas dimensões fundamentais da cidadania e do trabalho. Partindo de princípios definidos na LDB, o Ministério da Educação, num trabalho conjunto com educadores de todo o País, chegou a um novo perfil para o currículo, apoiado em competências básicas para a inserção de nossos jovens na vida adulta (BRASIL, 2000, p. 4).

É importante salientarmos que a Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino

Médio (2000, p.51) aponta para a urgente necessidade dele, através de suas

políticas públicas, atender “um segmento de jovens já inseridos no mercado de

trabalho que aspiram à melhoria salarial e social e precisam dominar habilidades

que permitam assimilar e utilizar produtivamente recursos tecnológicos novos e em

acelerada transformação”.

Assim, a partir do princípio apresentado nos Parâmetros Curriculares

Nacionais do Ensino Médio (PCNEM), lembramos que o Ensino Médio Noturno

possui estas singularidades não só quanto ao público, mas também no que diz

respeito aos seus objetivos e metodologias, que o diferenciam de qualquer outro

nível de ensino. Nossa compreensão do acontecimento se confirma nos

apontamentos feitos nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio

(DCNEM) onde,

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[...] são adultos ou jovens adultos, via de regra mais pobres e com vida escolar mais acidentada. Estudantes que aspiram a trabalhar, trabalhadores que precisam estudar, a clientela do Ensino Médio tende a tornar-se mais heterogênea, tanto etária quanto sócio economicamente, pela incorporação crescente de jovens e jovens adultos originários de grupos sociais, até o presente, sub-representados nessa etapa da escolaridade (BRASIL, 2000, p. 52).

O Ensino Médio tem como objetivo preparar o estudante para as

necessidades da vida, desta forma, ele é um dos níveis da Educação Básica,

apontado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional para a Legislação

Lei nº9394 de 20 de dezembro de 1996, Seção IV - Art. 35 (p.13-14) tem por

finalidade;

I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.

O que podemos afirmar é que esses mesmos dados são confirmados pelo

Projeto Político Pedagógico (PPP) - ano 2010 - do Colégio Estadual Vicente Rijo -

Ensino Fundamental, Médio e Profissional, localizado no município de Londrina,

onde 336 de seus alunos (aproximadamente 70%) matriculados no período noturno

são obrigados a conciliarem seus estudos com a rotina diária de trabalho, família,

entre outros.

Diante desse contexto, acreditamos que o Ensino Médio deve colocar como

seu desafio primeiro tornar a escola e o ato de aprender não somente um ato

significativo, mas principalmente um ato relevante. Para tanto se faz determinante

que a escola tome como aspecto norteador de suas práticas o fato dos estudantes

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do curso noturno procurarem a escola com o objetivo de garantir uma

complementação escolar e apropriação de conhecimentos que lhes garanta as

condições necessárias para que possam buscar a concretização de um “futuro

melhor” para sua existência naquilo que diz respeito à melhoria de sua qualidade de

vida.

No Ensino Médio Noturno os estudantes/trabalhadores estão em

desvantagens em relação aos demais, por não poderem dedicar-se integralmente

aos seus estudos apresentando um alto índice de reprovação e evasão Este fato se

confirma em Ramos (2009) técnica pedagógico da Coordenação de Legislação e

Ensino do Departamento de Educação Básica (DEB), quando aponta que muitos

alunos deixam de estudar em função de “não conseguem conciliar o emprego e se

afastam da escola, muitas vezes, faltando poucos meses para a conclusão da série.

Tendo que dividir atenção e disposição entre os estudos, o trabalho e muitas vezes

a família” (RAMOS. 2009, s/p.).

Neste contexto apresentado, a Secretaria do Estado de Educação (SEED)

teve a iniciativa de organizar o ensino médio em blocos com intuito de garantir uma

melhoria do ensino médio nas escolas da rede pública estadual, principalmente no

ensino noturno.

Com objetivo de diminuir a evasão de estudantes do ensino médio noturno a

escola optou pela organização das disciplinas componentes da matriz curricular de

forma diferenciada. Agrupou as disciplinas em dois blocos semestrais distribuídas

por séries e dois blocos ofertados concomitantemente Bloco 1 e Bloco 2. Acreditava-

se que desta forma os conhecimentos seriam tratados tendo em vista a organização

da nova carga horária e o formato semestralizado da proposta pedagógica. É

importante salientar que cada Bloco de Disciplinas deveria ser cumprido em, no

mínimo, 100 dias letivos. No Bloco 1 as disciplinas de Biologia, Educação Física,

Língua Portuguesa, História, LEM e Filosofia, e no Bloco 2 as disciplinas de Arte,

Física, Geografia, Sociologia e Química.

Este modelo em blocos serviu para flexibilizar os estudos e melhorar a

aprendizagem, pois os estudantes puderam se dedicar mais tempo ao estudo, visto

terem um menor número de disciplinas a cada semestre, o que foi conseguido

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porque as aulas foram concentradas, sendo que a disciplina de Educação Física foi

distribuída em quatro aulas semanais. Aproveitamos para ressaltar a importância do

trabalho diferenciado do professor, pois conforme nos fala Santin (1987, p. 50),

[...] a Educação Física poderia pensar em atividades variadas, capazes de eliminar as tensões físicas e psíquicas e também capazes de recuperar o equilíbrio afetado por atividades e posturas monótonas, produzidas pelas especialidades profissionais surgidas em função do desenvolvimento científico e tecnológico.

Para melhor compreendermos a maneira como a Educação Física está

envolvida com as questões referentes ao ensino médio noturno é interessante

visitarmos os anos 1980 período no qual emerge um entendimento considerado

diferenciado e inovador relativo à Educação Física. Ele sugere que a disciplina

deveria ser assumida enquanto uma prática pedagógica que envolve elementos da

Cultura Corporal, que segundo o Coletivo de Autores (1992) tem como objeto de

estudo a “Expressão Corporal como Linguagem”. Desta forma, tudo que fosse

considerado como acervo de conhecimentos da humanidade acumulados

historicamente, referente à cultura corporal, passaria a ser sistematizado e

organizado a partir de temas que representassem conteúdos de ensino para as

aulas de Educação Física.

Assim, a componente curricular Educação Física deveria possibilitar ao

estudante explorar e analisar o mundo motor por meio das manifestações da cultura

corporal, visando o entendimento e a autonomia frente aos conhecimentos relativos

à prática da atividade física permanente. Ela possibilitaria uma maior integração na

cultura corporal do movimento de uma forma completa, transmitindo conhecimentos

sobre a saúde, esporte, cultura, entre outros, introduzindo e integrando os

estudantes com a sociedade (COLETIVO DE AUTORES, 1992).

Segundo Henrique e Januário (2005) citados por Frey (2010) é de extrema

importância para um bom planejamento e desenvolvimento das aulas, saber qual a

opinião e o pensamento dos estudantes, pois são eles os atores da aula. É

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necessário perceber através dos estudantes quais os conteúdos que os mesmos

gostariam de aprender, e com isso, os professores podem obter uma visão mais

ampla sobre o assunto, tentando este conseguir atingir o real objetivo de suas aulas.

Entendemos que um dos papéis da Educação Física é compreender e

discutir junto com esses estudantes os valores e significados que estão por trás das

práticas corporais e ampliar as capacidades, os saberes e os valores que já

possuem de suas experiências desenvolvidas em situações e condições muito

diferentes do ponto de vista social, econômico, moral, cultural, religioso e étnico

(PARANÁ, 2010).

Para as teorias críticas, nas quais as Diretrizes Curriculares se

fundamentam, o conceito de contextualização propicia a formação de sujeitos

históricos. É na abordagem dos conteúdos e na escolha dos métodos de ensino

advindo das disciplinas curriculares que as inconsistências e a contradições

presentes nas estruturas sociais são compreendidas e assim se dá um processo de

luta política em que sujeitos constroem sentidos e podem fazer escolhas e agir em

favor de mudanças nas estruturas sociais.

É nesse processo de luta política que os sujeitos em contexto de

escolarização definem os conceitos, valores e convicções advindos das classes

sociais e das estruturas político-culturais em confronto. As propostas curriculares e

conteúdos a serem trabalhados com os estudantes do ensino médio noturno estão

pautados a partir deste processo, e fundamentados por conceitos que dialogam

disciplinarmente com as experiências e saberes de uma comunidade historicamente

situada. Pensar num tratamento teórico-metodológico de forma a repensar a noção

de corpo e de movimento dicotomizados, ir além da ideia de o movimento é

predominantemente um comportamento motor, visto que também é histórico e social

(PARANÁ, 2010).

Por isso, os sujeitos da Educação Básica, devem ter acesso ao

conhecimento produzido pela humanidade que, na escola, é veiculado pelos

conteúdos das disciplinas escolares, e na ação pedagógica deve-se estimular a

reflexão sobre o acervo de formas e representações do mundo que o ser humano

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tem produzido, exteriorizadas pela expressão corporal (COLETIVO DE AUTORES,

1992).

Na busca de integrar e interligar as práticas corporais de forma

reflexiva e contextualizada é que propusemos articulações entre os conteúdos da

cultura corporal com os mundos do trabalho e do lazer, para trabalharmos com os

estudantes que estavam envolvidos com o projeto, tendo como objetivo criar as

condições para que eles pudessem ampliar os conhecimentos que detinham sobre a

realidade onde produzem sua existência, procurando estabelecer relações e nexos

entre os fenômenos sociais e culturais, garantindo assim seu acesso aos

conhecimentos que lhe permitiram produzir reflexões críticas sobre as manifestações

ou práticas corporais historicamente produzidas pela humanidade, reconhecendo-se

como produto, mas também agente político, social e cultural.

Sendo assim, seguimos a orientações das Diretrizes do Estado do Paraná

que apresenta como proposta aos professores da rede a abordagem teórico-

metodológica proposta na DCE, mas fazendo uso de uma proposta metodológica

que busca relacionar os conteúdos ministrados em sala de aula com o cotidiano e o

ensino escolar; onde a práxis dialética desenvolvida nas aulas possibilite aos

estudantes desenvolver a proposta da aula a partir da afirmação (tese), de sua

negação (antítese) e da negação pela negação (síntese) da aula, através de cinco

etapas: 1) Prática social inicial – a partir do conhecimento construído historicamente

pelo aluno e mediado pelo professor; 2) a Problematização – onde os alunos

deverão refletir a partir do levantamento conjunto dos problemas encontrados na

prática social; 3) Instrumentalização – momento no qual o professor apresenta ações

didático - pedagógicas para o desenvolvimento do tema; 4) Catarse – aqui acontece

pelos alunos um novo olhar para a temática proposta e 5) Prática social final –

aparece então uma nova proposta da ação, mas agora com conteúdo sistematizado.

Ressaltamos que o processo permite ao estudante ir além do aprender, propiciando

o despertar de uma consciência critica sobre o mundo e ao seu redor.

Propusemos também o agir participativo no processo de ensino-

aprendizagem focado no diálogo, na explicação constante dos interesses e no

entendimento mútuo dos envolvidos. Para tanto o planejamento foi determinante na

medida em que considera que “o fato de terem suas contribuições aceitas sem

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julgamento incentiva os estudantes a participarem da busca de soluções para os

problemas” apontados no inicio do trabalho (GASPARIN, 2011, p. 27).

Acreditamos que nossa opção metodológica foi determinante para o

significativo número de estudantes que se envolveu com o projeto, visto que o

planejamento participativo possuiu a vantagem de ser flexível já que pôde ser

reorientado a partir do movimento de ação e reflexão do próprio grupo, mas,

conforme Ferreira (1981, p.124) nos diz “é preciso estar preparado para reagir,

organizando a ação, e até mesmo definindo estratégias, em cima da situação.

Nessas horas realmente a única coisa que continua clara é o objetivo da sua ação”.

Sendo assim tomamos como referencial para o desenvolvimento e aplicação do

material didático o planejamento participativo porque ele nos possibilita fixar, para

toda a atividade pedagógica, um objetivo comum, buscando o atendimento real das

necessidades efetivas de todos.

Estiveram envolvidos com o projeto 40 estudantes de ambos os sexos,

matriculados no 3º ano do Ensino Médio, do período noturno, do Colégio Estadual

Vicente Rijo – Ensino Fundamental, Médio e Profissional. Em nossos primeiros

encontros explicamos aos estudantes o que era PDE, como entendíamos a e seu

papel na escola e por fim o Projeto de Intervenção. Em seguida fizemos uma

introdução dos conteúdos estruturantes e objetivos da disciplina. Nos encontros com

os estudantes ficou claro para nós que nosso maior nosso desafio seria desenvolver

o conteúdo esporte contextualizado como Cultura Corporal e o Lazer.

Para superar o desafio lançamos mão dos encaminhamentos

metodológicos propostos por Gasparin (2011), portanto, utilizamos como

instrumento pedagógico os princípios da maiêutica socrática (questionamento) e a

problematização do tema. Enfim, o perguntar/questionar de forma sistematizada

objetivava provocar um desequilíbrio das verdades estabelecidas pelos estudantes

sobre o tema do projeto. A ideia era levá-los ao desafio da reflexão e produção de

conhecimentos sobre o tema de forma alinhada às ideias de Gemerasca e Gandin

(2009), qual seja, no sentido de organizar o processo de ensino-aprendizado a partir

de uma proposta pedagógica participativa, tomando como referencial a realidade

social e condições de vida da comunidade a qual o grupo pertencia. Assim, os

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estudantes poderiam significar a atividade aprender tomando suas necessidades de

aprendizagem e apreensão de conhecimentos que lhes permita em sua vida

cotidiana resolver as situações problemas que surgisse no decorrer do processo

ensino aprendizagem.

O primeiro encontro que mantivemos com nossos colegas professores,

equipe pedagógica e funcionários da escola aconteceu no início do ano letivo, na

Semana Pedagógica, e que foi Encontro de Sensibilização, pois objetivamos com

ele conquistar sua atenção e envolvimento efetivo com o desenvolvimento do

projeto. A atividade deflagadora do encontro foi a dinâmica conhecida como “O

escoteiro inteligente3”.

No reinício das aulas após as férias de julho esta mesma dinâmica foi

desenvolvida com os estudantes. A exposição aos estudantes esteve focada

principalmente para sensibiliza-los da importância de sua participação para o

desenvolvimento do Projeto de Intervenção. Os alunos apresentaram inicialmente

um estranhamento no que diz respeito a metodologia utilizada (questionamentos,

reflexões coletivas...) no projeto. Digo isto, porque eles demonstraram uma

resistência mais forte do que a esperada. Contudo, buscaram coletivamente a

solução para o problema no decorrer da aula. Essa situação nos fez visitarmos a

bibliografia para apropriação de conhecimentos que nos permitissem lidar de forma

mais objetiva com o comportamento apresentado pelos estudantes.

Com o intuito de estimular um diálogo com os estudantes a respeito do

acervo de formas e representações que possuíam a respeito do jogo/lazer e do

esporte e sua função social buscamos instiga-los, de forma dialógica

(questionamentos e discussões), a investigar o domínio que possuíam e que uso

faziam em sua prática social cotidiana, do que foi apresentado, para em seguida

expor para a turma suas dúvidas e conhecimentos.

Na sequência das aulas apresentamos vídeos sobre a prática de futebol de

rua e do futebol/esporte seguidos de questionamentos para instigar discussões entre

os membros dos grupos. Os estudantes deveriam identificar as características

3 Para facilitar a compreensão do procedimento científico, utilizamos esta dinâmica proposta por

Ruben Alves, que propõe o modo de agir de um escoteiro perdido na floresta. Este procedimento científico é o que caracteriza um planejamento eficaz. Cif: ALVES, R. Filosofia da Ciência: introdução ao jogo e as regras. São Paulo: Brasiliense, 1993.

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específicas de cada modalidade bem como sua função social. Após realizarem a

atividades propostas e as discussões, escolheriam um representante para expor à

turma suas ideias.

Porém algumas dificuldades começaram a surgir, dentre as quais

destacamos aquela em que um estudante tentou falar com seus colegas e ficava

nítido que a maioria deles não prestava atenção em sua fala, o que acaba por

dificultar o procedimento. Diante do problema paramos o processo e passamos a

discutir o acontecimento. Assim, produzimos nossa primeira problematização no

processo: como o estudante deveria agir perante situações em que ele dependia da

participação de seus colegas nas discussões e ela não estava acontecendo. A

síntese produzida pelo processo de problematização da situação foi a elaboração

pelos estudantes de ações, atitudes e comportamentos que deveriam ser assumidos

por todos para que o processo pudesse ter continuidade.

Dando continuidade ao projeto realizamos uma prática esportiva que foi

proposta pelo grupo, Seu objetivo era promover uma experiência que lhes

possibilitasse realizar uma discussão sobre as diferentes maneiras de se praticar o

esporte no espaço escolar. Percebemos até este momento uma visão muito ingênua

e conformista dos alunos com relação à influência da sociedade em suas

manifestações corporais e que ainda pouco se envolviam nos momentos de debate,

portanto, fazia–se necessário uma mudança de estratégias e que esta tomasse a

temática do projeto como uma questão de todos, o que acreditávamos garantiria o

envolvimento da turma com o processo.

A nova estratégia tinha como aspecto básico apresentar aos estudantes um

número de imagens que seriam analisadas de forma crítica pelos estudantes. Dentre

muitas imagens destacamos aquela que remetia as atividades que eles realizavam

em seu tempo de não trabalho. Em seguida eles eram indagados sobre os motivos

que os impediam de realizá-las com mais frequência em seu cotidiano e se todo

prática corporal era considerada como uma atividade de lazer. Sugerimos que

participassem de uma dinâmica (mímica) com o objetivo de oportunizar uma pratica

de lazer sem gastos financeiros. Anotamos em um painel suas percepções e visões.

Com os dados levantados passamos a discutir a forma como eles seriam

organizados para que o grupo pudesse produzir um texto a partir deles e em seguida

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apresenta-lo em plenário. Os pontos que mereceram destaque nas discussões

foram aqueles que remetiam aos valores e comportamentos construídos por meio de

práticas corporais e as manifestações corporais que são expressas através do jogo,

esporte e brincadeiras presentes em nossa cultura. A pergunta forte que emergiu da

atividade foi: como podemos relacionar as praticas corporais do jogo com o lazer em

nossa sociedade?

Percebemos, com a busca coletiva de uma resposta para a pergunta

elaborada, que a trilha para colocarmos em discussão a possível relação entre

cultura corporal e lazer estava aberta. O momento então passou a ser pensado

sobre as estratégias a serem utilizadas que os estudantes trilhassem, com

segurança, a trilha que os levaria a apropriação de conhecimentos que os permitisse

compreender a influência da citada relação na produção de nossos comportamentos

e processos de transmissão de valores, tais como qualidade vida, saúde, etc.

Através de desafios procuramos identificar o que os estudantes mais

gostariam de saber sobre o assunto em discussão. As questões que surgiram foram

anotadas novamente. Agora a partir dos conhecimentos prévios manifestados pelos

alunos e pelas necessidades técnico-científico-sociais são definidos os conteúdos do

processo de ensino-aprendizagem.

Precisamos deixar claro que uma das características mais atrativas do

planejamento participativo é que ele propicia a todo do processo a possibilidade de

surgir novas situações que mereçam a atenção do gestor do processo. Mas, em

função das novas situações, seja necessário alguma retomada de procedimentos no

sentido de identificar a situação problema ou desafios que levem os estudantes a

lidar com competência com novos conhecimentos postos pela ciência ela será feita

de imediato, após discussão com todos os envolvidos no processo.

Como vimos anteriormente, estabelecemos as necessidades questionando a

realidade e levantamos questões que pudessem ser encaminhadas e resolvidas por

meio dos conteúdos. Muitos desafios surgiram em nosso caminho, dentre os quais

ressaltamos: Existe relação entre as praticas corporais e as atividades de lazer em

nossa sociedade? Qual o significado de tempo livre e de lazer? Como o lazer pode

influenciar a vida das pessoas? Existem políticas públicas voltadas às práticas de

lazer? Existe relação entre trabalho, lazer e qualidade de vida?

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A necessidade de uma revisão do nível e qualidade do comprometimento

dos estudantes com o processo ensino aprendizagem foi detectado com a utilização

da ficha de autoavaliação, o que nos levou a retomada das discussões sobre a

programação, ou seja, as propostas de práticas com princípios de ação, que

envolviam as atitudes, comportamentos, normas e regras que possibilitasse

alcançarem os objetivos e necessidade do trabalho pedagógico propostos pelo

projeto.

Assim entregamos aos estudantes uma ficha com diferentes indicadores

para que fossem utilizados por eles como referencial básico nos processos de

análise, discussão e elaboração da programação que teriam que desenvolver com o

objetivo de determinar as novas ações, atitudes e comportamentos que deveriam

incorporar e apresentar-se nos momentos anteriores, durante e posteriores das

aulas. A seguir, apresentamos no quadro as ações, atitudes e comportamentos que

os estudantes deveriam buscar produzir:

DURANTE A AULA AÇÕES ATITUDES COMPORTAMENTOS REGRAS

Realizar as atividades mentais de memorizar, compreender, aplicar, analisar, sintetizar, avaliar.

Demonstrar interesse em aprender (organização do material, apresentação de tarefas, questionamento doas conteúdos, disposição para manter atenção, pré- disposição para modificar seu modo de pensar sobre o tema da aula)

Dei minha opinião e respeitei a dos outros.

Tomei a iniciativa de apresentar novas ideias/propostas.

Aceitei críticas ao meu trabalho e/ou comportamento.

Cumprir com as regras de funcionamento da turma/escola.

Quadro 1: Ações, atitudes e comportamentos que os estudantes deviam produzir.

FONTE: GASPARIN (2011)

A partir dos debates e das reflexões em grupo os estudantes perceberam

que para aprenderem os conhecimentos trabalhados se fazia necessário ter

consciência de dois objetivos: a) ter claro onde todos desejavam chegar e que metas

queriam alcançar; b) produzir e consolidar mudanças em suas atitudes e

comportamentos, como condição determinante para que conseguissem percorrer, de

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forma segura e consistente, as trilhas e caminhos e conseguir alcançar os objetivos

estipulados por todos eles.

Como síntese daquela fase do projeto o grupo estabeleceu que as práticas

cotidianas que deveriam ser desenvolvidas pelos estudantes seriam as seguintes:

pesquisar; realizar as atividades propostas; respeitar todos os envolvidos com o

projeto (colegas e professora); praticar o diálogo e outros itens se fizesse

necessário, segundo a ótica do grupo, para que eles realizassem uma aprendizagem

de qualidade, como ficou explícito e marcante nos discursos dos estudantes quando

dizem que “colaborar, sem bagunça, para um melhor rendimento da aula e ouvir os

outros enquanto falam” e “trabalhar em equipe e procurar formas onde todos

participem”. Ao final desta etapa estabelecemos um novo modelo para nossa ficha

de autoavaliação que os estudantes deveriam preencher no decorrer do processo de

desenvolvimento do projeto.

FICHA 1: Ficha de autoavaliação.

FONTE: Dirce Ferreira Gameiro

O momento relativo à criação de estratégias para realizarmos as propostas

de trabalho nas aulas de Educação Física seriam exigidos do grupo não somente

FICHA DE AUTOAVALIAÇÃO TURMA:

Atividade: Dia: / / Legenda

Aluno: nº: INDICADORES

Equipe de trabalho:

( ) Cumpri com as regras estabelecidas. ( ) Realizei as atividades propostas. ( ) Colaborei, positivamente, nos trabalhos da turma e do grupo. ( ) Tive iniciativa em organizar a sala e o grupo de trabalho. ( ) Dei minha opinião. ( ) Respeitei a opinião dos outros. ( ) Tomei a iniciativa de apresentar novas idéias e/ou propostas. ( ) Aceitei críticas ao meu trabalho e/ou comportamento. ( ) Preocupei-me com a apresentação dos trabalhos realizados.

2 – sim 1 - às vezes 0 - não

Comentários:

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estudos no espaço da sala de aula, mas também o uso da biblioteca, da rede

mundial de computadores (Internet) entre outras opções, com o objetivo de

buscarem as possíveis respostas para a questão levantada na problematização.

Dando continuidade ao processo propusemos a leitura e discussão coletiva

do texto Qualidade de Vida - Parque de Diversão de Miranda (2001), que

acompanhado de questionamentos buscaríamos provocar reflexões sobre as

possíveis diferentes formas para que eles ocupassem seu tempo livre, bem como a

definição de quais atividades poderiam desenvolver sob a de práticas lazer,

procurando identificar as possibilidades de constituição de relações delas com sua

qualidade de vida.

No momento posterior ao debate relativo à atividade realizada, aconteceu o

processo de produção de texto que tomou como elemento básico a descrição pelos

estudantes da maneira como ocupavam seus tempos de lazer e o que essa prática

social representava em sua vida. Percebemos que eles começaram a identificar a

relação existente entre estrutura social e a natureza que caracterizava as praticas do

lazer. Ou seja, os estudantes desvelaram o fato de que suas práticas sociais de

lazer estão vinculadas ao lugar social a partir do qual ele produz sua existência

cotidiana, o que colaborou para que compreendessem aspectos de sua dimensão

subjetiva que se materializaram em seus discursos quando diziam: “gosto de ler, de

praticar maquiagem, esporte, passeio, jogar, assistir filmes, caminhar, sair com

amigos, conviver com a família”. Seguindo a taxionomia proposta por Dumazedier

(1976, apud CAMARGO, 1986) que tomou como fundamento o princípio do

interesse cultural central de cada atividade de lazer, como atividades físicas,

associativas, intelectuais e artísticas serem princípios que remetem as

representações de valores de classes, podemos dizer que os estudantes

apresentaram em seus discursos sentidos pertinentes em relação às práticas do

lazer.

Também emergiu dos discursos dos estudantes a possibilidade de

identificação das propriedades do lazer, enquanto que a que mais se manifestou foi

a da liberação, conforme verificamos no discurso: “Bom não tenho muito tempo para

o lazer, meu verdadeiro lazer seria dormir e descansar”. Segundo Camargo (1986,

17

p.12) esse discurso remete ao sentido de que “o lazer é sempre liberatório de

obrigações: busca compensar ou substituir algum esforço que a vida impõe”.

Assim começamos a identificar a relação construída entre os sujeitos e as

aulas de Educação Física aqui representada por um momento em que buscam

“equivocadamente” realizarem apenas atividades praticas e prazerosas, num tempo

que na sua rotina diária foi dedicado ao mundo do trabalho e assim comprometendo

seu tempo com o lazer. Apontam também nas discussões a falta de “tempo” como

um dos principais motivos pelos poucos momentos de lazer. Isto nos deu um

indicativo para prosseguir com desenvolvimento do projeto: à qual tempo os alunos

se referiam? Partimos para a elaboração de novas estratégia que pudesse fazê-los

entender qual o significado de tempo.

Utilizamos a técnica identificada por Camargo (1986) como orçamento-

tempo, que aqui foi adaptada para facilitar sua aplicação e com este instrumento

oportuniza-los a identificar como gastavam seu tempo e a refletirem sobre o tempo

livre e sua qualidade de vida.

Para tanto, propusemos o preenchimento de uma planilha mostrando como

ocupavam seu tempo durante um dia. No preenchimento da planilha surgiram

algumas questões e se fizeram necessárias novas investigações, como: O que era

tempo livre? De quanto tempo livre realmente dispunham diariamente? Como

utilizavam seu tempo livre? Que prejuízos isso trazia para sua saúde, qualidade de

vida e relações afetivas?

ESCOLA:

Disciplina: Professora:

ALUNO:.................................................................................Nº ......... TURMA: ..............

PROFISSÃO:

DIA : / / MANHÃ TARDE NOITE

início termino início termino início termino

CASA

Despertar – Higiene pessoal

Café da manhã

TRANSPORTE para o trabalho

TRABALHO

Entrada

Saída

TRANSPORTE para a escola

ESCOLA

TRANSPORTE para casa

Jantar

Higiene pessoal

Dormir

* Registrar suas atividades a cada 15 minutos durante um dia. Aumente os espaços conforme sua necessidade.

18

Com o objetivo de buscarmos as respostas a estas questões fizemos a

leitura em grupo dos textos de Oleias (1996) e também Elias e Dunning (1992)

citado por Rugiski (2005). Após esta atividade realizada em sala de aula os alunos

ainda se apresentavam com dúvidas sobre o lazer, como: O lazer está diretamente

relacionado com a condição social e financeira do grupo que o pratica? Qual é o

papel do lazer para uma vida saudável?

Para que pudessem refletir um pouco mais sobre o assunto sugerimos neste

momento aos estudantes que elaborassem uma dinâmica (brincadeira) de fácil

execução e curta duração com o objetivo de discutir a importância do lazer na vida

das pessoas. Ao termino da dinâmica questionamos o que sentiram ao ter este

momento de descontração e lúdico. A importância do lazer em suas vidas se

materializou na fala de um estudante que disse “Professora, eu brincava muito

quando era criança, agora não tenho mais lugar para fazer isso”.

Discutimos e levantamos questões com os grupos sobre as necessidades da

vida moderna e suas obrigações como fatores limitantes do tempo para o pratica das

atividades de lazer. Propusemos uma pesquisa sobre o tema “A importância do lazer

para a vida do adolescente”. Após realizada e apresentada a pesquisa promovemos

um debate sobre o tema “Lazer, saúde e qualidade de vida”. No debate os

estudantes explicitaram em seus discursos que gastavam, “perdiam” muito tempo

com atividades rotineiras (alimentação, sono, higiene) restando pouco tempo para a

prática do lazer.

Se considerarmos que o movimento é base da maioria das atividades

físicas, e que através dele é possível explorar o ambiente, e aprender sobre si

mesmo e sobre as coisas existentes ao seu redor, podemos dizer que ao praticar

atividades ao ar livre, em praças, clubes, ciclovias e em diversos outros ambientes

destinados ao lazer o indivíduo estará em processo de aprendizado constante.

Retomamos nossa discussão do uso do tempo/espaço nas aulas de

Educação Física, onde foi oportunizada uma atividade com pesquisa de campo aos

alunos para conhecerem os espaços do colégio tendo como material de apoio uma

planta baixa da escola e reconhecer neles a possibilidade de uso dos

19

tempos/espaços da escola para atividades de lazer. Aqui é interessante destacar, o

papel de mediador exercido pelo professor no processo ensino-aprendizagem,

quando em diferentes momentos das atividades, valorizando os conhecimentos

trazidos pelo aluno, garante a apropriação dos saberes produzidos socialmente,

favorecendo os processos de experimentação, de reflexão, de compreensão e,

consequentemente, de auto-superação do aluno com vistas a novas apropriações.

A partir do princípio acima, sugerimos aos alunos a leitura coletiva dos textos

“Lazer é: direito social resgate de cidadania e garantia constitucional (2011)” e

“Lazer nos espaços urbanos” de Silva (2011). Após discussões e comentários

prosseguimos com nossa aula solicitando aos alunos um levantamento por meio de

pesquisa dos espaços existentes em seu bairro/comunidade e que identificassem

qual o uso dos espaços. Foram colocadas em discussão quais as formas de se

registrar e encaminhar os resultados de suas pesquisas e posteriormente poderem

ser socializadas para a turma. Decidimos que os trabalhos de pesquisa poderiam ser

feitos e entregue de forma impressa ou pela internet (e-mail).

Após sua exposição em um painel observamos que nas localidades

investigadas nem todos os alunos tem em seu bairro o privilégio de desfrutarem de

uma área voltada para o lazer. Contudo um grupo de alunos identificou que

recentemente foram inauguradas academias ao ar livre em seus bairros. Em outras

localidades da cidade destacaram a existência de um parque de diversão ao lado da

academia ao ar livre para uso das crianças enquanto seus responsáveis praticavam

atividades físicas nos aparelhos da academia.

Houve também aqueles que denunciaram em seus trabalhos o descaso com

a pista de caminhada que atualmente apresenta-se inutilizada pela falta de

conservação e o mau uso deste espaço, mas estes alunos ainda não perceberam

com esta pesquisa de campo que enquanto cidadão têm o direito e obrigação de

reivindicar a conservação do local e seu uso adequado junto à comunidade e aos

poderes públicos. Outros, porém contam com diferentes opções de espaço público

para seu lazer. Houve um destaque para o lago, “totalmente reformado, com traves

novas, bebedouro e parque infantil”, conforme o discurso do estudante, onde

poderiam pescar nadar, caminhar e jogar futebol. Mais algumas possibilidades foram

20

apresentadas por aqueles que moram nas proximidades de locais turísticos, mata

nativa com trilhas ecológicas e restaurante rural onde é oferecida a “oportunidade de

se passear num domingo alegre e familiar, longe das atribulações do centro da

cidade” conforme nos diz o estudante.

Após as exposições das pesquisas em um mural na sala de aula

identificamos a oportunidade de chamar atenção dos alunos para as diferentes

situações que se apresentaram no mural: o deslocamento da atenção dos poderes

públicos para determinadas regiões nos últimos anos; o que determinava esta

seleção; as políticas públicas estabelecidas estão relacionadas à prática de lazer em

nossa cidade.

Organizamos uma palestra para um próximo encontro cuja temática referia-

se o Lazer e a Cultura na Sociedade Contemporânea. Os alunos foram desafiados

durante a palestra a contextualizarem as situações problemas exposta no mural e

suas implicações com sua qualidade de vida. Percebemos uma significativa

mudança em seus discursos onde apontavam que a prática do lazer é influenciada,

sobretudo pelo Estado, na medida em que este pode programar políticas públicas

para o setor, além de oferecer espaços físicos necessários e adequados para a sua

execução e que também poderiam em diferentes situações cotidianas denunciar e

sensibilizar os órgãos públicos competentes e as pessoas de sua comunidade com

relação ao uso adequado dos locais destinados também para o lazer e cobrarem

atitudes e comportamentos para sua preservação e manutenção. Foi proposta a

leitura do texto “Espaço público, lazer e bem-estar”, de Soares et al (2011) na qual

apresenta as fases de um projeto ressaltando a importância do tempo livre para o

desenvolvimento de atividades físicas buscando o lazer. Chegou então o momento

de demonstrarem uma nova atitude prática, ou seja, o que fazer em seu cotidiano

com os conhecimentos aprendidos. Esperamos, portanto, que os saberes da

Educação Física tratados neste projeto tenham contribuído na preparação dos

alunos para sua participação política mais efetiva à organização dos espaços e

recursos de diferentes praticas corporais podendo assim estabelecer relações entre

o seu dia-a-dia e as vivências socioculturais, históricas e geográficas de outras

21

pessoas, grupos ou gerações. Sugerimos, portanto aos alunos a produção de

uma proposta coletiva do uso do tempo livre com lazer dentro e fora da escola.

A elaboração destas propostas demandou de algumas aulas onde

reservavam um tempo para praticarem algumas atividades voltadas para o lazer,

assim neste ir e vir dialógico elaboraram suas propostas. Uma das propostas

apresentadas foi a realização de atividades com praticas esportivas no final de cada

semestre, como forma de sair um pouco da rotina dos afazeres da escola e também

oferecer outras possibilidades além de praticas esportivas atendendo outros

interesses durante a realização dos jogos como, por exemplo, o acesso à biblioteca

onde pudessem fazer leituras ou assistir filmes e concluem dizendo “nada melhor do

que um tempo de lazer no colégio tornando-o mais divertido”.

Projetos de dança surgem com opções diferentes de ocupação do tempo-

espaço da escola, um grupo pensou em atividades voltadas para uma dimensão

sociocultural, atendendo os interesses rítmicos dos participantes durante o recreio

escolar. O outro grupo preocupou-se em desenvolver um projeto que através da

dança pudessem durante o intervalo das aulas, como eles dizem “se divertir e

colocarem pra fora aquilo que não dá pra se colocar nas redes sociais virtuais” e que

dançando pudessem entender um pouco sobre sua cultura.

Outras ideias foram apresentadas com intuito de favorecer a coletividade, a

solidariedade e a organização, como um lazer nos fins de semana onde achavam

necessário que o estudante ou a comunidade tenham acesso à biblioteca, a quadra

de esporte, consideram o espaço da escola adequado para um tempo de descanso,

de adquirir cultura, de divertimento e que possam usufruir com liberdade praticando

seu momento de lazer tanto ativo como passivo. Outra sugestão foi a escolinha de

futebol para os meninos com dificuldades de se relacionarem oportunizando uma

pratica coletiva e seu desenvolvimento sociocultural.

As propostas produzidas apontaram um sujeito social que constrói seu

tempo de lazer na convivência com seus amigos, na sua cultura, lidando com as

condições sociais possíveis. As vivências lúdicas são reconhecidas como

contribuinte na compreensão do novo mundo social, e reais possibilidades de

intervenção sócio-educativa, devido ao fato de as praticas corporais estarem

22

inseridas no contexto do lazer, espaço propício para mudanças de valores, de

condutas e de atitudes.

No decorrer desta pesquisa observamos que a escola tem como principal

função transmitir os conhecimentos científicos produzidos historicamente de forma

sistematizada e a Educação Física enquanto disciplina que trata da cultura corporal,

seja por meio do esporte, jogos e brincadeiras, dança, lutas ou ginástica, e que deve

garantir aos alunos o acesso ao conhecimento dessas manifestações de forma

contextualizada e reflexiva, levando o aluno a perceber-se como um sujeito histórico,

social e político.

Considerações finais

No inicio do PDE tínhamos como proposta de trabalho superar a visão

fragmentada sobre o ensino da Educação Física tomando como referencial um novo

paradigma temático a Cultura Corporal e Lazer contemplando o conteúdo

estruturante principal o esporte. Além de buscar tornar as aulas de Educação Física

e a escola em lugares agradáveis procurando deslocar a representação do ato de

aprender de uma atividade quase sem significado, para uma prática social relevante

para os estudantes. Esse processo seria orientado a partir de uma prática

pedagógica fundamentada pela teoria do conflito, o entendíamos como condição

determinante para que os estudantes pudessem compreender os sentidos e

significados da cultura corporal e lazer para uma melhor qualidade de vida. Outro

determinante a ser considerado remete a necessidade de proporcionar aos

estudantes conhecimentos e vivências pedagógicas que lhes possibilitassem

produzir uma proposta coletiva do uso de seu tempo livre com atividades de lazer

dentro e fora da escola.

Um dado que entendemos ser importante ressaltarmos é que mesmo

obtendo bons resultados ao final da pesquisa, percebemos que alguns alunos

chegaram ao final do processo e não produzirem um deslocamento do sentido de

sua concepção de Educação Física que a remete ser ela uma disciplina

23

essencialmente prática. Essa concepção se manifestava de forma explícita quando

eles apresentavam uma forte resistência para participar dos debates sobre o que

estava sendo desenvolvido nas aulas. Porém, apesar dessa dificuldade, procuramos

incentivar nos alunos o gosto por novas descobertas fazendo-os perceber que

praticar um esporte não é apenas “jogar bola”, que ele é um conhecimento que deve

ser entendido e vivenciado em suas múltiplas possibilidades, para que dele possam

usufruir nas diversas situações e momentos de sua vida como praticantes e/ou

expectadores.

Os estudos produzidos sobre o esporte apontam para a sua importância na

busca da formação da cidadania o que por si garante sua inclusão como um dos

conteúdos estruturantes da Educação Física. Mas nossa pesquisa também mostrou

que o lazer deve ser assumido pela educação física na escola como um

conhecimento relevante e apropriado para se o conhecimento referente ao esporte

na escola.

Neste sentido, entendemos que o esporte como pratica de lazer deve ser

trabalhado pela educação física de forma sistematizada no Ensino Médio, a partir da

pedagogia histórico-critica, enfocando a pluralidade cultural que permeia as

diferentes modalidades, para contextualizar e dar significados aos movimentos

propostos por cada um deles.

No término da implementação do projeto foi possível observar que os alunos

apresentaram, num primeiro momento, uma resistência tanto ao estudar os

conteúdos numa abordagem teórica quanto numa nova abordagem metodológica,

porém no decorrer das aulas, conforme foram se apropriando do conhecimento que

envolvia a cultura corporal e o lazer, ao mesmo tempo em que vivenciavam os

movimentos realizados pelas atividades propostas, o problema sendo superado.

Outro aspecto interessante que a pesquisa apontou foi à disposição dos

estudantes para novas aprendizagens que lhes possibilitam refletir sobre outras

possibilidades de vivencias tanto na escola quanto em sua vida fora dela. Para isso,

o professor precisa ousar e propor novos conteúdos e novas metodologias, desde

que bem planejados e sempre amparados por referenciais teóricos.

Enfim, esperamos com este estudo, tenha contribuído para uma reflexão

sobre a cultura corporal e o lazer, e a possibilidade do trato desse conhecimento nas

24

aulas de Educação Física. Ressaltamos ainda a importância de novas pesquisas na

área, para ampliar os referenciais teóricos acerca do lazer no contexto escolar.

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