c.s. lewis - trilogia cósmica 3 - aquela força medonha i.pdf

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  • Minha jovem disse Miss

    Ironwood , no entende totalmente a seriedade deste assunto. As coisas que viu referem-se a alguma coisa, as quais, comparadas com felicidade, ou mesmo a vida, da senhora e de mim, no tm importncia alguma. Tenho de lhe pedir que enfrente a situao. No pode ver-se livre do seu dom. Pode tentar suprimi-lo, mas falhar e ficar tremendamente assustada. Por outro lado, pode p-lo nossa disposio. Se o fizer, ficar muito menos assustada, a longo prazo, e estar ajudando a salvar a raa humana de um enorme desastre. Ou, em terceira hiptese, pode contar a outra pessoa qualquer o que se passa. Se o fizer, aviso-a de que quase com certeza cair nas mos de outras pessoas que esto pelo menos to ansiosas como ns de utilizar a sua faculdade e que no daro mais importncia sua vida e felicidade do que s de uma mosca.

  • C. S. LEWIS

    AQUELA FORA

    MEDONHA I

    Ttulo original: That Hideous Strength Traduo de Silva Horta Capa: estdios P. E. A. Depsito legal n.: 51493/91

    Publicaes Europa-Amrica

  • Digitalizao: YUNA TOCA DIGITAL Reviso: SUSANA - PDL

    A Sombra daquela fora medonha Tem de comprido seis milhas e mais

    Sir David Lindsay;

    de Ane Dialog (descrevendo a Torre de Babel)

  • PREFCIO Chamei isto de conto de fadas na esperana

    de que ningum, que no goste de fantasia, possa ser induzido pelos dois primeiros captulos a continuar lendo, e depois se queixe por se sentir desapontamento. Se perguntarem por que que tendo a inteno de escrever sobre mgicos, diabos, animais de pantomima e anjos planetrios, eu, no obstante, inicio com cenas e pessoas to comuns, respondo que sigo o esquema tradicional do conto de fadas. Nem sempre notamos o seu mtodo, porque as cabanas, castelos, entalhadores e reizinhos, com os quais abre um conto de fadas tornaram-se para ns to remotos como as bruxas e ogros que nele vm a seguir. Mas, para os homens que primeiro fizeram as histrias e com elas se divertiram, no eram nada remotos. Eram, na verdade, mais realistas e comuns do que a Faculdade de Bracton para mim; pois muitos camponeses tinham, efetivamente, tido madrastas cruis, enquanto eu nunca encontrei, em universidade alguma, uma Faculdade como Bracton. Esta uma histria fictcia sobre artes e obras do demo, embora contenha um fundo srio que tentei traar no meu Abolition of Man. Na histria, o bordo exterior dessa obra do Diabo tinha de se mostrar tocando a vida de uma profisso comum e respeitvel. Escolhi a minha prpria profisso, no, claro, por eu pensar que os professores das faculdades sejam mais abertos a ser corrompidos do

  • que outra pessoa qualquer, mas por ser a minha prpria profisso a nica que conheo suficientemente bem para escrever sobre ela. Imaginou-se uma universidade muito pequena porque isso traz certas vantagens para a fico. Edgestow no tem qualquer semelhana, salvo pela sua pequenez, com Durham, uma universidade com a qual a nica ligao que tive foi inteiramente agradvel.

    Creio que uma das idias centrais deste conto me veio cabea a partir de conversas que tive com um colega cientista, algum tempo antes de encontrar uma sugesto bastante similar nas obras do Sr. Olaf Stapledon. Se estou enganado nisto, o Sr. Stapledon to rico em inventiva que bem pode permitir-se emprestar, e eu admiro tanto a sua inventiva (embora no a sua filosofia) que no sentirei vergonha alguma em pedir emprestado.

    Aqueles que gostariam de aprender mais a

    respeito de Numenor e o Verdadeiro Oeste tm (que pena!) de esperar pela publicao do muito que ainda existe apenas no manuscrito do meu amigo, Prof. J. R. R. Tolkien. A poca desta histria vagamente depois da guerra. Conclui a Trilogia, da qual Para Alm do Planeta Silencioso era a primeira parte, e Perelandra a segunda, mas pode ser lida por si s.

    C. S. Lewis

    Magdalen College. Oxford. Vspera de Natal, 1943.

  • CAPTULO I VENDA DE PROPRIEDADES DA

    FACULDADE I

    O matrimnio foi institudo, em terceiro

    lugar, disse Jane Studdock para consigo prpria, para a associao, auxlio e conforto mtuos que um deve receber do outro. No ia igreja desde os seus tempos de escola, at que l fora, a seis meses, para se casar, e essas palavras da cerimnia tinham ficado na sua mente.

    Atravs da porta aberta podia ver a diminuta cozinha do apartamento e ouvir o bater forte e pouco delicado do relgio. Tinha acabado de sair da cozinha e sabia como estava arrumada. As coisas do caf da manh estavam lavadas, as toalhas do ch penduradas por cima do fogo e o cho passado a pano. As camas estavam feitas e os quartos arrumados. Tinha acabado de regressar de fazer as nicas compras de que precisava para aquele dia, e ainda faltava um minuto para as onze. Exceto preparar o seu prprio almoo e o ch, no havia nada que tivesse de ser feito at s 6 horas, isso supondo que Mark viesse realmente jantar. Mas hoje havia uma reunio da Faculdade. Quase com certeza ligaria por volta da hora do ch para dizer que a reunio estava demorando mais do que previra e que

  • teria de jantar na Faculdade. As horas diante dela estavam to vazias como o apartamento. O sol brilhava e o relgio fazia o seu tique-taque.

    Associao mtua, ajuda e conforto, disse Jane com amargura.

    Na realidade o casamento tinha provado ser a porta de sada de um mundo de trabalho e camaradagem, riso e incontveis coisas que fazer, para qualquer coisa como priso na solitria. Durante alguns anos antes do casamento nunca vira to pouco o Mark como nos ltimos seis meses. Mesmo quando estava em casa, ele mal falava sequer. Estava sempre com sono ou intelectualmente preocupado. Enquanto tinham sido amigos, e mais tarde quando eram amantes, a prpria vida parecia curta demais para tudo o que tinham a dizer um ao outro! Mas agora... por que que tinha casado com ela? Ainda a amaria? Se sim, amar algum teria que significar coisas totalmente diferentes para os homens e para as mulheres. Seria a crua verdade que todas as conversas infindveis que lhe tinham parecido, antes de casados, a autntica expresso do prprio amor, nunca tivessem sido para ele mais do que um preliminar?

    Aqui estou eu comeando a desperdiar outra manh, na Lua, disse Jane para si mesma, vivamente, tenho que fazer um trabalho qualquer.

    Por trabalho ela queria dizer a sua tese de doutorado sobre Donne. Tinha tido sempre a inteno de continuar a sua prpria carreira de professora depois de casar: essa era uma das razes porque no iriam ter filhos, de qualquer maneira,

  • ainda por muito tempo. Jane no se achava uma pensadora muito original e o seu plano fora dar grande nfase triunfante justificao do corpo, de Donne. Acreditava ainda que, se tirasse para fora todos os seus livros de notas e publicaes e se sentasse seriamente para fazer o trabalho, podia forar-se a recuperar o entusiasmo perdido pelo assunto. Mas antes de faz-lo, talvez para adiar o momento de comear, virou um jornal que estava em cima da mesa e passou os olhos pela imagem na ltima pgina.

    No momento em que viu a imagem, lembrou-se do sonho. Lembrou-se no s do sonho como do tempo sem fim que passara, depois de se ter esgueirado da cama, sentada espera dos pri-meiros sinais da manh, receosa de acender a luz, com medo de que Mark acordasse e protestasse, mas sentindo-se ofendida pelo som da sua respirao regular. Ele dormia de forma excelente. Uma nica coisa parecia mant-lo acordado depois de ir para a cama, e mesmo isso no o mantinha acordado muito tempo.

    O terror deste sonho, como o da maior parte dos sonhos, evapora-se quando contado, mas deve ser registrado por causa do que veio a seguir.

    Comeara por sonhar simplesmente com um rosto. Era um rosto com aparncia de estrangeiro, com barbas e bastante amarelo, com o nariz adunco. A expresso dele era aterradora porque estava aterrado. A boca caa-lhe aberta e os olhos eram fixos, como j vira os olhos de outros homens ficarem fixos por um segundo ou dois, quando tinha

  • ocorrido um sbito choque. Mas aquele rosto parecia estar num choque que durava horas. Depois, gradualmente, teve conscincia de mais. O rosto pertencia a um homem que estava sentado, curvado, num canto de um pequeno quarto quadrado, de paredes caiadas, espera, pensou ela, de que aqueles que o tinham em seu poder chegassem e lhe fizessem alguma coisa horrvel. Finalmente, a porta abriu-se e um homem bem apessoado, com uma barba cinzenta pontiaguda, entrou. O preso pareceu reconhecer nele um velho conhecido, e sentaram-se os dois juntos e comearam a conversar. Em todos os sonhos que Jane tivera at a, a pessoa ou compreendia aquilo que os personagens dos sonhos estavam dizendo ou ento no o ouvia. Mas neste sonho, e isso ajudava a dar-lhe o seu extraordinrio realismo, a conversa era em francs e Jane percebia pedaos dela, mas no tudo, tal como teria feito na vida real. O visitante estava dizendo ao preso alguma coisa que aparentemente pensava que ele consideraria boa notcia. E o preso no incio ergueu os olhos tendo neles um fulgor de esperana e disse: Tiens... ah... a marche; mas ento vacilou e mudou de idia. O visitante continuou a apresentar as suas razes numa voz baixa e fluente. Era um homem bem apessoado, sua maneira bastante fria, mas usava umas lentes pincenez e estas refletiam a luz tornando os seus olhos invisveis. Isto, combinado com a perfeio pouco natural dos dentes, causou a Jane, de certa, forma, uma impresso desagradvel. E esta era aumentada pela crescente angstia, e finalmente o terror, do preso. No conseguia

  • distinguir o que o visitante estava lhe propondo, mas percebeu que o preso fora sentenciado morte. O que quer que o visitante estava lhe oferecendo era algo que o aterrorizava ainda mais do que a morte. Neste ponto, o sonho abandonou toda a pretenso de realismo e tornou-se um pesadelo comum. O visitante, ajustando as lentes e ainda com o seu sorriso frio, agarrou a cabea do preso com as duas mos. Torceu-a bruscamente, tal e qual como Jane no Vero anterior vira torcer bruscamente o capa-cete, que estava colocado por cima da cabea de um mergulhador. O visitante desenroscou a cabea do preso e retirou-a. Depois tudo se tornou confuso. A cabea era ainda o centro do sonho, mas era agora uma cabea completamente diferente, uma cabea com uma barba branca cerrada e toda coberta de terra. Pertencia a um velho que algumas pessoas estavam desenterrando numa espcie de cemitrio ingls antigo, tipo druida, com um comprido manto. Jane, no incio, no se importou muito com isto porque pensou que fosse um cadver. Ento, subitamente, observou que aquela coisa antiga estava voltando vida. Cuidado!, gritou no sonho. Ele est vivo. Parem! Parem! O esto acordando. Mas elas no se importaram. O homem velho, que estava enterrado, sentou-se e comeou a falar qualquer coisa que soava vagamente como espanhol. E isto, por qualquer razo, aterrorizou Jane de tal maneira que ela despertou.

    Este foi o sonho nem pior, e tambm nem melhor, do que muitos outros pesadelos. Mas no era a mera recordao de um pesadelo que fez a sala

  • de estar do apartamento flutuar diante dos olhos de Jane e deu motivo a que ela se sentasse, com receio de cair. A aflio estava algures. Ali, na pgina de trs do jornal estava a cabea que vira no pesadelo: a primeira cabea (se que tinha havido duas), a cabea do preso. Com extrema relutncia pegou no jornal, execuo de alcasan era o ttulo, e por baixo dele cientista barba-azul vai para a guilhotina. Lembrava-se vagamente de ter seguido o caso. Alcasan era um distinto radiologista num pas vizinho, um rabe, por ascendncia, diziam, que tinha cortado uma carreira, de outra forma brilhante, ao envenenar a mulher. Era essa, portanto, a origem do seu sonho. Devia ter olhado para a fotografia dele no jornal, antes de ir para a cama, o homem tinha certamente um rosto desagradvel. Mas no: isso no podia ser. Era o jornal daquela manh. Mas, claro, tinha de haver alguma fotografia anterior que ela vira e esquecera, provavelmente semanas atrs, quando o julgamento comeara. Era tolice ter deixado a coisa abal-la tanto. E agora vamos a Donne. Vejamos, onde que ns amos? A passagem ambgua no fim da Alquimia do Amor,

    No esperes por inteligncia nas mulheres; no seu

    melhor, Doura e graa so as possibilidades da mame. No esperes por inteligncia nas mulheres.

    Algum homem realmente quer ver a inteligncia nas mulheres?

    Mas essa no era a questo.

  • Tenho de recuperar o meu poder de concentrao, disse Jane, e depois havia alguma fotografia anterior de Alcasan? Suponho...

    Cinco minutos mais tarde, ps de lado todos os seus livros, foi ao espelho, ps o chapu e saiu. No tinha bem certeza para onde ia. A qualquer lugar, s para sair fora daquela sala, daquele aparta-mento, de toda aquela casa.

  • II Enquanto isso, Mark ia descendo para a

    Faculdade de Bracton e pensando num assunto muito diferente. No notou totalmente a beleza matutina da pequena rua que o levava, da encosta arenosa do subrbio onde ele e Jane viviam, por ali abaixo, at parte central e acadmica de Edgestow.

    Embora eu seja de Oxford por criao e goste muito de Cambridge, penso que Edgestow mais bela do que qualquer das outras terras. Uma das razes por ser to pequena. Nenhum fabricante de carros, ou de salsichas ou de marmelada tinha ainda vindo industrializar a cidade de provncia que sede da Universidade, e a prpria Universidade era diminuta. Alm de Bracton e da Faculdade para mulheres, que vem do sculo XIX e fica para l da ferrovia, existem apenas duas Faculdades: Nor-thumberland, que fica abaixo de Bracton, no rio Windy, e Dukes, em frente da Abadia. Bracton no aceita seno licenciados. Foi fundada em 1300 para a manuteno de dez homens de saber cujos deveres eram rezar pela alma de Henry de Bracton e estudar as leis da Inglaterra. O nmero de membros tinha sido gradualmente aumentado para quarenta, dos quais apenas seis (alm do Prof. de Bacon) estudam agora leis e dos quais talvez nenhum reze pela alma de Bracton. Mark Studdock era, ele prprio, socilogo e tinha sido eleito para o corpo docente cinco anos antes. Comeava a firmar os ps. Se tivesse sentido alguma dvida nesse ponto (coisa

  • que no tinha), esta teria sido resolvida quando deu por si encontrando Curry bem porta do posto dos Correios e vendo como Curry achou natural que fossem juntos at Faculdade e discutissem a agenda da reunio. Curry era o subdiretor de Bracton.

    Sim disse Curry , vai levar um tempo do diabo. Provavelmente continuar depois do jantar. Ns iremos ter todos os obstrucionistas ganhando tempo, tanto quanto puderem. Mas, felizmente, isso o pior que podem fazer.

    Ningum imaginaria nunca, pelo tom da resposta de Studdock, que prazer intenso ele sentia por Curry ter empregado o pronome ns. At bem pouco tempo, estivera de fora, observando as ma-nobras do que ento chamava Curry e o seu bando, com admirao e com pouca compreenso, e fazendo, nas reunies da Faculdade, curtas e nervosas intervenes que nunca influenciavam o curso dos acontecimentos. Agora estava dentro e Curry e o seu bando passara a ser ns ou o Elemento Progressista da Faculdade. Tudo tinha acontecido de repente e ainda sentia na boca o sabor doce.

    Acha que vai passar, ento? disse Studdock.

    Com certeza disse Curry. Temos o diretor, o tesoureiro e todo o pessoal qumico e bioqumico, para comear. Falei com o Pelham e com Ted e esto firmes. Fiz Sancho acreditar que entendia a posio e que era a favor. Bill, o Nevo, vai fazer provavelmente alguma coisa bastante

  • devastadora mas natural que alinhe conosco se formos a votao. Alm disso, ainda no lhe contei, Dick vai estar l. Chegou na hora do jantar ontem noite e meteu-se logo ao trabalho.

    A mente de Studdock saltou de l para c, procura de alguma forma segura de ocultar o fato de que no sabia quem era Dick. De repente lembrou-se de um colega muito obscuro cujo nome de batismo era Richard.

    Telford? disse Studdock em voz espantada. Sabia muito bem que Telford no podia ser o Dick a que Curry se referia e por isso ps um tom irnico e levemente caprichoso na sua pergunta.

    Santo Deus! Telford!! disse Curry com uma risada. No. Eu queria dizer Lord Feverstone, Dick Devine como era ento.

    Estava um pouco perplexo com a idia de Telford. disse Studdock, juntando-se ao riso. Fico satisfeito que Feverstone venha. Nunca o encontrei, sabe.

    Oh, mas tem de o fazer disse Curry. Olhe, venha jantar no meu aposento hoje noite. Eu o convidei.

    Gostaria muito disse Studdock, com muita sinceridade. E depois, aps uma pausa. A propsito, suponho que a prpria posio de Feverstone seja absolutamente segura?

    O que quer dizer? perguntou Curry. Bem, h certas conversas, se bem se

    lembra, quanto possibilidade de algum que est h tanto tempo ausente do seu lugar de membro do

  • corpo docente. Oh, refere-se a Glossop e todos esses

    trepadores. Da no vai sair nada. No lhe parece que s palavreado?

    Aqui, entre ns, sim. Mas confesso que, se tivesse de explicar em pblico exatamente porque que um homem, que est quase sempre em Londres, continuaria a ser membro do corpo docente de Bracton, no acharia isso to fcil. As razes au-tnticas so do tipo a que Watson chamaria imponderveis.

    No estou de acordo. No poria a mnima objeo a explicar em pblico as razes reais. No importante para uma escola como esta manter ligaes influentes com o mundo exterior? No nada impossvel que Dick venha a estar no prximo governo. Mesmo agora, Dick tem sido em Londres bem mais til faculdade do que Glossop e meia dzia de outros do mesmo tipo tm sido, estando aqui toda a vida.

    Sim. claro que a que est a razo. Todavia, seria um pouco difcil apresent-la dessa forma numa reunio da Faculdade.

    H uma coisa disse Curry num tom ligeiramente menos ntimo que talvez devesse saber a respeito de Dick.

    Qual ? Foi ele quem o fez membro do corpo

    docente. Mark ficou calado. No gostava de coisas que

    lhe recordassem de um tempo em que no estava apenas fora do Elemento Progressista mas at fora

  • da Faculdade. E tambm, nem sempre gostava de Curry. O seu prazer em estar com ele no era assim to grande.

    Sim disse Curry. Denniston era o seu rival principal. Aqui entre ns, muita gente gostava dos trabalhos dele mais do que dos seus. Foi Dick quem insistiu, do princpio ao fim, que voc era o tipo de homem que realmente queramos. Foi Faculdade de Duke e trouxe de l tudo o que havia a seu respeito. Tomou a posio de que o ponto a considerar o tipo de homem de que precisamos, e as qualificaes no papel que vo para o diabo. E tenho de dizer que foi confirmado que ele tinha razo.

    Muito amvel da sua parte disse Studdock, com uma pequena vnia trocista. Estava surpreendido com o caminho que a conversa tinha tomado. Era uma velha norma em Bracton, como presumivelmente na maior parte das faculdades, que nunca se mencionavam na presena do prprio as circunstncias da sua seleo, e Studdock no tinha percebido, at essa altura, que esta era tambm uma das tradies que o Elemento Progressista estava preparado para atirar fora. Tambm nunca lhe ocorrera que a sua prpria seleo tivesse dependido de outra coisa a no ser da excelncia do seu trabalho no exame para professor: e ainda menos que tivesse sido uma coisa apertada. Estava j to acostumado sua posio atual que esta idia deu-lhe a mesma curiosa sensao que um homem tem ao descobrir que o pai esteve quase para se casar com uma mulher diferente.

  • Sim continuou Curry, prosseguindo numa outra linha de pensamento. V-se agora que Denniston nunca teria servido. Absolutamente nunca. Era um homem brilhante naquela altura, claro, mas parece ter sado completamente dos trilhos desde ento, com todo esse seu distributivismo e no sei que mais. Me disseram bem capaz dele acabar num mosteiro.

    No nenhum tolo, mesmo assim disse Studdock.

    Estou contente por ir se encontrar com Dick disse Curry. No temos tempo agora, mas h uma coisa a respeito dele que eu queria discutir consigo.

    Studdock olhou para ele interrogativamente. James e eu e um ou dois outros disse

    Curry com voz mais baixa andamos pensando que ele devia ser o novo diretor. Mas aqui estamos.

    Ainda no so doze disse Studdock. Que tal se entrssemos no Bristol para uma bebida?

    E entraram no Bristol, como sugerido. No teria sido fcil preservar a atmosfera na qual operava o Elemento Progressista sem uma boa quantidade destas pequenas gentilezas. Aquilo pesava mais em Studdock do que em Curry, que era solteiro e tinha o salrio de subdiretor. Mas o Bristol era um lugar muito agradvel. Studdock comprou um whisky duplo para o seu companheiro e meio pint de cerveja para si prprio.

  • III Na nica vez em que fui recebido em Bracton,

    persuadi o meu anfitrio a deixar-me entrar no parque e ficar l sozinho durante uma hora. Ele pediu desculpa por fechar a porta, comigo l dentro.

    Muito pouca gente era autorizada a entrar no Parque de Bracton. O porto era de Inigo Jones e constitua a nica entrada: um muro alto circundava o parque, que tinha cerca de um quarto de milha de largura e uma milha de leste a oeste. Para quem vinha da rua e passava atravs da Faculdade para chegar l, a sensao de penetrar num recesso muito ntimo era muito forte. Primeiro atravessava-se o quadriltero de Newton, que seco e com o cho de cascalho; edifcios georgianos, ornamentados mas belos, olham-nos l de cima. A seguir tem de se entrar numa passagem fresca e parecida com um tnel, quase escura ao meio do dia, a no ser que estejam abertas quer a porta para o salo da entrada, do lado direito, quer a meia porta da despensa, do lado esquerdo, dando um vislumbre da luz do dia a bater nos painis, e uma baforada de odor de po fresco. Ao emergir deste tnel, encontramo-nos na faculdade medieval: no claustro do quadriltero muito mais pequeno, chamado Repblica. A relva aqui muito verde, depois da aridez de Newton, e a prpria pedra dos pilares que nele se erguem, d a impresso de ser macia e ter vida. A capela no fica muito longe: o rudo rouco e pesado do maquinismo de um velho e grande relgio chega at ns, vindo

  • de um ponto qualquer l em cima. Vai-se ao longo do claustro, passando lpides e urnas e bustos que homenageiam mortos de Bracton e depois descem-se uns degraus baixos e chega-se plena luz do dia do quadriltero chamado Lady Alice. Os edifcios esquerda e direita so obras do sculo xvii: humildes, de caractersticas quase domsticas, com janelas de gua-furtada, musgosos e de telhas cinzentas. Estava-se num doce mundo protestante. Dvamos por ns pensando, talvez, em Bunyan ou em Lives, de Walton. No quarto lado de Lady Alice no havia nenhum edifcio na frente, apenas uma fila de olmos e um muro: e ali, pela primeira vez, tinha-se conscincia do som da gua corrente e do arrulhar dos pombos no bosque. A rua, nesta altura, est j to longe que no h outros rudos. No muro h uma porta. Leva-nos a uma galeria coberta, furada por janelas estreitas em ambos os lados. Olhando atravs delas, descobrimos que estamos atravessando uma ponte e que o Wynd, castanho-escuro e levemente agitado, corre debaixo de ns. Nesta altura estamos muito perto da nossa meta. Uma cancela no extremo oposto da ponte levava-nos para o campo relvado do jogo de bolas dos membros da Faculdade, e do lado de l via-se a parede alta do parque, e, atravs do porto de Inigo Jones, tinha-se um vislumbre de verde batido pelo sol e de sombras profundas.

    Suponho que o simples fato de ser cercado por muros deu ao parque parte da sua qualidade peculiar, pois quando uma coisa fechada, o esprito no a encara voluntariamente como pblica.

  • medida que avanava sobre o terreno silencioso, tinha a sensao de ser recebido.

    As rvores estavam afastadas de forma a que, distncia, se via a folhagem sem interrupes, mas o local em que a pessoa estava parecia sempre ser uma clareira: cercada por um mundo de sombras, a pessoa caminhava sob um sol suave. Exceto pelos carneiros, cujo pastar conservava a erva assim rente e que por vezes erguiam os focinhos compridos e tolos para me fitarem, eu estava completamente s; e parecia-me mais a solido de um quarto muito grande numa casa deserta do que qualquer solido ao ar livre. Lembro-me de pensar: Este o tipo de lugar que, em criana, se teria bastante medo, ou ento se gostaria muito. Um momento mais tarde, pensei: Mas quando sozinhos, realmente sozinhos, todos ns somos crianas, ou ningum ? A juventude e a idade tocam apenas a superfcie das nossas vidas.

    Meia milha um passeio rpido. Contudo, pareceu muito tempo at eu chegar ao centro do parque. Sabia que era o centro, pois l estava a coisa que eu tinha vindo ver principalmente. Era um poo: um poo com degraus que desciam at ele, e com um antigo pavimento em volta. Estava agora muito imperfeito. No pus os ps em cima, mas estendi-me na relva e toquei o com os dedos. Pois aquele era o corao de Bracton ou Bragdon Wood: disto saram as lendas e disto dependera originalmente, suspeito eu, a prpria existncia da Faculdade. Os arquelogos estavam de acordo que a alvenaria era trabalho do perodo final bri-

  • tnico-romano, feito nas vsperas da invaso anglo-saxnica. Como que Bragdon, bosque, se relacionava com Bracton, o advogado, era um mistrio, mas imagino que a famlia Bracton se tenha valido de uma semelhana acidental entre os nomes para crer, ou fazer crer, que tinha alguma coisa a ver com o caso. Certamente, se tudo o que se dizia fosse verdade, ou mesmo s metade, o bosque era mais velho do que os Bractons. Calculo que ningum daria muita importncia a Balachton de Strabo, embora tenha levado um diretor da Faculdade, no sculo XVI, a dizer: No sabemos, nem pelos mais antigos relatos, de qualquer Gr-Bretanha sem Bragdon. Mas a cano medieval faz-nos recuar ao sculo XIV:

    Em Bragdon acaba brilhante este dia De longe, at aqui veio Merlin E aqui ficou jazendo Isto prova bastante de que o poo com o

    pavimento britnico-romano era j o Poo de Merlin, embora no aparea at ao reinado da rainha Isabel, quando o bom diretor Shovel cercou o bosque por um muro para retirar todas as supersties profanas e pags e para impedir todo o tipo de viglias vulgares, jogos, danas, mascaradas, e cozimento de po de Morgan, at l praticadas junto da fonte chamada vaidosamente o Poo de Merlin, e que tm de ser renegadas e abominadas como uma caldeirada de papismo, selvageria, lascvia e sombria loucura. No que a Faculdade tenha, com esta ao, renunciado ao seu prprio interesse no lugar. O velho Dr. Shovel, que viveu quase at aos cem anos,

  • mal tinha esfriado na sepultura quando um dos maiores generais de Cromwell, pensando ser sua obrigao destruir os bosques e os lugares altos, enviou algumas tropas com poder para impressionar a gente da regio para aquele piedoso trabalho. O esquema no fim deu em nada; mas tinha havido uma altercao entre a Faculdade e as tropas, no centro de Bragdon, e o fabulosamente sbio e santo Richard Crowe fora morto por uma bala de mosquete nos prprios degraus do poo. Quem acusasse Crowe de papismo ou selvageria teria de ser um homem corajoso, contudo a histria que as suas ltimas palavras tinham sido: Vejam, Senhores. Se Merlin, que era filho do Diabo, era um homem do rei, verdadeiro como qualquer que jamais tenha comido po, no uma vergonha que vs, que no sois seno filhos de puta, tenhais de ser rebeldes e regicidas? E sempre, atravs de todas as mudanas, cada diretor de Bracton, no dia da sua eleio, tem bebido um trago cerimonial da gua do Poo de Merlin, pela grande taa que, tanto pela sua antiguidade como pela sua beleza, era o maior dos tesouros de Bracton.

    Eu pensava em tudo isto, estendido ao lado do Poo de Merlin, ao lado do poo que, com toda a certeza, deve datar do tempo de Merlin, se alguma vez existiu um Merlin autntico; estendido onde estivera estendido Sir Kenelm Digby durante toda uma noite de vero e visto uma certa apario estranha; onde estivera estendido o poeta Collins e onde Jorge III chorara; onde o brilhante e muito querido Nathaniel Fox compusera o seu famoso

  • poema, trs semanas antes de ser morto na Frana. O ar estava to sossegado e os tufos de folhagem to densos por cima de mim, que adormeci. Fui acordado pelo meu amigo a chamarme l muito ao longe.

    O assunto mais controverso presente reunio da Faculdade era a questo da venda do Parque de Bragdon. O comprador era o Instituto Nacional de Experincias Coordenadas (NICE). Queriam um local para o edifcio que havia de alojar adequadamente esta notvel organizao. O NICE era um dos primeiros frutos dessa fuso construtiva entre o Estado e o Laboratrio, sobre a qual tantas pessoas ponderadas baseavam as suas esperanas de um mundo melhor. Era para ficar livre de quase todas as cansativas limitaes formalidades era o termo que os seus apoiadores usavam que tm at aqui entravado a pesquisa neste pas. Ficava tambm livre das peias da economia, pois, como se argumentava, uma nao que pode gastar tantos milhes por dia numa guerra, pode com certeza permitir-se alguns milhes por ms em pesquisa produtiva em tempo de paz. O edifcio para isso proposto era de molde a constituir um acrescento verdadeiramente notvel ao recorte de Nova Iorque no cu, o pessoal era para ser enorme e os salrios principescos. Presso persistente e uma diplomacia infindvel, por parte do senado universitrio de Edgestow, tinham atrado o novo Instituto para longe de Oxford, de Cambridge e de Londres. Tinha pensado em todas estas, sucessivamente, como cenas possveis dos seus labores. Por vezes o ele-

  • mento Progressista, em Edgestow, quase tinha desanimado. Mas o sucesso estava agora praticamente certo. Se o NICE pudesse obter a terra necessria, viria para Edgestow. E uma vez que vies-se, ento, como todos sentiam, as coisas comeariam finalmente a acontecer. Curry tinha at expressado a dvida quanto a Oxford e Cambridge, eventualmente, poderem mesmo sobreviver como grandes universidades.

    Trs anos atrs, se Mark Studdock tivesse vindo para uma reunio da Faculdade, na qual estivesse tal questo para ser decidida, teria esperado ouvir abertamente debatidas as reivindicaes do sentimento contra o progresso e da beleza contra a utilidade. Hoje, ao tomar o seu lugar no Soler, a comprida sala no pavimento superior da parte sul de Lady Alice, no esperava tal. Sabia agora que no era esse o modo de fazer as coisas.

    O Elemento Progressista conduzia os seus assuntos realmente muito bem. Muitos dos professores no sabiam, ao entrarem no Soler, que existia a questo da venda do parque. Viram, claro, na sua folha com a agenda, que o ponto quinze era Venda de terras da Faculdade, mas como isso aparecia em quase todas as reunies da Faculdade, no estavam muito interessados. Por outro lado, vi-ram que o ponto um era Questes sobre o Parque de Bragdon. Estas no se referiam venda proposta. Curry, que como subdiretor se levantara para as apresentar, tinha umas tantas cartas para ler Faculdade. A primeira era de uma sociedade dedicada preservao de monumentos antigos.

  • Penso que esta sociedade fora mal-avisada ao fazer duas queixas numa s carta. Teria sido mais sensato se se tivessem limitado a chamar a ateno da Faculdade para o mau estado do muro em redor do parque. Quando prosseguiram, instando sobre o interesse de se construir uma proteo qualquer por cima do prprio poo, e salientando que j anteriormente tinham posto a questo, os membros da Faculdade comearam a ficar agitados. E quando, numa espcie de lembrana de ltima hora, expressaram o desejo de que a Faculdade pudesse mostrar-se mais favorvel para com antiqurios srios que queriam examinar o poo, o conselho da Faculdade ficou nitidamente mal disposto. No gostaria de acusar um homem na posio de Curry de ler incorretamente uma carta, mas a sua leitura desta carta certamente no foi de molde a encobrir quaisquer defeitos no tom da composio original. Antes de ele se sentar, quase todos na sala desejavam fortemente fazer o mundo exterior compreender que o Parque de Bragdon era propriedade privada da Faculdade de Bracton e que era melhor que o mundo exterior tratasse da sua vida. Ento levantou-se de novo para ler uma outra carta. Esta era de uma sociedade esprita que queria permisso para investigar os fenmenos relatados no parque uma carta relacionada, como disse Curry com a que vem a seguir que, com licena do diretor, vou ler j. Esta era de uma firma que tinha ouvido da proposta dos espritas e queria permisso para fazer um filme, no exatamente dos fenmenos, mas dos espritas procura dos fenmenos. Curry recebeu

  • instrues para escrever curtas negativas s trs cartas.

    Ento veio uma nova voz, de uma parte completamente diferente do Soler. Lord Feverstone tinha-se levantado. Estava inteiramente de acordo com a deciso tomada pelo conselho a respeito daquelas cartas impertinentes de diversos intrometidos de fora. Mas, de qualquer maneira, no era um fato que o muro do parque se encontrava em condies muito pouco satisfatrias? Uma boa parte dos professores Studdock no era um deles imaginou que estava presenciando uma revolta da parte de Feverstone contra Curry e o seu bando e ficou imensamente interessado. Quase de imediato, o tesoureiro, James Busby, estava de p. Acolheu com aprovao a questo levantada por lord Feverstone. Na sua qualidade de tesoureiro tinha recentemente solicitado a opinio de um perito sobre o muro do parque. Pouco satisfatrias eram, temia ele, palavras muito suaves para descrever as suas condies. Nada, a no ser um muro novo completo, resolveria realmente a situao. Com grande dificuldade foi-lhe extrado o custo provvel desta obra, e quando os membros da Faculdade ouviram o nmero, prenderam a respirao. Lord Feverstone inquiriu glacialmente se o tesoureiro estava propondo seriamente que a Faculdade devia arcar com tal despesa. Busby (um ex-sacerdote muito grande com uma barba negra cerrada) replicou com um certo mau humor que no tinha proposto nada: se viesse a fazer uma sugesto, seria de que a questo no podia ser tratada isolada de

  • algumas consideraes financeiras importantes que seria seu dever apresentar-lhes mais tarde, naquele dia. Seguiu-se uma pausa a esta ominosa declarao at que gradualmente, um a um, os do lado de fora e obstrucionistas, os homens no includos no Elemento Progressista, comearam a entrar no debate. A maior parte destes achava difcil acreditar que nada que no fosse um muro novo completo no pudesse servir. O Elemento Progressista deixou-os falar durante quase dez minutos. Ento pareceu outra vez que Lord Feverstone estava realmente a chefiar os do lado de fora. Quis saber se era possvel que o tesoureiro e a comisso de manuteno no pudessem realmente encontrar nenhuma alternativa alm de construir um novo muro ou deixar o Parque de Bragdon degenerar num terreno baldio pblico. Exigiu uma resposta. Alguns do lado de fora at comearam a achar que ele estava sendo muito rude com o tesoureiro. Por fim, o tesoureiro, numa voz mais baixa, respondeu que tinha, num aspecto puramente terico, alinhado alguns fatos quanto a alternativas possveis. Uma vedao de arame farpado... mas o resto foi apagado num berreiro de desaprovao, durante o qual se ou-viu o velho conselheiro Jewel dizer que antes faria abater todas as rvores do parque do que v-lo engaiolado em arame farpado. Finalmente, o assunto foi adiado para considerao na reunio se-guinte.

    O ponto seguinte era um daqueles que a maioria dos membros no conseguia compreender. Envolveu a recapitulao (por Curry) de uma longa

  • correspondncia entre a Faculdade e o Senado da Universidade sobre a proposta de integrao do NICE na Universidade de Edgestow. As palavras comprometido a estavam sempre a reaparecer no debate que se seguiu.

    Parecemos disse Watson ter dado garantias, como Faculdade, do mais completo apoio ao novo Instituto.

    Parecemos disse Feverstone ter-nos atado de ps e mos e dado carta branca Universidade.

    A que tudo isto, efetivamente, equivalia no ficou claro para nenhum dos do lado de fora. Lembravam-se de ter lutado a valer em reunies anteriores contra o NICE e todas as suas obras, e de terem sido derrotados; mas todos os esforos para descobrir o que significara a sua derrota, conquanto respondidos por Curry com grande lucidez, apenas serviram para os emaranhar mais nos labirintos impenetrveis da constituio da Universidade e do mistrio ainda mais obscuro das relaes entre a Universidade e a Faculdade. O resultado da discusso foi deix-los com a impresso de que a honra da Faculdade no estava envolvida no estabelecimento do NICE em Edgestow.

    Durante este ponto, os pensamentos de mais de um membro tinham-se voltado para o almoo, e a ateno tornara-se distrada. Mas quando Curry se levantou, aos 5 minutos para a 1 hora, para apresentar o ponto trs, houve um vivo renascer de interesse. Disse: Retificao de uma anomalia no salrio dos assistentes. No gostaria de dizer

  • quanto os assistentes de mais baixa categoria estavam ganhando naquela altura, mas creio que mal dava para as despesas da residncia na Faculdade, que era obrigatria. Studdock, que s recentemente sara dessa classe, sentia grande simpatia por eles. Compreendia a expresso nos seus rostos. A retificao, se passasse, representaria para eles roupas e frias, e carne no almoo, e a possibilidade de comprar metade, em vez de um quinto, dos livros de que precisavam. Os olhos de todos eles estavam fixos no tesoureiro, quando este se levantou para responder s propostas de Curry. Esperava que ningum imaginasse que aprovava a anomalia que tinha, em 1910, excludo os assistentes de mais baixa categoria das novas clusulas no pargrafo 18 do estatuto 17. Tinha a certeza de que todos os presentes desejariam que fosse retificada, mas era seu dever, como tesoureiro, salientar que aquela era a segunda proposta, envolvendo despesas muito pesadas, que lhes fora apresentada naquela manh. A respeito disso apenas podia dizer, como dissera sobre o problema anterior, que no podia ser isolado do problema da situao financeira presente da Faculdade no seu conjunto, o qual esperava explicar perante eles durante o correr da tarde. Muito mais foi dito, mas ningum respondeu ao tesoureiro, o assunto foi adiado, e quando, faltando 15 minutos para as duas horas, os membros comearam a aparecer fora do Soler para almoar, com fome e dores de cabea e ansiosos por tabaco, cada assisten-te tinha fixado no seu esprito que um muro novo para o parque e um aumento no seu prprio salrio

  • eram alternativas que se excluam mtua e estritamente.

    O raio do parque tem estado no nosso caminho toda a manh disse um deles.

    Ainda no samos da respondeu outro. Neste estado de esprito, os membros da

    Faculdade voltaram ao Soler depois do almoo para considerar as suas finanas, Busby, o tesoureiro, foi naturalmente o principal orador. Numa tarde de sol, muito quente no Soler, e o curso uniforme da exposio do tesoureiro, e at o brilhar dos dentes certos e brancos por cima da barba (tinha uns dentes notavelmente bonitos) possua uma espcie de poder hipntico. Membros das faculdades nem sempre acham os assuntos de dinheiro fceis de entender: se achassem, provavelmente no seriam do tipo de homens que se tornam membros do corpo docente das faculdades. Concluam que a situao era m; realmente muito m. Alguns dos membros mais jovens e mais inexperientes deixaram de cogitar se iriam ter um muro novo ou um aumento de salrio e comearam em vez disso a perguntar a si mesmos se a Faculdade sequer continuaria funcionando. Os tempos, como o tesoureiro dissera com tanta verdade, estavam extraordinariamente difceis. Os membros mais velhos tinham j muitas vezes ouvido referir tempos assim por dzias de anteriores tesoureiros e estavam menos perturbados. No estou sugerindo, nem por um momento, que o tesoureiro de Bracton estivesse de qualquer modo apresentando erradamente a situao. S muito raramente a situao financeira

  • de uma grande organizao, dedicada a ttulo permanente ao avano do saber, pode ser descrita, de forma inteiramente no ambgua, como sendo satisfatria. A sua locuo era excelente. Cada frase era um modelo de clareza; e, se os seus ouvintes achavam a substncia da sua declarao completa menos clara que as partes, isso pode ter sido culpa deles. Algumas redues e re-investimentos que sugeriu foram unanimemente aprovadas e a Faculdade interrompeu a reunio, para o ch, numa disposio animada. Studdock ligou para Jane e disse-lhe que no iria jantar em casa.

    Foi s pelas 6 horas da tarde que todas as linhas de pensamento e de sentimento convergentes, despertadas pelos assuntos anteriores, se juntaram na questo de vender o Parque de Bragdon. No foi nomeada como a venda do Parque de Bragdon. O tesoureiro chamou-a de venda da rea pintada de cor-de-rosa na planta que, com permisso do diretor, passaria agora volta da mesa. Salientou, muito francamente, que isso envolvia a perda de parte do parque. De fato, o local proposto para o NICE ainda deixava Faculdade uma faixa de cerca de dezesseis ps de largura ao longo da metade mais afastada da parte sul, mas no havia qualquer mistificao, pois os professores tinham a planta para examinar com os seus prprios olhos. Era uma planta em pequena escala e talvez no perfeitamente rigorosa, apenas com a inteno de dar uma idia geral; em resposta a perguntas, admitiu que infelizmente, ou talvez felizmente, o prprio poo estava na rea que o NICE pretendia. Os direitos de

  • acesso da Faculdade seriam, claro, garantidos; e o poo e o seu pavimento seriam preservados pelo Instituto, de maneira a satisfazer todos os arquelogos do mundo. Absteve-se de fornecer qualquer conselho e mencionou simplesmente a quantia estarrecedora que o NICE oferecia. Depois disso, a reunio tornou-se animada. As vantagens da venda foram ficando visveis uma por uma, como fruta madura caindo na mo. Resolvia o problema do muro; resolvia o problema de proteger monumentos antigos; resolvia o problema financeiro; parecia que iria resolver o problema dos salrios dos assistentes. Parecia mais que o NICE considerava este o nico local possvel em Edgestow; se por qualquer hiptese Bracton no viesse a vender, todo o esquema abortava e o Instituto iria indubitavelmente para Cambridge. Foi arrancado do tesoureiro, depois de muito questionado, que sabia de uma Faculdade de Cambridge muito ansiosa por vender.

    Os poucos difceis de morrer presentes, para os quais o Parque de Bragdon era quase um dado bsico da vida, dificilmente podiam compreender o que estava acontecendo. Quando encontraram a voz, e fizeram soar uma nota discordante entre o zumbido geral de animados comentrios, foram manobrados para a posio de aparecer como o partido que desejava apai-xonadamente ver Bragdon cercado por arame farpado. Quando por fim o velho Jewel, cego e trmulo e quase a chorar, se ps de p, a sua voz era fracamente audvel. Homens viraram-se para fitar, e

  • alguns para admirar, o rosto bem talhado e meio infantil e o cabelo branco que se tornava mais conspcuo medida que o comprido salo se tornava mais escuro. Mas apenas os que estavam junto dele podiam ouvir aquilo que ele dizia. Neste momento Lord Feverstone ps-se de p de um salto, cruzou os braos e olhando diretamente para o velho, disse numa voz muito alta e clara:

    Se o conselheiro Jewel deseja que ns no ouamos as suas opinies, sugiro que essa finalidade melhor podia ser alcanada pelo silncio.

    Jewel j era um velho nos dias antes da primeira guerra, quando os velhos eram tratados com delicadeza, e nunca tivera xito em conseguir habituar-se ao mundo moderno. Por um momento, enquanto se manteve de p, de cabea inclinada para a frente, as pessoas pensaram que ele ia replicar. Depois, repentinamente, estendeu as mos abertas num gesto de desalento, encolheu-se e comeou laboriosamente a retomar a sua cadeira.

    A moo foi aprovada.

  • V Depois de deixar o apartamento nessa manh,

    Jane tinha ido tambm a Edgestow e comprado um chapu. Tinha antes desse momento expressado um certo desprezo pela espcie de mulher que compra chapus, como um homem que compra bebidas como um estimulante e uma consolao. No lhe ocorreu que ela prpria estava procedendo assim naquela ocasio. Gostava de que as suas roupas fossem algo severas e de cores que fossem realmente boas, em bases estticas srias roupas que tornassem evidente para todos que ela era uma pessoa adulta, inteligente e no uma mulher da variedade caixa de chocolates e por causa dessa preferncia, no sabia sequer que se interessava por roupas. Ficou por isso um pouco aborrecida quando a Sra. Dimble a encontrou saindo do Sparrows e disse: Ol, querida! Comprou um chapu? Venha almoar l em casa e vamos ver isso. Cecil est com o carro logo ao virar a esquina.

    Cecil Dimble, professor de Northumberland, fora o orientador de Jane no seu ltimo ano como aluna e a Sra. Dimble (havia a tendncia para cham-la de Me Dimble) tinha sido a tia no oficial de todas as moas do seu ano. Gostar das alunas do marido no , talvez, to comum quanto seria dsejvel entre as mulheres dos professores; mas a Sra. Dimble parecia gostar de todos os alunos do Dr. Dimble, de ambos os sexos, e a casa dos Dimbles, afastada, do lado de l do rio, era uma espcie de

  • salon barulhento durante todo o perodo escolar. Tinha dedicado um carinho especial a Jane com aquele tipo de afeio que uma mulher de bom humor, feitio fcil e sem filhos, sente por vezes por uma moa que ela pensa ser bonita e bastante absurda. Durante o ltimo ano ou coisa assim, Jane tinha perdido um pouco de vista os Dimbles e sentia-se bastante culpada por esse motivo. Aceitou o convite para almoar.

    Passaram pela ponte ao norte de Bracton e depois seguiram para sul ao longo da margem do Wynd, para l das casas de campo, depois para a esquerda e para leste, na igreja normanda, e des-ceram a estrada reta com lamos de um lado e o muro do Parque de Bragdon do outro, e por fim chegaram porta da frente dos Dimbles.

    Como est bonito disse Jane com toda a sinceridade quando saiu do carro. O jardim dos Dimbles era famoso.

    Ento melhor olhar bem para ele disse o Dr. Dimble.

    Que quer dizer? perguntou Jane. No lhe contaste? disse o Dr. Dimble

    para a mulher. Ainda no consegui forar-me a tal

    disse a Sra. Dimble. Alm disso, pobrezinha, o marido dela um dos viles da Histria. De qualquer maneira, espero que ela saiba.

    No fao nenhuma idia do que esto dizendo disse Jane.

    A sua prpria Faculdade est to maadora, querida. Vo mandar-nos embora. No

  • renovaram o aluguel. Oh, Sra. Dimble! exclamou Jane. Eu

    nem sequer sabia que isto aqui era propriedade de Bracton.

    A tem! disse a Sra. Dimble. Metade do mundo no sabe como vive a outra metade. Aqui estava eu imaginando que voc estaria usando toda a sua influncia junto do Sr. Studdock para tentar salvar-nos, quando na realidade...

    Mark nunca me diz nada sobre os assuntos da Faculdade.

    Os bons maridos nunca dizem disse o Dr. Dimble. Pelo menos, s sobre os assuntos das faculdades de outras pessoas. por isso que Margaret sabe tudo sobre Bracton e nada a respeito de Northumberland. No entram para almoar?

    Dimble imaginava que Bracton ia vender o parque e tudo o mais que era sua propriedade naquela margem do rio. Toda a regio lhe parecia agora um paraso ainda mais do que quando viera pela primeira vez para ali viver, vinte e cinco anos atrs , e sentia o caso com muita intensidade para desejar falar sobre ele diante da mulher de um dos homens de Bracton.

    Vais ter de esperar pelo almoo at eu ter visto o novo chapu de Jane disse a Me Dimble, e logo a seguir apressou Jane pela escada acima. Seguiram-se ento alguns minutos de conversa que era estritamente feminina, moda antiga. Jane, preservando, entretanto, uma certa sensao de superioridade, achou a coisa agradvel de uma forma indefinvel; e embora a Sra. Dimble tivesse

  • realmente um modo de ver errado sobre tais assuntos, no havia como negar que a nica pequena modificao que ela sugeriu foi bastante adequada. Quando o chapu estava sendo outra vez embrulhado, a Sra. Dimble subitamente disse:

    No h nada correndo mal, pois no? Mal? disse Jane. Por qu? O que

    que poderia haver? que voc no parece a mesma. Oh, estou muito bem disse Jane em

    voz alta. Mentalmente, acrescentou: Est morrendo para saber se vou ter um beb. Este tipo de mulher sempre est.

    Detesta que a beijem? disse a Sra. Dimble, inesperadamente.

    Se eu detesto que me beijem?, pensou Jane para si prpria, Esse realmente o problema. Detesto que me beijem? No esperes pr cabea nas mulheres... Tencionara replicar: Claro que no mas inexplicavelmente, e para seu grande aborrecimento, deu por si, em vez disso, a chorar. E ento, por um momento, a Sra. Dimble passou a ser simplesmente uma pessoa crescida, como as pessoas crescidas eram quando ramos muito pequenos: objetos grandes, quentes e macios para os quais corramos com os joelhos esfolados ou brinquedos quebrados. Quando pensava na sua infncia, Jane recordava usualmente aquelas ocasies em que o volumoso abrao da ama ou da me no tinha sido bem acolhido e tinha encontrado resistncia como um insulto maioridade prpria; agora, num instante, tinha regressado quelas ocasies

  • esquecidas, e, contudo, pouco freqentes, quando o medo ou a desgraa induziam uma rendio voluntria e a rendio trazia conforto. No detestar ser acariciada ou apalpada era contrrio a toda a sua teoria de vida; todavia, antes de descerem, dissera Sra. Dimble que no estava esperando beb, mas que estava um pouco deprimida por estar muito sozinha e devido a um pesadelo.

    Durante o almoo, o Dr. Dimble falou sobre a lenda do rei Artur.

    realmente maravilhoso disse ele , como toda a histria se mantm ligada, mesmo numa verso recente, como a de Malory. J notaram como h dois conjuntos de personagens? H Guinevere e Lancelote e toda aquela gente no centro: todos muito palacianos e nada de particularmente britnico a respeito deles. Mas depois, em pano de fundo, do outro lado de Artur, por assim dizer, h todas aquelas pessoas enigmticas como Morgan e Morgawse, que so na verdade muito britnicos e usualmente mais ou menos hostis embora sejam seus prprios parentes. Tudo misturado com magia. Lembram-se daquela frase maravilhosa, como a rainha Morgan ps todo o pas em fogo com damas que eram feiticeiras. Merlin tambm, claro, britnico, embora no hostil. No parece mesmo um retrato da Gr-Bretanha como ela deve ter sido na vspera da invaso?

    Que quer dizer, Dr. Dimble? perguntou Jane.

    Bem, no houve uma parte da sociedade

  • que era quase puramente romana? Pessoas vestindo togas e falando um latim mesclado de celta, algo que nos soaria bastante como espanhol, e totalmente cristo. Mas mais para o interior, em lugares afasta-dos, isolados por florestas, teriam existido pequenas cortes governadas por velhos reizinhos britnicos, falando qualquer coisa semelhante ao gals e praticando uma certa dose da religio druida.

    E que que o prprio Artur teria sido? disse Jane. Era patetice o corao dela ter pulado s palavras bastante como espanhol.

    esse justamente o ponto disse o Dr. Dimble. Podemos imagin-lo como um homem da velha linha britnica, mas tambm um cristo e um general bem treinado, com tcnica romana, tentando integrar toda esta sociedade e quase sendo bem sucedido. Haveria cimes da parte da sua prpria famlia britnica, e o setor romanizado (os Lancelotes e Lionis) haviam de olhar os bretes por cima da burra. Seria por isso que Kay sempre representado como um rstico: ele parte da estirpe nativa. E sempre aquela ressaca, aquele arrastar de regresso ao druidismo.

    E onde estaria Merlin? Sim... Ele a figura realmente interessante.

    Ser que a coisa toda falhou porque ele morreu to cedo? Alguma vez j reparou que estranha criao Merlin ? Ele no mau; contudo, um mgico. Ele obviamente, um druida; porm, sabe tudo a respeito do Graal. Ele o filho do Diabo; mas depois Layamon faz tudo para nos dizer que o tipo de ser que foi o pai de Merlin no precisava, no fim

  • das contas, ter sido mau. Lembre-se, habitam no Cu muitas espcies de criaturas. Algumas delas so boas e algumas produzem o mal.

    bastante intrigante. No tinha pensado nisso antes.

    Muitas vezes me pergunto disse o Dr. Dimble se Merlin no representa o ltimo trao de alguma coisa de que a tradio recente se esqueceu completamente, algo que se tornou impos-svel quando as nicas pessoas em contato com o sobrenatural eram ou brancas ou pretas, ou procos ou feiticeiros.

    Que idia horrvel disse a Sra. Dimble, que notara que Jane parecia preocupada. De qualquer maneira, Merlin aconteceu h muito tempo, se que aconteceu, e ele est seguro e enterrado debaixo do Parque de Bragdon como todos sabemos.

    Enterrado mas no morto, segundo a Histria corrigiu o Dr. Dimble.

    Vi! disse, involuntariamente, Jane, mas o Dr. Dimble ia cogitando em voz alta.

    Pergunto a mim mesmo o que que iro encontrar se comearem a cavar naquele lugar para as fundaes do tal NICE deles disse ele.

    Primeiro lama, e depois gua disse a Sra. Dimble. por isso que realmente no podem construir ali.

    Assim seria de pensar disse o marido. Mas ento por que que eles iam querer vir para c? No natural um pequeno londrino como Jules ser influenciado por qualquer fantasia potica a

  • respeito do manto de Merlin ter ido cair sobre ele. O manto de Merlin, realmente! disse a

    Sra. Dimble. Sim disse o doutor , uma idia

    esquisita. Atrevo-me a dizer que alguns do grupo dele gostariam bastante de recuperar o manto. Se seriam suficientemente grandes para preench-lo uma outra questo! No creio que gostassem dele, se o prprio velho voltasse vida junto com o manto.

    Esta jovem vai desmaiar disse a Sra. Dimble, subitamente, pondo-se de p de um salto.

    Ol! O que est acontecendo? disse o Dr. Dimble, olhando espantado para a cara de Jane. Est muito quente aqui na sala para si?

    Oh, isto ridculo demais disse Jane. Vamos para a sala de visitas disse o Dr.

    Dimble. Venha. Encoste-se ao meu brao. Um pouco mais tarde, na sala de visitas,

    sentada junto a uma janela que abria para o relvado, agora semeado de folhas amarelas e brilhantes, Jane tentou desculpar-se do seu comportamento absurdo, contando a histria do seu sonho.

    Acho que desvendei os meus segredos de uma forma terrvel disse ela. Podem ambos comear a psicanalisar-me j.

    Pela cara do Dr. Dimble, Jane podia, na verdade, ter conjeturado que o sonho dela o tinha impressionado excessivamente.

    Coisa extraordinria... muito extraordinria continuava a murmurar. Duas cabeas. E uma delas a de Alcasan. Ora, ser isso uma pista falsa...

  • No faa isso, Cecil disse a Sra. Dimble.

    Acha que eu devia ser analisada? disse Jane.

    Analisada? disse o Dr. Dimble, olhando-a de relance como se no tivesse compreendido inteiramente. Oh, estou vendo. Quer dizer, ir ao Brizeacre ou algum do tipo? Jane percebeu que a sua pergunta o tinha arrancado de uma cadeia qualquer de pensamento completamente diferente e at, de forma desconcertante, que o problema da sua prpria sade tinha sido empurrado para o lado. Ter contado o sonho tinha levantado alguns outros problemas, embora no pudesse sequer imaginar quais fossem.

    O Dr. Dimble olhou para fora, pela janela. Justamente o meu aluno mais obtuso est

    tocando a campainha disse ele. Tenho de ir para o escritrio e ouvir um ensaio sobre Swift, comeando por Swift nasceu. Tenho de tentar manter o esprito atento ao que ele disser, o que no vai ser fcil. Levantou-se e ficou de p um momento com a mo no ombro.

    Olhe l disse ele. No lhe vou dar conselho nenhum. Mas se realmente decidir ir ver algum por causa desse sonho, desejo que considerasse primeiro ir ter com algum cujo endereo Margery ou eu lhe daremos.

    No acredita no Sr. Brizeacre? disse Jane.

    No posso explicar disse o Dr. Dimble.

  • Agora, no. tudo to complicado. Procure no se incomodar com isso. Mas se tal acontecer, trate de nos dar conhecimento em primeiro lugar. Adeus.

    Quase imediatamente depois da partida dele, chegaram alguns outros visitantes, de forma que no houve oportunidade alguma de mais conversas em privado entre Jane e a sua anfitri. Deixou a casa dos Dimbles cerca de uma hora mais tarde e foi a p para casa, no ao longo da estrada com os lamos, mas pelo carreiro atravs do parque pblico, passando os burros e os gansos, com as torres e as espiras de Edgestow para a sua esquerda e o velho moinho no horizonte, para a direita.

  • CAPTULO II JANTAR COM O SUBDIRETOR

    I

    Isto um golpe! disse Curry, de p em

    frente do fogo de sala nos seus magnficos aposentos, que davam para Newton. Constituam o melhor conjunto na Faculdade.

    Alguma coisa do NO? perguntou James Busby. Ele, Lord Feverstone e Mark estavam todos bebendo o seu sherry antes de jantar com Curry. NO, que representava Non-Olet, era a alcunha de Charles Place, o diretor de Bracton. A sua eleio para este cargo, uns quinze anos atrs, fora um dos primeiros triunfos do Elemento Progressista. fora de dizer que a Faculdade precisava de sangue novo e tinha de ser arrancada nas suas rotinas acadmicas, tinham conseguido fazer entrar um funcionrio civil idoso, que certamente nunca tinha sido contaminado por fra-quezas acadmicas, uma vez que largara a sua bastante obscura Faculdade de Cambridge no sculo anterior, mas que escrevera um relatrio monumental sobre Sade Pblica Nacional. O assunto tinha-o, se alguma coisa, recomendado ao Elemento Progressista. Consideravam-no uma bofetada na cara para os diletantes e difceis de morrer, que replicaram apelidando o seu novo diretor de Non-Olet. Mas, gradualmente, at os

  • apoiadores de Place tinham adotado o nome. Pois Place no correspondera s expectativas deles, revelando-se um dispptico com queda para a filatelia, cuja voz era to raras vezes ouvida que alguns dos assistentes mais novos no sabiam qual era o som dela.

    Sim, raios o partam disse Curry , quer me ver sobre um assunto dos mais importantes, assim que eu tenha possibilidade de ir ter com ele depois de jantar.

    Isso quer dizer disse o tesoureiro que Jewel e companhia se tm estado a atirar a ele e querem achar uma maneira de andar para trs com a questo toda.

    No ligo para isso disse Curry. Como que se pode revogar uma resoluo? No isso. Mas o suficiente para dar cabo da noite toda.

    S da sua noite disse Feverstone. No se esquea de deixar aqui fora esse seu brandy muito especial, antes de ir.

    Jewel! Santo Deus!; disse Busby, enterrando na barba a mo esquerda.

    Senti uma certa pena do velho Jewel disse Mark. Os seus motivos para dizer isto eram muito confusos. Para lhe fazer justia, deve-se dizer que a brutalidade do comportamento de Feverstone, inteiramente inesperada e aparentemente desneces-srio, para com o velho, o tinha desagradado. E depois, tambm, a idia toda da sua dvida para com Feverstone no caso da sua prpria entrada no professorado tinha-o irritado o dia inteiro. Quem era este sujeito, Feverstone? Mas, paradoxalmente,

  • mesmo enquanto sentia que era chegado o momento de afirmar a sua prpria independncia e de mostrar que no deveriam considerar a sua concordncia com todos os mtodos do Elemento Progressista, como antecipadamente garantida, achava tambm que uma certa independncia o faria ascender a uma posio mais elevada dentro do prprio Elemento. Se a idia (Feverstone ter melhor conceito seu se lhe mostrar os dentes) lhe tinha ocorrido com todas as letras, provavelmente a teria rejeitado como servil. No o fez.

    Com pena de Jewel? disse Curry, dando uma volta completa. No diria isso se o tivesse conhecido quando ele estava em plena forma.

    Concordo consigo disse Feverstone a Mark , mas que eu sigo a maneira de ver de Clausewitz. A guerra total, a longo prazo a mais humana. Eu o fiz calar instantaneamente. Agora que j lhe passou o choque, est imensamente feliz consigo prprio porque eu confirmei inteiramente tudo o que vem dizendo sobre a gerao mais nova, durante os ltimos quarenta anos. Qual era a alternativa? Deix-lo babar-se at lhe dar um acesso de tosse ou um ataque de corao, e a somar a isso dar-lhe o desapontamento de verificar que era tratado com civilidade.

    Esse com certeza um ponto de vista disse Mark.

    Diabos levem isto continuou Feverstone , homem nenhum gosta de se ver desapossado de todos os seus pertences. Que faria aqui o nosso pobre Curry se um dia os difceis de

  • morrer se recusassem a continuar a morrer com dificuldade? A ocupao de Otelo teria desaparecido.

    O jantar est servido, senhor disse o atirador de Curry , pois assim que um criado chamado em Bracton.

    Tudo isso tolice, Dick disse Curry enquanto se sentavam.

    No h nada de que eu mais gostaria do que ver o fim de todos estes difceis de morrer e obstrucionistas e poder avanar com o trabalho. No imagina que eu goste de ter de gastar todo o meu tempo desimpedindo a estrada? Mark notou que o seu anfitrio estava um pouco irritado com a zombaria de Lord Feverstone. Este ltimo tinha um riso extremamente viril e contagioso. Mark achou que estava comeando a gostar dele.

    Sendo trabalho...? disse Feverstone, no olhando de relance, e muito menos piscando o olho, para Mark, mas fazendo-o sentir que estava de certa maneira sendo includo na brincadeira.

    Bem, alguns de ns tm trabalho prprio a fazer replicou Curry, baixando a voz para lhe dar um tom mais srio, quase como algumas pessoas baixam a voz para falar de assuntos mdicos ou religiosos.

    Nunca soube que voc fosse esse tipo de pessoa disse Feverstone.

    Isso o pior do sistema todo disse Curry. Num lugar como este, ou se fica satisfeito vendo tudo se desfazer em pedaos, quer dizer, estagnar, ou ento tem de se sacrificar a prpria

  • carreira como estudioso a toda esta infernal poltica da Faculdade. Um destes dias vou atirar isso para o lado e voltar ao meu livro. O material j est todo l, bem sabe, Feverstone. Umas frias longas e creio realmente que poderia lhe dar forma.

    Mark, que nunca antes vira Curry provocado, estava comeando a se divertir.

    Estou vendo disse Feverstone. A fim de manter o lugar funcionando como uma sociedade de estudo, todos os melhores crebros que esto l tm de desistir de fazer coisa alguma a respeito do estudo.

    Exatamente! disse Curry. isso justamente... Ento parou, sem ter a certeza de estar sendo levado inteiramente a srio. Feverstone desatou a rir. O tesoureiro, que at ento estivera empenhadamente atarefado a comer, limpou a barba cuidadosamente e falou a srio.

    Tudo isto est muito bem na teoria disse ele , mas penso que Curry tem toda a razo. Suponhamos que renunciasse ao seu cargo de subdiretor e se retirasse para a sua caverna. Podia dar-nos um estrondoso e belo livro de economia.

    Economia? disse Feverstone, erguendo as sobrancelhas.

    Acontece que sou um historiador militar, James disse Curry. Ele ficava muitas vezes incomodado com a dificuldade que os colegas pareciam encontrar em lembrar que ramo particular do saber ele tinha escolhido para seguir.

    Eu queria dizer, claro, histria militar disse Busby. Como disse, ele podia

  • presentear-nos com um estrondoso e belo livro sobre histria militar. Mas seria posto de lado em vinte anos. Enquanto que o trabalho que est atualmente fazendo pela Faculdade ir benefici-la durante sculos. E toda esta questo, ento, de trazer o NICE para Edgestow. Que me diz de uma coisa destas, Feverstone? No estou meramente falando do seu lado financeiro, embora, como tesoureiro, eu naturalmente ponha isso como prioridade da escola. Mas pensem na nova vida, no despertar de novas formas de ver, no agitar de impulsos adormecidos. O que seria qualquer livro de economia...

    Histria militar disse Feverstone suavemente, mas desta vez Busby no o ouviu.

    Que seria, comparado com uma coisa assim, qualquer livro de economia? continuou. Eu a considero como o maior triunfo de idealismo prtico que este sculo j viu.

    O bom vinho estava comeando a exercer os seus bons ofcios. Todos temos conhecido o tipo de eclesistico que tende a esquecer o seu colarinho de sacerdote depois do terceiro copo; mas o hbito de Busby era o inverso. Era depois do terceiro copo que comeava a se lembrar do colarinho. medida que o vinho e a luz das velas lhe soltavam a lngua, o proco ainda latente dentro dele, depois de trinta anos de apostasia, comeou a despertar numa vida galvnica estranha.

    Como vocs sabem, rapazes disse ele , no reclamo de ortodoxia. Mas se a religio for entendida no sentido mais profundo, no tenho

  • qualquer hesitao em dizer que Curry, ao trazer o NICE para Edgestow, fez mais por este num ano do que Jewel tem feito na sua vida inteira.

    Bem disse Curry, modestamente. Isso , alis, o tipo de coisa que se podia esperar. Eu no a poria exatamente como voc, James...

    No, no disse o tesoureiro , claro que no. Todos ns temos a nossa linguagem prpria; mas todos ns queremos realmente dizer a mesma coisa.

    Algum j descobriu perguntou Feverstone o que, precisamente, o NICE ou o que tem inteno de fazer?

    Curry olhou para ele com uma expresso levemente espantada.

    estranho isso, vindo de si, Dick disse ele. Pensei que estava por dentro da coisa.

    No um pouco ingnuo disse Feverstone supor que estar por dentro de uma coisa envolve qualquer conhecimento claro do seu programa oficial?

    Oh, bem, se quer dizer detalhes disse Curry, e depois parou.

    Certamente, Feverstone disse Busby , est fazendo um grande mistrio a respeito de nada. Eu penso que os objetivos do NICE so bastante claros. a primeira tentativa de levar a srio, do ponto de vista nacional, a cincia aplicada. A diferena em escala entre isto e qualquer coisa que tivemos antes, equivale a uma diferena qualitativa. S o edifcio, s a aparelhagem! Pensem naquilo que j fez pela indstria. Pensem como vai mobilizar

  • todo o talento do pas; e no apenas o talento cien-tfico no sentido mais estrito. Quinze diretores departamentais a quinze mil por ano cada um! O seu prprio pessoal jurdico! A sua prpria polcia, me disseram! O seu quadro permanente prprio de arquitetos, topgrafos, engenheiros! A coisa estupenda!

    Carreiras para os nossos filhos disse Feverstone. Estou vendo.

    Que quer dizer com isso, Lord Feverstone? disse Busby, pousando o copo.

    Deus! disse Feverstone, os olhos a rir. Que tijolo que eu deixei cair. Tinha-me esquecido completamente que voc tinha famlia, James.

    Concordo com James disse Curry, que tinha estado espera, algo impacientemente, para falar. O NICE marca o comeo de uma nova era, a era realmente cientfica. At agora, tudo tem sido meio ao acaso. Isto vai pr a prpria cincia numa base cientfica. Vo haver quarenta comisses interligadas, em funes todos os dias e vo dispor de um magnfico instrumento (mostraram-me o modelo da ltima vez) atravs do qual as descobertas de cada comisso aparecero impressas no seu prprio pequeno compartimento no quadro analtico de informaes, de meia em meia hora. Depois, esse relato desliza sozinho para a posio exata, onde fica ligado por pequenas setas com todas as apropriadas dos outros relatos. Um olhar de relance no quadro mostra-nos a poltica de todo o Instituto tomando forma efetivamente, bem

  • debaixo dos nossos olhos. Haver um estado-maior de, pelo menos, vinte peritos no topo do edifcio fazendo funcionar o quadro de informaes numa sala muito parecida com a sala de controle do metr. um mecanismo maravilhoso. Os diferentes tipos de assuntos aparecem todos no quadro em luzes coloridas diferentes. Deve ter custado meio milho. O chamam de pragmatmetro.

    E aqui disse Busby v-se de novo o que o Instituto j est fazendo pelo pas. O pragmatmetro vai ser uma grande coisa. Centenas de pessoas esto ficando a favor. E este quadro analtico de informaes estar provavelmente fora de moda antes do edifcio estar acabado!

    Ora bem, meu Deus disse Feverstone , e o prprio NO me disse esta manh que a parte sanitria do Instituto ia ser qualquer coisa absolutamente extraordinria.

    Pois disse Busby, resolutamente. No vejo porque que algum iria pensar que isso no importante.

    E o que que voc pensa a respeito disto, Studdock? perguntou Feverstone.

    - Penso disse Mark , que James tocou no ponto mais importante quando disse que teria o seu prprio pessoal jurdico e a sua prpria polcia. No dou a mnima pelos pragmatmetros e sanitrios de luxo. O ponto autntico que desta vez vamos ter a cincia aplicada aos problemas sociais e apoiada por toda a fora do Estado, tal e qual como no passado. A guerra tem sido apoiada pela fora toda do Estado. Espera-se, claro, que

  • descobrir mais do que fez a velha cincia por conta prpria; mas o que certo que pode fazer mais.

    Raios disse Curry, olhando para o relgio. Tenho de ir falar com o NO agora. Se desejarem algum brandy quando tiverem acabado o vinho, est naquele aparador. Os copos de balo encontram-se na prateleira por cima. Voltarei assim que puder. No vem, James, pois no?

    Sim disse o tesoureiro. Vou para a cama cedo. Que isso no interrompa a festa de vocs dois. Tenho estado em p quase todo o dia, sabem. Um homem um tolo, se desempenhar algum cargo nesta Faculdade. Ansiedade constante. Responsabilidade esmagadora. E depois ainda tem gente sugerindo que todos aqueles pequenos escaravelhos investigadores que nunca espetam o nariz fora das suas bibliotecas ou laboratrios que so os autnticos trabalhadores! Gostaria de ver Glossop ou qualquer desse tipo enfrentar o tipo de trabalho dirio que eu tive hoje. Curry, meu rapaz, teria tido uma vida fcil se tivesse optado pela economia.

    J lhe disse comeou Curry, mas o tesoureiro, agora de p, estava curvado sobre Lord Feverstone a contar-lhe uma anedota.

    Assim que os dois homens saram da sala, Lord Feverstone olhou fixamente para Mark durante alguns segundos, com uma expresso enigmtica. Depois riu-se entre dentes. Depois o riso transformou-se numa gargalhada. Atirou o corpo magro e musculoso bem para trs na cadeira e riu cada vez com mais fora. Tinha um riso

  • contagioso e Mark deu por si a rir tambm, muito sinceramente e at desamparadamente, com uma criana.

    Pragmatmetros, casas de banho de palcio, idealismo prtico arfou Feverstone. Era um momento de extraordinria libertao para Mark. Todo o tipo de coisas relativas a Curry e Busby, que no tinha previamente notado, ou ento, tendo no-tado, passara por cima na sua reverncia perante o Elemento Progressista, voltaram-lhe mente. Perguntava a si prprio como que podia ter sido to cego, face ao lado divertido deles.

    Realmente um tanto arrasador disse Feverstone, quando se recuperou parcialmente que as pessoas, que temos de utilizar para ter as coisas feitas, digam tais baboseiras logo que se lhe fazem perguntas sobre essas mesmas coisas.

    E, contudo, so, em certo sentido, os miolos de Bracton disse Mark.

    Santo Deus, no! Glossop e Bill, o Nevo, e at o velho Jewel, tm dez vezes a inteligncia deles.

    No sabia que tinha essa opinio. Penso que Glossop, etc., esto totalmente

    enganados. Penso que a idia deles sobre cultura, conhecimento e no sei que mais, no realista. No penso que se adapte ao mundo em que vivemos. uma mera fantasia. Mas uma idia inteiramente clara, e eles a seguem com coerncia. Sabem o que querem. Mas os nossos dois pobres amigos, embora possam ser persuadidos a tomar o trem certo, ou at conduzi-lo, no tm noo de para onde ele vai, ou

  • porqu. Vo suar sangue para trazer o NICE para Edgestow: por isso que so indispensveis, mas saber qual o objetivo de NICE, qual o objetivo de qualquer coisa, melhor perguntar-lhes outra coisa. Pragmatometria! Quinze subdiretores!

    Bem, talvez eu prprio esteja no mesmo barco.

    De forma alguma. Voc viu logo qual era o objetivo. Eu sabia que o faria. Li tudo que tem escrito desde que se candidatou a professor. Era sobre isso que eu queria falar consigo.

    Mark ficou calado. A sensao atordoadora de ser subitamente arrebatado de um lugar secreto para um outro, juntamente com o efeito crescente do excelente Porto, de Curry, impedia-o de falar.

    Quero que venha para o Instituto disse Feverstone.

    Quer dizer, deixar Bracton? Isso no faz diferena. Alis, no imagino

    que haja alguma coisa que voc queira aqui. Havemos de fazer Curry diretor quando NO se retirar e...

    Eles falavam de fazer a si diretor. Deus! disse Feverstone, e arregalou os

    olhos. Mark compreendeu que, do ponto de vista de Feverstone, aquilo era igual sugesto de que ele devia tornar-se diretor de uma escola de pequenos idiotas, e agradeceu s suas estrelas que a sua prpria observao no tivesse sido enunciada num tom que a tornasse obviamente sria. Ento ambos riram outra vez.

    Voc disse Feverstone seria

  • absolutamente desperdiado como diretor. Essa tarefa para Curry. Ele a far muito bem. Querem um homem que ame manobrar e puxar os cordis, por eles, e no pergunte realmente do que se trata. Se o fizesse, comearia a introduzir as suas prprias, bem, suponho que lhe chamaria idias. Assim, desta maneira, apenas temos de lhe dizer que ele pensa que fulano tal um homem que a Faculdade quer, e ele pensa isso mesmo. E ento no descansa mais at fulano tal ter um lugar de professor. para isso que queremos a Faculdade: uma rede de arrasto, um escritrio de recrutamento.

    Um escritrio de recrutamento para o NICE, quer dizer?

    Sim, na primeira fase. Mas apenas parte da histria toda.

    No estou certo de saber o que quer dizer. Em breve estar. O nosso lado, e tudo isso,

    sabe! Soa um tanto ao estilo de Busby dizer que a Humanidade est numa encruzilhada. Mas neste momento, essa a questo principal: de que lado cada um est: obscurantismo ou ordem. Parece que agora realmente teremos o poder de nos firmarmos, como espcie, durante um perodo de vacilao para assumirmos o controle do prprio destino. Se forem realmente dadas cincia mos livres, ela pode agora tomar conta da raa humana e reconcili-la: tornar o homem um animal realmente eficiente. Se no for feito, estamos liquidados.

    Continue. H trs problemas principais: primeiro, o

    problema interplanetrio...

  • Que diabo quer dizer? Bem, isso j realmente no interessa. Nada

    podemos fazer sobre isso, presentemente. O nico homem que podia ajudar-nos era Weston.

    Foi morto num ataque areo, no foi? Foi assassinado. Assassinado? Tenho certeza absoluta, e tenho boa idia

    de quem foi o assassino. Santo Deus! E no se pode fazer nada? No h provas. O assassino um

    respeitvel professor de Cambridge com olhos fracos, uma perna coxa e a barba loura. J jantou nesta Faculdade.

    Por que que Weston foi assassinado? Por estar do nosso lado. O assassino um

    dos do inimigo. Quer dizer que foi assassinado por isso? Sim disse Feverstone, batendo

    secamente com a mo em cima da mesa. Essa que a questo. Vai ouvir gente como Curry ou James gorgolejando a respeito da guerra contra a reao. No lhes entra na cabea que poder ser uma guerra real, com baixas reais. Pensam que a resistncia violenta do outro lado terminou com a perseguio de Galileu e tudo isso. Mas no acredite. Est justamente comeando a srio. Sabem agora que temos finalmente poderes reais: que a questo daquilo que a Humanidade vai ser ser decidida nos prximos sessenta anos. Vo lutar polegada a polegada. No pararo diante de nada.

    No podem ganhar disse Mark.

  • Esperemos que no disse Lord Feverstone. Penso que no podem. Por isso to importante que cada um de ns escolha o lado certo. Quem tenta ser neutro, torna-se simplesmente um peo.

    Oh, no tenho dvida alguma de qual o meu lado disse Mark. Tudo o mais pode perder-se, mas a preservao da raa humana uma obrigao bem fundamental.

    Bem, pessoalmente disse Feverstone , no vou me entregar a quaisquer Busbyismos a esse respeito. um pouco fantstico basearmos as nossas aes numa suposta preocupao por aquilo que vai acontecer daqui a milhes de anos; e tem de se lembrar que o outro lado clamaria estar tambm preservando a Humanidade. Se tomam essa orientao, ambos podem ser explicados em termos psicanalticos. A questo prtica que voc e eu no gostamos de ser pees; antes preferimos lutar, especialmente do lado vencedor.

    E qual o primeiro passo, em termos prticos?

    Sim, essa a questo real. Como disse, o problema interplanetrio tem de ser deixado de lado, no momento. O segundo problema o dos nossos rivais neste planeta. No quero dizer apenas insetos e bactrias. H por a um excesso de vida de toda espcie, animal e vegetal. Ainda no desbravamos realmente este lugar. Primeiro no podamos, e depois tnhamos escrpulos estticos e humanitrios; e ainda no eliminamos a questo do equilbrio da natureza. Tudo isso para ser tratado.

  • O terceiro problema o prprio homem. Continue. Isto me interessa muito. O homem tem de se encarregar do

    homem. Isto significa, lembre-se, que alguns homens tm de tomar conta dos restantes, que mais uma razo para aproveitar a ocasio logo que se puder. Voc e eu queremos ser daqueles que tomam conta dos outros e no daqueles de quem outros tomam conta. Perfeitamente.

    E que coisas voc tem em mente? Coisas inteiramente simples e bvias,

    primeiro: esterilizao dos incapazes, liquidao das raas atrasadas (no queremos pesos mortos), reproduo seletiva. Depois educao autntica, incluindo educao pr-natal. Por educao autntica quero dizer uma que no tenha faltas de senso do tipo pega ou deixa ficar. Uma educao autntica faz do paciente aquilo que ela quer, infalivelmente: faam o que fizerem ele ou seus pais. Claro que no incio ter de ser principalmente psicolgico. Mas chegaremos ao condicionamento bioqumico, e, finalmente, manipulao direta do crebro...

    Mas isso estupendo, Feverstone. Ser a chave de tudo, enfim. Um novo

    tipo de homem: e ser gente como voc que tem de comear a faz-lo.

    A que est a minha dificuldade. No pense que falsa modstia, mas ainda no vi como que eu posso contribuir.

    No, mas ns vimos. Voc o que ns precisamos: um socilogo preparado, com uma

  • maneira de ver radicalmente realista e sem receio das responsabilidades. E tambm, um socilogo capaz de escrever.

    No est querendo dizer que quer que eu v exaltar por escrito tudo isto?

    No. Queremos que o insinue por escrito, que o disfarce. Apenas por enquanto, claro. Uma vez que as coisas comecem a andar no teremos que nos incomodar com o grande corao do pblico britnico. Faremos do grande corao aquilo que queremos que ele seja. Mas, entretanto, faz realmente diferena como as coisas so postas. Por exemplo, se sequer se murmurasse que o NICE quer poderes para fazer experincias em criminosos, amos ter todas os velhotes de ambos os sexos de armas na mo e a ganir sobre a Humanidade. Mas d-lhe o nome de reeducao dos no-adaptados e vai ter todos se babando deliciados porque a era brutal do castigo punitivo chegou finalmente ao fim. uma coisa esquisita; a palavra experincia no popular, mas a palavra experimental . No se deve fazer experincias com crianas; mas oferece-se aos queridos pequeninos educao gratuita numa escola experimental ligada ao NICE, e est tudo bem!

    E este lado jornalstico seria a minha ocupao principal?

    No tem nada a ver com jornalismo. Os seus leitores, em primeiro lugar, seriam Comisses da Cmara dos Comuns, e no o pblico. Mas isso seria apenas um aspecto lateral. Quanto ao trabalho em si, bem, impossvel dizer como ele poderia

  • desenvolver-se. Falando com um homem como voc, no vou vincar o lado financeiro. Comearia por qualquer coisa muito modesta, digamos, cerca de mil e quinhentas por ano.

    No estava pensando nisso disse Mark, corando de pura excitao.

    claro disse Feverstone , tenho de avis-lo, h perigo. No ainda, talvez. Mas quando as coisas realmente comearem a zumbir, est escrito que podem tentar abat-lo, como ao pobre velho Weston.

    No acho que estivesse pensando nisso tambm disse Mark.

    Olhe l disse Feverstone. Deixe-me lev-lo amanh para ver John Wither. Ele me disse para lev-lo no fim de semana, se estivesse interessado. Vai encontrar l toda as pessoas importantes e lhe dar a oportunidade de tomar uma deciso.

    Como que Wither entra nisto? Pensava que Jules era o chefe do NICE. Jules era um novelista distinto e um divulgador cientfico cujo nome apareceria sempre ao pblico ligado ao novo Instituto.

    Jules! Diabos me levem! disse Feverstone. No imagine que esse mascote tem algo a dizer quanto ao que realmente se passa! Ele serve muito bem para vender o Instituto ao grande pblico britnico nos jornais de domingo e ganha um salrio avantajado. No tem utilidade para o trabalho. No existe nada dentro da cabea dele exceto algum palavreado socialista do sculo xix e

  • patetices a respeito dos direitos humano. Chegou at Darwin e mais nada.

    Oh, absolutamente disse Mark. Sempre fiquei um tanto intrigado por ele figurar nesta histria. Sabe, j que foi to amvel, acho melhor aceitar a sua oferta e ir at casa de Wither no fim de semana. A que horas que vai partir?

    Por volta de quinze para as onze. Ouvi dizer que voc vive para os lados de Sandown. Posso passar por l e lev-lo.

    Muito obrigado. Conte-me agora alguma coisa sobre Wither.

    John Wither comeou Feverstone, mas interrompeu-se subitamente. Raios! disse ele. A vem Curry. Agora vamos ter de ouvir tudo o que NO disse e quo maravilhosamente o arquipoltico lidou com ele. No fuja. Vou precisar do seu apoio moral.

  • II O ltimo nibus j tinha sado muito antes de

    Mark deixar a Faculdade, e l foi a p para casa, pela colina acima, luz brilhante da lua. Algo muito incomum lhe aconteceu no momento em que entrou no apartamento. Encontrou-se, no tapete da entrada, abraando uma Jane aterrada e soluante, uma Jane at humilde, que lhe dizia Oh Mark, tenho estado to assustada.

    Havia uma qualidade nos prprios msculos do corpo da sua mulher que o tomou de surpresa. Uma certa e indefinvel sensao de defensiva a tinha abandonado momentaneamente. Tinha conhecido antes tais ocasies, mas eram raras, e vinham se tornando cada vez mais raras. E tendiam, pela sua experincia, a ser seguidas no outro dia por zangas inexplicveis. Isto o intrigava muito, mas nunca pusera em palavras a sua confuso.

    duvidoso se poderia compreender os sentimentos dela, mesmo se lhe tivessem sido explicados; e Jane, em qualquer caso, no podia explic-los. Estava numa extrema confuso. Mas as razes para o seu comportamento incomum, nesta noite em especial, eram bastante simples. Tinha regressado da casa dos Dimbles cerca das 4 horas e 30 minutos, sentindo-se muito animada pelo passeio, com fome e absolutamente certa de que as suas experincias na noite anterior e ao almoo eram coisas do passado e resolvidas. Tivera de acender as luzes e correr as cortinas antes de acabar de tomar

  • ch, porque os dias estavam ficando curtos. En-quanto o fazia, viera-lhe mente o pensamento de que o seu terror com o sonho e com a simples meno de um manto, um velho, um velho enterrado mas no morto, e uma lngua parecida com a espanhola, tinha sido realmente to irracional como o medo de uma criana no escuro. Isto a levara a recordar momentos em que ela tivera medo do escuro em criana. Talvez tivesse ficado lem-brando-se deles tempo demais. De qualquer maneira, quando se sentou para tomar a ltima xcara de ch, a tarde tinha-se estragado, por isto ou por aquilo. E no se recomps. Primeiro, achou um tanto difcil concentrar o esprito no livro que tinha nas mos. Depois, quando reconhecera j essa dificuldade, achou difcil concentrar-se em qualquer outro livro. Depois verificou que estava inquieta. De inquieta passou a nervosa. Depois seguiu-se um longo perodo em que no estava assustada, mas sabia que ficaria muito assustada realmente se no se controlasse. Depois uma curiosa relutncia em ir cozinha preparar qualquer coisa para jantar, e uma dificuldade, na verdade, uma impossibilidade, em comer o que quer que fosse, depois de o ter preparado. E agora no havia como disfarar o fato de que estava assustada. Em desespero, ligou para os Dimbles.

    Acho que, afinal, talvez v ver a pessoa que sugeriu disse. A voz da Sra. Dimble respondeu, depois de uma curiosa ligeira pausa, dando-lhe o endereo. Ironwood era o nome, aparentemente, Miss Ironwood. Jane tinha pensado

  • que fosse um homem e sentiu uma certa repulsa. Miss Ironwood vivia em St. Anne-on-the-Hill. Jane perguntou se devia marcar um horrio.

    No disse a Sra. Dimble. Estaro, no preciso marcar horrio. Jane prolongou a conversa tanto quanto possvel. Tinha ligado no tanto para obter o endereo mas mais para ouvir a voz da Me Dimble. Secretamente tivera a esperana louca de que a Me Dimble reconhecesse a sua aplicao e dissesse imediatamente:

    Vou j ir a de carro. Em vez disso obteve a simples informao e

    um apressado boa noite. Pareceu a Jane que havia qualquer coisa de

    esquisito na voz da Sra. Dimble. Achou que, ao telefonar, tinha interrompido uma conversa a respeito dela prpria (ou no); talvez no a respeito dela prpria, mas a respeito de outra coisa qualquer mais importante, com a qual ela estava de alguma maneira relacionada. E o que que a Sra.Dimble tinha querido dizer por estaro, estaro sua es-pera? Vises horrveis, de noites infantis, de Eles espera dela, passaram-lhe pela cabea. Viu Miss Ironwood, toda vestida de preto, sentada com as mos cruzadas sobre os joelhos, e depois algum a lev-la presena de Miss Ironwood e dizendo: Ela est aqui e a deixe-a l.

    O Diabo leve os Dimbles!, disse Jane para consigo mesma, e depois se desdisse, mais com receio do que com remorsos. E agora que a tbua de salvao fora utilizada e no trouxera alvio algum, o terror, como se ofendido pela sua tentativa ftil de

  • lhe escapar, voltou a atirar-se a ela sem possibilidade de disfarce, e no foi capaz mais tarde de se lembrar se o velho e o manto lhe tinham, efetivamente, aparecido num sonho ou se ela tinha simplesmente ficado por ali sentada, atordoada e de olhos esgazeados, esperando, esperando, esperando (at mesmo rezando, embora no acreditasse em nada a que pudesse rezar) que no aparecessem.

    E foi por isso que Mark encontrou uma Jane to inesperada no tapete da entrada. Era uma grande pena, pensou, que aquilo tivesse acontecido numa noite em que ele vinha to tarde e to cansado e, para dizer a verdade, no totalmente sbrio.

  • III Sente-se mesmo bem esta manh?

    disse Mark. Sim, muito obrigado disse Jane

    secamente. Mark estava estendido na cama bebendo uma

    xcara de ch. Jane estava mesa do toucador, parcialmente vestida e arrumando o cabelo. Os olhos de Mark pousaram nela com prazer indolente e matutino. Se ele tinha to pouca conscincia do que havia de mal ajustado entre ambos, isso era em parte devido ao hbito incurvel de projeo da nossa raa: pensamos que o cordeiro dcil porque a sua l macia nas nossas mos; os homens cha-mam voluptuosa a uma mulher quando ela desperta sentimentos voluptuosos neles. O corpo de Jane, macio mas firme, delgado mas bem proporcionado, era to exatamente como o esprito de Mark queria que fosse, que lhe era praticamente impossvel no lhe atribuir as mesmas sensaes que despertava nele.

    Tem certeza que est bem? perguntou outra vez.

    Absolutamente disse Jane ainda mais secamente. Jane pensou que estava aborrecida porque o cabelo no estava ficando do gosto dela e porque Mark estava atrapalhando. Sabia tambm, claro, que estava profundamente zangada consigo mesma devido ao colapso que a trara na noite anterior, fazendo-a ser o que mais detestava: a

  • mulherzinha alvoroada, lacrimosa da fico sentimental, correndo em busca de conforto nos braos masculinos. Mas pensava que aquela animosidade estava apenas na parte mais afastada do seu esprito, e no tinha qualquer suspeita do que pulsava atravs de todas as suas veias e estava produzindo naquele mesmo momento a falta de jeito dos seus dedos que fazia o cabelo parecer intratvel.

    Porque continuou Mark se se sente minimamente desconfortvel, eu podia adiar a ida a esse tal Wither.

    Jane no disse nada. Se eu for disse Mark terei

    certamente de passar a noite fora, ou talvez duas noites.

    Jane cerrou os lbios um pouco mais firmemente e continuou a no dizer nada.

    Supondo que eu v disse Mark , no pensaria em pedir a My