cultura clássica

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No ano de 1981, O Estado de São Paulo divulgou, na coluna editorial e cartas à redação, uma série de notas, sobre o tema Cultura Clássica. Em 11 de junho de 1981, enviei ao Redator-Chefe do “Estadão”, Professor Oliveiros S. Ferreira, artigo comentando o meu ponto de vista sobre a matéria. Tive da parte do Professor Oliveiros uma atenção inesperada e que muito me sensibilizou. Para minha surpresa, o artigo que contava com um número de páginas bem superior as exigidas para publicação, mereceu da Redação do periódico O Estado de São Paulo, destaque na página 25 da edição de 4 de julho de 1981, na janela Idéias em debate e foi publicado na íntegra. Recebi nas semanas seguintes uma série de cartas e mensagens de leitores, principalmente do interior de São Paulo, para a continuação dos debates sobre a matéria. Tentei retornar ao tema esporadicamente por algum tempo. Hoje, sinto que esta matéria não é mais debatida como deveria ser. Por conta da indiferença de uns e do interesse de poucos, resolvi republicar o texto e divulgá-lo em sua íntegra, inicialmente, entre as Comunidades Helênicas do Brasil, a maioria sob a direção de jovens descendentes que a época da divulgação do artigo, ainda se encontrava na adolescência. O faço mais no sentido de sentir a temperatura do termômetro. Aguardemos os resultados. Obrigado. Curitiba, junho de 2008. - [Nota: mesmo tendo enviado para todas as comunidades gregas do Brasil, inclusive para o site da Coletividade Helênica de São Paulo, que não o publicou – somente o site da Sociedade Helênica de Porto Alegre deu destaque a matéria – não recebi de nenhum grego ou descendente, qualquer manifestação até momento. No momento prefiro não opinar. Dia 19 de março de 2009.]

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Constantino ComninosProfessor. Associado do Círculo de Estudos Bandeirantes e membro da Academia de Cultura de Curitiba. Cônsul Honorário da Grécia em Curitiba (PR – SC – RS).

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Page 1: Cultura Clássica

No ano de 1981, O Estado de São Paulo divulgou, na coluna editorial e cartas à redação, uma série de notas, sobre o tema Cultura Clássica. Em 11 de junho de 1981, enviei ao Redator-Chefe do “Estadão”, Professor Oliveiros S. Ferreira, artigo comentando o meu ponto de vista sobre a matéria. Tive da parte do Professor Oliveiros uma atenção inesperada e que muito me sensibilizou. Para minha surpresa, o artigo que contava com um número de páginas bem superior as exigidas para publicação, mereceu da Redação do periódico O Estado de São Paulo, destaque na página 25 da edição de 4 de julho de 1981, na janela Idéias em debate e foi publicado na íntegra. Recebi nas semanas seguintes uma série de cartas e mensagens de leitores, principalmente do interior de São Paulo, para a continuação dos debates sobre a matéria. Tentei retornar ao tema esporadicamente por algum tempo. Hoje, sinto que esta matéria não é mais debatida como deveria ser. Por conta da indiferença de uns e do interesse de poucos, resolvi republicar o texto e divulgá-lo em sua íntegra, inicialmente, entre as Comunidades Helênicas do Brasil, a maioria sob a direção de jovens descendentes que a época da divulgação do artigo, ainda se encontrava na adolescência. O faço mais no sentido de sentir a temperatura do termômetro. Aguardemos os resultados. Obrigado. Curitiba, junho de 2008. -

[Nota: mesmo tendo enviado para todas as comunidades gregas do Brasil, inclusive para o site da Coletividade Helênica de São Paulo, que não o publicou – somente o site da Sociedade Helênica de Porto Alegre deu destaque a matéria – não recebi de nenhum grego ou descendente, qualquer manifestação até momento. No momento prefiro não opinar. Dia 19 de março de 2009.]

CULTURA CLÁSSICA

Constantino ComninosProfessor. Associado do Círculo de Estudos Bandeirantes e membro da Academia de Cultura de Curitiba. Cônsul Honorário da Grécia em Curitiba (PR – SC – RS).

Tenho acompanhado com entusiasmo, pelos editorais e cartas dirigidas à

redação de O Estado de São Paulo, a explanação de idéias em torno do tema

Cultura Clássica. Este invulgar interesse demonstra que existe ainda em nosso

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meio um grupo de abnegados, dispostos a continuar os estudos e o

aperfeiçoamento de uma cultura hoje infelizmente relegada ao segundo plano, em

nome da tecnologia que as ciências “não-clássicas” aperfeiçoaram. Isto tudo como

se não fosse necessário saber melhor ler, escrever e interpretar os meandros da

semântica em todas as linguagens das várias ciências.

A título de esclarecimento e em parte em resposta àqueles que têm

procurado manifestar-se favoravelmente à idéia lançada pelo editorial de 04 de

abril último desse conceituado jornal, qual seja a da criação de um centro de

cultura Clássica em nível nacional, tomo a liberdade de informar o que se fez no

Paraná nos últimos anos. Peço desculpas antecipadamente pelo quem sabe

“cabotinismo caboclo” em que possa eu incorrer nas palavras que seguem.

Em 1970, por iniciativa que me desvanece, idéia acalentada durante anos,

foi criada no Paraná a Aliança Brasileira de Cultura Helênica, por um grupo de

amigos na maioria professores universitários. No ato de sua fundação, tornei-me

seu Diretor-Executivo. A Aliança tem os mesmos objetivos de suas congêneres

francesa, inglesa ou de centros culturais assimilados. A Aliança realiza

esporadicamente algumas exposições, palestras e tem comparecido a eventos

quando convidada por entidades que a reconhecem. Em matéria de helenismo –

um “estado de espírito” como afirmam seus mais ardorosos defensores – não

poderia a Aliança prender-se tão somente à cultura clássica. Há muito do “ethos”

helênico na modernidade da Grécia de nossos dias. Não se pode ignorar a

magistral obra de um Kazantzákis, de um Zeféris ou de um Elytis, para só citar

três dos mais conhecidos literatos da Grécia moderna, os dois últimos

contemplados com o Prêmio Nobel de Literatura.

Por força de uma vivência cultural propiciada pela descendência, entendo a

Grécia moderna identificada pelo seu povo e sua cultura, como uma espécie de

“estado de transição” que molda o helênico abrangido pela sua “grecidade”. É a

ponte que interliga o Oriente Anatólio ao Ocidente Greco-Romano. E neste

conceito nunca se poderia ignorar que é nas origens do classicismo –

extravasando pelas Dinastias Bizantinas, no heroísmo de um povo oprimido em

quatro séculos de domínio Otomano após a Queda de Constantinopla até os anos

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Page 3: Cultura Clássica

que se sucede com a conquista da independência em 1821 – que persiste uma

base indiscutivelmente rica em valores que merecem ser explorados pelo

Ocidente. Não se pode olvidar que os helenistas do mundo ocidental estão mais

apegados ao classicismo, haja vista as obras profundas em interpretações e

divulgadas pelos estudiosos dos centros acadêmicos e universitários da

Alemanha, França, Inglaterra e Estados Unidos, entre tantos, Jaeger, Kito e Lesky.

Muitas destas obras, para não dizer a maioria, clássicas na sua essência, são

textos obrigatórios do ensino universitário da Grécia, incluindo algumas traduções

para a língua grega. Entendo, convenhamos não ser fácil penetrar nos matizes

indeléveis que personalizam as diversas facetas da “grecidade”, transmitidas pelas

mais variadas formas literárias, qual seja, a deste estado de espírito em transição

que caracteriza uma nacionalidade perdida no caudal dos tempos tal qual O

Prometeu Acorrentado.

Outra função que a Aliança se propôs se prendeu na medida do possível e

com auxílio de helenistas – mais amigos e companheiros -, a institucionalização

de segmentos similares em outros Estados da Federação. Entendendo, desde a

época em que a Aliança foi idealizada, que o fortalecimento da entidade dependia

fundamentalmente do apoio que o governo grego pudesse oferecer para a difusão

da cultura e, por outro lado, pelo maior número de sociedades similares que

desejassem trabalhar nos objetivos propugnados, coloquei-me em campo. A cada

correspondência, seguia o Estatuto. E a cada encontro casual com amigos –

como o insigne baiano Edivaldo Machado Boaventura, helenista de mão cheia – a

troca de idéias evidenciava a necessidade de difundir a cultura helênica.

Convém salientar um fato: para tudo o que a Aliança patrocinou até o

momento, nunca foi solicitado qualquer recurso financeiro, a qualquer título, de

nenhuma entidade, governo, inclusive mensalidades de seus associados nem

mesmo aos membros de sua Diretoria.

As experiências de que tive a oportunidade de participar, têm demonstrado

que a Cultura Clássica só pode ser desenvolvida quando aliada á modernidade do

cotidiano. Como exemplo: entre 1963 e 1967, no Colégio Estadual do Paraná, na

gestão esclarecida do Dr. Eros Nascimento Gradowski, ex-aluno do Colégio D.

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Page 4: Cultura Clássica

Pedro II, de formação humanista invejável e atualmente exercendo as funções de

Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná, durante a implantação da Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, foi mantida a continuidade dos

estudos clássicos pela obrigatoriedade do ensino do Latim e do Grego em opções

ofertadas pela aludida reforma do ensino. A disciplina de Grego, bipartida em

língua e literatura, ficou a cargo da Professora Maria Lambros Comninos, grega de

nascimento, com formação ginasial e colegial no Brasil, Bacharel em Letras

Clássicas pela Universidade Federal de Santa Catarina (aluna do Mestre Eudoro

de Souza) e Licenciada pela Universidade Federal do Paraná. Aliando os estudos

do Classicismo aos dos modernos autores como informação e correlação cultural,

conseguiu a professora Maria, entre tantas iniciativas, incluindo o folclore – na

busca de identificá-lo com a cultura clássica do helenismo – apresentar, com

alunos do curso colegial, cinco tragédias completas: Antígona e Édipo Rei de

Sófocles, Hipólito Coroado e As Troianas de Eurípides e, finalizando o quinteto,

Electra de Sófocles. A experiência definiu, entre tantas faces que as

representações traduziam ao público, e por outro lado, que o interesse dos alunos

– haja vista algumas revelações para o teatro profissional – aumentavam na

medida em que as aulas práticas como atividade extracurricular criava novos

vínculos, permitindo discernir o fato teatral do fato político, que, permitam-me o

arroubo, nada difere em teatralidade, nas devidas proporções a cada época, com

os processos políticos da atualidade. Pode ser que a afirmação seja até pesada,

mas entendo que para laicizar a cultura clássica, mister se faz atuar na base, da

mesma maneira que para o exercício da democracia, é necessário vivenciá-la. E,

se a clareza de idéias nunca fez mal em nenhum dos sistemas democráticos

conhecidos, os quais muito se devem aos gregos, assim também não fará mal

quando praticada for a cultura clássica pelo estudo sistematizado, pela crítica

apurada, pela análise profunda dos seus conceitos e pela difusão de seus méritos

em todos os níveis da educação.

Continuando. No ano de 1978, a pedido do Embaixador da Grécia no Brasil

(Diamantino Vakalópoulos), a Aliança Brasileira de Cultura Helênica realizou uma

pesquisa em nível institucional e de caráter informativo em todas as Universidades

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Page 5: Cultura Clássica

do País. A finalidade, conforme anunciou Sua Excelência, era conhecer para

poder, ao mesmo tempo, criar um vínculo com vistas ao patrocínio de programas

culturais, incluindo a remessa de livros, material para divulgação e promover uma

extensa atividade nos centros universitários que já mantivesse algum trabalho

com a cultura helênica. O levantamento acolhido por alguns poucos

departamentos especializados, pelo que sei até o momento, valeu tão-somente

pelo ensejo de conhecer as Professoras Daise Malhadas e Zina M. Bellodi da

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho de Araraquara – de quem

recebi trabalhos excelentes –, do Professor Rubens dos Santos da Universidade

Federal de Minas Gerais, e de outras instituições que se dignaram responder

comunicando que os estudos helênicos não faziam parte do elenco de seus

currículos. Provavelmente as informações foram enviadas diretamente para a

Embaixada em Brasília. Não poso confirmar.

Em recente visita a Curitiba, o Senhor Ioannis Theophanópoulos, Cônsul

Geral da Grécia em São Paulo, deixou perceber um grande interesse em reiniciar

as atividades que a Aliança sempre perseguiu. De alguns contatos mantidos com

essa autoridade, pela iniciativa de ambas as partes, será promovido um conjunto

de atividades, no quadro de uma Semana de Temas Helênicos de Curitiba, que

será possível realizar graças ao apoio da Universidade Federal do Paraná e da

Fundação Cultural de Curitiba.

Em co-patrocínio com as entidades mencionadas, o Departamento de

Lingüística, Letras Clássicas e Vernáculas da UFPR, promoverá como atividade

extracurricular uma seqüência de palestras sobre a Cultura Helênica, contando

com conferencistas que tratarão tanto da Cultura Clássica quanto da Grécia

Moderna. Ao mesmo tempo, a Fundação Cultural de Curitiba, patrocinará, pelas

suas entidades especializadas, a exibição de filmes de arte gregos, promoções de

criatividade e exposição de cartazes sobre temas clássicos e modernos helênicos.

Por sugestão da Casa Romário Martins, repositório da memória da cidade, a

exemplo do que se vem realizando com outros grupos étnicos, foi constituída uma

equipe voluntariosa para os levantamentos iniciais daquilo que poderá resultar

numa “crônica” que retrate a presença dos gregos no Paraná, com as devidas

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Page 6: Cultura Clássica

inter-relações pelo Brasil. Poderá este trabalho servir de base para um estudo

mais aprofundado no futuro. Com isto, acredito, os interessados poderão ter a

oportunidade, em todos os níveis de ensino, de conhecer e debater os vários

aspectos que esta cultura vivencia.

Saliente-se que a Universidade Federal do Paraná é uma das poucas

instituições universitárias nacionais que mantém as Disciplinas de Língua e

Literatura Gregas em seu currículo do Curso de Letras. Na UFPR essas

disciplinas são prelecionadas pelo Professor Oswaldo Arns e pela professora

Maria Lambros Comninos, que, por coincidência, é chefe do Departamento de

Lingüística, Letras Clássicas e Vernáculas. A professora Maria – sou suspeito para

dela fazer alusões elogiosas – em sua modéstia, está elaborando tese destinada

ao grau de doutoramento no curso de pós-graduação realizado na Universidade

de Atenas, cujo título “A insinuação por prevenção dos fatos acontecidos na

Tragédia Clássica”, título este que evidencia a riqueza de informação e o grau de

pesquisa que vem exigindo o seu trabalho.

Em matéria de música, a Grécia vem produzindo algumas composições que

merecem constar da antologia musical do mundo moderno. Embora algumas

peças sejam conhecidas no Brasil pelas trilhas sonoras de alguns filmes ou por

esporádicas edições, infelizmente quase nada se ouve ou se transmite da obra de

Theodorákis, sobretudo sua Meta Sinfonia. Foi na busca de um ideal sublime que

o laico e o religioso-bizantino se uniram, inclusive para a composição de partes

que constituem as árias das “corodías” das tragédias apresentadas pelos grupos

teatrais clássicos gregos. Há muito a se dizer sobre música grega.

Não se pode ignorar a existência, no Paraná, do Instituto Neopitagórico,

com o seu conhecido Templo das Musas, localizado em plena Capital do Estado,

fundado pela idealização filosófica do mestre Dario Velozo, cujas idéias difundem

por grande parte do mundo os princípios emanados do grande filósofo. Não fora

o trabalho dos herdeiros, incansáveis na continuidade do trabalho deixado pelo

velho mestre, o Instituto não teria a vitalidade merecida. É um dos poucos pontos

de luz que ainda difundem esta faceta da cultura clássica.

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Page 7: Cultura Clássica

Concluindo, incorporo-me às posições assumidas pelo ilustre redator de O

Estado de São Paulo e regozijo-me pela oportunidade que nos é dada para a

troca de idéias, ao lado dos distinguidos helenistas professores Gilda Maria Reale

Starzinski, Paulo de Campos Moura e Maria Helena da Rocha Pereira, que em

cartas a esta redação trouxeram o tema ao debate. E a tantos outros que

compreendem a necessidade de reativar as idéias do classicismo, por meio da

criação de um Centro de Cultura Clássica que leve à comunhão de ideais, alheios

a qualquer lucro ou interesse que não o de melhor entender e difundir uma cultura

que se esvai no tempo, sufocada pela modernidade tecnocrática.

É o caso de citar o poeta espanhol, Antonio Machado, que em seus versos:

“Caminhante, não há caminhos,

os caminhos se fazem ao andar”.

Pelo debate iniciado, os caminhos estão abertos. Não os olvidemos e nem

olvidemos, pois, “O Destino dos Estudos Clássicos” assim como “A Preservação

da Cultura Clássica” (títulos dos editoriais de O Estado de São Paulo de 31 de

março e de 04 de abril – 1981 - p.p.) dependem, sem falsa modéstia, estou certo,

daqui para frente, do esforço contínuo de todos nós.

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